Hansen-Løve, Mia, dir. Un Amour de Jeunesse/Goodbye First Love. Les Films Pelléas, 2011. O amor na juventude constitui um tema dileto do cinema norteamericano e europeu, como evidenciam as películas A Little Romance (1979), de George Roy Hill, Endless Love (1981), de Franco Zeffirelli, My Girl (1991), de Howard Zieff, ou, mais recentemente, Juno (2007), de Jason Reitman. Na vasta gama de temas românticos, nenhum assunto toca mais o público do que os amores perdidos ou proibidos. Nesta linha, Un Amour de Jeunesse (Goodbye First Love, em língua inglesa) representa uma elegia à dolorosa separação entre adolescentes, e ao reencontro, já na idade adulta. O enredo é enganadoramente simples, quase caindo na fórmula “girl gets boy, girl loses boy, girl gets boy back”, mas com um final tão melancólico que suscita a reflexão. Esta história semiautobiográfica foi escrita e realizada por Mia Hansen-Løve, cujo percurso pelo cinema conheceu diversas etapas: a estreia como atriz, aos dezoito anos, na película Fin Août, Début Septembre (1998); o labor de crítica na célebre revista Les Cahiers du Cinéma; a direção do primeiro filme, Après mûre réflexion (2004). Foi ao efetuar esse último trabalho que descobriu o seu talento como realizadora, cumprido nos filmes seguintes, Tout est pardonné (2007), Le père de mes enfants (2009) e, agora, neste Un Amour de Jeunesse (2011). A realizadora afirma tratar-se de uma trilogia, iniciada pela película mais recente, sob o signo dos riscos do amor, e das dores de crescimento. Em qualquer dos filmes, a protagonista é uma jovem que ultrapassa os obstáculos e que, ao longo do processo, descobre a sua identidade como mulher. O enredo do filme em análise principia em 1999, quando Camille Shaeffer (Lola Creton), uma rapariga de quinze anos, sensível e ingénua, apaixona-se por Sullivan (Sebastien Urzendowsky), um jovem um pouco mais velho, perdido nos labirintos do idealismo adolescente. O seu primeiro amor é algo ingénuo, mas eufórico, enquadrado pela beleza paisagística de Ardèche, no sul de França. Neste contexto, destaco a capacidade de Hansen-Løve para criar atmosferas, onde a natureza reflete o estado de espírito dos intervenientes, e apresenta uma carga simbólica. O rio, por exemplo, evoca o fluir da vida; o chapéu, levado pela corrente, representa o abandono da adolescência e o ajuste de contas com as memórias, no final do filme. A película é ainda marcada por um erotismo que, ocasionalmente, lembra a estética do fotógrafo e cineasta David Hamilton, que na década de setenta escandalizou o mundo com imagens granuladas ou esbatidas de adolescentes nuas. O amor idílico entre os jovens é brutalmente interrompido quando o instável Sullivan anuncia que deseja partir para explorar o mundo, com os amigos. Como repara perspicazmente Philip French, em The Observer (6 maio 2012), o nome da personagem constitui uma referência intertextual ao protagonista de The Sullivan’s Travels, que também parte em busca de si. Esta jornada de autodescoberta através da América Latina prolongar-seá por dez meses – o que para Camille, profundamente apaixonada, equivale a uma eternidade. A jovem suporta com estoicismo esta ausência, entrecortada por algumas cartas de Sullivan, ora românticas ora mais desprendidas, que prenunciam o fim da relação. No mapa afixado na parede do seu quarto, Camille vai cravando alfinetes, que pontilham o trajeto do namorado distante, e esforça-se por não cair no desalento. Contudo, a correspondência torna-se, pouco a pouco, mais rara, até cessar abruptamente, quando Sullivan decide que o amor é um peso que o impede de apreciar a viagem. Camille transita da esperança para a constatação dura de que o namorado perdeu o interesse por ela. Como a jovem explica à mãe, Sullivan constitui a “seule raison de vivre”, uma âncora na fase tumultuosa da adolescência, e um ser humano que a compreende. Consequentemente, Camille afunda-se no desespero e chega a tentar o suicídio, passando por uma crise de identidade. Já estudante universitária, a jovem apaixona-se por um professor de arquitetura divorciado e vinte anos mais velho, o norueguês Lorenz (Magne-Håvard Brekke), no que parecia ser apenas mais um caso entre docente e aluna. Contudo, o carisma, maturidade e temperamento artístico de Lorenz contrastam vivamente com a personalidade imberbe e instável de Sullivan. Assim, e apesar da diferença de idades, o seu amor é tranquilo e verdadeiro, proporcionando a Camille uma base para o seu crescimento interior. Pergunto-me se este relacionamento não será um reflexo do próprio amor entre Hansen-Løve e o marido, o cineasta Olivier Assayas, um homem consideravelmente mais velho. No entanto, oito anos após a separação, o acaso leva os dois jovens a reencontrarem-se, e a envolverem-se num caso tumultuoso, aproveitando a ausência do marido. É possível reviver e recriar o passado? Será a separação entre Camille e Sullivan, de novo, inevitável? Pela positiva, Un Amour de Jeunesse não resvala para o sentimentalismo que tantas vezes macula este género de filme, mas antes leva o espetador a refletir acerca das mudanças na vida e a forma como certas etapas condicionam as relações. Mostra que há sempre um momento 212 no caminho rumo à maturidade em que é necessário abandonar o quixotismo da juventude, e encarar com determinação as vicissitudes dos relacionamentos. Prova ainda que é difícil ou impossível recriar o passado, mesmo quando a força do desejo impele ainda os amantes. O destino de cada indivíduo é mudar, ao longo da existência, através de numerosos desvios de rumo, marcados por acasos, incidentes ou escolhas. Neste sentido, o filme centra-se menos no enredo e mais no retrato de personagens, bem delineadas, que suscitam a empatia do espetador, sobretudo através da identificação com Camille e da simpatia para com a sua ingenuidade e dor. Pela negativa, o filme carece de continuidade, por um lado, na montagem, porque as transições entre os planos nem sempre são corretas; e, por outro, porque a caraterização de Camille e de Sullivan não expressa de forma convincente o envelhecimento. O ritmo pausado do filme, que permite apreciar a beleza da cinematografia de Stéphane Fontaine, acelera desagradavelmente, quando, através de elipses, é revelado o percurso de Camille do secundário à faculdade de arquitetura. Consequentemente, a película resulta, por vezes, fragmentária, quebrando-se a atmosfera essencial para prender a atenção do espetador. Apesar de nem sempre cumprir as expetativas geradas pelo filme precedente da realizadora, Le Père de mes Enfants, este Amour de Jeunesse merece ser visto atentamente. Pelo retrato amargo e doce que esboça do primeiro amor, por certo, mas sobretudo pela evolução das personagens, bem construídas e empáticas. Acresce dizer que o filme foi distinguido, em 2011, com a seleção oficial em diversos certames cinematográficos, entre os quais o Cannes Film Festival, o Telluride Film Festival e o Toronto International Film Festival, o que revela o apreço da crítica. JOÃO DE MANCELOS 213 SANTANA, Maria Olinda Rodrigues (2008). Documentação foraleira dionisina de Trás-os-Montes. Breve estudo e edição interpretativa. Lisboa: Edições Colibri (Estudos e ensaios; 6). 280 pp. ISBN 978-972-772-757-5. Documentação foraleira dionisina de Trás-os-Montes. Breve estudo e edição interpretativa, da autoria de Maria Olinda Rodrigues Santana, Professora Associada do Departamento de Letras da Universidade de Trásos-Montes e Alto Douro, publicado em Lisboa, pelas Edições Colibri, em 2008, vem dar continuidade a um projecto iniciado dois anos antes com a publicação de Documentação dionisina do concelho de Vila Pouca de Aguiar. Edição, contextualização histórico-geográfica e estudo vocabular, assinado quer por Maria Olinda Rodrigues Santana, quer por Mário José da Silva Mineiro (Lisboa, Edições Colibri, 2006). Trata-se de um volume mais extenso, de duzentos e oitenta páginas, mas que se norteia fundamentalmente pelo mesmo objectivo delineado com a publicação do primeiro: tornar disponível a um público-alvo mais vasto, através de uma edição interpretativa, os documentos foraleiros medievais concedidos pelo rei Dinis a todas as localidades situadas na região de Trás-os-Montes, entre 1285 e 1324, incorporando, por conseguinte, um mais alargado corpus de cento e dois textos organizados por dois distritos, de que foram excluídos os documentos senhoriais leigos e religiosos. No tocante ao de Bragança (1285-1324), integra o foral de Rebordãos (1285), a carta de avença entre Dinis e o mosteiro de Castro de Avelãs (1285), o foral de Sanceriz (1285), o foral de Valverde (1285), o foral de Vila Franca (1286), o foral de Miranda do Douro (1286), o aforamento colectivo de Penas Róias (1287), o aforamento colectivo de Santulhão (1288), o aforamento colectivo de Pinelo (1288), o aforamento colectivo de Argoselo (1288), a carta de sentença entre Dinis e o mosteiro de Castro de Avelãs (1288), o foral de Frieira (1289), o foral de Gostei e Castanheira (1289), a carta de escambo de Outeiro de Muas por Gostei e Castanheira (1290), o foral de Outeiro e Muas (1290), o aforamento colectivo de Vale de Cadelas (1292), a carta de mercê de Miranda do Douro (1297), a carta de escambo de Caçarelhos por Sanceriz (1300), o aforamento colectivo de Vilar de Refóios (1301), o foral de Castro Vicente (1305), o foral de Arrufe (1308), o foral de Vale de Nogueira (1308), o foral de Viduedo (1308), o foral de Pombares (1308), o foral de Bemposta (1315), a carta de sentença entre o concelho de Castro Vicente e Chacim (1319), a carta de sentença entre Dinis e o mosteiro de Castro de Avelãs (1319), a carta de mercê de Bemposta (1321), a carta de mudança de Mirandela (1282), o aforamento colectivo de Lagoaça (1286), o foral de Torre de D. Chama (1287), o foral de Vilarinho da Castanheira (1287), o foral de Vale de Prados (1287), o aforamento colectivo de Agrochão (1288), o foral de Ervedosa (1288), o aforamento colectivo de Vale de Telhas (1289), o foral de Mirandela (1291), a carta de avença entre o rei e o concelho de Mirandela (1293), a carta de doação de Torre de D. Chama a Mirandela (1293), o foral de Alfândega da Fé (1294), o foral de Vila do Conde (1296), a carta de foro de Cabeça de Conde (1299), o foral de Torre de D. Chama (1299), a carta de confirmação a mestre Julião (1299), a carta de mercê de Vilarinho de Castanheira (1299), a carta de doação a mestre Julião (1301), os forais de Sesulfe (1302), a carta de sentença entre Torre de D. Chama e Mirandela (1303), a carta de compilação entre Alfândega da Fé e Sambade (1309), a carta de mercê de Vila Paço (1310), a carta de mercê de Lomba (1311), o foral de Lomba (1324), os forais de Vila Flor ([1286] e 1286), o foral de Nozelos (1284) e a carta de mercê a Freixo de Espada à Cinta (1311). No referente ao de Vila Real (1282-1321), integra o aforamento colectivo de Carvalhelhos (1288), o aforamento colectivo de Sessergo (1288), o aforamento colectivo de Curros (1288), o aforamento colectivo de Vilarinho (1288), o aforamento colectivo de Lavradas (1288), o aforamento colectivo de Mosteiró (1288), a carta de mercê de Chaves (1321), o aforamento colectivo de Carvalhais (1288), o aforamento colectivo de S. Mamede (1288), a carta de sentença de Paredes e Corvedo (1289), a carta de sentença entre os juízes de Montalegre e os homens de Capões (1289), a carta de sentença dos moradores de Lapela (1289), a carta de doação do concelho de Montalegre (1309), a carta de foro de Gralhas (1310), o aforamento colectivo de Bomsiso (1297), a carta de foro de Canedo (1308), a carta de confirmação de Vila Boa de Montenegro (1301), o foral de Vila Boa de Montenegro (1301), a carta de mercê a Vila Boa de Montenegro (1301), as cartas de procuração do concelho de Chaves para reaver o concelho de Montenegro (1302), a carta de mercê do concelho de Chaves (1302), a carta de doação ao concelho de Chaves (1302), o novo foral de Montenegro (1303), a carta de doação de Montenegro ao concelho de Chaves (1304), a carta de mercê do concelho de Chaves (1304), a carta de sentença do concelho de Chaves (1307), o aforamento colectivo de Ovelhã (1286), o aforamento colectivo de Calvos (1286), o aforamento colectivo de Soutelinho (1286), o aforamento colectivo de Freixeda (1286), o aforamento colectivo da Gralheira (1286), 216 o aforamento colectivo de Vila do Conde (1286), o aforamento colectivo de Tinhela (1288), o aforamento colectivo de Valoura (1290), a carta de doação de Jales a Maria Afonso (1304), o foral de Jales (1304), os forais de Vila Real (1289 e 1293), a carta de procuração de Vila Real (1304), o aforamento colectivo de Abaças (1285), a carta de contenda entre Dinis e o cabido de Braga (1282), o aforamento colectivo de Sanguinhedo (1286), a carta de foro de Murça (1304) e o foral de Favaios (1284). Os pergaminhos contendo estes textos conservam-se actualmente em diversos fundos arquivísticos dos AN/TT – este volume concentra-se sobretudo na reforma dos arquivos nacionais levada a cabo no reinado de Afonso V, mais concretamente entre as décadas de cinquenta e de setenta do século XV, pelo cronista régio e guarda-mor da Torre do Tombo, Gomes Eanes de Zurara, devido a queixas apresentadas em Cortes, em Lisboa, em 1459, da qual terá resultado o desaparecimento de vários livros de chancelaria medievais portugueses –, tendo sido parcialmente publicados, em edição paleográfica, por José Peixoto Pinto da Mota, por Ana Lúcia Pereira Costa e por Mário José da Silva Mineiro, nas Dissertações por estes apresentadas à UTAD, para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Cultura Portuguesa, entre 2003 e 2004, intituladas Documentação foraleira colectiva dionisina dos concelhos de Bragança, Vimioso, Miranda do Douro e Mogadouro; Documentação foraleira dionisina dos concelhos de Alfândega da Fé, Carrazeda de Ansiães, Freixo de Espada à Cinta, Macedo de Cavaleiros, Mirandela, Torre de Moncorvo e Vinhais. Contextualização histórico-geográfica e edição; e A documentação foraleira dionisina dos concelhos de Montalegre, Boticas, Vila Pouca de Aguiar, Ribeira de Pena, Chaves e Valpaços. Contextualização histórica e edição, respectivamente. Alguns textos já haviam sido publicados por Maria Olinda Rodrigues Santana e Mário José da Silva Mineiro, em 2006. O volume foi estruturado em dois capítulos: o primeiro, intitulado «Breve estudo»; e o segundo, «Edição interpretativa». No primeiro, apresenta-se um breve historial da reforma de Gomes Eanes de Zurara na Torre do Tombo, para depois se proceder, de uma forma genérica, à discriminação da tipologia foraleira medieval, e, de uma forma específica, à identificação da relacionada com a região de Trás-os-Montes; bem como à análise das implicações históricas decorrentes da concessão destes documentos a cada localidade – em grande medida relacionadas com a problemática do seu condicionalismo geográfico fronteiriço –, num dos subcapítulos de mais acessível leitura para o público-alvo a que a obra se destina. No segundo, elabora-se a edição interpretativa dos cento e dois 217 textos acima mencionados, cinquenta e sete dos quais relativos ao actual distrito de Bragança, e quarenta e cinco, ao de Vila Real, sistematizados num quadro-síntese que antecede a edição interpretativa propriamente dita. Tal como a autora nos explica na introdução ao volume, as circunstâncias em que este foi elaborado – projectos de investigação individuais que se traduziram na edição paleográfica dos documentos foraleiros nas três Dissertações de Mestrado em Cultura Portuguesa apresentadas à UTAD anteriormente citadas, utilizadas como base para a realização de uma edição semipaleográfica electrónica a ser incluída, em linha, no Corpus diacrónico do Português, no âmbito de um projecto de investigação mais vasto, dirigido por Mark Davies e Michael Ferreira, da Georgetown University, de Washington – são, em nosso entender, o motivo pelo qual este volume, ainda que adoptando a mesma linha metodológica do publicado anteriormente, fica claramente aquém dos objectivos propostos, pelo menos nos seus aspectos essenciais. Com efeito, este volume procura ser uma adequação de leituras paleográficas especializadas a um público-alvo que não detém conhecimentos técnicos aprofundados, pelo que a forma como os textos continuam a ser apresentados – ainda que mantendo a metodologia seguida no volume anterior, facto que, por si só, deve ser salientado como algo de positivo – se mostra de difícil leitura, quer pela quantidade de referências bibliográficas que antecedem a transcrição de cada texto, que muito facilmente poderiam ser resumidas a referências que facilitassem a confrontação do leitor com a mancha gráfica da página, quer pelos sinais braquigráficos utilizados ao longo da transcrição de cada texto, que, para além de manter a grafia do Português transmitida pelas cópias dos documentos da Chancelaria de Dinis elaboradas no século XV – o que, como é evidente, já levanta dificuldades para quem não está familiarizado com este tipo de leitura – se tornam desnecessários numa edição interpretativa cuja finalidade não se relaciona com critérios de fixação textual, naturalmente muito úteis para os especialistas em diplomática e paleografia, entre outros estudiosos com ligações ao mundo académico. Estamos, por conseguinte, perante o segundo resultado editorial de um projecto científico que se espera vir a dar novos resultados num futuro próximo. Como é evidente, as metodologias seguidas nos dois volumes publicados, uma vez que já foram estabelecidos os pressupostos de edição interpretativa dos textos, deverão seguramente manter-se, alargando-se apenas o âmbito geográfico de estudo contemplado em cada volume. Os publicados em 2006 e 2008 primam pelo seu rigor metodológico, pelo que se aguarda a publicação de novos volumes preparados com as mesmas 218 coerência e consistência metodológicas. Não obstante – e esta é claramente uma questão de que não podemos passar ao lado, uma vez efectuada a sua leitura –, os volumes dados à estampa não conseguiram cumprir, pelo menos em parte, os objectivos a que os respectivos autores se propuseram com a sua elaboração. Diríamos até que o primeiro volume, de oitenta e oito páginas, conseguiu alcançar mais estes objectivos do que o segundo, de duzentos e oitenta: é evidente que o que está em causa não é o número de páginas que enforma cada volume, mas sim as que se reservam para a edição interpretativa dos documentos foraleiros medievais, por um lado, e as que se destinam à interpretação histórica e historiográfica desses mesmos documentos, por outro. No fundo, a parte que porventura mais interessará ao leitor a quem os dois volumes publicados se destinam. MÁRIO DE GOUVEIA 219 SANTANA, Maria Olinda Rodrigues e Mário José da Silva MINEIRO (2006). Documentação dionisina do concelho de Vila Pouca de Aguiar. Edição, contextualização históricogeográfica e estudo vocabular. Lisboa: Edições Colibri (Estudos e ensaios; 2). 88 pp. ISBN 972-772-609-7. Documentação dionisina do concelho de Vila Pouca de Aguiar. Edição, contextualização histórico-geográfica e estudo vocabular é o título de um pequeno volume de oitenta e oito páginas da autoria de Maria Olinda Rodrigues Santana, Professora Associada do Departamento de Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e Mário José da Silva Mineiro, Mestre em Cultura Portuguesa e Investigador do Centro de Estudos em Letras da UTAD, publicado em Lisboa, pelas Edições Colibri, em 2006. Trata-se de uma edição interpretativa de um corpus de nove documentos foraleiros medievais outorgados pelo rei Dinis ao concelho de Vila Pouca de Aguiar (dist. de Vila Real), entre 1286 e 1304, integrando mais concretamente os textos dos aforamentos colectivos de Calvos (1286), Soutelinho (1286), Freixeda (1286), Gralheira (1286), Vila do Conde de Aguiar de Pena (1286), Tinhela (1288) e Valoura (1290), bem como os textos da carta de doação da Terra de Jales a Maria Afonso (1304) e a carta de foro de Jales (1304), hoje conservados nos AN/TT (Chancelaria de Dinis, Livros I, III e IV), e recentemente publicados pelo segundo signatário do volume, em edição paleográfica, na Dissertação apresentada à UTAD, para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Cultura Portuguesa, em 2004. Embora concebido com o objectivo de alargar a recepção pública destes nove textos a um círculo mais amplo do que os grupos constituídos por especialistas em temáticas medievais, este volume integra vários estudos relacionados com as circunstâncias da concessão deste corpus de documentos ao mencionado concelho entre os finais do século XIII e os inícios do XIV, perseguindo, segundo as palavras dos autores, cinco objectivos: «inventariar as fontes foraleiras outorgadas por D. Dinis ao actual concelho de Vila Pouca de Aguiar»; «fazer uma edição interpretativa dos documentos, facultando a leitura dos mesmos a um público alargado»; «contextualizar geograficamente as localidades a quem (sic) o monarca outorgou os documentos»; «debuxar uma resenha histórica do reinado de D. Dinis, destacando a sua política de repovoamento relativamente às localidades em estudo»; e «estudar o conteúdo de cada documento tentando descortinar as realidades políticas, sociais e económicas de cada localidade» (p. 10). O volume foi dividido em cinco capítulos – «Edição», «Contextualização geográfica», «Contextualização histórica», «A terra e o homem» e «Breve análise vocabular» –, procurando dar vazão aos objectivos acima propostos, complementados por nove mapas relativos às localidades em epígrafe, uma representação esquemática da estrutura de um documento foraleiro dionisino, dois gráficos e três anexos relacionados com metodologias de análise lexical dos textos. A relação de fontes e de estudos utilizados faculta ao leitor interessado o aprofundamento das problemáticas abordadas ao longo do volume. Trata-se, por conseguinte, de um volume que se enquadra no âmbito dos estudos de história local e regional, e que, por este motivo, tem o mérito de pôr à disposição de todos os interessados uma parte do património histórico ainda hoje de difícil acesso para quem vive e trabalha nas regiões de Trás-os-Montes e Alto Douro. Não obstante, a forma como os textos foram tratados e apresentados parece-nos demasiado técnica, tendo em conta o público-alvo a que, segundo referem os autores, o volume se destina. Com efeito, os textos foram tratados e apresentados com grande rigor e precisão, nomeadamente ao nível da leitura paleográfica, mas segundo metodologias que são aplicadas em meios universitários – para o público-alvo, talvez seja de pouco interesse tecer considerações pormenorizadas sobre os critérios de leitura propostos por Avelino de Jesus da Costa, Eduardo Borges Nunes ou António Henrique de Albuquerque Emiliano, nomeadamente quando se descrevem as características dos vários tipos de edição possíveis do programa de leitura adoptado pelos autores –, que, como é evidente, interessam pouco ao público-alvo considerado, tal como pouco interessam as observações que fazem sobre estatísticas de análise lexical. Tendo em conta aquilo que se nos é apresentado – que, convém sublinhá-lo, é feito com objectividade e densidade –, diríamos que se trata de um volume direccionado para grupos de especialistas, até porque as considerações introdutórias que se tecem sobre a história e a historiografia diplomáticas estão muito longe de constituir a síntese mais clara que se desejaria para um público interessado em conhecer apenas as circunstâncias do povoamento medieval da sua região, base da formação da rede concelhia que ainda hoje perdura, com naturais alterações, numa zona cada vez mais desertificada do País. Tal abordagem é-nos proporcionada pelos capítulos que se seguem à leitura paleográfica dos textos, escritos de maneira bem mais fluente, e, consequentemente, 222 reduzindo todo um conjunto de informações de cunho mais erudito a sínteses acessíveis sobre a história de cada localidade, construídas com base nas informações proporcionadas pela análise dos respectivos textos, e não como resultado de investigações aprofundadas sobre cada uma. É, pois, a partir destes capítulos que o público-alvo poderá ficar a par do que a outorga dos documentos foraleiros dionisinos implicava nas vivências quotidianas de cada localidade, porque, a bem dizer, é aqui que os autores do volume demonstram – em nosso entender, correctamente – que as funções do historiador não podem limitar-se à análise do documento pelo documento: antes devem ter como marco de referência o homem, bem como as circunstâncias históricas que com ele se relacionam. MÁRIO DE GOUVEIA 223