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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Processo 7372/07.9TDLSB.L1
Acordam, após julgamento, na 3.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de
Lisboa:
I. RELATÓRIO
Nestes autos foram os arguidos, (1) Jorge Manuel Jardim Gonçalves, (2) Filipe
de Jesus Pinhal, e (3) António Manuel de Seabra e Melo Rodrigues, condenados,
em co-autoria, pela prática:
a) - o (1) arguido Jorge Jardim Gonçalves, pela prática:
1. de um crime de manipulação de mercado, previsto e punido pelo Art.º 379.º,
n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13
de Novembro, na redacção do Decreto Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, na pena de 2
(dois) anos de prisão;
2. a qual prisão lhe foi suspensa na sua execução pelo mesmo período de dois
anos, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do Art.º 50.º do Código Penal - na condição de o
arguido, no prazo de 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado desta decisão,
proceder ao pagamento da quantia total de € 600.000,00 (seiscentos mil euros) às
seguintes instituições, e nos seguintes termos: i) €300.000 (trezentos mil euros) à
instituição “RARÍSSIMAS – Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras”, e
ii) €300.000 (trezentos mil euros) à instituição “Ajuda de Berço, Associação de
Solidariedade Social”, nos termos do Art.º 51.º, n.º 1, alínea c) do Cód. Penal; e, ainda,
3. nas penas acessórias de interdição, pelo período de 4 (quatro) anos, do
exercício de profissão cujo conteúdo se traduza no desempenho de funções de
administração, direcção, chefia ou fiscalização em quaisquer instituições de crédito,
públicas ou privadas, ou quaisquer sociedades financeiras, e de publicação, a suas
expensas, do presente Acórdão (por extracto que contenha expressamente a
identificação dos arguidos, bem como do dispositivo condenatório) num jornal diário e
especializado em matéria económica ou financeira e com maior tiragem a nível
nacional, bem como numa publicação oficial do mercado de valores mobiliários, sendo
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que tal publicação deve ser efectuada no prazo de trinta dias após o trânsito em julgado
da presente decisão e sob pena de não o fazendo incorrerem na prática de um crime de
desobediência qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas do Art.º
381.º, n.º 1, do referido Código dos Valores Mobiliários, e, 348.º, n.º 2, do Código
Penal.
b) - o (2) arguido Filipe Pinhal, pela prática:
1. de um crime de manipulação de mercado, previsto e punido pelo Art.º 379.º,
n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13
de Novembro, na redacção do Decreto Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, na pena de 2
(dois) anos de prisão;
2. a qual prisão lhe foi suspensa na sua execução pelo mesmo período de dois
anos, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do Art.º 50.º do Código Penal - na condição de o
arguido, no prazo de 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado desta decisão,
proceder ao pagamento da quantia total de € 300.000,00 (trezentos mil euros) à
instituição “Acreditar – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro”, nos
termos do Art.º 51.º, n.º 1, alínea c) do Cód. Penal; e, ainda,
3. nas penas acessórias de interdição, pelo período de 4 (quatro) anos, do
exercício de profissão cujo conteúdo se traduza no desempenho de funções de
administração, direcção, chefia ou fiscalização em quaisquer instituições de crédito,
públicas ou privadas, ou quaisquer sociedades financeiras, e de publicação, a suas
expensas, do presente Acórdão (por extracto que contenha expressamente a
identificação dos arguidos, bem como do dispositivo condenatório) num jornal diário e
especializado em matéria económica ou financeira e com maior tiragem a nível
nacional, bem como numa publicação oficial do mercado de valores mobiliários, sendo
que tal publicação deve ser efectuada no prazo de trinta dias após o trânsito em julgado
da presente decisão e sob pena de não o fazendo incorrerem na prática de um crime de
desobediência qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas do Art.º
381.º, n.º 1, do referido Código dos Valores Mobiliários, e, 348.º, n.º 2, do Código
Penal.
c) - o (3) arguido António Rodrigues, pela prática:
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1. de um crime de manipulação de mercado, previsto e punido pelo Art.º 379.º,
n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13
de Novembro, na redacção do Decreto Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, na pena de 2
(dois) anos de prisão;
2. a qual prisão lhe foi suspensa na sua execução pelo mesmo período de dois
anos, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do Art.º 50.º do Código Penal - na condição de o
arguido, no prazo de 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado desta decisão,
proceder ao pagamento da quantia total de € 300.000,00 (trezentos mil euros) à
instituição à instituição “CASA – Centro de Apoio ao Sem Abrigo”, nos termos do
Art.º 51.º, n.º 1, alínea c) do Cód. Penal; e, ainda,
3. nas penas acessórias de interdição, pelo período de 4 (quatro) anos, do
exercício de profissão cujo conteúdo se traduza no desempenho de funções de
administração, direcção, chefia ou fiscalização em quaisquer instituições de crédito,
públicas ou privadas, ou quaisquer sociedades financeiras, e de publicação, a suas
expensas, do presente Acórdão (por extracto que contenha expressamente a
identificação dos arguidos, bem como do dispositivo condenatório) num jornal diário e
especializado em matéria económica ou financeira e com maior tiragem a nível
nacional, bem como numa publicação oficial do mercado de valores mobiliários, sendo
que tal publicação deve ser efectuada no prazo de trinta dias após o trânsito em julgado
da presente decisão e sob pena de não o fazendo incorrerem na prática de um crime de
desobediência qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas do Art.º
381.º, n.º 1, do referido Código dos Valores Mobiliários, e, 348.º, n.º 2, do Código
Penal.
Foram, também, todos os arguidos absolvidos da prática do crime de
falsificação de documento, previsto e punido pelo Art.º 256.º, n.º 1, alíneas d) e e), por
referência ao Art.º 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, sendo que o (4) arguido
Christopher de Beck foi ainda absolvido da prática do mencionado crime de
manipulação de mercado previsto e punido pelo Art.º 379.º, n.º 1, do Código dos
Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, na
redacção do Decreto Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro.
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Não se conformando com o acórdão, vieram os três primeiros arguidos condenados e
também o Ministério Público, recorrer para este Tribunal da Relação segundo as conclusões
seguintes.
O (1) arguido, Jorge Jardim Gonçalves, apresentou as seguintes conclusões na
motivação do seu recurso:
1)
Desde a primeira hora, o Arguido Jardim Gonçalves arguiu os vícios decorrentes (i) da falta de fundamentação de
facto e de direito da acusação pública, (ii) da ausência de circunstanciação fáctica do libelo e (iii) das proibições e nulidades
de prova. Como se compreende, os vícios em causa têm irremediáveis consequências em sede de exercício do
contraditório.
2)
Os vícios alegados foram, todavia, indeferidos em sede de instrução; o Recurso interposto pelo Arguido não foi
admitido, nos termos e com os fundamentos descritos na Decisão do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de
26.02.2011, que assenta na premissa de que a irrecorribilidade do despacho de pronúncia relativamente a nulidades e
invalidades invocadas não significa que a decisão instrutória constitua caso julgado formal quanto a essas questões.
3)
A interpretação do art.º 310.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, segundo a qual as decisões instrutórias que apreciem proibições
de prova, nulidades e irregularidades, fazem caso julgado formal, não podendo ser sindicadas pelo Tribunal de Julgamento
e pelo Tribunal ad quem, é inconstitucional, por violação dos artºs 20.º, n.ºs 1 e 4, 32.º, n.º 1, e 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP. Tal
norma com o sentido apontado viola o artº 14.º, n.º 5, do PIDCP, o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
e o artº 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção.
4)
A norma extraída dos artºs 97.º, n.ºs 3 e 5, e 283.º, n.º 3, als. b) e c), do CPP, interpretada no sentido de que o
despacho de acusação não carece de fundamentação de facto e de direito é, em tal interpretação, inconstitucional, por
violação dos artºs 2.º, 3.º, 20.º, n.º 4.º, e 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. A
interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 5, do PIDCP, e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem.
5)
Sendo manifesta a ausência de fundamentação de facto e de direito do Despacho de Acusação deduzido nestes
autos, é patente que a sentença recorrida enferma de erro de direito, devendo a decisão que indeferiu a invalidade
invocada ser substituída por outra que, em conformidade com os artºs 32.º, n.ºs 1 e 5, e 204.º, da CRP, declare inválida a
acusação, por violação do disposto no artº 97.º, n.ºs 3 e 5, 123.º e 283.º, do CPP.
6)
Veja-se que a leitura dos autos evidencia que, até à acusação, o processo (i) era já composto por dezenas de
milhares de folhas, não sendo a sua organização de fácil apreensão, (ii) correndo contra cinco Arguidos, iii) contra quem foi
deduzida uma acusação com 1220 pontos e 291 páginas, iv) onde haviam já prestado declarações 60 testemunhas em sede
de inquérito, v) se discutem diversas questões jurídicas de enorme complexidade, e que implicam a análise de operações
em bolsa e contabilísticas, praticadas por mais de 20 entidades distintas, alegadamente ocorridas entre 1996 e 2007, ou
seja, ao longo de onze anos.
7)
Trata-se, portanto, de um processo de especialíssima complexidade, nos termos e para os efeitos previstos nos
Acórdãos n.º 42/2007 e 441/2007 do Tribunal Constitucional, o que, aliás, foi reconhecido no despacho de fls. 2168.
8)
Neste contexto, foi apenas possível ao Arguido invocar o vício de falta de fundamentação, ex informata constientia,
com a apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução.
9)
Pretender que, em três dias apenas, o Arguido consultasse e analisasse, devida e exaustivamente todo o
processado e acusação, e nele detetasse eventuais irregularidades; e, naquele prazo, as viesse arguir aos autos, enquanto
também preparava a sua defesa em sede de Abertura de Instrução, cujo prazo de apresentação se encontrava em curso,
“mais não é que restringir de forma inadmissível e injustificada o direito de defesa do arguido, constitucionalmente
consagrado, desta forma se limitando, de modo desproporcionado e sem fundamento material, o núcleo essencial daquele
1
mesmo direito” .
10)
Do que resulta que o artº 123.º do CPP deve ser objeto de interpretação conforme à Constituição, nos termos e
para os efeitos do disposto nos artºs 32.º, n.ºs 1 e 5, e 204.º, da CRP, declarando-se a tempestividade da presente arguição
de irregularidade e, em consequência, a invalidade do despacho de acusação, com as inerentes consequências legais.
11)
“Não contemplando a lei qualquer possibilidade de alargamento do prazo em atenção às circunstâncias de objetiva
inexigibilidade, de acordo com a complexidade do processo e a natureza da irregularidade”, o prazo de caducidade de 3
dias para a arguição de irregularidade previsto no artº 123.º do CPP viola os artºs 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, e 18.º, n.ºs 1 e 2,
da CRP, sendo contrário ao princípio do processo equitativo e às garantias de defesa. Pelos motivos invocados, a
interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 5, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem.
1
Vide: Ac. do Tribunal Constitucional n.º 441/2007, disponível in www.tribunalconstitucional.pt;
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Por outro lado,
12)
A nulidade da acusação e da pronúncia é flagrante, como decorre da apreciação tecida a este propósito em dois
2
Pareceres juntos aos Autos, um da autoria dos Profs. FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE e outro da autoria do Prof. FARIA E
3
COSTA , com a autoridade que lhes é reconhecida.
13)
Todavia, sem tecer um qualquer comentário a propósito da análise e conclusões constantes dos ditos Pareceres, o
Tribunal limitou-se a concluir pela inexistência da nulidade invocada com base em dois argumentos, a saber: a não
indispensabilidade da indicação da data em que os Arguidos criaram ou aderiram ao dito plano e que, vindo os Arguidos
acusados na qualidade de coautores, não era necessário que lhes fosse imputada a prática de todos os factos penalmente
relevantes.
14)
Ou seja, ao cabo e ao resto o Tribunal não decidiu aquilo que verdadeiramente tinha sido chamado a decidir, a
saber: a) se são imputados aos Arguidos atos de execução penalmente relevantes no quadro da coautoria, em
cumprimento das exigências de circunstanciação das circunstâncias de tempo, de modo e de lugar, nos termos e para os
efeitos das disposições conjugadas dos artºs 26, n.º 3, do CP, e 283.º, n.º 3, al. b), do CPP; e b) se são imputados
concretamente ao Arguido JARDIM GONÇALVES atos de execução penalmente relevantes no quadro da coautoria, em
cumprimento das exigências de circunstanciação das circunstâncias de tempo, de modo e de lugar, nos termos e para os
efeitos das disposições conjugadas nos artºs 26, n.º 3, do CP e 283.º, n.º 3, al. b), do CPP.
15)
Contrariamente ao decidido pelo Tribunal, a figura da coautoria não serve para desobrigar o Ministério Público da
indicação dos comportamentos subsumíveis nos crimes em apreciação.
16)
Imputando-se a prática de crime em coautoria, há que expor os atos concretos em que se materializa a ideia (i) de
decisão conjunta, (ii) o conhecimento dos atos praticados pelos demais e, também,( iii) os concretos atos de execução
imputáveis a cada um dos alegados comparticipantes. Nada disto foi feito na acusação e na pronúncia e nada disto foi
sindicado pelo Tribunal. Neste quadro de indefinição, o Arguido não sabe o que lhe é imputado. Não pode defender-se.
17)
Não pode deixar de ter-se presente que “uma responsabilidade individual não pode basear-se tão-somente nas
funções de direção exercidas pelo agente ou, nas palavras da Acusação, “no quadro das respetivas responsabilidades
funcionais”. A imputação penal não pode ser puramente objetiva (funcional), mas tem de se sustentar subjetivamente nos
4
quadros do dolo ou da negligência” .
18)
O Arguido JARDIM GONÇALVES vem apenas referido nos pontos 41., 42., 49., 63., 64., 73., 74., 75., 76., 77., 432., 632.,
666., 718., 742., 1040., 1077. e 1191.; ou seja, em 18 dos 1195 pontos da acusação.
19)
Nada do que vem concretizado na acusação e na pronúncia relativamente ao Eng. JARDIM GONÇALVES equivale a uma
contribuição objetiva para a realização do facto de que dependem o se e o como da realização típica dos crimes de
manipulação de mercado e de falsificação de documento, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 26.º, n.º 3, do
CP.
20)
Logo, o libelo é totalmente omisso quanto aos “factos que fundamentam a aplicação ao Arguido [Jardim
Gonçalves] de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o
grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe
deve ser aplicada”, com as inerentes consequências legais.
21)
Ademais, ensinam os Professores FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE, que “ainda que se admitisse a relevância criminal
dos factos praticados (já excluída anteriormente) bem como o conhecimento desses factos por todos os Arguidos –(…) tal
seria insuficiente para que se considerasse preenchido o elemento subjetivo da coautoria. Ainda que se aceite a benefício
da argumentação, a existência de um “acordo” na prática daqueles factos, tal não seria suficiente para preencher o
elemento subjetivo da coautoria, que não se satisfaz com o mero acordo num facto alheio e muito menos com uma
5
“comunhão de interesses”.
22)
Retira-se dos pontos 19., 20., 40., 41., 42., 49., 63., 64., 65., 66., 67., 68., 69., 70., 73., 74., 75., 76., 77., 102., 111.,
432., 632., 633., 634., 642., 648., 666., 667., 668., 670., 678., 679., 706., 704., 718., 741., 742., 767., 768., 772., 773., 774.,
775., 782., 813., 816., 819., 844., 847., 850., 852., 853., 854., 875., 880., 882., 884., 888., 890., 901., 913., 915., 919., 947.,
1040., 1041., 1042., 1043., 1076., 1077., 1078., 1162., 1190. e 1191., ou seja, da totalidade dos pontos em que os Arguidos
vêm referidos na pronúncia que, com exceção da participação em atos de deliberação colegial em sede de Conselho de
Administração, aprovação de Relatórios e Contas, de emissão de pareceres e da participação em reuniões nos órgãos
estatutários do BCP – nas quais tiveram participação muitos mais indivíduos para além dos Arguidos , foram discutidos
milhares, se não dezenas de milhares, de outros assuntos para além dos que vêm expressamente descritos na acusação, e
que integram a categoria de atos de gestão ordinária no quadro de uma instituição com a dimensão do BCP –, não lhes é
imputada qualquer ação concreta!
2
A fls. 6050 a 6142 dos autos.
A fls. 4943 a 5044 dos autos.
4
Vide: p. 33 do Parecer de FIGUEIREDO DIAS E COSTA ANDRADE junto aos autos a fls...;
5
Vide: FIGUEIREDO DIAS E COSTA ANDRADE, a pp. 75 e ss do Parecer junto aos autos a fls...;
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23)
O alegado envolvimento dos Arguidos na criação de sociedades, na concessão de créditos, nos Relatórios e Contas e
na divulgação de informação mostra-se apenas suportado por conceitos jurídicos, ou por conceitos vagos, desprovidos de
qualquer conteúdo fáctico.
24)
Note-se que, não obstante o frequente uso de locuções como “determinaram”, ou outras de semelhante
significado, certo é que, quando descemos ao mundo dos factos, a acusação descreve todas as operações, em análise,
como praticadas pelas sociedades de onde nascem; ou seja, é a própria factualidade vertida na acusação a contradizer as
imputações genéricas, de que os Arguidos são alvo.
25)
Ademais, fazendo uso frequente de locuções como as de que “determinaram, asseguraram, instrumentalizaram”
ou sinónimas, a acusação nunca esclarece como, quando, a quem, que fez o quê? através de atos, praticados por todos em
simultâneo? Através de um ato concreto, da autoria imediata de, apenas, um ou alguns dos Arguidos? Quem, como,
quando e que ordens diretas foram dadas às estruturas (quais, representadas por quem, que fizeram o quê)? Por que
motivo, e em que medida, os cargos desempenhados pelos Arguidos os colocaram em situação de domínio do facto
“informação divulgada” – em particular, por oposição aos demais membros dos mesmos órgãos institucionais do banco?
26)
E para cúmulo, o libelo nada refere quanto à data, local e demais circunstâncias, em que o plano teria sido
alegadamente acordado, não sendo sequer fornecidos quaisquer dados capazes de o balizar, minimamente, no tempo.
27)
Por fim, realça-se ainda que, não obstante os 1195. pontos que integram o libelo acusatório, debalde se procurará
qualquer articulação dos factos descritos, com as normas consideradas infringidas pela sua prática.
28)
A omissão de descrição fáctica dos factos penalmente relevantes (global ou individualmente considerados),
associada à utilização, em sede de acusação, de conceitos jurídicos, de conceitos vagos e de juízos de valor e, bem assim, a
omissão de articulação dos factos descritos, com as normas consideradas infringidas pela sua prática, não permite – como
não permitiu – o exercício pleno, real e efetivo do direito de defesa do Arguido, em desrespeito pela estrutura acusatória
do processo, pelo princípio do contraditório, pelo direito de defesa, pelos princípios da confiança e lealdade, em sede
processual penal, e pelo princípio do ne bis in idem.
29)
Não sofre, pois, qualquer dúvida que a presente acusação e pronúncia, pelos diversos títulos supra indicados, são
nulas, nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 283.º, n.º 3, al. b), e 308.º, n.º 2, ambos do CPP devendo, nesta
parte, a decisão recorrida ser substituída por outro que declare a nulidade da acusação e da pronúncia, com as inerentes
consequências legais.
30)
Diferente entendimento do aqui exposto sempre resultará na inconstitucionalidade da norma que permita
sustentar a validade da acusação e/ou da pronúncia, em patente desrespeito pela estrutura acusatória do processo, pelo
princípio do contraditório, pelo direito de defesa, pelos princípios da confiança e lealdade em sede processual penal e pelo
princípio do ne bis in idem.
31)
A norma extraída dos artºs 26.º, n.º 3, do CP, 283.º, n.º 3, als. b) e c), e 308.º, n.º 2, do CPP, interpretada no
sentido de que, vindo os Arguidos acusados da prática de um crime em coautoria, a acusação/pronúncia não tem de
descrever, circunstanciadamente, os concretos atos de execução da conduta criminosa imputados a cada um dos Arguidos,
isoladamente considerados, é, em tal interpretação inconstitucional, por violação dos artºs 1.º, 2.º, 3.º, 13.º, 18.º, n.º 2,
20.º, n.º 4, 25.º, n.º 1, 27.º, 29.º, 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da CRP. A interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 5, do
PIDCP, o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de onde decorre expressamente o direito de o acusado
ser informado de forma minuciosa da natureza e da causa da acusação contra si formulada, bem como do artº 4.º do
Protocolo n.º 7 à Convenção que consagra a proibição do ne bis in idem.
32)
Do mesmo modo, a norma extraída dos artºs 283.º, n.º 3, als. b) e c), e 308.º, n.º 2, do CPP, interpretada no sentido
de que o dever de circunstanciação da conduta imputada ao Arguido é suscetível de ser cumprido com recurso a conceitos
jurídicos, a conceitos vagos, e a juízos de valor, é, em tal interpretação inconstitucional, por violação dos artºs 1.º, 2.º, 3.º,
13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4, 25.º, n.º 1, 27.º, 29.º, 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da CRP. A interpretação apontada viola também o
artº 14.º, n.º 5, do PIDCP, o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de onde decorre expressamente o
direito de o acusado ser informado de forma minuciosa da natureza e da causa da acusação contra si formulada, bem
como do artº 4.º do Protocolo n.º 7 à Convenção que consagra a proibição do ne bis in idem.
33)
Caso, porém, se entenda que o alegado na conclusão 32 precedente não importa a nulidade da acusação e da
pronúncia, resulta claro do alegado, com as necessárias adaptações, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, que
o libelo não imputa quaisquer factos ao Arguido JARDIM GONÇALVES, suscetíveis de importar a sua responsabilidade penal,
nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 255.º, al. a), 256.º, als. d) e e), do CP, e artº 379.º do CdVM, pelo que se
impõe a sua absolvição, sem mais.
34)
Decorre pois, do texto da própria sentença, mais precisamente do confronto entre a matéria provada e a sua
subsunção nas normas jurídicas aplicáveis, que a decisão de condenação recorrida enferma de nulidade, por violação do
artº 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.
6
35)
7
Nas palavras de FIGUEIREDO DIAS E COSTA ANDRADE e de FARIA COSTA , a factualidade assente imputada ao Arguido não
admite o preenchimento dos ilícitos penais sub judice sendo, por isso, atípica.
6
7
Vide: pp. 25 e ss. e 65 e ss. do Parecer junto aos autos a fls...;
No Parecer junto aos autos, a fls…, em particular nos pontos transcritos supra.
6
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36)
Como explicam aqueles primeiros dois Professores, relativamente ao crime de manipulação de mercado: a)“O
despacho do Ministério Público [e, portanto a decisão recorrida, que nada acrescentou em sede de matéria de facto] é
completamente omisso quanto à determinação da medida em que cada um dos arguidos contribui objetivamente para a
execução do crime de Manipulação de mercado. E em que termos cada um dos arguidos participou na execução, dele
8
dependendo o se e o como dessa realização criminosa” ; b) A decisão recorrida não dá como provado que o Arguido JARDIM
GONÇALVES conhecesse os atos praticados pelos demais Arguidos; c) a decisão recorrida não dá como demonstrado que os
Arguidos conhecessem os atos praticados pelos demais; d) a decisão recorrida não identifica as ações que preenchem o
9
elemento típico da “idoneidade para alterar as regras de funcionamento do mercado” e e) a verificação da factualidade
10
típica não se compadece com a simples indicação de exercício de funções de administração .
37)
Ora, não estando assentes factos concretos, praticados pelo Arguido JARDIM GONÇALVES, subsumíveis nos tipos
penais de manipulação de mercado e de falsificação de documento, em coautoria, ou seja, atendendo à inexistência de
demonstração de qualquer conduta típica, impõe-se a absolvição do Arguido.
38)
De resto, a norma extraída dos artºs 26.º, n.º 3, do CP e 374.º, nº 2 e 3, al. b), do CPP, interpretada no sentido de
que a punição de Arguido pela prática de crime em coautoria não exige a prova de concretos atos de execução, de que
dependa o se e o como da conduta criminosa, relativamente a cada um dos Arguidos, é em tal interpretação
inconstitucional, por violação dos artºs 1.º, 2.º, 3.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4, 25.º, n.º 1, 27.º, 29.º, 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da
CRP. A interpretação apontada viola também o artº 14.º, n.º 5, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem.
39)
Termos em que a sentença a quo é nula, por força do disposto no artº 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.
Por seu turno,
40)
A norma extraída dos artºs 388.º, 404.º e 405.º, do CdVM, dos artºs 211.º a 232.º, do RGCISF, e do artº 41.º do
RGCO, interpretada no sentido de que os processos sancionatórios em que estejam em causa (i) a aplicação de sanções
principais fixadas entre € 25 000,00 e € 1.000.000,00 e (ii) sanções acessórias de interdição temporária do exercício da
profissão ou de funções de administração, direção, gerência ou chefia, até 10 anos, não devem obediência à estrutura
acusatória, ao princípio da lealdade processual, ao princípio da proibição do nemo tenetur se ipsum accusare e aos
métodos de produção de prova previstos no artº 126.º do CPP, em moldes equivalentes aos previstos em sede processual
penal, é, em tal interpretação, inconstitucional por violação dos artºs 2.º, 3.º, 13.º, 16.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4 e 32.º, n.ºs
1, 5, 8, 10, da CRP.
41)
Do mesmo modo, a norma extraída dos artºs 389.º, n.º 1, al. a), 404.º e 405.º, do CdVM, dos artºs 211.º a 232.º do
RGCISF, e do artº 41.º do RGCO, interpretada no sentido de que as pessoas coletivas não beneficiam das mesmas garantias
que as pessoas singulares em sede em processos de natureza sancionatória, não beneficiando, designadamente, do
princípio da proibição do nemo tenetur se ipsum accusare e das disposições relativas aos métodos de produção de prova
previstos no artº 126.º do CPP, é, em tal interpretação inconstitucional, por violação dos artºs 2.º, 3.º, 12.º, 13.º, 16.º, 18.º,
n.º 2, 20.º, n.º 4 e 32.º, n.ºs 1, 5, 8, 10, da CRP.
Ora,
42)
A decisão do Tribunal a quo a propósito das nulidades de prova invocadas está em patente desconformidade com a
matéria assente vertida em i a xci (a págs. 314 e segs.).
43)
Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a prova não podia ter sido obtida ao abrigo dos artº 383.º a 385.º,
do CdVM e/ou dos artºs 361.º do CdVM e artºs 116.º e 120.º, do RGICSF.
44)
Tendo o Ministério Público concluído pela existência de “notícia do crime”, ordenando a abertura de inquérito, em
21 de dezembro de 2007, não tem qualquer sentido defender-se que os atos praticados pela CMVM após essa data e
durante um ano (mais concretamente, durante todo o ano de 2008) o foram no quadro dos artºs 383.º e 385.º, do CdVM,
que se limitam à possibilidade de promoção “do conjunto de diligências necessárias para apurar a possível existência da
notícia de um crime”.
45)
Ao permitirem que, obtido o conhecimento de factos suscetíveis de ser qualificados como crime contra o mercado
de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros, sem que para tal esteja mandatada pelo Ministério Público, a
CMVM possa instaurar e promover um processo de averiguações para apurar a possível existência da notícia de um crime,
sem qualquer limitação temporal, e à revelia de um processo formalmente organizado, os artºs 383.º a 386.º, do CdVM,
são materialmente inconstitucionais, por violação dos artºs 2.º, 3.º, 20.º, n.º 4 e 32.º, n.ºs 1, 5, 8, 10, 219.º, da CRP.
Confirmar texto Motivação
46)
Por argumento de maioria de razão, a norma extraída dos artºs 383.º a 386.º, do CdVM e dos artºs 48.º e 262.º, do
CPP, interpretada no sentido de que, após instaurado processo de inquérito penal, a CMVM pode, por sua própria
iniciativa, promover averiguações para apurar a possível existência da notícia de um crime pertencente ao âmbito temático
8
Vide: p. 67 do Parecer junto aos autos a fls...;
Vide: p. 68 do Parecer junto aos autos a fls...;
10
Vide: p. 68 do Parecer junto aos autos a fls...;
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do inquérito em curso, sem qualquer limitação temporal, e à revelia de qualquer processo formalmente organizado, é, em
tal interpretação, inconstitucional por violação dos artºs 2.º, 3.º, 20.º, n.º 4 e 32.º, n.ºs 1, 5, 8, 10, e 219.º, da CRP.
Posto isto,
47)
Conclui a decisão recorrida, a págs. 77, “sendo esta a factualidade provada, dúvidas não subsistem que os
documentos que instruem os presentes autos, trazidos quer pela CMVM, quer pelo Banco de Portugal, foram obtidos em
data prévia à instauração do processos de contra-ordenação, por tais autoridades de supervisão e no âmbito dos artigos
361º, 383º e 385 da CMVM e 116º e 120º do RGICSF. Em suma, pelo BCP foi disponibilizada toda a informação e
documentação solicitada, em momento prévio à instauração de ambos os processos de contra-ordenação e na convicção
de que os pedidos de elementos e de informação se inseriam em acções de supervisão, sabendo que a falta de colaboração
era sancionada.”
48)
“Entende o tribunal, porém, contrariamente ao pugnado pelo arguido Jorge Jardim Gonçalves, que não é nula a
prova recolhida junto do BCP, em momento prévio à instauração dos processos de contra-ordenação, porquanto foi obtida
através de diligências que se inserem no âmbito das competências atribuídas à CMVM e ao Banco de Portugal, pelos
artigos 361º, 383º e 385º da CMVM e 116º e 120º do RGICSF, respectivamente.”.
49)
Sucede que, contrariamente ao decidido, os artºs 361.º, 383.º e 385.º, do CdVM, e 116.º e 120.º, do RGICSF, não
configuram uma restrição legislativa ao princípio do processo equitativo ou à presunção de inocência, de onde decorrem
as exigências da lealdade processual e a proibição da autoincriminação;
50)
Primeiro, “porque a restrição legislativa de uma garantia constitucional deve ser clara e determinada e tais deveres
não têm o significado e o alcance de obrigar o respetivo destinatário a colaborar na instrução do processo
contraordenacional e a contribuir para a própria condenação” e segundo, porque “o cumprimento dos deveres legais de
cooperação só contende com - e por isso restringe - o direito a não contribuir para a própria inculpação quando, silenciando
as suspeitas que orientam e cunham as diligências probatórias, a autoridade administrativa desencadeia esse
11
cumprimento, transformando na prática o suspeito da infração em figura central da própria condenação.” .
51)
Sob pena de violação do conteúdo essencial do direito à não autoinculpação, o dever de cooperação contido nas
ditas normas do CdVM e do RGICSF apenas tem aplicação quando, e enquanto, as entidades de supervisão atuam ao
abrigo das suas competências fiscalizadoras, num quadro de Direito Administrativo.
52)
Em afronta ao artº 18.º da CRP, a ideia segundo a qual os Reguladores podem fazer uso dos poderes vertidos nos
artºs 116.º e 120.º, do RGICSF e artº 361.º do CdVM, após notícia do ilícito, confere cariz absoluto à missão de Regular
Funcionamento dos Mercados e do Sistema Financeiro, sem proceder a qualquer juízo de “concordância prática” com o
direito ao processo equitativo e garantias de defesa.
53)
Com a notícia da infração, as entidades com competências sancionatórias estão – ou passam a estar – obrigadas a
atuar no quadro de um processo que dê cumprimento aos princípios do acusatório, do processo equitativo, da presunção
de inocência e às garantias de defesa;
54)
Donde, após a notícia do ilícito, as diligências probatórias têm de ser promovidas no âmbito de processos
sancionatórios, com respeito pelas regras de recolha de prova e pelos princípios aplicáveis, de entre os quais os da
lealdade processual e da proibição da autoincriminação;
55)
A notícia de ilícito forma-se num juízo caracterizado pelo seu objeto – um concreto facto ilícito – e pela sua
consistência –, num juízo de mera possibilidade da prática desse crime. A notícia do ilícito não se materializa num juízo de
mera probabilidade e muito menos de certeza (para além da dúvida razoável) da prática da infração.
56)
É evidente que da denúncia de José Berardo decorria a possibilidade de prática pelo BCP de infrações ao RGICSF, ao
CdVM e ao Código Penal.
57)
Está assente nestes autos que, após receção da denúncia de José Berardo, ao invés de instaurar um processo
contraordenacional, tramitado em respeito pelas regras processuais características da sua natureza sancionatória, o BdP
obrigou o BCP a preparar, fornecer e organizar, a documentação que sabia vir integrar o processo sancionatório que
acabou por ser instaurado no final de dezembro de 2007.
58)
O recurso ao disposto nos artºs 116.º e 120.º, do RGICSF, junto do BCP, para obtenção de informação suscetível de
incriminar o próprio banco em processo sancionatório antecipável, é um método de prova desleal e frontalmente violador
do nemo tenetur se ipsum accusare.
59)
Por seu turno, até 21 de dezembro de 2007, também a CMVM intimou o BCP a fornecer-lhe, sob cominação de
sanção, informação suscetível de incriminar o próprio banco em processo sancionatório antecipável.
60)
A CMVM persiste nesse método durante todo o ano de 2008, e, portanto, quando já conhecia a existência do
presente processo de inquérito e do processo contraordenacional do BdP, que corria contra o próprio BCP (ambos
instaurados em dezembro de 2007).
61)
Ou seja, a CMVM fez uso de meios coercivos para obtenção de informação suscetível de incriminar o BCP em
processo sancionatório antecipável, já que é manifesto que sabia que iria instaurar processo contraordenacional contra a
entidade bancária e, paralelamente, durante quase um ano, fez uso desses meios coercivos para obtenção de prova
11
AUGUSTO SILVA DIAS, Ob. cit.;
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suscetível de ser utilizada para incriminar o BCP em processos sancionatórios pendentes e pertencentes ao mesmo âmbito
temático.
62)
A prova por Arguido sob a ameaça de punição em caso de incumprimento do pedido, reclamada e obtida pelas
autoridades de supervisão, após notícia das infrações e à revelia de qualquer processo de contraordenação, é nula por
violação do princípio do Estado de Direito Democrático, do processo equitativo, da presunção de inocência, do acusatório,
do nemo tenetur se ipse accusare e do artº 126.º do CPP.
63)
Atendendo aos princípios, às razões e aos fins prosseguidos pelas proibições de prova, e sob pena de se deixar
“entrar pela janela aquilo que o Estado e o legislador não permitiram que entrasse pela porta”, essa nulidade de prova não
se confina ao processo sancionatório onde a mesma se verificou; os ditos elementos são insuscetíveis de valer em
qualquer outro processo de cariz sancionatório, sendo igualmente nulos nos processos aos quais tenham sido remetidos.
64)
A documentação que integra os Apensos I a XXIV e D 1 a D 12, que foi recolhida antes da abertura formal daqueles
processos de contraordenação íntegra o conceito de prova de valoração proibida, o que gera a respetiva nulidade
insanável, nos termos dos artºs 126.º e 122.º, n.º 1, do CPP, aplicáveis ex vi artº 41.º, n.º 1, do RGCO.
65)
Há uma causalidade inabalável entre todas as provas promovidas e as recolhidas em momento posterior à entrega
de documentação, pela CMVM, de fls. 552 dos autos, que são também nulas, por serem “fruto da árvore venenosa”.
66)
Todavia, ainda que assim não se entenda, e se prenda que a prova não está contaminada, o que sem conceder, por
mera cautela de patrocínio se admite, a verdade é que a prova nula constitui a esmagadora maioria do acervo constante
dos autos, e, sem ela, impõe-se a absolvição dos Arguidos.
67)
A norma extraída dos artºs 116.º e 120.º do RGICSF, artº 361.º do CdVM, artºs 41.º e 54.º do RGCO, e artº 126.º e
261.º, do CPP, interpretada no sentido de que, após notícia do ilícito, os Reguladores podem intimar os supervisionados
visados a fornecer documentação, sob cominação de sanção por incumprimento do dever de colaboração, fora do quadro
de um processo sancionatório formalmente organizado, podendo essa documentação assim obtida, ser utilizada como
prova contra o visado/Arguido e/ou outros, em processos sancionatórios futuros, é, em tal interpretação, inconstitucional
por violação dos artºs 2.º, 3.º, 13.º, 16.º, 18.º, 20.º, n.º 4, 29.º, 32.º, n.ºs 1, 5, 8 e 10, da CRP. Pelos motivos invocados, a
interpretação apontada viola também viola o artº 14.º, n.º 5, do PIDCP e o artº 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem.
68)
Em síntese, a factualidade com base na qual o ora recorrente e os demais arguidos são condenados pelo crime de
manipulação é a de, que, defrontados com o resultado da atividade, entre 1999 e 2002, das offshores Cayman, a que eram
alheios, não promoveram, nos exercícios de 2002, 2003 e 2004, a consolidação das contas das Cayman com as do BCP e,
consequentemente, o reconhecimento das perdas alegadamente sofridas por estas offshores; e, a partir de 2004,
procuraram dissimular estas perdas através de um conjunto de operações efetuadas com a Dazla, a Townsend, a Edifícios
Atlântico, a Comercial Imobiliária, o Fundo de Pensões BCP, a Luanda Waterfront e a Anjala, todas ela lícitas, enquanto tais,
mas ilícitas na sua motivação – esconder perdas. Licitude das operações e e ilicitude da motivação, afirmadas a págs 737 da
sentença a quo e reafirmadas a págs. 742 e 901.
69)
Em causa, não está a licitude da denominada operação ABN, nem da transferência para a Townsend/EA dos
créditos das offshores Cayman/UBO´s alegadamente formais; tão pouco das operações com a Dazla, a EA, a CI, o Fundo de
Pensões BCP, a EAI, a Anjala e a Luanda Waterfront, todas detalhadamente descritas na sentença a quo, mas a motivação
de tais operações, i.e.,, dissimular as perdas verificadas nas 17 Caymans.
70)
E isto porque, sendo os UBO’s João Bernardino Gomes, Ilídio Monteiro e Moreira Rato, segundo a sentença
recorrida, meramente formais, tais sociedades eram do BCP, tendo como consequência:
a. Consolidação das contas das 17 Cayman com as do BCP: logo,
b. Eliminação dos juros e comissões pagos pelas offshores e contabilizados a favor do
Banco; e
c. Reconhecimento nas contas consolidadas das menos-valias das ações BCP, atenta a
desvalorização sofrida pelas ações do Banco.
71)
Foi para não reconhecer tais perdas nas suas contas, e as dissimular perante os Reguladores e o mercado, que o
ora recorrente e os coarguidos Filipe Pinhal e António Rodrigues realizaram as operações referidas na conclusão. Que o
mesmo é dizer,
72)
Se a motivação de tais operações, ao invés, for lícita, por não houver lugar à consolidação e reconhecimento de
perdas, então nada há a verberar nas operações de que tratam centenas e centenas de páginas da sentença a quo.
73)
A sentença a quo entende que há lugar a consolidação de contas, nos termos do artº 2º, alínea e), do DL 36/92, de
28 de março, mesmo que não haja titularidade de capital da empresa-mãe, porquanto,
a.
prevendo a Sétima Diretiva, que este diploma transpõe para as instituições
financeiras, a titularidade de capital na hipótese da referida alínea e), esta não a prevê;
b.
na Sétima Diretiva, as situações de controlo nela previstas (ut, artigo 1º, nº 2)
– exercício de influência dominante e direção única – estão dependentes da titularidade
do capital, mas quando o DL 35/2005, de 17 de fevereiro, transpõe para o nosso direito
interno a Diretiva 2003/51/CE, relativa às NIC, para vigorarem a partir de 01 janeiro de
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2005, introduz no DL 36/92 aquelas situações de controlo e não exige para elas a
titularidade de capital;
c.
O artº 2º, nº 4, alínea a), do DL 36/92, não permite considerar que o nº 2,
alínea e), do mesmo artigo, exige a titularidade do capital, mas da conjugação entre
ambos resulta que (cf. página 934 da sentença) “(…) a obrigação de consolidar uma
empresa na situação financeira do banco pode ocorrer mesmo que a titularidade do
direito de voto, de nomeação e de destituição não esteja na esfera deste mas de uma
filial sua”. E isto porque com o DL 36/92 se pretende que as contas reflitam a realidade
financeira substancial das empresas.
74)
A interpretação constante da conclusão anterior não tem em conta, quer a gramática, quer a evolução histórica
entre 1992 e 1 de janeiro de 2005, quer a prova produzida em julgamento. Assim,
75)
Quanto à gramática, preceituando: o artº 2º, nº 2, alínea e), do DL n.º 36/92, que “uma instituição controla de
modo exclusivo uma empresa quando controlar por si só, por força de um acordo celebrado com outros sócios da empresa,
a maioria dos direitos de voto dos titulares do capital da mesma” a referência a acordo celebrado “com outros sócios da
empresa”, exige que quem o celebra seja, também ele, sócio da empresa – ou então o pronome adjetivo outros não tem
qualquer função demonstrativa.
76)
Nem a Sétima Diretiva, nem os diplomas domésticos que a transpuseram, seguiram a linha que, no entendimento
da decisão recorrida, melhor e mais fielmente aplicaria aos SPE’s os princípios contabilísticos indicados na conclusão 6.,
alínea c).o número precedente. E o de jure condendo não serve para incriminar, que a tipicidade impede-o.
77)
O depoimento de Vitor Ribeirinho, auditor da KPMG, a quem a sentença a quo confere toda a credibilidade - págs.
422/3, e depoimento consignado na ata da audiência de 17 de abril de 2013, 18:07 a 18:08. – corroborado, como também
reconhece a decisão recorrida, pelos depoimentos das testemunhas António Figueiredo Lopes, Norberto Rosa, Aurélio
Amado e Mário Neves (consignados nas atas das audiência, respetivamente, de 12 de março de 2013, das 9:57:13 a
10:44:24, de 17 de abril de 2013, das 14:48 a 16:22 e das 16:43 a 18:55, de 09 de maio de/2013, das 09:56 a 11:07 e das
11:29 as 12:13, 16 de abril de 2013, das 10:02:57 a 11:40:07 e das 11:48:19 a 12:27:14, e 07 de março de 2013, das
15:12:02 a 16:36:34 - cf. páginas 420 a 434 – são inequívocos no sentido de, na comunidade financeira e bancária,
incluindo o BdP, interpretava-se o DL n.º 36/92 em termos de, até 01 de janeiro de 2005, só haver lugar a consolidação
com titularidade de capital, o que não ocorria com as offshores Cayman, tendo sido coonestado pelos seus pares que não
tenha havido consolidação destas offshores, tal como existiram;
78)
Está provado que as offshores Cayman eram detidas por quatro outras offshores, a Meadowcroft, a Geafield, a
Osterdal e a Daman; e estas, por sua vez, eram detidas por duas offshores, a Portman Nominee Services e a Portman
Management Limited, sendo titular do capital destas duas últimas a Servitrust, que era detida pelo BCP (cf. págs. 98 e 105
a 136 da decisão recorrida e Pasta 9 do Anexo ao Apenso XXII da CMVM). Que o mesmo é dizer,
79)
Admitindo, sem conceder, que os UBO´s que encabeçaram as Cayman, em fins de 2002, eram meramente formais,
certo é que o BCP não detinha qualquer participação direta no capital seja das Portman, seja das 4 holdings proprietárias
das 17 Cayman, seja no capital destas.
80)
E sustentar-se que, materialmente, estas offshores eram do BCP, como faz a sentença recorrida, quer apenas dizer
que havia sucessivas participações indiretas, mas não consegue anular o facto de essa materialidade não resultar de
participação direta da empresa-mãe, para usar a linguagem do DL 36/92 e de Vítor Ribeirinho, no respetivo capital.
81)
Ora a lei não distingue entre participação indireta que, no topo, como seria o caso, é total, de qualquer menor
percentagem. E percebe-se porquê.
82)
Quando as SPE’s, como é o caso das 17 Cayman, têm por única atividade - e para isso foram constituídas - a
compra e venda de títulos; quando estes foram adquiridos com créditos concedidos pela entidade gestora e são a única
garantia desses créditos; quando a entidade gestora, o BCP, detém um mandato de gestão discricionária das offshores, ou,
na hipótese mais minimalista, atua como se assim fosse, não há qualquer diferença, em termos de riscos/benefícios, entre
estas offshores e todas as que, com UBO conhecido e com o mesmo perfil, existiam no BCP e no mercado em geral.
83)
E por isso não se vê por que razão, estas, que, na tese da sentença recorrida, nunca tiveram UBO, teriam, até 01 de
janeiro de 2005, de ser consolidadas, e todas as demais não, quando as razões de prudência, de materialidade e de
prevalência da substância sobre a forma são as mesmas – os riscos/benefício são do mutuante, com ou sem UBO, que por
nada responde, já que só os ativos-títulos são garantia.
84)
É exatamente essa impossibilidade legal de destrinça que leva ao regime do DL 35/2005, de 17 de fevereiro, e está
presente na posição dos auditores em 2008 – Vítor Ribeirinho e os mais – e de que o primeiro nos dá nota quando relata a
concordância de todos em que não havia lugar a consolidação.
85)
E nem se diga, como faz a sentença a quo, quando se refere à situação prefigurada no artº 2º, alínea e), do DL
36/92, conjugada com o nº 4 do mesmo artigo, que a lei equipara os direitos de voto, de designação ou destituição da
empresa-mãe aos que pertençam a filial desta ou a filiais de filial. Donde os direitos de voto, de designação e de
destituição das 4 sub-holdings, ou das Portman, ou da Servitrust, bastariam para se concluir pela consolidação.
86)
É que quem estabelece essa equiparação é o DL 298/92, o RGICSF, como também refere a decisão recorrida (cf.
pág. 434), mas não para efeitos de consolidação de contas, de que não trata, e que é tema de contabilidade, mas para
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efeitos de supervisão em base consolidada, que é o seu objeto, e é tema meramente prudencial. O que faz a diferença que
vai dos rácios de solvabilidade até aos…ganhos e perdas.
87)
O artº 2º, nº 2, do DL 36/92, evidencia que a norma não equipara coisa nenhuma, como se pretende na decisão
recorrida, manda é adicionar aos direitos de voto, de designação e de destituição da empresa-mãe os direitos de qualquer
outra empresa sua filial e os das filiais desta, bem como os de qualquer pessoa que atue em seu próprio nome, mas por
conta da empresa-mãe ou de qualquer outra empresa filial. Quem manda equiparar, mas para efeitos de supervisão em
base consolidada, é o DL 298/9. Que o mesmo é dizer,
88)
Se a empresa-mãe não detiver direitos de voto, designação e destituição, nada há a adicionar-lhe; e porque - a
sentença o diz - “a alínea a) do nº 4 do artº 2º do Decreto-Lei 36/92 não cria novas situações de obrigação de consolidar
contas para além das elencadas no nº 2 deste artigo” (ut, pág. 934, realce nosso), é errada e contraditória a conclusão, da
mesma sentença, de que “da articulação entre os nºs 2 e 4 do artº 2º do Decreto-Lei 36/92 decorre que a obrigação de
consolidar uma empresa na situação financeira do banco pode ocorrer mesmo que a titularidade do direito de voto, de
nomeação e de destituição não esteja na esfera deste mas de uma filial sua” (ut, pág. 934, realce nosso).
89)
A decisão recorrida faz, exatamente, o que diz que não pode ser feito: usa o nº 4, alínea a), para criar uma situação
que não está prevista no nº 2, alínea e), nem em qualquer das alíneas deste número. Por outro lado,
90)
Não é possível, face à redação do artº 1º, alínea d), subalínea bb) da Sétima Diretiva, retirar do modo como os DL
’s 238/91 e 36/92 fazem a transposição da mesma a conclusão de que o legislador, falando de “acordo com outros sócios”,
quis excluir a titularidade do capital, no artº 2º, nº 2, alínea e), do DL 36/92, pois aí, onde a quis manter – no DL 238/91. -,
expressou-a.
91)
A sentença a quo invoca, ainda, em abono da sua interpretação do artº 2º, nº 2, alínea e),, o facto de o DL 35/2005
12
ter aditado ao DL 36/92 duas novas situações de consolidação ao nº 2 do artº 2º, sem exigir a titularidade do capital,
ainda aqui, segundo a decisão recorrida, em dissemelhança com o nº 2 do artigo 1º da Sétima Diretiva. Mas sem razão.
92)
É que o DL n.º 35/2005 vem transpor para o direito interno a Diretiva do Conselho e do Parlamento nº
2003/51/CE, de 18 de junho de 2003, e não a Sétima Diretiva, como pretende a sentença a quo; e o artº 2º da primeira
daquelas Diretivas vem, precisamente, alterar o nº 2 do artigo 1º da Sétima Diretiva e…. eliminar a exigência, nele contida,
da titularidade do capital!
93)
Acontece que, em 01 de janeiro de 2005, já estavam extintas as 17 Cayman – desde 23 de dezembro de 2004 (cf.
factos provados 181, 197, 213, 228, 243, 258, 273, 288, 304, 320, 335, 350, 365, 379, 393, 407, e 420).
94)
Acresce que, fosse melhor doutrina o entendimento quanto ao regime de consolidação preferido pela sentença a
quo, e nunca poderia sustentar-se, sob pena de violação do princípio da tipicidade, haver a obrigatoriedade de
consolidação de contas, ergo, falsificação da contabilidade, quando a discrepância resultaria, não de uma inaceitável e
infundada interpretação da lei, mas de um entendimento, então inexato, mas partilhado, sem exceção, pela comunidade
financeira.
95)
96)
É completamente irrelevante se as sociedades, até 01 de janeiro de 2005, têm ou não UBO.
Mas a decisão recorrida vai mais longe: exige que o UBO seja pessoa física. E isso não tem o menor fundamento,
pois nada obsta a que o UBO seja uma pessoa jurídica, uma sociedade, desde que no respeito pelo princípio da
especialidade consagrado nos artºs 160º do CCivil e 6º do CSC . Ora,
97)
No caso, o que se verifica é que as offshores não têm UBO fora do Grupo BCP, a que pertencem a Servitrust, as
Portman e as 4 sub-holdings.
98)
É irrelevante, para efeitos de consolidação, falar, antes de 01 de janeiro de 2005, em domínio total, que é o que a
sentença a quo quer dizer quando refere “(…) A situação das dezassete offshore Cayman consubstancia a situação de
maior domínio material possível porquanto, não existe pessoa física que possua a posição de UBO e as entidades offshore
agem por determinação exclusiva do banco.” (pág. 951, realce nosso).
99)
Ora, é exatamente isto que acontece quando uma sociedade detém a totalidade do capital de outra, e esta de
uma outra, dominando-as integralmente; e, todavia, não há lugar a consolidação, nos termos do DL n.º 36/92 das contas
desta última sociedade com as da primeira, porque a participação é indireta; e fora do DL 36/92, não há mais qualquer
assento legal da consolidação.
100)
Entende a sentença a quo (cf. págs. 548 a 561) ser normal que, atenta a situação negativa das Cayman, nenhum
preço fosse exigido aos referidos UBO´s (pág. 554), mas já estranha que, havendo a forte probabilidade de um ganho a
prazo, nada lhes tenha sido exigido.
101)
Esquece a sentença que João Bernardino Gomes, Ilídio Monteiro e Frederico Moreira Rato, quando aceitam ser
beneficiários últimos das Cayman, se têm a perspetiva de um ganho a prazo, estão, obviamente, a resolver um problema
do BCP – ter UBO’s para 17 sociedades que não apresentam evidência de os ter e a quem foram concedidos vultuosos
créditos, garantidos apenas por ativos insuficientes para os solver.
102)
Nada admira, por isso, que o ganho a prazo seja a contrapartida, sem mais, da disponibilidade manifestada
12
“Alínea f) Possa exercer, ou exerça efetivamente, influência dominante ou controlo sobre essa empresa e alínea g) Exerça a
gestão de outra empresa como se esta e a empresa-mãe constituíssem uma única entidade”
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
103)
Estranha, também a decisão recorrida que Ilídio Monteiro manifeste um total alheamento da natureza das
sociedades – serem offshores – e dos títulos por elas detidos, quando o ganho potencial adviria deles, pois, segundo a
mesma decisão, “(…) a titularidade efectiva de uma sociedade pressupões interesse pela actividade da mesma”; e ainda
que qualquer destes UBO’s não tenha praticado qualquer ato de gestão das offshores, incluindo a renegociação do
contrato ABN (cf. pág. 554).
104)
Finalmente, as declarações, sem data, descritas a págs. 554/5 da sentença a quo, e subscritas pelos referidos
UBO’s, que permitiam ao BCP apropriar-se das offshores.
105)
Ora, a decisão recorrida, à semelhança da pronúncia, continua a não atentar no facto de que alguém pode não
entrar com um cêntimo para uma sociedade, alhear-se, por completo de toda a sua atividade, que confia, integralmente a
terceiro, não responder com o seu património pessoal por qualquer dívida, e, todavia, ser o dono da sociedade.
106)
107)
É que só através do critério do interesse residual se consegue distinguir o proprietário formal do proprietário real.
E é por isso que a sentença a quo traz à colação as declarações em branco para tentar evidenciar que os UBO’ não
eram os destinatários do interesse residual e, portanto, meros UBO’s de fachada. Ainda aqui, sem razão.
108)
A situação das 17 Cayman era, obviamente, uma situação delicada e, obviamente, embaraçosa para o BCP: falta de
evidência de UBO de 17 offshores, com créditos de cerca de 500 milhões de euros e ativos de 312 milhões!
109)
Faz, assim, todo o sentido, ao contrário do que sustenta a decisão recorrida (cf. pág. 555), que, na gestão do risco,
o BCP e os arguidos não quisessem ter como parceiros pessoas em quem não confiassem.
110)
A sentença a quo esquece que a banca viveu décadas sem pactos de preenchimento de livranças de garantia, sem
que, alguma vez, tenha abusado da situação. E foi exatamente pela invocação, por parte de clientes, de violação - aí onde
ela não existia - de pacto de preenchimento, que a própria banca passou a exigi-los.
111)
Certo é que, como dá nota a decisão recorrida, nenhum dos UBO´s teve qualquer receio de que o BCP abusasse das
declarações em branco e viesse a apossar-se do “interesse residual” (cf. pág. 552 e 555 e depoimentos consignados nas
atas de audiência de 08 de janeiro de 2013, das 10:47:57 a 10:48:50 e 09 de janeiro de 2013, das 15:06:52 às 15:08.27).
112)
Admita-se, todavia, e por mera hipótese, que as declarações em branco permitiam, efetivamente, que o BCP
recolhesse a totalidade das eventuais mais-valias.
113)
A ser assim, as declarações provariam, ainda, que os UBO’s eram verdadeiros titulares materiais, pois havia a
consciência quer por parte deles, quer do BCP, que só os primeiros podiam dispor do interesse residual.
114)
Ora o critério do interesse residual não é o de quem recebe, efetivamente, no fim, mas quem tem direito a
receber, receba ou ceda a terceiro o seu direito.
115)
Do exposto nas conclusões 100. a 114 resulta que devem ser dados como provados os factos declarados não
provados sob os números j8), k8), w8), f10) e u10)).
116)
Certo é que, fossem estes UBO’s de fachada, que não eram, e continuaria a não ocorrer a obrigação de consolidar
contas, por o BCP não ter participação direta nas offshores Cayman, tudo por aplicação do artº 2º, nº 2, alínea e) do DL
36/92.
117)
Não havendo obrigação de consolidar, já não pode sustentar-se que a denominada operação ABN teve como
motivação dissimular perdas e não, como sustentam o os arguidos, criar condições para recuperação dos créditos sobra as
17 Cayman.
118)
Deixa-se, todavia, registado que a sentença a quo não tem razão quando pretende que, substituídas as ações BCP
por Notes do ABN, não poderiam solver-se os créditos com as mais-valias resultantes do aumento de cotação do título,
pois as mesmas estavam indexadas ao valor deste título. Logo,
119)
Era perfeitamente plausível, em 2002, representar como provável a possibilidade de recuperação dos créditos por
via da operação ABN, como, aliás, dá como provado a sentença a quo, quendo regista: ”O contrato ABN permitiu criar
liquidez e reduzir o montante em dívida decorrente da actividade das dezassete offshore Cayman, bem como transferir
parte de o risco da desvalorização da acção BCP relativamente aos 116.000.000 de acções BCP, nos termos já referidos,
mantendo, simultaneamente, a exposição à valorização de tais títulos e, nessa medida, ter a expectativa de, recuperada a
cotação, recuperar o remanescente do crédito”. – facto provado 1212. E por isso o juízo formulado a págs. 559 é
contraditório com a prova reconhecida e incompatível com dar como não provado o facto constante de h8), a págs. 340,
que dever ser considerado provado.
120)
Até 01 de janeiro de 2005, a matéria de provisões das instituições bancárias encontrava-se regulada pelo Aviso
3/95 do BdP, que, no seu artº 1.º, prevê a constituição de provisões com diversas finalidades; e, no que respeita
especificamente ao risco de crédito, que sejam constituídas provisões para riscos específicos de crédito e riscos gerais de
crédito, por aquele Aviso definidos.
121)
Dos factos provados 1260 a 1266, decorre que os créditos às 17 sociedades offshore Cayman foram concedidos
através de autorização de descoberto em conta (overdraft), e que esses créditos eram garantidos pelos valores mobiliários
entretanto adquiridos pelas 17 sociedades. Por outro lado,
122)
Resulta dos contratos celebrados com as 17 Cayman (cf. factos provados 1260 e 1261) que o prazo pelo qual o
crédito é concedido (que é inicialmente de 6 meses) se prorroga automaticamente, por períodos sucessivos de 6 meses, na
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falta de acordo das partes em sentido contrário, feito por escrito, com 15 dias de antecedência relativamente ao termo do
prazo (ou, pelo menos, embora os contratos não o refiram, enquanto não for manifestada pelo Banco, com a mesma
antecedência, vontade contrária a essa prorrogação).
123)
Consequentemente, quer de acordo com o regime legal vigente nas Ilhas Cayman, quer com o nosso direito, os
créditos só se venceriam ou no final do período de 6 meses estipulado inicialmente, ou no final de algum dos sucessivos
períodos de 6 meses de prorrogação da sua vigência, se as partes acordassem nisso ou, pelo menos, se o Banco se
opusesse tempestivamente à automática prorrogação.
124)
Os créditos em causa seguiam, pois, um regime próximo do nosso regime civil dos créditos puros, pelo que o seu
vencimento dependia da interpelação dos respetivos devedores para o cumprimento. O que não ocorreu (facto provado
1262)
125)
Uma vez que o Banco não interpelou as sociedades devedoras (facto provado 1262) para cumprirem as obrigações
decorrentes dos créditos concedidos, eles não se venceram e não existe fundamento, por esse motivo, para lhes aplicar o
regime de provisionamento dos créditos vencidos.
126)
Por outro lado, ainda que se considerassem vencidos os créditos e, portanto, prorrogados ou reestruturados, só
haveria lugar a provisionamento, face à diminuição do valor da garantia, se os juros não tivessem sido pagos. Ora,
127)
128)
Está assente – facto provado 1733 – que os juros foram pagos, parte deles com recurso a descoberto em conta,
O que implicou, como reconhece na sentença a quo, louvando-se na perícia financeira dos autos (cf. págs. 856/7) a
extinção do crédito de juros e a sua substituição por um crédito por descoberto autorizado (overdraft).
129)
Prorrogados os créditos, como in casu, interrompe-se a contagem dos prazos previstos no artº 2.º, n.º 4, do Aviso
n.º 3/95, e fica o Banco isento de constituir provisões, quando se mostrem pagos os juros vencidos. Foi o que,
demonstradamente, aconteceu com as 17 Cayman.
130)
Ao que acresce que, em 31.12.2003, os UBO’s da 17 Cayman procederam à liquidação integral dos débitos
daquelas 17 sociedades, ainda que utilizando para o efeito créditos pessoalmente concedidos pelo BCP (Cf. factos
provados 689 e 695).
131)
Ora, a extinção dos créditos primitivos e o surgimento de créditos, com outros devedores, sempre levaria também,
no final de 2003, a que deixasse de se justificar a constituição de provisões específicas para esses novos créditos, também
aqui por aplicação da disciplina do Aviso 3/95.
132)
Não havendo lugar, seja a consolidação de contas, seja à constituição de provisões, tudo por referência à atividade
das 17 Cayman, não pode dizer-se que a operação ABN se tenha destinado a dissimular as perdas daquelas sociedades, já
que nada havia a dissimular: as perdas resultantes da diferença entre os créditos e as ações em carteira não tinham de ser
reveladas nas contas consolidadas do BCP/17 Cayman, que era o que se pretenderia dissimular, e estavam reconhecidas
nas sociedades em que se verificavam – as referidas offshores.
133)
E porque a operação ABN era adequada a, no médio prazo, permitir a realização de mais-valias suficientes para o
pagamento dos créditos, constituía um modo possível de recuperação e não um momento de dissimulação, dissimulação,
à luz da licitude das operações, inútil.
134)
Em dezembro de 2003, perante a exigência do BdP de que os UBO’s assumissem, com o seu património, as
responsabilidades das 17 Cayman (cf. factos provados 681, 1225 e 1226, e Anexo D-1, Apenso XXIV-C, fls. 302), sob pena de
consolidação, deixava de ser possível fazer a recuperação dos créditos através da operação ABN.
135)
É que os UBO’s só tinham aceite o negócio, desde que não estivesse em causa o seu património pessoal – como de
resto bem se compreende, em face das negociações havidas e acordo estabelecido, pouco mais de um ano antes, na
perspetiva de valorização e ganho a 10 anos, mas sem responsabilidade pessoal, aliás, à semelhança de todos os UBO’s em
cujos contratos não existisse a cláusula de garantias pessoais. Mais:
136)
É exatamente porque há contrato com estas características, que o BdP faz a exigência de compromisso, sob pena
de consolidação.
137)
Estas as razões pelas quais são concedidos aos UBO’s os financiamentos necessários para solver as
responsabilidades das offshores (cf. factos provados 681, 687 a 689, e 695), pois o BCP, muito legitimamente, queria evitar
a consolidação.
138)
De quanto se invocou nas conclusões precedentes, resulta que: (i) as 17 Cayman eram SPE´s detidas, a partir de 20
de dezembro de 2002, por João Bernardino Gomes, Ilídio Monteiro e Frederico Moreira Rato, ou, se assim se não
entender, o que por mera hipótese se admite, indirectamente detidas pelo BCP, desde a sua constituição; (ii) na vigência
do DL 36/92, os SPE’s não estavam sujeitos a consolidação, salvo determinação casuística do BdP, como ocorreu, com
alguns SPE’s do BCP, em 2004; (iii) a circunstância de o BCP ter o domínio total das referidas offshores só constitui
fundamento de consolidação a partir de 01 de janeiro de 2005, por aplicação do DL 35/2005, de 17 de fevereiro, tendo as
Cayman sido extintas em 23 de dezembro de 2004; (iv) sem consolidação, nem necessidade de constituição de provisões,
não há perdas, nem prejuízos a reconhecer nas contas do BCP e os juros e comissões delas constantes, relativas à
actividade das mesmas offshores são propriedade do Banco e estão, por isso, regularmente escriturados. Então,
139)
As operações realizadas a partir de 2004 com a Townsend, a Sevendale, a Dazla, a Edifícios Atlântico, a Comercial
Imobiliária, a EAI, o Fundo de Pensões BCP, a Luanda Waterfront e a Anjala, (i) podem ser pior ou melhor gestão, (ii)
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podem ser modo adequado, ou não, de recuperação de créditos, (iii) podem, ou não, ter maior ou menor racionalidade
económica, ou mesmo nenhuma, (iv) delas tendo advindo, ou não, para o BCP, prejuízos. Não são é dissimulação de
perdas, ilegitimamente escondidas.
140)
O ora recorrente cessou funções executivas, no BCP, em 14 de março de 2005 (facto provado 62), pelo que não lhe
pode ser imputada, nem em sede de autoria, nem em sede de coautoria, e por aplicação do conceito operativo “domínio
do facto”, a prática de atos posteriores a essa data, salvo quando forem consequência necessária, no limite, provável, mas
não apenas possível, de condutas ocorridas até 14 de março de 2005.
141)
O que torna inimputáveis ao ora recorrente, pelo menos, os seguintes factos provados, relativos às denominadas
operações de dissimulação de perdas, independentemente do acerto do juízo da sentença a quo sobre eles:
- 720 (a partir de 22.06.2006), 725, 726, 727, 730, 732, 801, 809 a 855, 857 a 936 (salvo
a concessão do empréstimo), 937 (salvo quanto ao crédito concedido), 938 e 940 (salvo
quanto aos atos anteriores a 15 de março de 2005), 942 a 944, 946, 949 a 956, 1039,
1046, 1148,1163, 1164, e 1166, in fine.
142)
A Edifícios Atlântico era uma sociedade imobiliária que, surgindo inicialmente no universo BPA, tinha uma larga
experiência e tradição no desenvolvimento de projetos imobiliários paralisados ou de desenvolvimento problemático,
tendo ao longo dos anos concentrado projetos e imóveis transmitidos pelo grupo BPA, e depois pelo BCP, BPSM, Banco
Mello e Companhia de Seguros Império (factos provados 716 e 1218).
143)
A Edifícios Atlântico era uma sociedade que o Eng. Miguel Paupério conhecia também, estreitamente, tendo sido
durante vários anos Presidente do seu Conselho de Administração, mesmo antes de a adquirir (facto provado 719 (ii)).
144)
A Edifícios Atlântico tinha, além disso, efetivamente (e continuou desenvolvendo), uma estratégia própria de
investimento e promoção no mercado imobiliário (facto provado 1219).
145)
O Eng. Miguel Paupério tinha também desenvolvido atividade como quadro dirigente da Finangeste, precisamente
o melhor exemplo e a melhor história de sucesso – promovido pelo Estado – de recuperação e reembolso de créditos
problemáticos, através das receitas geradas com desenvolvimento e rentabilização de projetos imobiliários (facto provado
1220).
146)
Aceitando, também aqui para meros efeitos de demonstração, que os créditos originados nas Cayman não foram
pagos com mais-valias do imobiliário, tal facto em nada contraria que a intenção que presidiu à operação Edifícios
Atlântico tenha sido à de recuperação de créditos por aquela via; significa apenas que a intenção, no entendimento da
decisão recorrida, não se concretizou. Como decorre, sem margem a dúvidas, do facto provado 1371, que está em óbvia
contradição com o facto provado 972.
147)
Na sequência de conversações então estabelecidas com o BCP, a Edifícios Atlântico veio a aceitar, em 26 de março
de 2004, adquirir a sociedade Townsend à Sevendale, que assumiu, à época, as dívidas dos supra referenciados UBO’s
(facto provado 1224). Efetivamente,
148)
O BCP propôs ao Eng. Paupério financiar os seus projetos, incluindo o da Baía de Luanda, se ele o assumisse, como
efetivamente aconteceu, desde que aceitasse que a liquidação dos débitos das 17 Cayman fosse efetuada com parte das
mais-valias geradas pelo Baía de Luanda.
149)
Em face da possibilidade de dispor de um “parceiro financeiro” de dimensão única, o Eng. Miguel Paupério aceitou
a proposta, incluindo a aquisição da Townsend (factos provados 1232, 1233, 1411 e 1412).
150)
Tendo em conta a solicitação que lhe havia sido feita por José Récio, o BCP apresentou-lhe o Eng. Miguel Paupério
e a Edifícios Atlântico como potencial parceiro para o projeto Baía de Luanda (facto provado 1234).
151)
A partir de meados de 2004, o Eng. Miguel Paupério passou, real e efetivamente, a liderar a componente
imobiliária do projeto Baía de Luanda, e a ser elemento decisivo no desenvolvimento e materialização deste,
complementando José Récio, que assegurava a ligação com as autoridades angolanas (facto provado 1235).
152)
Tratou-se, assim, de emprestar dinheiro, para o mutuário ganhar dinheiro, maxime com o projeto Baía de Luanda;
e, com parte do ganho, liquidar a dívida. Se a liquidou ou não, é questão diversa e que a ter, ou não ter, ocorrido se refere
a um período, de 15 de março de 2005 a fins de 2007, em que o ora recorrente é alheio a todas as operações realizadas,
pois deixou funções executivas no Banco.
153)
Falta considerar, dos factos ocorridos antes de 15 de março de 2004, a questão do terreno da Juwain (factos
provados 773 a 782) e a questão do papel comercial emitido pela CI (factos provados 783 a 792, e 802 a 808).
154)
Quanto aos terrenos da Juwain, foram condição posta pelo Eng. Miguel Paupério para adquirir a Edifícios Atlântico,
como resulta da carta de fls. 6 do Apenso 3 e do depoimento do mesmo Miguel Paupério, consignado na ata da audiência
de 10 de janeiro de 2013, das 11:28:54 a 11:36:37,
155)
No episódio do papel comercial emitido pela CI, em junho de 2004 e subscrito pela Seguros e Pensões Gere, o ora
recorrente, independentemente da licitude da operação, não foi nela tido, nem havido, nem tinha de ser, seja do lado da
CI, que a sentença a quo reconhece não estar dominada pelo BCP, seja pelo lado da Pensões Gere – Sociedade Gestora de
Fundos e Pensões, SA, que foi quem subscreveu o papel comercial, e a cujos corpos gerentes nunca pertenceu. Foi, sim,
administrador da Seguros e Pensões Gere, SGPS, que era a holding para a área seguradora. Aliás, nos factos provados não
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há qualquer referência a intervenção do ora recorrente nesta operação.
156)
Do exposto resulta que, até 15 de março de 2015, é imputável ao ora recorrente, independentemente da sua
licitude, e por aplicação, à míngua da prática de atos, do conceito/critério do domínio do facto,
a.
a cedência dos créditos dos UBO’s à Townsend,
b.
a aquisição da Townsend pela EA,
c.
o financiamento a esta e suprimentos dela à Townsend
d.
a ratificação da venda da CI,
e.
a dação da JUWAIN
157)
Mas do exposto também resulta que, tendo o ora recorrente cessado funções executivas em 15 de março de 2005,
nada tem que ver, nem está abrangido pelo domínio do facto, com os atos praticados a partir desta data, que não são nem
consequência necessária, nem provável, da sua conduta pregressa. Isto é,
158)
Não podem ser imputados ao arguido os factos declarados provados sob os números 809 a 946, 947, in fine, e 950
a 956.
159)
Como o facto provado 763, a não ser alterado, o que por mera hipótese se admite, deve ser restringido aos atos
praticados até 15 de março de 2015 e, na tese da sentença a quo, quanto ao parecer favorável às contas de 2006.
160)
A decisão recorrida fundamenta o conhecimento que os arguidos teriam, pelo menos desde março de 2004, de
que as denominadas offshores Góis Ferreira eram, na linguagem da decisão recorrida, materialmente do Banco, numa
petição de princípio; porque as Góis Ferreira são materialmente do BCP, e a Townsend foi constituída om capital da
Sevendale, que é uma delas, então a constituição só foi possível porque os arguidos sabiam que a Sevendale era
materialmente do BCP! Mas não era isso mesmo que se pretendia demonstrar?!
161)
A sentença a quo decidiu que “(…) tendo em consideração o acima exposto quanto à insuficiência de informação
para apurar os resultados da actividade das offshores Góis Ferreira, o tribunal considerou, apenas, para efeitos de cálculo
do impacto nos resultados e capital social do banco, os elementos referentes às offshores Cayman” – pág. 858, realce
nosso.
162)
Daí que, na falta de elementos, só possa considerar-se a manipulação de mercado na vertente transação de ações,
em 2004, e informação de liquidez no relatório e contas de 2005, já que as GF cessaram transações em 31.12.2004 – factos
provados 610, 611, alínea e), 615 e 619.
163)
A sentença a quo, entendendo essencial para a manipulação de mercado, na vertente transacção de acções, o
parecer pericial – tanto que excluiu, para o efeito as transações Cayman – esqueceu que o parecer sobre as Góis Ferreira
não se refere a 2003, em que não houve transacções, nem a 2004, em que houve. Termina em 31.12.2002. Para o que
basta ver fls. 5586, págs. 6 e 14 a 30, do denominado Complemento ao Relatório Pericial de João Duque , de março de
2013, e págs. 4, 5, e 13 a 29, do 2º Complemento ao Relatório Pericial de João Duque, de junho de 2013.
164)
Não podendo concluir-se pela ocorrência de efeitos na liquidez, preço e rendibilidade do título BCP, relativamente
às 17 Cayman (factos não provados h5) a n5)), nem relativamente às Góis Ferreira, em 2004, nada a censurar, nesse
âmbito, quer aos relatórios e contas de 2003 e 2004, quer aos argumentários desse período (cf. facto não provado q5)).
Ora,
165)
Não consolidação de contas, quanto às 17 Cayman e informação distorcida quanto a liquidez e rendibilidade, nos
relatórios de 2003, relativamente às 17 Cayman, e 2004, relativamente às Góis Ferreira, eram dois dos elementos do crime
de manipulação de mercado; o terceiro, transação de ações BCP, a partir de março de 2004, ignora-se, por deficiência de
parecer pericial, se tais transações eram suscetíveis, ou não, de influenciar a liquidez. ,
166)
Admitindo, sem conceder, que as contas de 2003 e 2004, deveriam espelhar a consolidação dos autos, certo é que,
a partir de 15 de março de 2005, o ora recorrente deixa de exercer quaisquer funções executivas no BCP, não fazendo
qualquer sentido imputar-lhe, a título de coautoria, todas as operações com a Dazla, Townsend, EA, EAI, CI, Fundo de
Pensões BCP, Luanda Waterfront, Anjala, Baía de Luanda, Intrum Justitia e Branimo, quando nenhuma destas operações é
uma consequência necessária ou provável da conduta do arguido até 14 de março de 2005.
167)
Do exposto, resulta que deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, dos seguintes números e pelos
fundamentos adiante indicados:
1. Facto provado 11 – sendo lícita a motivação, e não havendo quer consolidação, quer provisionamento, deve ser
eliminada a parte final;
2. Facto provado 12 - sendo lícita a motivação, e não havendo quer consolidação, quer provisionamento, deve ser
eliminada a parte final;
3. Facto provado 13 – eliminado, sendo lícita a motivação, e não havendo quer consolidação, quer
provisionamento;
4. Facto provado 14, alínea c) – eliminada, com fundamento na perícia João Duque e seus Complementos,
suprarreferida em 617, e 618., que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
15
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5. Facto provado 15 – eliminar “bem como na ulterior dissimulação de prejuízos”, por incompatível com a licitude
da não consolidação e não provisionamento, ergo, licitude da motivação das operações denominadas de
dissimulação;
6. Facto provado 45 – eliminar “necessárias à efectivação da transferência para o sector imobiliário das perdas
resultantes da actividade das diversas sociedades offshores”, que é incompatível com a licitude da motivação
daquelas operações que, por esse facto, não são de dissimulação de perdas, mas de recuperação de créditos;
7. Facto provado 60 - eliminar a parte final, por a informação financeira publicitada ser a real, quanto às Cayman,
por não haver obrigação de consolidar ou de provisionar, e quanto às Góis Ferreira, por não se ter determinado
qual o impacto que a consolidação teria e mostrar-se feito provisionamento suficiente, conforme 611. e 614 supra,
que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
8. Factos provados 74, 75 e 77 – eliminar exclusivo, face à circunstância de João Bernardino Gomes, Ilídio Monteiro
e Frederico Moreira Rato, serem efetivos UBO´s, conforme expendido em 450. a 472. supra, que aqui se dá por
reproduzido;
9. Factos provados 76 e 82 – eliminar “Os arguidos Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal e António Rodrigues”, por não
proceder o argumento lógico invocado para o efeito, ergo, a presunção natural usada,nos termos referido em 602.
a 609. supra, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
10. Facto provado 85 – eliminar, por ser incompatível com a verdade das contas do BCP, relativamente às 17
Cayman, e por não se ter determinado se foi, ou não relevante, a não consolidação das Góis Ferreira, a partir de
2004, conforme referido em 610. a 614. supra, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
11. Factos provados 86, 100, 109, 114, 124, 132 e 140 – eliminar alegados, em 86 e 100, e formal, nos restantes,
face à circunstância de João Bernardino Gomes, Ilídio Monteiro e Frederico Moreira Rato, serem efetivos UBO´s,
conforme expendido em 450. a 472.. supra, que aqui se dá por reproduzido;
12. Factos provados 534, 1070 e 1098 – Eliminar, no 534, pelos arguidos e os arguidos; no 1070, excecionar a
concessão de crédito; no 1098, a referência a Jorge Jardim Gonçalves, tudo nos termos do artº 410º, nº 2, als. b) e
c), do CPP, por isso que está provado – facto provado 1390 - que o ora recorrente não tinha intervenção na
concessão de crédito;
13. Facto provado 547 – Eliminar “plano”, que se refere a dissimulação, inexistente, conforme evidenciado supra,
de 530. a 540, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
14- Facto provado 609 – eliminar in fine, por não proceder o argumento lógico invocado para o efeito, nos termos
referidos em 602. a 609. supra, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
15. Facto provado 633 – eliminar in fine, dissimular, por inexistente, conforme evidenciado supra, de 530. a 540,
que aqui se dá por integralmente reproduzido;
16. Facto provado 634 – eliminar “contabilização falseada do capital próprio da instituição” e “perdas”, por não
haver lugar quer a consolidação de contas, quer a provisionamento;
17. Facto provado 638 – eliminar “por forma a dissimular as respectivas perdas”, por isso que, seja a não
consolidação, seja o não provisionamento, determinam que não haja perdas a dissimular;
18. Facto provado 667 – eliminar “Evitando desta forma o tratamento contabilístico das dezassete offshores”,
porquanto o facto de o BCP ter apenas participação indireta no capital das offshores não determinava qualquer
tratamento contabilístico no BCP, nos termos do DL n.º 36/92, antes das alterações introduzidas pelo DL N.º
35/2005, para vigorarem a partir de 1 de janeiro de 2005;
19. Factos provados 677, 690, 693 e 696 – eliminar “formalmente”, em 677, “supostamente”, em 690, “dissimular
(formalmente) ”, em 693, e “dissimular”, em 696, face à circunstância de João Bernardino Gomes, Ilídio Monteiro e
Frederico Moreira Rato, serem efetivos UBO´s, conforme expendido em 450. a 472. supra, que aqui se dá por
reproduzido;
20. Factos provados 697 e 699 – eliminar, em 697 e 699, “dissimulação de prejuízo”, por ser incompatível com a
licitude da motivação das operações em causa, e, em 697, “sobrevalorização” de uma empresa (Juwain)", por tal
facto, como reconhece a sentença a quo, nada ter que ver com a alegada dissimulação (cf. 589. a 596. supra, que
aqui se dão por reproduzidos). Em qualquer caso, não havendo qualquer intervenção do ora recorrente nas
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operações com a EAI, Anjala, Luanda Waterfront, Baía de Luanda, Fundo de Pensões BCP e Pensões Gere, todas
posteriores a 15 de março de 2005, e não sendo elas consequência necessária ou provável da atuação do arguido
até esta data, eliminar estas sociedades em 699;
21. Facto provado 737 – eliminar, por a não consolidação de contas e o não provisionamento terem como
consequência não haver lugar a qualquer “processo de transferência de perdas”, nem “alocação fora dos livros”;
22. Facto provado 754 – eliminar “tendo em conta colocar as perdas registadas fora do Grupo BCP”, por
incompatível com a não consolidação de contas e não provisionamento, ergo, licitude da motivação, sendo a
alegada ilicitude desta que, segundo a sentença a quo, inquina as operações dos autos;
23. Factos provados 762 e 939 – eliminar a EA, porquanto a falta de capacidade desta empresa e a consciência do
facto pelos arguidos está em contradição com o facto provado 1371, em que se dá como assente que os arguidos
confiavam nos cash flows da EA para solvência do crédito, sendo certo que capacidade não é apenas ativos atuais,
são, também, os cash flows geráveis, tudo nos termos do artº 410º, nº 2, als. b) e c), do CPP;
24. Facto provado 763 – eliminar por incompatível com a inexistência da obrigação de consolidar ou de provisionar
e, em qualquer caso, sempre limitada ao ora recorrente pela data de 15 de março de 2005;
25. Factos provados 768, 802, 803, 873, 937 e 938 – eliminar perdas, no 768, no 873 e no 938, “tendo em vista a
alocação de perdas”, no 802, “dissimulação de perdas” no 803, e “instrumentalização” para o efeito, também no
803, e nos 937 e 938, que supõem a inexistente obrigação ou de consolidar ou de provisionar;
26. Facto provado 840 – Independentemente de não haver lugar a dissimulação de perdas, que deve ser eliminada,
por não estarem em causas, que supunham, ainda aqui, a inexistente obrigação ou de consolidar ou de provisionar,
certo é que, neste facto, estão operações posteriores a 15 de março de 2005, não havendo, por isso, lugar, em
qualquer caso, a referência ao ora recorrente;
27. Factos provados 940, 941, 945 e 946 - eliminar, pois supõem a inexistente obrigação de consolidar ou de
provisionar;
28. Facto provado 947, 1128, 1132 e 1138, in fine - eliminar, no 947, “Por determinação dos arguidos Jorge Jardim
Gonçalves, António Rodrigues e Filipe Pinhal”, no 1128, a partir de “facto que”, e no 1132 “sendo com
conhecimento e por determinação dos arguidos Jorge Jardim Gonçalves, António Rodrigues e Filipe Pinhal, a partir
de Março de 2004”, pois o conhecimento dos arguidos relativamente às Góis Ferreira assenta em petição de
princípio, conforme referido em 604. a 609. supra, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e relativamente
ao ora recorrente, em qualquer caso, apenas de março de 2004 a 15 de março de 2005, pois, como está provado,
cessou funções executivas nesta data;
29. Factos provados 957, 958, 959, 974, 984, 1001, 1002, 1003 e 1005 – por não ser errónea a informação
financeira prestada, dado não se verificar, quanto às Cayman, obrigação de consolidar, não serem relevantes, em
termos de liquidez e de rendibilidade, as transações Cayman, e não se ter determinado, quanto às Góis Ferreira,
qual o efeito da não consolidação, quer enquanto tal, quer versus provisões efetuadas, nem haver elementos
periciais, ao contrário do que afirma a sentença a quo, para considerar relevante, em termos de liquidez e de
rendibilidade, as transações Góis Ferreira de março a dezembro de 2004, tudo conforme referido em 610. a 618.,
que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
30. Facto provado 1021 – não está provado, como se evidenciou em 610. a 618. Supra, que, sejam as transações 17
Cayman, sejam as Góis Ferreira, em 2003 e 2004, tenham influenciado a liquidez e rendibilidade do título,
rejeitado, como foi, pelo parecer do Prof. João Duque, o efeito mecânico das transações, i.e., pelo mero facto de
terem tido lugar, pelo que o facto 1021 deve passar a referir” A informação que o BCP divulgou sobre a liquidez
omitiu os factos referidos no ponto anterior, transmitindo, no que se refere às transações de títulos Góis Ferreira,
efetuadas até 31 de dezembro de 2002, uma ideia falsa para o mercado e os investidores”,
32. Factos provados 1022, 1023, 1027, 1033, 1034 e 1039 – eliminar, por não haver lugar quer a consolidação de
contas, quer a provisionamento, quanto às Cayman, e quanto às Góis Ferreira, por não se ter determinado qual o
efeito da não consolidação, tanto enquanto tal, como versus provisões;
33. Factos provados 1035, 1036, 1037, 1041, 1042 1044, 1045, 1046, 1048, 1049, 1050, 1051, 1052, 1053, 1054,
1057, 1058, 1060, 1061, 1062 (a partir de “traduzindo”), 1063, 1066, 1067, 1108, 1110, 1112 (a partir de
“desprezando”) e 1126 – eliminar, com exceção de “parqueamento das ações próprias nas Góis Ferreira”, no 1035,
porquanto não havia lugar quer a consolidação de contas, quer a provisionamento, nas Cayman; e, quanto às Góis
Ferreira, por não se ter determinado qual o efeito da não consolidação, tanto enquanto tal, como versus provisões.
17
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Por outro lado, a mera não evidência de UBO, até 20 de dezembro de 2002, não permite que se fale, quanto às
Cayman, em parqueamento de ações próprias, conforme referido em 450. a 472. supra, que aqui se dá por
integralmente reproduzido. Finalmente, não estando provado que as transações Cayman e as Góis Ferreira, estas
em 2003 e 2004, tenham influenciado a liquidez e rendibilidade do título BCP, não se pode dar como provado que
o ora recorrente e os demais arguidos dispunham de qualquer vantagem informativa relevante em relação aos
adquirentes de ações BCP. Do exposto, resulta que as suas condutas foram lícitas;
34. Factos provados 1055 e 1056 - eliminar, no 1055, “na sequência de uma resolução conjunta então formada
relativamente às consequências da actividade desenvolvida e financiamentos concedidos até essa data às
sociedades offshore Cayman”, e no 1056, “na sequência de uma resolução conjunta então formada relativamente
às consequências da actividade desenvolvida e financiamentos concedidos até essa data às sociedades Góis
Ferreira, bem como utilização de tais entidades” porquanto, dos fundamentos invocados nos números
antecedentes, de 1 a 33, que aqui se dão por reproduzidos, está afastada a existência de qualquer resolução
conjunta para dissimular;
35. Factos provados 1141, 1142 e 1147 – eliminar, porquanto não há lugar, quanto às Cayman, a consolidação de
contas, ergo, a perdas que devam ser reconhecidas nas contas do BCP, nem, consequentemente, de plano para o
efeito;
36. Factos provado 1167 e 1169 a 1174 – eliminar, porquanto, não havendo lugar a consolidação de contas, nem a
provisionamento, quanto às 17 Cayman, e não podendo concluir-se, pelos fundamentos constantes de 28. do
presente número, que os arguidos sabiam que as offshores Góis Ferreira eram, indiretamente, do BCP;
considerando, ainda, que não se determinou o efeito da consolidação de contas das Góis Ferreira, quer enquanto
tal, quer versus provisionamento feito, as contas do BCP refletiam a realidade material a elas subjacente. Por outro
lado,
168)
Deve ser considerados provado o facto dado como não provado sob o número J9), porquanto as contas do BCP
relativas a 2002 e anos subsequentes espelhavam, fielmente, a situação contabilística do Banco, por não haver obrigação
de consolidar as 17 Cayman, ou de proceder a provisionamento dos seus créditos, ignorarem os arguidos que as Góis
Ferreira eram, indiretamente, do BCP e, em qualquer caso, não ter sido determinado qual o efeito da consolidação destas
offshores, seja enquanto tal, seja versus provisionamento, dando-se aqui por integralmente reproduzido quanto se refere
supra em 31. a 70., 74. a 103., 105., 129.a 159., 168. a 170., 179. a 184., 187., 210., e 234. a 245..
169)
Deve ser considerados provado o facto dado como não provado sob o número J9), porquanto as contas do BCP
relativas a 2002 e anos subsequentes espelhavam, fielmente, a situação contabilística do Banco, por não haver obrigação
de consolidar as 17 Cayman, ou de proceder a provisionamento dos seus créditos, ignorarem os arguidos que as Góis
Ferreira eram, indiretamente, do BCP e, em qualquer caso, não ter sido determinado qual o efeito da consolidação destas
offshores, seja enquanto tal, seja versus provisionamento, dando-se aqui por integralmente reproduzido quanto se refere
supra em 31. a 70., 74. a 103., 105., 129.a 159., 168. a 170., 179. a 184., 187., 210., e 234. a 245..
170)
Igualmente provado o facto não provado v8), conforme demonstrado em 589. a 596. supra. E ainda h8), j8), k8),
w8), f10) e u10), conforme demonstrado supra em 450. a 472 e 483, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
171)
Importa, ainda, referir que pudesse falar-se em perdas emergentes dos créditos às offshores Cayman, que não
pode, e a concretização que a sentença a quo faz delas coloca-os fora da área de responsabilização do ora recorrente.
Efetivamente,
172)
Nos factos provados 946 e 1039, as perdas em causa são computadas em 469,70 milhões de euros, sendo 300
milhões de suprimentos à CI, em 18.06.2006 (cf. facto provado 851), 104,30 milhões de euros de perdas do FPensões e
65,40 milhões de euros da Dazla, relativas à venda e provisionamento de e papel comercial, em 28.06.2006 (cf. facto
provado 875). Ora,
173)
Nem os suprimentos à CI, nem a referida subscrição de papel comercial, são uma consequência necessária, ou
sequer provável, da atuação do ora recorrente, até 15 de março de 2005, pelo que, nem pela coautoria, lhe é imputável.
174)
Como se vê dos factos provados – 727, 730, 732, 830 a 834, 840, 883, 884, 896, 904, 905, 1413, 1414, e 1775 a
1777 – todo o desenvolvimento do projeto Baía de Luanda tem lugar depois de o ora recorrente ter cessado funções
executivas no BCP – 15 de março de 2005.
175)
A sentença a quo coordena à previsão típica do citado artº 379.º do CdVM, as seguintes condutas: (i) transação de
títulos de ações próprias, por intermédio das offshores Góis Ferreira, de março a dezembro de 2004, com o propósito de
aumentar a respetiva liquidez; utilização no argumentário para os aumentos de capital e na informação financeira
divulgada ao público, no período de 2003 e 2004, de informação falsa sobre a liquidez do título BCP; informação financeira
falsa ao Regulador e ao mercado, de 2003 a 2007, relativamente à situação patrimonial e financeira do BCP, influenciando
erroneamente os investidores. Ora,
176)
Comete o crime de manipulação de mercado p. e p. no artº 379.º do CdVM “quem divulgue informações falsas,
incompletas, exageradas ou tendenciosas, realize operações de natureza fictícia, ou execute outras práticas fraudulentas,
18
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que sejam idóneas para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários ou de outros
instrumentos financeiros”,
177)
Sendo que, nos termos do n.º 2 do supracitado normativo legal, “consideram-se idóneos para alterar
artificialmente o regular funcionamento do mercado, nomeadamente, os atos que sejam suscetíveis de modificar as
condições de formação dos preços, as condições normais da oferta ou da procura de valores mobiliários ou de outros
instrumentos financeiros ou as condições normais de lançamento e de aceitação de uma oferta pública”.
178)
A análise do tipo previsto não deixa dúvidas de que estamos perante um crime de perigo, e, portanto, de que a sua
realização se basta com uma colocação em risco do bem jurídico. Tal como se encontra construído, o tipo só é preenchido
quando o bem jurídico, a saber, o regular funcionamento dos mercados, tenha sido posto em perigo.
179)
Veja-se que, para que a conduta criminosa se verifique, o legislador penal exigiu a idoneidade das condutas
praticadas pelo agente para alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados financeiros. Dito de outro
modo: o perigo de lesão do bem jurídico concretiza-se pela prática de condutas idóneas a alterar artificialmente o regular
funcionamento dos mercados.
180)
Ou seja, as condutas em si mesmas comportam a exposição do mercado ao perigo concreto de afetação do seu
regular funcionamento.
181)
As condutas referidas no tipo são, simultaneamente, ação e perigo concreto, tal como definido no n.º 2 daquele
preceito, sendo que “nem todas as condutas que afetem a função do mercado constituem manipulação, mas apenas as
potencialmente lesivas da minimizar os custos de transação pela organização do mercado”.
182)
De acordo com o demonstrado no IV supra, nenhum dos pressupostos de aplicação do tipo de ilícito em apreço se
mostra verificado.
183)
Em primeiro lugar, porque o ora recorrente e demais arguidos não sabiam, a aceitar-se a tese da sentença a quo
sobre a titularidade das Góis Ferreira, que estas offshores eram, indiretamente, detidas pelo Banco. Mas ainda que
soubessem, o que por mera hipótese se admite, certo é que não há qualquer prova – e quer a pronúncia, quer a sentença
recorrida a exigiram para as Cayman - que das transações de títulos BCP, efetuadas por estas offshores, entre março e
dezembro 2004, fossem idóneas para influenciar a liquidez e rendibilidade daquele título.
184)
Depois, porque o argumentário de 2003 só refere, falsamente, a liquidez, por referência às offshores Góis Ferreira,
cujas transações, em 2002, se tinham revelado idóneas para influenciar a liquidez e rendibilidade do título BCP. Mas não
quanto às Cayman, em que essa influência se não fazia sentir. Ora,
185)
A sentença a quo situa o conhecimento dos arguidos quanto às Góis ferreira, em março de 2004, logo, não lhes são
imputáveis factos de 2003. Por outro lado,
186)
A inexistência da obrigação de consolidar as contas das Cayman com as do BCP, de 2003 a 2007, ou sequer de
provisionar os respetivos créditos, quando consideradas entidades terceiras, torna as contas do BCP relativas a este
período, verdadeiras, logo insuscetíveis de influenciar erroneamente o mercado.
187)
E quanto às Góis Ferreira, a indeterminação da medida em que a consolidação de contas, a partir de 2005, quer
enquanto tal, quer versus medida do provisionamento efetivamente operado, a partir de 2004, impede que se estabeleça,
quanto a elas, uma relação de idoneidade entre as contas a elas relativas e a transparência do mercado.
188)
Não há, pois, qualquer atuação imputável aos Arguidos capaz de integrar o primeiro segmento do artº 379.º, n.º 1,
do CdVM, ou seja, não há ação, nem ilicitude,
189)
O que torna inútil tratar o tema da culpa, salvo em sede de erro sobre a factualidade típica ou sobre a proibição,
que sempre operaria, já que, não obstante o exercício dos cargos estatutários no BCP ao longo dos anos, as diversas
aprovações em Reuniões Conselho de Administração e as aprovações dos Relatórios e Contas, decorre com meridiana
clareza da própria sentença, e sobretudo, do relatado em IV supra, que o Arguido desconhecia que as opções que estavam
a ser tomadas pelo Banco não eram lícitas, e, por maioria de razão, que eram criminalmente punidas.
190)
Basta perceber que o Arguido desconhecia – como desconhece – que, a aceitar-se a tese da sentença, que não se
aceita, a solução encontrada pelo Banco no sentido de achar UBO’s para as 17 Cayman não era válida ou/e que a detenção
indireta de capital dava lugar a consolidação, logo, com reflexo nos Relatórios e Contas do BCP, nos moldes vertidos na
sentença a quo.
191)
E desconhecia porque a convicção da comunidade bancária e financeira, incluindo o próprio BdP, era a de que a
interpretação correta do DL 36/92 era a de só haver consolidação de SPE’s quando a empresa-mãe tivesse participação
direta no capital do veículo, o que não acontecia com as Cayman.
192)
A punição decorrente do facto de o BCP figurar como verdadeiro UBO das offshores e da omissão de elaboração
das contas nos moldes alegados na sentença não inere ao princípio de confiança na correção de funcionamento dos
mercados em condições de transparência e igualdade ou ao princípio da confiança no tráfego.
193)
Note-se que se ordenamento jurídico nacional não obrigar, com a clareza que se impõe nestas matérias, ao
desenvolvimento da atividade dos intermediários financeiros com respeito, entre outras, pela noção de UBO defendida
pela sentença e à organização contabilística nos moldes nela sustentados no libelo, estas condutas não representarão
qualquer desvalor moral, social ou cultural.
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194)
E esta conclusão em nada vem beliscada pelo facto de as normas em questão se encontrarem inseridas no CP ou
no CdVM.
195)
Não pode confundir-se a ressonância ética dos valores subjacentes às normas vertidas no CdVM, CP e outros, com
os deveres e proibições impostos aos intermediários financeiros como forma de proteção desses princípios e valores, cujas
prescrições se caracterizam pela sua fungibilidade material e mutabilidade temporal
196)
O que em nada surge fragilizado pelo facto de os ilícitos sub judice se relacionarem com a atividade profissional
desenvolvida pelos Arguidos.
197)
Assumir-se que as pessoas singulares que figuram como órgãos dirigentes de intermediários financeiros, porque o
são, deviam conhecer a proibição, que para eles conterá sempre uma certa densidade valorativa, equivale a negar a figura
do erro sobre a proibição relativamente a quaisquer dispositivos legais que lhes sejam aplicáveis, à revelia da lei, e,
sobretudo, “equivale a aceitar um vício lógico pois supõe resolvido para estabelecer aquele dever, o problema da
relevância da proibição que precisamente se pretende solucionar”.
198)
Neste contexto, é evidente que os arguidos agiram em erro sobre a proibição, nos termos e para os efeitos do
disposto no artº 16.º do CP.
199)
E porque os crimes de que vêm acusados são dolosos, também por este motivo se impõe a sua absolvição. Sem
prescindir,
200)
Mesmo que se não entendesse haver erro sobre a proibição, então sempre se diria que estávamos em presença de
erro sobre a ilicitude, nos termos e para os efeitos do artº 17.º do CP, atentas “as práticas usuais do setor financeiro, bem
13
como a especial complexidade da informação contabilística” , o que afastando a censurabilidade exclui a culpa do
Arguido. À cautela, e sem prescindir,
201)
A norma extraída do artº 379.º do CdVM, artº 2.º, n.º 2, alínea e) e n.º 4, alínea a) do DL n.º 36/92, interpretada no
sentido de que, até 31 de dezembro de 2004, a obrigação de consolidar uma empresa na situação financeira de uma
instituição bancária, pode ocorrer mesmo que a titularidade do direito de voto, de nomeação e de destituição não esteja
na esfera deste mas de uma filial sua é, em tal interpretação inconstitucional, por violação dos artºs 1.º a 3.º, 18.º e 29.º,
da CRP. Viola igualmente o artº 7.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
202)
Do mesmo modo, a norma extraída do artº 379.º do CdVM e dos artºs 130º e 131º, do DL n.º 298/92, interpretada
no sentido de que, até 31 de dezembro de 2004, a obrigação de consolidar uma empresa na situação financeira de uma
instituição bancária, pode ocorrer mesmo que a titularidade do direito de voto, de nomeação e de destituição não esteja
na esfera deste mas de uma filial sua é, em tal interpretação inconstitucional, por violação dos artºs 1.º a 3.º, 18.º e 29.º,
da CRP. Viola igualmente o artº 7.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
203)
A norma extraída do artº 379.º do CdVM, artº 2.º, n.º 2, alínea e) e n.º 4, alínea a) do DL n.º 36/92 e 16.º do Código
Penal, interpretada no sentido de que, o conhecimento da obrigação de consolidar uma empresa na situação financeira de
uma instituição bancária, pode ocorrer mesmo que a titularidade do direito de voto, de nomeação e de destituição não
esteja na esfera deste mas de uma filial sua, até 31 de dezembro de 2004, não é necessário para orientar a consciência
ética para o desvalor de ilicitude do crime de manipulação de mercado, é, em tal interpretação inconstitucional, por
violação dos artºs 1.º a 3.º, 18.º, 27.º e 29.º, da CRP. Viola igualmente o artº 7.º da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem.
204)
O que se deixou exposto em IV supra é mais do que suficiente para perceber que a sentença não cuidou de analisar
a factualidade em apreço neste processo à luz dos princípios de valoração de prova vigentes em qualquer ramo de direito
sancionatório.
205)
É sabido que os processos sancionatórios não admitem a demonstração de factos assentes em juízos de mera
possibilidade, quando a realidade trazida ao processo admite a conclusão oposta, ou seja, sempre que se esteja perante
um non liquet.
206)
Em sede penal vigora o princípio basilar de apreciação de prova in dubio pro reo, fundado no princípio da
presunção de inocência do arguido até trânsito em julgado da decisão (cf. artº 32.º da CRP). A existência de várias
interpretações possíveis relativamente aquilo que deve ser entendido como UBO, sobre qual era o regime aplicável em
sede consolidação de contas, entre outros, não pode deixar de ser valorado em favor dos arguidos quando toca a saber se,
ao cabo e ao resto, participaram no alegado plano descrito na pronúncia. Dito de outra forma, não pode dar-se como
demonstrado que os arguidos agiram bem sabendo que a sua conduta era ilícita e punida por lei e com o objetivo
concretizado de cometer os ilícitos em que vêm acusados.
207)
A valoração da prova produzida nos presentes autos em moldes distintos daqueles que se peticionam nos artigos
precedentes será contrária ao princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, o que implicando a sua nulidade,
nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 18.º e 32.º, da CRP.
208)
A sentença a quo viola, assim, por erro de interpretação e de aplicação, o DL 36/92, na redação anterior ao DL
35/2005, designadamente os seus artºs 1º e 2º, e o artº 379º, nºs 1 e 2, do Código de Valores Mobiliários, e julga provados,
contra a prova produzida, os factos enumerados nas conclusões 622 a 624 do presente recurso, o qual, relativamente à
13
Vide: pp 35 do Parecer de Figueiredo Dias e Costa Andrade junto aos autos a fls...;
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R.
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matéria de facto, pedida nas conclusões do presente recurso, tem assento legal nos artºs 410º e 412º do CPP.
209)
O arguido mantém interesse no recurso de fls. 9523, o que se alega, nos termos e para os efeitos, do artº 412º, nº
5, do CPP.
210)
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade da acusação, da
pronúncia e da prova, pelos fundamentos indicados nas presentes, e, em qualquer caso, absolvendo o arguido, ora
recorrente, com o que farão V.Exªs JUSTIÇA!
***
Por seu turno, o (2) arguido, Filipe Pinhal, apresentou as seguintes conclusões na
motivação do seu recurso:
I.
O presente processo iniciou-se em 2007, com uma operação de tomada de poder ao BCP e com a perseguição aos arguidos
pronunciados, julgados e condenados.
II.
As denúncias apresentadas no BdP, na CMVM, no MP e, indirectamente, nos órgãos de comunicação social, mais não foram
do que instrumentos destinados a criar um clima de suspeição que afastasse, definitivamente, uma administração que
sempre fora isenta e imune aos interesses político-partidários que circundavam o banco.
III.
Tais denúncias foram munidas de documentação cuja obtenção e divulgação constitui um crime de violação de sigilo
bancário e ao acórdão agora objecto de recurso subjazem diversas motivações ajurídicas, entre elas, as dificuldades dos
cidadãos comuns por oposição à classe dos banqueiros, a necessidade de condenação de parte dos arguidos para apaziguar
a “fúria popular” e os interesses políticos e económicos de terceiros envolvidos no “assalto ao BCP”.
IV.
À data das denúncias (Dezembro de 2007 e Janeiro de 2008), o ambiente social estava escaldante, contaminado por
declarações incendiárias que eram verdadeiras condenações na praça pública, feitas pelo Governador do Banco de
Portugal (Vítor Constâncio), pelo Presidente da CMVM (Carlos Tavares) e pelo Ministro das Finanças (Teixeira dos Santos),
ele próprio ex-presidente da CMVM, antes de se iniciar qualquer investigação.
V.
Tais condenações foram proferidas porque a imprensa especializada e os comentadores políticos estavam a acusar a
CMVM e o Banco de Portugal de negligência e incompetência no exercício das funções de supervisão - era, pois, necessário,
acusar para não ser acusado; e, mais tarde, condenar para não ser condenado.
VI.
É na base dos juízos incriminatórios propalados pelo Banco de Portugal e pela CMVM que o Ministério Público começa a
actuar tomando como boas acusações prévias à realização de qualquer investigação.
VII.
Procurando fazer jus à fama justiceira de que se reclamam algumas das suas figuras mais mediáticas, o Ministério Público
é levado a ver crimes naquilo que tem como única sustentação os títulos de jornais.
VIII.
Porém, o Ministério Público toma como boas as notícias de que houve um plano sigiloso (qual?) urdido por
administradores do BCP (quais?); que existiram sociedades off-shore criadas para acorrerem aos aumentos de capital do
BCP; que tais sociedades fizeram comprar e vendas susceptíveis de influenciar a cotação das acções do BCP; que,
confrontados com perdas registadas nessas sociedades, os autores do plano realizaram uma série de operações que
tinham como único objectivo evitar o reconhecimento de prejuízos; procedimento com o qual visavam evitar a redução
dos seus prémios de gestão.
IX.
De nenhuma destas acusações, ou suposições, foi feita prova e tudo acabou desmentido nos locais próprios, a ponto de,
hoje, já ninguém sustentar tais acusações.
X.
Ao contrário, é por demais evidente que os administradores do BCP sempre se nortearam pelo critério inverso: suportar
os custos dos grandes investimentos (que reduziam o lucro anual) tendo em vista a expansão e a internacionalização do
Banco (sempre com o fito do desenvolvimento e da crescente solidez da instituição financeira).
XI.
Foi assim, logo em 1987, com a criação das companhias de seguros Ocidental, que não poderiam ter lucros nos primeiros
anos; em 1989, com o lançamento da NovaRede, uma operação de Retalho que demoraria 4 anos a atingir 400 balcões,
período durante o qual iria registar prejuízos que diminuíam o lucro do exercício; em 1995, quando adquiriu o BPA com
diversas situações de perda a regularizar; em 2000, quando adquiriu o Banco Mello e o BPSM, sabendo que também iria
reconhecer perdas; ainda em 2000, quando votou contra a OPA lançada pela Secilpar sobre a Cimpor, não aproveitando o
ensejo para realizar mais-valias substanciais; e foi assim em todas as vezes que o BCP lançou operações no estrangeiro,
sabendo que levaria anos para rentabilizar tais operações.
XII.
Eis uma enumeração que se faz para demonstrar que o ADN dos então administradores do BCP era o oposto à intenção que
foi “vendida” aos jornais e que o Ministério Público acolheu porque… “só poderia ser essa a motivação”.
XIII.
O Ministério Público procurou falsificações, fraudes e burlas e só encontrou operações regulares, sem fundamento para
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sustentar as acusações de crime, e perante a ausência de “um caso”, poderia o Ministério Público ter reconhecido a falta de
fundamento para acusar, mas era tarde demais, pois muitos meses a persistir na tese errada retiram espaço para “emendar
a mão”.
XIV.
Faltou ao Ministério Público a humildade para reconhecer o erro em que tinha laborado ao longo de tantos meses; e tão-só
porque estava em causa a reputação justiceira de “quem não teme afrontar os poderosos”, caindo ironicamente na cilada
inversa que foi ser manipulado e enganado pelo “verdadeiros poderosos” para perseguir aquela que era a “parte mais
fraca”.
XV.
Ao longo dos anos em que decorreram as investigações do Banco de Portugal, da CMVM e do MP não foram encontradas
provas da existência de operações simuladas, ou de transacções por valor diferente do de mercado, nem omissão de
registos contabilísticos, nem contabilidades paralelas, nem vantagens pessoais dos membros da administração, nem
recebimentos indevidos, nem dinheiros recebidos por fora (“luvas”, comissões ou o que quer que seja), nem de fuga aos
impostos, nem de exportação ilícita de capitais, nem utilização de empresas fantasma, ou bancos virtuais, nem benefícios
colhidos por inside trading. Mas o Ministério Público não faz a diferença.
XVI.
Não se tendo encontrado (porque não existem) crimes para exibir ao país, acabou-se a discutir critérios contabilísticos que
se tem dificuldade em perceber e isto sem esquecer que é bem sabido que a contabilidade contempla margens para opção
sem que isso constitua irregularidade, ilegalidade ou, muito menos, crime.
XVII.
Dentro de determinada margem de licitude, os critérios contabilísticos podem ser discutidos e encontrar-se-ão adeptos de
práticas diversas, mas ninguém pode seriamente sustentar que a opção por um critério contabilístico configura um crime,
porque, alegada mas não comprovadamente, a opção foi escolhida para atingir um objectivo ilegítimo.
XVIII.
Para mais quando todas as práticas seguidas foram “certificadas” por peritos chamados a depor em tribunal, ou por
especialistas que emitiram pareceres sobre as mesmas, não podendo exigir-se comportamento diverso ao arguido ora
recorrente com os conhecimentos factuais que detinha.
XIX.
Por todas as razões, não se cuidou de distinguir aqueles que lançaram mão de expedientes menos correctos, daqueles que
agiram no estrito cumprimento dos seus deveres e no interesse do banco, pois que no presente processo estão em análise
decisões de gestão e critérios de contabilização que apenas podem ser discutidos no plano técnico e interpretativo, já não
do ponto de vista criminal.
XX.
No “caso BCP” não foram julgados factos, mas a interpretação, criada a posteriori que deles foi feita pelo BdP e pela CMVM,
em 2008, o que levou à imputação aos arguidos a prática, em co-autoria, de um crime de manipulação de mercado e de um
crime de falsificação de documento.
XXI.
Tal entra manifestamente em contradição com o facto de o BdP nunca ter ordenado uma correcção às contas do BCP,
mesmo após ter, durante dois anos, analisado e investigado toda a matéria controvertida e ter entre 2000 e 2004, sido
fustigado o BCP com pedidos de esclarecimentos sobre créditos a entidades offshore por parte do BdP.
XXII.
Todas as recomendações feitas na sequência da prestação dessas informações foram escrupulosamente cumpridas, tanto
que entre o início de 2005 e Dezembro de 2007 o BdP não voltou a referir-se ao assunto dos créditos a entidades offshore,
sendo que a única conclusão possível de retirar é a de que o supervisor considerou o assunto encerrado e sem motivo para
novas imposições.
XXIII.
A correcção às contas do banco que, em 2007, a CMVM ordenou que fosse feita, nada teve que ver com os créditos
concedidos a sociedades offshore na medida em que a CMVM discordou do valor pelo qual um activo, recebido em
pagamento, foi contabilizado (o qual representava apenas 0,0034% do total do balanço do banco).
XXIV.
A rectificação imposta pela CMVM, ditada por diferente entendimento técnico quanto ao critério de valoração de uma
rubrica do activo, é coisa muito diversa de uma “falsificação contabilística” e de tal forma não existia erro nas peças
contabilísticas, que o BdP, repete-se, não exigiu que tais peças fossem modificadas ou corrigidas.
XXV.
Até 2005 não existiam normativos que obrigassem ao registo e consolidação de SPVs ou SPEs, pois o critério que vigorava
era o da titularidade directa de capital e não o da ponderação dos riscos e benefícios assumidos a favor de uma entidade.
XXVI.
Não existiam, igualmente, normativos legais que obrigassem ao registo de imparidades e mesmo que tais regras
vigorassem, os supervisores poderiam, quando muito, apontar a “omissão de registo de imparidades, por desvalorização
das garantias que suportavam os créditos”, nunca uma falsificação.
XXVII.
Quando, em 2000 e 2001, os técnicos do BdP se depararam com sociedades e operações de financiamento objecto deste
processo e as analisaram cuidadosamente, não ordenaram a constituição de quaisquer provisões ou a sua consolidação.
XXVIII.
Não o podiam fazer face às regras e às práticas então vigentes, nem o podiam ou deviam fazer os arguidos, sobretudo o
arguido Filipe Pinhal com o (des)conhecimento que detinha então, motivo pelo qual não foram consolidadas as 17 offshore
Cayman, as offshore Goes Ferreira, a Towsend, a Comercial Imobiliária, a Dazla ou a Edifícios Atlântico.
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XXIX.
Não havendo obrigação de provisionamento, o registo de uma presumível perda futura de valor, sem que tal fosse
obrigatório à luz das normas existentes, podia ser entendido como uma injustificada redução da matéria colectável, para
efeitos de tributação em IRC.
XXX.
Quando, em 01.01.2005, a contabilização das imparidades passou a ser obrigatória, já as sociedades offshore tinham sido
extintas, sendo que as dívidas remanescentes tinham associadas garantias suficientes para assegurar a integral liquidação
das mesmas.
XXXI.
Assim sendo é impossível concluir pela existência de “falsificação de documento” ou “manipulação de mercado”, dado que
as contas divulgadas sempre o foram de forma completa e verdadeira, pelo menos tanto quanto foi e é do conhecimento do
arguido Filipe Pinhal.
XXXII.
Mesmo que se concluísse em sentido contrário, nunca se poderia condenar o arguido Filipe Pinhal, dado que não elaborou
ou interveio no processo de elaboração ou de consolidação das contas, nem tinha quaisquer poderes, conhecimentos ou
responsabilidades em tais matérias.
XXXIII.
De tal forma não existem motivos para condenar, que a tese da acusação foi evoluindo e adaptando-se de modo a evitar a
sua anunciada falência, desde logo quando os supervisores começaram por acusar o BCP de ter usado as offshore para
subscrever capital nos aumentos realizados em 2001 e em 2002.
XXXIV.
Tendo sido feita prova de que as sociedades não participaram em tais aumentos de capital, o argumento caiu e, então, a
presunção passou a ser a de que as sociedades offshore faziam parte de um plano de sustentação da cotação das acções
BCP, comprando quando a cotação descia e vendendo quando subia.
XXXV.
Em tribunal não foi feita prova de que as quantidades transaccionadas tivessem influenciado as cotações e a primeira tese
ressuscitou, agora sobre a forma de uma estratégia destinada a dissimular as perdas das offshore, sendo que nenhuma das
três teses corresponde à verdade.
XXXVI.
Não houve concertação entre os arguidos para dissimular perdas sofridas pelas offshore ou para evitar o seu
reconhecimento contabilístico.
XXXVII.
O arguido Filipe Pinhal é alheio a toda esta temática dado que nunca foi responsável pelo Private Bank, pelo International
Private Banking, pela Sucursal de Cayman, pela Direcção Internacional, pela Direcção de Relação com Investidores, pela
Direcção de Títulos, pela Servistrust, pela Direcção de Operações, pela Direcção de Auditoria, pelo Departamento ou
Direcção de Contabilidade ou pelo Centro Corporativo.
XXXVIII.
As decisões que foram sendo tomadas ao longo do tempo foram ditadas por alteração das circunstâncias, e mais não
visaram do que dar satisfação a novas imposições do BdP, dando-se expressão material e contabilística a operações reais,
regulares, lícitas e correntes na actividade bancária.
XXXIX.
O propósito de esconder é negado pelo facto de todas as operações terem sido espelhadas na contabilidade, efectuadas
pelo valor de mercado, objecto de escritura pública e registo em Conservatória, comunicadas ao mercado de informação e
à central de riscos do BdP e colocadas em actas do Conselho e em cartas e informações para os reguladores.
XL.
Estiveram envolvidos nas operações das sociedades offshore, desde a sua constituição até à sua extinção, mais de uma
centena de intervenientes que nunca poderiam ter integrado o plano que o BdP e a CMVM acreditam ter existido desde
1996.
XLI.
A existir algum tipo de ilicitude ou irregularidade, nada justifica então que Paulo Teixeira Pinto, Christopher de Beck,
António Castro Henriques, Alípio Dias, Francisco Lacerda, Alexandre Bastos Gomes ou Boguslaw Kott, que dirigiam as
áreas em que os factos tiveram lugar e que tiveram intervenções muito mais extensas e relevantes que o arguido Filipe
Pinhal, não tenham sido acusados, pronunciados ou condenados.
XLII.
Ao decidir como decidiu, o tribunal ilibou quem constituiu e utilizou as offshore, quem comprou e vendeu acções e quem
não vendeu as garantias quando estas se desvalorizaram para além do limite do tolerável; mas culpou quem tentou, e
conseguiu, resolver o problema, corrigindo irregularidades criadas por terceiros ou minimizando riscos a que não deu
origem.
XLIII.
O tribunal já tinha concluído que o arguido Filipe Pinhal nada tivera que ver com a constituição e actividade das offshore,
mas condenou na mesma porque se presumiu que Filipe Pinhal “fez parte do plano concebido para dissimular as perdas
das sociedades offshore”.
XLIV.
Perante um problema que ameaçava causar perdas ao banco o arguido ora recorrente tomou medidas legitimas para o
resolver, agiu para reduzir os riscos a que o banco estava exposto e, no final, recuperar todo o crédito em risco.
XLV.
Os arguidos limitaram-se a fazer aquilo que sempre tinha sido feito na banca e que está, de novo, a ser activamente
praticado desde o início da presente crise financeira: passar a gestão de projectos imobiliários a gestores especializados,
os quais, munidos dos meios financeiros adequados, estão aptos a criar valor que permita recuperar créditos que se
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revelam temporariamente incobráveis, no curto prazo, mas que são perfeitamente recuperáveis, no médio e longo prazo.
XLVI.
Os arguidos agiram perante a situação com que se depararam em finais de 2002 com a mesma eficácia com que, no
passado, todos os administradores do BCP tiveram de actuar à medida que foram ficando a descoberto problemas
herdados das seguradoras e dos bancos adquiridos em 1991 (CISF), em 1995 (BPA), e 2000 (BPSM e Banco Mello), sendo
que os erros operacionais então detectados ascendiam a € 1.300.000.000 de perdas potenciais ou efectivas que tiveram de
ser geridas no contexto da actividade corrente do banco e das suas participadas.
XLVII.
No âmbito das competências e poderes distribuídos aos administradores cada um resolveu o que lhe competia resolver,
sem se imiscuírem ou tomarem conhecimento dos problemas que, ao mesmo tempo, estavam a ser resolvidos fora da sua
área de intervenção.
XLVIII.
O voto de vencido assenta numa análise de factos ocorridos em 1999, à luz da realidade actual e ignora os efeitos, na vida
económica e jurídica, do 11 de Setembro, das alterações de 2005, da crise sistémica de 2008, do aviso de 2009, da
densificação da supervisão financeira, da alteração das leis e regras aplicáveis e do combate à opacidade das sociedades
offshore.
XLIX.
Desconsidera que as relações profissionais, em particular as do mundo bancário, assentavam nos princípios da confiança e
do need to know, entendendo a tese vencida que a punição deveria abarcar o segmento temporal que antecede 2002, sob a
premissa de que um plano criminoso estaria já nessa época em marcha.
L.
Assim, naquela tese peregrina, o iter criminis começa com a constituição das 17 offshore Cayman e das offshore Goes
Ferreira, tendo sido, erradamente, ignorado ou minorado o facto de as primeiras 5 sociedades offshore terem sido criadas
no BPA, em data em que ainda não havia qualquer unidade, institucional ou de actuação, entre o BPA e o BCP, sendo que o
arguido Filipe Pinhal nunca esteve nem assumiu quaisquer responsabilidades no BPA.
LI.
Entre 1999 e 2002, período em que a concessão de crédito desta natureza consubstanciava uma estratégia do banco
comum às demais instituições financeiras que com ele competiam e, posteriormente, aquando da desvalorização
apreciável da garantia dos créditos, o arguido Filipe Pinhal não tinha, conforme já se referiu, responsabilidade pelas áreas
em que os factos ocorreram e, por isso, nada fez nem podia ter feito por falta de conhecimento, de poderes e de capacidade
de intervenção em áreas que lhe eram alheias.
LII.
Posteriormente, procurou-se uma recuperação possível dos créditos concedidos, através de uma opção de gestão racional
e prudente e foi posto em marcha um conjunto de operações com vista a minorar os efeitos de prejuízos potenciais, com a
obtenção previsível (mas altamente provável) de significativas mais-valias reais, pelo que, na esperança fundada de
recuperação do valor da cotação em bolsa das acções BCP, os créditos não foram executados.
LIII.
O esforço de recuperação de crédito é equivocamente entendido pelo voto de vencido como um mecanismo de
dissimulação de perdas, o que não tem sentido lógico dado o facto de tais supostas perdas serem apenas potenciais, e
perdas potenciais não constituírem prejuízos efectivos, confundindo uma normal estratégia de gestão com um facto ilícito
e censurável.
LIV.
Faz-se crer que os financiamentos às offshore são geradores de perdas efectivas, quando, na verdade, a depreciação de um
título não equivale a uma perda real, nem sequer conduz ao vencimento do crédito; ela é, antes e tão-só, potencial e, por
natureza, temporária, só se tornado efectiva quando o valor pelo qual é alienada for inferior ao valor de mercado no
momento da compra.
LV.
A ocorrência de operações bancárias, em simultâneo, em duas ou três situações esparsas, não indicia anormalidade, pelo
contrário, era natural que, por uma questão de economia de tempo e de meios, os serviços concentrassem várias propostas
para irem a despacho.
LVI.
O desconhecimento da identidade dos UBO das entidades offshore não é indiciário de qualquer irregularidade, pois só a
partir de 2009, então com Aviso expresso do BdP – o Aviso 7/2009, antes inexistente - é que vem a ser vedada a concessão
de crédito a offshore sem beneficiário económico conhecido.
LVII.
Na sequência da descoberta do erro operacional, foram introduzidas, em 2003, mudanças significativas no governo
societário do banco, na medida em que se institucionalizaram as funções de Compliance Officer, Risk Officer e Provedor do
Cliente, tendo sido designadas nove comissões especializadas, agregadas em três áreas: Governo Societário, Controlo e
Actividade Operacional.
LVIII.
A aprovação ou ratificação de créditos e a tramitação simplificada na sua concessão e análise são compreensíveis num
contexto de política expansionista e numa época de grande optimismo quanto à evolução das economias ocidentais e dos
mercados bolsistas, uma percepção que só foi interrompida com a propagação das ondas de choque do ataque às Torres
Gémeas, já bem no início de 2002.
LIX.
As operações de crédito iniciam-se com propostas do Banco, alegadamente solicitadas pelos mutuários, pelos seus serviços
em Lisboa (Direcção de Relações Internacionais do BPA e Direcção Internacional do BCP) ou pela Sucursal de Cayman,
sendo que nenhum desses departamentos se encontrava na dependência hierárquica ou funcional do arguido Filipe Pinhal.
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S.
R.
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LX.
A aposição de assinaturas corresponde mais a um acto formal exigido pelas normas procedimentais em vigor do que a um
acto material e próprio de controlo ou de aprovação e isto na medida em que a materialidade dos procedimentos só é
fiscalizada quando, por exemplo, há pareceres discordantes dos escalões inferiores, o que nunca aconteceu nestes casos.
LXI.
Todas as assinaturas apostas pelo arguido Filipe Pinhal nas operações de crédito relativas aos veículos offshore foram-no,
exclusivamente, após a assinatura do administrador responsável pelo pelouro, precedidas de parecer favorável, na
ausência do administrador alternante da Direcção Internacional e assentes em confiança na análise que antecedia a
proposta e na confiança que lhe merecia o administrador do pelouro.
LXII.
Tudo nos mesmíssimos termos em que, ao longo de 30 anos de carreira bancária, o arguido Filipe Pinhal co-assinou
milhares de outras operações originadas em áreas que funcionavam sob a responsabilidade de colegas seus.
LXIII.
Nunca houve intervenções do arguido Filipe Pinhal, em Assembleia Geral, em substituição do co-arguido Jorge Jardim
Gonçalves (ainda que tenha sido munido de poderes para tal, o que desconhecia), pois o co-arguido Jorge Jardim Gonçalves
nunca faltou a qualquer Assembleia Geral do BCP.
LXIV.
O voto de vencido afirma que o arguido Filipe Pinhal interveio nos trâmites posteriores do negócio ABN, quando, na
verdade, este apenas tomou conhecimento a posteriori do contrato celebrado com o ABN, pela leitura do comunicado
divulgado ao mercado, tendo pedido esclarecimentos sobre o mesmo na reunião de Conselho de Administração ocorrida
logo após a celebração e comunicação do mesmo ao mercado, tal como o fizeram os restantes administradores.
LXV.
A testemunha Filipe Abecassis, que negociou todos os termos do contrato, afirma nunca o ter reportado ao arguido ora
recorrente, nem nunca dele ter recebido quaisquer contactos ou instruções e também o co-arguido António Rodrigues
atestou que o arguido Filipe Pinhal não acompanhou ou teve conhecimento a anteriori da operação.
LXVI.
É falso que a procuração passada pelo arguido ora recorrente a Filipe Abecassis tenha sido com o propósito de este
representar o BCP no negócio ABN, tanto que no seu texto nem sequer é referida a operação ABN, acrescendo ainda que
esta procuração surgiu, como muitas outras, num contexto de uma estrutura complexa e hierarquizada em que se praticam
vários actos sem qualquer relevância prática ou material.
LXVII.
São infundadas as dúvidas levantadas, pelo voto de vencido, em torno do negócio ABN, desde logo porque a posição do
ABN foi urbi et orbi comunicada ao mercado e nada impedia a CMVM ou o BdP de pedir informação ou documentação
sobre tal operação.
LXVIII.
A operação ABN teve como virtualidade evitar maiores prejuízos efectivos e imediatos, crendo numa expectável subida da
cotação do título, e por isso não pode dizer-se que foi ficcionada; nem o ABN era entidade manipulável, pois tinha
dimensão várias vezes superior ao BCP.
LXIX.
Mesmo após 2005 inexiste obrigação de consolidar as offshore dado estas nunca terem sido controladas ou
instrumentalizadas, pela razão elementar de que as off-shore Cayman tinham sido extintas em 2004 e as off-shore Goes
Ferreira terem evidenciado sempre UBO formais e materiais, externos ao BCP, a saber, José Manuel Pitta Goês Ferreira e
Carlos Bessa Monteiro.
LXX.
Porque não havia detenção directa de capital ou partes do capital e, depois, porque estes veículos eram materialmente dos
3 UBO e não do BCP, o balanço consolidado não tinha de conter os activos registados nos balanços das sociedades offshore
Cayman, sendo indiferente que nestes afigurassem as Notes ou as acções do BCP alienadas ao ABN AMRO.
LXXI.
Com a alienação dos títulos do BCP ao Banco AMRO e admitida a transferência parcial do risco, não pode considerar-se que
a carteira de acções alienadas está sujeita ao controlo do BCP.
LXXII.
Na carta datada de 23 de Junho de 2008 o ABN reconhece que as acções BCP constavam do seu activo e se encontravam
classificadas na carteira de negociação, confirmando ser seu proprietário legítimo.
LXXIII.
O voto de vencido insiste em atribuir exclusivamente ao BCP o risco inerente ao contrato, quando nada, nem as sociedades,
nem o BCP garantia ao ABN que este conseguisse alienar os títulos e recuperar o montante que havia despendido.
LXXIV.
As dúvidas quanto à urgência do contrato ABN obtêm resposta na necessidade de, por imposição do BdP, ser diminuída a
exposição ao risco decorrente do montante de financiamento concedido e cuja garantia era constituída por acções BCP.
LXXV.
Pela experiência que possuía o arguido Filipe Pinhal foi perguntado pela forma de resolver a questão do risco de crédito e
incumbido de reunir interessados em assumir a titularidade das sociedades. Frederico Moreira Rato, Ilídio Monteiro e João
Bernardino Gomes aceitaram os termos propostos, na expectativa de virem a obter expectáveis mais-valias.
LXXVI.
Em 2003 aceitaram a assunção pessoal limitada das dívidas, com a possibilidade de exoneração mediante a dação em
pagamento dos activos das sociedades, sendo que tal reserva não foi considerada satisfatória pelo BdP.
LXXVII.
Na impossibilidade de continuar a via da recuperação legitimamente encetada em finais de 2002, tentou-se afectar uma
garantia que fosse mais significativa e, por via dela, a obtenção de mais-valias futuras através de um grande projecto
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imobiliário em Angola.
LXXVIII.
Todas as operações foram legítimas e possuidoras de racionalidade económica, tendo sido devidamente registadas e
documentadas, acompanhadas que foram pela Banca de Investimento fora do controlo, acompanhamento ou até
conhecimento do arguido ora recorrente.
LXXIX.
O facto de toda a negociação e supervisão dos financiamentos e outros apoios financeiros ao projecto Baía de Luanda
demonstra que não se tratava de um dossier com acompanhamento pessoal (e especial) a cargo do arguido Filipe Pinhal,
como não era, seguramente, pelos dois outros arguidos condenados.
LXXX.
Carlos Bessa Monteiro, Goes Ferreira e o Banco de Portugal confirmaram que o arguido Filipe Pinhal nunca teve qualquer
conhecimento ou intervenção nas operações efectuadas em torno das offshore Goes Ferreira.
LXXXI.
O tratamento diferenciado entre a Victory e as demais offshore Goes Ferreira justifica-se pela circunstância de a primeira
ser gerida directamente pelo grupo económico Góis Ferreira, e não pelo BCP, mediante mandatos de gestão
discricionários.
LXXXII.
Nos casos em que cabe ao Banco a gestão dos veículos offshore o banco dispõe de poderes para, a todo o tempo, vender os
títulos e amortizar as dívidas, pelo que não se justifica uma exigência adicional de segurança, como sejam a celebração de
um contrato de penhor formal e a introdução de uma cláusula de stop-loss. Ao contrário, nos casos em que a gestão fica a
cargo do UBO já se torna necessário necessário prever a formalização do penhor, introduzir cláusulas de stop-loss e
promover um acompanhamento mais efectivo do crédito.
LXXXIII.
São inviáveis os pressupostos em que assenta a tese segundo a qual se encontram em concurso efectivo os crimes de
manipulação de mercado e de falsificação de documento, imputados aos arguidos, pelo que a haver ilícito e a verificar-se o
concurso de normas seria sempre concurso aparente.
LXXXIV.
A ter sido cometido, e não foi, o crime de falsificação de documento configurar-se-ia como um meio para a alegada
manipulação do mercado e isto na medida em que não existe uma pluralidade de fins ou de sentidos sociais visados pela
conduta, em que o crime de falsificação de documento não tem autonomia em relação ao crime de manipulação de
mercado.
LXXXV.
Esta falta de autonomia impede a subsunção desses mesmos factos às regras do concurso efectivo, com o que se violaria o
princípio constitucional da proibição da dupla valoração, consagrado no artigo 29.º, n.º 5 da CRP e o princípio da culpa,
enquanto corolário constitucional da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1º também da CRP.
LXXXVI.
No que tange ao arguido Filipe Pinhal nem sequer é possível encontrar na sua conduta um acto típico, ilícito, culposo e
punível idóneo a produzir o resultado ínsito nos tipos legais, abstractamente em concurso.
LXXXVII.
O elemento intelectual do dolo (e da negligência consciente) não se formou, porquanto não lhe coube a iniciativa, a
execução, o acompanhamento ou o conhecimento, da constituição e da actividade das sociedades offshore Cayman e Goes
Ferreira, ou de quaisquer operações relacionadas com a transacção de títulos BCP.
LXXXVIII.
Inexiste, mesmo, negligência inconsciente, uma vez que o arguido Filipe Pinhal não estava adstrito a qualquer dever de
cuidado ou tinha qualquer poder-dever sobre pelouros fora do seu espectro de competências e de atribuições.
LXXXIX.
Pela impossibilidade de imputar a realização típica do facto ilícito ao arguido Filipe Pinhal, não pode o crime de
manipulação de mercado ser sequer alvitrado.
XC.
Quanto ao imputado crime de falsificação de documento, não procede dos autos que tenha havido qualquer intuito de
omitir ou veicular informação falsa, pelo menos por parte do arguido ora recorrente.
XCI.
A imputação de um crime de falsificação de documento funda-se na errada premissa da obrigatoriedade de consolidação
da contabilidade das entidades offshore pelo BCP e, nessa medida, num inexistente dever a que estariam adstritos os
arguidos.
XCII.
As 17 entidades de Cayman e as offshore Goes Ferreira nunca foram directamente detidas pelo BCP, nem estiveram sob o
seu directo controlo e participação, pelo que se não verificava qualquer obrigação de as consolidar.
XCIII.
A pena aplicada aos arguidos nunca poderia abarcar o tempo que antecede os finais de 2002, visto que inexiste, no período
anterior a 2005, obrigação de consolidar.
XCIV.
A total confiança dos administradores nos órgãos internos de fiscalização da contabilidade e nas autoridades de
supervisão, tornam inexigível que algum dos membros do Conselho de Administração pudesse ter suspeitas de alguma
incorrecção.
XCV.
Até 31.12.2004, as demonstrações financeiras do BCP eram preparadas de acordo com o Plano de Contas para o Sistema
Bancário (PCSB), a consolidação de contas obedecia ao disposto no Decreto-Lei n.º 36/92, de 28 de Março e o PCSB não
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remetia, sequer supletivamente, para as Normas Internacionais de Contabilidade (IFRS).
XCVI.
O art. 2º do Decreto-Lei n.º 36/92, de 28 de Março, limitava a obrigação de consolidação às empresas que controlassem de
modo exclusivo, assentando o conceito de controlo fundamentalmente em direitos de voto e na titularidade directa do
capital social.
XCVII.
Mesmo que tivessem preenchidos tais pressupostos no que concerne às offshore Cayman, o que em rigor não sucedia, o
referido diploma não previa quaisquer regras especiais que obrigassem à consolidação de SPE ou SPV.
XCVIII.
As regras legais vigentes noutros países europeus e a própria IAS 27, então vigente, difundiam a prática absolutamente
generalizada da não consolidação dessas entidades e nada na lei, na regulamentação, na interpretação ou na praxis
impunha a consolidação.
XCIX.
Somente a partir de 01.01.2005 passaram as sociedades cotadas a estar sujeitas à norma internacional de contabilidade
SIC 12, que estabelece pressupostos específicos de que depende a consolidação de SPE.
C.
Os pressupostos de consolidação fixados nessa norma não coincidem nem se confundem com a regra do artigo 2.º, n.º 2, do
Decreto-Lei n.º 32/96, uma vez que apelam a critérios de aferição da existência de controlo que são distintos e mais
abrangentes do que os previstos naquele diploma.
CI.
Apenas a partir de 2004, no quadro do processo de preparação da adopção das IFRS, é que o BCP começou a analisar as
relações por si estabelecidas com SPE de forma a verificar da necessidade da sua consolidação a partir de 01.01.2005, à luz
da SIC 12.
CII.
Nesta data as responsabilidades das 17 sociedades off-shore encontravam-se já totalmente liquidadas e as próprias
sociedades tinham já sido dissolvidas.
CIII.
Só a partir de 2005 é que, em Portugal e no estrangeiro, se sentiu a necessidade de proceder à consolidação das SPE e tal
resulta da mera constatação de que grandes instituições nacionais e europeias registaram, nesse ano, por força da adopção
das IFRS, impactos significativos nos seus balanços decorrentes da consolidação de SPE à luz da SIC 12.
CIV.
A não sujeição das 17 offshore Cayman à consolidação pelo BCP encontra, ainda, assente no disposto no art. 5.º do DecretoLei n.º 36/92, que autoriza especificamente que, por decisão livre da instituição de crédito, esta opte por excluir da
consolidação empresas quando “as partes representativas do seu capital social forem detidas exclusivamente, tendo em vista
a sua cessão posterior, a curto prazo”.
CV.
A decisão de declarar vencidos os créditos por descoberto, concedidos àquelas sociedades, era uma decisão de gestão e
não um mero efeito automático da mera ultrapassagem de prazos contratuais sem pagamento de juros ou reforço de
garantias.
CVI.
Os créditos detidos sobre as 17 sociedades offshore, nunca foram considerados vencidos pelo BCP, pelo que sucumbe a
pretensão de lhes aplicar o regime de provisionamento específico, reservado ao crédito vencido.
CVII.
Não é verdade que não tenham sido pagos juros, não apenas porque os juros foram lançados a descoberto, por débito nas
contas de cada uma das 17 sociedades devedoras, o que implicou a extinção do crédito de juros e a sua substituição por um
crédito por descoberto autorizado, mas sobretudo porque foram todos integral e efectivamente pagos através da utilização
do valor de venda, do valor de dividendos relativos às acções detidas pelas sociedades, do cupão das ABN Notes e do valor
da venda de direitos de subscrição inerentes a essas acções.
CVIII.
Depois de em 20.12.2002 terem sido celebrados relativamente às 4 sociedades holding, que detinham as 17 sociedades
offshore, acordos de serviços fiduciários com Frederico Moreira Rato, Ilídio Duarte Monteiro e João Bernardino Gomes,
através dos quais estes assumiram, formal e substancialmente, a qualidade de UBO dessas 4 sociedades, foi acordado com
os mesmos que os financiamentos concedidos às sociedades “filhas” (as 17 sociedades Cayman) ficassem com vencimento
a 10 anos e foi clarificado que os eventuais ganhos que decorressem de uma valorização das carteiras de títulos, após
pagos os financiamentos e um fee ao Banco, pertenceriam integralmente aos referidos UBO.
CIX.
A renovação de créditos, designadamente por via da sua prorrogação, é factor susceptível de determinar a interrupção da
contagem dos prazos previstos no art. 2º, n.º 4, do Aviso n.º 3/95 e de isentar os bancos de constituírem as respectivas
provisões, designadamente, quando se mostrem pagos os juros vencidos.
CX.
Na sequência dos contratos de compra e venda de acções e de emissão de “Equity Linked Notes”, que as 17 sociedades
celebraram em 29.11.2002 com o ABN, os débitos das sociedades offshore perante o BCP foram parcialmente pagos, num
valor total de € 154.538.390, o que permitiu o pagamento da totalidade dos juros, comissões, encargos vencidos e de parte
do capital.
CXI.
A estipulação do vencimento determinado para 10 anos e a liquidação integral dos juros vencidos, em 2002, interromperia
a contagem de quaisquer prazos de vencimento que porventura estivessem (e não estavam sequer) a contar, para efeitos
de provisionamento.
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CXII.
Em 31.12.2003, os 3 UBO procederam à liquidação integral dos débitos daquelas 17 sociedades, ainda que utilizando para
o efeito créditos pessoalmente concedidos pelo BCP pelo que a extinção dos créditos primitivos e o surgimento de créditos,
com outros devedores, conduz a que, no final de 2003, deixasse de se justificar a constituição de provisões específicas.
CXIII.
Tal como aconteceu em Dezembro de 2002, não existiu atribuição de crédito novo, ou aumento de risco de crédito, apenas
de verificou a substituição dos devedores.
CXIV.
Por todas estas razões, não se impunha, nos exercícios de 2002 e 2003, a constituição de provisões específicas para
créditos vencidos ao abrigo do regime do Aviso 3/95 relativamente aos créditos detidos sobre as 17 sociedades offshore:
em 31.12.2002 eram créditos recentes, não vencidos; em 31.12.2003 eram créditos novos concedidos a pessoas físicas.
CXV.
As provisões para riscos bancários gerais são provisões que, por definição, não são afectas a nenhuma finalidade específica
– mas podem sê-lo em qualquer altura - pelo que é absolutamente razoável que elas sejam tidas em consideração quando
se trata de avaliar se o nível global de provisionamento de um banco em determinado exercício é ou não suficiente.
CXVI.
O BCP constituiu, para 2002, uma provisão para riscos bancários gerais no montante de € 188.000.000 (€ 200.000.000 em
base consolidada) para fazer face aos riscos inerentes à actividade do Grupo, incluindo a desvalorização das garantias
associadas ao crédito concedido.
CXVII.
Tal decisão teve o consentimento e apoio do Banco de Portugal. O valor total de provisões genéricas constituídas nesse ano
pelo BCP (incluindo a referida provisão para riscos bancários gerais) ascendia a € 624.793.000.
CXVIII.
Em 2002, o relatório de provisões económicas apresentado ao Banco de Portugal revelava nas contas individuais que o
total das provisões necessárias seria de € 864.593.000, incluindo o montante de € 311.432.000 correspondente a
provisões não especificamente alocadas.
CXIX.
O total de provisões contabilísticas constituídas ascendia a € 908.085.000, o que denota que havia um excesso de
provisões contabilísticas sobre aquelas economicamente necessárias, que se cifrava em € 43.492.000.
CXX.
Este excesso, que demonstra prudência e contenção nos resultados, ascenderia a € 72.846.000, se se considerasse a
diferença entre os valores globais das provisões contabilísticas e das provisões económicas calculadas no seio do Grupo
BCP em 2002.
CXXI.
As provisões de natureza genérica existentes em 2002 apresentaram sempre um valor superior ao do eventual défice de
provisionamento resultante da alegada não consideração como vencidos dos créditos concedidos às 17 sociedades
offshore Cayman.
CXXII.
Relativamente ao exercício de 2003, o acórdão considerou – em virtude de assumir (erradamente) que os créditos sobre as
17 sociedades se tinham vencido no início de 2001 - que existiria um défice de provisionamento de € 294.996.000, quando
se constata que o valor das provisões constituídas pelo BCP seria suficiente para cobrir o suposto défice de
provisionamento que pudesse advir da consideração dos créditos como vencidos.
CXXIII.
Foram ignoradas as provisões genéricas constituídas pelo BCP, não especificamente alocadas à cobertura de determinados
riscos de crédito, no valor de € 617.640.000.
CXXIV.
O excesso das provisões constituídas pelo BCP (€ 1.003.488.000) sobre o valor total das provisões económicas (€
902.839.000) ascendia, nas contas individuais, a € 100.649.000. O excesso de provisões nas contas agregadas e,
consequentemente, nas contas em base consolidada de 2003, é de €146.338.000, sendo apurado pela diferença entre o
valor global das provisões contabilísticas constituídas, nas contas consolidadas (€ 1.134.929.000) e o valor global das
provisões económicas do Grupo (€ 988.591.000).
CXXV.
Nos exercícios de 2004 a 2007, as dívidas das 17 sociedades offshore ao BCP foram, em 24.03.2004, assumidas pela
Townsend e por esta integralmente pagas ao BCP, tendo os meios financeiros utilizados para o efeito provindo de
suprimentos efectuados pela EA (empresa pertencente ao empresário Miguel Paupério), a qual tinha recebido um crédito
do BCP no valor de € 600.181.334,67.
CXXVI.
O crédito concedido pelo BCP à EA tinha contratualmente o prazo de vencimento de cerca de 5 anos e tinha, também,
vencimento de juros de periodicidade anual, com primeiro vencimento de juros um ano depois, em 30.03.2005.
CXXVII.
A decisão de concessão do crédito à EA baseou-se no facto de esta estar envolvida ou ter em perspectiva negócios e
projectos imobiliários que teriam potencialidade de geração de cash flows que se poderiam prever suficientes para o
pagamento da dívida.
CXXVIII.
Atento o disposto no art. 3º, n.º 3, do Aviso 3/95, inexistindo prestações de capital, juros e outros encargos vencidos e
tratando-se de um crédito novo, que beneficiou de novas garantias, não existia fundamento para que fossem constituídas
provisões para risco específico de crédito.
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CXXIX.
O crédito de cerca de 600 milhões de euros concedido à EA foi objecto de inclusão no relatório de provisões económicas
apresentado ao Banco de Portugal relativo a 2004, no qual se concluiu pela adequação do nível global de provisionamento
da carteira de crédito do Banco.
CXXX.
Em 2004, o valor total das provisões económicas do BCP nas contas individuais, era inferior ao valor total das provisões
constituídas (em quase € 10.000.000), o que demonstra a suficiência das provisões constituídas.
CXXXI.
Nas contas agregadas e preparadas em base consolidada, o excesso das provisões contabilísticas sobre as provisões
económicas era de € 48.298.000.
CXXXII.
O crédito do BCP sobre a EA foi objecto de inclusão e análise efectuada no âmbito da revisão da carteira de crédito do
Grupo BCP para efeitos do relatório de provisões económicas apresentado ao Banco de Portugal relativo a 2005.
CXXXIII.
Em resultado dessa análise e tendo em consideração eventuais atrasos na geração dos cash flows dos diversos projectos
imobiliários em que a EA estava envolvida, foi decidido alocar, por se considerar adequado, a este crédito uma provisão de
€ 85.000.000, o que foi realizado.
CXXXIV.
O nível de conforto e adequação do provisionamento global das demonstrações financeiras consolidadas foi reforçado, no
exercício de 2005, através da constituição de uma provisão para fazer face à aplicação do conceito de desconto (IAS 39) à
carteira de crédito com sinais de imparidade (critério não previsto nos princípios contabilísticos geralmente aceites em
Portugal), com uma provisão de 140 milhões de euros.
CXXXV.
O valor total das provisões constituídas pelo BCP, em 2005, era superior ao das provisões económicas, excesso que era de
€ 3.605.000 nas contas individuais e de € 13.815.000 nas contas agregadas.
CXXXVI.
Em 2006, por se ter concluído pela razoabilidade do nível global de provisionamento da carteira de crédito do Banco,
manteve-se a alocação de € 85.000.000 ao crédito sobre a Edifícios Atlântico.
CXXXVII.
A partir, sobretudo, de Novembro de 2005, o Projecto Baía de Luanda começou a revelar ser um sucesso, pelo que não se
afigurou necessário o reforço da provisão constituída para aquele crédito.
CXXXVIII.
O crédito sobre a EA tinha um prazo de vencimento de 5 anos, pelo que não estava ainda vencido em 2006 e tal facto
tornava desnecessária a constituição de provisões específicas ao abrigo do regime do Aviso n.º 3/95.
CXXXIX.
Em 2006, parte do crédito sobre a EA foi reembolsado com fundos provenientes da alienação de papel comercial emitido
pela Comercial Imobiliária, empresa então pertencente ao Grupo EA.
CXL.
Esse papel comercial integrou uma dotação em espécie feita pelo BCP ao seu Fundo de Pensões, sendo que só depois ainda
nesse ano verificou-se que não seria possível obter o reembolso integral da quantia despendida na sua aquisição.
CXLI.
Nos documentos de prestação de contas consolidadas relativas a 2006, o BCP registou as variações de justo valor das
contribuições em espécie de papel comercial da Comercial Imobiliária para o Fundo de Pensões a título de desvios
actuariais.
CXLII.
Em 2006, o total de provisões económicas era uma vez mais inferior ao total das provisões contabilísticas constituídas
pelo BCP (€ 1.026.843.000).
CXLIII.
Também nas contas agregadas e consequentemente em base consolidadas se verifica um excesso das provisões
contabilísticas sobre as provisões económicas, agora de (€ 12.737.000).
CXLIV.
Não se apura, pois, uma vez mais, a existência de um défice de provisionamento relativamente ao exercício de 2006.
CXLV.
CXLVI.
Em 2007, o remanescente do crédito sobre a EA foi liquidado através da dação em pagamento, ao BCP, da participação que
aquela detinha no capital da CI, correspondente a 68,34%, a qual foi devidamente contabilizada tendo em consideração o
valor da situação líquida da sociedade à data e resultou na utilização de parte dos 85 milhões de euros anteriormente
constituídos.
Extinguiu-se, por isso, a necessidade de realização de qualquer provisionamento relativamente a este crédito.
CXLVII.
Os financiamentos concedidos não estiveram, em nenhum momento, em situação que os qualificasse como crédito
vencido, ou crédito de cobrança duvidosa, para efeitos do disposto no Aviso 3/95 do Banco de Portugal.
CXLVIII.
Graças às medidas tomadas em 2002 e, posteriormente, em 2003 e 2004, por alteração das circunstâncias, foram idóneos
para manter sempre o controlo dos créditos, da probabilidade de cobrança dos mesmos e das Provisões específicas e
gerais existentes, nunca se tendo verificado uma situação de défice de Provisões.
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CXLIX.
O Banco sempre apresentou provisões acima dos níveis mínimos exigidos pelo Banco de Portugal através do Aviso 3/95,
as quais poderiam ser alocadas a riscos específicos sem com isso estar em incumprimento com as regras prudenciais e os
princípios contabilísticos geralmente aceites.
CL.
O Grupo possuía provisões para riscos gerais de crédito e riscos bancários gerais, as quais, pela sua natureza, não se
encontravam especificamente alocadas a nenhum crédito mas antes tinham como objectivo garantir a cobertura de
eventuais riscos existentes mas ainda não identificados na carteira.
CLI.
Todo o provisionamento efectuado foi objecto de informação ao BdP com vista ao acompanhamento por este, seguindo
sempre as suas orientações.
CLII.
Desde 2005, o Grupo passou a analisar o risco associado ao crédito concedido a sociedades offshore na lógica do definido
nas IFRS, nomeadamente tendo em consideração a SIC 12.
CLIII.
As perdas relativas às offshore Goes Ferreira encontravam-se integralmente provisionadas.
CLIV.
Os créditos sobre as sociedades Cayman tinham sido liquidados, enquanto tal, e as dívidas assumidas por sociedade que
tinha, ou viria a ter, meios para efectuar a liquidação dos mesmos. As sociedades Cayman tinham sido extintas.
CLV.
Após essa data as alterações verificadas nas provisões alocadas a estes financiamentos resultaram exclusivamente da
utilização das provisões no âmbito das cedências de créditos efectuadas em 2006 e 2007.
CLVI.
CLVII.
Delas não resultaram quaisquer perdas adicionais para o Banco.
A cedência dos créditos das offshore Goes Ferreira foi concluída durante o exercício de 2007.
CLVIII.
A 31.12.2007 não existiam financiamentos associados a estas sociedades sendo, por isso, desnecessária a constituição ou
manutenção de provisões.
CLIX.
O Banco de Portugal goza do poder próprio de dar instruções específicas sobre provisionamento (artigo 18.º do Aviso
3/95 do Banco de Portugal) e a inexistência de determinações é uma fonte suplementar de licitude e de correcção da
conduta do BCP.
CLX.
A perda associada ao papel comercial não pode ser analisada numa perspectiva isolada, pois os desvios actuariais
negativos apurados não podem ser dissociados dos desvios actuariais positivos gerados até 31 de Dezembro de 2007 pelas
contribuições em espécie prestadas ao longo dos diversos anos.
CLXI.
As opções tomadas pelo CAE, em 2007, estão enquadradas nas IFRS, nomeadamente na IAS 19.
CLXII.
De acordo com as IFRS, as notas anexas fazem parte integrante das demonstrações financeiras.
CLXIII.
Nestes termos, as demonstrações financeiras referentes a 2007 reflectem de forma verdadeira e apropriada a situação
patrimonial do BCP.
CLXIV.
O arguido Filipe Pinhal sempre actuou na base da informação que era do seu conhecimento, com a consciência de que
estava a proceder de acordo com as normas legais e regulamentares e de acordo com as boas práticas bancárias.
CLXV.
Em nenhum momento o arguido Filipe Pinhal teve a consciência, ou sequer a dúvida, de estar a participar em acções, ou
deliberações, ou de ter tido comportamentos omissivos, intencionalmente, cujos objectivos não fossem legítimos e cujos
meios para os atingir não fossem lícitos e razoáveis.
CLXVI.
A criação das 17 offshore Cayman e Goes Ferreira não é atribuível à acção individual ou concertada de qualquer dos
arguidos condenados, pois que inexistiram ordens, instruções, indicações explícitas ou implícitas ou sugestões dos
arguidos no sentido da criação das sociedades, o que esvazia o conteúdo possível de uma punição a título de instigação.
CLXVII.
Nem tampouco prestaram dolosamente qualquer auxílio moral ou material, pelo que os crimes imputados aos arguidos
não podem sê-lo, nem por mera comparticipação.
CLXVIII.
O Banco tinha uma estrutura hierarquizada em que os altos escalões confiavam pessoal ou institucionalmente no trabalho
dos demais, apondo a sua assinatura de acordo com as normas existentes e com a materialidade dos factos.
CLXIX.
Este princípio não era uma singularidade do BCP mas, antes, o processo normal de funcionamento de empresas com
estrutura descentralizada.
CLXX.
Por depositar confiança nos serviços do Banco, no plenário dos accionistas, nos órgãos de fiscalização interna, nos
auditores internos e externos e nas autoridades de supervisão, o arguido Filipe Pinhal não tinha razões conhecidas ou
suspeitas para não co-aprovar os documentos de prestação de contas.
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CLXXI.
As contas eram apresentadas e discutidas em reunião de alta direcção que correspondia a mais de centena e meia dos altos
quadros do Grupo, de todas as áreas do Banco, e nunca ninguém questionou ou duvidou da fidedignidade e fiabilidade das
mesmas.
CLXXII.
Nunca se furtou o arguido Filipe Pinhal à prestação de esclarecimentos às autoridades de supervisão, sendo prova disso
mesmo uma missiva por si espontaneamente endereçada ao Senhor Governador do Banco de Portugal.
CLXXIII.
Em 1999, o BCP concedeu crédito à Dazla, sociedade offshore constituída por André Jordan e Vasco Branco, um
financiamento que utilizou, entre outras finalidades, na aquisição de títulos BCP.
CLXXIV.
Os créditos concedidos à Dazla nunca estiveram vencidos e os juros foram sempre pagos, através da afectação dos
dividendos recebidos, com a alienação de direitos de subscrição e com o produto da venda das acções.
CLXXV.
Em 2003 a Dazla adquiriu ao BCP a empresa EA, que era detentora de elevado património imobiliário, mas tinha dívidas de
valor equivalente.
CLXXVI.
CLXXVII.
CLXXVIII.
CLXXIX.
CLXXX.
Em 2004, a Dazla foi vendida, pelos seus UBO, a Miguel Paupério que por essa via assume também a EA.
As três pessoas citadas declaram em tribunal que agiram no seu exclusivo interesse e não no interesse do BCP.
Não pode colocar-se, sequer, a dúvida sobre se eram sociedades exteriores ao BCP.
Ainda em 2004, a sociedade Townsend (detida pela Sevendale/Grupo Goes Ferreira) assumiu as dívidas dos UBO de 17
sociedades offshore sedeadas em Cayman e ficou com os activos e disponibilidades financeiras existentes nessas
sociedades offshore.
Em finais de 2004, a Sevendale vendeu a Townsend à Edifícios Atlântico, com todos os seus activos e passivos.
CLXXXI.
A assunção desse passivo foi concretizada através de um empréstimo de 600 milhões de euros à empresa Edifícios
Atlântico.
CLXXXII.
Para a relação estabelecida entre o Banco e a Dazla/Edifício Atlântico era indiferente a proveniência dos activos e passivos
que assumia, o que contava era a sua capacidade para reembolsar os créditos pelos quais se tornou responsável.
CLXXXIII.
E esses nunca estiveram vencidos e foram todos pagos em antecipação ao calendário acordado.
CLXXXIV.
O grupo de Miguel Paupério assumiu esta situação de desequilíbrio financeiro por ser essa a condição (o preço a pagar)
para ter acesso a uma participação relevante (e muito lucrativa) no projecto da Baía de Luanda.
CLXXXV.
No desenvolvimento do projecto, a sociedade Townsend comprou ainda ao BCP a Comercial Imobiliária, que detinha
vários imóveis com interesse para o grupo EA.
CLXXXVI.
No início de 2005, foi-lhes concedido novo financiamento, através da empresa Comercial Imobiliária, cujo produto foi
utilizado na amortização da dívida da empresa Edifícios Atlântico ao BCP.
CLXXXVII.
Em 2005, o crédito do BCP sobre a EA foi objecto de ponderação e análise, para efeitos do relatório de provisões
económicas do auditor externo, tendo sido reconhecido que o património detido pela EA e as perspectivas de realização de
“cash-flows” eram suficientes para assegurar o cumprimento da dívida.
CLXXXVIII.
Assim foi decidido alocar a este crédito uma provisão específica de € 85.000.000, parte da Provisão para Riscos Bancários
Gerais constituída em 2002.
CLXXXIX.
Também em 2005, no âmbito da transição para os IFRS, o BCP constituiu uma provisão económica geral de 140 milhões de
euros (em base consolidada), para fazer face aos hipotéticos défices de provisionamento, por efeito da alteração do padrão
contabilístico.
CXC.
Em 2006-2007, a EA pagou as suas dívidas perante o BCP através da dação em pagamento de 68% das acções da empresa
Comercial Imobiliária, pelo valor de mercado (300 milhões de euros).
CXCI.
Conforme a realidade se encarregou de demonstrar, o valor da participação no projecto Baía de Luanda era mais que
suficiente para liquidar as dívidas assumidas pela EA, como foi sempre claro para o BCP desde que a assinatura do
contrato de crédito de 600 milhões de euros.
CXCII.
Também em 2007, o BCP fez o write-off contabilístico da verba de 300 milhões de euros, por imposição arbitrária da
CMVM que recusou o critério do valor de mercado como base para a aceitação da dação.
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CXCIII.
O Banco de Portugal e a CMVM acusaram o BCP de ter divulgado ao mercado informação contabilística que não era
completa e verdadeira, por considerarem que o BCP estaria obrigado a constituir provisões relativamente aos créditos
concedidos às sociedades offshore e à sociedade Dazla e suas participadas, bem como a consolidá-las.
CXCIV.
Esta assunção é totalmente destituída de fundamento quanto à Dazla e suas participadas dado que o BCP estava impedido
de integrar na sua consolidação sociedades nas quais não detivesse participação financeira ou não exercesse a sua gestão.
CXCV.
Até 31/12/2004, a lei aplicável (7ª Directiva e o Dec. Lei n.º 36/92) exigia que o BCP detivesse uma percentagem, ainda
que minoritária no capital dessas entidades (não se aplicando a IAS 27 e SIC 12).
CXCVI.
A partir de 1/1/2005, o Aviso 6/2005 do Banco de Portugal, de 21/2/2005, dispõe que as filiais não financeiras das
instituições bancárias estão excluídas da consolidação contabilística.
CXCVII.
O BCP não teria de integrar no seu perímetro de consolidação as empresas imobiliárias (EA, Comercial Imobiliária, Dazla e
Townsend), porque não exercia sobre elas “uma influência dominante”, “um controlo” e não as “geria como se fossem uma
unidade”.
CXCVIII.
O detentor da SPE para efeitos de consolidação é a empresa que beneficie da maioria do seu retorno final expectável. Essa
entidade nunca foi o BCP, que assumiu uma posição de mero credor naquelas relações comerciais.
CXCIX.
O regime do Banco de Portugal (Provisões para Riscos Gerais de Crédito e Provisões para Riscos Específicos de Crédito),
em vigor até 31.12.2004, distingue-se das chamadas Provisões Económicas (não obrigatórias) mas que o BCP utilizava por
razões de mera prudência.
CC.
A partir de 2005, o Banco de Portugal alargou o âmbito das provisões tradicionais (para risco específico de crédito e para
riscos gerais de crédito), estendendo-as a outras situações (provisões por imparidade).
CCI.
Até 31.12.2004, o BCP nunca teria de constituir qualquer provisão para risco específico de crédito, porque os créditos em
causa nunca se venceram nem se encontraram alguma vez em situação de cobrança duvidosa.
CCII.
Para os créditos vigentes a partir de 1/1/2005, o BCP cumpriu integralmente todas as novas exigências legais (instrução
7/2005) e colocou o crédito [não vencido] em causa sob o escrutínio das provisões por imparidade.
CCIII.
Em 2005, no âmbito da transição para o novo padrão contabilístico das IAS/IFRS, o Banco constituiu uma provisão
genérica para fazer face à aplicação do novo conceito de desconto (IAS 39) à carteira de crédito com sinais de imparidade,
através de uma provisão económica geral, em base consolidada de 140 milhões de euros.
CCIV.
Em todos os anos (2001 a 2007) as provisões económicas necessárias para fazer face ao risco geral da entidade eram
sempre inferiores às provisões constituídas por força do Aviso 3/95, estando as eventuais perdas por imparidade sempre
acauteladas.
CCV.
No ano de 2002 o BCP criou especificamente uma provisão de 188 milhões de euros em base individual (e 200 milhões de
euros em base consolidada) atendendo à sua concreta situação de risco à data.
CCVI.
Até 2005, as provisões gerais e provisões anti-ciclo eram o único mecanismo de efectuar provisionamento dos créditos não
vencidos mas com défices de garantia.
CCVII.
De 2005 em diante, para lá das provisões gerais, o BCP efectuou, por efeito da transição para as IFRS, provisões para
imparidades.
CCVIII.
Se o BCP teve alguma incorrecção na sua política de provisionamento, ela terá sido ocasionada por um excesso de
provisões face às suas perdas potenciais (no momento) e efectivadas (posteriormente), quer para os créditos em causa,
quer para o total da sua carteira de crédito.
CCIX.
O BCP cuidou de evitar o sobreprovisionamento vedado pelo princípio da verdadeira e correcta representação (“true and
fair view”), previsto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 36/92, de 28 de Março, e pelo princípio da prudência, consagrado no
PCSB.
CCX.
O voto de vencido desconsiderou a circunstância de o BCP se encontrar, em pleno processo de fusão e de adaptação
procedimental, logística e informática, o que explica que o conhecimento de eventuais irregularidades só aconteça em
momento posterior à data da fusão jurídica.
CCXI.
O arguido Filipe Pinhal ocupava-se do retalho doméstico, do BII e dos recursos humanos, os quais lhe preenchiam a
totalidade do seu tempo e empenho.
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CCXII.
Todas as testemunhas foram expeditas em afastá-lo do conhecimento e actuação dolosa que no voto de vencido se
pretende imputar-lhe, não sendo razoável considerar que todas as testemunhas, mentem ou omitem só porque os seus
depoimentos confirmam a defesa do arguido Filipe Pinhal.
CCXIII.
Práticas baseadas nos princípios de segregação de funções e do “need to know basis” conduziam a que todos os assuntos
fossem tratados de uma forma reservada sem que isso constituísse um indício supeito.
CCXIV.
Na segunda metade dos anos 90 e início da década de 2000, era prática generalizada na banca a disponibilização a clientes
de sociedades com sede em jurisdições offshore.
CCXV.
Pelo facto de dispor de sucursais em Wall Street e nas ilhas Caimão, o BPA era particularmente activo nesse tipo de
operações, sendo os serviços fiduciários prestados através da sua Sucursal nas Ilhas Caimão.
CCXVI.
No Grupo BCP, quando as operações foram lançadas, esses serviços eram prestados pelo BCP Bank & Trust Company e a
partir de Janeiro de 1998, através da sociedade Servitrust.
CCXVII.
Nenhuma destas áreas esteve, alguma vez, sob a tutela do arguido Filipe Pinhal.
CCXVIII.
A Servitrust tinha sob o seu domínio, até 2002, as sociedades “Portman Nominee Services Limited” e “Portman
Management Limited”. O arguido Filipe Pinhal desconhecia por completo a existência destas sociedades antes de
Dezembro de 2002, data em que já estas tinham cessado a sua actividade de compras e vendas em bolsa.
CCXIX.
A Sucursal de Cayman foi criada no âmbito do BPA, no qual o arguido Filipe Pinhal nunca trabalhou e no BCP existiu entre
meados de 2000 e 2005 sem conhecimento ou interferências do arguido Filipe Pinhal.
CCXX.
Estas sociedades incorporavam uma função de gestão discricionária de carteiras de investimento dos clientes, através de
mandatos de gestão, quer com acompanhamento e instruções dos clientes, quer apenas segundo uma ou mais orientações
gerais pré-estabelecidas.
CCXXI.
Apesar de à data existir um processo massificado de aprovação do crédito, em que intervinham vários indivíduos de forma
interdependente, é incontroverso que não coube ao arguido Filipe Pinhal a iniciativa das propostas de concessão de
crédito que viriam a originar os financiamentos concedidos às ditas sociedades.
CCXXII.
O arguido ora recorrente é totalmente alheio ao facto de terem sido concedidos – por deficiência de controlo,
descoordenação, erro, falha de comunicação entre as várias áreas intervenientes e ineficiência de acompanhamento –
financiamentos antes de haver indicação ou registo dos UBO ou de, havendo, ter-se perdido a sua evidência.
CCXXIII.
O arguido Filipe Pinhal não teve a iniciativa dos financiamentos, não preencheu, nem mandou preencher os respectivos
formulários de crédito, nem interferiu na análise ou na emissão dos pareceres favoráveis à aprovação desses
financiamentos.
CCXXIV.
O arguido ora recorrente co-aprovou alguns financiamentos iniciais e renovações de crédito às 17 offshore, em segunda
assinatura, sem nunca as relacionar umas com as outras.
CCXXV.
Não conhecia os UBO porque esse era o procedimento instituído no Banco. Os decisores de crédito não tinha de conhecer
os UBO, mas não tinham dúvidas de que, nos serviços especializados do Banco, estaria a identificação dos UBO de todas as
sociedades off-shore. Nem poderia ser de outra maneira.
CCXXVI.
Após Agosto de 2001 Filipe Pinhal não mais voltou a ter que fazê-lo, pois não lhe foram colocadas propostas para
assinatura, com apenas uma excepção em Agosto de 2001.
CCXXVII.
Por essa altura a desmarginação dos créditos andaria pelos 15%, uma quebra perfeitamente admissível em circunstâncias
normais do mercado.
CCXXVIII.
O défice de cobertura dos créditos era, pois, normal e não preocupante tendo em conta a evolução do mercado.
CCXXIX.
Imputa-se a Filipe Pinhal a apresentação de uma proposta a João Bernardino Gomes, Frederico Moreira Rato e Ilídio
Monteiro para que estes se assumissem como efectivos beneficiários económicos das quatro sociedades sub-holdings.
CCXXX.
Tal ocorreu, de facto, e o arguido Filipe Pinhal nunca o ocultou, mas não aconteceu com o objectivo fantasiado de
dissimulação na medida em que tão só se pretendeu regularizar um erro acabado de identificar, depois de lhe ter sido
assegurado que a actividade dessas sociedades havia cessado, e que não havia documentação ou explicação adicional que
se pudesse obter.
CCXXXI.
Foi entendido na altura que a evolução do mercado permitiria, num prazo de dez anos, recuperar o valor dos activos, mas
para isso acontecer era necessário que as sociedades se mantivessem “vivas” e, para estarem regulares, teriam de ter UBO.
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CCXXXII.
Também da constituição das offshore Góis Ferreira vem o arguido Filipe Pinhal acusado, tendo as mesmas recebido
financiamentos na forma de descoberto bancário, alegadamente para efeitos de transacção de títulos BCP, por conta e no
seu exclusivo interesse.
CCXXXIII.
O arguido ora recorrente desconhece tais operações, nelas nunca tendo tido qualquer intervenção ou obtido qualquer
conhecimento, para além da esparsa e individual concessão de financiamentos na forma de descoberto bancário o que era
prática normal e usual e não suscitava qualquer suspeita.
CCXXXIV.
A aquisição de valores mobiliários do Grupo BCP efectuadas através de financiamentos a 100% concedidos pelo BCP,
aprovados ao nível da administração beneficiaram não só as offshore Cayman, mas centenas ou milhares de clientes
offshore e onshore.
CCXXXV.
A celebração de contratos de mandato de gestão pelos quais se atribuíam ao BCP poderes para aplicar, investindo ou
desinvestindo, o saldo disponível nas suas contas constituía um procedimento “standard”, não só no BCP mas em todos os
bancos que dedicassem atenção ao mercado de capitais e fossem pro-activas na oferta de serviços a clientes.
CCXXXVI.
A circunstância de Góis Ferreira e Bessa Monteiro não responderem por potenciais perdas incorridas na actuação por
parte do Banco constituía, também ela, uma situação comum aos UBO de todas as SPV.
CCXXXVII.
A formalização de penhor sobre os activos, a favor do BCP, não era necessária pelo simples facto de o património das SPV
se encontrar sob o controlo do credor e este dispor de poderes para vender e amortizar as dívidas a qualquer altura.
CCXXXVIII.
O arguido Filipe Pinhal é totalmente alheio ao motivo pelo qual se deu a transferência do passivo da Somerset (Ilha de
Man) para a Somerset (Ilhas Virgens Britânicas) passivo esse que ascendia aos € 26.565.196,45.
CCXXXIX.
O arguido Filipe Pinhal participou na co-aprovação das cessões dos créditos devidos pela Somerset, primeiro ao BCP Bank
& Trust (em 31.07.2006, no valor de € 27.390.368,28) e, posteriormente, à Sucursal Financeira Internacional (em
16.08.2006, no valor de € 27.457.456,42), mas não teve a iniciativa nem o acompanhamento da mesma.
CCXL.
Registe-se que se trava de cessões de crédito no perímetro do BCP e não da concessão de crédito novo, sendo que o credor
continuava a ser o BCP, através de uma sociedade participada.
CCXLI.
As operações aprovadas representavam uma cessão de posição contratual entre entidades detidas a 100% pelo BCP,
resultando uma óbvia neutralidade na posição credora do BCP, a nível consolidado, pelo que nenhuma dúvida se suscitava
quanto ao não aumento do risco de crédito já em curso.
CCXLII.
Enquanto administrador do BII, co-aprovara a cessão de milhares de empréstimos de crédito à habitação dos bancos
comerciais incorporados para BII, tudo em situação de absoluta neutralidade patrimonial para as contas consolidadas do
BCP.
CCXLIII.
Em relação às cessões de crédito para fora do universo BCP - à sociedade Intrum Justitia ou à Branimo - não teve o arguido
Filipe Pinhal qualquer participação, nem tal lhe foi solicitado.
CCXLIV.
O arguido Filipe Pinhal, no curto espaço de tempo que teve o pelouro das empresas, assegurou apenas o relacionamento
comercial com as empresas onshore pertencentes ao accionista Góis Ferreira e o diálogo com os seus dois sócios.
CCXLV.
CCXLVI.
CCXLVII.
Nunca o arguido ora recorrente abordou ou acompanhou o tema das offshore.
Era, e é, claríssimo que se as sociedades tivessem sido encerradas com lucro, o respectivo residual interest reverteria para
os UBO Góis Ferreira e Bessa Monteiro, tanto que nem existia forma de o BCP se apropriar desse residual interest.
Nada justifica, com efeito, a conclusão de que as offshore Góis Ferreira fossem sociedades veículo do BCP.
CCXLVIII.
No primeiro trimestre de 2004 verificou-se que a situação dos créditos originariamente concedidos às 17 sociedades
offshore Cayman e, depois, pessoalmente assumidos pelos respectivos UBO, continuavam a não registar melhorias.
CCXLIX.
A evolução da cotação do título BCP deixou de permitir antever a recuperação dos créditos concedidos no prazo de dez
anos contratualmente acordado, facto que preocupava o BCP, uma vez que os três indivíduos podiam optar por desonerarse entregando os activos das offshore.
CCL.
A reestruturação do crédito através da utilização de um modelo similar ao modelo já utilizado da Finangeste, envolvendo
entidades com activos (projectos imobiliários) não comportava qualquer risco de a situação se tornar menos vantajosa
para o BPC, porquanto os activos das 17 sociedades offshore manter-se-iam afectos ao pagamento dos créditos; pelo
contrário, a reestruturação poderia permitir uma melhora substancial dos activos afectos ao seu pagamento.
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CCLI.
Pelo facto de o Banco de Portugal ter determinado a resolução de todas as questões relacionadas com sociedades offshore,
com défice de garantias, até ao final do ano de 2005, mas não se prever a subida das cotações até 31.12.2005, o Banco
procurou encontrar empresários da área imobiliária que aceitassem assumir as dívidas e os activos em causa.
CCLII.
Obtido o assentimento dos três UBO, houve, então, que encontrar empresário da área imobiliária que assumisse as dívidas
avultadas, recebendo em contrapartida uma disponibilidade de apoio global pelo BCP, de concessão de financiamentos
para os seus negócios e de canalização de activos e projectos imobiliários a valorizar ou desenvolver.
CCLIII.
De entre os contactos efectuados, foi a Sevendale, sociedade offshore da qual eram UBO Góis Ferreira e Bessa Monteiro
(com os requisitos de experiência, credibilidade e relação de proximidade e confiança adequados) quem veio a dar os
primeiros passos.
CCLIV.
O ponto de conexão e de similitude entre a situação das sociedades offshore Góis Ferreira e das 17 sociedades offshore
Cayman dá-se aqui, assentando, não na ficcionada e falsa circunstância de todas serem empresas controladas pelo BCP,
mas no facto de esta sociedade ter, conjuntamente com três outras empresas offshore irmãs (Sherwell, Hendry e
Sommerset), pertencentes aos mesmos dois UBO, dívidas, para com o BCP, de tipo e perfil muito próximo ao das dívidas
das 17 sociedades offshore Cayman.
CCLV.
Foi a Sevendale quem promoveu, através de constituição da sociedade Townsend a assunção das dívidas dos 3 UBO das 17
offshore Cayman (no montante € 593.697.585,63).
CCLVI.
O arguido Filipe Pinhal é totalmente alheio a estas negociações e à constituição desta sociedade.
CCLVII.
A Sevendale promoveu a aquisição dos activos das 17 offshore Cayman, através da transferência para a Townsend,
juntamente com a assunção por esta das dívidas, das disponibilidades em numerário existentes nas 17 sociedades, no
montante de cerca de 100 milhões de euros e da afectação, à redução das suas próprias responsabilidades, dos demais
activos das 17 sociedades (ABN Notes).
CCLVIII.
Esta diferenciação na afectação dos activos explica, aliás, que, mais tarde, o produto da liquidação das ABN Notes tenha
sido entregue pelas 17 sociedades à Sevendale, sendo indiferente para o BCP pois os créditos concedidos a essas
sociedades estavam em condições de recuperação muito próximas ou similares.
CCLIX.
A Edifícios Atlântico, pertencente ao Eng. Miguel Paupério e por este liderada, apresentou-se igualmente interessada,
encontrando-se em melhores condições para aceitar a assunção de responsabilidades pretendidas e desenvolver mais
rapidamente os esforços tendentes a, com o apoio do BCP, alcançar o seu reembolso.
CCLX.
O Eng. Miguel Paupério era uma pessoa próxima e bem conhecida do BCP, tendo sido, durante vários anos, administrador
do BII – Banco de Investimento Imobiliário, S.A. e detentor de grande experiência, currículo e qualificação na área
imobiliária.
CCLXI.
Tinha, desde o ano de 2003, decidido cessar funções no BCP para se estabelecer por conta própria, para o que negociou a
aquisição da Edifícios Atlântico, uma sociedade imobiliária que, surgindo inicialmente no universo BPA, tinha uma larga
experiência e tradição na salvação e recuperação de casos especialmente difíceis de projectos imobiliários paralisados ou
de desenvolvimento problemático, tendo ao longo dos anos concentrado projectos e imóveis transmitidos pelo grupo BPA
e depois pelo BCP, BPSM, Banco Mello e Companhia de Seguros Império.
CCLXII.
Miguel Paupério tinha desenvolvido actividade como quadro dirigente da Finangeste, precisamente talvez o melhor
exemplo e a melhor história de sucesso de recuperação e reembolso de créditos problemáticos através das receitas
geradas com desenvolvimento e rentabilização de projectos imobiliários.
CCLXIII.
No dia 4.03.2004, a Edifícios Atlântico enviou ao BCP proposta de aquisição aos, fundos de investimento imobiliário
Imorenda e Imopredial, de imóveis detidos por estes, pelo preço global de até 445 milhões de euros, indicando que se
propunha adquirir imóveis ou sociedades que desenvolvessem negócio imobiliário, num valor até 800 milhões de euros,
solicitando para o efeito ao BCP concessão de linha de crédito.
CCLXIV.
Na sequência de conversações então estabelecidas, a Edifícios Atlântico veio a mostrar-se disposta a aceitar a condição que
o BCP lhe colocou de assunção das dívidas entretanto assumidas pela Townsend, através da aquisição desta.
CCLXV.
Foi nesse contexto que, em 26.03.2004, a Townsend foi adquirida pela Edifícios Atlântico à Sevendale e foi-o com os
passivos e activos que a Sevendale havia encaminhado para a Townsend, ou seja, com a dívida assumida de cerca de 590
milhões de euros e com os depósitos em numerário de cerca de 100 milhões de euros (as ABN Notes haviam permanecido
nas 17 sociedades).
CCLXVI.
Veio a contribuir muito fortemente para o interesse da Edifícios Atlântico e de Miguel Paupério a possibilidade de ter
acesso à participação no desenvolvimento do chamado Projecto Baía de Luanda.
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CCLXVII.
O BCP, na sequência de negociações com as autoridades angolanas relativas ao reembolso de dívida muito antiga e em
impasse do Estado Angolano, tinha fundadas expectativas de que, com o seu contributo no financiamento do projecto da
Baia de Luanda, melhorassem também as suas perspectivas de reembolso da dívida já existente em Angola.
CCLXVIII.
Esta intervenção era um importante elemento na consolidação da presença do BCP em Angola: era um projecto
imensamente prometedor e auspicioso, com grandiosas expectativas de rentabilização.
CCLXIX.
Para o BCP significava a possibilidade de realização de uma operação de grande envergadura, que iria garantir a
visibilidade e a notoriedade que faltavam à afirmação da operação bancária em Angola.
CCLXX.
Esse foi também o julgamento de Miguel Paupério, que aceitou ser financiado para pagar as dívidas dos UBO e,
essencialmente, para poder participar pessoalmente no projecto Baía de Luanda.
CCLXXI.
A partir de Março de 2004, passou a liderar o projecto Baía de Luanda e a ser o elemento decisivo no desenvolvimento e
materialização deste, complementando José Récio, que assegurava a ligação com as autoridades angolanas.
CCLXXII.
Em 26.10.2005, foi obtida a concessão da Baía de Luanda a uma sociedade a constituir pela Luanda Waterfront.
CCLXXIII.
A Townsend constituiu a sociedade denominada Anjala, que tomou em 09.11.2005, participação de 50% na referida
Luanda Waterfront.
CCLXXIV.
Adquirida a Townsend pela Edifícios Atlântico, em 25.03.2004, o BCP e a Edifícios Atlântico celebraram contrato de
financiamento pelo montante máximo de 600.181.334,67 euros.
CCLXXV.
A garantia do financiamento referida consistiu na obrigação de o mutuário não alienar, dar em garantia, nem onerar um
vasto conjunto de imóveis constantes de anexos ao contrato sem consentimento expresso e prévio do BCP.
CCLXXVI.
Em concretização do interesse inicialmente manifestado pela Edifícios Atlântico, em 29.03.2004, a Townsend adquiriu ao
BCP a totalidade do capital social da Comercial Imobiliária (CI) pelo preço de 26.136.317,60 euros, correspondente à
situação líquida desta.
CCLXXVII.
E em 30.04.2004, a CI celebrou com o BCP e com o BCPI contratos-promessa de compra e venda de diversos imóveis pelo
valor de cerca de 48,5 milhões euros e de 12,6 milhões de euros, respectivamente.
CCLXXVIII.
Em reunião de 13.04.2004, o Conselho de Administração do BCP deliberou ratificar a assunção pela Townsend das dívidas
pessoais de Frederico Moreira Rato, João Bernardino Gomes e Ilídio Duarte Monteiro no montante global de
€593.697.585,63 e a venda da Comercial Imobiliária à Edifícios Atlântico.
CCLXXIX.
Em reunião subsequente, de 04.05.2004, o Conselho de Administração aprovou prescindir do direito de preferência sobre
sucursais arrendadas pertencentes aos Fundos Imorenda e Imopredial que a Edifícios Atlântico se tinha proposto adquirir
(aquisição que acabou por não se concretizar) e aprovou o financiamento à Edifícios Atlântico de até €1.245.000.000, na
condição de se viabilizar o negócio de aquisição daqueles (o que não se veio a verificar).
CCLXXX.
E, logo após o financiamento de €600.181.334,67 que foi efectuado à Edifícios Atlântico, o BCP, em cumprimento do que
lhe incumbia regulamentarmente, passou imediatamente a reportar a existência desta dívida da Edifícios Atlântico à
Central de Riscos do Banco de Portugal, enquanto operação de crédito concedido em Portugal.
CCLXXXI.
Tudo foi feito sem intervenção do arguido Filipe Pinhal.
CCLXXXII.
Mas tudo foi também operacionalizado usando instrumentos legais e claros, por vezes similares até aos usados noutras
sedes, designadamente em empresas do Estado (transacções entre a Parpública e a Estamo), muitas vezes por iniciativa
das autoridades públicas e obedecendo a um único e são propósito com recurso a práticas jurídicas, bancárias, societárias
e comerciais válidas, idóneas e correntes.
CCLXXXIII.
É, pois, no quadro dessas negociações com empresas do sector imobiliário, e para viabilizar as negociações que se
seguiriam, que se procedeu à colocação dos financiamentos em entidades onshore, pelo que não se entende o raciocínio
segundo o qual, a utilização de veículos offshore tem o objectivo de “ocultar” mas a passagem do offshore para o onshore
tem, também, esse objectivo.
CCLXXXIV.
O arguido Filipe Pinhal não foi responsável pelo agendamento e pela inclusão do ponto n.º 26 da Acta n.º 461 do Conselho
de Administração do BCP, o ponto respeitante à alienação do capital social da Comercial Imobiliária.
CCLXXXV.
O acórdão recorrido não condena nem considera, como directa ou indirectamente responsáveis os arguidos, e
particularmente o arguido Filipe Pinhal, pelos factos ocorridos até final de 2002.
CCLXXXVI.
Sustenta-se porém no acórdão ora recorrido que a atribuição de UBO às 17 Cayman foi meramente formal, que as offshore
eram, por isso, materialmente do BCP.
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CCLXXXVII.
Já foi explicado que a recuperação dos créditos concedidos às off-shore, através dos seus activos, exigia que as sociedades
se mantivessem “vivas” e regulares (com UBO identificado).
CCLXXXVIII.
As contas do BCP, e também relativamente às Cayman, espelhavam a realidade, sendo indiferente se os UBO eram, ou não,
formais (e não o eram) pois não havia, em qualquer caso, lugar a consolidação.
CCLXXXIX.
Se consideradas as offshore entidades terceiras, não havia lugar a provisões, por os créditos, com o respectivo regime de
renovação, não estarem vencidos.
CCXC.
As operações realizadas pelas ou com as sociedades Townsend, Edifícios Atlântico, Comercial Imobiliária e Dazla são
operações normais, correntes, lícitas, racionais e realizadas por ou com sociedades que o BCP não detinha e não
controlava.
CCXCI.
O acórdão recorrido considera que a motivação dessas operações é que é ilícita, pois destinar-se-iam a dissimular as
perdas resultantes da actividade das offshore Cayman e tais supostas perdas, como são erradamente entendidas no
acórdão recorrido, seriam as seguintes: € 300 milhões de euros de suprimentos à Comercial Imobiliária, € 116 milhões,
mais precisamente € 115,89 milhões do Fundo de Pensões, por via da emissão de papel comercial, e € 65,4, milhões da
Dazla, também por via do papel comercial.
CCXCII.
Porém, como já se explicou os créditos estiveram sempre adequadamente provisionados, foram colocados em situação de
viabilizar a liquidação integral dos mesmos.
CCXCIII.
E nunca existiu défice de Provisões com base no qual possa sustentar-se que as Contas do BCP não expressaram, de forma
verdadeira, a situação patrimonial do banco, quer nas Contas individuais, quer nas Contas Consolidadas.
CCXCIV.
O arguido Filipe Pinhal não teve a iniciativa da constituição da sociedade Dazla nem qualquer intervenção nas operações
de aquisição, por parte desta, da Edifícios Atlântico e Juwain Holdings e, aliás, só tomou conhecimento da existência da
sociedade Juwain Holdings quando da sua audição no Banco de Portugal, o que por si só ilustra bem o grau de
distanciamento existente em relação a essas operações.
CCXCV.
Os suprimentos à Comercial Imobiliária estariam mais que compensados pelo valor estimado dos cash flows do projecto
da Baía de Luanda, mas de qualquer modo todas estas operações foram feitas sem intervenção do arguido Filipe Pinhal
que não tinha hipótese humana de nelas se imiscuir devido ao acompanhamento que fazia de todo o retalho doméstico do
BCP, do BPA, do BPSM e do Banco Mello.
CCXCVI.
As operações cujas perdas incorridas deveriam estar reconhecidas constavam das contas do BCP e das sociedades
envolvidas, pelo que não podiam influenciar erroneamente os investidores.
CCXCVII.
O acórdão recorrido considera erradamente provada, nos pontos 9.º e 10.º, a existência de um grupo unificado de 17
offshore, aglutinadas sob o nome de Cayman e para tal recorreu aos seguintes falsos indícios (aos quais o arguido Filipe
Pinhal era completamente alheio): a emissão de procurações a favor do BCP, conferindo-lhes poderes de gestão
discricionária; a aquisição de quase exclusivamente acções do BCP; a actuação à margem do Regulamento de Crédito em
vigor à data dos factos; e a sua sucessiva renovação e, em alguns casos, incremento.
CCXCVIII.
O Tribunal julgou provado o ponto 634, presumindo que os juros e comissões cobrados aos veículos offshore eram
suportados exclusivamente por financiamentos provenientes do BCP; no entanto, na matéria de facto não provada, diz-se
não se ter provado que os recursos usados pelas offshore Cayman, para pagar comissões e juros ao BCP, tenham advindo
exclusivamente dos financiamentos concedidos pelo BCP.
CCXCIX.
Ou seja, tal não pode suportar o que se conclui no ponto 163, que a actividade de todas estas sociedades constituiria
actividade camuflada do próprio BCP.
CCC.
A outorga de procurações que legitimavam o BCP a gerir o património das sociedades não o torna titular das mesmas, e
nem sequer equivale a considerar tais sociedades fundidas, incorporadas ou consolidadas na entidade por quem
escolheram ser representadas.
CCCI.
A aquisição de títulos quase exclusivamente integrados no universo BCP não é, igualmente, prova do alegado controlo
material, até porque o acórdão recorrido reconhece, no ponto 1395 da factualidade provada, que era comum, na banca,
antes do acontecimento de 11 de Setembro, a constituição de sociedades offshore para facultar a potenciais e futuros
clientes interessados, até para compra de títulos.
CCCII.
Estranha-se que o mesmo acórdão dê como provado, no ponto 1732 da matéria de facto que as 17 offshore Cayman,
contrariamente ao usual, iniciaram investimentos e foi-lhes concedido financiamentos antes de haver um cliente
determinado, devidamente identificado e formalizado, pois que não foi feita tal prova, apenas a da falta de evidência
registral de quem tinha sido os UBO.
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CCCIII.
O acórdão, referindo-se a Goes Ferreira e a Carlos Bessa Monteiro, reconhece que “Em face da formação e experiência
profissional que ambas as testemunhas possuem, não se mostra credível que as mesmas tenham assinado qualquer dos
documentos que se encontram juntos aos autos, sem tomarem conhecimento do teor dos mesmos”.
CCCIV.
No entanto, atribui credibilidade às testemunhas quando estas se eximem de um envolvimento material e se assumem
testas de ferro, sem equacionar o interesse que as mesmas teriam em semelhante posição: o acesso a financiamento e o
assento no Conselho Superior.
CCCV.
Inexistiu qualquer intervenção por parte do arguido Filipe Pinhal ou, sequer, conhecimento ou acompanhamento das
sociedades offshore Goes Ferreira, facto que, repete-se, foi confirmado por Goes Ferreira e por Bessa Monteiro.
CCCVI.
A factualidade provada dá conta de um processo massificado de concessão de créditos, num contexto normativo mais
permissivo e menos blindado do que o presente, como se percebe pela descrição constante do ponto 1493 da matéria de
facto provada.
CCCVII.
Alexandre Bastos Gomes referiu que “a supervisão conhecia tal prática perfeitamente e nunca conheceu qualquer objecção
à mesma”, acrescentando que no template dos formulários das concessões de crédito, que era do conhecimento do BdP,
não havia qualquer campo para a identificação do UBO.
CCCVIII.
Francisco José Queiroz de Barros Lacerda, confirma que os procedimentos do BCP, nomeadamente os da concessão de
financiamentos para aquisição de acções e cuja garantia era constituída pelos títulos adquiridos, eram do conhecimento do
Banco de Portugal e nunca dele mereceram qualquer objecção, nos anos de 2000 e 2001.
CCCIX.
O aresto concede que a importância hierárquica e institucional não equivale a um conhecimento especial das matérias e,
citando a referida passagem: “não se pode apelar, em termos genéricos, ao perfil e estilo de gestão para concluir no sentido
da responsabilidade pela prática de actos ilícitos. (…) Por maioria de razão quem estava na área de crédito doméstico, que
nada tinha que ver com offshores não pode ser condenado por estes factos” (era precisamente este o caso do arguido
Filipe Pinhal).
CCCX.
O Tribunal enquadra a factualidade em análise na perspectiva da altura, assumindo que “o princípio da confiança permitia
actuar no pressuposto que as pessoas que intervinham nos escalões antecedentes tinham desempenhado correctamente
as suas funções e efectuado a análise de mérito que supostamente estava subjacente ao parecer favorável emitido.”.
CCCXI.
Como se demonstra provado no ponto 1487, a intervenção do arguido ora recorrente limitava-se à aposição da sua
assinatura em segundo lugar e depois de assinada pelo administrador responsável pela DI, com base na confiança na
apreciação dos administradores e dos demais intervenientes e/ou nos pareceres emitidos pelos órgãos competentes que o
precediam e que apunham a respectiva assinatura na proposta.
CCCXII.
Não se pode considerar indiciário do alegado controlo material por parte do BCP o facto de as garantias dos
financiamentos serem constituídas por títulos do Banco, tanto que o próprio acórdão reconhece a época em que os factos
ocorreram, referindo ser comum uma “prática de concessão de crédito para aquisição de acções cuja garantia era
constituída apenas pelas acções e que a carteira de títulos era gerida pelo próprio banco, circunstância que pressupunha
algumas dificuldades em chegar junto do cliente e pedir reforço de garantia por deficiente gestão da carteira”.
CCCXIII.
Em Dezembro de 2002, o Banco de Portugal já tinha a noção de como funcionava a concessão destes créditos às sociedades
offshore Góis Ferreira e os mecanismos de renovação dos mesmos e garantias.
CCCXIV.
O ponto 633 da matéria de facto encerra uma confusão conceptual entre perda efectiva e prejuízo potencial, pois se os
créditos eram também garantidos por títulos do BCP que, à época, se encontravam em depreciação, não pode confirmar-se
a existência de uma perda, se não no momento em que sejam alienados por um preço inferior ao preço de aquisição.
CCCXV.
O que acontece no caso vertente é uma mera desmarginação da garantia, e tal não equivale a uma perda ou sequer ao
vencimento do crédito, é tão simplesmente um risco.
CCCXVI.
A correcta qualificação da realidade contabilística revela-se, no caso concreto, de extrema importância, porquanto fará a
diferença entre o lícito e o ilícito.
CCCXVII.
O problema em questão neste caso seria saber se haveria necessidade de constituição de provisões, em face da
desmarginação do crédito.
CCCXVIII.
Contudo, a obrigação de criação de provisões por imparidades surge apenas após 1 de Janeiro de 2005, pelo que até essa
data, inexiste semelhante obrigação.
CCCXIX.
São distintos os conceitos de dissimulação de perdas e de recuperação de créditos, e face aos factos e à prova não pode ser
tida como confundida a tentativa legítima de recuperação de créditos levada a cabo pelo BCP com uma dissimulação de
perdas.
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CCCXX.
O Tribunal considerou erradamente que os arguidos determinaram a não consolidação a contabilidade do BCP e das
offshore Cayman, pois não tem, nem afirma, qualquer prova nesse sentido, pelo menos em relação ao arguido Filipe Pinhal.
CCCXXI.
Por outro lado o próprio aresto reconhece que as directrizes impostas ao BCP pelo Banco de Portugal não obrigavam à
consolidação da contabilidade dos veículos offshore, e tanto assim era que, em 2004, o próprio Banco de Portugal admitiu
que essas entidades pudessem não ser consolidadas, admitindo ajustamentos a fundos próprios para efeitos meramente
prudenciais, não dispondo de mecanismos permitissem impor a aplicação da SIC 12.
CCCXXII.
A carta enviada pelo Banco de Portugal, a 05.01.2004 corresponde a uma preparação para um regime a vigorar apenas no
futuro, sendo prova disso mesmo a alusão a normas internacionais e os ajustamentos de transição, que constam da Nota
48 do Anexo às notações financeiras de 2005, em que se faz referência a impactos decorrentes da aplicação da SIC 12 e a
ajustamentos de transição.
CCCXXIII.
Mas mesmo após o ano de 2005 a obrigação de consolidar os resultados contabilísticos das entidades offshore também
inexiste, porquanto estas nunca foram controladas ou instrumentalizadas pelo BCP e isto ainda que o aresto em recurso
entenda que os veículos offshore deveriam ser consideradas como parte integrante do universo BCP.
CCCXXIV.
Só que não podem dar-se como provadas as conclusões do aresto recorrido, sumuladas nos pontos 693 a 696 da matéria
de facto provada, muito menos no que diz respeito ao arguido Filipe Pinhal, sendo incoerente com aquela afirmação a
também expressa pelo Tribunal, no ponto 1114, quando defende “que as demonstrações financeiras consolidadas do BCP
deveriam revelar provisões para menos-valias de títulos, traduzido nos valores a seguir especificados”.
CCCXXV.
Contudo, e conforme consta do facto provado no ponto 1458, em matéria de provisionamento verifica-se um grau de
subjectividade a respeito da sua posição final, sendo que ao abrigo do Aviso 3/95, o provisionamento só seria obrigatório
em caso de incumprimento, mas não em caso de desmarginação da garantia.
CCCXXVI.
O acórdão recorrido reconhece, no ponto 1459, o comportamento exemplar do Banco em matéria de mecanismos de
cobertura para os créditos não identificados com sinais de alerta, designadamente provisões para riscos gerais de crédito e
provisão para riscos bancários gerais.
CCCXXVII.
Afirma-se no ponto 1367 a possibilidade de recurso às provisões para riscos bancários gerais, não afectas a nenhuma
finalidade específica, não tendo merecido as práticas do BCP ao nível do provisionamento genérico ou específico qualquer
objecção do Banco de Portugal.
CCCXXVIII.
A responsabilização do Conselho de Administração, sem mais, como se todos os administradores conhecessem a situação,
corresponde a um extravasamento dos limites admissíveis à indução do raciocínio incriminatório.
CCCXXIX.
Consta dos factos não provados que inexistia “no seio do BCP, uma prática gestionária extremamente centralizada na
pessoa dos seus administradores”.
CCCXXX.
O BCP correspondeu, podendo-se até dizer em excesso de zelo, às instruções da missiva do Banco de Portugal de
15.04.2005 até porque constituiu provisões para todos os veículos, independentemente da capacidade do beneficiário
cumprir ou não com as suas obrigações, correspondentes ao diferencial entre o financiamento e colateral.
CCCXXXI.
Para além de ter ajustado a imparidade, abateu as acções desses veículos e obrigações e fez o ajustamento equivalente à
consolidação.
CCCXXXII.
A renovação semestral dos créditos, com pagamento atempado de juros, não obrigava à constituição de provisões e os
juros, sendo pagos com montante do crédito concedido e ainda disponível, dentro dos limites do descoberto, não
constituíam problema.
CCCXXXIII.
Em 2004, o BCP passou a constituir provisões com base no diferencial entre o crédito e o valor dos colaterais: se esses
créditos das offshore tivessem registado "deficit" de cobertura de colateral, teria havido provisões, mas em 2004, as
offshore Cayman já se encontravam extintas.
CCCXXXIV.
A matéria de facto provada indica que, quer através da actividade das sociedades offshore Cayman (pontos 10 e 11) quer
por meio dos veículos Goes Ferreira (ponto 971) o BCP logrou divulgar informação falseada sobre a liquidez das acções
por si emitidas, mas tal não corresponde à verdade.
CCCXXXV.
O Tribunal concluiu, erradamente, que as operações realizadas pelas offshore tiveram impacto na liquidez do título BCP,
mas não na rendibilidade e no preço.
CCCXXXVI.
Os pontos 10 e 11 da factualidade provada deverão ser conjugados com os pontos l5) e n5), em que não se considerou que
a intervenção das sociedades offshore Cayman tenha sido idónea a introduzir uma alteração no normal processo de
formação dos preços e tenha tido efectivo e real o impacto sobre as cotações do BCP.
CCCXXXVII.
O Tribunal admite que resulta claro que as conclusões vertidas no Relatório da CMVM não podem ser consideradas
seguras, para efeitos da prova do impacto da actividade das offshore na liquidez do título BCP.
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CCCXXXVIII.
Não obstante, acaba por concluir no sentido do mesmo Relatório, o que encerra uma incongruência a que se somou um
assumir apriorístico de que as 17 offshore funcionaram como uma única entidade, como um grupo, facto que persiste por
provar, e que certamente não era do conhecimento do arguido Filipe Pinhal.
CCCXXXIX.
O suposto impacto da liquidez artificial criada pela actividade financeira das 17 offshore de Cayman e do grupo Goes
Ferreira na liquidez real, enferma de um erro metodológico, que consiste em não terem sido apreciadas as situações
intermédias das operações, e isto porque até a testemunha Paulo Silva não soube dizer como e de que modo chegou à
conclusão de que as actividade das offshore aumentou ou podia aumentar a liquidez do título BCP.
CCCXL.
Como as sociedades não estavam sob o controlo do BCP, era lícito e aconselhável a compra por estas de títulos, em descida,
e a sua alienação quando a cotação aumenta e era esta a percepção então generalizada por todos os proponentes analistas
e decisores de crédito.
CCCXLI.
Não se pôde apurar, porque não foi indagado se, na hipótese de as transacções não terem sido efectuadas pelas offshore, se
teriam sido realizadas de igual modo por terceiros investidores e para ser demonstrada a invulgaridade das operações das
offshore teria de ser verificada, pela CMVM, que mais nenhum outro agente do mercado se lhe poderia comparar.
CCCXLII.
Não foram consideradas relevantes as variações de volumes de transacções e de preços do título, derivados de aumentos
de capital e de distribuição de dividendos perlo que não pode ser admitida a prova da criação ou sequer do potencial de
criação de liquidez artificial pelo BCP, por via das operações financeiras das offshore de Cayman e Goes Ferreira.
CCCXLIII.
Mas mesmo que tal situação tivesse ocorrido, o arguido Filipe Pinhal em nada contribuiu para a actividade de compra e
venda de títulos, nem dela teve conhecimento.
CCCXLIV.
Não se vê, igualmente, razões para que o Tribunal possa ter como provado o ponto 97 e certo é que os arguidos não
intervieram na constituição e utilização dos veículos Cayman ou Goes Ferreira, nem na sua actividade, muito menos o
arguido Filipe Pinhal, que nenhuma responsabilidade tinha sobre os departamentos e áreas envolvidas.
CCCXLV.
O acórdão recorrido admite como provado, de forma errónea, os factos constantes dos pontos 693 e 694, segundo os quais
através da assunção inicial da titularidade das sociedades holding das 17 Sociedades Cayman, logrou o BCP dissimular
(formalmente) a relação de domínio que possuía com elas e anular dos seus registos contabilísticos os financiamentos
concedidos a estas sociedades.
CCCXLVI.
Não há qualquer dado de facto, documento ou relato, que possa indiciar sequer o arguido Filipe Pinhal no sentido de que
(i) conheceria a génese da situação, ou a sua existência antes de Dezembro de 2002; ou (ii) pretenderia ou tentaria
qualquer dissimulação ou ocultação do que quer que fosse.
CCCXLVII.
Na sua percepção não havia relação de domínio do BCP para com as sociedades clientes.
CCCXLVIII.
O acórdão recorrido invoca que os beneficiários económicos encontrados são-no a título meramente formal, quando a
existir valorização dos activos dados em garantia quem deles beneficiava era o cliente e não o banco.
CCCXLIX.
Não se compreende como conclui o acórdão que os beneficiários económicos encontrados em finais de 2002, Frederico
Moreira Rato, Ilídio Monteiro e João Bernardino Gomes, mais não eram do que beneficiários formais.
CCCL.
O Tribunal reputa-os de meros beneficiários formais pelo facto de não assumirem uma responsabilidade pessoal, mas tal
não altera a titularidade real nem retira o acesso final ao residual interest, verdadeiro e único critério para encontrar o
dono real.
CCCLI.
Conforme se depreende do ponto 1206 do aresto, não seria razoável exigir-se que, perante uma situação de
desmarginação das garantias dos financiamentos das 17 entidades, viessem estes a pagar por veículos deficitários ou a
assumir uma responsabilidade ilimitada perante o Banco, pois aí, sim, haveria fundamentos para um juízo de suspeição.
CCCLII.
A missiva assinada pelos beneficiários, através da qual conferem ao BCP poderes para proceder, por sua exclusiva
iniciativa e a qualquer momento, à transferência para si ou para entidade terceira, do activo das quatro sub-holdings, não
prova a titularidade formal destes, nem a titularidade material do BCP.
CCCLIII.
A concessão de poderes de gestão, uma livrança em branco, uma procuração ou uma procuração irrevogável não
equivalem à alienação da titularidade de direitos.
CCCLIV.
Os poderes de administração, por fortes que sejam, não podem jamais ser confundidos com a titularidade material.
CCCLV.
Conclui o aresto que o BCP suportou todos os riscos inerentes à actividade de tais entidades offshore, o que não é correcto
pois se a carteira de acções das offshore era constituída quase em exclusivo por títulos BCP e as Notes estavam indexadas
ao valor das acções BCP, naturalmente que o Banco corria indirectamente alguns riscos com a desvalorização dos títulos,
mas beneficiaria igual embora indirectamente de uma valorização futura dos mesmos.
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CCCLVI.
Mas tal prende-se, apenas e só, com a natureza da garantia com a composição das carteiras de títulos dos veículos e com a
indexação das Notes aos mesmos, não podendo daí concluir-se pela titularidade material por parte do BCP.
CCCLVII.
Dá-se erradamente por provado o facto n.º 639 que refere que em 29 de Novembro de 2002, por determinação dos
arguidos António Rodrigues e Filipe Pinhal, se efectuou uma reconfiguração da carteira de títulos que, até então, eram
propriedade das 17 sociedades Cayman.
CCCLVIII.
O simples facto de se terem contactado e ter reunido três indivíduos interessados em assumir a posição material de
beneficiários económicos dos veículos de Cayman, não significa que se tenha tomado parte nos actos anteriores ou nos
subsequentes eventos.
CCCLIX.
Como resulta do ponto n.º 644, a outorga de procurações das 17 sociedades offshore em favor do BCP, para que este as
representasse no negócio com o Banco ABN AMRO são fruto da execução duma exigência do ABN.
CCCLX.
O Tribunal associa erroneamente ao negócio ABN uma operação com carácter dissimulatório, tendo sido, neste ponto,
atribuída relevância particular ao depoimento de Filipe Abecassis, porquanto foi quem o assinou em representação do
Banco.
CCCLXI.
Mas também Filipe Abecassis sempre disse que não reportou o negócio ABN ao arguido Filipe Pinhal, nem nunca dele
recebera quaisquer instruções ou sequer informações.
CCCLXII.
Mais uma vez repete-se, esta operação foi alheia ao arguido Filipe Pinhal, pelo que atribuir ao contrato ABN um objectivo
dissimulatório não pode deixar de colidir com outros factos, que invalidam semelhante conclusão.
CCCLXIII.
Não se pode pretender qualificar como penalmente relevante uma legítima estratégia racional de reembolso e de
recuperação de créditos, com base numa confusão de conceitos e num pré-juízo inculpatório.
CCCLXIV.
A operação de alienação efectiva de acções e a protelação do pagamento de 50% do preço com recurso a obrigações
indexadas, com vista a proporcionar um futuro ganho e reembolso total ou parcial dos financiamentos concedidos, não é
susceptível de ser qualificada como perda efectiva.
CCCLXV.
Estranha-se que o Tribunal tenha olhado com olhos diferentes as duas partes do contrato: valoriza o risco que se mantém
nos créditos com desmarginação, mas ignora o facto relevantíssimo de ter o BCP recebido em dinheiro metade do valor
das acções.
CCCLXVI.
O ponto 666 do acórdão recorrido desmente que os UBO não tiveram interesse próprio no negócio ABN tanto mais que a
cláusula de contenção, mencionada no ponto 668, é prova da partilha de risco.
CCCLXVII.
Ocorre erro de julgamento de facto quando se entende haver dissimulação de perdas em contexto não financeiro, por
transferência dos alegados prejuízos das 17 sociedades Cayman para a Townsend e EA.
CCCLXVIII.
Ao contrário do que refere o ponto 752, as responsabilidades creditícias foram transferidas dos três UBO para a sociedade
Townsend – e não das 17 offshore Cayman para esta –, o que implicou uma disponibilização de fundos para aquela
sociedade, que foi adquirida pela EA, em 26.03.2004.
CCCLXIX.
Em 8 de Março, o Conselho de Administração da EA deliberou a aquisição à Sevendale da totalidade do capital social da
Townsend, tendo-lhe prestando suprimentos no sentido de esta liquidar a dívida que tinha junto do BCP, solicitando,
ainda, um financiamento do BCP no mesmo montante que havia conferido em suprimentos à Townsend – 620 milhões de
euros –, dando como garantia o penhor da totalidade das acções detidas na Townsend e suas participadas e a hipoteca dos
imóveis detidos ou a adquirir por esta ou por aquelas.
CCCLXX.
Sobre o BCP não recaía qualquer dever específico de reportar, à supervisão, o financiamento de 600 milhões de euros à EA,
até porque, este financiamento era reportado todos os meses à Central de Riscos do próprio Banco de Portugal, como foi
aliás dado como provado.
CCCLXXI.
Ignorando as perspectivas de libertação de fundos do projecto imobiliário, o aresto questiona não a legalidade mas a
motivação da decisão de dotação do Fundo de Pensões com papel comercial emitido pela sociedade Comercial Imobiliária,
dando como provado o facto referido no ponto 768, nos termos do qual o financiamento de 600 milhões de euros
concedido à EA, serviu para transferir as perdas que o BCP detinha e para preparar a alocação das mesmas perdas em
entidades fora do seu balanço, acabando o montante em causa por regressar ao Banco.
CCCLXXII.
A compreensão de que o vencimento da primeira emissão do papel comercial, em Julho de 2005, teve resultados
satisfatórios, quer do ponto de vista do Fundo de Pensões, quer da entidade administradora e que em face dos resultados
obtidos, o BCP decidiu dotar uma carteira composta por diversos títulos, operando dotações em espécie, compostas por
acções EDP (€164.228.000), acções de Friends Providents (€82.532.000) e papel comercial da CI (cinco emissões de 40
milhões de euros cada), destitui o ponto 836 de relevância probatória.
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CCCLXXIII.
As dotações foram sujeitas a mecanismos de controlo internos, de que é exemplo a Comissão de Risco, Sub-Comissão de
Risco e Subcomissão de Acompanhamento do Fundo de Pensões, pela F&C (entidade gestora dos activos) e pelo Instituto
de Seguros.
CCCLXXIV.
Não foi dado tratamento diferenciado a este activo relativamente a qualquer outra contribuição em espécie; não houve
instrução ou sugestão, por parte dos arguidos, no sentido de a contribuição em papel comercial da CI ter de constar na
dotação de 2005.
CCCLXXV.
Referiu mesmo a testemunha Francisco Lino nunca ter falado com o arguido Filipe Pinhal ou a ele ter reportado.
CCCLXXVI.
A dotação em papel comercial nada teve de anormal, tendo o seu depoimento sido considerado isento e rigoroso pelo
próprio Tribunal, que aceitou os seus termos, nomeadamente o rigor procedimental que que envolveu a dotação de 2005.
CCCLXXVII.
Acrescentou que semelhante operação em nada diferiu das demais dotações em espécie efectuadas ao Fundo de Pensões,
só delas se apartando pelo facto de no ano subsequente apresentar menos valias.
CCCLXXVIII.
A série de operações financeiras, resumidas no ponto 802, não sofreu qualquer intervenção, consentimento, percepção ou
acompanhamento do arguido ora recorrente.
CCCLXXIX.
Os suprimentos concedidos pelo BCP à Comercial Imobiliária são erroneamente havidos, no ponto 873, como perdas de
300 milhões de euros.
CCCLXXX.
Tal facto não é susceptível de ser considerado provado ou não provado, pois que se trata de um problema de qualificação.
O BCP atribuiu ao Projecto Baía de Luanda esse valor global (apurado tendo em conta o normativo IAS 39), em
consonância com as avaliações daquele tempo feitos por entidades externas devidamente credenciadas pela CMVM.
CCCLXXXI.
A CMVM e, mais tarde, o Banco de Portugal entenderam que o valor a constar das contas deveria corresponder, não ao
valor de mercado do projecto, mas ao valor do investimento e a aceitabilidade do critério prova-se pelo facto de a KPMG
não ter emitido a sua opinião com qualquer reserva.
CCCLXXXII.
Reserva absoluta verifica-se in casu com a flagrante violação do princípio do ne bis in idem, sendo que o princípio ne bis in
idem tem duas vertentes, constitucionalmente impostas, pelos arts. 29.º, n.º 5, e 18.º, n.º 2, da CRP:
a.
Proibição de cumulação de acções ou prossecuções, também designada de proibição de litispendência ou caso
julgado, conforme o momento em que se verifica (i.e., a partir do momento em que há uma acusação, não pode haver
outra com idêntico objecto; no máximo, a partir do momento em que transite em julgado a decisão num dos
processos, ficará impedida a prossecução em qualquer outro processo).
b.
Proibição de cumulação de sanções (i.e., mesmo que fosse permitida ou sucedesse, por algum motivo, a cumulação
de prossecuções, não pode haver cumulação de sanções, por violação do princípio da proporcionalidade).
CCCLXXXIII.
A violação do princípio ne bis in idem, seja no que respeita à proibição de litispendência, seja à existência de caso julgado,
bem como à proibição de cúmulo de sanções, é uma questão de conhecimento oficioso, porquanto se trata de um
pressuposto processual negativo.
CCCLXXXIV.
O princípio tem como campo de aplicação material todo o direito sancionatório (como, aliás, decorre do art. 20.º do RGCO),
porque materialmente penal, segundo os critérios Engel (que foram já aplicados a processos administrativos e de contraordenação), como preconizado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) a propósito do
conceito de “processo penal” do art. 4.º do Protocolo n.º 7, da CEDH.
CCCLXXXV.
A identidade de objecto relevante para aplicação do art. 4.º do Protocolo n.º 7, da CEDH, não é o idem crimen (ou
identidade da qualificação jurídica ou fundamento), pois redundaria no enfraquecimento da garantia consagrada no art.
4.º do Protocolo n.º 7, ao invés de torná-la concreta e efectiva como exigido pela Convenção, determinando que o preceito
em causa deve ser interpretado como “proibindo a perseguição ou o julgamento de uma pessoa por uma segunda
«infracção» se esta tem na sua origem factos idênticos ou factos que são substancialmente os mesmos”.
CCCLXXXVI.
Sendo essa identidade concretizada na fórmula: “factos que constituam um conjunto de circunstâncias factuais concretas
que impliquem o mesmo infractor e que se encontrem indissociavelmente ligados entre eles no tempo e no espaço, tratando-se
das circunstâncias que devem ser demonstradas para que uma condenação possa ser proferida ou para que possa lançar-se
mão da prossecução penal”.
CCCLXXXVII.
Como constatou o Tribunal recorrido, por despacho de fls. 11304-11315 foram instaurados contra o ora recorrente dois
processos de contra-ordenação, pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), com o n.º 42/2008
(actualmente 1923/10.4TFLSB, 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa), e pelo Banco de Portugal (BdP), com o n.º
24/7/CO (actualmente 1453/10.4TFLSB, 1º Juízo 2ª Secção, do Tribinal de Pequena Instância Criminal de Lisboa), nos
quais o ora recorrente foi “condenado […] no pagamento de uma coima e na sanção de inibição do exercício da actividade
financeira” (cf. facto provado n.º 1954, p. 309 do acórdão recorrido (cf. a acusação deduzida contra o arguido Filipe Pinhal
pela CMVM constante do Apenso XXII, cf. a decisão no processo de contra-ordenação objecto de divulgação pública pela
CMVM
(disponível
para
consulta
em
http://www.cmvm.pt/cmvm/comunicados/contrordmtograves/pages/contraordena%C3%A7%C3%B5esgravesemuito%20graves
.aspx. e a Decisão do Tribunal da Relação de Lisboa disponível para consulta na internet em
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http://www.cmvm.pt/CMVM/Comunicados/ContrOrdMtoGraves/Documents/Ac%20RelLx%20OCR%20BCP_2_v1.pdf; cf. ainda
a acusação do BdP, no Apenso C).
CCCLXXXVIII.
CCCLXXXIX.
Tais processos foram instaurados com base na mesma denúncia que conduziu à instauração deste processo (cf. factos
provados i), ii), iii), p.54) e levaram à acusação dos arguidos;
O seu objecto consta das respectivas acusações, juntas aos presentes autos no Apenso XXII (CMVM) e no Apenso C (BdP);
CCCXC.
A imputação da prática de contra-ordenações ao arguido naqueles processos tem por base precisamente a mesma
factualidade em apreço nos presentes autos – basta comparar a decisão recorrida com as acusações nos processos contraordenacionais;
CCCXCI.
O Tribunal recorrido, em sede de audiência de julgamento, reconheceu, por despacho de fls. 11304-11315, que os
referidos processos contra-ordenacionais tinham por objecto os mesmos factos do que o presente processo, tendo até
conferido aos aí arguidos a possibilidade de apenas deporem na qualidade de testemunhas, neste processo, mediante o seu
consentimento, nos termos do art. 133.º do CPP.
CCCXCII.
O objecto dos três processos em causa é exactamente o mesmo: utilização pelos arguidos, na qualidade de administradores
do BCP, de um conjunto de offshore utilizadas para intervir no mercado bolsista, financiadas por crédito concedido pelo
BCP, e ocultação das perdas por estas geradas, dissimuladas em contexto imobiliário, quer por falsificação da
contabilidade aprovada em Conselho de Administração e divulgada publicamente, quer por ocultação de tais perdas às
autoridades de supervisão – leia-se, ao BdP e à CMVM;
CCCXCIII.
Não há dúvida que se trata exactamente dos mesmos factos, não existindo sequer pequenas discrepâncias entre a decisão
recorrida e as acusações e condenações em processo de contra-ordenação quanto a factos instrumentais, mas tão só
quanto à forma de expor a matéria factual e jurídica em causa, o que é absolutamente irrelevante para decidir sobre a
existência de identidade dos factos.
CCCXCIV.
A apreciação crítica das construções sobre o conceito processual de facto extrapolaria o objecto do presente recurso,
assumindo-se como válido e como ponto de partida o conceito ontológico-naturalístico de facto histórico, sobretudo por
ser aquele que parece mais apto para garantir a segurança jurídica no contexto do concurso e da cumulação de processos
penais e contra-ordenacionais.
CCCXCV.
No caso em apreço estamos, sem dúvida alguma, perante os mesmos factos, no sentido de estarmos perante o mesmo
acontecimento histórico indissociável.
CCCXCVI.
Factos que, aliás, indissociavelmente ligados, levaram à dedução de três acusações: uma deduzida pela CMVM pela prática
de contra-ordenações em violação do CVM, outra deduzida pelo Banco de Portugal pela prática de contra-ordenações em
violação do RGICSF, e uma última pelo Ministério Público, pela prática de crimes previstos no Código Penal e no CVM.
CCCXCVII.
O RGCO, em cumprimento do art. 29.º, n.º 5, da CRP, preconiza que, em caso de concurso de crimes e contra-ordenações, os
mesmos devem ser apreciados pelo Tribunal penal, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a
contra-ordenação (cf. arts. 20.º do RGCO).
CCCXCVIII.
Porém, o regime do CVM prevê, no seu art. 420.º, n.º 1, que “se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, o arguido é responsabilizado por ambas as infracções, instaurando-se processos distintos a decidir pelas
autoridades competentes, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
CCCXCIX.
O n.º 2, desse art. 420.º, n.º 1, introduzido pelo DL 52/2006, de 15.03, consagra uma excepção ao n.º 1, relativa ao insider
trading: “nas situações previstas na alínea i) do n.º 1 do artigo 394.º, quando o facto que pode constituir simultaneamente
crime e contra-ordenação seja imputável ao mesmo agente pelo mesmo título de imputação subjectiva, há lugar apenas ao
procedimento de natureza criminal.”
CD.
A excepção introduzida no número 2 prende-se com a circunstância de o juízo de censura contra-ordenacional nos casos
de insider trading nada acrescentar ao juízo de censura criminal consagrado no art. 378.º do CVM.
CDI.
Nos presentes autos estão em causa contra-ordenações que se prendem com a divulgação de informação não verdadeira,
susceptível de induzir em erro o mercado e os investidores, pelo menos na tese da decisão recorrida e na tese do despacho
de pronúncia proferido nos autos de processo-crime supra referidos.
CDII.
Quanto ao crime de falsificação de documento, é evidente a coincidência de fundamento: protege-se a fé pública nos
documentos, a segurança e a credibilidade do tráfego jurídico, tendo em conta a função probatória dos documentos.
CDIII.
O ilícito contra-ordenacional em causa protege, também, a segurança e a credibilidade no tráfego jurídico, em particular no
mercado financeiro e dos valores mobiliários.
CDIV.
Por outro lado, o ilícito contra-ordenacional em causa prevê expressamente a punição da prestação de informações que
não sejam “completas, verdadeiras, actuais, claras, objectivas e lícitas”.
CDV.
O crime de manipulação de mercado prescreve a punição a título criminal de “quem divulgue informações falsas,
incompletas, exageradas ou tendenciosas, realize operações de natureza fictícia ou execute outras práticas fraudulentas
que sejam idóneas para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários ou de outros
instrumentos financeiros”.
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CDVI.
Compulsadas a decisão recorrida e a acusação (e decisão condenatória) no processo 42/2008, facilmente se deduz que o
que está em causa é, precisamente, a mesma coisa.
CDVII.
Não só se trata dos mesmos factos, mas o fundamento da sua imputação e punibilidade é precisamente o mesmo – a
divulgação de informação documental alegadamente falsa e incompleta, alegadamente susceptível de alterar o regular
funcionamento do mercado de valores mobiliários, bem como de afectar a credibilidade probatória dos documentos de
prestação de contas das instituições financeiras portuguesas.
CDVIII.
Mais a mais, ambas imputadas ao arguido ora recorrente a título doloso (o que não será necessariamente imprescindível
para a existência de bis in idem, mas, ainda assim, em face da referência expressa ao título de imputação subjectiva do
420.º, n.º 2, do CVM, aqui se refere).
CDIX.
Não sobra, pois, qualquer espaço para punição contra-ordenacional autónoma, salvo para a eventual aplicação de sanção
acessória prevista para a contra-ordenação – posto que a sanção acessória não seja aplicada em duplicado.
CDX.
Tendo em conta o supra exposto, a identidade de facto e de fundamento da punição criminal e contra-ordenacional, que se
verifica no caso concreto, bem como a gravidade das sanções em causa – tratando-se de sanções de carácter penal em
sentido amplo, com a mesma finalidade preventiva e protectora de bens jurídicos – impede a prossecução ou a aplicação
cumulativa de penas criminais e coimas pelos mesmos factos, bem como de sanções acessórias em duplicado.
CDXI.
Pois tal prossecução e aplicação cumulativa viola o princípio ne bis in idem consagrado no art. 29.º, n.º 5, da CRP, quer na
vertente da proibição de cumulação de acções, quer na de cumulação de sanções, e os princípios da necessidade da pena e
da proibição constitucional do excesso constantes do art. 18.º, n.º 2, da CRP e viola o art. 4.º do Protocolo n.º 7 à Convenção
Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), porquanto estamos perante três processos penais, na acepção do Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem e para efeitos do art. 6.º da CEDH.
CDXII.
A norma do art. 420.º, n.º 1, do CVM, deve, pois ser desaplicada, ao abrigo do disposto no art. 204.º da CRP, por ser
materialmente inconstitucional, ao permitir a prossecução e punição criminal e contra-ordenacional da mesma pessoa
pelos mesmos factos, bem como por ser violadora do art. 4.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos do
Homem (CEDH), o que importa a sua invalidade.
CDXIII.
Não sendo aplicada aquela norma, por inconstitucional, terá de ser aplicada a norma do art. 20.º do RGCO, na qual se prevê
que “se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente sempre punido a título de crime,
sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação” (norma, aliás, coincidente com o
sentido da norma do art. 420.º, n.º 2, do CVM).
CDXIV.
Porém, a existência, nos termos do art. 79.º do RGCO, de “trânsito em julgado da sentença ou despacho judicial que aprecie o
facto como contra-ordenação preclude igualmente o seu novo conhecimento como crime”.
CDXV.
É, pois, absolutamente indispensável que V. Exas. analisem a presente questão, que é de conhecimento oficioso, e decidam
sobre os efeitos da pendência de múltiplos processos de contra-ordenação e deste processo-crime sobre os mesmos factos,
de entre os quais o instaurado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, nomeadamente sobre a existência e
consequências da litispendência e de trânsito em julgado de qualquer destes processos.
CDXVI.
O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) prevê também um regime excepcional face
ao disposto no art. 20.º do RGCO.
CDXVII.
Prevê o art. 208.º do RGICSF que “se, pelo mesmo facto, uma pessoa responder simultaneamente a título de crime e a título de
ilícito de mera ordenação social, seguir-se-á o regime geral, mas instaurar-se-ão processos distintos respectivamente perante
o juiz penal e no Banco de Portugal, cabendo a este último a aplicação, se for caso disso, das sanções acessórias previstas no
presente diploma.”
CDXVIII.
Quer isto dizer que o art. 208.º do RGICSF, apesar de permitir a cumulação de acções, proíbe a cumulação de sanções, em
cumprimento do art. 29.º, n.º 5, da CRP, determinando que cabe ao Tribunal Penal a aplicação da pena (ou da coima, se
concluir pela inexistência de crime) e ao Banco de Portugal a aplicação da sanção acessória (que, neste caso, não pode ser
aplicada pelo Banco de Portugal).
CDXIX.
Sucede que tal norma não foi respeitada no processo n.º 24/7/CO, pois, apesar dos factos naquele processo coincidirem
totalmente com os factos que estão em apreciação no presente processo-crime, ainda assim o Banco de Portugal aplicou ao
arguido coimas, em violação do art. 208.º do RGICSF, bem como do RGCO e do art. 29.º, n.º 5, da CRP.
CDXX.
A expressão do art. 20.º do RGCO que “o mesmo facto” não se reporta ao conceito de “facto punível” ou de “facto contraordenacional” ou de “facto criminal”, como se a previsão normativa apenas se aplicasse quando os tipos de crime e de
contra-ordenação fossem textualmente coincidentes.
CDXXI.
Desde logo, tal seria uma contradição in se, pois o conceito puramente normativo de facto implicaria que, mesmo sendo
idêntica a redacção dos tipos, tratar-se-ia de dois factos diferentes pela simples razão de que um era crime e ou outro
contra-ordenação, logo de natureza alegadamente diversa.
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CDXXII.
Quando se fala em “facto”, no art. 20.º do RGCO e no art. 208.º do RGICSF, quer-se, pois, referir o conceito de “facto
processual”.
CDXXIII.
Para um mesmo facto processual, apenas pode ser aplicada a pena prevista para o crime ou a coima prevista para a contraordenação, e sê-lo-á pelo Tribunal Criminal – nunca, obviamente, pelo Banco de Portugal.
CDXXIV.
Outra interpretação do conceito de facto constante dos arts. 20.º do RGCO e 208.º do RGICSF, que não para do conceito de
“facto processual”, como é o caso da interpretação preconizada pelo BdP, é manifestamente inconstitucional, por violação
do art. 29.º, n.º 5, na vertente da proibição de cumulação sanções, e dos princípios da necessidade da pena e da proibição
constitucional do excesso constantes do art. 18.º, n.º 2, da CRP.
CDXXV.
E viola o art. 4.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), porquanto estamos perante três
processos penais, na acepção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e para efeitos do art. 6.º da CEDH.
CDXXVI.
Ou seja, tendo o Tribunal recorrido considerado que estamos perante os mesmos factos, sempre terá de apreciar as
consequências para o presente processo da circunstância de o arguido ter sido condenado em coima no processo n.º
24/7/CO.
CDXXVII.
Acresce que o próprio regime do art. 208.º do RGICSF, ao prever a possibilidade de instauração simultânea de dois
processos, crime e de contra-ordenação, é também inconstitucional por violação do art. 29.º, n.º 5, da CRP, e ilegal por
violação do art. 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH, na vertente da proibição de cumulação acções.
CDXXVIII.
Também neste caso inexiste qualquer fundamento autónomo para a punição por contra-ordenação levada a cabo pelo
Banco de Portugal, no que se refere às falsas informações á autoridade de supervisão, uma vez que os factos em apreço no
processo de contra-ordenação instaurado pelo Banco de Portugal (falsificação de contabilidade e ocultação de informação
para encobrir aquela falsificação) não têm qualquer autonomia ou necessidade de tutela contra-ordenacional adicional
que não seja coberta pela punição criminal, tendo, aliás, sido apreciados e considerados na decisão recorrida; mais a mais,
ambas as infracções imputadas ao arguido ora recorrente a título doloso.
CDXXIX.
Em suma, como se disse supra, a identidade de facto e de fundamento da punição criminal e contra-ordenacional, que se
verifica no caso concreto, bem como a gravidade das sanções em causa – tratando-se de sanções de carácter penal em
sentido amplo, com a mesma finalidade preventiva e protectora de bens jurídicos – impede a prossecução ou a aplicação
cumulativa de penas criminais e coimas pelos mesmos factos, bem como de sanções acessórias em duplicado.
CDXXX.
Pois tal prossecução e aplicação cumulativa viola o princípio ne bis in idem consagrado no art. 29.º, n.º 5, da CRP, quer na
vertente da proibição de cumulação de acções, quer na de cumulação de sanções, e o os princípios da necessidade da pena
e da proibição constitucional do excesso constantes do art. 18.º, n.º 2, da CRP.
CDXXXI.
E viola o art. 4.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), porquanto estamos perante três
processos penais, na acepção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e para efeitos do art. 6.º da CEDH.
CDXXXII.
Razão por que, como foi já referido, a norma do art. 208.º, do RGICSF, deve, pois ser desaplicada, ao abrigo do disposto no
art. 204.º da CRP, por ser materialmente constitucional, ao permitir a prossecução e punição criminal e contraordenacional da mesma pessoa pelos mesmos factos, bem como por ser violadora do art. 4.º do Protocolo n.º 7 à
Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
CDXXXIII.
Não sendo aplicada aquela norma, terá de ser aplicada a norma do art. 20.º do RGCO, na qual se prevê que “se o mesmo
facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente sempre punido a título de crime, sem prejuízo da
aplicação das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação” (norma, aliás, coincidente com a norma do art. 420.º,
n.º 2, do CVM).
CDXXXIV.
Porém, a existência, nos termos do art. 79.º do RGCO, de “trânsito em julgado da sentença ou despacho judicial que aprecie o
facto como contra-ordenação preclude igualmente o seu novo conhecimento como crime”.
CDXXXV.
É, pois, absolutamente indispensável que V. Exas. analisem a presente questão, que é de conhecimento oficioso, e decidam
sobre os efeitos da pendência de múltiplos processos de contra-ordenação, de entre os quais o instaurado pelo Banco de
Portugal, e deste processo-crime sobre os mesmos factos, nomeadamente sobre a existência e consequências da
litispendência e de trânsito em julgado de qualquer destes processos;
CDXXXVI.
O princípio ne bis in idem está a ser posto em causa, em virtude da instauração do presente processo e dos dois processos
de contra-ordenação pelos mesmos factos, quer na vertente da proibição de cumulação de acções, quer de sanções.
CDXXXVII.
A proibição de cumulação de acções impõe que:
a.
Não possam coexistir três processos, sendo as normas dos arts. 402.º, n.º 1, do CVM, e 208.º do RGISF que permitem
a cumulação de prossecuções violadoras do art. 4.º, do Protocolo nº 7, da CEDH, e do art. 29.º, n.º 5, da CRP;
b.
Deva ser reconhecida a inconstitucionalidade de tais normas e, como tal, ser aplicada a norma geral do RGCO que
determina que, havendo concurso entre contra-ordenação e crime é aplicável apenas o crime, cabendo a instauração
e decisão do processo às autoridades criminais;
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c.
CDXXXVIII.
CDXXXIX.
CDXL.
Existindo, porém, trânsito em julgado da decisão judicial no âmbito de impugnação de contra-ordenação,
prevalecerá a decisão nesse processo, não podendo prosseguir o processo-crime, por violação do princípio ne bis in
idem e existência de caso julgado.
Ainda que não se concordasse com esta evidência, e se permitisse a cumulação de acções – e esta suceda, de facto, como in
casu – a proibição de cumulação de sanções imposta pelos arts. 29.º, n.º 5, e 18.º, n.º 2, da CRP, e pelo próprio princípio
constitucional da culpa (art. 1,º e art. 27.º, n.º 1, da CRP), sempre imporia que:
a.
Não possam coexistir três sanções pelos mesmos factos, sendo as normas dos arts. 402.º, n.º 1, do CVM, e 208.º do
RGISF que permitem a cumulação de sanções violadoras do art. 4.º, do Protocolo nº 7, da CEDH, e dos arts. 29.º, n.º
5, e 18.º, n.º 2, da CRP, e do próprio princípio constitucional da culpa (art. 1,º e art. 27.º, n.º 1, da CRP);
b.
Deva ser reconhecida a inconstitucionalidade de tais normas e, como tal, ser aplicada a norma geral do RGCO (art.
20.º) que determina que, havendo concurso entre contra-ordenação e crime é aplicável a sanção prevista para o
crime, sem prejuízo da aplicação de sanções acessórias previstas para a contra-ordenação pelo Tribunal criminal ou,
quanto muito, a norma do art. 208.º do RGICSF, na parte em que permite ao Banco de Portugal aplicar a sanção
acessória, ficando o Tribunal vedado de o fazer;
c.
Existindo, porém, trânsito em julgado da decisão judicial no âmbito de impugnação de contra-ordenação,
prevalecerá a decisão nesse processo, não podendo ser aplicada sanção no processo crime, por violação do princípio
ne bis in idem, da proporcionalidade e da culpa.
Se, por absurdo, não se concordasse com tal interpretação, teria, no limite, em obediência aos princípios constitucionais
supra referidos – ne bis in idem, culpa e proporcionalidade – a vertente da proibição do cúmulo de sanções sempre terá de
ter por efeito o “desconto” ou, pelo menos, o “ter em conta” as sanções contra-ordenacionais já aplicadas ao arguido nos
processos pelos mesmos factos, nomeadamente:
a.
Descontando ou tendo em conta para determinação de pena de multa ou condições de pagamento o montante das
coimas em que o arguido foi condenado;
b.
Não aplicando, neste processo, qualquer pena ou sanção acessória.
É que, com efeito, é materialmente violador do princípio ne bis in idem nesta vertente, por absolutamente
desproporcionada e violadora do princípio da culpa, a punição do ora recorrente, pelos mesmos factos, em três processos
diferentes, em:
a.
Pena de prisão de 2 anos, suspensa na sua execução por igual período;
b.
Pagamento de 1.425.000,00€ (300.000,00€ a título de condição de pena suspensa no processo-crime; 700.000,00€
de coima no processo de contra-ordenação instaurado pelo CMVM; 425.000,00€ de coima no processo de contraordenação instaurado pelo BdP);
c.
Inibição de exercício de funções num total de 16 anos (interdição, pelo período de 4 anos, do exercício de profissão
cujo conteúdo se traduza no desempenho de funções de administração, direcção, chefia ou fiscalização em quaisquer
instituições de crédito, públicas ou privadas, ou quaisquer sociedades financeiras no processo-crime; 7 anos no
processo de contra-ordenação instaurado pelo BdP de inibição de exercício de cargos sociais e de funções de
administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras; 2 anos e
6 meses anos de interdição temporária do exercício da profissão ou da actividade a que a contra-ordenação respeita,
e 2 anos e 6 meses anos de inibição do exercício de funções de administração, direcção, chefia ou fiscalização e, em
geral, de representação de quaisquer intermediários financeiros no âmbito de alguma ou de todas as actividades de
intermediação em valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros, no processo de contra-ordenação
instaurado pela CMVM).
CDXLI.
Conforme referido, o próprio RGICSF prevê que, quando os mesmos factos constituam crime e contra-ordenação, são
instituídos ambos os processos, não havendo lugar a aplicação de coima, mas cabendo ao Banco de Portugal aplicar a
sanção acessória, e não ao Tribunal, motivo pelo qual o Tribunal fundamentou a pena acessória no CVM.
CDXLII.
Porém, a fundamentação da aplicação da pena acessória naquela disposição redunda, materialmente, em aplicar-se
duplamente sanções acessórias pelos mesmos factos, o que é desde logo vedado pelo próprio RGICSF, e pelo art. 20.º do
RGCO e pelo art. 29.º, n.º 5, da CRP.
CDXLIII.
A desproporcionalidade em causa é flagrante, até se atentarmos no regime regra do RGCO que, permitindo a condenação
por várias contra-ordenações pelos mesmos factos, prevê, para atenuar o efeito excessivo daquela condenação ao nível da
sanção, a aplicação de uma coima única, com os limites previstos no art. 19.º, disposição que é também uma emanação do
princípio ne bis in idem, e dos princípios da proporcionalidade e da culpa, impedindo a desproporcionalidade da sanção
aplicável;
CDXLIV.
In casu o ora recorrente, se lhe fosse aplicada tal norma, apenas poderia ter-lhe visto aplicada uma coima única cujo
mínimo seria de €400.000,00 e cujo limite máximo absoluto seria de €800.000,00.
CDXLV.
Porém, foram-lhe aplicadas:
a.
Duas coimas únicas:
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1.
Uma no valor de €700.000,00, no processo instaurado pela CMVM (decomposta em três coimas
parcelares do valor de €400.000,00 cada e uma no valor de €100.000,00)
2.
Outra no valor de €425.000,00, no processo instaurado pelo BdP (decomposta em duas coimas
parcelares do valor de €225.000,00 e de €275.000,00)
no valor total de €1.125.000,00, claramente superior ao limite máximo resultante do art. 19.º do RGCO.
CDXLVI.
E, adicionalmente, foi ainda aplicada ao ora recorrente, no presente processo, uma condição de pagamento de
€300.000,00, o que é manifestamente excessivo, tratando-se de punição pelos mesmos factos.
CDXLVII.
Acresce que a cumulação de sanções entre processo-crime e contra-ordenacional permitida pela norma do art. 402.º do
CVM viola ainda o princípio constitucional da igualdade (art. 13.º da CRP), pois inexiste qualquer justificação legal ou
constitucional para a diferença de regime entre o CVM e o RGICSF:
a.
É que o CVM viola ou subverte a proibição de dupla prossecução e de dupla sanção;
b.
Já o RGICSF, muito embora viole ou perverta a proibição de dupla prossecução, salvaguarda, pelo menos,
a inexistência de dupla sanção;
c.
Ambos os regimes excepcionais face ao RGCO visam, supõe-se, salvaguardar a efectividade dos regimes de
supervisão dos mercados bancário e de valores mobiliários, respectivamente, não se descortinando
qualquer fundamento de necessidade de tutela adicional para justificar a permissão de dupla sanção
prevista no CVM e proibida no RGICSF.
CDXLVIII.
Por hipótese meramente teórica, a aceitar-se que o regime do RGICSF, no que toca à permissão da cumulação de acções é
justificável constitucionalmente por necessidade de um regime especial que permita à autoridade de supervisão intervir
mais rapidamente, independentemente do processo-crime, para salvaguardar o bom funcionamento dos respectivos
mercados, esse regime tem de bastar-se com aquilo que prevê o RGICSF, em qualquer domínio da supervisão: a autoridade
de supervisão pode instaurar e prosseguir com o processo, mas apenas pode aplicar a sanção acessória, cabendo ao
Tribunal penal decidir sobre a sanção principal.
CDXLIX.
Ou seja, não se considerando, pelos motivos supra expostos, que é inconstitucional o regime do art. 208.º do RGISCF, no
que diz respeito à cumulação de acções, sempre terá de concluir-se pela inconstitucionalidade do art. 402.º, n.º 1, do CVM,
na vertente da proibição do cúmulo de sanções, não só pela violação do princípio ne bis in idem (art. 29.º, n.º 5, da CRP), da
proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2, da CRP) e da culpa (art. 1,º e art. 27.º, n.º 1, da CRP), mas também por violação do
princípio da igualdade (art. 13.º da CRP), uma vez que discrimina injustificadamente os emitentes de valores mobiliários e
quem pratique infracção ao CVM e as instituições financeiras ou quem pratique infração ao RGICSF sem que exista
qualquer motivo constitucionalmente admissível para tal discriminação.
CDL.
A decisão nos presentes autos não poderá, pois, deixar de ter em conta as inconstitucionalidades normativas supra
referidas, desaplicando as respectivas normas inconstitucionais e proferindo decisão que se adeque aos normativos e
princípios constitucionais invocados (arts. 1.º, 13.º, 18º, n.º 2, 27.º, n.º 1, e 29º, n.º 5, da CRP), face às proibições da
litispendência e caso julgado.
CDLI.
O arguido ora recorrente não concorda – pois não corresponde à realidade e contende com a prova produzida ou
apreciada – com as conclusões do acórdão recorrido em matéria de direito, mas também em matéria de facto, tendo sido
erradamente dados como provados ou não provados factos que contendem com a verdade.
Designadamente, não se deveriam ter dado como provados os seguintes factos constantes da materia de facto provada
(constante das p. 91ss do acórdão): 9, na parte em que refere “materialmente sob a alçada do BCP” e “omitindo-se, deste, tal facto.”; 10,
na parte em que refere “materialmente sob a alçada do BCP”; 11, na parte em que refere “falsa”; 12, na parte em que refere “perdas
significativas” e “dissimular”; 13, na parte em que refere “pulverização e diluição dos prejuízos”; 14, na parte em que refere “alteração às
regulares condições de funcionamento do mercado” e “a) ...materialmente sob a alçada do BCP, com vista a estabilizar a cotação do título
aumentando artificialmente a liquidez das acções, omitindo-se publicamente que era o próprio BCP a induzir tal liquidez”, “b) ... manobras de
sustentação do preço das acções” e “c) a divulgação de informação pública falsa sobre a liquidez da negociação das acções, a evolução do
seu preço e as próprias condições da sua formação, incluindo indicadores financeiros da instituição.”; 15, na parte em que refere “dissimulação
dos prejuízos gerados com tais operações”; 60 e 61; 74 a 77; 81 e 82; 85, na parte em que refere “perdas contabilísticas do BCP, as quais, ao
não serem relevadas na contabilidade” e “ocultadas às autoridades de supervisão e ao mercado em gera” e “perdas originadas...
transfiguradas e pulverizadas através de operações sucessivas destinadas à sua dissimulação ao mercado e entidades de supervisão”; 88, na
parte em que refere “eram sociedades do universo BCP”; 90, na parte em que refere “integrou sempre o universo do grupo Banco Comercial
Português.”; 100, na parte em que refere “alegado”; 107, na parte em que refere “Apenas... por determinação dos arguidos... foram designados
Frederico José Appleton Moreira Rato, beneficial owner das sub-holdings Meadowcroft e Daman; Ilídio Duarte Monteiro, beneficial owner da
sub-holding Osterdal e João Bernardino Gomes, beneficial owner da sub-holding Geafield.”; 108; 109, na parte em que refere “formalmente”;
114, na parte em que refere “formal”; 124, na parte em que refere “formal”; 132, na parte em que refere “formal”; 140, na parte em que refere
“formal”; 163; 422, na parte em que refere “por conta e no interesse da própria instituição.”; 423, na parte em que refere “actividade do próprio
banco.”; 428, na parte em que refere “formal”, 429, na parte em que refere “Tendo-se cingido”; 529; 539; 540, na parte em que refere
“limitavam-se a encaminhar as referidas propostas, superiormente” e “sendo a estes a quem incumbia, como responsáveis, aferir e avaliar, em
última instância, a bondade da operação em conformidade com a praxis bancária e os regulamentos internos do Banco.”; 543; 547, na parte
em que refere “inserindo-se no plano delineado, em finais de 2002, pelos arguidos Jorge Jardim Gonçalves, António Rodrigues e Filipe Pinhal,
as operações de crédito verificadas após essa data.”; 609, na parte em que refere “sendo a actividade de tais sociedades determinada pelos
arguidos Jorge Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal e António Rodrigues, após Março de 2004.”; 633, na parte em que refere “gerou perdas” e
“dissimular”; 634; 638, na parte em que refere “por forma a dissimular as respectivas perdas“; 639, na parte em que refere “por determinação
dos arguidos António Rodrigues e Filipe Pinhal, reconfiguração da carteira de títulos”; 643, na parte em que refere “220,9 milhões de euros de
perdas.” 645; 666, na parte em que refere “e, assim, aparentarem não se encontrarem expostas ao respectivo risco.”; 667; 673; 676, na parte
CDLII.
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em que refere “Embora não tenha existido um registo de qualquer retorno de acções BCP para as 17 Sociedades Cayman, foram as mesmas
colocadas no mercado com colaboração da DRI do BCP.”; 677, na parte em que refere “formalmente”; 678, na parte em que refere “formal”;
683, na parte em que refere “todo o risco e benefício das offshore na esfera do BCP”; 690, na parte em que refere “supostamente”; 693; 694;
696, na parte em que refere “logrando os arguidos Jorge Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal e António Rodrigues dissimular a exposição creditícia
de activos da própria instituição de crédito”; 697, na parte em que refere “perdas geradas pela actividade de transacção de valores mobiliários
das 17 offshore de Cayman” e “diluição ou absorção de tais perdas por um conjunto de entidades formalmente diversas do BCP.”; 698, na
parte em que refere “processo de dissimulação do prejuízo “ e “novos financiamentos” e “sobrevalorização de uma empresa (Juwain) aceite em
dação em pagamento de parte das dívidas”; 699, na parte em que refere “dissimulação de prejuízos, levada a cabo pelos arguidos Jorge
Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal e António Rodrigues” e “a efectivar essa dissimulação”; 714, na parte em que refere “acumulado prejuízos”;
715, na parte em que refere “saldo negativo”; 737, na parte em que refere “perdas” e “perdas” e “ sendo estas sociedades não integrantes da
esfera do Grupo BCP”; 742; 752; 754; 762; 763, na parte em que refere “concretização do propósito, formulado em finais de 2002, de
disseminação dos prejuízos das 17 Sociedades Cayman pelo sector imobiliário.”; 768, na parte em que refere “operações de circulação de
fundos” e “serviu para transferir as perdas que o mesmo detinha no offshore para o sector imobiliário no onshore - EA - e preparar a alocação
das mesmas perdas em entidades fora do seu balanço, acabando o montante em causa por regressar ao Banco.”; 789; 798, na parte em que
refere “sem aparente justificação económica”; 802, na parte em que refere “Tendo em vista a concretização de alocação das perdas do BCP
originadas com as 17 Sociedades Cayman fora do seu balanço, no sector imobiliário”; 803_ Neste processo de dissimulação das perdas, além
da instrumentalização da Dazla, da EA, da CI e da Townsend, os arguidos Jorge Jardim Gonçalves, António Rodrigues e Filipe Pinhal
utilizaram, ainda, a SP Gere, o FP BCP e a EA Internacional”; 808, na parte em que refere “sendo que os fundos necessários para tal foram
fornecidos pelo próprio Grupo BCP e tendo como corolário material a “transferência” parcial das responsabilidades da EA para a CI.”; 811, na
parte em que refere “nunca se encontrou reflectida na conta de títulos“; 813, na parte em que refere “inexistindo registos nas respectivas
contas bancárias de qualquer reembolso.”; 815, na parte em que refere “nova série de operações de circulação de fundos”; 820, na parte em
que refere “29/6/2005” ; 821; 822, na parte em que refere “29/6/2005”; 824; 836, na parte em que refere “As operações de circulação de fundos
descritas permitiram a continuidade das relações intra-societárias pré-existentes, com a” e “originadas com as 17 offshore Cayman na EA e
transferência.”; 840, na parte em que refere “processo de transporte de parte das perdas originadas” e “instrumentalizadas” e “para efeitos da
dissimulação das perdas.”; 860; 863; 873; 905; 916, na parte em que refere “não havendo quaisquer registos de pagamento de qualquer
preço”; 920, na parte em que refere “inexistem registos de quaisquer movimentos”; 930; 933, na parte em que refere “sendo que o
reconhecimento desta perda representou materialmente um perdão de dívida à Townsend e foi suportada contabilisticamente pela
incorporação do papel comercial no capital da CI, o qual foi absorvido pelos referidos ajustamentos financeiros negativos.”; 936 a 948; 957 a
960; 968, na parte em que refere “veículos do BCP por este não publicamente assumidos”; 971; 972; 974; 984 e 985; 1000; 1001 a 1003; 1005
e 1006; 1018; 1021 a 1027; 1032 a 1061; 1062, na parte em que refere “traduzindo tais contas, desde pelo menos o exercício de 2001,
resultados líquidos de exercício e valores de capitais próprios empolados, isto é sobreavaliados, mormente por não reflectirem as perdas
sofridas pelas sociedades offshore Cayman (e sua decorrência) e Góis Ferreira, e por contabilizarem juros e comissões cobrados àquelas
offshore, facto que os três primeiros arguidos conheciam, desde finais de 2002, relativamente às primeiras entidades offshore e a partir de
Março de 2004, relativamente às segundas.”; 1063, na parte em que refere “que não reflectiam as perdas decorrentes da actividade das
sociedades offshore descrita.”; 1066 e 1067; 1068, na parte em que refere “não dispondo tais sociedades de contabilidade organizada.”; 1070;
1094; 1096; 1098; 1105 e 1106; 1108; 1110 a 1112; 1112; 1124, na parte em que refere “ sendo essa cobrança, a partir de finais de 2002, por
força da actuação dos arguidos Jorge Jardim Gonçalves, António Rodrigues e Filipe Pinhal”; 1126, na parte em que refere “no plano da
estratégia decidida, em finais de 2002 e em conjunto” e “permitindo, deste modo, o registo de proveitos que sabiam que não deviam estar
registados e aumentaram as rubricas de crédito, empolando os resultados desses exercícios”; 1127, na parte em que refere “por actuação dos
arguidos Jorge Jardim Gonçalves, António Rodrigues e Filipe Pinhal”; 1128, na parte em que refere “facto que, após Março de 2004, ocorreu
com conhecimento e por determinação conjunta dos arguidos Jorge Jardim Gonçalves, António Rodrigues e Filipe Pinhal.”; 1130; 1132, na
parte em que refere “falsamente” e “sendo com conhecimento e por determinação dos arguidos Jorge Jardim Gonçalves, António Rodrigues e
Filipe Pinhal, a partir de Março de 2004, não tendo o BCP procedido à integração das mesmas nas suas contas, no período compreendido
entre 1998 e 2004.”; 1135 a 1138; 1141 e 1142; 1146 e 1147; 1150; 1153, na parte em que refere “sendo entendimento desta autoridade de
supervisão que por força dessa determinação - constante da referida carta com a referência 001/GAB/2004, de 5/1/2004 - deviam os arguidos
ter determinado a consolidação da Dazla, na sua situação financeira relativa ao ano de 2004”; 1156; 1167; 1169 e 1170; 1173 a 1175; e tudo
isto pelo menos no que toca ao arguido ora recorrente.
CDLIII.
Deveriam ter-se pelo menos dado como provados os seguintes factos constantes da matéria de facto não provada
(constante das p. 326ss do acórdão): h8) ao longo do prazo de dez anos, para existir pagamento das responsabilidades creditícias das 17
offshore Cayman e obtenção de ganhos por Frederico Moreira Rato, Ilídio Duarte Monteiro e João Bernardino Gomes, não fosse preciso mais
que a recuperação da cotação da acção BCP para seis (6) euros por acção; i8) a expectativa de crescimento e de valorização do título BCP,
aquando da celebração do acordo com os três UBO’s fosse positiva; j8) as declarações não datadas, subscritas pelos UBO’s através das quais
afirmavam transferir 100% das acções só pudessem ser utilizadas pelo BCP, em nome e por conta dos UBO’s, e no respeito pelos
compromissos contratuais com estes assumidos – ou seja, apenas se houvesse incumprimento dos deveres dos mutuários nos financiamentos
concedidos; k8) só com violação do vínculo contratual que estabelecera com os seus clientes poderia o BCP apropriar-se de bens ou de suas
mais-valias que àqueles UBO pertenciam, usando as referidas declarações em branco ou por outra forma qualquer; l8) com a “assunção
pessoal de responsabilidades”, nos termos acordados, fossem os UBO’s a suportar o risco reputacional que está inerente à qualidade de
devedor e não as offshore Cayman e que aqueles detivessem essa qualidade perante o BCP na sequência da “assunção pessoal” acordada;
p8) o projecto de recuperação das dívidas oriundas das dezassete Cayman, através do sector imobiliário, tenha tido início com a constituição,
pela Sevendale, de uma sociedade, a Townsend; que para esta última sociedade devessem ser transmitidos e centralizados os débitos das 4
offshore Góis Ferreira, para além dos das 17 Cayman; e que fosse o empresário Góis Ferreira a liderar o projecto denominado Baía de
Luanda; x8) Góis Ferreira fosse o efectivo UBO das sociedades Sevendale, Hendry, Sherwell e Somerset; a9) depois de terem sido
celebrados, em Dezembro de 2002, relativamente às 17 sociedades offshore, os acordos de serviços fiduciários com Frederico Moreira Rato,
Ilídio Duarte Monteiro e João Bernardino Gomes, tenha sido acordado com cada um desses três UBO´s que os financiamentos concedidos às
sociedades ficassem com vencimento a 10 anos; b9) por via desses acordos, os créditos decorrentes dos contratos de descoberto autorizado
tenham sido objecto de extensão dos prazos de vencimento para 10 anos; k9) os três UBO tenham incorrido, individualmente, em riscos
reputacionais ou de perda indirecta e susceptíveis de prejudicar a sua capacidade para obtenção de financiamento para investimentos
próprios; l9) “anomalia” detectada no BCP, em Novembro de 2002, tenha sido regularizada logo no mês seguinte e sem que fosse necessária a
intervenção de qualquer entidade terceira ou qualquer intervenção externa; m9) tenha sido na sequência da preocupação do BCP de os três
UBO’s optarem por desonerar-se, entregando os activos das offshore, que o mesmo sentiu a necessidade de melhorar as perspectivas de
recuperação total ou parcial do crédito, reestruturando-o através da utilização de um modelo similar ao modelo já utilizado da Finangeste –
reestruturando créditos e envolvendo entidades com activos (projectos imobiliários); o9) os três UBO’s tenham concordado em transmitir os
activos e passivos das 17 sociedades offshore por razões reputacionais; w9) o BCP tenha compensado as perdas sofridas pelas offshore
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Cayman com a valorização obtida no projecto «Baía de Luanda»; g10) o arguido Filipe de Jesus Pinhal não tenha tomado conhecimento, em
Dezembro de 2002, da situação real de cada uma das sociedades referidas na pronúncia (Meadowcroft, Osterdal, Geafield, Daman, Millenium,
Continental, Portfolio Ltd/Inveast Ltd, Anchorage/Western Basin, Aldwych, Gobi, Portfolio Investments, Diamond/Sulltop, Barsea, Nedlam,
Indigo, Chelsea, Hitop, Conarch, Fieldmaz, Folioval), mas, apenas, que as mesmas não tinham a sua situação regularizada ao nível da sua
titularidade última; j10) tenha sido feita uma tentativa de procurar resolver e de reparar as consequências da situação das offshore Cayman e
erro e falha originais, à luz dos interesses do banco e numa exclusiva perspectiva de recuperação de crédito; k10) em todas as propostas em
que interveio o arguido Filipe Pinhal, embora não fossem identificadas as garantias prestadas, os pareceres que das mesmas constavam
informassem, quando não se tratava de garantia a 100%, ser de aprovar a operação face à qualidade das garantias prestadas ou do colateral;
l10) em todas as propostas em que interveio o arguido Filipe Pinhal, quer respeitantes a quaisquer outras sociedades offshore, quer
sociedades on-shore, das mesmas constasse parecer, mesmo quando não se tratava de garantia a 100%, no sentido de ser de aprovar a
operação face à qualidade das garantias prestadas ou do colateral; u10) detectada, pelo arguido António Rodrigues, em Outubro/Novembro de
2002, a situação das 17 sociedades offshore Cayman, uma das medidas logo adoptadas tenha sido concretizar a efectiva assunção da
propriedade das 17 sociedades por reais e efectivos beneficial owners; v10) tenha sido no montante de €40.804.642,27 os juros pagos, pelas
17 offshore Cayman, através, apenas, de meios provenientes de afectação de dividendos recebidos, de direitos alienados e do cupão das ABN
Notes; e11) a origem das dezassete sociedades offshore Cayman, detectadas no final do ano de 2002, pela DRI, sem pessoas singulares
identificadas como respectivos UBO’s, tenha radicado em falhas procedimentais e de controlo; g11) com a venda das acções ao Banco ABN
AMRO e a assunção da titularidade das sociedades pelos três UBO’s, tenha sido considerada resolvida a situação; h11) as operações
subsequentes e nas quais o Banco interveio tenham visado a recuperação do crédito em função das perdas registadas e que estas tenham
sido por facto alheio ao controle do banco, ou seja, a desvalorização das acções; i11) os créditos concedidos às dezassete sociedades
offshore Cayman, detectadas no final do ano de 2002, tenham sido, nessa data, reestruturados por um período de 10 anos durante o qual os
referidos créditos não eram susceptíveis de passar despercebidos de qualquer forma de auditoria, controle interno tal como às inspecções
regulares de Auditoria e das entidades de Supervisão; l11) no Banco tenha existido descoordenação dos mecanismos de controlo interno; s11)
os três UBO’s, em Março de 2004, tenham concordado em transmitir as dívidas e os activos das 17 sociedades Cayman, movidos pelo risco
reputacional pessoal; u12) após instaurado o processo contraordenacional, o Banco de Portugal tenha solicitado diversos elementos, no âmbito
da acção de supervisão e não do processo de contraordenação, ao BCP; v12) após instaurado o processo contraordenacional, a CMVM tenha
solicitado diversos elementos, no âmbito da acção de supervisão, emitindo ofícios expressamente, ao abrigo do artº 361.º, n.º 2, al. a) do
CdVM; e também tudo isto pelo menos no que toca ao arguido ora recorrente.
CDLIV.
Por imposição do dever de patrocínio do ora signatário – o recorrente procurará, antes de mais, demonstrar que, tendo em
conta os próprios termos do acórdão recorrido, a decisão sobre a condenação do ora recorrente teria de ser outra – de
absolvição ou, no limite, de condenação em termos muito menos extensos e gravosos.
CDLV.
O arguido foi condenado pela prática, em co-autoria, de um crime de manipulação de mercado previsto e punido pelo
artigo 379º, nº 1, do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, na
redacção do Decreto Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, em concurso aparente com um crime de falsificação de documento
previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas d) e e), por referência ao artigo 255.º, alínea a), do Código Penal.
CDLVI.
Reduzindo a complexidade deste processo à realidade que subjaz à decisão recorrida, apenas é relevante a conduta dos
arguidos:
a. Posterior a finais de 2002 para as “17 offshore Cayman”;
b. Posterior a Março de 2004 para as “offshore Goes Ferreira”.
CDLVII.
O crime de manipulação de mercado em que foi condenado pela decisão recorrida consiste:
a. na não revelação contabilística consolidada da realidade material financeira do banco de forma adequada;
b. na utilização de referências à liquidez nos argumentários para aumentos de capital (que só se referem a
exercícios até 2003) e nos relatórios e contas do BCP que incluiriam operações decorrentes da utilização de
veículos offshore para comprar e vender acções do Grupo BCP, aumentando (ou sendo susceptíveis de
aumentar) a sua liquidez e cotação e com vantagem informativa por parte dos arguidos por ter chegado ao seu
conhecimento que as offshore seriam do próprio BCP.
CDLVIII.
O crime de falsificação de documento em que foi condenado o ora recorrente, e que está consumido no crime de
manipulação de mercado (na vertente mencionada no ponto a. Do parágrafo anterior) consiste na não revelação
contabilística consolidada da realidade material financeira do banco de forma adequada.
CDLIX.
A análise da falta de adequação terá de ser dividida em, por um lado, os exercícios de 2002 a 2003, e, por outro lado, os
exercícios de 2004 a 2007 (“vertente imobiliária”).
CDLX.
A punição pelo crime de falsificação de documento assenta no facto de os arguidos terem aprovado as Contas do BCP de
forma que não espelhava adequadamente a realidade que imporia, segundo a decisão recorrida, os seguintes
ajustamentos:
a. Registo de acções próprias;
b. Incorporação de resultados (negativos).
CDLXI.
Tendo em conta esta circunstância, desde logo deve salientar-se que, quanto às offshore Goes Ferreira, não se provou
sequer qual seria o impacto/ajustamento, pelo que não pode dizer-se que existia ajustamento a efectuar e, muito menos,
que esse ajustamento teria efeitos relevantes para o mercado e para as decisões dos investidores.
CDLXII.
E também, em qualquer caso:
a. considerou-se provado que as offshore Goes Ferreira foram provisionadas (facto provado n.º 947, p. 214);
b. provou-se que o efeito económico do provisionamento era equivalente ao da contabilização de menos-valias
decorrente da consolidação (facto provado n.º 1542, p. 275).
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CDLXIII.
Logo, se não se provou qual o suposto ajustamento que teria de ocorrer, mas se provou que houve as perdas foram
eliminadas por provisionamento e que o provisionamento tem o mesmo efeito económico que a consolidação, então não
existe, em termos de imagem financeira do Banco, qualquer falta de adequação entre as contas apresentadas e a realidade;
CDLXIV.
Pelo que não pode afirmar-se, de forma alguma, a existência de crime de falsificação, nem de manipulação de mercado por
utilização de informação financeira falsa no que toca às offshore Goes Ferreira.
CDLXV.
Que aliás, a verificar-se, apenas poderia ocorrer a partir de Março de 2004, na tese da decisão decorrida, pois é o momento
em que o recorrente terá tomado conhecimento da situação patrimonial das offshore Goes Ferreira).
CDLXVI.
E, tendo tais sociedades fechado a sua posição accionista nesse mesmo ano, sem que, aliás, o ora recorrente disso tivesse
conhecimento, também não se coloca, quanto ao ora recorrente, a questão de saber se as mesmas tinham ou não de ser
consolidadas, pois essa questão apenas teria relevância para os exercícios anteriores, durante os quais o arguido não tinha
qualquer conhecimento acerca das offshore Goes Ferreira (note-se, aliás, que o Banco de Portugal, no respectivo processo
de contra-ordenação, nem sequer acusou o ora recorrente nessa parte, tendo considerado que, apreciados os factos, o ora
recorrente não conhecia nem teve qualquer responsabilidade em matéria de tratamento das offshore Goes Ferreira), uma
vez que após 2004 a efectivação ou não de consolidação não tinha relevância em termos de resultados, pois as menosvalias estavam devidamente provisionadas, o que tem efeito económico equivalente.
CDLXVII.
Apenas é relevante nesta parte a situação das 17 offshore Cayman, relativamente às quais afirma a decisão recorrida que
tinha de ocorrer o ajustamento supra referido, porquanto as mesmas “eram o BCP”, e porquanto os créditos concedidos
estavam vencidos, existindo menos-valias que tinham de ser reconhecidas por integração no balanço consolidado (ou pelo
menos provisões constituídas por esse valor).
CDLXVIII.
O ora recorrente não concorda com os critérios utilizados para afirmar que tinha de haver incorporação do que quer que
fosse (a lei não determinava consolidação de veículos offshore) e também para afirmar a existência de perdas reais (uma
vez que não havia vencimento dos créditos concedidos mas apenas défice de garantias e perdas potenciais e o cálculo de
imparidades e provisões para imparidade só surge em 2005) e que levariam a que as 17 offshore Cayman (não) tivessem
que ser consolidadas ou provisionadas nos exercícios de 2002 (final de Novembro) e 2003 (ou quaisquer outros, mas
apenas se trata destes por serem aqueles em que se considera que o arguido já sabia da situação patrimonial das 17
offshore Cayman, de acordo com a decisão recorrida).
CDLXIX.
Infra se explanarão os motivos desta discordância, desde já deixando aqui sublinhado que, independentemente do critério
que V. Exas. possam adoptar no referente àquelas obrigações nos exercícios de 2002 e 2003, em que ainda existiam as off
shore Cayman e ainda possuíam acções), terão V. Exas. de concluir que, no referente aos exercícios de 2004 a 2007 não
existe qualquer crime de falsificação (ou de manipulação por utilização de informação financeira falsa).
CDLXX.
Analisando a decisão recorrida, dela se retira que a conduta que preencheria o tipo de falsificação de documento (e de
manipulação por utilização de informação financeira falsa) no que se refere aos exercícios de 2004 a 2007 parece consistir
no facto de terem sido alegadamente “transferidas” perdas (numa estratégia que o Tribunal classificou de “recuperação +
dissimulação”) para o sector imobiliário, para empresas que não eram objecto de consolidação, sem revelar que tais
perdas vinham da situação das offshore Cayman.
CDLXXI.
Nada se aponta à licitude dos actos que consistiram nessa transferência, que visou recuperar as perdas potenciais (e, na
visão do Tribunal, também dissimulá-las), sendo legítima e economicamente racional a estratégia de recuperação
adoptada.
CDLXXII.
A prevalecer a tese da decisão condenatória ficam por saber três coisas:
(i)
a actividade de recuperação de crédito por recurso a entidades exteriores ao credor é ilícita? Parece
que não, porque se o fosse estariam em causa, em Portugal, a actividade da Finangeste e dos Fundos
criados (com capotais dos bancos) para, justamente, recuperarem crédito em áreas da sua
especialidade.
(ii)
tendo a recuperação sido efectuada no exterior, ou seja por recurso às entidades criadas pelos
bancos para esse concreto objectivo, tal actividade passa a representar “dissimulação de perdas em
contexto imobiliário, ou industrial, ou hoteleiro…”; nesses casos, e são dezenas desde que a crise se
instalou, vão os bancos credores ser acusados do crime de prestação de informação falsa ao
mercado?
(iii)
depois de restituída a “saúde” às dívidas e aos devedores, por aplicação da terapia especializada, é
proibida a reaquisição dos créditos pelos bancos que os venderam aos operadores especializados?
As implicações são capitais: primeira, a resposta afirmativa a qualquer das questões põe em crise a
existência dos “Bad Banks”, criados em vários países por iniciativa governamental, justamente, para
assumirem dívidas (e as garantias) cuja cobrança depende de tempo e de trabalho de operadores
especializados; segunda, o sucesso da recuperação e a restituição da “saúde” ao devedor seriam
impeditivos do regresso da dívida (e do devedor) ao banco cedente, sob pena de este poder ser
acusado de falsear as Contas, durante todo o tempo em que o crédito esteve no Balanço da
operadora especializada. Usando os argumentos do Ministério Público e do voto de vencida, neste
processo, sempre existiria base para acusações de “dissimulação de perdas”, venda “apenas formal”
para evitar a constituição de provisões”, etc.
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CDLXXIII.
Regressando à decisão recorrida, teria, na óptica do Tribunal, de revelar-se que as responsabilidades creditícias da
vertente imobiliária (em primeira linha EA e, posteriormente, Fundo de Pensões) provinham das responsabilidades
creditícias das offshore, na criação e percurso das quais os arguidos não tiveram qualquer papel ou conhecimento.
CDLXXIV.
Ou seja, pelo menos após 2004 é claro para o Tribunal que foram reconhecidas perdas, só que foram-no num sector não
consolidável, para o qual tais perdas foram legitimamente e licitamente transferidas, mas não se teria era então revelado a
sua origem.
CDLXXV.
Não se trata, pois, de esconder perdas e empolar resultados, a partir do exercício de 2004! Mas tão somente de não revelar
a sua origem!
CDLXXVI.
O crime imputado aos arguidos prender-se-ia então com a inadequada aplicação de regras contabilísticas resultando numa
desconformidade da informação financeira com a realidade.
CDLXXVII.
Sucede que uma tal “obrigação de revelação” da origem das responsabilidades creditícias não decorre de qualquer norma
legal, regulamentar ou contabilística;
CDLXXVIII.
A transferência para o sector imobiliário tinha uma racionalidade económica, a de recuperar crédito, obtendo novas
garantias, como sucedeu, não sendo de ilícita de forma alguma.
CDLXXIX.
No sector imobiliário não foram escondidas quaisquer perdas, nem o poderiam ser porque as contrapartes eram empresas
reais e autónomas, com contabilidade e gestão próprias, com contas publicadas na Conservatória do Registo Comercial e
sujeitas a inspecções das autoridades tributárias.
CDLXXX.
Desta forma, tem de concluir-se que não se encontra preenchido, com toda a certeza, nos exercícios de 2004 a 2007, o
crime de falsificação imputado, que consiste, afinal, apenas e só, em não ter revelado publicamente que o crédito assumido
pela EA provinha das 17 OS.
CDLXXXI.
Sendo que, em bom rigor, o BCP até revelou, da forma adequada e pública, escrutinada pelas autoridades de supervisão,
que esse crédito nem sequer era um crédito novo, constando da Acta n.º 461 do Conselho de Administração, que o crédito
concedido à EA operava através da assunção das responsabilidades da Towsend, provindas dos 3 UBO, motivo pelo qual, se
as entidades de supervisão quisessem, poderiam, desde logo, ter procedido a verificações sobre a origem do crédito,
inclusivamente quanto aos 3 UBO, nada tendo sido ocultado – vide Apenso 39, fls. 5.
CDLXXXII.
Não há qualquer regra, legal, regulamentar, contabilística ou outra, que impusesse tal revelação aos arguidos e se, por
absurdo, se considerasse existir tal regra, tal revelação deveria ter ocorrido nas contas referentes ao exercício de 2004.
CDLXXXIII.
E a experiência demonstra que desde sempre existiram vendas de activos (imobiliários, hoteleiros, industriais, até
escritórios e habitações) com as correspondentes dívidas associadas.
CDLXXXIV.
Não consta que se faça a revelação pública, ou o reporte aos supervisores, da origem desses créditos, nem tal importa ao
devedor ou à actividade de supervisão, o que conta é a o cumprimento do serviço da dívida pelos novos devedores.
CDLXXXV.
O crime de falsificação não é de execução duradoura, por isso não pode afirmar-se que se verifique qualquer crime nas
contas referentes aos exercícios de 2005 a 2007.
CDLXXXVI.
Acresce que o facto de os arguidos não terem alegadamente feito a tal revelação não teve qualquer impacto ou provocou
qualquer diferença a nível do resultado global do Banco, pois no sector imobiliário foram devidamente reconhecidas
algumas perdas, quando se materializaram, sendo que outras estão licitamente e legitimamente a ser reconhecidas em
termos diferidos, tendo sido realizadas as necessárias provisões.
CDLXXXVII.
Como o próprio Tribunal reconheceu, o efeito económico nos resultados globais é igual nas provisões e na consolidação,
por isso a transferência para o sector imobiliário não redundou em qualquer “empolamento” de resultados (i.e., se se
tivesse mantido em sector consolidável o efeito económico nos resultados era idêntico - facto provado n.º 1542, p. 275).
CDLXXXVIII.
O único ajustamento em que há uma divergência quanto à sua necessidade é aquele imposto pela CMVM no final de 2007,
reflectido retroactivamente nos exercícios de 2006 e de 2007.
CDLXXXIX.
Sucede que tal ajustamento de 300 milhões (220 milhões líquidos) não era legalmente exigível e foi efectuado ao abrigo de
imposição da autoridade de supervisão, no final de 2007, decorrendo a necessidade ou desnecessidade daquele
ajustamento de uma diferença interpretativa de critério a propósito de determinadas normas contabilísticas, que não pode
considerar-se uma falsidade, como admitido pela decisão recorrida (p. 987-988), apenas não tendo dado relevância a tal
argumento porque considerava que, independentemente de naquele trecho não se tratar de uma falsidade para efeitos
criminais, haveria falsidade nos exercícios anteriores e por isso continuava a ser de manter a condenação.
CDXC.
Porém, em face do que aqui acabamos de expor, este argumento, aceite pela decisão recorrida, assume a maior relevância,
porquanto não existe qualquer motivo para afirmar o crime de falsificação (e de manipulação de mercado através de
falsificação) quanto aos exercícios de 2004 a 2007 (nem aos anteriores como infra se verá), por não haver, em termos de
resultado global, impacto significativo e, como tal, falta de adequação à realidade.
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CDXCI.
CDXCII.
Não se concordando que a natureza de tal ajustamento afasta a tipicidade objectiva, o mesmo sempre será determinante
em sede de imputação subjectiva, como infra também se discutirá.
Não existiu também crime de manipulação de mercado por falsas informações.
CDXCIII.
O suposto crime de falsificação nos exercícios de 2004 a 2007, instrumental para a manipulação, consistia, não
propriamente em revelar uma imagem financeira do BCP “empolada” em termos de resultado global, mas antes na não
revelação da origem das responsabilidades creditícias alocadas no sector imobiliários, o que tem reflexos determinantes
no crime de manipulação por falsa informação financeira, referente aos exercícios de 2004 a 2007.
CDXCIV.
A alteração do art. 7.º, n.º 1, do CVM, denota uma clara alteração da posição do legislador relativamente ao grau de tutela
da qualidade da informação no mercado de valores mobiliários, assumida com a entrada em vigor do DL n.º 357-A/2007,
de 31/10, em 1 de Novembro de 2007.
CDXCV.
A redacção dada por este normativo dispõe: “1 - A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas
organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a
ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.”
CDXCVI.
A anterior redacção dispunha: “1 - Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a
valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes
que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às
entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.”
CDXCVII.
Esta alteração da redacção do art. 7.º, n.º 1, do CVM constitui claramente um alargamento da tutela da qualidade da
informação no mercado de valores mobiliários, passado a tutelar-se qualquer informação e não só aquela susceptível de
influencia as decisões dos investidores ou prestada às entidades de supervisão, etc., por influenciar também o
funcionamento do mercado.
CDXCVIII.
O tipo de crime do art. 379.º, n.º 1, do CVM, não pode deixar de ser interpretado em consonância com aquele art. 7.º
(referido, aliás, na decisão recorrida, na p. 886, nas suas diferentes redacções).
CDXCIX.
O que tem como consequência que, a partir de 1 de Novembro de 2007, a própria tutela criminal através do art. 379.º foi
alargada, no que se refere ao tipo de informação aí incluída e à sua “idoneidade” para alterar artificialmente o regular
funcionamento do mercado.
D.
Ou seja, o legislador passa a permitir que se inclua um espectro mais amplo do tipo de informação que cabe no conceito de
idoneidade para efeitos do art. 379.º, n.º 1, do CVM (que, como sabemos, tratando-se de crime de perigo abstractoconcreto, trata-se de elencar ali os tipos de informação que são, por si só, considerados idóneos a alterar o funcionamento
do mercado e que, em 2007, terão sido aumentados por via da nova redacção do art. 7.º).
DI.
Essa tutela penal mais gravosa não pode aplicar-se retroactivamente às condutas passadas, sob pena de violação do art.
1.º, n.º 1, do CP, e do art. 29.º, n.º 1, da CRP;
DII.
Consistindo, em bom rigor, o suposto crime de falsificação nos exercícios de 2004 a 2007, instrumental para a
manipulação, não propriamente em revelar uma imagem financeira do BCP “empolada” em termos de resultado global,
mas antes na não revelação da origem das responsabilidades creditícias alocadas no sector imobiliários, tal omissão de
revelação não altera a realidade patrimonial e não pode, de forma alguma, considerar-se incluída no tipo de crime do art.
379.º, n.º 1, do CVM, em conjugação com a redacção do art. 7.º do mesmo diploma vigente até 31.10.2007.
DIII.
Mesmo admitindo-se a existência dessa suposta obrigação de revelação, a sua omissão nunca seria punível criminalmente,
porquanto a existir e ao não ter sido cumprida, teria de ter ocorrido em 2005, logo não preenchia o tipo de crime então em
vigor.
DIV.
Não se aceitando essa interpretação – e considerando, por absurdo, que existiria obrigação de revelação da origem,
obrigação essa que se renovaria anualmente por ocasião de aprovação de contas e que não teria sido respeitada – ainda
assim terá de aceitar-se que a nova redacção do art. 379.º, n.º 1, do CVM, apenas se aplicaria às contas trimestrais
aprovadas em Dezembro de 2007 e ao comunicado à CMVM do mesmo mês, pelo que apenas a este respeito estaria
preenchido o tipo de manipulação por fornecimento de falsa informação financeira (isto apenas no que se refere ao
período que vai entre os exercícios de 2004 e de 2007).
DV.
É que, no caso em apreço, não se trata de um problema de sucessão de leis penais no tempo em que há um mero aumento
da moldura penal (e em que, tendo o último acto sido praticado na vigência da lei nova, poderia a sua nova moldura penal
mais grave ser aplicada à totalidade dos actos, mesmo anteriores) mas antes de uma alteração dos pressupostos do tipo de
crime, que resulta no alargamento da tutela penal e da punibilidade de condutas humanas, mas sim de um caso em que
existe uma alteração do próprio dever de actuação e da norma de conduta subjacente à lei penal, alargando o espectro
punitivo.
DVI.
Não é um verdadeiro caso de sucessão de leis penais, em que a conduta preenchia ambos os tipos, da lei antiga e da lei
nova, mas um caso de alargamento da punibilidade, em que a conduta do autor não preenchia o tipo da lei antiga e passou,
porventura, a preencher o tipo da lei nova.
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DVII.
Nestes casos, a lei nova nunca pode ser aplicada a actos anteriores, por violação do princípio da legalidade, da culpa e da
não retroactividade da lei penal, uma vez que ao autor das condutas em causa não era possível agir de acordo com o dever
de conduta que apenas foi criado pela norma aprovada posteriormente.
DVIII.
Outra interpretação, que permita aplicar o art. 379.º, n.º 1, do CVM, conjugado com o art. 7.º do CVM na redacção dada pelo
DL n.º 357-A/2007, de 31/10, a factos praticados antes de 1 de Novembro de 2007 não incluídos no tipo de crime previsto
no art. 379.º, n.º 1, do CVM na redacção anterior, viola o art. 1.º, n.º 1, do CP, e é materialmente inconstitucional por
violação do principio da legalidade constante do art. 29.º, n.º 1, da CRP, e do princípio da culpa, decorrente do art. 1.º e
27.º, n.º 1, da CRP.
DIX.
Finalmente, deve também ter-se em conta, como supra exposto, que a não revelação da origem das responsabilidades
creditícias do Grupo EA não teve qualquer impacto (ou teve um impacto mínimo) nos resultados globais do BCP (já que o
impacto imposto pela CMVM é mera adopção de um critério contabilístico de entre os critérios admissíveis, sendo o que o
BCP e os arguidos adoptaram igualmente critério admissível).
DX.
Desta forma, ainda que, por absurdo, se considerasse que existia a tal obrigação de revelação da origem das
responsabilidades do Grupo EA e se considerasse também que a mesma não tinha sido cumprida (através da Acta 461 do
CA do BCP), sempre teria de admitir-se que, dada a ausência ou pelo menos o impacto irrelevante do incumprimento de tal
norma, nunca se poderia considerar preenchido o tipo de crime do art. 379.º, n.º 1, do CVM, em conjugação com a redacção
do art. 7.º do mesmo diploma vigente até 31.10.2007.
DXI.
A não revelação de informação que não tem impacto significativo no resultado global não pode ser considerada, para
efeitos do tipo do art. 379.º, n.º 1, do CVM, na redacção anterior a 1.11.2007, informação “idónea” a afectar a transparência
dopo mercado de valores mobiliários, distorcendo as condições de formação de preços e o seu normal funcionamento,
podendo assim influenciar as decisões de investidores ou prejudicar o controlo do regular funcionamento mercado pela
autoridade de supervisão, não consubstanciando prática de crime.
DXII.
No limite, apenas consubstanciaria quanto aos actos praticados depois de 1 de Novembro de 2007, pelos motivos supra
expostos quanto ao alargamento dos pressupostos do tipo do art. 379.º, n.º 1.
DXIII.
No que se refere aos exercícios anteriores, ou seja, o exercício de 2003 (e o de 2002, com referência ao final mês) e ao
crime de falsificação de documento, bem como, consequentemente, ao crime de manipulação de mercado por utilização de
informações falsas, observando a decisão recorrida, é patente que a mesma não está de acordo com o normativo então
vigente em matéria de consolidação de contas.
DXIV.
Com efeito, o Tribunal a quo aceita – por provado à saciedade – que, antes de Janeiro de 2005, inexistia qualquer obrigação
de consolidação de SPE (cf. p. 940-942), explicando que a correspondência trocada em 2004 entre o BdP e o BCP
demonstra precisamente que se estava num período de transição, em que se tentava descobrir a melhor forma de
implementar, de futuro, o regime das IFRS, que ia vigorar a partir de 01.01.2005; e que um dos maiores impactos da
implementação da nova normativa, em 01.01.2005, foi, precisamente, a obrigação de consolidação de SPE, até aí
inexistente, e que gerou, não só no BCP, mas em toda a banca, nacional e internacional, ajustamentos de balanço.
DXV.
Porém, tem dificuldade em aceitar a evidente conclusão daí decorrente: fosse qual fosse o regime ou a norma que pudesse
levar à consideração que existia consolidação, esta nunca ocorreria, simplesmente porque se estava perante SPE que, até
31.12.2004, não eram objecto de consolidação, fosse quem fosse o seu titular.
DXVI.
Não põe o ora recorrente em causa que exista um princípio geral de primazia da substância sobre a forma, porém, este
princípio, antes da implementação da redacção das IFRS que veio dar origem ao regime entrado em vigor em Portugal em
01.01.2005, não impunha – como era conhecimento e prática unânime a nível interno e internacional – a consolidação de
veículos SPE.
DXVII.
Não se pretende também afirmar que a inexistência dessa obrigação de consolidação fosse positivamente valorada pelo
legislador; mas também não o era negativamente – simplesmente não era valorada de forma alguma.
DXVIII.
Reconhecendo a lacuna e a utilidade de passar a consolidar também a realidade dos SPE, a comunidade internacional
alterou as IFRS, alteração essa que foi acolhida em Portugal, a partir de 01.01.2005.
DXIX.
Tais considerações são, desde logo, suficientes para afastar qualquer obrigação de consolidação e, como tal, a existência de
qualquer crime de falsificação ou de manipulação de mercado relacionado com a não inclusão no balanço consolidado do
BCP das 17 offshore Cayman (e também das offshore Goes Ferreira, só que estas são irrelevantes porque a situação destas
apenas foi conhecida pelos arguidos em 2004, ano em que, por um lado, fecharam posição accionista, por outro lado
estiveram sempre devidamente provisionadas).
DXX.
Ainda que não se concordasse com esta evidência, teria de concordar-se com a argumentação clara e doutamente
explanada no Parecer do Professor Doutor Pinto Monteiro, argumentação que aqui se dá por integralmente reproduzida,
Parecer citado, aliás, na decisão recorrida, nesta que segue fielmente o raciocínio daquele Parecer, muito embora apenas o
cite para chegar a uma conclusão em contradição com as conclusões neles apresentadas (p. 948ss).
DXXI.
A partir de Novembro de 2002 e com a alienação aos 3 UBO Frederico Moreira Rato, João Bernardino Gomes e Ilídio
Monteiro, e por referência às contas desse exercício de 2002, não havia lugar à consolidação, nem nos termos do art. 2º, n.º
2, do DL 36/92, nem do se n.º 4, disposição esta que parece ter sido a norma que presidiu à decisão do Tribunal a quo.
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DXXII.
As únicas normas relevantes para determinar o perímetro de consolidação obrigatória para os exercícios de 2002 e 2004,
eram as do DL 36/92, de 28.03, e quanto ao Plano de Contas, as do Plano de Contas do Sistema Bancário, aprovado pela
Instrução 4/96 do Banco de Portugal, conforme aceita a decisão recorrida - vide P. 14-15 do Parecer.
DXXIII.
Dentro do DL 36/92, as normas aplicáveis para determinar o perímetro de consolidação eram as do art. 2.º: o n.º 1
fornecendo o critério geral; o n.º 2 tipificando as situações de domínio exclusivo; o n.º 3 as de domínio conjunto - vide P.
15-17 do Parecer.
DXXIV.
Todas as situações de consolidação obrigatória decorrentes dos n.ºs 2 e 3 do DL 37/92, pressupunham que houvesse, por
parte da empresa-mãe, titularidade do capital da empresa a consolidar - vide P. 19 do Parecer.
DXXV.
Como refere o Professor, “todas essa situações exigem, como denominador comum, que a empresa-mãe seja uma das
titulares do capital da empresa a consolidar nas suas contas, e que, além disso, se verifiquem outros elementos que
mostram estar-se perante uma filial”, sendo esses elementos os enunciados nas várias alíneas do n.º 2.
DXXVI.
Andou mal, pois, a decisão recorrida, ao interpretar o art. 2.º, n.º 2, al. e), do DL 36/92, como permitindo nele incluir
situações em que a empresa-mãe não detivesse, ela própria, uma participação financeira.
DXXVII.
O próprio texto da alínea é evidente quanto a essa conclusão, pois ao referir “outros sócios”, apenas pode estar a referir-se
a um acordo entre um sócio e “outros sócios”, e não a um acordo entre um não-sócio e “os sócios”; se assim fosse, o
legislador teria, precisamente, usado a expressão “os sócios”, e não “outros sócios”, pelo que, em conformidade com o
disposto no art. 9.º, n.º 3, do CC.
DXXVIII.
Uma vez que a partir de Dezembro de 2002 as offshore passaram a pertencer aos 3 UBO externos ao Banco, nem o BCP,
nem nenhuma filial sua eram titulares do capital das 17 offshore Cayman (vide P. 20 do Parecer), não estando preenchidos
os pressupostos da consolidação previstos nos arts. 2.º, n.º 1 e 2, do DL 36/92 (vide P. 22 do Parecer.)
DXXIX.
Não pode afirmar-se, como faz a decisão recorrida, que a assunção dos 3 UBO foi uma venda “simulada”, porquanto
inexiste prova de tal simulação, mas, pelo contrário, vários indícios existem que infirmam a existência de uma assunção
meramente aparente ou fictícia - vide P. 23 do Parecer.
DXXX.
Por um lado, inexiste prova de que os UBO não o quisessem ser (pelo contrário, quiseram sê-lo para poder auferir de
eventuais benefícios – cf. facto provado n.º 1207, p. 245, e 1737, de conteúdo idêntico, p. 285), sendo irrelevante o facto de
terem sido UBO auto-propostos ou convidados pelo BCP, pois tal não infirma o carácter real de uma aquisição (vide P. 23 24 do Parecer); em todo o caso, a decisão recorrida também não assentou neste facto a sua decisão de que a assunção dos
UBO não era real
DXXXI.
O facto de os 3 UBO adquirentes terem conferido poderes de gestão ao alienante em nada implica que os primeiros deixem
de ser considerados proprietários, seja jurídica seja economicamente (desde logo quanto ao destino dos proveitos e ao
risco da sociedade), uma vez que “uma coisa é um Banco gerir um património ou uma sociedade ao abrigo de um mandato
de gestão, outra coisa é faze-lo enquanto proprietário (ou ultirnate beneficial owner) desse património ou sociedade. Ora, a
partir de 20 de Dezembro de 2002, o BCP apenas tinha poderes de administração das sociedades ao abrigo dos referidos
mandatos e não como ultimate beneficial owner”.
DXXXII.
Não procedem as considerações expendidas na decisão recorrida, de que os 3 UBO não teriam dado quaisquer indicações
de gestão, porquanto, como é público e notório, qualquer pessoa que adquira, por exemplo, uma carteira de acções, ou um
financiamento a descoberto para constituição de carteiras accionistas, não tem que dar instruções concretas sobre
operações a realizar – a única instrução necessária, evidentemente, é a de que o gestor gira de forma sã e prudente e por
forma a que o mandante obtenha, com tal gestão, benefícios; ao adquirirem as 17 offshore na expectativa de obter
benefícios a longo prazo com a valorização das carteiras, mais não fizeram os 3 UBO do que dar a tal instrução genérica
sobre o objectivo da aquisição da carteira!
DXXXIII.
Aliás, nem seria necessário que fossem consultados a propósito das renegociações do contrato ABN, uma vez que, todas
elas, foram impostas pela obrigação decorrente do mandato de gestão, de obter o melhor benefício para o cliente,
limitando possíveis perdas, mas garantindo exposição à valorização futura das acções, tal como era o objectivo da
aquisição das offshore pelos 3 UBO.
DXXXIV.
E, ao contrário do que afirma o Tribunal, os 3 UBO foram contactados, sim, a propósito da referida gestão, quando se
tornou necessária a sua assunção pessoal (em 2003), ou quando foi possível alienar o investimento (em 2004), tendo,
nesses momentos, decidido livremente qual a actuação a adoptar.
DXXXV.
O facto de os 3 UBO não terem despendido qualquer montante para adquirir as 17 offshore é também totalmente
irrelevante, como afirma o Tribunal recorrido: tratando-se de empresas em situação deficitária, é perfeitamente normal do
ponto de vista económico que nada tenham despendido - vide P. 24 do Parecer.
DXXXVI.
Decisivo é também o facto de que, se tivesse havido valorização e a situação patrimonial das offshore tivesse deixado de ser
negativa (o que, aliás, era expectável, poderia ter ocorrido em 2007 ou posteriormente), “quem teria lucrado com esse
facto, e correspondente valorização das acções, não teria sido o BCP, mas antes os UBO registados das referidas sociedades” vide P. 25 do Parecer.
DXXXVII.
Entendimento que é também resultante do facto provado no ponto n.º 1394: “a cotação da acção BCP era, em 2/1/2001, de
€4,55 e, após a crise subsequente ao 11 de Setembro de 2001, desceu progressivamente até atingir a cotação de €2,28
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euros, considerando o BCP, no seu Relatório e Contas de 2002 (“As acções do BCP na Bolsa de Valores), como provável a
recuperação do título para anteriores patamares do preço, revertidos que fossem os efeitos da crise”.
DXXXVIII.
E ainda do facto provado constante do ponto n.º 1541: “Caso a carteira das offshore Cayman, em finais de 2002,
mantivesse na sua composição as 116.000.000 acções do BCP, sem o número sofrer qualquer diminuição e com o
acréscimo decorrente dos aumentos de capital de Março de 2003 e de Janeiro de 2006 (conversão dos valores mobiliários
obrigatoriamente convertíveis), o valor dessa carteira, considerando os dividendos obtidos durante esse período e a
cotação do título BCP, em Junho de 2007, no valor de €4,22, teria atingido o valor necessário à liquidação do montante em
dívida decorrente da actividade desenvolvida pelas dezassete offshore Cayman.”
DXXXIX.
E finalmente do facto provado vertido no ponto n.º 1396, p. 255, último parágrafo (existe um lapso na numeração dos
factos provados, com repetição no número dos factos, havendo dois factos 1396): “O contrato ABN através do qual foi
efectuada a venda de 116.000.000 acções constantes da carteira das 17 sociedades offshore Cayman, ao Banco ABN AMRO,
permitiu a transferência de parte do risco de queda da cotação da acção BCP, continuando, no entanto, expostas ao risco e
ao potencial de recuperação das acções que, caso se verificasse e nessa medida, possibilitaria o pagamento do
remanescente em dívida.ou, pelo menos, uma perda efectiva menor.”
DXL.
Para que se retire desta possibilidade a inexistência de fundamentos para afirmar que a assunção dos 3 UBO não foi
material ou real não é necessário – note-se – provar-se que tal recuperação e situação patrimonial positiva das offshore
teria certamente ocorrido.
DXLI.
Basta, isso sim, provar, como se provou, que ela era expectável e viável, sendo, por isso, economicamente racional – e por
isso real – a assunção da beneficial ownership por parte dos 3 UBO.
DXLII.
Consequentemente, não só a assunção foi real, como não pode afirmar-se, como pretende a decisão recorrida, que a
titularidade do capital social das offshore Cayman pelos 3 UBO era uma “detenção por conta” do BCP, para efeitos do art.
2.º, n.º 4, do DL 36/92.
DXLIII.
Para a densificar e concretizar o conceito de detenção “por conta”, é necessário procurar no direito civil os seus
pressupostos, tendo em conta também o objectivo da consolidação ao abrigo do regime do DL 36/92, sendo critério
essencial, neste caso, saber quem pode beneficiar com a valorização dos activos – vide P. 25-27 do Parecer.
DXLIV.
Neste ponto é essencial o provado no facto provado n.º 1207 (p. 245), que “os termos propostos pelo arguido Filipe Pinhal
foi aceite pelas três pessoas na expectativa de virem a obter mais-valias, implicando esse acordo a ausência de
responsabilidade pessoal dos mesmos e a não prestação de garantias pessoais, permitindo o prazo de 10 anos acordado
atravessar ciclos económicos de baixa e de alta e, dessa forma, ser expectável a valorização dos activos subjacentes.” (e 1737,
de conteúdo idêntico, p. 285).
DXLV.
O facto de os 3 UBO terem tal expectativa – aliás razoável – torna-os, evidentemente, detentores por conta própria e não de
outrem, como pretende a decisão recorrida, independentemente da tal expectativa ter sido realizada, ou não; por este
motivo, não poderia ter-se considerado provado o constante dos factos provados n.º 74-75 (p. 103).
DXLVI.
As declarações sem data referentes à possibilidade de transferência de activos não impõem conclusão diversa, ao contrário
do que afirma a decisão recorrida, pois a conclusão de que não existiria uma convenção quanto às condições da sua
utilização vai contra a boa interpretação das situações jurídicas subjacentes aos contratos em causa, bem como contra as
regras de experiência comum, desde logo, se tais declarações fossem consideradas ter o teor de procurações, sempre
seriam revogáveis a todo o tempo pelos declarantes (claro que isto seria violação do “acordo de utilização” equivalente a
pacto de preenchimento por parte dos 3 UBO, no que respeita às garantias) – vide P. 34 do Parecer.
DXLVII.
E porque a correcta “interpretação dos acordos de serviços fiduciários, pelos quais a titularidade das sociedades foi
transferida para os UBO, bem como a consideração da posição e do interesse do BCP enquanto financiador destes, permitem
[…] supor que a utilização das referidas declarações de transferência não pudesse ser livre, para o BCP recuperar a
titularidade de sociedades que haviam sido anteriomente alienadas por ele.” - vide P. 35 do Parecer.
DXLVIII.
“O BCP era credor dos referidos UBO, ao ter concedido financiamentos para actividade da sociedade, ficando os respectivos
ganhos a pertencer totalmente a esses UBO. É, pois, natural não só que o BCP pretendesse uma garantia mais rápida sobre o
património das sociedades, como que, por outro lado, não pudesse arbitrariamente recuperar a titularidade das sociedades
para se apropriar de mais-valias geradas pelos financiamentos concedidos, acima do valor destes, já que este último interesse
não lhe podia competir enquanto credor.”– vide P. 35-36 do Parecer.
DXLIX.
Não é concebível uma apropriação pelo BCP de mais-valias sem violação do contrato de financiamento e dos contratos de
transferência das sociedades. - Vide P. 36 do Parecer.
DL.
Quando estão em causa sociedades offshore, é normal que fosse exigida tal declaração a título de garantia, pois, como é
evidente, a execução das garantias de que é dona uma sociedade offshore através dos meios normais (propositura de
acção), é extremamente difícil, precisamente porque se trataria executar um activo que se encontra numa jurisdição
offshore, cujo sistema judicial levanta inúmeros obstáculos a tal execução como é público e notório, e, por esse motivo, é
normal que se exijam tais declarações, para que a eventual execução da garantia para ressarcimento do crédito em caso de
incumprimento possa ocorrer sem necessidade de proposição da acção executiva.
DLI.
Não havia, assim, motivo para considerar por via do art. 2.º, n.º 4, do DL 36/92, a existência de qualquer detenção “por
conta” do BCP, por parte dos 3 UBO.
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DLII.
Andou mal, pois, a decisão recorrida, ao considerar que existiria tal detenção e, por isso, ao considerar que a actividade das
offshore era actividade do próprio BCP.
DLIII.
Devendo ainda sublinhar-se que a existência de detenção “por conta” apenas serve para permitir enquadrar a detenção
por uma filial ou por terceiro em qualquer uma das alíneas do art. 2.º, n.º 2, porquanto tal detenção se terá como uma
detenção de participação social pela empresa-mãe, que tem, além disso, de preencher os restantes critérios das alíneas do
n.º 2, do art. 2.º, não se tratando, pois, ao contrário do que parece afirmar a decisão recorrida, de uma situação “alheia à
consolidação”.
DLIV.
A questão continua a ser a mesma: existia ou não obrigação de consolidação de SPE antes de 1.01.2005, em caso de
detenção de participação por empresa-mãe instituição financeira ou de crédito sujeita às normas do DL 36/92. E a
resposta não pode deixar de ser: não.
DLV.
Inexistia, pois, qualquer obrigação de consolidação, com a consequente obrigação de incorporação de resultados e de
consideração de acções próprias.
DLVI.
Por outro lado nunca poderiam computar-se quaisquer acções como próprias, porquanto as mesmas foram alienadas ao
ABN, por venda firme, conforme provado na decisão recorrida – cf. sobre este tema também o Parecer do Professor Pinto
Monteiro, p. 17 a 61.
DLVII.
Em conclusão, nesta matéria:
a. Os 3 UBO eram verdadeiros (critério do residual interest), o que em qualquer caso é irrelevante porque nada
impunha consolidação de SPE até 31.12.2004 como se provou;
b. Nenhuma norma havia que impusesse a consolidação de SPE mesmo detidos a 100% (por participação
indirecta neste caso) pelo BCP (rebater a interpretação do Tribunal nesta parte; ver bem a posição de pinto
monteiro);
c. É verdade que o legislador poderia pretender que a contabilidade consolidado espelhasse a “materialidade”,
porém, em todo o mundo, esse fito não incluía os veículos SPE, o que foi reconhecido como lacuna legislativa e
que levou precisamente à consagração da aplicação das normas de consolidação aos SPE a partir de Janeiro de
2005;
d. Não havia antes regulamentação, logo nenhuma obrigação se impunha aos arguidos, sendo mesmo vedada a
consolidação pois ela só é permitida ou imposta com expressa consagração normativa;
e. As off shore Goes Ferreira não têm qualquer relevância, quer pelo anteriormente referido, quer porque a sua
situação era desconhecida dos arguidos até Março de 2004 e, em qualquer caso, estavam devidamente
provisionadas conforme acompanhamento pelo BdP (vide inclusive facto provado n.º 1469, p. 265: “no que
respeita às offshore Góis Ferreira, todo o provisionamento efectuado foi objecto de informação ao Banco de
Portugal com vista ao acompanhamento por este.”); ainda que se considerasse por absurdo a necessidade de
consolidar, o efeito económico seria idêntico ao já existente com o provisionamento.
DLVIII.
Não existia também obrigação de provisionar eventuais perdas referentes aos financiamentos concedidos a tais
sociedades, pelo simples facto de que os créditos em causa tinham sido concedidos em regime de descoberto em conta,
automaticamente renovável, apenas ocorrendo vencimento por declaração do Banco, sendo totalmente irrelevante a
desmarginalização do colateral.
DLIX.
O BCP nunca considerou tais créditos vencidos (facto provado n.º 1463, p. 265), tendo, ocorrido pagamento de juros
através de dividendos, e por utilização de descoberto autorizado, utilização essa comum também aos créditos overdraft
onshore e perfeitamente aceite e conhecida do Banco de Portugal (cf. p. 374-375, testemunha Miguel Melancia; p. 380,
testemunha César Brito; fls. 268 e 269 do Anexo XXIV do Apenso D; fls. 289 na 293 do Apenso XXIV-C); fls. 1 a 56 do Anexo
XXIV do Apenso D 1; depoimento de António Marta e documentos referidos a fls. 759-760) e, como tal, irrelevante.
DLX.
Ainda que se considerasse o contrário, por absurdo, sempre teria de aceitar-se que o provisionamento estava
salvaguardado, tal como provado no facto provado n.º 1266 (p. 252).
DLXI.
Para os períodos posteriores à reestruturação do crédito e sua colocação na titularidade dos 3 UBO e, depois, no Grupo EA,
os créditos também não poderiam considerar-se vencidos, interrompendo-se aliás a contagem dos prazos previstos no
Aviso n.º 3/95 para a constituição de provisões contabilísticas.
DLXII.
Por via dos acordos de serviços fiduciários celebrados com os 3 UBO, os créditos decorrentes dos contratos de descoberto
autorizado foram objecto de extensão dos prazos de vencimento para 10 anos.
DLXIII.
A reestruturação de créditos, designadamente por via da sua prorrogação, é factor susceptível de determinar a interrupção
da contagem dos prazos previstos no art. 2º, n.º 4, do Aviso n.º 3/95 e de isentar os bancos de constituírem as respectivas
provisões designadamente quando se mostrem pagos os juros vencidos.
DLXIV.
Esta estipulação do vencimento determinado para 10 anos e liquidação integral dos juros vencidos interromperia a
contagem de quaisquer prazos de vencimento que porventura estivessem – e não estavam sequer, pelos motivos supra
expostos – a contar então, para efeitos de provisionamento.
DLXV.
Acresce que, em 31.12.2003, os 3 UBO procederam à liquidação integral dos débitos daquelas 17 sociedades, ainda que
utilizando para o efeito créditos pessoalmente concedidos pelo BCP (facto provado n.º 1464, p. 265).
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DLXVI.
A extinção dos créditos primitivos e o surgimento de créditos, com outros devedores, sempre levaria também, no final de
2003, a que deixasse de se justificar a constituição de provisões específicas para esses novos créditos.
DLXVII.
Por todas estas razões, não se impunha, nos exercícios de 2002 e 2003, a constituição de provisões específicas para
créditos vencidos ao abrigo do regime do Aviso 3/95 relativamente aos créditos detidos sobre as 17 sociedades off-shore.
DLXVIII.
Mas mesmo admitindo, sem conceder, que se considerasse que os créditos sobre as 17 sociedades off-shore deveriam ou
poderiam ter sido declarados vencidos se venceram no início de 2001, teria de se ter em conta, relativamente aos
exercícios de 2002 e 2003, que:
DLXIX.
Quanto a 2002, o valor das provisões específicas necessárias, à luz do Aviso 3/95, para fazer face à diferença entre o valor
dos créditos e a parte não garantida, (no pressuposto de que os créditos se encontrassem vencidos desde o início de 2001)
seria de €212.664.000, porém, o BCP constituiu nesse ano uma provisão para riscos bancários gerais no montante de
€188.000.000 (€200.000.000 em base consolidada) para fazer face aos riscos inerentes à actividade do Grupo, incluindo a
desvalorização das garantias associadas ao crédito concedido, no contexto da conjuntura económica nacional e dos
contingentes desenvolvimentos internacionais, decisão que teve o consentimento e apoio do Banco de Portugal (e mostrase hoje sufragada pelas orientações mais recentes dos principais reguladores europeus, conforme acima se disse).
DLXX.
Sendo as provisões para riscos bancários gerais provisões que, por definição, não são afectas a nenhuma finalidade
específica, é absolutamente razoável que elas sejam tidas em consideração quando se trata de avaliar se o nível geral de
provisionamento de um banco em determinado exercício é ou não suficiente em face de uma situação da sua carteira de
crédito pretensamente diferente daquela que foi considerada nesse mesmo exercício.
DLXXI.
Acresce que o valor total de provisões genéricas constituídas nesse ano pelo BCP (incluindo a referida provisão para riscos
bancários gerais) ascendia a €624.793.000 e o relatório de provisões económicas apresentado ao Banco de Portugal
revelava nas contas individuais que o total das provisões necessárias seria de €864.593.000, incluindo o montante de
€311.432.000 correspondente a provisões não especificamente alocadas, ao passo que o total de provisões contabilísticas
constituídas ascendia a €908.085.000, o que denota que havia um excesso de provisões contabilísticas sobre aquelas
economicamente necessárias que se cifrava em €43.492.000, nas contas individuais, excesso esse que, nessas contas
consolidadas do exercício de 2002, ascende a €72.846.000.
DLXXII.
Em suma, que as provisões de natureza genérica existentes em 2002 apresentaram sempre um valor superior ao do
eventual défice de provisionamento resultante da alegada não consideração como vencidos dos créditos concedidos às 17
sociedades off-shore Cayman, e isto quer tomemos as provisões na perspectiva do Aviso n.º 3/95 quer na perspectiva
económica.
DLXXIII.
Relativamente ao exercício de 2003, e na versão de pronúncia, as provisões que estivessem em falta, à luz das regras do
Aviso do Banco de Portugal (caso os créditos sobre as 17 sociedades se tivessem vencido no início de 2001), seriam
porventura no valor de €294.996.000; porém as provisões genéricas constituídas pelo BCP, não especificamente alocadas
à cobertura de determinados riscos de crédito, foram no valor de €617.640.000, existindo um significativo excesso das
provisões constituídas pelo BCP (num total de €1.003.488.000) sobre o valor total das provisões económicas (de
€902.839.000, incluindo o montante de €499.718.000 correspondente a provisões não especificamente alocadas), excesso
esse que ascendia a nada menos do que €100.649.000, isto nas contas individuais, e de €1.134.929.000, nas contas
consolidadas, e o valor global das provisões económicas do Grupo, que era de apenas €988.591.000, verifica-se que o
excesso de provisões nas contas agregadas e consequentemente nas contas em base consolidada de 2003 é de
€146.338.000.
DLXXIV.
Também relativamente a 2003 se constata que o valor das provisões constituídas pelo BCP seria suficiente para cobrir o
suposto défice de provisionamento que, numa perspectiva regulamentar ou numa perspectiva económica, pudesse advir
da não consideração dos créditos das 17 off-shores Cayman como créditos vencidos.
DLXXV.
De assinalar que, como acima já se adiantou, para avaliar da adequação do nível geral de provisionamento para efeitos da
transmissão de uma imagem verdadeira e correcta, em todos os aspectos materialmente relevantes, da situação da
sociedade, pode (e deve) ter-se em conta o valor das provisões económicas, privilegiando-o até relativamente àquilo que
são as exigências constantes do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal.
DLXXVI.
Nos exercícios de 2004 a 2007, há que salientar, ab initio, que, como resulta dos factos, as dívidas das 17 sociedades
offshore ao BCP foram em 24.03.2004 assumidas pela Townsend e por esta integralmente pagas ao BCP, tendo os meios
financeiros utilizados para o efeito provindo de suprimentos efectuados pela EA, a qual tinha recebido um crédito do BCP
no valor de €600.181.334,67.
DLXXVII.
Este crédito concedido pelo BCP à EA tinha contratualmente o prazo de vencimento de 1825 dias (cerca de 5 anos) e tinha
também vencimento de juros de periodicidade anual, com primeiro vencimento de juros um ano depois, em 30.03.2005, e
era um crédito novo, a uma entidade distinta e com características distintas.
DLXXVIII.
Uma vez que o crédito sobre EA é, formal e materialmente, um crédito novo, não existia razão para obrigar, relativamente
a este crédito, à constituição de provisões logo desde a sua constituição, e muito menos existia fundamento para que
fossem constituídas provisões para risco específico de crédito.
DLXXIX.
Este crédito concedido à EA beneficiou de novas garantias pelo devedor, designadamente (para além da garantia geral
representada por um novo património que passou a ser responsável pela dívida e do inerente potencial de geração de cash
flows futuros decorrentes da continuidade dos negócios, designadamente projectos imobiliários em carteira e projectos
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futuros) de uma garantia negativa, a assunção do compromisso de não alienação ou oneração (negative pledge) de um
vasto conjunto de bens imóveis de que a EA era proprietária, identificados em dois anexos ao contrato de concessão de
crédito.
DLXXX.
Consequentemente (ainda aliás que do mesmo crédito se tratasse – e não tratava) o facto de não existirem prestações de
capital, juros e outros encargos vencidos e de terem sido reforçadas as garantias de que gozava também levaria a que se
entendesse não haver necessidade de realizar provisões específicas para esse crédito, atento o disposto no art. 3º, n.º 3, do
Aviso 3/95, pelo menos, antes de 30 de Março de 2005, data do primeiro vencimento de juros do referido crédito.
DLXXXI.
Tanto bastará para contrariar qualquer alegação de défice de provisionamento nas contas do BCP relativas ao exercício de
2004 pela não consideração de riscos específicos de crédito associados ao crédito sobre a Edifícios Atlântico.
DLXXXII.
Acresce ainda que o crédito de cerca de 600 milhões de euros concedido à EA foi objecto de inclusão e análise no âmbito
do trabalho de revisão da carteira de crédito do Grupo BCP para efeitos do relatório de provisões económicas apresentado
ao Banco de Portugal relativo a 2004, no qual se concluiu pela adequação do nível global de provisionamento da carteira
de crédito do Banco.
DLXXXIII.
Por todas estas razões, mostra-se sustentado o provisionamento realizado em 2004, sendo que ademais o valor total das
provisões económicas do BCP, conforme relatório apresentado ao Banco de Portugal, era em 2004, nas contas individuais,
em quase €10.000.000 inferior ao valor total das provisões constituídas, o que também demonstra a suficiência e
adequação das provisões constituídas, sendo que o montante de provisões económicas considerado inclui um montante de
€447.564.000 correspondentes a provisões não especificamente alocadas e, nas contas preparadas em base consolidada –
que, não é de mais sublinhar-se de novo, são as únicas que aqui relevam – o excesso das provisões contabilísticas sobre as
provisões económicas era de €48.298.000.
DLXXXIV.
Em 2005, o concreto crédito do BCP sobre a EA foi igualmente objecto de inclusão e análise efectuada no âmbito da revisão
da carteira de crédito do Grupo BCP para efeitos do relatório de provisões económicas apresentado ao Banco de Portugal
relativo a 2005 no qual se concluía pela razoabilidade do nível global de provisionamento da carteira de crédito do Banco.
DLXXXV.
Em resultado dessa análise, e não obstante ter sido reconhecido que o património e perspectivas detidos por Edifícios
Atlântico eram valiosos, foi decidido, tendo em consideração eventuais atrasos na geração dos cash flows dos diversos
projectos imobiliários em que a Edifícios Atlântico estava envolvida, nomeadamente o Projecto da Baía de Luanda, alocar a
este crédito uma provisão de €85.000.000, o que foi realizado, não se tendo entendido justificada, pois, a constituição de
provisões em montante superior.
DLXXXVI.
O nível de conforto e adequação do provisionamento global das demonstrações financeiras consolidadas foi reforçado, no
exercício de 2005, no âmbito da transição para os IFRS, através da constituição de uma provisão para fazer face à aplicação
do conceito de desconto (IAS 39) à carteira de crédito com sinais de imparidade (critério não previsto nos princípios
contabilísticos geralmente aceites em Portugal), com uma provisão DCF de 140 milhões de euros, provisão adicional que
resultou da entrada em vigor de novas regras no âmbito da aplicação dos IFRS e que foi efectuada na data de transição.
DLXXXVII.
Tal como em 2004, o valor total das provisões efectivamente constituídas pelo BCP em 2005 era superior ao das provisões
económicas, excesso que era de €3.605.000 nas contas individuais (o montante de provisões económicas considerado
inclui um montante de €328.268.000 correspondente a provisões não especificamente alocadas) e de €13.815.000 nas
contas agregadas e consequentemente em base consolidada, o que uma vez mais revela a sustentabilidade e a prudência e
contenção do provisionamento efectuado pelo Banco.
DLXXXVIII.
Em 2006, o crédito sobre a EA foi, uma vez mais, objecto de inclusão e análise no âmbito do trabalho de revisão da carteira
de crédito do Grupo BCP para efeitos do relatório de provisões económicas apresentado ao Banco de Portugal relativo a
2006, no qual se concluiu pela razoabilidade do nível global de provisionamento da carteira de crédito do Banco, e
manteve-se, pois, a alocação de €85.000.000 de provisões ao crédito sobre Edifícios Atlântico.
DLXXXIX.
A partir sobretudo de Novembro de 2005 o Projecto Baía de Luanda começou a revelar ser um sucesso e em face do facto
de o projecto imobiliário da Baía de Luanda revelar possibilidade de geração de grande valor e apreciáveis expectativas de
êxito, não se afigurou necessário o reforço da provisão constituída para aquele crédito.
DXC.
Por outro lado, este crédito sobre a EA tinha, recorde-se, um prazo de vencimento de 5 anos, pelo que não estava ainda
vencido em 2006, o que tornava desnecessária a constituição de provisões específicas ao abrigo do regime do Aviso n.º
3/95.
DXCI.
Não se olvida que, neste ano de 2006, parte do crédito sobre a EA foi reembolsado com fundos provenientes da alienação
de papel comercial emitido pela Comercial Imobiliária, empresa então pertencente ao Grupo EA, que esse papel comercial
integrou uma dotação em espécie feita pelo BCP ao seu Fundo de Pensões e que ainda nesse ano se verificou que não seria
possível obter o reembolso integral da quantia despendida na sua aquisição.
DXCII.
Porém, o que é decisivo é que nos documentos de prestação de contas consolidadas relativas a 2006 o BCP registou as
variações de justo valor das contribuições em espécie de papel comercial da Comercial Imobiliária para o Fundo de
Pensões a título de desvios actuariais.
DXCIII.
Diga-se ainda, relativamente ao exercício de 2006, que o total de provisões económicas, conforme relatório apresentado ao
Banco de Portugal, era nesse ano uma vez mais inferior ao total das provisões contabilísticas constituídas pelo BCP
(€1.026.843.000 – o montante das provisões económicas considerado inclui um montante de €225.873.000,
correspondente a provisões não especificamente alocadas – €1.029.204.000), e também nas contas agregadas e
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consequentemente em base consolidadas se verifica um excesso das provisões contabilísticas sobre as provisões
económicas, agora de €12.737.000.
DXCIV.
Não se apura, pois, uma vez mais, a existência de um défice de provisionamento relativamente ao exercício de 2006.
DXCV.
Em 2007, o remanescente do crédito sobre EA foi liquidado através da dação em pagamento ao BCP da participação que
aquela detinha no capital da CI, correspondente a 68,34%, a qual foi devidamente contabilizada tendo em consideração o
valor da situação líquida da sociedade à data e resultou na utilização de parte dos 85 milhões de euros anteriormente
constituídos, extinguindo-se, por isso, a necessidade de realização de qualquer provisionamento relativamente a este
crédito.
DXCVI.
Não existiu qualquer empolamento da situação financeira do Banco; quando muito, uma diferente retratação da sua
situação financeira, mas que, ainda assim, não deixa de ser fiel à realidade.
DXCVII.
E como, tal, inexiste qualquer crime de falsificação de documento por falsificação de contabilidade, uma vez que a
informação financeira do Banco, vista globalmente, não se encontrava empolada e, portanto, não havia qualquer
discrepância com a realidade que possa ser relevante para o preenchimento do tipo de crime do art. 256.º do CP.
DXCVIII.
No que se refere aos exercícios de 2002 a 2004, e ao crime de manipulação de mercado por informação falsa, aplica-se,
consequentemente, tudo o que se acaba de referir.
DXCIX.
E, em particular, no que diz respeito ao efeito global nos resultados do Banco, o que supra se deixou exposto quanto à
inexistência de tipicidade, desde logo decorrente da correcta interpretação do tipo de crime do art. 379.º, n.º 1, do CVM,
em conjugação com o art. 7º do CVM nas suas redacções anterior e posterior a 1 de Novembro de 2007;
DC.
Não existindo qualquer empolamento da situação financeira do Banco; existindo, quando muito, uma diferente retratação
da sua situação financeira, mas que, ainda assim, não deixa de ser fiel à realidade da sua situação patrimonial, não pode
considerar-se que estamos perante fornecimento de informação idónea a perturbar o regular funcionamento do mercado
de valores mobiliários e as condições de igualdade dos investidores, alterando as normais condições de formação de
preços, inexistindo qualquer crime de manipulação por fornecimento de informações financeiras falsas.
DCI.
No que se refere ao crime de manipulação de mercado por divulgação de informação ao mercado contaminada por
decorrer da utilização de veículos para comprar e vender acções do Grupo BCP, aumentando (ou sendo susceptíveis de
aumentar) a sua liquidez e cotação e com vantagem informativa por as offshore serem do próprio BCP, tendo o Banco
utilizado os argumentos da liquidez nos argumentários para aumentos de capital (até 2003) e nos relatórios e contas,
inexiste também tipicidade objectiva;
DCII.
Só houve transacções nas 17 offshore Cayman até Dezembro de 2002, sendo que o arguido ora recorrente só poderia,
quando muito, ter conhecido a última transacção que consistiu na alienação da carteira ao ABN e das restantes acções do
mercado; esta é, porém, irrelevante para o crime de manipulação de mercado, porque executada fora de bolsa;
DCIII.
Nas offshore Goes Ferreira também só houve transacções até 2002, irrelevantes para a imputação ao arguido ora
recorrente, em 2003 não houve qualquer transacção e em 2004, após o conhecimento pelos arguidos da posição
deficitária, houve apenas o fecho de posição e a alienação das carteiras.
DCIV.
Da factualidade provada decorre que o arguido Filipe Pinhal é totalmente alheio a tal operação, da qual nunca teve nem
teria que ter conhecimento.
DCV.
Mesmo a considerar-se, como faz a decisão recorrida, que arguido tomou conhecimento que haveria responsabilidades
creditícias não cobertas por garantia das offshore Goes Ferreira, daí não poderá retirar-se, como pretende a decisão
recorrida, que o arguido tivesse tido qualquer conhecimento da alienação das respectivas carteiras.
DCVI.
O arguido foi, e outra coisa não se provou, totalmente alheio às operações de compra e venda de títulos e também à
alienação das acções detidas pelas offshore Goes Ferreira em 2004.
DCVII.
Veja-se que no ponto n.º 1477, p. 265, apenas se considera como provado que “o arguido Filipe de Jesus Pinhal ouviu falar
da Townsend, pelo menos, no ano de 2004” sendo que “ouvir falar”, não é facto que permita retirar daí, de forma alguma,
que o arguido conhecesse tudo o que lhe é imputado quanto às offshore Goes Ferreira, muito menos quanto às operações
por estas efectuadas ou com estas relacionadas.
DCVIII.
Tendo em conta o que se acaba de referir, apenas seria relevante para a verificação do preenchimento do tipo de crime de
manipulação, nesta vertente, a utilização de referências à liquidez no argumentário do aumento de capital de 2003, com
utilização de dados em que se incluiriam as operações em bolsa das 17 offshore Cayman; porém, não se não se provou
sequer que tais operações tivessem afectado a liquidez ou cotação da acção BCP.
DCIX.
Poderia ainda ser relevante o relatório de contas de 2002, aprovado em 2003, com utilização de dados em que se
incluiriam as operações em bolsa das 17 offshore Cayman; porém, mais uma vez, não se não se provou sequer que tais
operações tivessem afectado a liquidez ou cotação da acção BCP.
DCX.
Acresce que a acção BCP não deixava de ser muito líquida e a sua cotação muito provavelmente não se teria alterado
mesmo sem a intervenção daquelas sociedades.
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DCXI.
É verdade que não é necessário provar, para se considerar praticado o crime do art. 379.º, n.º 1, do CVM, a afectação da
liquidez ou da cotação; porém, é necessário provar a susceptibilidade de afectação de tal liquidez ou cotação e tal prova é
muito difícil, senão mesmo impossível, sem se demonstrar que, em virtude das operações em bolsa, tenha havido algum
impacto.
DCXII.
Não se provando, pois, esse impacto, ou sequer impacto significativo, não é possível atingir um grau de certeza exigível
para a responsabilização penal (quanto muito, no limite, para responsabilização contra-ordenacional).
DCXIII.
Ainda que não se concluísse pela inexistência de tipicidade objectiva, sempre teria o arguido Filipe Pinhal de ser absolvido,
uma vez que, quanto a si, inexistem quaisquer elementos que permitam afirmar a prática de qualquer crime a título
doloso.
DCXIV.
A inferência do dolo através preenchimento do tipo objectivo de crime e da prática, pelo autor, dos factos que preenchem o
tipo objectivo de crime, se aceitável em determinados casos mais simples, do direito penal de justiça (por ex: se A dispara
contra o peito de B, a uma curta distância, daí poderá inferir-se que o fez com intenção de matar), já o não é quando
estamos perante casos de extrema complexidade, em regra crimes do denominado direito penal secundário, pois nestes
últimos, a presença de dolo depende, quase sempre (senão mesmo sempre) do conhecimento concreto e completo dos
elementos normativos de tipo complexo, estabelecidos em leis ou regulamentos, ou seja, depende em particular do
conhecimento concreto da existência de determinadas proibições legais.
DCXV.
Não basta provar apenas a prática de determinado acto com um determinado significado (patrimonial) por exemplo,
sendo necessário provar que tal acto foi praticado pelo seu autor com conhecimento concreto da existência de proibições
legais que o vedavam.
DCXVI.
Do acórdão recorrido não decorre, de forma alguma, que o arguido Filipe Pinhal, apesar de ter praticado alguns actos
(maxime aprovação de contas, outorga de procuração e actos de concessão de crédito na vertente imobiliária, para o que
aqui interessa), o tenha praticado com conhecimento de que os mesmos violavam alguma proibição legal.
DCXVII.
Quanto aos actos de outorga de procuração e de concessão de crédito, o próprio acórdão recorrido admite que não
violavam qualquer proibição.
DCXVIII.
A proibição violada seria, isso sim, a da obrigação de revelar contabilisticamente a nível consolidado, de uma determinada
forma, os actos praticados.
DCXIX.
No que se refere ao arguido aqui recorrente é evidente que a prova produzida e a matéria de facto provada, mesmo sem a
alteração proposta na impugnação, não permitiam concluir pelo conhecimento de tal proibição.
DCXX.
O arguido não tinha qualquer conhecimento ou praticou qualquer acto referente às sociedades offshore Goes Ferreira,
apenas tendo tomado conhecimento da sua existência e situação patrimonial e reditual, na tese da decisão recorrida, em
Março de 2004, e não teve conhecimento de quaisquer operações efectuadas por estas offshore, operações essas que, aliás,
em 2004, se resumiram ao fecho de posição e venda das carteiras, tendo as respectivas perdas sido devidamente
provisionada e acompanhadas pelo Banco de Portugal.
DCXXI.
Se o arguido recorrente não teve qualquer intervenção ou conhecimento destas operações, sendo o único conhecimento
que lhe é imputado o obtido em 2004, e sendo que o acórdão apenas imputa a utilização de informação falseada sobre
níveis de liquidez e cotação nos argumentários até ao exercício de 2003, não pode ser responsabilizado a este título.
DCXXII.
A decisão recorrida assenta no pressuposto de que, uma vez que o arguido conheceu a situação patrimonial das offshore,
teria conhecimento de que a contabilidade consolidada do Banco não revelava a realidade material subjacente às
operações realizadas por aquelas sociedades e apresentava resultados líquidos de exercício e valores de capitais próprios
empolados, bem como o nível de liquidez do título e o preço das acções incluíam transacções efectuadas pelo emitente
(afectação que ficou provada quanto às offshore Goes Ferreira).
DCXXIII.
Neste ponto, remete-se para o que se disse supra: relativamente a acções próprias, uma vez que o ora recorrente só
conheceu – o que é confirmado na decisão recorrida – a situação das 17 offshore Cayman em finais de Novembro de 2002,
tendo logo a seguir ocorrido a venda das acções por estas detidas ao ABN (venda firme, como admite a decisão recorrida,
com transmissão efectiva da titularidade e inscrição no balanço do Banco ABN), nenhum impacto a nível de acções
próprias teria de ter sido reportado pelo Banco quanto ao exercício de 2002 (sendo os anteriores irrelevantes), e muito
menos pelo arguido.
DCXXIV.
Igualmente, quanto às offshore Goes Ferreira: se foram alienadas as suas acções no ano em que o arguido tomou
conhecimento da situação patrimonial, nenhum impacto a nível de acções próprias teria de ter sido reportado pelo Banco
quanto ao exercício de 2004 (sendo os anteriores irrelevantes), e muito menos pelo arguido;
DCXXVI.
Quanto a níveis de liquidez e preço da cotação: sublinha-se novamente – posteriormente ao conhecimento e intervenção
do arguido, apenas teve lugar uma alienação fora de bolsa das acções das 17 offshore Cayman, logo sem relevância para o
preenchimento do tipo; sendo que, ademais, como supra se deixou explicitado, nem sequer se provou que as offshore
Cayman podiam ter tido, através das operações que realizaram, algum tipo de influência na cotação ou níveis de liquidez,
muito menos algum impacto significativo que levasse a alteração de cotação ou a alteração relevante dos níveis da
liquidez.
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DCXXVIII.
De igual modo para as offshore Goes Ferreira, pois, apesar da prova produzida quanto aos efeitos sobre a liquidez e preço,
sublinha-se novamente que o arguido não teve qualquer intervenção ou conhecimento destas operações, sendo o único
conhecimento que lhe é imputado o obtido em 2004, e sendo que o acórdão apenas imputa a utilização de informação
falseada sobre níveis de liquidez e cotação nos argumentários até 2003, o que desde logo impossibilita a punição do
arguido a este título.
DCXXIX.
A decisão recorrida também refere a utilização de tais referências em relatórios e contas – porém, esta é irrelevante,
porquanto o arguido apenas tomou conhecimento da situação quando houve fecho de posição através de operação fora de
bolsa (venda ao ABN para as 17 offshore Cayman), e não teve sequer conhecimento da operação de fecho de posição das
offshore Goes Ferreira;
DCXXX.
Em qualquer caso, sempre se dirá que mandar cessar uma conduta que, na tese da decisão recorrida, era manipulatória (a
intervenção no mercado de acções pelo emitente) não pode considerar-se crime de manipulação de mercado, pois tal
impediria, precisamente, que uma pessoa, como o arguido, que nada teve que ver com a origem e operações de
manipulação, não pudesse ordenar ou consentir que tal operação cessasse, sendo alienada a posição constituída, sob pena
de, por esse motivo, ser punido criminalmente!
DCXXXI.
Não é esse, decerto, o dever de conduta que o art. 379.º, n.º 1, do CVM quer impor.
DCXXXII.
Ainda que se considerasse que tal acto preenchia o tipo objectivo do crime do art. 379.º, n.º 1, do CVM, sempre teria de
considerar-se que o mesmo foi praticado sem dolo, uma vez que, de forma alguma, se pode retirar de tal operação de fecho
de posição que a mesma pretendia influenciar ou enganar os investidores.
DCXXXIII.
Sobra a questão de saber se o arguido, conhecendo a situação patrimonial das offshore em causa, agiu ou não dolosamente
ao aprovar contas consolidadas que, na tese da decisão recorrida, não estavam elaboradas de acordo com as normas
contabilísticas em vigor nas respectivas datas de aprovação.
DCXXXIV.
Observando a factualidade provada, conclui-se que o ora recorrente não tinha qualquer função de tutela dos
departamentos responsáveis pela elaboração da contabilidade ou pela consolidação de contas (cf. factos provados n.º 64 e
65, p. 99-100, 1392, p. 255, 1535-1540, p. 274-275).
DCXXXV.
Apenas se provou que teria tido, em 2002, o pelouro da contabilidade, como alternante sem asterisco, o que é duplamente
irrelevante, pois, por um lado, em 2002 foram aprovadas apenas as contas referentes a 2001, ano em que o arguido era
totalmente alheio aos factos referentes às offshore; por outro lado, como a própria decisão recorrida explica, o alternante
(por oposição ao alternante com asterisco) não tutela materialmente o pelouro, sendo apenas um administrador que
coloca uma segunda assinatura formal, ou que pode assinar num impedimento do administrador efectivo (cf. p. 411, 467,
469, 750-751, 977, 979, 987).
DCXXXVI.
E que, quando foi Presidente (o que só ocorreu em 2007 e, portanto, não pode servir para imputar ao arguido factos
praticados antes dessa data!), também não exercia efectivamente funções em qualquer área relevante (cf. p. 979).
DCXXXVII.
Por isso, tais cargos são absolutamente irrelevantes para a imputação dos crimes por que vem acusado.
DCXXXVIII.
Sublinhe-se que, ao analisar esta importante questão quanto às responsabilidades do arguido em matéria de elaboração de
contas, a decisão recorrida apenas faz referência às suas funções enquanto Presidente do BCP, afirmando que “com menor
intervenção [dir-se-á antes, com nenhuma] nessa área, o arguido Filipe Pinhal, no ano de 2007 [!], por inerência do
exercício do cargo de Presidente do Conselho de Administração Executivo, foi administrador efectivo do pelouro do Centro
Corporativo, existindo um administrador alternante com asterisco a desempenhar materialmente as funções dessa área.”
DCXXXIX.
Não tendo o ora recorrente qualquer responsabilidade sobre os departamentos em causa, não pode ter agido dolosamente
para a prática dos factos que lhe são imputados.
DCXL.
A decisão recorrida conclui que o arguido teria agido com dolo porque conhecia a situação patrimonial da offshore, porque
participou directamente em actos de concessão de rédito e de aprovação de contas, porque tinha elevada experiência
profissional e conhecimento do negócio bancário, em geral, e do BCP, em especial.
DCXLI.
Sucede que o arguido, como explicou à saciedade, desconhecia que a informação prestada nas contas por si aprovadas
enquanto membro do CA do BCP não estava conforme com as regras contabilísticas em vigor à data dos factos que,
segundo a interpretação acolhida pela decisão recorrida, obrigavam a incluir no perímetro de consolidação a informação
individualizada acerca das offshore. Ou seja, não sabia que era juridicamente exigível que os documentos em causa
contivessem mais informação financeira e patrimonial ou informação diferente daquela que continham.
DCXLII.
O arguido não era especialista em regras contabilísticas e não era sequer o responsável no Banco pelos departamentos
respectivos ou pela tutela destes, razões pelas quais não podia pessoalmente conhecer, nem tinha a obrigação funcional de
conhecer, uma interpretação diversa e supostamente legal das regras contabilísticas aplicáveis, a que agora a decisão
recorrida veio aderir.
DCXLIII.
O arguido tinha de confiar no departamento de contabilidade do Banco que, através de um processo automatizado e
complexo, descrito no acórdão (p. 978-979), preparava a documentação para ser submetida a Assembleia Geral – e
confiou.
DCXLIV.
É o que resulta dos factos provados no ponto n.º 1521: “Na aprovação de documentos de prestação de contas do BCP, para
submissão à Assembleia Geral, as intervenções do arguido Filipe Pinhal basearam-se, também, na sua experiência passada
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(exercícios de 1988 a 1997) e na confiança nos órgãos internos e agentes externos que preparavam as demonstrações
financeiras, os relatórios de actividade e os comentários para apresentação aos órgãos superiores do Banco (Conselho
Superior e Conselho Geral de Supervisão), às autoridades de supervisão, aos analistas e ao mercado (via comunicação
social especializada).”.
DCXLV.
E ainda dos factos provados no ponto n.º 1522, p. 271: “O arguido Filipe Pinhal tinha confiança em quem preparava as
contas e em todas as Assembleias-Gerais em que participou, votou no sentido da aprovação das mesmas.”.
DCXLVI.
E, finalmente, dos factos provados no ponto n.º 1533, p. 274: “O arguido Filipe Pinhal confiava na instituição que, durante
décadas, serviu e nos seus procedimentos, nos funcionários, nos altos quadros de direcção, nos membros dos órgãos de
administração, nos auditores e conselheiros externos”.
DCXLVII.
Esta realidade insofismável decorre do princípio da confiança que está subjacente à estruturação e divisão de
competências no seio de organizações complexas.
DCXLVIII.
Neste tipo de organizações complexas, como é o caso do BCP – o que ficou provado à saciedade, afinal o BCP não era uma
pequena sociedade por quotas familiar, ou uma pequena sociedade anónima em que qualquer administrador tem
capacidade de conhecer e escrutinar detalhadamente todos os departamentos – as esferas de responsabilidade por
infracções cometidas no desempenho de funções são determinadas em função de dois critérios: a divisão e delegação de
competências e o princípio da confiança.
DCXLIX.
Estes critérios delimitam simultaneamente a extensão e âmbito
relacionada com o exercício de funções societárias.
dos conhecimentos exigíveis em cada actuação
DCL.
O dirigente de uma grande empresa deve conhecer apenas as orientações que emanam da cúpula da organização e que
traçam as linhas estratégicas da actividade e a chamada “cultura” da empresa, bem como as normas jurídicas e técnicas
que regulam o sector ou sectores da organização que operam sob sua coordenação.
DCLI.
Tratando-se destes sectores que operam sob sua coordenação, se não tiver conhecimento das normas jurídicas e técnicas
que o regulam, deve solicitar informação correspondente aos departamentos competentes da organização.
DCLII.
Tratando-se de sectores dos quais não tem a coordenação, deve confiar que os outros departamentos e respectivos
dirigentes procedem de igual modo, i.e., se não tiverem conhecimento das normas jurídicas e técnicas que o regulam,
solicitarão informação correspondente aos departamentos competentes da organização, e que dominam a informação
necessária para coordenarem os sectores da organização pelos quais são competentes.
DCLIII.
Se assim não fosse e todos os dirigentes tivessem de verificar com igual minúcia tudo o que importasse à vida da empresa,
não só não se justificaria a organização da empresa em sectores especializados, como a empresa estaria condenada ao
fracasso dado o ambiente fortemente concorrencial existente.
DCLIV.
A divisão de competências e o princípio da confiança servem justamente para adequar as exigências cognitivas e as esferas
de responsabilidade no seio de organizações complexas ao ritmo actual da vida económica. Evitando, assim, que todos
(sobretudo os dirigentes) sejam responsáveis por tudo.
DCLV.
A divisão de competências e o princípio da confiança possibilitam que os dirigentes não tenham de controlar e verificar
todos os aspectos da actividade empresarial diária da empresa, podendo dedicar-se exclusivamente às áreas que lhes
estão adstritas, e permitindo que legitimamente desconheçam o modo de funcionamento dos restantes sectores da
empresa.
DCLVI.
Aplicado ao caso concreto do ora recorrente, significa isto, como há afirmámos repetidamente em todo o processo, que o
arguido ora recorrente, enquanto membro do CA do BCP que não detinha responsabilidades tutelares sobre as áreas de
contabilidade e consolidação, não tinha qualquer dever de não actuar com base no princípio da confiança e de ter uma
assessoria ou auditoria própria que analisasse e aprovasse, previamente à sua aprovação em CA das Contas do Banco, a
actuação dos departamentos respectivos sobre a correcta relevação contabilística, a fim de apurar se elas reflectiam com
exactidão a situação financeira e patrimonial do Banco à luz das regras contabilísticas vigentes e dos factos de que tivera
conhecimento e das operações que se lhes sucederam.
DCLVII.
Mesmo conhecendo os factos que lhe são imputados, não é possível ao arguido, nem a ninguém, olhar para as contas
consolidadas do BCP e ver a “olho nu” que lá não esteja relevado um qualquer impacto das offshore e da transferência de
crédito para o sector imobiliário, uma vez que o seu impacto, em termos de resultado global é, como vimos, nenhum ou
pelo menos não é significativo.
DCLVIII.
Não tinha, nem podia ter tido, por isso, consciência de que existisse uma qualquer proibição contabilística que impedisse a
aprovação das contas tal como foram aprovadas.
DCLIX.
Podia, quanto muito, afirmar-se que actuara de forma negligente, por conhecer factos patrimoniais e não ter apurado se
estavam correctamente relevados do ponto de vista contabilístico; porém tal actuação não seria punível criminalmente.
DCLX.
Outra interpretação redundaria em considerar que, por virtude das normas penais vigentes no nosso ordenamento
jurídico, os Bancos terão de actuar, não ao abrigo do princípio da confiança, podendo segregar funções e
responsabilidades, mas sim ao abrigo do princípio da desconfiança, em que cada dirigente tem uma auditoria ou assessoria
própria, que controla a actuação dos outros dirigentes e departamentos sob a responsabilidade destes.
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DCLXI.
Seria este o dever de conduta decorrente de tal interpretação do normativo vigente, o que, claramente, é contrário à
promoção do regular funcionamento dos mercados e do sistema bancário, pois resultaria em que a actividade dos bancos
ficasse imobilizada, dado o acréscimo estrutural e de complexidade que tal tipo de organização exigiria.
DCLXII.
Não foi esta, certamente, a intenção do legislador com a consagração do crime de falsificação de documento e as normas de
contabilidade consolidada para o sector bancário, ou sequer com o normativo do art. 379.º, n.º 1, e art. 7.º do CVM.
DCLXIII.
Finalmente, como atesta a própria decisão recorrida, quer na apreciação crítica da prova onde expõe as diferentes opiniões
sobre a interpretação do normativo contabilístico vigente, quer na própria apreciação que teve de fazer para determinar
esse normativo – interpretação, aliás, conducente a conclusões diferentes das constantes da decisão instrutória – a
interpretação sobre as regras contabilísticas efectivamente vigentes à data dos factos é, no mínimo, controversa.
DCLXIV.
Não era, pois, exigível a Filipe Pinhal, não sendo especialista em contabilidade, nem tendo a seu cargo no Banco o pelouro
correspondente – como se provou – que conhecesse as regras contabilísticas pelas quais os documentos de prestação de
contas se deveriam pautar.
DCLXV.
Opinião diversa, que repercuta sobre o arguido a obrigação de conhecer regras cuja vigência à data dos factos é, no
mínimo, duvidosa, não só desconsidera a repartição de competências dentro de uma organização complexa como é o BCP,
como impõe ao arguido que suporte os custos de uma questão jurídico-contabilística complexa e obscura, que transcende
a sua esfera de competências funcionais e de conhecimentos pessoais.
DCLXVI.
Não pode pois, concluir-se com base na factualidade provada e no que decorre do exposto no presente recurso, que o ora
recorrente Filipe Pinhal, ao ter aprovado as contas do Banco, sabia que estas continham informação incompleta, inverídica
ou ilícita e quis a respectiva aprovação e divulgação nesses termos, de forma a influenciar as decisões dos investidores ou
ludibriar as entidades de supervisão, ou seja, não pode concluir-se que actuou com dolo, encontrando-se na situação
prevista no art. 16.º, n.º 1, do CP.
DCLXVII.
Desconhecendo pessoalmente e não tendo funcionalmente a obrigação de saber que a interpretação das regras
contabilísticas seguida na elaboração das contas do Banco não estavam conformes com o padrão vigente – questão que é
tudo menos pacífica – o arguido desconhecia a obrigação legal de preparar e divulgar as contas do BCP segundo uma certa
interpretação das regras contabilísticas que obrigava à inclusão no perímetro da respectiva consolidação a informação
individualizada sobre as offshore.
DCLXVIII.
O arguido desconhecia a proibição de preparação e posterior divulgação das contas de acordo com a interpretação que foi
seguida pelo departamento do Banco competente por essa tarefa.
DCLXIX.
É que as condutas criminais imputadas ao arguido não consistem na prática de factos patrimoniais de gestão ou operações
ilícitas com intenção de ocultar perdas, mas sim na aprovação e divulgação de documentos de contabilidade incompletos,
não verdadeiros ou ilícitos.
DCLXX.
Ou seja, os actos que o tipo de crime pune e que são relevantes para a autoria são apenas e tão só os factos contabilísticos,
como a elaboração, organização e aprovação de contas.
DCLXXI.
Era, pois, necessário que o arguido soubesse que os documentos de prestação de contas não reflectiam, mas deviam
reflectir segundo as regras contabilísticas vigentes, a situação patrimonial das offshore que ele certamente conhecia e
reportava ao órgão directivo do Banco e ainda assim quisesse (em qualquer das modalidades que o elemento volitivo pode
revestir) aprová-los para divulgação.
DCLXXII.
Sobre esta matéria, aceitou a decisão recorrida que o ora recorrente não tinha responsabilidades nas áreas em questão,
afirmando porém que bastaria o conhecimento dos factos patrimoniais (o que, como já vimos, é insuficiente para o
preenchimento do tipo subjectivo doloso) e acrescentando que quem tinha responsabilidades transmitia regularmente aos
restantes membros do CA informação vária (p. 986-987) igual para todos.
DCLXXIII.
Sucede que a transmissão da informação elencada a p. 986-987 em nada altera o grau de conhecimento do arguido, pois,
como resulta à saciedade provado na decisão recorrida, os próprios departamentos de contabilidade e consolidação e seus
responsáveis sempre consideraram que as contas cumpriam as normas vigentes e, em momento algum, sequer se discutiu
tal assunto em CA (discussão inexistente que aliás, também nem sequer resulta da prova produzida e dos factos dados
como assentes).
DCLXXIV.
A decisão recorrida no que respeita à comprovação dos elementos assinalados (que se basta com o facto de conhecer
factos patrimoniais e ser membro do CA), e dadas as funções que exercia o ora recorrente (sem quaisquer
responsabilidades sobre as áreas relevantes) impede a conclusão de que o agente conhecia a natureza incompleta,
inverídica ou ilícita da informação aprovada e divulgada e o padrão jurídico–contabilístico por referência ao qual a
informação teria tais qualidades negativas e consequentemente a conclusão de que sabia do carácter proibido da sua
comunicação e divulgação.
DCLXXV.
A decisão de aprovar e promover a divulgação de contas, desacompanhada do conhecimento daquele padrão e, por
arrastamento, desta proibição, não basta, para imputar o dolo.
DCLXXVI.
Ou seja,
a.
Apesar de o arguido ter sabido das offshore em finais de 2002, actuou sempre com o intuito de recuperar
crédito (e provou-se que a total recuperação era possível e expectável);
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b.
c.
d.
e.
f.
g.
h.
i.
j.
k.
Mais ainda nas offshore Goes Ferreira, que só conheceu em 2004, segundo a decisão, e em que foi também logo
alienada a carteira, tendo sido informado que tudo estava devidamente provisionado;
Era de conhecimento geral e convicção fundamentada pela prática universal que os veículos SPE não se
consolidavam, como ficou provado;
Nunca o arguido ouviu outra opinião antes de Dezembro de 2007, manifestada só então pelas autoridades de
supervisão;
Nunca foi discutida essa questão concreta em CA ou colocada qualquer dúvida;
Quanto às 17 offshore Cayman nunca o arguido foi informado de que havia crédito vencido e pelas práticas do
BCP não havia em finais de 2002 e também nos anos de 2003 e 2004;
Nem tinha razão para considerar o contrário, muito menos para ponderar a relevação contabilística de tal
situação;
O arguido não tinha quaisquer responsabilidades nas áreas de contabilidade e de consolidação;
O arguido não tinha qualquer dever, como membro do CA do BCP, de ter uma assessoria ou auditoria própria e
de verificar ou questionar os departamentos respectivos sobre a correcta relevação contabilística dos factos de
que teve conhecimento e das operações que se lhes sucederam;
Não tinha, nem podia ter tido, por isso, consciência de que existisse uma qualquer proibição contabilística que
impedisse a aprovação das contas tal como foram aprovadas;
Pelo que mesmo que houvesse incorrecção teria agido em erro do art. 16.º, n.º 1, que exclui o dolo.
DCLXXVII.
Assim não se considerando, sempre se consideraria que agiu sem consciência da ilicitude, nos termos do art. 17.º, n.º 1 do
CP, uma vez que actuou prosseguindo o interesse do Banco e, maxime, dos próprios investidores e accionistas, de
recuperar e evitar perdas e, como tal, manter a valorização do Banco, tendo por isso agindo sem culpa.
DCLXXVIII.
Ou, no limite, considerando-se o seu erro censurável, com a culpa diminuída, devendo a sua pena ser atenuada nos termos
do art. 17.º, n.º 2 do CP.
DCLXXIX.
A pena concretamente aplicada é de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sendo que a
moldura abstracta da pena de prisão aplicável era de, quanto ao mínimo, 1 mês, e quanto ao máximo 3 (três) anos.
DCLXXX.
Aplicou-se, portanto, pena superior à metade da moldura penal abstractamente aplicável ao caso – que seria 1 (um) ano e
6 (seis) meses e 15 (quinze) dias).
DCLXXXI.
Só podem aplicar-se como agravantes dentro da moldura da pena os factos que não tenham sido já ponderados para outro
efeito, nomeadamente para a subsunção ao tipo de crime aplicável.
DCLXXXII.
Neste caso concreto, os factos referentes ao alegado crime de falsificação de documento, que se encontra em concurso
aparente com o crime de manipulação de mercado p. e p. no art. 379.º, n.º 1, do CVM, estão integralmente incluídos nos
factos que preenchem, também, o crime de manipulação (o que conduziu, e bem, à condenação dos arguidos em concurso
aparente e não efectivo, porquanto inexiste qualquer sentido social do ilícito diferente que justificasse a punição em
concurso efectivo).
DCLXXXIII.
É, pois, integral a sobreposição (aliás, a manipulação é que tem um aliud porque refere também a questão da liquidez nos
argumentários e relatórios e contas, e por esse motivo é esse o crime que consome o crime de falsificação de documento,
na relação concursal em que se encontram.
DCLXXXIV.
Motivo pelo qual se impõe, quanto ao ora recorrente, a diminuição da pena que lhe foi aplicada, não podendo aplicar-se,
como faz a decisão recorrida, como agravantes dentro da moldura da pena os factos que já foram ponderados para outro
efeito, nomeadamente para a subsunção ao tipo de crime aplicável.
DCLXXXV.
A ser condenado, o que não se concede – sempre teria de ser menos gravosa.
DCLXXXVI.
É, em particular relevante tudo quanto se escreveu a respeito da violação do princípio ne bis in idem na vertente da
proibição de acumulação de sanções.
DCLXXXVII.
Mas também o facto de o arguido não ter responsabilidades ou conhecimentos nas áreas de contabilidade e consolidação, o
que, como se fundamentou, desde logo exclui a sua actuação a título doloso.
DCLXXXVIII.
Não se aceitando tal ineludível conclusão, terá, pelo menos, de aceitar-se que, por esse motivo e tudo quanto se aduziu em
sede de imputação subjectiva, teria, quando muito, agido com dolo eventual, ou, no limite, necessário, pois se provou que
toda a intervenção do arguido foi com o objectivo racional do ponto de vista económico de recuperar crédito (o que na
óptica do Tribunal tinha como efeito colateral a dissimulação de perdas) e que este não conhecia as normas contabilísticas
aplicáveis nem tinha obrigação de escrutinar a correcta aplicação das mesmas pelos departamentos competentes do
Banco, o que não pode deixar de ser relevante para as al. b) e c), do n.º 2, do art. 71.º, do CP.
DCLXXXIX.
O seu grau de culpa também não se pode considerar elevado, desde logo pelo já referido quanto ao facto de o arguido não
ter tido quaisquer responsabilidades quanto às áreas de contabilidade e de consolidação, e por tanto, a ter um qualquer
dever, sempre teria menor intensidade, bem como pelo facto de ter sido totalmente alheio à criação, constituição e
operação, quer das offshore Cayman, quer das offshore Goes Ferreira, o que não pode deixar de ser relevante para a al. a),
do n.º 2, do art. 71.º, do CP.
DCXC.
Terá também de ter-se em conta a carta o arguido dirigiu ao Banco de Portugal (factos provados n.º 1524 a 1529 e carta a
fls. 1443 ss dos autos), logo em 20 de Dezembro de 2007, e que contribuiu decisivamente para as investigações e decisões
tomadas, quer por essa entidade, quer pela CMVM, quer no presente processo, tendo contribuído decisivamente e
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activamente para a descoberta da verdade factual, o que não pode deixar de ser relevante para a al. e), do n.º 2, do art. 71.º,
do CP.
DCXCI.
Deverá também ter-se em conta, nesta sede, tudo quanto ficou provado quanto à personalidade e boa conduta do arguido
no exercício de funções e fora delas, e que é relevante para a determinação da medida da pena (designadamente por força
dos factos provados nos n.ºs 1479, 1481, 1492, 1498, 1511, 1513, 1521, 1522, 1524-1540, 1945-1970)
DCXCII.
Todos estes factos, referentes à situação pessoal e económica do arguido, devem ser devidamente tidos em conta para
efeitos da al. d), do n.º 2, do art. 71.º, do CP
DCXCIII.
Como salienta a decisão recorrida, o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais, nem é conhecida qualquer
irregularidade nos Bancos onde trabalhou antes de ingressar no BCP (cf. factos provados n.º 1532, p. 274), e sempre, na
sua actividade, assumiu os cargos para que foi designado em função da sua competência profissional, o que também não
pode deixar de ser relevante para a al. e), do n.º 2, do art. 71.º, do CP.
DCXCIV.
Ou seja, não existe conhecimento de, em qualquer das sociedades que não o BCP e áreas de actividade onde o arguido
assumiu, efectiva e continuadamente, responsabilidades de gestão directa ter sido identificada qualquer irregularidade ou
a sua actuação ter sido alvo de qualquer reparo nas restantes instituições bancárias ou para-bancárias onde exerceu
cargos de Direcção (Banco da Agricultura, União de Bancos Portugueses e Caixa Geral de Depósitos) ou de Administração
(Montepio Geral e Parempresa).”
DCXCV.
É, pois, pessoa plenamente inserida, pessoal e socialmente; pelo que no que diz respeito à pena principal, terá de ter-se em
conta o facto de terem decorrido muitos anos desde a alegada prática do crime, tendo o arguido, como se provou, mantido
boa conduta, circunstância que é relevante não só para a al. e), do n.º 2, do art. 71.º, do CP, mas até para efeitos do art. 72.º,
n.º 1, e n.º 2, a al. d), do CP.
DCXCVI.
A pena aplicada é excessiva, não só pela sua duração, mas também pela condição de pagamento que impôs ao arguido,
sobretudo pelo curto espaço de tempo para a cumprir (6 meses);
DCXCVII.
É que, como se provou, o arguido aufere €30.000,00 mensais brutos, mas que não chegam a ser €10.000,00 líquidos por
força dos impostos;
DCXCVIII.
DCXCIX.
Foi condenado no pagamento de coimas, no valor de €700.000,00 e de 425.000,00, como supra referido;
Tem despesas que suporta mensalmente, com os honorários do seu advogado, referente à sua mulher, filhos e netos;
DCC.
O rendimento referido que aufere, é o rendimento ilíquido de impostos, sendo que, dadas as actuais medidas de contenção,
a tributação sobre os seus rendimentos excede os 50%.
DCCI.
Pelo que não lhe é possível, sobretudo em virtude das coimas a que foi condenado (em violação do princípio ne bis in idem,
repete-se), pagar em tão pouco espaço de tempo a quantia de €300.000,00 que foi imposta como condição da suspensão
da pena.
DCCII.
Relativamente a esta condição, s.m.o., a mesma também não deveria ter sido decretada a favor de uma só instituição de
finalidades sociais, escolhida pelo Tribunal, mas sim a favor de várias instituições,
DCCIII.
Pois, para qualquer instituição de solidariedade social, sem fins lucrativos, receber nem que seja uma pequena
percentagem daquela quantia poderá fazer a diferença, ajudando mais uma criança, adulto ou idoso em dificuldade, ou
mesmo a diferença para a sobrevivência da instituição,
DCCIV.
Sobretudo no contexto de medidas de contenção orçamental em que nos encontramos e em que o Estado retirou muitos
dos apoios que conferia a essas instituições, não obstante a sua relevantíssima utilidade social.
DCCV.
Existindo muitas instituições cujo trabalho e imprescindibilidade social, bem como competência, são publicamente
reconhecidas, deveria o referido montante ser repartido por várias, e deveriam as mesmas se indicadas pelo arguido, se
não total, pelo menos em parte.
DCCVI.
Requer-se, assim, que, mantendo-se a condenação na condição de pagamento de quantia a instituição de solidariedade,
seja pelo valor fixado na decisão recorrida, seja por valor inferior, a mesma seja dividida por 4 instituições, 2 a indicar pelo
Tribunal, e 2 pelo arguido, desde já se indicando:
a. “Acreditar – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro” (entidade já constante da decisão recorrida);
b. “APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima) – entidade normalmente indicada pelos Tribunais
c. “Centro Doutor João dos Santos – Casa da Praia” (entidade indicada pelo arguido);
d. “Associação A Casa de Betânia” (entidade indicada pelo arguido).
DCCVII.
No que diz respeito à pena acessória de inibição, além de violar o princípio ne bis in idem, conforme supra explanado, é,
ademais, absolutamente exagerada e desnecessária, face às duas inibições já aplicadas nos processos contraordenacionais.
DCCVIII.
Estas inibições não só são mais longas até do que a pena acessória, como ainda mais longas se tornam, tendo em conta que
uma entrou imediatamente em vigor, independentemente do recurso interposto (a aplicada pela CMVM) e a outra (para
além de ter funcionado de facto, imediatamente) entrará em vigor posteriormente ao trânsito em julgado da respectiva
decisão (a aplicada pelo BdP), tornando-se assim em inibições sucessivas.
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DCCIX.
Não faz, sequer, sentido, que o Tribunal condene o arguido numa pena de prisão de 2 (dois) anos, suspensa por igual
período, mas o sujeite a uma inibição por um período de 4 (quatro) anos, perto do máximo admitido pelo CVM (cinco
anos), inibição essa que ultrapassa o próprio período de suspensão da pena.
DCCX.
A admitir-se a aplicação sempre excessiva e injusta de uma qualquer pena acessória de inibição – o que não se concede –
esta sempre deveria ter sido limitada ao período da suspensão da pena.
DCCXI.
Acresce que o arguido, conforme decorre da decisão, se encontra reformado da actividade bancária, ou de actividade
relacionada com emitentes de valores mobiliários, não pretendendo exercer nela funções.
DCCXII.
É que a sua reputação forjada por décadas de exercício de funções e como bom profissional na área da Banca permanece
incólume, apesar do presente processo (cf. facto provado n.º 1970, p. 310, e p. 998), não lhe tendo sido retirada idoneidade
(cf. facto provado n.º 1955, p. 309, e p. 997).
DCCXIII.
Pelo que não pode considerar-se que a aplicação da pena acessória de inibição do exercício de funções é adequada ou
sequer necessária, por, em todo o caso, não preencher os pressupostos do art. 66.º, n.º 1 e 2, do CP, aqui também
aplicáveis.
DCCXIV.
No que se refere à sanção acessória de publicidade, é por demais evidente que a mesma é desnecessária, face à exposição
mediática que o caso já tem só por si e à condenação na praça pública a que, desde o início, o arguido ora recorrente foi
sujeito, facto que, apesar de injusto e penalizante, é público e notório, e não carece de exacerbação punitiva e infamante.
***
Também assim, o (3) arguido António Rodrigues, apresentou as seguintes conclusões
na motivação do seu recurso:
Aceita-se como boa a anotação do Sr. Conselheiro Pereira Madeira, de acordo com a qual as conclusões devem ser “pertinentes,
reportadas e assentes na fundamentação antecedente, concisas, precisas e claras.” Código de Processo Penal Comentado,
Almedina 2014, António Henriques Gaspar e outros, página 1389.
Primeira
O RECORRENTE vem condenado, em coautoria, pela prática de um crime de manipulação de mercado, previsto e punido pelo
artigo 379/1 do CVM;
Segunda:
Na base dessa condenação estão dois factos base:
Não ter procedido à consolidação, desde 2002, nas contas do BCP, de um conjunto de entidades, designadas, abreviadamente,
por 17 sociedades offshore Cayman;
Não ter procedido à consolidação, desde 2005, nas contas do BCP, de um conjunto de entidades, designadas, abreviadamente,
por 17 sociedades offshore Goes Ferreira;
Todavia:
Terceira:
Ao contrário do que se refere na DECISÃO, ambos os grupos de sociedades sempre tiveram ultimate beneficial owners, que
eram os titulares daquelas entidades e os beneficiários do resultado final da atividade das sociedades;
Quarta:
Ao contrário do que se refere na DECISÃO, o RECORRENTE sempre representou a situação referida na conclusão anterior como
sendo a verdadeira;
Quinta:
Face aos normativos aplicáveis nos anos de 2002 a 2004, as 17 sociedades OS Cayman não tinham de ser consolidadas na
contabilidade do BCP;
Sexta:
Face aos normativos aplicáveis nos anos de 2004 e seguintes, as 4 sociedades Goes Ferreira não tinham de ser consolidadas na
contabilidade do BCP. Pelo que:
Sétima:
As conclusões referidas nas conclusões quinta e sexta são suportadas pela generalidade da prova produzida e mesmo pelos
depoimentos das testemunhas que a DECISÃO considerou credíveis. Na verdade:
Oitava:
Até 2005 nenhum Banco procedeu à consolidação de SPE’s, que eram as 21 sociedades em causa;
Nona:
A partir de 2004 e no que às sociedades Goes Ferreira diz respeito, o Banco de Portugal acompanhou o tratamento destas
sociedades junto do BCP, sendo constituídas as provisões devidas e efetuados os ajustamentos necessários.
Em suma:
Décima:
A contabilidade do BCP sempre refletiu, ao longo dos anos objeto da decisão, a situação real, em obediência aos normativos
em vigor, assim assumidos por todos os intervenientes;
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Décima Primeira:
Todos os atos praticados pelo RECORRENTE são ilícitos.
A sua ilicitude, apontada na DECISÃO, derivaria, apenas, de serem interpretados à luz de um plano, dirigido a proceder à
dissimulação de perdas, nascidas da atividade das sobreditas sociedades offshore;
Décima Segunda
Perdas essas nas quais o RECORRENTE não tem qualquer responsabilidade.
Porém:
Décima Terceira:
Não existe prova da existência desse plano, que corresponde, aliás, à recauchutagem de uma outra noção de plano, existente,
para outras datas, na pronúncia;
Décima Quarta:
A DECISÃO deve ver alterada a matéria de facto provada e não provada, nos termos e com os fundamentos arguidos na
motivação (artigo 412/3/a) e b) do CPP);
Décima Quinta:
A DECISÃO contém o erro notório na apreciação da prova, quando determina que foi o BCP quem readquiriu os créditos que
cedera às entidades Intrum Justitiae e Branimo, pois consta dos documentos que foram as sociedades devedoras, quem
adquiriu esses créditos (artigo 410/2/c) do CPP)
Décima Sexta:
A DECISÃO quanto à matéria referida na conclusão anterior, contém uma contradição entre a matéria de facto, a
fundamentação e a decisão, pois considerando que foi o BCP quem readquiriu os créditos, indica, no elenco de factos
provados, que foram as sociedades devedoras quem os adquiriu (artigo 410/2/b) do CPP)
Décima Sétima:
O RECORRENTE não praticou nenhuma das condutas típicas, que definem o ilícito de manipulação de mercado:
Décima Oitava:
Os factos imputados ao RECORRENTE não permitem imputar-lhe a prática do crime em coautoria, tendo em conta que se não
explica em que medida, os factos que praticou, determinariam que tivesse o domínio do facto (recorde-se que todos os factos
são lícitos);
Décima Nona:
O RECORRENTE sempre agiu de acordo com o que eram as normas em vigor em matéria de contabilidade;
Vigésima:
Acresce que o crime de manipulação de mercado não pode ser praticado por omissão.
TERMOS EM QUE
Deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência, ser o arguido absolvido com as legais consequências.
Assim se fará, VENERANDOS DESEMBARGADORES, a habitual JUSTIÇA.
***
Do mesmo modo, o Ministério Público, apresentou as seguintes conclusões na
motivação do seu recurso:
a)
Por acordão proferido nestes autos, os arguidos Jardim Gonçalves, António Rodrigues e Filipe
Pinhal foram condenados pela prática de crime de manipulação de mercado previsto e punido no artigo 379.º n.º
1 do CVM, tendo o arguido C. Beck sido absolvido.
b)
O objeto deste recurso assenta nas seguintes questões: nulidade do acordão decorrente da
existência do vício previsto no art.º 410.º n.º 2 al. c) do C. P. Penal; impugnação da materia de facto dada como
não provada que sustentou a ausência de prova da autoria do crime a partir de 1999/2000; incorrecta subsunção
jurídica dos factos dados como assentes ao crime de manipulação de mercado, em lugar de se considerar o
concurso efectivo entre esse crime e o de falsificação de documento.
c)
O MP assenta a sua discordância no facto de não de se ter dado como provado que até
Dezembro de 2002 no que se refere às off-shore Cayman e Março de 2004 quanto às off-shore Góis Ferreira,
todos os arguidos tivessem atuado de forma concertada, concedendo financiamentos às mesmas, fazendo as
autoridades de supervisão que se tratavam de clientes, quando na verdade tratavam-se de veículos do BCP
utilizados pelos mesmos para transações na bolsa, transmitindo uma falsa informação ao mercado e aos
investidores.
d)
A discordância da Recorrente assenta também no facto de o Tribunal não ter dado como
provado que os arguidos sabiam que as contas do Banco não correspondiam à realidade e até finais de 2002
quanto às Cayman e março de 2004 quanto às GF ocultaram os prejuízos resultantes da actuação das offshore.
e)
Assim, o Tribunal acolheu as traves mestras da argumentação dos arguidos que sustentaram
não ter criado as offshore, não ter tido qualquer conhecimento da verdadeira situação patrimonial das mesmas,
apesar de terem intervindo nos empréstimos e respetivas renovações durante três anos. Acolheu a tese de que
era normal que enquanto administradores do banco não conhecessem a identificação do beneficiário das
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sociedades, posto que na aprovação dos financiamentos em 4º escalão só tinham que tomar em consideração
entre o crédito concedido e colateral, sendo normal que neste tipo de financiamentos a garantia fosse constituída
apenas pelas ações.
f)
A carteira de títulos era gerida pelo próprio banco através de mandatos de gestão discricionária
o que pressupunha algumas dificuldades em solicitar ao cliente o reforço de garantia; assim era normal não ter
existido contato com os clientes durante três anos. Os arguidos apunham as suas assinaturas sem fazer qualquer
avaliação do mérito das operações enfatizando a confiança que merecia o parecer favorável de Carlos Costa no
3º escalão que era o imediatamente precedente da intervenção dos arguidos.
g)
Era expectável que a cotação da ação BCP valorizasse a partir de setembro de 2001, o que
justificava os aumentos das linhas de crédito mesmo quando o colateral era já inferior a 80%, justificando-se
também as renovações de crédito verificadas. Todos os administradores do CA conheciam a existência das
propostas de crédito referentes a estas offshore nos termos em que eram redigidas constando das mesmas apenas
os montantes dos financiamentos e da menção de que a garantia era constituída pelos títulos, circunstância que
demonstra que os arguidos não tinham de aferir outros elementos.
h)
A identidade do cliente beneficiário final da off-shore era normalmente conhecida pelo gerente
do balcão da rede comercial que procedia à abertura de conta, o que explica que os arguidos não conhecessem os
clientes.
i) E acolhendo tal tese, o tribunal considerou que no maior banco privado português à data dos factos,
durante três anos os arguidos concederam financiamentos que orçaram em cerca de 500 milhões de Euros sem que
existissem clientes, desconhecendo os arguidos essa circunstância.
j) O tribunal acolheu a tese de que o princípio da confiança na hierarquia da aprovação dos empréstimos
redundou na perspetiva por parte dos arguidos de que os escalões inferiores da DI tinham aferido com mais
propriedade do mérito das operações.
k)
A assinatura dos arguidos administradores nas propostas de crédito seria assim um ato
meramente formal que justificou que os mesmos não conhecessem os beneficiários das sociedades e os prejuízos
concretos verificados desde 2001 até dezembro de 2002.
l) O tribunal acolheu a tese de, que em finais de 2002, na sequência de um pedido formulado a Magalhães
Duarte, António Rodrigues detetou que as dezassete sociedades não tinham clientes tendo dado conhecimento de
tal facto a Filipe Pinhal e a Jardim Gonçalves.
m)
Da fundamentação constante do acórdão, infere-se assim que o Tribunal considerou não
demonstrado que os arguidos efetuaram financiamentos às offshore e renovaram esses financiamentos como se de
clientes se tratassem, sabendo contudo que eram veículos do Banco, que utilizaram para efetuar transações no
mercado criando uma aparência de liquidez do título que não correspondia à realidade. Deduz-se ainda que o
tribunal considerou não demonstrado que os arguidos ocultaram os prejuízos verificados com a actuação das offshore desde 2001 até finais de 2002.
n)
No que se refere à decisão dos financiamentos e respectivas renovações, concedidos às
offshore como se tratassem de sociedades clientes, instruindo os diversos escalões para que não fosse efectuada
qualquer analise de mérito das propostas, o Tribunal valorou os depoimentos de Helena Carneiro, José Vicente,
Magalhães Duarte, Carlos Costa, Ana Sofia Preto, António Amaral Medeiros, José Vicente, José Neves de
Oliveira, Joaquim Costa, Guilherme Pinto Basto, Rui Lopes, Fernanda Afonso, Julia Leonor Passos,
Norberto Rosa, Antonio Marta, Carlos Lopes, Fazenda Martins, Manuel Monteiro e Mario Freire.
o)
Da fundamentação de facto do acórdão resulta ainda de forma clara, que o tribunal estabeleceu
a confusão entre ausência de prova de que os arguidos criaram as offshore e o preenchimento das condutas típicas
que integram os crimes de manipulação de mercado e falsificação de documento, convocando constantemente a
primeira circunstância para alicerçar a ausência de prova de que os arguidos determinaram e efetuaram de forma
concertada os financiamentos às offshore e ocultaram ao mercado e à supervisão a circunstância de tais
financiamentos se destinarem a sociedades do banco, omitindo-se assim o detenção de ações próprias e os
prejuízos causados pela atuação das offshore verificados a partir de abril de 2001 dada em que se inicia a queda do
título BCP na bolsa.
p)
O tribunal sublinhou a facto de as offshore Góis Ferreira terem sido criadas por António
Castro Henriques e o facto de cinco das dezassete offshore Cayman terem sido criadas por Pedro Líbano
Monteiro, o que comprometeria desde logo o secretismo da delineação do plano dos arguidos.
q)
Ora o preenchimento do crime de manipulação de mercado não requer a criação das offshore
constando tal facto na pronúncia por lapso decorrente da ausência de correção aos respetivos artigos, na sequência
da não pronúncia de Castro Henriques.
r) Relativamente às Caymans resulta da descrição da pronúncia que os arguidos não constituíram cinco
destas.
s)O que interessa é que as transacções das offshore bem como os financiamentos concedidos às que já
tinham sido criadas, aumentaram muito significativamente a partir de 1999/2000 assim se justificando que as
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análises dos técnicos da CMVM e do Banco de Portugal, bem como a que foi efectuada pelo Sr. Perito João
Duque se quedassem apenas nesse período. Cfr- pontos 564 a 624 dos factos provados.
t) Ao contrário do se que afirma no acórdão, as transacções dos títulos BCP pelas Góis Ferreira antes de
1999 não foram significativas, o que aliás resulta dos “factos provados”.
u)
É essencial sublinhar que o que é essencial para o preenchimento dos ilícitos, é apenas a
factualidade dada como “não provada” constante dos pontos f), g), h) e cl) e a factualidade assente nos “factos
provados” sob os pontos 7 a 12 e 14.
v)
O tribunal convocou os depoimentos prestados por técnicos da CMVM e do Banco de
Portugal para demonstrar ausência de prova no que se refere à coautoria dos crimes de manipulação de mercado e
falsificação de documentos, enfatizando-se os prestados por Fazendo Martins e Carlos Lopes.
w)
Ora, cumpre assinalar que, no âmbito dos processos de contraordenação instaurados, foram
acusados e condenados arguidos que neste processo são testemunhas- Luís Neto Gomes, Magalhães Duarte,
Alípio Dias, Filipe Abecassis, Castro Henriques e Paulo Teixeira Pinto e que, não só não é necessário, como é
insólito, condicionar a valoração da prova pelos critérios escolhidos pelos juristas da Supervisão.
x)
Os despachos de arquivamento prévios ao despacho de acusação e o despacho de pronúncia,
contêm fundamentação que possibilita a compreensão dos critérios através dos quais se concluiu pela
responsabilização destes quatros arguidos sob a forma de coautoria e a não pronúncia de Castro Henriques.
Do erro notório na apreciação da prova.
y)
Do texto da decisão recorrida resulta que o Tribunal acolheu a tese de que os arguidos C.
Beck, Filipe Pinhal e Antonio Rodrigues aprovaram durante cinco anos créditos, que já em 2002 orçavam em 490
milhões de Euros, sem que soubessem que as sociedades não tinham clientes.
z)
Do texto da decisão recorrida resulta que o tribunal considerou verosímil a tese de que em
Outubro ou Novembro de 2002, o arguido A. Rodrigues, na sequência de um pedido formulado a M. Duarte para
que elaborasse uma lista com os principais accionistas do Banco, constatou que as 17 offshore Cayman não
tinham beneficiário económico, tendo posteriormente dado conhecimento deste problema a Filipe Pinhal e Jardim
Gonçalves.
aa)
A convicção do Tribunal assentou na concordância dos depoimentos de Amaral Medeiros e
Magalhães Duarte, no que se refere às conversas mantidas por contacto telefónico, através das quais é pedida a
informação a A. Medeiros, informando este último que as sociedades terminavam nas “ Portman”, sociedades
detidas pelo BCP.
bb)
O Tribunal acolheu a versão dos arguidos, porque considerou que as testemunhas tinham
prestado depoimentos esclarecedores e rigorosos, embora referentes a outros factos que não estes. Assim, lê-se
que “ pelo arguido A. Rodrigues foi-lhe solicitado que averiguasse quem eram os beneficiários, sendo esta a razão
pela qual falou com a testemunha Amaral Medeiros.
cc)
Lê-se que “o depoimento da testemunha Magalhães Duarte foi concordante com o de Amaral
Medeiros, quanto às diferentes fases até esta lhe transmitir que o último registo das sociedades era nas Holding
Portman. Declarou a testemunha Miguel Duarte ter reportado a António Rodrigues o que lhe havia sido
transmitido pelo Amaral Medeiros, tendo o arguido Antonio Rodrigues ficado um bocado indisposto devido ao
facto de não haver essa informação, questionando “mas onde é que está esta informação?
dd)
Assim, o tribunal aceitou como verosímil que J. Gonçalves, António Rodrigues e Filipe Pinhal
, respectivamente Presidente, CFO e Vice-Presidente do Banco, não soubessem que sociedades que detinham
mais de 5% do seu capital social, afinal não tinham clientes.
ee)
Como já se dirá, são vários os meios de prova que contrariam frontalmente esta versão, quer
porque confirmam que CdB sabia efectivamente a que sociedades e para que fins estava a conceder crédito, quer
porque mostram que outras ocasiões e razões teria necessariamente havido para se descobrir a situação muito
antes – se ela tivesse sido, na verdade, em algum momento desconhecida.
ff)
O tribunal acolheu a versão de que essa “revelação” do que os arguidos sustentaram ser a falta
de evidência de UBO, não mereceu um processo de averiguação interna do Banco, não justificou diligências
junto dos auditores internos, do Director Geral, Carlos Costa Director Coordenador da DI, em quem se
depositava total confiança na análise dos financiamentos às offshore, nem mereceu que se informasse C. Beck
Administrador com o pelouro da DI e que assinou dezenas de propostas de credito às sociedades.
gg)
Essa postura, de acordo com as regras da experiência só pode significar que nada foi
averiguado porque nada havia para a averiguar; nenhum procedimento foi alterado porque o problema não estava
nos procedimentos; nenhum administrador (ou qualquer outro empregado) foi avisado ou advertido, porque
nenhum administrador (ou qualquer outro empregado) precisava de aviso ou advertência. Todos estavam
perfeitamente cientes e conscientes do assunto.
hh)
Do texto da decisão recorrida resulta que o Tribunal valorou os depoimentos destas duas
testemunhas ao arrepio das mais elementares regras de experiência comum sobre o funcionamento de um Banco,
do conhecimento que Antonio Rodrigues e Jardim Gonçalves teriam de ter das participações accionistas destas
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sociedades, incorrendo em erro notório na apreciação da prova, quer por força da credibilidade que mereceu estas
versão dos factos apenas por ser sobreponível, quer porque aceitou também como normal que nenhuma diligência
fosse feita pelos arguidos com vista a apurar do paradeiro dos clientes.
ii)
Deve o vício decorrente do erro notório identificado ser suprido, corrigindo-se os factos não
provados que resultam da conclusão de que até 2002 os arguidos não sabiam que as sociedades não tinham
clientes e que são os vertidos nos pontos b a p, x a dl, ml a zl, a2, c2, d2 a i2, k2 a o2, w2 a y2, a3, d3 a j3, k3, l4,
m3 a q3, s3, t3, w3, x3, z3, b4, c4, d4, e4, f4 a z4, a5 a d5, h5, i5 a l5, o5 a y5, a6, c6 a h6, k6, l6 a z6, a7 a k7, l7 a
z7, a8, c8, e8, m8, o8, z8, e12, f12, g12 a n12.
Da Impugnação de Facto
jj)
A impugnação de facto a que se procede, assenta na constatação de que na parte da
fundamentação do acórdão o relato dos depoimentos prestados pelas testemunhas acima identificadas não
corresponde nalguns casos ao que as mesmas efetivamente disseram e noutros omitem-se segmentos do discurso
da testemunha essenciais para a interpretação global do depoimento.
kk)
Os factos que se impugnam são os factos “não provados” sob os pontos b a p, x a dl, ml a zl,
a2, c2, d2 a i2, k2 a o2, w2 a y2, a3, d3 a j3, k3, l4, m3 a q3, s3, t3, w3, x3, z3, b4, c4, d4, e4, f4 a z4, a5 a d5, h5,
i5 a l5, o5 a y5, a6, c6 a h6, k6, l6 a z6, a7 a k7, l7 a z7, a8, c8, e8, m8, o8, z8, e12, f12, g12 a n12.
ll)
Das súmulas dos depoimentos de Helena Carneiro, José Vicente, José Oliveira, Joaquim
Costa, Júlia Passos, Guilherme Bastos, Rui Lopes, Miguel Magalhães Duarte, Fernanda Afonso, Mário Freire,
Manuel Monteiro e Ana Sofia Preto, Carlos Lopes e César Brito não constam excertos dos depoimentos, ou
constam segmentos não coincidentes com o que as testemunhas afirmaram, cuja inclusão e correção impunha a
peregrinação dos factos “não provados” sob os pontos b, c, f, g, h, k, l, m, n, o, p, q, r, al, cl, dl, kl, il, pl, ql, rl, sl,
tl, vl, wl, xl, zl, a2, c2, d2, e2, g2, h2, i2, l2, m2, o2, w2, x2, y2, a3, d3, e3, f3, g3, h3, j3, k3, l3, m3, n3, o3, p3,
q3, s3, t3, x3, s4, t4, u4, v4, w4 para os “factos provados”.
mm)
E esses segmentos são dos depoimentos prestados por : Helena Carneiro Acta da Sessão 7/1
de 2013 das 14h32m às 17h40m, José Vicente Acta da Sessão 24/1 de 2013 das 10h23m às 12h29m, Joaquim
Costa Acta da Sessão de 22/1 de 2013 das 10h30m às 13h45m, 4.00m aos 32.00m e 39.00m aos 49.00m e
1h.50m a 1h 65m .José Oliveira Acta da Sessão de 16/1 de 2013 das 10h21m às 12h44m – 38.00m a 58.00m e
1h.19m a 1h.20m. Fernanda Afonso Acta da Sessão de 23/1 de 2013 das 10h20m às 12h54m, dos 14.28m aos
30.00m, Júlia Leonor Ferreira de Passos Acta da Sessão de 22/01 de 2013 das 15h30m às 16h40m, César
Brito Acta da Sessão de 4/12 de 2012 das 10h32m às 12h58m e das 15h00m às 17h38m, Manuel Monteiro Acta
da Sessão de 8/11 de 2011 das 10h00m às 12h35m e das 14h47m às 17h35m, Mário Freire Acta da Sessão de
30/10 de 2012 das 10h08m às 12h00 e das 14h14m às 16h40, Ana Sofia Preto Acta da Sessão de 7/3 de 2013 das
9h45m às 12h43m e das 14h32m às 15h00m, António Marta Acta da Sessão de 29/5 2013 das 14h20m às 17h00
– das 24.59m às 1.00h e 45m. Guilherme Pinto Bastos, Acta da Sessão de 17/01 de 2013, 5.00m aos 18.00m.
Miguel Magalhães Duarte Acta da Sessão 28/02 2013 das 09h45m às 12h25m, Rui Lopes Acta da Sessão de 6/2
de 2013 das 09h38m às 11h00, Alexandre Bastos Gomes Acta da Sessão 19/03 de 2013 das 09h52m às 12h27m,
Carlos Lopes Acta da Sessão de 15/01 de 2013 das 10h37m às 12h02m.
nn)
Assim, resulta do depoimento de Helena Carneiro que muito embora soubesse que nos
créditos concedidos a estas sociedades não estava prevista a possibilidade de reforço de garantia, na prática o
banco tentava obter junto do cliente esse reforço. Resulta ainda do seu depoimento que foi Neves de Oliveira
quem lhe transmitiu que não lhe podia dizer quem eram os clientes e que eram clientes de longa data e que
presumia que o arguido Beck conhecia as sociedades e operações. A testemunha referiu ainda que não conhecia os
clientes e que as propostas de financiamento e renovações ou vinham já preenchidas da sede ou a testemunha
recebia instruções por fax ou telefone sobre o seu preenchimento; aquando da aproximação da data de vencimento
dos créditos perguntava se seria de reforçar as garantias ou de executar, respondendo-lhe Neves de Oliveira ou
Gaioso Henriques que não.
oo)
José Pinto Vicente corroborou o depoimento anterior e afirmou que não havia outras
sociedades constituídas para transacionar títulos BCP com esse objeto social, só estas. As propostas vinham da
doutora Afonso, Neves de Oliveira e Gaioso Henriques. Referiu ainda que DRI devia ter conhecimento destas
sociedades – 22.25m aos 45.26.
pp)
Fernanda Afonso disse que nas propostas de renovação submetidas para a sua aprovação,
escrevia-se sempre parecer favorável porque se sabia que era para passar pela DI para serem apresentadas ao 4º
escalão para decisão. Disse também que este formalismo era seguido só nestas offshore e que se não tivesse sabido
que os pareceres eram mecânicos tinha tentado mais elementos de análise junto de Cayman. Também afirmou que
nos contratos de financiamento para aquisição de títulos era normal constar uma causa para reforço de garantia e,
quando a mesma era inexistente, tentar-se junto do cliente que houvesse um reforço das mesmas. Disse que não
exarava pareceres formais relativamente a outras offshore, e que só se lembra de ter exarado pareceres formais
desta natureza, em renovações de créditos concedidos a duas ou três grandes empresas em Londres e na Polónia.
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Não disse que considerava as offshore em tudo similares às demais, no contexto em que esta afirmação é inserida
na súmula do seu depoimento, o que altera totalmente o conteúdo e o significado do mesmo.
qq)
Júlia Leonor Passos corroborou esta versão afirmando que o procedimento quando exarava
pareceres era formal não havendo nenhuma análise subjacente. Frisou que na análise de crédito ter-se-ia que
atender ao cliente, ao risco da operação e à garantia. Não obstante, as instruções recebidas levavam a que, quanto
as offshore em causa não fizesse essa análise.
rr)
Guilherme Pinto Basto referiu que na aferição de uma proposta de crédito a sociedades,
considerava quem era o cliente, o seu património, as garantias prestadas e o valor utilizado. Esclareceu ainda que
as aquisições de ações BCP superiores a 250 mil títulos tinham de ter obrigatoriamente a intervenção da DRI que
quereria saber a identidade do investidor.
ss)
Joaquim Costa sublinhou que não fazia qualquer aferição dos requisitos da renovação dos
créditos e não sabia se o seu superior hierárquico a fazia, não tendo memória de uma situação como as Góis
Ferreira. Assim, a DRI emanava instruções, as propostas seguiam via hierárquica e o diretor coordenador
despachava-as para a administração. Relatou ainda que em circunstâncias normais as propostas deveriam conter o
grau de risco, a finalidade, o beneficiário do financiamento (se é particular, que património tem, se é empresa qual
a sua situação patrimonial), o montante, a natureza, as garantias, os prazos, e no caso de se tratar de uma offshore
tinha de se saber a identificação do BO. Frisou ainda que “não acontece conceder crédito sem se saber quem é o
titular de offshore.”
tt)
Miguel Magalhães Duarte referiu que tinha conhecimento dos principais acionistas do banco
e que na gestão da carteira de títulos que lhe foi passada por Rui Lopes, relativamente à qual havia uma ordem que
deferia das anteriores porque era uma instrução genérica no sentido de comprar com vista a uma posição de médio
a longo prazo. Essa instrução genérica foi-lhe transmitida por Rui Lopes e não teve mais nenhuma instrução
genérica neste sentido relativamente a quaisquer outras sociedades offshore. Frisou que reportava a António
Rodrigues as situações referentes aos investidores estrangeiros e que tinha com este muitas conversas e reuniões
informais. Confirmou que Neves de Oliveira reportava semanalmente a situação das offshore, que fez o email de
folhas 1380 a pedido de António Rodrigues. Sublinhou que, em 2003 a perspetiva da subida do título era mais
otimista do que em 2002. Explicou ainda que, relativamente à transmissão de uma participação de 5% ou mais do
capital do banco, tem de se ter autorização do Banco de Portugal que, sendo que na ausência da mesma, o BdP
pode inibir os direitos societários das pessoas-não votam nem recebem dividendos. Disse também que alguém
conhecia o cliente e que ninguém concede crédito sem conhecer os clientes. O reporte que fazia a António
Rodrigues sobre estas sociedades era pelo menos mensal.
uu)
Alexandre Bastos Gomes afirmou que “se para um crédito ao consumo é admissível que
fosse o gestor de conta do balcão a conhecer o cliente, para créditos desse montante necessariamente teria de ser
do conhecimento da administração ou da DRI. Quem origina não decide.”
vv)
António Marta – afirmou que na altura (1999 a 2002) no BCP havia a tendência para
confundir o risco da operação de crédito com o beneficial owner. A parte comercial e parte de risco tinham
interesses coincidentes. Mais tarde isso alterou-se por força de divisões internas do banco. Quando a Senhora Juiz
Presidente lhe pergunto- “se o banco não tem outras garantias pode atacar o território do BO?”- respondeu que a
questão não era a de saber se podia executar o património do cliente quando a garantia eram apenas as ações, já
que a questão situa-se antes, na concessão do empréstimo ou na vigência do empréstimo para serem aportadas
novas garantias. Disse: “o beneficiário económico vai para uma offshore só por razões fiscais. A offshore não é o
cliente. Eu empresto a si para aquisição de ações, dê-me o senhor cliente garantias desse empréstimo.” 30m.06s –
disse que o Banco tinha sempre em consideração o património do cliente. E que se o Bdp em 2002, fosse
confrontado com a inexistência de UBOS, tinha de abater aos capitais próprios as acções. Diria “ Como é que vai
aumentar o capital? Como é que chegou a esta situação?1h.51m “ é evidente que aumentar o capital é difícil, mas
um banco ir à falência é mais difícil ainda.
ww)
César Brito - afirmou que os templates continham uma análise muito sumária sobre os
financiamentos e renovações. Tal como Mário Freire, afirmou ainda que no BCP analisou outros financiamentos a
outras offshore. No que se refere ao reforço dos financiamentos e renovação quando já existia a degradação dos
títulos disse “enfim, só faz sentido se dissermos que somos o dono daquela entidade. Tiramos do bolso esquerdo
para o direito. Só assim é que se pode afirmar que não interessa tentar o reforço das garantias”.
xx)
Carlos Lopes –afirmou ser normal que na concessão de crédito as garantias cobrissem os
valores mutuados apenas a 100%, tendo a instituição de crédito de monitorizar a situação. Afirmou contudo, que,
na vigência do crédito o facto de não se pedirem outras garantias pessoais, patrimoniais ou outros títulos, não era
normal. Disse também que os administradores teriam forçosamente que conhecer os BOs. Referiu que não há
relação inversa entre garantia dos financiamentos e o conhecimento dos clientes. Não disse que se demonstrou a
actuação e responsabilidade de Jardim Gonçalves pela evidência da sua não actuação, mas transmitiu ao Tribunal
que num processo de ocultação de prejuízos desta natureza, a intervenção do Presidente do Banco passaria
despercebida.
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yy)
Manuel Monteiro referiu que qualquer crédito é recuperável num prazo alargado, tem uma
viabilidade de recuperação, frisando que o banco não deu a conhecer as perdas verificadas a partir de 2001.
Quando lhe perguntado se “é normal o banco conceder mais financiamento para reaver a totalidade?” respondeu
“eu espero bem que não!”. Sublinhou a falta de verosimilhança da desnecessidade de contactar o cliente. “Um
cliente vai ao banco, perde 50% ou mais do que investiu. Acho difícil que o cliente possa chegar aqui com este
nível de perdas. Reforçar o crédito com base numa espectativa de valorização não tem racionalidade. Nunca vi
uma situação deste tipo, nem um desnível tão grande entre crédito e garantia.”Sobre as perdas verificadas a partir
de abril de 2001 e o facto de o BCP não ter constituído provisões específicas disse “e acredito que estas garantias
vão ser suficientes até porque domino a situação. Muito bem, o banco faz isso, mas constitui provisões específicas.
E quem olha diz isto não está a correr bem, não está a optar por executar, e outro investidor diz muito bem, é
exactamente o que eu faria. O que está em causa é a informação que se dá ao mercado através das contas.
zz)
Mário Freire deu nota da expressão que os prejuízos tinham nos capitais próprios do Banco,
esclarecendo que os capitais próprios se encontravam sobreavaliados em 2003 em mais de 20% – cfr quadro n.º
17 de fls 972 verso. Disse que caso o BCP em 2002 revelasse os prejuízos verificados poderia perder a licença
bancária, fechar a porta. Disse que, em 2002 a CMVM detectou um padrão anómalo de intervenções na bolsa, e
que também detectaram que davam ordens de compra e venda próximo do fecho do mercado. Na altura emitiram
uma recomendação no sentido de não concentrarem as ordens de compra e venda no momento do fecho do
mercado e o BCP disse por ofício que eram ordens de terceiros. Sublinhou que os contratos de penhor anexos aos
contratos de financiamentos não tinham nenhuma clausula onde se previsse o reforço de garantia, ao contrario do
contrato e penhor da Victory.
aaa)
O relatório de inspecção do BdP referente ao ano de 2000, dá nota da existência de contratos
de financiamento para aquisição de acções em que se previam reforço de garantias – cfr. Fls 2 a 30 do Anexo
XXIV-C.
bbb)
Norberto Rosa afirmou que “ quando a entidade concede crédito, deve sempre aferir da
capacidade do cliente para pagar a dívida, se o credito gera fundos suficientes para pagar juros. Se há um aumento
de descoberto para pagamento de juros devemos ver se há uma reestruturação de créditos. Devemos fazer nova
avaliação dos créditos. Deve ser contactado o cliente e ser pedido o reforço de garantias. Quando perguntado se a
existência do mandado de gestão justificaria a falta de contacto com o cliente disse claramente que “não”.
Afirmou ainda que se em 2002 o BdP soubesse dos prejuízos então existentes, mandava executar as acções,
abatendo-se o total aos fundos próprios e registando-se os prejuízos pela diferença entre o valor das acções à data
do registo e o valor da cotação de então.
ccc)
Neves de Oliveira afirmou que a decisão de executar os títulos da carteira de credito, ou de
reforçar as garantias era uma decisão da Administração. Disse também que pressupunha que a Administração
estaria munida de mais informação do que a que ele tinha.
Disse que reportava a situação das Cayman
semanalmente, quinzenalmente ou mensalmente a Magalhães Duarte, com base no reporte que Helena Carneiro
lhe enviava de Cayman e que era normal que a DRI tivesse contactos com Cayman, por força das suas
competências.
ddd)
Ana Sofia Preto afirmou que o montante dos financiamentos às offshore no valor global de
590 milhões de Euros, não constituía uma ordem de grandeza relevante, face ao total da carteira de crédito do
Banco. Mas, quando confrontada com a circunstância de os financiamentos se destinarem só a aquisição de títulos
BCP referiu que os mesmos tinham impacto nos fundos próprios devendo ser contabilizado o prejuízo resultante
da diferença da cotação das ações à data do registo e a cotação à data em que se detetaram os prejuízos.
eee)
Da concatenação dos depoimentos referidos, lidos na sua globalidade, com os excertos que se
encontram omissos, ou com a correção resultante da constatação de que as testemunhas não produziram
afirmações coincidentes com as que constam dos relatos dos depoimentos, resulta demonstrado que os arguidos
António Rodrigues, Filipe Pinhal e C.Beck, sob a orientação de Jardim Gonçalves, atuaram de forma concertada,
tendo o arguido Beck instruído os escalões inferiores da DI para exararem pareceres formais, nas propostas que
eram submetidas para aprovação.
fff)
Demonstrou-se ainda que Antonio Rodrigues numa primeira fase dava instruções a Rui Lopes
sobre os montantes dos financiamentos às offshore, compras dos títulos com o propósito de constituir uma posição
acionista a medio prazo e numa segunda fase a Magalhães Duarte. Neves de Oliveira recebia de Helena Carneiro
o reporte das sociedades, montantes utilizados, grau de cobertura dos créditos, e os reportes de Neves de Oliveira
para Magalhães Duarte eram dados a conhecer a Antonio Rodrigues e C. Beck, como ilustra o email de fls 1375
dos autos.
ggg)
Filipe Pinhal tinha uma relação de proximidade com os grandes empresários, pelo que, quando
procedia à aprovação das propostas como administrador alternante, tal facto era tido como natural pelos
funcionários da DI e pelos administradores do CA nas raras propostas que eram submetidas para ratificação.
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hhh)
O CA não analisava as propostas que também consistiam apenas no “template”, já que os
financiamentos já estavam concedidos e tratava-se de apenas dar conhecimento aos restantes administradores
desse financiamentos.
iii)
As sociedades Gois Ferreira foram constituídas por Castro Henriques, na sequência de
instruções dadas por Jardim Gonçalves.
jjj)
Em circunstâncias normais, na analise de risco sobre financiamentos para aquisição de títulos
BCP, o Banco tinha em consideração o património do cliente que solicitava o empréstimo através da offshore, o
grupo económico em que o cliente se inseria e a relação do cliente ou do grupo com o Banco.
kkk)
Era prática normal nestes tipos de empréstimos, elaborar contratos de financiamento que
servissem de suporte aos “Templates” onde constavam as propostas e estipular clausulas que previssem o reforço
de garantias no caso de os colaterais se demonstrarem insuficientes. O RCI obrigava a que o Banco conhecesse a
capacidade económica do cliente, a sua eventual inserção num grupo económico e a relação existente com a
instituição. Todos os arguidos conheciam os acionistas do Banco, sobretudo os que detinham mais de 2% do
capital, caso em que era considerada uma participação qualificada, sendo obrigatória a comunicação à CMVM. Os
arguidos reforçaram os limites de credito, já num cenário de queda da cotação do título, sem qualquer
racionalidade económica que não fosse a de o Banco financiar-se a si próprio.
lll)
C. Beck não contactou com José Récio como se de um mero intermediário se tratasse,
impondo-se concluir que tinha um profundo conhecimento do projecto Baia de Luanda e das operações de
dissimulação dos prejuízos e da sua alocação a negócios do imobiliário tanto mais que a sua intervenção foi activa.
mmm)
Com efeito em 2004 a “Edifícios Atlânticos” beneficiou de um financiamento de 600 milhões
de Euro para fazer face à dívida da Townsend, tendo esta operação sido basicamente tratada pelo Centro
Cooperativo e pela área de corporate, tendo o arguido C. Beck sido um dos interlocutores de Joaquim Paupério,
administrador da EA. O arguido participou também em decisões como a concessão de suprimentos à CI no valor
de 300 milhões de Euro e a sua utilização para liquidar parcialmente a dívida da “Edifícios Atlânticos.”
nnn)
O arguido estava ciente tal como os restantes arguidos das preocupações da supervisão com
aspectos relacionados com o volume de acções próprias detidas pelo BCP, recebidas em garantia e similares, a
exposição perante os membros do concelho superior. Esteve presente nas reuniões do concelho de administração
onde se debateram esses aspectos, designadamente nas reuniões de 12/12 2003- Acta nº499, fls 163-190 do Anexo
XXIII-A e a Acta nº462 de 8/1 2004, fls 59-77 do Anexo XXIII.
ooo)
O tribunal não concatenou a correspondência do BdP com o BCP a partir de 1999 até 2002,
com as diligências efectuadas pelos arguidos para a assunção da titularidade das offshore pelos três UBOS,
Moreira Rato, Bernardino Gomes e Ilídio Monteiro.
ppp)
Dessa correspondência resulta que desde 2000, o BdP evidenciava preocupação com o crédito
concedido pelo BCP para aquisição de acções e com as acções próprias dadas em garantia, objecto de penhor ou
promessa de penhor.
qqq)
Assim, na sequência de informação reportada pelo BCP ao Banco de Portugal, com referência
a 31.12.2001, o supervisor constatou que quase 20% do capital social do Banco arguido não se encontrava
devidamente identificado, em termos da respectiva titularidade, destacando-se da lista de entidades depositárias a
filial em Cayman e a Sucursal naquele mesmo centro off-shore.
rrr)
Face à constatação referida no ponto precedente, o Banco de Portugal – através da carta com a
refª 7051/02/DSBSD, de 14.08.2002 – solicitou ao BCP informação detalhada sobre a identidade dos titulares das
acções em custódia colocadas em entidades depositárias, com indicação dos beneficiários, dos grupos em que se
inserissem e da quantidade de acções detidas.
sss)
Por carta datada de 19.03.2002 (com a refª 2318/02/DSBDR), o Banco de Portugal confrontou
o Conselho de Administração do BCP com as conclusões a que chegara após a análise da carta remetida por
aqueles arguidos relativa ao financiamento a membros do Conselho Superior para aquisição de acções do Banco,
as quais apontaram para um número de acções BCP recebidas em garantia de créditos concedidos por esta
instituição de crédito acima do limite legal de 10% para a detenção de acções próprias e recebidas em penhor ou
caução, estabelecido nos artigos 317.º e 325.º do CSC.
ttt)
Em 22.05.2002, por carta com a refª SS/SG/055/2002, assinada por Paulo Teixeira Pinto, na
qualidade de Secretário da Sociedade, o BCP apresentou ao Banco de Portugal um conjunto de argumentos que o
supervisor – à luz do teor das normas legais aplicáveis – reputou de pertinentes e acolheu, sem prejuízo, porém,
de, no exercício dos poderes de supervisão que lhe estão conferidos, ter considerado que, para efeitos estritamente
prudenciais, deveriam relevar também os contratos de mandato de gestão e de cativo de acções.
uuu)
Este entendimento (quanto à relevância dos contratos de mandato de gestão e de cativo de
acções) foi transmitido ao BCP por escrito e oralmente, no decurso de reunião realizada com responsáveis pela
mesma.
vvv)
Face à constatação referida no ponto precedente, o Banco de Portugal – através da carta com a
refª 7051/02/DSBSD, de 14.08.2002 – solicitou ao BCP informação detalhada sobre a identidade dos titulares das
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acções em custódia colocadas em entidades depositárias, com indicação dos beneficiários, dos grupos em que se
inserissem e da quantidade de acções detidas.
www)
Em 13.09.2002, através da carta com a refª. ADM/AR/CC/253/2002, subscrita por António
Rodrigues e Christopher de Beck, respondeu o BCP à carta do supervisor, informando que – uma vez que
desconhecia a identidade dos clientes finais dos bancos custodiantes – havia solicitado a estes últimos a
informação pretendida, a qual seria enviada ao Banco de Portugal logo que o BCP estivesse na posse da mesma.
xxx)
Em 27.11.2002, face à ausência de outra resposta do BCP à carta atrás referida, o Banco de
Portugal, através da carta com a refª 10182/02/DSBSD: Reiterou o pedido de informação sobre a identidade dos
titulares das acções em custódia colocadas em entidades depositárias (com referência a 31.10.2002), com
prioridade para as que respeitavam à Sucursal de Cayman do BCP e à sua filial BCP BT. Solicitou
informação acerca das acções próprias que fossem objecto de algum tipo de condicionante, designadamente
acções detidas, acções recebidas em garantia ou adquiridas mediante recurso a crédito, acções objecto de
contrato-promessa de penhor, acções objecto de mandatos de gestão, acções objecto de cativo e acções
noutras situações similares.
yyy)
Por carta datada de 29.11.2002 (com a refª SS/SG/315/2002, subscrita por Paulo Teixeira
Pinto, na qualidade de Secretário da Sociedade, o BCP informou o Banco de Portugal sobre a quantidade de
acções representativas do seu capital social que, à data de 31.10.2002, se encontravam na carteira própria, bem
como sobre o total de acções sujeitas a restrições nas diversas instituições do Grupo BCP, nomeadamente as
recebidas em garantia de crédito concedido ou que se encontravam cativas;
zzz)
Nesta carta, o BCP não prestou qualquer informação sobre o crédito concedido para aquisição
de acções próprias ou acerca dos titulares de acções em custódia colocadas em entidades depositárias, apesar de tal
lhe ter sido expressamente solicitado em 14.08.2002 e 27.11.2002;
aaaa)
Em 20.12.2002, ocorreu nova reunião do Banco de Portugal com responsáveis do BCP, na
qual estiveram presentes o então Presidente do Conselho de Administração do BCP, Jorge Jardim Gonçalves e o
Administrador António Rodrigues, com a finalidade de ser feito um ponto de situação sobre as questões relativas à
actividade do Banco arguido que vinham sendo objecto de acompanhamento especial por parte do Banco de
Portugal, bem como de esclarecer o objectivo da aquisição pelo ABN da participação de 4,98% do capital social
do BCP, entretanto comunicada ao mercado.
bbbb)
No decurso desta reunião, aqueles não prestaram aos elementos do Banco de Portugal
presentes qualquer informação sobre as 17 Sociedades Cayman ou sobre os contratos celebrados entre as mesmas
e o ABN (na sequência dos quais esta instituição de crédito adquiriria a participação social de 4,98% no capital
social do BCP), apesar de o BCP continuar em falta quanto à informação solicitada já solicitada pelo supervisor.
cccc)
Em 14.01.2003, teve lugar nova reunião do Banco de Portugal com responsáveis do BCP, na
qual estiveram presentes o respectivo Presidente, à data, do Conselho de Administração do BCP, Jardim
Gonçalves e o Administrador Antonio Rodrigues, com a finalidade de ser feito um novo ponto de situação sobre
as questões relativas à actividade do Banco arguido que vinham sendo objecto de acompanhamento especial por
parte do Banco de Portugal.
dddd)
Nesta reunião, os arguidos Jorge Jardim Gonçalves e António Rodrigues voltaram a não
prestar aos elementos do Banco de Portugal presentes qualquer informação sobre as 17 Sociedades Cayman ou
sobre os contratos celebrados entre as mesmas e o ABN, apesar de o BCP continuar em falta quanto à informação
solicitada pelo supervisor.
eeee)
Em 31.01.2003 (depois da insistência do Banco de Portugal manifestada junto de Jorge Jardim
Gonçalves, através da carta com a ref.ª 009/GAB, de 27.01.2003), o BCP – através da carta com a refª
ADM/AD/DAU/018/2002, assinada por António Rodrigues e Filipe Pinhal – enviou ao supervisor informação
sobre os titulares de acções em custódia na Sucursal e na Filial de Cayman daquela instituição, informação
reportada, a 31.12.2002 e não ao final de Outubro desse ano, como havia sido solicitado anteriormente pelo
Banco de Portugal.
ffff)
Nesta data e quer por força da operação ABN quer por força da transmissão das sub-holdings
para os 3 UBOs, os arguidos conseguiram de forma hábil omitir as 17 Cayman e seus financiamentos do
supervisor.
gggg)
Assim, a análise conjugada dos negócios descritos e da correspondência mantida entre o BCP
e o BdP permite alicerçar a convicção de que os arguidos ocultaram ao BdP a existência das Cayman e os
prejuízos verificados a partir de 2001.
hhhh)
A análise dos relatórios do Banco de Portugal também impõe concluir que os arguidos não
revelaram ao BdP que as sociedades GF não eram efectivamente de Gois Ferreira e Bessa Monteiro.
iiii)
Assim, vê-se no Relatório de Fevereiro de 2000, com referência a 39-09-1999, fls 2 a 56 do
anexo XXIV, que foi detectada a existência de créditos concedidos à Sherwell, sendo os beneficiários efectivos
Gois Ferreira e Bessa Monteiro, com 50%, cada. Tal consta no mandato de gestão, nas fichas de abertura de contas
e na deliberação social de constituir ambos procuradores.
74
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S.
R.
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jjjj)
Nos comentários de A. Rodrigues e F. Pinhal ao relatório através da carta de 29-06-2000,
não é feita nenhuma referência ao facto de os beneficiários não serem esses.
kkkk)
Tal omissão condicionou o BdP na avaliação feita, como A. Marta referiu “GF tinha uma
posição acionista a constituir e era um cliente idóneo e da confiança da administração”. A qualidade do cliente,
claro que interessava!!!
llll)
No Relatório de 2001, com referência a Março de 2001, foram detectadas as sociedades
Sevendale, Hendry e Sommerset, com elementos, que indicavam a titularidade pelos UBOS fictícios.
mmmm) Por cartas datadas de 30-08-2001 e 11-09-2001 – fls 181, 182 do anexo XXIV dirigidas a
Jardim Gonçalves, o BdP remeteu o relatório e a acta da reunião final da inspecção, na qual se lê expressamente
que foi detectada a existência de deficiências ao nível da identificação dos grupos de clientes, em particular ao
grupo GF, onde não foram considerados os riscos sobre essas sociedades – fls 183-184.
nnnn)
Em 12-12-2001 A. Rodrigues e F. Pinhal assinam os comentários do BCP ao BdP , fls 185
a 189, não contrariando a imputação feita. No Relatório de 2003 com referência a 31-12-2002, o BP verificou
que só a Sherwell estava associada a GF – fls 190 a 255 do anexo XXIV.
oooo)
Na carta enviada ao BCP que remeteu o relatório de inspecção, fls 262 e 263 do mesmo anexo,
refere-se expressamente que o credito concedido a um reduzido numero de clientes membros do CS com acções
próprias da própria instituição, o qual no caso das três off-shore pertencentes a CF não se encontra formalizado. O
BdP assinalou que as off-shore não estavam agregadas ao Grupo Gois Ferreira. Mais uma vez, Filipe Pinhal e
A.Rodrigues não contrariam este entendimento, na carta de 22-12-2003 que enviaram.
pppp)
Em 5-01-2004, na sequência da reunião realizada em 12-12-2003 com a administração do
BCP, foi dirigida a Gonçalves a carta já referida, em que se referia a necessidade de reportes autónomos e
especiais, com periocidade semestral sobre a matéria.
qqqq)
Os reportes foram enviados em 27-02-2004, / anexo XXIV, 28-05-2004 e 14-06-2005, estes
últimos no Anexo XXIV- D, sempre associando as sociedades ao grupo GF.
rrrr)
Assim, conclui-se que até Junho de 2005, na correspondência mantida, os arguidos Jardim
Gonçalves, Filipe Pinhal e Antonio Rodrigues ocultaram ao BdP o facto de os beneficiários económicos das
sociedades serem fictícios.
ssss)
Para o preenchimento do tipo legal de falsificação de documento não é necessário que cada
arguido conhecesse em pormenor os montantes contabilísticos lançados, a evolução creditícia mensal de cada
uma das off-shore, o seu momento de constituição, quem era o funcionário que a constituiu, os prejuízos
verificados em cada momento da vigência dos emprestimos.
tttt)
O que está em causa é o facto de os arguidos saberem que as contas auditadas não
correspondiam à realidade, que nas contas do Banco as off-shore GF e Cayman não foram consolidadadas,
constando como clientes do Banco, e que a consolidação implicaria o abatimento das acções aos capitais próprios,
com diminuição dos lucros verificados, sendo consequentemente falsa a informação financeira veiculada à
supervisão, ao mercado e aos investidores através dos relatórios e contas de 2001 e 2002.
uuuu)
Os arguidos sabiam que as contas submetidas à apreciação e votação do Conselho de
Administração não correspondiam à realidade financeira do Banco, porque das mesmas não constavam os
prejuízos sofridos com as Cayman já em 2001, e isso basta para que se mostre preenchido o crime de falsificação
de documento.
vvvv)
Impõe-se assim que se dê como provada a materia factual constante dos pontos u4, v4, w4, x4,
r5, s5, t5, u5, v5, w5, a6, d6, e6, h6, k6, l6, m6, n6, o6, p6, r6, s6, t6, u6, v6, w6, x6, y6, a7, d7, e7, f7, g7, h7 ,i7,
j7, l7, m7, n7,p7, q7, r7, w7,x7, e8, m8, z8, e12 f12, h12, j12.
wwww) Acerca do impacto na liquidez do título por força das transacções efectuadas por M. M. Duarte
foram discutidos vários estudos econométricos sobre liquidez e ordenada uma perícia com esse objeto.
xxxx)
Os arguidos contestam os critérios usados pela CMVM, solicitaram um estudo de
econometria, entretanto rebatido não só por estudos posteriores da CMVM, mas também sempre infirmado pela
perícia realizada pelo Prof. João Duque.
yyyy)
Basearem num só critério – spread bid/ask – para aferir o impacto na liquidez das
intervenções das sociedades offshore, desconsiderando por completo outros, como o volume de transações, algo
nunca visto.
zzzz)
O número e valor (volume) das transações são não só os critérios relevantes para a aferição
dos níveis de liquidez de valores mobiliários previstos em atos normativos em que o tema liquidez assume
relevância jurídica; como, No âmbito da integração de valores mobiliários em índices bolsistas, p. ex. o PSI-20,
são os indicadores de referência usados pelas gestoras dos índices para medir a liquidez, e não outro critério, como
o do spread bid/ask.
aaaaa)
Tanto assim é que, quando os Relatórios e Contas do BCP salientavam e difundiam
informação sobre a liquidez da acção, claro está, não recorriam nunca ao spread bid/ask (que aliás nem consta que
os arguidos conhecessem, mas que seriam os relevantes para investidores), mas sim àqueles critérios, que agora
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perderam a sua relevância para os arguidos. É por demais evidente que não é apenas e só por tal critério que se
deverá aferir da sensibilidade do impacto das transações na liquidez do título, mas sim, e conforme é efetuado na
perícia, com base na conjunção dos vários critérios, assumindo prevalência o volume de transações, critério
universalmente aceite para esse efeito.
bbbbb) Da perícia junta aos autos pelo Prof João Duque resulta claramente que embora não se tivesse
demonstrado que a intervenção das offshore no mercado tivessem alterado a cotação do título BCP, era adequada
a influenciar a liquidez do título, aferida essencialmente pelo volume de transacções, confirmando-se nesta parte o
estudo da CMVM vertido na pronúncia.
ccccc)
Aliás do texto do Acordão resulta que a actuação das offshore foi adequada a influenciar a
liquidez do título, citando-se o Sr. Perito “ acrescentou o Senhor Perito que a questão, nos autos, não se prende
com a afirmação de que a actuação das sociedade Cayman e Góis Ferreira, através das transacções realizadas
sobre o título BCP, foi apta a influenciar a liquidez do título – pois esta questão não admitirá outra resposta que
não seja afirmativa, conforme já exposto – mas com a questão da significância ou relevo das ofertas ou das
transacções realizadas por tais entidades offshore. Explicou, de forma clara e com recurso a exemplos, a razão
pela qual a questão dos presentes autos não passa por apurar se o total das transacções realizadas, pela actuação
destas sociedades sobre o título BCP, foi apto a influenciar a liquidez do título – porque foi e sempre será,
conforme se explicou – ,mas apurar se determinado evento provoca uma alteração daquilo que é o fluxo normal ou
histórico da liquidez, ou seja, determinar se, a partir do momento em que “x” de operações são promovidas por
duas entidades – Góis Ferreira e Cayman - , a actividade destas contas altera significativamente o fluxo de
negociação. Alertou o Senhor Perito para a circunstância de se puder concluir que as transacções efectuadas pelas
offshore tiveram um impacto estatisticamente significativo por recurso a um indicador de liquidez mas não ser
estatisticamente significativo por aplicação de critério diverso, pondo em causa, desta forma, aquela constatação.
ddddd) Acrescentou, ainda que, sendo a tendência no sentido de intervir do lado da venda quando o
mercado está a subir e comprar quando está a cair, nada de anormal tem o comportamento das offshore,
afirmando claramente que uma estratégia de estabilização do preço das acções implicava que o critério spread bid
ask não se aplicasse – “se eu tiver uma má pratica para uma boa gestão, o bid ask não é alterado”.
eeeee)
Das declarações do Sr Perito, resulta assim, de forma cristalina que, caso fosse veiculada a
informação ao mercado a respeito das offshore, da actuação dessas entidades e transacções do título BCP
efectuadas por esta instituição através daquelas, dos financiamentos concedidos às mesmas e do montante das
perdas associado a essas operações, essa informação teria impacto no mercado com reflexo ao nível do volume
das transacções, aceitando este como um efeito normal, no plano dos investidores, perante o conhecimento de que
o emitente transacciona as suas próprias acções.
fffff)
Impõe-se assim dar como provado os pontos f, g, h, sl,d3, b5, f5, k5, l5, o5, n5, q5, x5, dos
factos “não provados”, que se referem essencialmente à estratégia de estabilização do preço prosseguida através
da actuação das offshore, e do juízo de adequação que é necessário e suficiente para se concluir pela existência de
crime de manipulação de mercado.
ggggg) Os factos assentes na fundamentação do Acordão são susceptíveis de integrar em concurso
efectivo, os crimes de manipulação de mercado e falsificação de documento.
hhhhh) De acordo com a doutrina que tem baseado a jurisprudência constante do STJ – ultimamente
reafirmada no Acórdão de fixação de jurisprudência nº 10/2013 –,existe um concurso efectivo de crimes entre
falsificação de documento e burla, o que se conclui tanto por recurso à doutrina de Eduardo Correia, como à
doutrina de Figueiredo Dias; De acordo com a primeira, porque na interpretação constante da jurisprudência, o
que decide do concurso aparente e efectivo de crimes é a identidade ou diversidade dos bens jurídicos protegidos,
essa conclusão é evidente a partir do momento que, como o próprio acórdão recorrido afirma, “na comparação
dos dois tipos, verifica-se existir uma bipolaridade de bens jurídicos protegidos”; Mas também de acordo com a
doutrina de Figueiredo Dias se impõe a mesma conclusão, já que, não está demonstrado que os agentes praticaram
a falsificação com o fim exclusivo ou predominante de manipular o mercado. Nem isso é verdadeiramente
relevante, na medida em que, ao contrário do que diz expressamente o acórdão recorrido, o sentido e efeitos da
falsificação da contabilidade vão muito para além da manipulação de mercado (tendo sido pelo menos queridos a
título de dolo necessário), pelo que tem de se reconhecer uma incontornável pluralidade.
iiiii)
Em qualquer caso chega-se sempre a uma firme conclusão no sentido do concurso efetivo de
crimes.
jjjjj)
Ao decidir no sentido inverso o acórdão recorrido interpretou erroneamente e violou os artigos
30º, 77º e 256º, nº 1, als. d) e e), ambos por referência ao artigo 255º, al. a), do Código Penal e 379º, nº 1, do
Código dos Valores Mobiliários.
kkkkk) Em conclusão e em conformidade com o exposto, se entende ter-se verificado erro de
julgamento, ao absolver-se o arguido Christopher Beck da prática do crime de manipulação de mercado, previsto e
punido no artigo 379, nº1 do CMV e condenar-se os arguidos Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal e António
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Rodrigues sem ter em consideração os factos constantes dos pontos impugnados, devendo o Acórdão ser revogado
e substituído por outro em que se profira decisão em conformidade.
lllll)
Caso V. Exas assim, não entendam, deve declarar-se procedente a arguição do vício do erro
notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410 nº2, c) do CPP, alterando-se os factos não provados
constantes da impugnação a que procedemos por forma a que os mesmos sejam integrados nos factos provados do
Acórdão.
mmmmm) Existindo concurso efectivo entre as referidas normas e, consequentemente, condenando-se os
arguidos pela prática, em concurso efectivo, dos crimes de falsificação de documento p. e p. no artigo 256, nº1
alíneas d) e e) e de crime de manipulação de mercado, p. e p. no artigo 379, nº1 do CMV, deverão ser aplicadas
penas concretas aos arguidos mais elevadas, também por força do acolhimento das nulidades e impugnação de
facto efectuadas.
Da determinação da medida concreta das penas
nnnnn) Considera-se que, tendo como vector o art.º 71.º n.º 2 do C. Penal, tendo em conta o grau de
ilicitude dos factos, tendo em consideração que os arguidos sabiam que a actividade financeira do banco e a
existência de prejuízos não revelados podia ter efeitos sistémicos, densificada em relativamente a Jardim
Gonçalves dada a maior responsabilidade que lhe cabia na gestão do banco, a intensidade do dolo que foi directo e
que se manifestou durante anos, a ausência de arrependimento, serem adequadas as seguintes penas: 5 anos de
pena concreta para o arguido Jardim Gonçalves, suspensa na sua execução mediante condição de pagar à
instituição constante do referido acórdão a quantia de 10.000.000 de Euro; 3 anos de prisão para os arguidos C.
Beck, Filipe Pinhal e António Rodrigues sob condição de pagarem às instituições referidas no douto acórdão, as
quantias de 3 000.000 de Euros quanto aos arguidos C. Beck e Filipe Pinhal e 2.000.000 de Euros quanto ao
arguido António Rodrigues, assinalando-se que, quanto a este arguido, justifica-se a diferença dado encontrar-se
impedido de exercer funções na banca e não se encontrar ainda reformado.
Nestes termos, concedendo provimento ao recurso interposto, condenando o arguido C. Beck pela
pratica em concurso efectivo de um crime de manipulação de mercado, p. e p. nos arts 379.º n.º 1 da CMVM e
um crime de falsificação de documento p. e p. no art.º 256.º n.º 1 als. d), e e), do C. Penal, e substituindo as
penas concretas aos arguidos Filipe Pinhal, Antonio Rodrigues e Jardim Gonçalves nos termos pugnados,
V. Exas farão JUSTIÇA !!!
***
O Ministério Público alegou, também, em resposta a todas as motivações de recurso
apresentadas pelos arguidos, pugnando detalhadamente pela improcedência de todos os
fundamentos desses recursos.
Por seu turno, todos os arguidos responderam ao recurso apresentado pelo Ministério
Público, pugnando circunstanciadamente pela improcedência dos respectivos fundamentos.
***
Ainda antes do julgamento e da prolacção do acórdão acima mencionado veio a ser
pelo tribunal a quo, o despacho de 7/1/2012, documentado a fls. 9453-9478 dos autos, que
julgou improcedente a excepção de prescrição do procedimento criminal alegada pelos
arguidos (1) Jorge Jardim Gonçalves e (4) Christopher de Beck.
Inconformado com esse despacho de indeferimento apresentou o referido (1) arguido
Jorge Jardim Gonçalves, recurso para este Tribunal da Relação de Lisboa, a fls. 9523-9548,
concluindo nos seguintes moldes:
A) A decisão recorrida julgou improcedente a excepção de prescrição dos factos ocorridos até Dezembro de
2002, e, portanto, a prescrição do crime de manipulação de mercado, por entender que "da factualidade
considerada indiciada decorre que o plano que está subjacente ao início da ação prolongou-se no tempo, tendo cessado,
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apenas, no ano de 2007. As diversas operações descritas na Decisão Instrutória e cuja prática é imputada aos arguidos
surgem interligadas e dissociáveis, na atuação concertada dos arguidos com vista à execução da estratégia delineada".
B) Ora, se é certo que no despacho se frisa que esta decisão assenta tão-somente na matéria indiciária da
pronúncia - e o Arguido está seguro de que o julgamento demonstrará que os Arguidos não delinearam qualquer
plano, nem participaram na execução de qualquer um dos actos materiais subsumíveis à prática dos ilícitos
penais em questão -, a verdade é que nem o próprio recorte factual do libelo permite a sua condenação pelo
crime de manipulação de mercado, na medida em que o procedimento criminal pelos factos subjacentes à
prática do crime de manipulação de mercado se encontra prescrito.
C) Com efeito, tratando-se de um crime de execução instantânea, o prazo prescricional começa a correr desde a
data da prática do facto, salvo se as condutas que lhe sejam coordenáveis puderem ser integradas numa
unidade típica seja por recurso à ideia de unidade de resolução, seja por recurso à ideia de crime continuado.
D) In casu, o recorte fáctico e a respectiva análise conclusiva revelam uma aceitação acrítica da tese plasmada
na decisão instrutória pelo Tribunal a quo, quando é certo que a pronúncia se serve de uma ideia - abstracta - de
unidade de estratégia dos Arguidos (nos pontos 9. a 12. do libelo), como óbvio e ilegítimo expediente para
ultrapassar o tema da prescrição.
E) Efectivamente, não há uma única resolução criminosa - entendida como "o termo daquele específico momento do
processo volitivo em que o «eu» pondera o valor e o desvalor, os prós e os contras dum projecto concebido" - entre os
actos inerentes a (i) uma primeira fase de concepção, negociação, montagem, aprovação e/ou execução de operações
que visaram a colocação nas carteiras de entidades sob o exclusivo e dissimulado controlo do BCP de um
elevado número de acções representativas do capital do Banco; e (ii) UMA SEGUNDA FASE de pulverização e
diluição dos prejuízos decorrentes das transacções de títulos realizadas por aquelas entidades;
F) Basta pensar que, realizadas as operações de mercado para sustentar e/ou tornar mais volátil o título, os
Arguidos, defrontados com perdas que nem sequer se apurou se eram esperadas, tinham de decidir (i) ou nada
fazer ou (ii) procurar dissimular perdas (na tese dos arguidos, recuperar créditos), que o mesmo é dizer, tinham
de formar nova resolução, flagrantemente distinta da de realizar operações.
G) Assim como não se verifica entre essas formas de actuação a "necessária (...) conexão temporal que, em regra e
de harmonia com os dados de experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter
de renovar o respectivo processo de motivação"
H) Para além disso, e como fazem notar Figueiredo Dias e Costa Andrade, "A acusação refere ainda "que as 1 7
sociedades Cayman negociaram títulos entre Setembro de 1999 e Dezembro de 2002, explicitando que as sociedades Goes
Ferreira não procederam a negociações suspeitas a partir do final de 2002. Na verdade estas últimas não desenvolveram
qualquer actividade no ano de 2003, limitando-se, já no ano de 2004, a vender a totalidade de acções que tinham em
carteira, sem realizar qualquer actividade aquisitiva.
Não pode deixar de se salientar que a Acusação se socorre deste último facto, relativo às sociedades Góis Ferreira, para
sustentar que a atividade fraudulenta sobre o mercado persistiu unitária e ininterruptamente até ao ano de 2004. Tal
argumentação não resiste, porém, a um mais cuidado exame crítico. Desde logo, não pode ser pura e simplesmente
desconsiderada a interrupção na atividade daquelas offshore no ano de 2003. Tal indicia, com efeito, que, a existir alguma
prática fraudulenta ao mercado, ela teria cessado em Dezembro de 2002. Por outro lado, não pode presumir-se, sem mais como parece resultar da Acusação que a venda de ações em 2004, no cenário económico de então, constituiu ato idóneo a
alterar a cotação de mercado das ações do BCP. Trata-se de uma conclusão apressada e não fundamentada,
necessariamente dependente da análise do peso daquelas vendas no preço das ações. Na certeza de que, a existir
influência, ela seria substancialmente menor, dado o contexto económico que envolvia as ações do BCP e o fim da atividade
das 17 Cayman em 2002. Por fim, permanece a dificuldade em acompanhar a acusação na parte em que inclui numa
unidade factual as vendas realizadas em 2004, não tendo ocorrido qualquer atividade das sociedades offshore Góis Ferreira
no ano de 2003 e tendo já cessado a atividade das sociedades Cayman em 2002."
I) Finalmente, nota-se ainda que as condutas sub judice não podem também ser unificadas por recurso à ideia de
crime continuado, visto faltar, evidentemente, (i) homogeneidade na forma de execução - entre 1998 e 2007 -, (ii)
unidade do dolo, e por argumento de maioria de razão (iii) não persistir uma situação exterior que facilite a execução e
que diminua consideravelmente a culpa do agente, proporcionando as subsequentes repetições e a sugerir a sua
menor censurabilidade.
J) Posto isto, e sendo certo que o crime de manipulação de mercado sub judice assenta em transações e
correspondente divulgação, ocorrida entre 1999 e Dezembro de 2002, o presente procedimento criminal deve
ser julgado extinto por prescrição, atenta o tempo entretanto decorrido e a medida da pena aplicável à espécie
9
criminal em causa - ut, art s 379.º, n.º 1 do CMVM e 118.º, n.º 1, alínea c) do CP, sendo certo que não ocorreu in
casu qualquer facto interruptivo ou suspensivo da prescrição. De resto, isto mesmo concluiu a CMVM no quadro
do processo contra-ordenacional movido contra os Arguidos.
K) Nestes termos deve a decisão recorrida ser substituída por outra que, em conformidade com o disposto nos
art°.s 379.º, n.º 1, e 118.º, n.º 1, al. c), do CP, declare a extinção do presente processo criminal relativamente ao
crime de manipulação de mercado, por prescrição.
TERMOS EM QUE SE IMPÕE A REVOGAÇÃO DO DESPACHO RECORRIDO, SUBSTITUINDO-O POR OUTRO, NOS TERMOS
PETICIONADOS, COM O QUE FARÃO V.EX.ªS. JUSTIÇA!
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Em resposta a este recurso, o Ministério Público apresentou resposta, em que pugna
pela improcedência do mesmo, tudo isto com os fundamentos da resposta inserta a fls. 95719578.
***
***
Após a prolacção do acórdão acima mencionado veio a ser proferido pelo mesmo
tribunal a quo, o despacho de fls. 14982, que conferiu carácter urgente ao processamento
destes autos, sendo que vieram a ser apresentados recursos pelos arguidos (1) Jorge Jardim
Gonçalves e (2) Filipe Pinhal, os quais vieram a ser mandados subir em saparado e com
efeito devolutivo, com apenso autónomo (G).
***
***
Nesta instância, após a vista dos autos em que não se admitiu a renovação da prova,
veio a ser designada a audiência de julgamento que na sua realização obedeceu aos legais
formalismos.
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