Personalidade Personalidade José ribeiro Júnior José Ribeiro Júnior A história total “Ter crescido com a Universidade foi uma experiência indescritível”, garante o historiador, com quase meio século dedicado ao magistério. © Paulo Velloso D 6 UnespCiência Nascido e criado em São Paulo, no bairro esde o início, não houve dúvida. Já a partir da adolescência, José Ribeiro Jú- operário do Brás, Ribeiro Júnior formou-se na nior sabia que seu objeto de estudo estaria, USP, em 1964, no que chama de “ano fatídico”. de alguma maneira, estreitamente ligado ao Já na colação de grau, um sinal do que viria homem. Restava a questão: que caminho tri- pela frente: o patrono da turma, o físico Mario lhar para melhor aproximar-se de fenômeno Schenberg, foi impedido de falar, vetado pelos tão complexo como a trajetória da humanidade militares. “O substituto, Florestan Fernandes, sobre a Terra? Chegou a pensar em Biologia, acabou por fazer um discurso memorável, em logo descartada, e andou de namoro com a que traçava linhas de enfrentamento da ditadura Psicologia – que acabou cedendo espaço, em e que, logo depois, foi publicado pela editora Civilização Brasileira e acabou tornando-se definitivo, para a História. Curioso, de temperamento inquieto, Ri- um clássico da resistência.” Sobretudo para quem, como Ribeiro Júnior buscava uma visão beiro, ambicionava empreender universal da vida. “Queria alguma uma crônica da vida cotidiana do coisa que fosse bem abrangente Vetado pelos País, a atmosfera em São Paulo, e que me desse a oportunidade militares, o depreende-se, não era das melhores. de estudar o homem em socieda- patrono da Sob incômoda vigilância, decidiu de”, lembra, hoje. “Imaginei que a turma, Mario afivelar as malas e, com a mulher História pudesse me oferecer essa Schenberg,foi e os dois filhos – Josete, de um ano abordagem, e estava certo.” Se a impedido de e meio, e Ricardo, com três meses opção foi certeira, a época da es- discursar. –, rumou para a então Faculdade colha inspirava cuidados. Texto de Paulo Velloso UnespCiência 7 Personalidade Personalidade José ribeiro Júnior © Daniel Patire José Ribeiro Junior (à esq.), então ouvidor da Unesp, em sessão do Conselho Universitário em 2012 © Arquivo pessoal Livros publicados por José Ribeiro Júnior 8 UnespCiência pesquisou o tema Companhia de de Filosofia de Assis (Fafia), no O contato Pernambuco e Paraíba, no períinterior de São Paulo, onde aca- com a capital odo compreendido entre 1750 e bara de ser aprovado em concurso. francesa era 1777. “Voltei ao Brasil com muito A instituição vivia um grande tão grande, material e bastante motivado”, remomento, e a cidade recebia de que brincavacorda. Com base nas informações braços abertos os novos docentes. se: “De Paris recolhidas, redigiu o mestrado e “Já existia, lá, um excelente cur- para Assis”. escreveu a tese de doutorado Coso de Letras, criado por Antonio lonização e monopólio no Nordeste Candido, e mestres como Antonio brasileiro, depois publicada pela Soares Amora e o espanhol Julio editora Hucitec. Garcia Morezon, um literato de Seguiu-se, então, um período de raro dinamismo”, descreve. “Ter ido para Assis, naquele momento, foi o melhor profundas pesquisas históricas e de intensas passo que dei na minha vida.” Recém-formado, atividades administrativas. Ribeiro dirigiu por Ribeiro admite ter concluído na Fafia a sua quatro anos a Associação Nacional de Históformação: “Inexperiente, fui morrendo de me- ria (Anphu), com mais de cinco mil associado. Mas recebi total apoio dos colegas”. E que dos, e a Associação de Historiadores Latinocolegas: com Ribeiro, aportaram na faculdade -Americanos e do Caribe (Adhilac), com sede nomes como Nilo Odália, Heloísa e Manoel em Cuba. “Em meio a tudo isso, existia uma Bellotto, Anna Maria Martinez Correa, Antonio grande ebulição intelectual, com estudos aproCarlos Bernardo e Jaime Pinsky, entre outros. fundados da chamada ‘Escola de Frankfurt’, Outro grande momento de transformação e de ingleses como Eric Hobsbawn”, afirma. Foi a época, ainda, da “Nouvelle Histoire”, viria a seguir: uma temporada de estudos em Portugal, com bolsa da Fundação Calous- de Jacques Le Goff, e da terceira geração da te Gulbenkian. Durante seis meses, Ribeiro “École des Annales”. “Pesquisávamos o homem em sua totalidade, focados na ‘História Total’, “viver é mudar”, Ribeiro Júnior aposentou-se que incluía a história da morte, do medo, da em meados de 2001 – mas não parou. Depois loucura e da sexualidade, por exemplo.” A troca de um período no Instituto de Estudos Bracom a capital francesa, no período, era tão in- sileiros (IEB), da USP, onde deu andamento tensa, que se usava a expressão “de Paris para às suas pesquisas sobre a chamada “História Assis” para descrever os historiadores da Fafia. das Mentalidades”, aceitou o convite-desafio Com a experiência administrativa adqui- do reitor Marcos Macari para criar a Ouvidorida em Assis – foi chefe de departamento e ria da Unesp. “Estávamos bastante atrasados diretor da Unidade (1987-1991), a essa altura em relação à USP e à Unicamp, que já tinham já incorporada à Unesp com o nome de Fa- suas ouvidorias há algum tempo”, diz. “Montei culdade de Ciências e Letras –, Ribeiro ini- a estrutura e fiquei por lá até 2013, quando, ciou sua aproximação com a Reitoria. “Con- mais uma vez, chegou a hora de mudar.” vidado pelo então reitor Arthur Roquete de Aos 75 anos, cinco netos, quase meio sécuMacedo, assumi a Pró-Reitoria lo de Universidade, José Ribeiro de Pós-Graduação e Pesquisa”, Júnior garante que, passando a relata. Em seguida, presidiu por vida em retrospecto, não se ardois anos a Asociación Universirepende de nada. “Não digo que tária Iberoamericana de Posgrado faria tudo de novo, porque adoro (AUIP), com sede em Salamanca, “Ao ter mudar, mas crescer com a Unesp Espanha, até ser nomeado diretor- dedicado foi uma experiência indescrití-presidente da Vunesp – Fundação minha vida ao vel”, diz. “Ter dedicado minha para o Vestibular da Unesp, onde magistério, vivi vida ao magistério, vivenciando ficou até 2001. integralmente a minha vocação, integralmente Fiel à máxima do historiador a minha me dá a certeza de ter cumprido francês Lucien Febvre, para quem vocação”. a minha missão.” UnespCiência 9