Concepções de desenvolvimento que referenciam as políticas sociais na América Latina Rosa Helena Stein∗ [email protected] Eje: Desarrollo Sostenido Mesa de Trabajo: Desarrollo Humano Palabras claves: Desarrollo, politica social, organismos multilaterales, focalización, esclusión social Resumo O presente trabalho busca compreender a evolução das questões relativas ao desenvolvimento, bem como as concepções mais recentes que servem de orientação para as políticas sociais na América Latina. Tem-se como referência o contexto de mudanças vivenciado pela América Latina nesse último século. Foram destacadas as concepções oriundas de organismos multilaterais como o Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. A primeira vem, desde a sua criação, exercendo ou mesmo determinando o modelo de desenvolvimento, principalmente dos países do Terceiro Mundo, e desenvolvendo a política social de forma residual. A segunda, incorpora novos indicadores que levam em consideração as necessidades humanas. Este trabalho está dividido em três partes: A primeira, registra o contexto de mudanças vivenciada pela América Latina nesse último século. Na segunda, tratamos de compreender as questões relativas ao desenvolvimento, identificando conceitos e distinguindo as concepções expressas pelos organismos multilaterais. Por último, destacamos os sentidos e as implicações da proposta de focalização para as políticas sociais constante nas orientações dos referidos organismos, à medida que constitui, ao mesmo tempo um critério de inclusão e de exclusão. 1. Contexto de mudanças na América Latina ∗ Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília. Mestre em Política Social. Aluna do Programa de Doutorado em Estudos Comparados sobre América www.ts.ucr.ac.cr 1 As últimas décadas têm evidenciado modificações profundas nos processos de trabalho, hábitos de consumo, configurações geográficas e geopolíticas, poderes e práticas de Estado. O desemprego e a exclusão social revelam-se como as marcas do mundo atual, assim como, a crescente diferença entre o mundo rico e o mundo pobre. Este cenário se constitui na principal contradição do sistema capitalista da atualidade. A chegada do novo século nos impõe uma análise no sentido de identificar, como propõe Thorp (1998), “o que realizaram as economias latinoamericanas no curso de 100 anos e como ocorreram essas realizações?” (p.1). A autora destaca que: - Em 1900, a América Latina, contava com 70 milhões de habitantes enquanto que, ao final do ano 2000, aproxima-se a 500 milhões; - No início do século, três quartos da população viviam no campo, hoje, dois de cada três habitantes vivem em cidades. Apesar das mudanças, do crescimento da economia a América Latina ainda permanece distante em relação ao mundo desenvolvido. As maiores economias latino-americanas registravam, em 1900, renda per capita 14% inferior à dos Estados Unidos e 13% na década de 1990. A indústria, apesar de ter crescido de 5% a 25% do PIB, não garantiu, na mesma proporção, a participação do continente no comércio mundial que caiu de 7% para 3%. A esperança de vida passou de 40 para 70 anos e as taxas de alfabetização cresceram de 30% para 85% dos adultos. Contudo, piorou a distribuição de renda. Hoje, afirma a autora, “duas de cada cinco famílias latinoamericanas são classificadas como pobres” (p.2). Agrega-se a estes dados, transformações das estruturas básicas dos países latino -americanos, como a revolução na infra-estrutura e na integração nacional na metade do século e, ao seu final, outra revolução com as comunicações. Destacam-se, também, as transformações institucionais, consideradas não só em relação às organizações (judiciário, bancos centrais, Latina e Caribe - CEPPAC/UnB. Trabalho apresentado ao XVII Seminário Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social; Lima, Peru.2001. www.ts.ucr.ac.cr 2 ministérios, empresas), como também às regras do jogo (direitos de propriedade, costumes). As referidas transformações podem, cronologicamente ser assim sintetizadas: Nos anos 20 ganha ênfase a inovação institucional. No período 19291937, apesar da profundidade da “depressão” (ruptura no padrão de acumulação), constata -se maiores graus de liberdade em termos externos. A maioria dos países latino-americanos havia instalado nesse período unidades de transformação industrial (Cano, 1999:289). No período de 1940 a 1960, verifica-se crescimento institucional nas empresas públicas, nos bancos de desenvolvimento, nas instituições de desenvolvimento industrial e nos organismos de desenvolvimento agrícola, que promoviam a tecnologia e o crédito. Entre 1937-1945, ganha mais evidência a chamada “nova era”, com a consolidação da indústria leve em alguns países, considerando que quase todos os países, os médios e os grandes, já contavam com alguns segmentos industriais mais avançados da química e da metalurgia. O processo de industrialização ganha apoio político de grande contingente de trabalhadores, incorporados pela urbanização. Entre 1945-1955, ganha proporção a mudança de comportamento norteamericano com relação à América Latina, provocada pela ameaça ao imperialismo, pela consolidação da União Soviética e pelas conquistas socialistas no leste e no centro europeus. A chamada Guerra Fria fez com que os EUA apoiassem ações repressivas ao nacionalismo, bem como às forças políticas progressistas. No período entre 1955-1973 registra-se a ascensão e declínio de uma época de grande crescimento e transformação para os países desenvolvidos tendo em vista que o sistema industrial americano é incorporado pela Europa Ocidental e Japão. Em início dos anos 60,estes últimos iniciam o seu apogeu, enquanto os EUA começam Ter sua expansão reduzida. Neste período, a América Latina enfrentava dificuldades para continuidade do processo de industrialização, o que não impediu a existência de tensões políticas internas, originando movimentos reivindicatórios e lutas políticas em favor das Reformas de Base - Agrária, Urbana, Regional, www.ts.ucr.ac.cr 3 Tributária, Financeira, Administrativa, Judiciária e Política (Cano, p.293). Paralelamente, a administração pública buscava o aperfeiçoamento de técnicas de gestão, planejamento e projetos, assim como, melhoria dos instrumentos de política econômica. Nos anos 70 e 80, a América Latina entra numa fase em que ocorre a mudança do modelo de desenvolvimento, que vai da intervenção estatal para os mercados livres, provocando a abolição de muitas organizações, redução de sua importância ou privatização. Ao mesmo tempo, passa a ter importância fundamental a criação ou o fortalecimento de outros tipos de instituições. Em resposta às fases de crescimento da economia mundial, ocorre no continente, como analisa Thorp, um padrão de ondas de expansão. Inicialmente, um período de crescimento impulsionado pelas exportações de produtos primários e, logo após, o modelo de industrialização, baseado na substituição de importações. Contudo, a expansão foi em grande parte financiada pelo endividamento externo e cimentada na estrutura de distribuição de renda desigual. Esta desigualdade constituía um aspecto funcional de eficiência na trajetória do crescimento. Durante toda essa década, como assinala Cano (p.298), muitos economistas, não só do governo, como da academia e do setor privado, direcionaram suas preocupações não mais para o crescimento, mas para a conjuntura, os juros, os preços, o câmbio e o salário. Mas, alerta o autor, não foram só essas as perdas. O desemprego aberto urbano subiu de 6,7% em 1980 para 8,3% em 1985, e sua queda, em 1990, para 6,2%, deveu-se muito mais à informalização do emprego (cuja taxa passa de 40% para 52%) do que à geração de empregos formais. As políticas salariais encarregaram-se de reduzir os salários, entre 1980 e 1990, em 33% para o salário mínimo, 13% para o industrial, 14% para o da construção civil e 28% para o rural. Com isso, a piora na distribuição de renda foi grande, com o número de pobres, no mesmo período, passando de 136 milhões para 197 milhões e o de indigentes de 62 milhões para 92 milhões (Cano, idem). Vê-se, portanto, que na década de 90, as questões sociais ganham evidência e destaque. Neste cenário, importa questionar: É possível compatibilizar políticas propícias ao crescimento com a eqüidade social? www.ts.ucr.ac.cr 4 As perspectivas são de que o novo século será marcado por uma “maciça pobreza triturante e degradante ”, como afirma Moore: “em todas as nações prósperas, nossa má vontade de fazer alguma coisa para combater a pobreza tornou-se cada vez mais evidente perto do final do século XX”. Existe, afirma ele, “uma má vontade política em se utilizar os recursos abundantes, especialmente aqueles controlados pelos militares. Além desta má vontade, existe o temor de perturbação do sistema de privilégios e desigualdade. Medos e esperanças a esse respeito caracterizaram a história da civilização”. Moore, destaca também a existência de “obstáculos políticos para o tipo de cooperação interna e internacional necessária para gerar esses recursos e distribuí-los de forma eqüitativa...” (1999:236). Dessa forma, buscou-se, neste trabalho, compreender, qual o significado do desenvolvimento, da modernização, do crescimento, do progresso e para que e para quem estão sendo direcionados os seus frutos? 2 - Desenvolvimento em questão. 2.1 - Conceituação Desde que a questão do “desenvolvimento” 1 surgira pela primeira vez, ao término da Segunda Guerra Mundial, muitas foram as mudanças tanto no âmbito da experiência, como na teoria do desenvolvimento. Escobar (1996), em importante trabalho sobre a construção e desconstrução do desenvolvimento, destaca, no discurso de posse de Harry Truman, como presidente norte -americano, em 20 de janeiro de1949, o chamado aos Estados Unidos e ao mundo para resolver os problemas das “áreas subdesenvolvidas” do globo. Ao destacar que mais da metade da população do mundo vivia em condições próximas à miséria, alimentação inadequada, vida econômica primitiva, considerava que o aumento da produção era a solução para a paz. Assim, afirmava que: para producir más es una aplicación mayor y más vigorosa del conoci“...su pobreza constituye un obstáculo y una ameaza tanto para 1 O termo “desenvolvimento” existe pelo menos desde a “Acta británica de desarrollo colonial de 1929”, ainda que seu uso na etapa inicial fosse diferente do que chegaria significar nos anos quarenta (Escobar, 1996, p.70). www.ts.ucr.ac.cr 5 ellos como para las áreas más prósperas. Por primera vez en la historia, la humanidad posee el conocimiento y la capacidad para aliviar el sufrimiento de estas gentes... Creo que deberíamos poner a disposición de los amantes da paz los benefícios de nuestro acervo de conocimiento técnico para ayudarlos a lograr sus aspiraciones de una vida mejor... Lo que tenemos en mente es un programa de desarrollo basado en los conceptos del trato justo y democrático... Producir más es la clave para la paz y la prosperidad. Y la clave miento técnico y científico moderno (Truman, apud Escobar, 1996:19) O propósito era ambicioso, como analisa Escobar, pois implicaria criar as condições necessárias para reproduzir em todo o mundo os traços característicos das sociedades avançadas da época, cujos principais componentes – o capital, a ciência e a tecnologia – tornariam possível uma revolução massiva . A conjuntura histórica de finais da Segunda Guerra Mundial fez com que este propósito ultrapassasse o âmbito dos Estados Unidos, ganhando respaldo dos poderosos. Entretanto, esse não seria um processo fácil. Para se acelerar o progresso econômico seriam necessários ajustes. Assim afirmara influente documento da época (1951), preparado por responsáveis pelo desenho de políticas e medidas concretas, congregadas pelas Nações Unidas, para o desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos: “Hay un sentido en el que el progreso económico acelerado es imposible sin ajustes dolorosos. Las filosofias ancestrales devem ser erradicadas; las viejas instituiciones sociales tienem que desintegrarse; los lazos de casta, credo y raza deben romperse; y grandes masas de personas incapaces de seguir el ritmo del progresso deberán ver frustradas sus expectativas de una vida cómoda. Muy pocas comunidades están dispuestas a pagar el precio del progresso econômico” (United Nations, 1951:15 apud Escobar, p.20). A vontade de transformar dois terços do mundo para alcançar os objetivos de prosperidade material e progresso econômico, já era hegemônica nos círculos de poder no começo dos anos 50. Neste mesmo período, a ênfase com as teorias do desenvolvimento econômico, até o enfoque sobre necessidades humanas básicas, nos anos 70, estava localizada não só no crescimento econômico como também na distribuição de seus benefícios. A questão que se colocava para os teóricos e políticos estava relacionada ao tipo de desenvolvimento a se buscar para solução dos problemas sociais e www.ts.ucr.ac.cr 6 econômicos na Ásia, África e América Latina. E, ainda que houvessem críticas e oposições às estratégias capitalistas da época, elas ocorriam relacionadas a determinado enfoque ou às propostas de modificações. Nunca ao questionamento do desenvolvimento ou de sua necessidade. Em que pese a duradoura preocupação com o desenvolvimento, ela não levou o mundo a se aproximar de um consenso definitivo, a não ser quanto à sua necessidade. O desenvolvimento havia se convertido numa certeza no imaginário social. Como afirma Escobar “la realidad, en resumen, había sido colonizada por el discurso del desarrollo...” (idem: 22). Wolfe (1976:22) identifica como elemento central do desenvolvimento considerado quase que universalmente pelos seus propugnadores - a elevação da produção per capita, em especial pela industrialização, o que exigiria a elevação ao máximo da taxa de investimento “produtivo”. Implícito neste ponto de vista, está a compreensão de que os países industrializados e de altas rendas fossem “desenvolvidos” e, que tal situação poderia ser alcançada pelos demais países. Apesar das críticas de que tem sido alvo, essa concepção segue teimosamente presente nos pontos de vista de muitos dirigentes políticos, planejadores e empresários. Entretanto Wolfe, reconhece dois usos do termo “desenvolvimento”, assim identificados: a) “desenvolvimento” consiste em processos de crescimento e de mudança nas sociedades humanas, sistematicamente interrelacionados, delimitados pelas fronteiras dos Estados Nacionais, porém altamente interdependentes em escala mundial (p.23). Tais processos revestem-se de uniformidades como também de características singulares em cada país ou sociedade. b) “desenvolvimento” expressa a aspiração a uma sociedade melhor e, constitui-se um sistema de interação cujo conteúdo é determinado pelos valores e preferências das forças dominantes da sociedade (Wolfe, 24/5). Sen (1998), por sua vez, ao estabelecer relações entre concepções de desenvolvimento, classificadas por ele de BLAST2 e GALA3, destaca a 2 3 BLAST (do inglês, blood, sweat and tears (sangue, suor e lágrimas). GALA (do inglês, getting by, with a little assistance). www.ts.ucr.ac.cr 7 importância não só do aprendizado com os acontecimentos em todo o mundo, como também com o que foi almejado por todos e, ainda assim, nunca chegou a acontecer. Apesar do autor não ocultar sua simpatia pela concepção GALA, alerta que as duas categorias não constituem uma “auténtica división”, utilizando tal classificação somente para distinguir as duas principais correntes de pensamento em torno da questão do desenvolvimento. Identifica a concepção BLAST de desenvolvimento como um processo “cruel” baseado em princípios morais que poderiam resumir-se em “Sangre, Sudor y lágrimas”, parafraseando Winston Churchill (p.591). Essa concepção de desenvolvimento contrasta com aquela que considera o desenvolvimento como um processo essencialmente amigável, na qual se destaca a cooperação entre os indivíduos, que o autor denominou GALA. Tal cooperação pode ser entendida, por um lado, pela interdependência característica do mercado e, por outro, pelos serviços públicos, capazes de fomentar a cooperação entre e para os indivíduos. A teoria BLAST caracteriza-se pelo princípio do “sacrifício necessário” para a consecução de um futuro melhor. Este enfoque adota formas variadas, dependendo dos ”sacrifícios” que queira efetuar, relacionados com a redução de serviços sociais, grande desigualdade social, autoritarismo, etc. podendo exigir-se, portanto, “sangue, suor e lágrimas” de diversas maneiras. O destaque realizado por Sen, à expressão “sangre, sudor y lágrimas”, no processo de desenvolvimento, está ligado à sua versão mais agressiva localizada no sucesso da expansão capitalista tradicional após longos e árduos esforços. A consideração a esse modelo como ideal a ser seguido, enfatiza a prioridade aos interesses empresariais, objetivando o incremento à capacidade produtiva de uma nação, em detrimento de medidas distributivas ou equitativas, às quais devem chegar a todos no seu devido tempo através do mecanismo de “filtración”. Destaca-se como uma de suas múltiplas variantes a necessidade de altos níveis de acumulação, que tem sido uma característica permanente do pensamento econômico do pós-guerra. Apesar do importante papel desempenhado pela acumulação de capital no desenvolvimento econômico, a teoria da “explosão da acumulação” revela, www.ts.ucr.ac.cr 8 por outro lado, relativo desinteresse com o bem-estar e a qualidade de vida no presente e no futuro imediato. Sen alerta para a necessidade de considerar-se novas fórmulas que levem em conta a correlação existente entre a produtividade econômica e a educação, a atenção à saúde, a alimentação e outros aspectos semelhantes, os quais, além do efeito imediato no bem-estar e na produtividade econômica, podem incidir na redução das desigualdades, em especial a desigualdade de gênero, considerada elemento central do subdesenvolvimento de muitos lugares do mundo (p.594). Entretanto, Sen chama a atenção para o que as experiências revelam. O desenvolvimento social por si só não é capaz de gerar crescimento econômico, sendo necessário, portanto, a combinação de medidas que promovam um crescimento econômico com maior igualdade social e uma distribuição mais eqüitativa da renda (p.596). Outro aspecto destacado pelo autor, relativo à radicalidade deste modelo de desenvolvimento, refere-se à supressão dos direitos humanos e outros “sacrifícios” relativos à democracia e aos direitos civis e políticos, tendo em vista a compreensão de que estes obstaculizam o crescimento econômico. Em que pese experiências de alguns estados de caráter autoritário (Corea do Sul e Singapura) registrarem taxas de crescimento econômico mais rápido do que outros estados menos autoritários (India, Costa Rica ou Jamaica), Sen afirma que os estudos estatísticos de caráter sistemático não confirmam a teoria de que existe um enfrentamento geral entre direitos políticos e atividade econômica. Mas, o fato de existir tal relação nos impõe a necessidade de, além dos dados estatísticos, realizar estudos sobre os processos causais intervenientes no crescimento e desenvolvimento econômico. Frente à crença de que os estados autoritários são supostamente os precursores de um sólido progresso econômico, Sen posiciona-se, mais uma vez, a favor da alternativa GALA, por proporcionar um marco mais amplo para entender o processo de desenvolvimento. A concepção GALA de desenvolvimento, por sua vez, é reconhecida por sua capacidade de harmonizar, de uma forma natural, a interdependência existente entre melhorar o bem-estar social e estimular a capacidade produtiva e o desenvolvimento potencial de uma economia. www.ts.ucr.ac.cr 9 Destaca, para tanto, o desenrolar de significativas mudanças nas análises do crescimento e do desenvolvimento econômico, que se traduzem na relevância atribuída ao capital humano. Isto tem implicado no retorno à concepção de desenvolvimento econômico de fundamentação aristotélica, na qual o eixo central da análise está focado no desenvolvimento do potencial humano e na capacidade produtiva da população. Este enfoque se distanciava muito dos primeiros modelos da teoria do crescimento do pós-guerra. Atualmente, a importância do capital humano é reconhecida, quase com unanimidade, contribuindo para humanização da concepção de desenvolvimento. Contudo, o reconhecimento por si só da referida importância, pode não destacar da mesma forma a relevância dos seres humanos no processo de desenvolvimento, assim como as metas desse próprio crescimento. Tais análises devem revelar não só o papel das qualidades humanas como motor do crescimento econômico, como também de suas metas. A ampliação da capacidade humana reveste-se de importância, tanto direta como indiretamente, para a consecução do desenvolvimento. Indiretamente, como assinala Sen, permitiria estimular a produtividade, elevar o crescimento econômico, ampliar as prioridades do desenvolvimento, bem como contribuiria para controlar a mudança demográfica, enquanto que diretamente, estaria afeto ao âmbito das liberdades humanas, ao bem-estar social e à qualidade de vida . Nesse sentido, a conotação explícita em tal fundamentação deve concretizar-se no terreno da política estatal (1998:600). Com base nestas considerações passa-se a identificar as concepções de desenvolvimento apontadas pelos organismos multilaterais, com influência na América Latina, e suas orientações na formulação de políticas sociais. 2.2. De quem e Para quê? A história da modernidade, não é só a história do conhecimento e da economia, é também a história do social (Escobar, p.55), assim identificado a partir da multiplicidade de intervenções que culminaram com a consolidação do Estado de Bem-estar, e com um conjunto de técnicas agrupadas sob o nome www.ts.ucr.ac.cr 10 de trabalho social. A história do desenvolvimento implica a continuidade da história do social. A multiplicidade de intervenções constituíram uma estratégia para administrar a pobreza, que juntamente com a saúde, a educação, a higiene, o emprego e a baixa qualidade de vida, converteram-se em problemas sociais, em contraposição às concepções e ao tratamento da pobreza até então. Em finais dos anos 40 e 50, o cenário internacional é marcado pelo crescimento da pobreza em escala global. Estimava-se que aproximadamente dois terços da população mundial vivia em condições de fome aguda – em 1949 a renda per capita dos Estados Unidos era de 1453 dólares, enquanto que na Indonésia chegava a apenas 25. Dados como estes geraram a convicção de que essa instabilidade deveria ser estagnada antes que chegasse em níveis intoleráveis, acrescida ainda do reconhecimento da ameaça que tal atuação representava para os países mais desenvolvidos. A identificação que é feita dos pobres – carentes daquilo que os ricos tinham em termos de recursos financeiros e bens materiais – é a mesma utilizada para identificar os países pobres em relação aos padrões de riqueza das nações economicamente mais adiantadas, cujo parâmetro é estabelecido a partir da utilização da renda anual per capita. Em 1948, o Banco Mundial definiu como pobres os países com renda per capita inferior a 100 dólares. Conseqüentemente, a solução para a insuficiência de renda localiza-se no crescimento econômico. O desenvolvimento como estratégia tem início a partir da organização, pelo Banco Internacional de Reconstrucción y Fomento – BIRF, de uma missão econômica para visitar a Colômbia, no período de 11 de julho a 05 de novembro de 1949, e formular um programa de desenvolvimento para aquele país. Esta foi a primeira missão enviada pelo Banco a um país subdesenvolvido4. 4 De acordo com Escobar a invenção do termo “economia subdesenvolvida” está relacionada à necessidade de representar o mundo com imagem ordenada, a partir da missão de Estudo do Banco Mundial à Colômbia. A Colômbia encontrada pela Missão era marcada por “problemas, oscuridade com caos” e, o Grupo precisava apresentá-la como imagem ordenada (p.115). Furtado (1987) explica o subdesenvolvimento atual como a incapacidade dos países “subdesenvolvidos” para alcançarem a segunda fase do desenvolvimento do capitalismo apoiada no avanço da tecnologia. www.ts.ucr.ac.cr 11 A partir da referida missão é possível inferir que a “salvação” para os problemas tanto da Colômbia, como para os demais países subdesenvolvidos, estava na exigência da convicção de que a única via era o desenvolvimento. Escobar resgata tal posição a partir da análise contida no documento elaborado pela Comissão da missão que afirmava: “... Todo lo que se necesita para iniciar un período de crecimiento rápido y difundido es un esfuerzo decidido de que parte de los mismos colombianos. Al hacer un esfuerzo tal, Colombia no sólo lograria su propria salvación sino que al mismo tiempo daria un ejemplo inspirador a todas las demás áreas subdesarrolladas del mundo” (Internacional Bank, 1950 apud Escobar, p. 58). Essa missão inicial possibilitou a identificação de uma concepção, na qual o desenvolvimento deveria ser produzido de acordo com as idéias e experiências do ocidente, assim como a estratégia de desenvolvimento passou a ser um instrumento poderoso para normatizar o mundo. Portanto, o desenvolvimento era tido como um processo de transição5 a partir da reprodução das características dos países capitalistas avançados nos países pobres, como a industrialização, urbanização, modernização agrícola, infraestrutura, serviços sociais e altos níveis de alfabetismo. Contudo, afirma Escobar: “el desarrollo era, y sigue siendo en gran parte, un enfoque de arriba abajo, etnocéntrico y tecnocrático que tratava a la gente y a las culturas como conceptos abstractos, como cifras estadísticas que se podiam mover de un lado a otro en las gráficas del progreso” (p. 94). Contraditoriamente, o êxito do desenvolvimento destaca-se como êxito da “política da verdade”, ao integrar, administrar e controlar países e populações. Essa concepção de desenvolvimento pode ser identificada na política de organismos multilaterais, que passamos a destacar, em especial aquela denominada por Sen, como BLAST, cujo princípio, como se viu, baseia-se no “sacrifício necessário” e sua expressão se manifesta na orientação do Banco Mundial. 5 Ver Rostow (1874). Autor realiza abordagem setorial e considera cinco as etapas do desenvolvimento: a sociedade tradicional, as precondições para o arranco, o arranco, a marcha para a maturidade e a era do consumo de massas. www.ts.ucr.ac.cr 12 2.2.1 Como Banco Mundial: Ajuste estrutural e focalização organismo multilateral de apoio à reconstrução e ao desenvolvimento econômico, o Banco Mundial6, conforme Gonzalez e outros (1990), caracteriza sua ação em quatro etapas distintas, cada uma delas vinculada à respectiva dinâmica das relações econômicas e financeiras internacionais. A primeira, compreendida pelo período de pós Segunda Guerra até fins da década de 50, esteve centrada na reconstrução das economias européias. A segunda, refere-se à década de 1960, quando passa-se a destinar atenção às ações de incentivo ao crescimento econômico dos países subdesenvolvidos, com empréstimos para financiamento de projetos de infraestrutura econômica, em especial nos setores de energia e transportes. Nesta fase, a concepção de desenvolvimento caracteriza-se pela transformação da economia de base agrícola em outra, de base industrial. A terceira, compreendida pelos anos 70, é destacada pela diversificação setorial dos empréstimos e o início de financiamento a projetos de investimento na área social. Analisa-se que o direcionamento de empréstimos aos projetos de combate à pobreza nos países subdesenvolvidos atuou como respostas às críticas quanto a sua atuação como incentivador de um padrão de crescimento econômico concentrador e excludente. Tal procedimento é também analisado como parte de uma nova estratégia, considerando que, do ponto de vista social, o bem-estar da maioria da população dos países pobres não seria alcançado automaticamente com o crescimento econômico; do ponto de vista econômico, a tese defendida era a de que a incorporação dos segmentos marginali zados à economia de mercado reforçaria o processo de acumulação; e, do ponto de vista político, representava a importância do controle das tensões políticas derivadas da crise internacional, para prevenir situações sociais mais graves, garantindo a segurança do sistema econômico ameaçada 6 Banco Mundial com sede em Washington, inicia oficialmente suas operações, em junho de 1946. Possui 67 escritórios externos que executam o programa do Banco nos distintos países, é composto pelo BIRF (El Banco Internacional de Reconstrucción y Fomento); AIF (La Asociacion Internacional de Fomento); CFI (La Corporación Financiera Internacional), OMGI (El Organismo Multilateral de Garantia de Inversiones) e o CIADI (El Centro Internacional de Arreglo de Diferencias Relativas a Inversiones) http://www.worldbank.org. www.ts.ucr.ac.cr 13 por processos de lutas de libertação desde o final dos anos 60, no interior de alguns países. A quarta, nos anos 80, evidencia o redirecionamento da política de empréstimos do Banco em favor dos financiamentos de desembolso rápido em atendimento à necessidade do balanço de pagamento dos países subdesenvolvidos. Assim, o Banco passa a exercer maior acompanhamento tanto na alocação como no emprego dos recursos, por meio de políticas setoriais internas e de ajuste estrutural (Gonzalez et alli, 1990: 27/28). A partir da década de 80 são introduzidos novos conceitos em sua estratégia de atuação, provocado não só pela força das circunstâncias, como também pelas novas e graves crises da balança de pagamento. O enfoque no crescimento passou a incorporar medidas de natureza estrutural e também aquelas com impacto no âmbito setorial, o que ampliou a sua margem de interferência nas diretrizes de investimento e na condução da política macroeconômica dos países subdesenvolvidos. Houve, durante esta década, uma difusão de propostas de cunho neoliberal com tendência para economias mais abertas, orientadas pelos princípios do mercado, e uma clara influência de suas teses sobre como resolver a crise econômica e social vivida pelos países la tino-americanos. As referidas propostas integram o propalado “Consenso de Washington7, cujo enfoque reflete reformas que, além de afetar políticas e mercados, persegue o duplo objetivo de atingir a estabilização macroeconômica e o desenvolvimento da competitividade internacional. Do referido consenso constam dez itens, quais sejam: disciplina fiscal; prioridades do gasto público; reforma tributária; liberalização financeira; disciplina monetária; liberalização do comércio; eliminação dos obstáculos ao ingresso de investimentos estrangeiros; privatização das empresas estatais; desregulamentação do mercado financeiro e o mercado de trabalho; criação de um marco legal e institucional que fortaleça os direitos de propriedade a baixo custo e acessíveis ao setor informal (Williamson, 1998:65 e Rosenthal, 1998: 214). 7 Consenso de Washington ficou assim conhecido a partir de um compêndio de reformas elaboradas por John Williamson, submetido à análise dos participantes da Conferência “Latin www.ts.ucr.ac.cr 14 Como afirma Rosenthal, há quem sustente que esse enfoque não consiste numa estratégia de desenvolvimento, e sim, numa fórmula de estabilização, na qual se alcançaria a competitividade internacional simplesmente através da “magia del mercado” (p. 215). A política de ajuste, portanto, tinha como centro de sua atenção a contenção da demanda pela redução dos gastos públicos, a realocação dos recursos objetivando o aumento das exportações, e as reformas nas políticas destinadas a aumentar a eficiência de longo prazo do sistema econômico. Do ponto de vista social as sugestões contidas no referido Consenso diziam respeito à reestruturação das políticas ancorada na redução do gasto social, o qual deveria ser direcionado para “áreas marginadas pero capaces de generar altos rendimientos económicos y de mejorar la distribución de los ingresos, tales como la atención primária de la salud, la ensenanza primaria y la infraestructura” (Williamson, p. 65). Quase uma década após o Consenso de Washington, Williamson, em revisão do mesmo, abordando cada item, afirma, quanto à prioridade do gasto público que “muy poco era lo que se habia reformado en este sentido, menos que en casi qualquier outra aréa... Ahora que no debo limitarme al enfoque del Consenso, incluiré el gasto social dentro de aquellas áreas del gasto público que merecen mayor atención (p.55). Dessa forma, o eixo dessa proposta orienta para organização de políticas sociais de caráter compensatório, dirigida aos setores mais pobres da população, isto é, deixam de ser universalistas para assumir um caráter focalizado no atendimento às populações vulneráveis. Nesse sentido, a focalização converte-se em sinônimo de seletividade do gasto social, tendo em vista que focalizar consiste em concentrar os recursos disponíveis em uma população de beneficiários potenciais claramente identificado. Com isso, verifica-se uma convergência para um padrão de política que diferencia e segrega demandas sociais, configurando a dualização do atendimento: um, gerido pelo mercado e, por isso, mais eficiente e generoso, cujas políticas ocupacionais cuidam de cidadãos empregados e, outro, American Adjustment: How Much Has Happened?”, realizada em novembro de 1989 na cidade de Washington organizado pelo Institute for International Economics (Williamson, 1998) www.ts.ucr.ac.cr 15 precário, no qual o Estado e instituições privadas voluntárias cuidam dos marginalizados ou excluídos (Pereira, 1999). Parece consenso que, após uma década de estabilização e de reformas econômicas, o avanço ainda é muito lento. Mas, que avanço? Para quem? Até mesmo o Banco Mundial admite o quão pouco tem investido no campo social, como pode ser verificado em vários trechos do pronunciamento de seu dirigente maior: “... Me impresiona la precaria situación de los pobres...” “Hoy el número de nuestro clientes asciende a 4.700 millones de personas de más de 100 países. De ellos, 3.000 millones viven con menos de dos dólares al dia; 1.300 millones subsiten con menos de un dólar diário; 100 millones pasan hambre todos los dias, y 150 millones nunca tienen siquiera la posibilidad de asistir a la escuelas... No quieren nuestra caridad. Buscan una oportunidad”. “... caí en quenta de que ése es, precisamente, el desafio del desarrollo: la inclusión. Integrar en la sociedad a la gente que nunca antes ha formado parte de ella. Ésa es la razón de ser del Grupo del Banco Mundial”. “... hay mucho que celebrar - pero también hay mucho que lamentar... En realidad, para demasiadas personas, las cosas nunca han ido tan mal, pues sigue habiendo enormes diferencias entre los países y dentro de ellos”. “... el desafio de la inclusion – es el gran reto pendiente del desarrollo en nuestro tiemp”. “... Sin equidad no puede haver estabilidad mundial. Sin un mayor sentido de justicia social, nuestras ciudades no serán seguras y nuestras sociedades no serán estables. Sin inclusion, demasiados de nosotros estaremos condenados a vivir separados, armados y aterrados...” (Wolfensohn, 1997). Partindo dessa constatação, reafirma-se a tese de que não haverá redução da pobreza sem crescimento econômico sustentável. Contudo, se o crescimento resultante não possibilitou aos pobres obter qualquer benefício, significa que aqueles que estavam em melhor posição tiraram um proveito muito melhor. Não há como enganar-se com os custos que a política de ajuste impôs aos pobres. Após uma década da estabilização o Banco Mundial admite ser necessário rever suas estratégias no sentido de reduzir “realmente” a pobreza, www.ts.ucr.ac.cr 16 sendo necessário, para isto, pensar nos resultados – como conseguir maiores benefícios com poucos recursos; pensar a sustentabilidade – como conseguir efeitos duradouros de forma ecologicamente racional; pensar na eqüidade – como incluir os desfavorecidos. Parte desse processo de renovação integra o "Pacto Estratégico", iniciado no princípio de 1997, que configura uma série de medidas organizacionais e de mudança interna, que objeti vam maior eficácia na implementação das ações do Banco Mundial. Dentre elas, destaca-se a inclusão de novos conceitos, que vão além do desenvolvimento econômico, como o desenvolvimento humano e social caracterizado pela incorporação das questões sociais, de modo a beneficiar as minorias étnicas, as unidades familiares a cargo de mulheres e a outros grupos de excluídos. Também o desenvolvimento sustentável, caracterizado pela revisão da estratégia para o setor rural, acrescido ainda das questões relativas aos setores privado e financeiro. Partindo deste "Pacto Estratégico" o Presidente do Banco acredita ser o momento de voltar a “soñar con el desarrollo basado en la integración” (Wolfensohn, 1997). Surge, assim um novo enfoque: "O enfoque integrado". Só após meio século de existência é que o Banco Mundial manifesta uma concepção de desenvolvimento que contemple uma visão mais ampla, ao considerá-lo como algo mais que ajuste, mais que orçamentos equilibrados e gestão fiscal, mais que educação e saúde, mais que soluções tecnocráticas. O novo enfoque afirma consistir o desenvolvimento na aplicação de políticas macroeconômicas acertadas; em integrar todos os componentes, reuni-los e harmonizá-los. Em que pese o reconhecimento de que a idéia de desenvolvimento exige um grande esforço, isto é, a idéia de um programa econômico e social equilibrado, para o Banco Mundial em nada se caracteriza como revolucionário, ainda assim, admite o Presidente do Banco: “pero la verdad es que no es éste el enfoque que estamos adoptando actualmente en la comunidad internacional” (Wolfensohn, 1998). À medida que os projetos individuais não tem sido relacionados com o conjunto, a concepção das transformações econômica necessárias têm sido restritas, a ênfase no econômico tem impedido a compreensão dos aspectos sociais, políticos, ambientais e culturais da sociedade. www.ts.ucr.ac.cr 17 Assim, o enfoque integrado deve ser dirigido por um marco que considere aspectos estruturais, sociais e humanos de desenvolvimento (Wolfensohn, 1999), no qual o Banco Mundial desempenharia a função catalisadora, devendo ocorrer uma associação de esforços encabeçada pelos governos e órgãos legislativos dos países, com participação da sociedade civil e a colaboração do setor privado, tanto nacional como internacional, e das agências bilaterais e multilaterais. Conforme Stiglitz, vice-presidente do Banco Mundial: “... los gobiernos son más efectivos quando responden a las necesidades de sus ciudadanos y al mismo tiempo les dan un sentido de propiedad y de tener algo en juego en las políticas. A nível microeconómico, agências gubernamentales de ayuda y organizaciones no-gubernamentales han estado experimentado con formas de proveer apoyo descentralizado y de fomentar la participación de la comunidade en la seleción, diseño y ejecución de proyectos” (1998) Essa associação de parceiros, na realidade tem muito mais um apelo ideológico do que prático, à medida que análises relativas às tendências dessa perspectiva “plural” têm evidenciado que as soluções referentes à pobreza e à exclusão social, têm sido cada vez mais canalizadas para a sociedade, envolvendo a família, a vizinhança, os grupos de amigos, podendo o Estado retirar-se da responsabilidade direta, isto é, abrir mão de seu protagonismo como provedor social. As experiências pluralistas têm revelado dois sentidos opostos, conforme classificação de Mishra (1990): um, chamado de pluralismo residual, no qual o Estado assume menos responsabilidades por manter os níveis mínimos nacionais, em termos de rendimentos, saúde, habitação, educação e assistência social, restringindo direitos de cidadania social. Outro, chamado pluralismo institucional, no qual o Estado, embora podendo trabalhar em parceria com iniciativas privadas, continua sendo o responsável pela provisão de bens e serviços. Verifica-se, então, o reconhecimento pelo Banco Mundial, a partir de seus discursos, de que o grande desafio pendente do desenvolvimento em nosso tempo é o da inclusão. Contudo, a exclusão, bem como o agravamento das desigualdades sociais prevalecentes, são reflexos da concepção de desenvolvimento até então adotada pelo Banco , isto é, aquela ancorada no www.ts.ucr.ac.cr 18 crescimento econômico, alicerçado nos programas de ajuste, que parecem produzir os efeitos desejados somente a longo prazo. Assim, ter-se-á que esperar a recuperação econômica para atacar o problema da pobreza? (Figueroa,1995). Entraremos em um novo século vencendo o desafio ou continuaremos a “llamar a los que ya se sientem sacrificados para que sacrifiquem más, mientras no vean ningún sacrifício por parte de los que tienen y no están dispuestos a tener menos, ni temporariamente”? (Musgrove, 1995). Diante desse cenário, torna-se necessário concepções e proposições, que apontem para formulação de políticas, que considerem o crescimento com eqüidade. 2.2.2. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD): Reforma Social Diferentemente da concepção do Banco Mundial, para o PNUD 8 a renda não é a soma total da vida humana. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano – RDH de 1990, o objetivo básico do desenvolvimento deve ser o de “crear un ambiente propício para que los seres humanos disfruten de una vida prolongada, saludable y creativa” (p.31), assumindo uma conotação mais ampla – de desenvolvimento humano – por constituir um processo no qual se ampliam as oportunidades do ser humano. Três delas são consideradas fundamentais a todos os níveis de desenvolvimento: desfrutar de uma vida prolongada e saudável, adquirir conhecimentos e ter acesso aos recursos necessários para ter um nível decente. Outras oportunidades são também valorizadas: a liberdade política, econômica e social, a possibilidade de ser criativo e produtivo, respeitar-se a si mesmo e desfrutar da garantia dos direitos humanos. Identifica-se nesta concepção de desenvolvimento humano dois aspectos: a formação de capacidades humanas – tais como melhor estado de 8 PNUD foi criado em 1965, como resultado da fusão do Programa Ampliado de Assistência Técnica das Nações Unidas (de 1949) e do Fundo Especial das Nações Unidas (estabelecido em 1959). Possui 136 escritórios espalhados por todo o mundo. Colabora diretamente com 175 governos de países e territórios em desenvolvimento na implementação de seus objetivos de www.ts.ucr.ac.cr 19 saúde, conhecimento e destrezas, e o uso que se faz das capacidades adquiridas – para o descanso, a produção ou para as atividades culturais, sociais e políticas. Apesar desta concepção diferir da apresentada no item anterior, ela não é nova. A idéia de que os benefícios sociais devam ser avaliados à medida em que se promova o “bem estar humano” remonta a Aristóteles, para quem os padrões como renda e riqueza não devem ser as únicas referências para julgamento de uma sociedade, mas que estes devem figurar como padrão que se deseja como meio para alcançar outros objetivos. Entretanto, nas sociedades capitalistas, a preocupação excessiva com o crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB) e com a renda nacional tem ocultado essa perspectiva, substituindo os fins pelos meios. Sem dúvida, é necessário aumentar o PNB para alcançar os objetivos essenciais do homem; entretanto, o mais importante é estudar como se traduz este conhecimento – ou deixa de traduzir-se – em desenvolvimento humano, em várias sociedades. Conforme o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH-1990), a experiência recente em desenvolvimento alerta para a necessidade de maior atenção ao estabelecimento de uma relação direta entre crescimento econômico e desenvolvimento humano, tendo em vista que: • apesar do rápido crescimento de muitos países em desenvolvimento, o aumento do PNB não tem possibilitado a redução das carências sócio econômicas de importantes segmentos da população; • alguns países com baixo crescimento têm demonstrado que é possível alcançar altos níveis de desenvolvimento humano, à medida que utilizam os meios disponíveis para ampliar as capacidades humanas básicas; • outros países em desenvolvimento, apesar dos esforços de desenvolvimento humano, têm sido afetados pela crise econômica dos anos 80 e pelos programas de ajuste. A experiência em desenvolvimento revela que a expansão da produção e da riqueza é só um meio do desenvolvimento, pois sua finalidade deve ser o bem-estar humano. É importante que pensemos quais políticas e estratégias Desenvolvimento Humano Sustentável, por meio de formulação, execução, gerenciamento e www.ts.ucr.ac.cr 20 devem ser utilizadas se as pessoas, e não os bens, constituírem o objeto central da atenção nacional. O centro de atenção deste questionamento deve fundar-se na concepção de desenvolvimento diferentemente dos enfoques convencionais sobre: • crescimento econômico: este é considerado necessário, contudo não suficiente para o desenvolvimento humano; • formação de capital humano e desenvolvimento de recursos humanos: os seres humanos são mais do que bens de capital para a produção de bens de consumo. São os fins últimos e os beneficiários do processo de desenvolvimento. • bem-estar humano ou necessidades humanas básicas: diferentemente do enfoque de bem-estar social – no qual os seres humanos são considerados mais como beneficiários do processo de desenvolvimento do que como participantes dele – o enfoque das necessidades básicas está centrado na garantia de acesso a bens e serviços. O desenvolvimento humano, além de referir-se à satisfação das necessidades básicas, refere-se também a ele como um processo dinâmico de participação, o que permite melhor captar a complexidade da vida humana, as diferenças, tanto culturais, como econômicas, sociais e políticas na vida dos povos de todo o mundo (RDH 1990:35) A contribuição do PNUD ao debate e à reflexão sobre o desenvolvimento humano na última década do século e do milênio, ocorre a partir da introdução, nas tradicionais avaliações sobre o desenvolvimento econômico, do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, a fim de medir a qualidade de vida e o progresso humano ao redor do mundo. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), apresentado no primeiro de uma série de Relatórios, foi lançado em Lond res, em maio de 1990. Preocupado com aspectos sociais da vida humana, o idealizador do Relatório de Desenvolvimento Humano, e coordenador 9 do I Relatório, em 1990, Mahhub ul Haq argumentara com seu colaborador Amartya Sen: monitoramento de projetos e programas (http://www.undp.org.br/pnudmund.htm?B1=PNUD) 9 Mahhub ul Haq, foi o criador do Relatório de Desenvolvimento Humano em 1990 e seu primeiro coordenador. Veio a falecer em 1998. www.ts.ucr.ac.cr 21 “precisamos de uma medida, do mesmo nível de vulgaridade do PNB – apenas um número – mas uma medida que não seja cega aos aspectos da vida humana como é o PNB” (Sen, 1999:23). Essa medida, apesar de ser imperfeita seria acessível, não como melhoria ao PNB, mas que servisse também para alargar o interesse público para variáveis não econômicas, que são profusamente analisadas no Relatório de Desenvolvimento Humano. Como vimos, o IDH leva em consideração três componentes essenciais da vida humana: longevidade, conhecimentos e renda básica para atingir um nível de vida decente. A longevidade e os conhecimentos referem-se à formação de capacidades humanas, e a renda é uma medida alternativa de oportunidades que tem o ser humano quando utiliza suas capacidades (RDH 1990:42). Dessa forma, o IDH compreende: 1. logaritmo do Produto Interno Bruto 10 (PIB) por habitante, calculado com base no poder real de compra; 2. taxas de alfabetização, traduzido por duas variáveis educacionais: a taxa de alfabetização de adultos e a taxa combinada de matrícula nos três primeiros níveis de ensino. 3. expectativa de vida ao nascer. Esses índices são trazidos para um denominador comum ao se estabelecer a relação entre os melhores e os piores executores e, ao se produzir uma graduação de países. O índice se situa entre os valores zero e um, sendo os países enquadrados em três categorias: países com baixo desenvolvimento, países de médio desenvolvimento e países de alto desenvolvimento humano, quando o índice for menor, respectivamente, do que 0,500; entre 0,500 e 0,800 e superior a 0,800. Várias são as críticas à medição do desenvolvimento humano. O PNUD ao lançar o IDH já considerava uma falha comum nas três medidas de desenvolvimento “Son promedios que ocultan la amplias divergencias en la población global”, com grupos sociais distintos com diferentes esperanças de vida, disparidades no alfabetismo masculino e feminino e distribuição desigual de renda (RDH 1990). 10 PIB é a soma dos valores de todos os bens e serviços finais produzidos dentro de um país. www.ts.ucr.ac.cr 22 Sen considera que o IDH é “inevitavelmente um índice imperfeito”, que deve ser visto como um ”movimento introdutório para se conseguir o interesse das pessoas pelo rico conjunto de informação que está presente no Relatório de Desenvolvimento Humano” (1999:23). Cardoso (1995), em trabalho sobre revisão do significado das medições de pobreza mais usadas, problematiza a questão, destacando, em especial, aspectos vinculados à qualidade de vida. A medição da pobreza é objeto de controvérsia, já que nenhum índice contará com a aprovação universal, porém as soluções parciais são melhores que nada, afirma a autora. A criação do IDH tem despertado uma consciência global ao mostrar as complexas e múltiplas dimensões da condição humana, à medida que vem sendo construído a cada ano. Desde 90, quando o PNUD lançou o primeiro RDH, a elaboração do IDH vem sofrendo várias reformulações. No último ano sua metodologia foi significativamente alterada, afetando as posições no IDH de quase todos os países. Dos 174 países para os quais foi construído o IDH, 45 estão na categoria de desenvolvimento humano elevado, 94 de desenvolvimento humano médio e, 35 de desenvolvimento humano baixo. O IDH revela significativas disparidades entre as regiões. Confirma também a inexistência de ligação automática entre prosperidade econômica e desenvolvimento humano, pois, dos 174 países, 92 estão melhor posicionados no IDH do que no PIB per capita, sugerindo que estes países têm obtido êxito na transformação de rendimento em desenvolvimento humano. Entretanto, para 77 países o posicionamento no IDH é mais baixo do que no PIB per capita 11. Estes países não têm obtido o mesmo sucesso que os anteriores (RDH 99:129). O desenvolvimento humano, conforme o RDH-1992, significa não só o desenvolvimento das pessoas, mas também o desenvolvimento para as pessoas e pelas pessoas. O paradigma do desenvolvimento humano, compõese de quatro elementos essenciais, de acordo com Mahabub ul Hag (1995): "eqüidade (igualdade de oportunidade para todas as pessoas na sociedade); o caráter sustentável (garantia de tais oportunidades de uma geração para a 11 O Banco Mundial, diferentemente do PNUD, utiliza o PNB per capita como o principal critério para classificar economias e distinguir diferentes estágios de desenvolvimento econômico. www.ts.ucr.ac.cr 23 próxima), produtividade e 'empoderamento' (de pessoas de modo que elas participem – e se beneficiem – do processo de desenvolvimento)". Partindo das considerações desenvolvidas, vale perguntar: como tais concepções se materializam nas orientações de políticas para o enfrentamento da pobreza e da exclusão social. Em que elas divergem da concepção do Banco Mundial? O Relatório de Pesquisa sobre “Novos parâmetros para a reorganização da Política Social Brasileira”, realizado pelo Núcleo de Estudos em Políticas Públicas - NEPP (1993), recorre a estudo elaborado pelo PNUD/BID “Reforma Social y Pobreza: hacia una agenda integrada de Desarrollo”, que apresenta uma estratégia global de transformação, cuja ênfase localiza -se no atendimento das necessidades básicas da população. Como centro dessa estratégia de transformação encontra-se a Reforma Social. Essa é definida como “um conjunto de políticas e instrumentos específicos dirigidos para produzir de maneira eficiente a incorporação de todos os setores da sociedade no processo de crescimento num contexto de aumento do bem -estar” (PNUD/BID apud NEPP, 1993:35) e parte de dois pressupostos: primeiro, o de que ciclo de políticas de ajuste estrutural priorizando os desequilíbrios macroeconômicos, já se encerrou; segundo, que o balanço da experiência revela que as políticas “mostraram-se insuficientes para incorporar efetivamente o desenvolvimento social como um elemento estratégico” (idem). Assim, para o PNUD/BID o objetivo da estratégia de desenvolvimento no processo de reforma é a redução da pobreza estrutural, que constitui o ponto de partida para alcance da eqüidade. Para sua concretização alguns desafios precisam ser enfrentados e vencidos, quais sejam: • recuperar a capacidade de crescimento e a transformação produtiva das sociedades; • Modificar os padrões de desigualdade de renda, o que implica aumentar a geração de emprego, melhorar a qualidade dos empregos no setor informal, e insistir na capacitação e no retreinamento da força-de-trabalho; • Garantir à população a satisfação de suas necessidades básicas, implicando para tanto, ampliação e correta aplicação do gasto social público e a participação de entidades privadas prestadoras de serviços; www.ts.ucr.ac.cr 24 • Desenvolver uma idoneidade crescente, pelo Estado, para o desenho e administração de políticas adequadas para conduzir o processo de reformas. Vê-se que o enfrentamento desse conjunto de desafios implica reforma do Estado e, ao mesmo tempo, ressalta-se a participação da sociedade na prestação de serviços e na utilização de recursos públicos. Vejamos suas diretivas: a) Reforma do Estado. A reforma do Estado deve ser guiada pela busca da superação do papel residual do social na estratégia de desenvolvimento; isso implica necessidade de priorização do setor social por parte dos governos e das agências internacionais de financiamento e conversão dos componentes da Reforma, em políticas. Faz-se necessário o estabelecimento de novas relações entre o Estado e as entidades privadas, ampliando o seu papel na oferta de serviços sociais com o objetivo de combater a pobreza. Para tal, algumas barreiras precisam ser ultrapassadas: a apropriada articulação institucional, a efetiva descentralização do poder, os mecanismos e normas para controlar a administração do gasto e os padrões de qualidade e cobertura de serviços (NEPP: idem) O PNUD coloca-se como uma opção alternativa aos debates sobre as funções relativas dos mercados e do Estado, ao considerar que alguns crêem na benevolência do Estado, outros enaltecem as virtudes do mercado; portanto, ambos os grupos assumem que o Estado e o mercado são elementos separados e antagônicos. Uma terceira opção considera: “... que el público deve orientar tanto al Estado como al mercado, que éstos han de trabajar en tándem, y que el público deve gozar de um poder suficiente como para ejercer una influencia más eficaz sobre ambos” (RDH 1993:04). Outro elemento essencial à reforma do Estado é a governabilidade, pois, sem ela, “não existe desenvolvimento auto -sustentável e, não existirá governabilidade democrática sem reforma social que proporcione um www.ts.ucr.ac.cr 25 desenvolvimento integral e viabilize a estratégia de desenvolvimento” (PNUD/BID apud NEPP:38). De acordo com o RDH 1996, ao conceito de governabilidade - que diz respeito à estabilidade institucional e à “eficácia decisória e administrativa” de um sistema político - é acrescido a idéia de accountability – termo que leva ao questionamento sobre a capacidade de conferir eficácia prática aos direitos dos cidadãos, frente à autoridade política por parte dos mecanismos jurídicoinstitucionais e a cultura política de uma sociedade. Portanto, é na forma de articulação entre Estado e Sociedade que se expressa a relação entre governabilidade e a reforma social, destacando-se a importância da Reforma do Estado e, nela, a necessidade de novas modalidades de articulação entre Estado e Sociedade Civil. b) Reestruturação de Programas e Serviços Sociais A reestruturação de Programas e Serviços Sociais deve ter como guia medidas que recuperem a capacidade do Estado de formular e implementar políticas; a priorização do gasto social público em relação ao atendimento das necessidades básicas, e novas formas de cooperação entre entidades públicas e privadas. A priorização do atendimento às necessidades básicas faz com que se torne indispensável o estabelecimento de critérios para o desenho e a execução de programas sociais, tendo em vista que as necessidades básicas insatisfeitas se caracterizam pelo acesso insuficiente aos serviços. Como destacamos no item anterior, a reestruturação das políticas sociais sob a perspectiva do Banco Mundial, está ancorada na redução do gasto social direcionado às populações vulneráveis, assumindo caráter focalizado. À medida que, tanto a proposta do Banco Mundial, como a do PNUD orientam para o estabelecimento de novas formas de cooperação entre as entidades públicas e privadas, qual deve ser o papel do Estado e das entidades? O desenvolvimento humano provém de uma ação pública deliberada e efetiva que possibilite às pessoas participar no processo de desenvolvimento e www.ts.ucr.ac.cr 26 beneficiar-se dele, desenvo lver suas capacidades individuais e dar-lhes um uso mais criativo e produtivo possível (RDH 1990: 181). A priorização do atendimento das necessidades básicas leva à necessidade de implementação de uma série de serviços públicos; à imposição de leis que assegurem o acesso a esses satisfatores de necessidades. Em resumo, como afirmam Doyal e Gough “el Estado deve ayudar a las personas a que defiendan sus proprios intereses hasta el limite en que sus propias preocupaciones lleguen a ser incompatibles com estes objetivos” (1994:362). Entretanto, para que o direito individual à satisfação de necessidades seja levado a sério, é preciso que uma agência se responsabilize para que isto se cumpra. De forma positiva, argumentam Doyal e Gough, isto supõe garantir o acesso universal aos bens e serviços necessários. Considerando que as necessidades insatisfeitas supõem acesso insuficiente aos serviços gratuitos torna-se fundamental a viabilização de medidas pontuais (leia-se, focalizadas). O RDH 1990 sinaliza “la distribuición de servicios sociales no deve ser neutral com respecto a los grupos de ingreso. Las transferencias de ingresos com objetivos bien definidos puiden servir para ayudarles a los beneficiarios más pobres” (p.182). Vê-se, que também o PNUD recomenda a focalização. Mas, qual o sentido e as possíveis implicações da proposta de focalização apresentada pelo PNUD? Como isso supõe a tensão entre os conteúdos universais e seletivos da política social torna-se necessário maior detalhamento do tema. 3- Orientações para as Políticas Sociais: Questões sobre a focalização. O centro de atenção do desenvolvimento, para o Banco Mundial é o crescimento econômico e, para o PNUD, o ser humano. Entretanto a focalização faz parte das duas estratégias. O que as distingue? A focalização realiza-se a partir da concentração de recursos disponíveis em uma população de beneficiários potenciais, precisamente identificada, e da elaboração de programa ou projeto com que se pretende atender um determinado problema ou necessidade insatisfeita, levando-se em conta as www.ts.ucr.ac.cr 27 características dessa população, objetivando a elevação do impacto ou benefício per capita (CEPAL, 1995:13). Há argumentos sobre a conveniência das medidas focalizadas em circunstâncias especiais, como recessão ou crise - quando existe limitação de recursos e aumento das necessidades insatisfeitas -, em complemento às políticas generalizadas (PNUD,1990:103). Tais argumentos apontam para respostas nacionais em políticas sociais que propõem a universalidade de serviços e a seletividade contra a pobreza de forma conjuntiva, em uma estratégia de reforçamento mútuo. Há, também, argumentos em favor da focalização, como forma permanente para se alcançar a racionalidade da política social. Quanto mais precisa for a identificação do problema (necessidades insatisfeitas) e de quem as necessita (população objetivo), sustentam esses argumentos, mais fácil será o desenho de medidas diferenciadas específicas para sua solução. Entretanto, a escassez de recursos não se reduz à crise, eles são sempre escassos; portanto, nunca haverá recursos em quantidade suficiente para atender todas as necessidades de uma sociedade. Dessa forma, será sempre necessário designá-los com base em algum critério. De fato, a focalização permite aumentar o impacto do programa na população beneficiária e, com isso, evitar dispersão dos recursos e os concentrar no grupo que mais necessita. Mas, constitui ao mesmo tempo, um critério de inclusão e de exclusão, na medida que permite excluir quem não está afeto ao programa e também precisa dele (CEPAL,1995: 15-18). Por conseguinte, a proposta de focalização apresenta uma série de limitações que devem ser avaliadas: • Ao implantar programas de focalização não complementar, que substituem outros, é importante considerar o caráter fluido das linhas de pobreza, pois podem originar novos focos de pobreza; • É inconveniente e irreal pretender erradicar a pobreza com programas de focalização, se não se adotam medidas no campo da política econômica e da distribuição de renda para combater suas causas estruturais; • Algumas propostas de focalização consideram as necessidades da população a ser atendida, de maneira estática; www.ts.ucr.ac.cr 28 • As propostas de focalização, geralmente utilizam como ponto de partida a eqüidade, para julgar a eficácia do gasto social público; quando ela é atingida, propõe-se a privatização dos serviços e a canalização do gasto para a população pobre (Ex. análise do Banco Mundial sobre prioridades em educação, ao enfatizar o gasto público no ensino primário, e uma drástica redução ou eliminação do gasto no ensino universitário); • A inadequada distinção de bens públicos e privados leva, algumas vezes, a um lamentável reducionismo ao definir as chamadas necessidades dos pobres. • A prestação universal de serviços é considerada injusta pela crítica neoliberal, por favorecer igualmente as pessoas com necessidades e recursos diferentes. Para o Banco Mundial, inclusive a universalidade gera desigualdade, por isso, propõe a privatização dos serviços ou a modificação dos débitos pelos serviços públicos, a partir da cobrança de impostos diferenciados para favorecer os grupos considerados prioritários. Essa proposta está associada à restrição da ação do Estado a esses grupos; • A focalização implica eleger mecanismos para delimitação dos beneficiários de um Programa. Quanto mais precisa a identificação, maior o custo administrativo (CEPAL, 1989, 1995, 1997). Outro aspecto comum que integra as proposições dos organismos em análise, trata da “colaboração para o desenvolvimento”, a propalada descentralização. Mesmo não descendo a detalhes dessas propostas, o que a experiência vem revelando é que a ênfase na sociedade constitui, muitas vezes, uma estratégia para diminuir a ação estatal na área de bem-estar e, com isso, reduzir gastos públicos. Considerações Finais Ao fazer este percurso, em busca da compreensão sobre o desenvolvimento, foi possível identificar o discurso dominante construído na www.ts.ucr.ac.cr 29 defesa do crescimento econômico e, como afirmou Escobar, a realidade foi contaminada pelo discurso do desenvolvimento. Sen e Wolfe ao distinguirem duas concepções de desenvolvimento, evidenciaram a existência de dois caminhos distintos: um, que exige grande sacrifício da sociedade, baseado em princípios morais, resumido no que Sen chamou de “sangre, sudor y lagrimas”, e o outro, que coloca as pessoas em seu centro. Ao percorrer os dois caminhos, foi possível identificar, o caráter ideológico dos mesmos, de quem e para que são as propostas – para o mercado ou para a sociedade? Os dados mostram que, a predominância da concepção de desenvolvimento com ênfase no econômico estão diretamente relacionadas à persistência da desigualdade, às raízes da pobreza e da exclusão, que continuam sendo consideráveis. Os organismos multilaterais defendem um “novo enfoque integrado”, aquele que leva em consideração tanto os aspectos financeiros, sociais, políticos, institucionais, ambientais e culturais da sociedade. Estamos diante do desafio, como aborda a CEPAL, da transformação produtiva com eqüidade, da implementação de políticas públicas para induzir o crescimento elevado e estável, que reforce a geração de emprego produtivo e supere os atrasos em matéria de eqüidade, pois crescimento e eqüidade são produtos da política tanto econômica como social (1997:160). Estabelecer metas coordenadas entre os dois tipos de políticas pode criar um círculo virtuoso e reconciliar o valor do mercado, da força de trabalho e da cidadania (entendida como igualdade de oportunidades) e o bem-estar do indivíduo. Referência Bibliográfica CANO, Wilson. “América Latina: do desenvolvimentismo ao neoliberalismo”. In. FIORI, José Luis (org.). Estados e Moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. 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