LEONARDO ZICCARELLI RODRIGUES INCLUSÃO SOCIAL E REFORMAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL – UMA ANÁLISE CRÍTICA DAS CAUSAS E EFEITOS DO (SUPOSTO) DÉFICIT PREVIDENCIÁRIO. A seguridade social constitui um dos pilares instrumentais de que se vale o Estado para a construção de uma sociedade justa e livre (art.194 da CF/88), através do atendimento às necessidades básicas do ser humano e da redução das desigualdades sociais. Juntamente com a área da saúde e da assistência social, a previdência social completa o feixe de proteção da seguridade social destinado ao cidadão brasileiro. Não obstante, diferentemente da saúde, que atende a toda a população, indistintamente, e a assistência social, que protege parcela da sociedade (necessitados, idosos e inválidos), considerando critérios de miserabilidade sob o ponto de vista econômico da renda familiar, a previdência social desponta como a Autarquia Pública Federal de proteção da população economicamente ativa dos previdentes, ou seja, daqueles que mantêm junto a ela a qualidade de segurado mediante o recolhimento de contribuições sociais. Além desta esmagadora e majoritária parcela de protegidos, os dependentes dos segurados, bem como os contribuintes sem qualquer atividade remunerada (segurados facultativos), também são destinatários das leis previdenciárias, fazendo jus a todos os serviços e benefícios existentes e previstos em legislação. A previdência social se destaca pelo seu alcance, universalidade de cobertura frente aos inúmeros riscos sociais, como o acidente, a doença, a velhice e a morte, sistematizada em caráter de solidariedade social, vez que não há contribuição para fundo individual e de proteção pessoal, mas para um fundo único de proteção global aos segurados. Por esta característica, seu regime é de repartição simples, de característica inter-geracional, na medida em que a geração dos atuais trabalhadores mantém e garante o pagamento dos benefícios dos segurados aposentados e beneficiários. Este ano comemoram-se 20 anos da edição dos principais textos normativos em vigência em matéria previdenciária, desmembrados na lei de custeio (Lei 8.212/91) e lei de benefícios (Lei 8.213/91) da previdência social. Sucessão e evolução legislativa da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) de 1960 e da Consolidação das Leis da Previdência Social (CLPS) de 1984, as leis federais acima citadas dispõem sobre a vasta e dinâmica matéria previdenciária em solo brasileiro, no concernente a sua fonte de custeio, bem como concessão dos mais variados benefícios disponibilizados aos trabalhadores da iniciativa privada. O momento é de reflexão sobre os rumos desta instituição, as políticas públicas de inclusão social e propostas de reforma pendentes de votação no Congresso Nacional. No Brasil, a notícia corrente do déficit previdenciário não convence aos mais atentos, vez que a previdência social, apesar de não ser autosuficiente no equilíbrio financeiro entre as contribuições arrecadadas sobre a folha de pagamento dos trabalhadores e os benefícios mensalmente emitidos e pagos, está inserida no complexo da seguridade social, esta sim extremamente sólida e superavitária, como demonstram os recentes estudos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip). Apenas em 2010 o superávit da seguridade social foi de R$58 bilhões (dados da Anfip). O interesse mascarado do governo em desvirtuar o (suposto) déficit nas contas da previdência social encontra lógica no uso indevido das receitas da seguridade social para o pagamento das vultosas quantias destinadas a cobrir o rombo da dívida pública interna. Em outras palavras, o mito do déficit previdenciário, que sustenta todas as propostas de reforma da previdência, com o achincalhamento dos direitos mais fundamentais dos cidadãos trabalhadores, nada mais representa do que a engorda e alegria dos banqueiros, que cobram do governo os juros mais caros do planeta. Com a Desvinculação das Receitas da União (DRU), já foram retirados R$48 bilhões da Seguridade Social para pagamento dos juros da dívida pública, dinheiro este suficiente para barrar as inúmeras propostas de redução de direitos pendentes de apreciação em nossas casas legislativas. Destarte, dentre as inúmeras propostas de reforma da previdência no Congresso Nacional, destaca-se a sugestão de aumento progressivo da idade e do tempo de contribuição para a aposentadoria. Atualmente, mantém-se vigente o fator previdenciário (criado pela Lei 9.876/99), atual instrumento limitador dos benefícios, que chega a reduzir, em média, 30% do valor dos benefícios na data de sua concessão, considerando, para tanto, os fatores idade, tempo de contribuição e expectativa de sobrevida do segurado. A proposta do governo é de eliminar o fator previdenciário e alterar as regras de aposentadoria para criar o fator 85/95, que significa, para a mulher, o direito a aposentar-se desde que cumpra, de forma concomitante, idade e tempo de serviço, em anos, equivalente ao número 85; para o homem, seria o número 95. Atualmente, tanto a mulher quanto o homem podem se aposentar aos 60 ou 65 anos, respectivamente, com um tempo de contribuição de apenas 15 anos; alternativamente, podem requerer o mesmo benefício ao completarem 30 ou 35 anos de contribuição, respectivamente, independente da idade. Como é facilmente perceptível, mesmo aos olhos de um leigo, a mudança é drástica e radical, sem levar em consideração, ainda, as enormes diferenças que existem no país entre ricos e pobres, que necessariamente começam a trabalhar mais cedo. A despeito do notório crescimento da população e da expectativa de sobrevida, que demandam reajustes nas regras de concessão de benefícios, fins de atender ao princípio constitucional do equilíbrio atuarial financeiro (art.195, §5, da CF/88), não é possível aceitar que a legitimação para a iminente reforma previdenciária esteja focada sobremaneira nos efeitos e não nas causas da crise financeira. Evidente que as propostas lançadas tão somente existem, porque o governo peca no combate à informalidade e à inclusão social, dois dos principais fatores de desequilíbrio econômico nas contas da previdência social. Atualmente, população em economicamente um país ativa de de tamanho continental, aproximadamente 100 com uma milhões de trabalhadores, menos de 50% estão assegurados por alguma entidade de previdência pública ou privada (www.previdenciasocial.gov.br – estatísticas). Este índice baixíssimo de inclusão social (previdentes), é o que contribui para outro índice social de significativa importância: o índice de desenvolvimento humano (IDH) dos países. Em que pese encontrar-se o país dentre as cinco maiores potências econômicas do planeta, os indicadores sociais não levam a mesma sorte, demonstrando um verdadeiro abismo em comparação aos países desenvolvidos. Daí a importância de se investir em políticas públicas e legislativas de inclusão social, como a criação da figura do Micro Empreendedor Individual (MEI) e do Regime Simplificado da Previdência Social. A Lei 12.470, publicada recentemente em 31 de agosto de 2011, alterando a redação do art.21 da Lei 8.212/91, almeja atingir cerca de 20 milhões de pessoas (dados do IBGE), dentre pequenos empresários (MEI) com renda mensal de até R$3.000,00, autônomos e segurados facultativos que se dediquem às atividades domésticas, com renda inferior a dois salários mínimos. Mediante o pagamento de alíquotas diferenciadas, que vão de 5 a 11% sobre o salário mínimo (muito inferiores aos 20% previstos na regra geral), o governo almeja atingir a tão necessária inclusão social, garantindo aos novos segurados proteção contra os riscos de incapacidade (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente), prisão (auxílio-reclusão), velhice (aposentadoria por idade) e morte (pensão por morte aos dependentes). Este sim o correto caminho para manter o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, bem como garantir a proteção social ao cidadão brasileiro, dispensando-se propostas de abrupta redução de direitos sociais e o inadequado desvio de recursos da seguridade social para pagamento da dívida pública interna.