NATÁLIA MAGALHÃES WANDERLEI CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS QUE ABREM CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO: Uma análise das ADIs nº 4048 e 4049 BRASÍLIA – DF 2009 NATÁLIA MAGALHÃES WANDERLEI CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS QUE ABREM CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO: Uma análise das ADIs nº 4048 e 4049 Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Orientador: Dr. José Levi Mello do Amaral Júnior BRASÍLIA – DF 2009 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................................3 1 MEDIDA PROVISÓRIA ..............................................................................................6 1.1 A origem institucional das medidas provisórias ...................................................7 1.2 Dos requisitos da medida provisória: urgência e relevância ...........................13 2 MEDIDA PROVISÓRIA EM MATÉRIA ORÇAMENTÁRIA ...................19 2.1 Abertura do crédito extraordinário ......................................................................20 2.2 Tramitação de medida provisória que abre crédito extraordinário ..............23 2.2.1 O oferecimento de emendas ................................................................................25 2.2.2 O parecer da Comissão Mista ............................................................................25 2.2.3 Deliberação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal ......................27 2.2.4 Decreto legislativo e lei de conversão ...............................................................30 2.3 A doutrina do estado de exceção e os pressupostos do crédito extraordinário: imprevisibilidade e urgência ............................................................33 2.4 O caso concreto: análise das medidas provisórias nº 402 e 405 de 2007 .......38 3 A ADMISSIBILIDADE DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE MEDIDA PROVISÓRIA QUE ABRE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO ...............................................................................41 3.1 Controle de constitucionalidade abstrato de medidas provisórias que abrem crédito extraordinário: entendimento do STF até 2008 ..........................................41 3.2 Controle de constitucionalidade abstrato de medidas provisórias que abrem crédito extraordinário: a mudança de entendimento do STF................................44 3.3 A questão da jurisdição constitucional: o modelo brasileiro à luz das teorias de Kelsen e Schmitt ..........................................................................................................49 3.4 Impactos da decisão em sede de liminar do STF na edição de medidas provisórias que abrem crédito extraordinário ..........................................................53 CONCLUSÃO ....................................................................................................................57 REFERÊNCIAS .................................................................................................................59 3 INTRODUÇÃO No estudo do orçamento público, as questões relacionadas ao seu processo e à sua dinâmica são de suma importância. Existe um procedimento legislativo especial para as matérias orçamentárias. No entanto, esse procedimento não é estritamente cumprido. Como prova, pode-se citar o fato de a Lei Orçamentária Anual (LOA), muitas vezes, não ser aprovada no prazo correto. Diante disso, o Poder Executivo costuma editar medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários como alternativa a execução do orçamento sem ter a LOA aprovada. No entanto, o Ministro Celso de Mello chama a atenção para o número exorbitante de medidas provisórias editadas ao longo dos últimos anos para abrirem o referido tipo de crédito. Nesse sentido, apresentam-se situações tipificadoras de abuso do poder de legislar ou que se caracterizem hipóteses reveladoras de evidente ausência dos requisitos de ordem constitucional. Dessa maneira, o Ministro salienta que a prática extraordinária dessa competência normativa primária tem se transformado em exercício ordinário do poder de legislar, com grave comprometimento do postulado constitucional da separação de poderes (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 151-159). A principal crítica do referido Ministro é que o excesso de créditos extraordinários acaba por constituir um verdadeiro orçamento paralelo. O Ministro Gilmar Mendes corrobora da mesma opinião ao afirmar que há um patente desvirtuamento de parâmetros, na medida em que, na verdade, são abertos créditos suplementares ou especiais travestidos de créditos extraordinários (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 88). Seguindo essa crítica, é possível observar que, principalmente nos casos analisados pela presente monografia, muitos créditos extraordinários são abertos para cobrir despesas que na verdade não são imprevisíveis, o que denota a inconstitucionalidade por ausência de pressupostos legitimadores. Diante disso, o presente trabalho destina-se à análise do controle de constitucionalidade abstrato de medidas provisórias que abrem crédito extraordinário, por meio do estudo de caso das medidas provisórias nº 402 e 405 de 2007. Tal discussão se mostra oportuna, tendo em vista o elevado número de medidas provisórias editadas e a inobservância de seus pressupostos constitucionais. Deve-se levar em consideração que tanto a medida provisória quanto o crédito extraordinário são institutos que requerem o atendimento de determinados requisitos 4 previstos constitucionalmente, quais sejam, urgência e relevância para a primeira e imprevisibilidade e urgência para o segundo. Em outras palavras, o constituinte limitou a edição de medida provisória e a abertura de crédito extraordinário para atender somente a despesas enquadradas nessas hipóteses, de forma a impedir os abusos e arbitrariedades do Poder Executivo. O debate sobre tal assunto é de suma relevância para a seara jurídica. Dentre as várias justificativas, pode-se citar a atualidade do tema, tendo em vista que a última decisão da Corte Suprema sobre o assunto foi em novembro de 2008 no julgamento da ADI nº 4049; sua polêmica, haja vista que as últimas decisões do Supremo se deram em sede de liminar; e o notório envolvimento de interesses políticos. Em suma, o tema ainda é bastante controverso, principalmente, ao se levar em consideração que a decisão em sede de liminar na ADI nº 4048, pela primeira vez, mudou radicalmente a postura do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto. Ocorre que até 2008 a Suprema Corte firmava posicionamento acerca da impossibilidade do ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade para a impugnação de atos normativos de efeitos concretos. O principal argumento era que essa espécie de ação é destinada ao controle somente de normas em abstrato, dotadas de generalidade, o que exclui de seu objeto os atos normativos determinados e direcionados a destinatários específicos. Além disso, alegava-se que esses atos revelavam juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público, o que implicaria em natureza política e os afastaria do controle jurisdicional. No entanto, a partir da medida cautelar deferida na ADI nº 4048, tal postura foi substancialmente alterada, de modo que não importa mais o caráter geral ou específico, concreto ou abstrato da lei, tendo em vista que abstrato há de ser o processo e não o ato legislativo submetido ao controle (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 65). Nesse sentido, o presente trabalho tem por escopo demonstrar a possibilidade e importância do controle jurisdicional, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, da medida provisória que autoriza a abertura de crédito extraordinário, situação excepcional de edição de medida provisória em matéria orçamentária. Busca-se esclarecer a necessidade desse controle, a fim de que a Constituição Federal não tenha seus limites e restrições desrespeitados ao livre arbítrio de decisões governamentais e que seja preservada a supremacia constitucional. O primeiro capítulo é destinado ao estudo do instituto da medida provisória. Primeiramente, discorre-se sobre a origem institucional das medidas provisórias, destacando a 5 influência do ordenamento italiano, e fazem-se comparações entre o decreto lei, decreto legge italiano e os modelos de medida provisória de 1988 e da Emenda Constitucional nº 32/2001. Posteriormente, são feitas considerações acerca dos pressupostos constitucionais de urgência e relevância, enfatizando-se que a ausência de tais requisitos pode configurar desvio de finalidade do ato editado pelo Poder Executivo. O segundo capítulo trata da medida provisória em matéria orçamentária. Debate-se o modo de abertura do crédito extraordinário, salientando que essa excepcionalidade é estabelecida em face da urgência desse tipo de crédito, o que afasta o processo legislativo ordinário, tendo em vista a busca pela celeridade. A segunda seção descreve a tramitação da medida provisória sobre o crédito extraordinário e especifica seus aspectos intrínsecos. Na terceira seção, aborda-se a questão dos pressupostos de imprevisibilidade e urgência do crédito extraordinário e faz-se uma analogia com o estado de exceção, enfatizando-se a obrigatoriedade do cumprimento de tais limites constitucionais, sob pena de ensejar na atuação discricionária do Estado e ferir a ordem democrática. Por fim, encerra-se o capítulo com uma análise específica dos créditos extraordinários abertos pelas medidas provisórias nº 402 e 405 de 2007, com o intuito de se verificar a real destinação de tais créditos e, principalmente, se houve a observância dos pressupostos constitucionais. O último capítulo aborda a questão do controle de constitucionalidade desse tipo de ato normativo. Expõe-se argumentos favoráveis e contrários a admissibilidade desse tipo de controle, por meio de alguns julgados da Corte Suprema, principalmente as ADIs nº 4048 e 4049. O intuito primordial é apresentar razões que não apenas justificam, mas tornam necessário o referido controle, de modo que se preserve a força normativa da Constituição. A terceira seção discute a problemática da jurisdição constitucional à luz de Hans Kelsen e Carl Schmitt, tendo em vista que tais teses influenciaram o atual modelo de controle de constitucionalidade brasileiro. Por fim, encerra-se o trabalho com uma análise objetiva acerca do impacto dessas decisões em sede de liminar no número de medidas provisórias editadas sobre a matéria orçamentária. 6 1 MEDIDA PROVISÓRIA A medida provisória tornou-se uma relevante fonte primária do direito brasileiro, visto que o seu uso tem-se tornado cada vez mais constante. Em assim sendo, o reiterado estudo desse ato normativo é fundamental para a sua correta conceituação e aplicação, segundo os ditames da ordem constitucional vigente. Esse instituto constitui-se em uma espécie normativa de natureza emergencial, conforme se depreende do caput do art. 62 da atual Constituição Federal1, por meio da qual o Chefe do Poder Executivo dá origem a atos normativos primários. Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco (2009, p. 926) classificam a medida provisória como ato normativo primário, sob condição resolutiva, que ostenta nítida feição cautelar. Dessa maneira, salientam que a medida provisória não se confunde com mero projeto de lei, visto que produz efeitos de norma vinculante desde a sua edição. Tal definição ressalta o caráter emergencial e cautelar, evidenciado, sobretudo, nos pressupostos formais da medida provisória: urgência e relevância da matéria sobre que versa. Entretanto, apesar de ter força de lei, não é verdadeiramente uma lei, no sentido técnico e estrito do termo, visto que não existiu processo legislativo prévio a sua formação. Destaque-se, ainda, que a eficácia da medida provisória será eliminada desde o início se o Congresso Nacional, a quem será imediatamente submetida, não a converter em lei dentro do prazo máximo – que não correrá durante o recesso parlamentar – de 120 (cento e vinte) dias contados a partir de sua publicação. No tocante aos efeitos da medida provisória, podem ser destacados dois principais. O primeiro efeito é de ordem normativa, visto que a medida provisória, que possui vigência e eficácia imediatas, inova, em caráter inaugural, a ordem jurídica. O segundo efeito é de natureza ritual, já que a publicação desse ato normativo estimula o Congresso Nacional a instaurar o adequado procedimento de conversão em lei. Após essa breve digressão sobre o conceito de medida provisória, o presente capítulo discutirá a origem desse instituto, remetendo ao decreto legge italiano, bem como traçará considerações sobre seus pressupostos atuais – urgência e relevância. Tudo isso a fim de que se possa fornecer ao leitor uma base sólida para a compreensão do controle de constitucionalidade dessa espécie de ato normativo. 1 “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.” (BRASIL, 2001). 7 1.1 A origem institucional das medidas provisórias As situações advindas da ordem econômica, social e cultural exigem agilidade do Estado e eficiência nas respectivas intervenções, muitas vezes feitas em situações complicadas, cumulando urgência e relevância com a complexidade técnica e operacional das soluções. Barros (2000, p. 76) destaca que esse contraste entre o processo legislativo clássico e a urgência e complexidade das soluções econômicas e sociais pôs em contradição os Poderes Executivo e Legislativo. Nesse sentido, houve a necessidade, em algumas hipóteses, de haver a transferência da função legislativa para o Poder Executivo, a fim de atender melhor as situações emergenciais. Uma das formas dessa transferência foi a via evolutiva, por meio da evolução da própria Constituição, “[...] por renovações ou inovações feitas quer democrática quer autoritariamente, dando origem a figuras constitucionais como as leis delegadas, os decretos-leis e, seqüela destes, as medidas provisórias” (BARROS, 2000, p. 76). Isto posto, tem-se que as medidas provisórias constituem campo de legislação de urgência e emergência previstas constitucionalmente, materializando, assim, essa transferência de poder do Legislativo para o Executivo. Nesse sentido, a existência das medidas provisórias é justificada como decorrência da transição do constitucionalismo liberal para o social, na medida em que o Estado é chamado para intervir na ordem econômica e social, desencadeando o intervencionismo social e a busca pelo equilíbrio, justiça e igualdade sociais (BARROS, 2000, p. 77). Quanto à origem institucional das medidas provisórias, o seu início foi marcado pelo surgimento do decreto-lei, que foi instituído pela primeira vez formalmente, como espécie normativa no ordenamento jurídico brasileiro, com a Constituição de 1937. Tal Carta Magna previa quatro modalidades todas denominadas de “decreto-lei”. A principal modalidade estava prevista no art. 180 da referida Constituição2. As outras estavam dispostas nos arts. 12, 13 e 143. No entanto, essas três últimas modalidades foram ofuscadas pelo decreto-lei do art. 180, tendo em vista que eram bem mais limitadas4. 2 “Art. 180. Enquanto não se reunir o Parlamento Nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União.” (BRASIL, 1937). 3 “[...] a) os expedidos por autorização do Parlamento (art. 12), que constituem um estereótipo da lei delegada; b) os expedidos por ocorrência do recesso do Parlamento ou por decorrência da dissolução da Câmara dos Deputados (art. 13); c) os expedidos livremente pelo Presidente da República (art. 14)” (BARROS, 2000, p. 77). 4 José Levi Amaral Júnior (2004, p. 111) destaca que o decreto-lei previsto no art. 12 era uma espécie de lei delegada; o decreto-lei do art. 13 era restrito, na medida em que não poderia modificar a Carta Magna ou 8 Nesse sentido, a presente análise irá se ater à modalidade de decreto-lei prevista no art. 180 da Constituição de 1937, dada a sua grande aplicabilidade na época5. Tal decreto possuía caráter emergencial, vigência imediata a partir da publicação e era submetido à apreciação do Congresso Nacional. Alexandre Mariotti (1999, p. 63) observa que tal instituto foi largamente associado a ditaduras e abuso de poder por parte do Poder Executivo, o que suscitou justificada desconfiança. José Levi Amaral Júnior (2004, p. 109-110) destaca, ainda, que enquanto não fosse implementado o “Parlamento Nacional”, a Carta Magna atribuía todas as competências legislativas da União ao Presidente da República, inclusive o poder de superar, via decreto-lei, decisão do Supremo Tribunal Federal. Ressalte-se que não havia conversão em lei: esse decreto-lei já nascia sob a forma de lei. Nesse sentido, Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco (2009, p. 925) acrescentam que a previsão era de que esse instituto seria usado, mediante autorização do parlamento ou durante períodos de recesso ou dissolução da Câmara dos Deputados, mas “como o parlamento não se reuniu, o uso do decreto-lei foi absoluto”. Em seguida, com o advento da Constituição de 1946, houve a extinção do decreto-lei, tendo em vista a reação liberal ao autoritarismo, que baniu esse instituto. No entanto, tal espécie normativa logo retornou com a Constituição de 1967, posteriormente emendada em 1969, que lhe atribuiu matéria específica circunscrita à segurança nacional, finanças públicas e criação de cargos públicos e fixação de vencimentos6. Além disso, impôs os pressupostos alternativos de urgência ou de interesse público relevante. Sobre esse aspecto, Alexandre Mariotti (1999, p. 58) critica a referência a “interesse público relevante”, visto que dá idéia de que os demais atos legislativos dispensam esse requisito e por desvirtuar a definição clássica dessa modalidade de ato legislativo. 5 6 dispor sobre legislação eleitoral, orçamento, impostos, instituição de monopólios, moeda, empréstimos compulsórios, alienações e oneração de bens imóveis da União e a modalidade do art. 14 era nada mais era do que um “decreto autônomo disfarçado”. Sérgio Resende de Barros (2000, p. 77) salienta que importantes Códigos e leis ganharam vigência veiculados por decretos-leis: Código de Processo Civil (Dec.-lei 1.608, de 18.09.1939, já revogado), Código Penal (Dec.lei 2.848, de 07.12.1940, cuja Parte Especial continua vigente em boa parte), Lei de Contravenções Penais (Dec.-lei 3688, de 03.10.1941), Código de Processo Penal (Dec.-lei 3.689, de 03.10.1941) e Consolidação das Leis do Trabalho (Dec.-lei 5.452, de 1º.05.1943). “Art. 55. O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não haja aumento de despesa, poderá expedir decretos-lei sobre as seguintes matérias: I – segurança nacional; II – finanças públicas, inclusive normas tributárias; e III – criação de cargos públicos e fixação de vencimentos. § 1º. Publicado o texto, que terá vigência imediata, o decreto-lei será submetido pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, que o aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias a contar do seu recebimento, não podendo emendá-lo; se, nesse prazo, não houver deliberação, aplicar-se-á o disposto no § 3º do art. 51. § 2º. A rejeição do decreto-lei não implicará a nulidade dos atos praticados durante a sua vigência.” (BRASIL, 1969). 9 Ademais, a doutrina e a jurisprudência majoritárias entendiam que esses requisitos constitucionais alternativos não poderiam ser objeto de controle pelo Poder Judiciário, em virtude da natureza política de ambos. Nesse sentido, observe-se que somente a partir da Constituição de 1988 é que passou a existir o controle judicial da constitucionalidade dos respectivos requisitos da medida provisória. Quanto à limitação material, a Constituição de 1967 restringiu expressamente os assuntos que poderiam ser versados no decreto-lei. Oportuno salientar, também, que o conceito de “segurança nacional” encontrava-se devidamente conceituado e delimitado no texto constitucional. Nesse sentido, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal era o de que, diferentemente do que ocorria com os pressupostos de urgência e relevância, caberia controle judicial e não havia juízo de discricionariedade. No entanto, na prática, a interpretação dada a esse conceito era muito ampla, o que acarretou a proliferação desenfreada de decretos-lei no regime ditatorial (MARIOTTI, 1999, p. 60). Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2007, p. 237) reitera que “na prática, enquanto em vigor a Constituição de 1967, o decreto-lei se tornou a forma ‘normal’ de legiferação”. Em outras palavras, essa forma de legislar era muito mais cômoda, prática e conveniente para o Presidente da República, tendo em vista a maior onerosidade de se colocar projeto de lei à apreciação do Congresso Nacional. De fato, a figura do Chefe do Executivo concentrava um amplo poder, devido à sua vasta capacidade de legislar. Havia, assim, uma injusta concentração de poderes, apontada como uma forma de autoritarismo e largamente criticada. A principal conseqüência foi a abolição do decreto-lei pela Constituição de 1988, que instituiu a medida provisória. Antes de adentrar no modelo originário de medida provisória, é conveniente analisar o decreto legge da Constituição italiana de 1947, tendo em vista que foi o principal antecedente inspirador do sistema de decreto-lei e de medida provisória adotado pelos constituintes brasileiros, respectivamente em 1967 e 1988. No entanto, Barros (2000, p. 77) observa que os institutos brasileiros “[...] assumiram perfis constitucionais substancialmente discrepantes, tanto na matriz, quanto entre si”. Dessa maneira, é oportuno destacar tanto as semelhanças quanto as diferenças entre eles, a fim de que se possa analisar a real influência do decreto italiano. O art. 77 da Carta italiana dispunha: O Governo não pode, sem delegação das Câmaras, editar decretos que tenham valor de lei ordinária. Quando, em casos 10 extraordinários de necessidade e de urgência, o Governo adota, sob a sua responsabilidade, provimentos provisórios com força de lei, deve no mesmo dia apresentá-los para conversão às Câmaras que, mesmo se dissolvidas, são convocadas para esse propósito e se reúnem dentro de cinco dias. Os decretos perdem eficácia desde o início, se não são convertidos em lei dentro de sessenta dias da sua publicação. As Câmaras podem, todavia, regular por lei as relações jurídicas surgidas com base nos decretos não convertidos7 (BARROS, 2000, p. 78). José Levi Amaral Júnior (2004, p. 63) conclui que o decreto legge, assim como a medida provisória, é ato normativo primário, mas apenas materialmente lei, pois só se tornará lei formal a partir do momento em que ocorrer sua conversão em lei aprovada pelo Parlamento. Ressalte-se que a necessidade e a urgência são pressupostos justificativos do exercício dessa competência constitucional, tendo em vista a ocorrência de um fato extraordinário. Ademais, apesar de serem pressupostos cumulativos, José Levi Amaral Júnior (2004, p. 79) destaca que, na maioria dos casos, a urgência encontra-se implícita no requisito necessidade. A doutrina italiana explicita que a necessidade e a urgência não são objetivamente determináveis, tendo caráter relativo e dependente de uma valoração política do governo. Ocorre que, com o decurso do tempo, a fórmula original da “absoluta urgência e necessidade” preceituada no art. 77 foi sendo relativizada e caindo no desuso. Com isso, atualmente, defende-se a aplicação de critérios cada vez mais objetivos para se constatar a configuração ou não desses pressupostos constitucionais (AMARAL JÚNIOR, 2004, p. 7576). Saliente-se, sobretudo, que o decreto legge italiano era aplicado em um regime parlamentarista. Isso quer dizer que havia uma identidade política entre a maioria parlamentar e o Gabinete por ela apoiado. Em outras palavras, o governo adota os provimentos provisórios sob sua responsabilidade política, de sorte que, se o Parlamento não os converte em lei, manifesta desconfiança, que pode implicar a queda do Gabinete (BARROS, 2000, p. 78-79). Em assim sendo, observe-se que não há uma harmonia entre o 7 O original em língua italiana possui o seguinte teor: “Il Governo non può, senza delegazione delle Camere, emanare decreti Che abbiano valore di legge ordinária. Quando, in casi straordinari di necessita, e d’ urgenza, il Governo adotta, sotto La sua responsabilità, provvedimenti porvvisori com forza di legge, deve il giorno stesso presentarli per La convesione alle Camere che, anche se sciolte, sono appositamente convocate e si riuniscono entro cinque giorni. I decreti perdono efficacia sin dall’inizio, se non sono convertiti in legge entro sessenta giorgi dalla loro pubblicazione. Le Camere possono tuttavia refolare com legge i rapporti giuridici sorti sulla base dei decreti non converiti”. 11 instituto do decreto legge e o presidencialismo, tendo em vista que os Poderes Executivo e Legislativo operam independentemente e nem sempre o Chefe do Executivo possui apoio da maioria do parlamento (AMARAL JÚNIOR, 2004, p. 202). Algumas dessas soluções italianas foram aproveitadas pelo constituinte originário de 1988 ao legislar sobre as medidas provisórias. Nesse modelo brasileiro originário de 1988, enfatizou-se o seu caráter emergencial, provisório e resolúvel, porém, com a participação mais atuante do Poder Legislativo8. Alexandre Mariotti (1999, p. 64) observa que a denominação “medida provisória” demonstra, simultaneamente, o conteúdo e a forma desse ato normativo emanado do Poder Executivo. No caso italiano, por exemplo, a denominação “decreto legge” é oriunda da veiculação por meio de decreto. Já no caso da Constituição de 1988, o autor salienta que a provável explicação para essa nomenclatura é o desejo de marcar a ruptura com a ordem constitucional anterior. Tratava-se, portanto, de um ato normativo primário e provisório, circunscrito à esfera privativa de competência do Presidente da República, que possuía força, eficácia e valor de lei (AMARAL JÚNIOR, 2004, p. 122). Dessa maneira, apesar de a medida provisória não ser lei formal do Congresso Nacional, é lei em sentido material. Alexandre Mariotti (1999, p. 69-70) entende por força de lei a “aptidão para inovar a ordem jurídica com a mesma potência da lei”. Além disso, na prática, a medida provisória reveste-se de projeto de lei com eficácia antecipada. Nesse sentido, a medida provisória só torna-se lei, formalmente, pelo processo de conversão. Trata-se de um ato do Poder Executivo, que possui natureza legislativa “[...] de modo que o Poder Legislativo e o Poder Executivo partilham – ao menos de alguma medida – a potestade de legislar” (AMARAL JÚNIOR, 2004, p. 127). Saliente-se que a medida provisória, tanto no regime originário da Constituição de 1988 quanto no modelo da Emenda Constitucional no 32/2001, é um ato desprovido de complexidade, pois depende apenas do juízo discricionário do Presidente da República quanto à sua adoção (AMARAL JÚNIOR, 2004, p. 124). 8 “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias. Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei, no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.” (BRASIL, 1988). 12 Frise-se, ainda, que a medida provisória não é uma negação a separação dos poderes, mas sim um elemento integrador do ordenamento jurídico, pois a delegação legislativa não é atentatória ao sistema democrático, desde que esteja o Poder Executivo sujeito a rígido controle por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário. Ademais, tal delegação é legítima, porquanto está prevista no próprio texto constitucional. Isso posto, devese interpretar a divisão dos poderes, não de maneira a isolá-los reciprocamente, mas de modo a consentir o controle de uns sobre os outros. José Levi Amaral Júnior (2004, p. 130) complementa esse raciocínio com a seguinte passagem: O processo de conversão em lei da medida provisória é, assim, o ápice do controle do Poder Legislativo sobre o exercício da potestade legislativa confiada pela Constituição ao Poder Executivo por meio da decretação de urgência. No entanto, esse instituto foi desvirtuado pelo uso. A Corte Suprema passou a admitir a reprodução ou reedição da medida provisória que, não sendo convertida em lei no prazo determinado, não fora expressamente rejeitada pelo Poder Legislativo. Nesse sentido, apenas a medida provisória que tivesse sido expressamente rejeitada perdia a sua eficácia, já que do contrário seria convalidada pela medida provisória que a reiterava. Conseqüência disso, foi haver-se convertido em um relevante fator de insegurança jurídica. Em outras palavras, a utilização excessiva das medidas provisórias minimiza, perigosamente, a importância político-institucional do Poder Legislativo, na medida em que suprime a possibilidade de prévia discussão parlamentar de matérias que, ordinariamente, estão sujeitas ao poder decisório do Congresso Nacional. Sobre esse aspecto, o Ministro Celso de Mello, ao proferir seu voto na ADI nº 3964, ressaltou que [...] desde o início da vigência da Constituição de 1988, os sucessivos Presidentes da República – entre edições e reedições – promulgaram, sozinhos, um total de medidas provisórias equivalente a mais do que o dobro de decretos-leis editados pelos generais-Presidentes, ao longo de todo o regime de exceção, que, no Brasil, vigorou entre 1º de abril de 1964 e 15 de março de 1985. [...] numa evidente atestação de que o Chefe do Poder Executivo da União transformou-se, definitivamente, hoje, em verdadeiro legislador solitário da República (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008a, p. 521). Desse modo, o exacerbado uso da medida provisória ensejou inúmeros debates no Congresso Nacional, resultando, assim, na Proposta de Emenda Constitucional 472/1997, que culminou na aprovação da Emenda Constitucional nº 32/2001. O referido texto é fruto de um compromisso entre o Poder Executivo e o Congresso Nacional e da consolidação da jurisprudência, objetivando restrições quanto ao poder do Presidente da 13 República de legiferar por medida provisória. Dentre as mudanças efetuadas, pode-se citar a nova redação do art. 62 da Constituição Federal. Ressalte-se que, apesar das modificações, tal emenda não alterou a natureza jurídica da medida provisória. Dentre as principais alterações, tem-se que o âmbito material da medida provisória sofreu restrições explícitas constantes no § 1º do art. 62. No entanto, José Levi Amaral Júnior (2004, p. 215-216) observa que as matérias referidas pelas alíneas a e c do inciso I, assim como a referida no inciso III, ambos do § 1º já eram excluídas do âmbito material pela prática institucional pátria. A alínea b inovou ao proibir a edição de medida provisória sobre a matéria processual civil, o que era, até então, amplamente aceito pela jurisprudência. O inciso II foi inspirado nas práticas legislativas contemporâneas ao Plano Collor. O inciso IV inova ao fazer prevalecer o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional, enquanto pendente de manifestação presidencial. No que concerne à matéria orçamentária, saliente-se que essa Emenda Constitucional apenas permitiu à medida provisória a abertura de crédito extraordinário. Ademais, o prazo de apreciação foi estendido para sessenta dias (como ocorria com o decreto-lei), com a inovação de admitir-se prorrogação por igual prazo uma única vez. Houve ainda, a inovação das ressalvas dos §§ 11 e 12, referentes aos efeitos produzidos por esse instituto. Assim, há a “[...] presunção a favor da permanência do regime aplicado às relações jurídicas pela medida provisória” (FERREIRA FILHO, 2007, p. 243). No que concerne à reedição, a nova redação visou coibir a insegurança jurídica e o abuso no uso de medidas provisórias. Sobre esse aspecto, José Levi Amaral Júnior (2004, p. 277) afirma que o avanço mais significativo da referida emenda foi a “[...] autoproteção com que se dotou a ordem constitucional brasileira contra a exacerbação na edição e reedição de medidas provisórias, em especial pelo engenhoso esquema de prazos”. Por fim, diferentemente do texto original de 1988, a nova Constituição regula expressamente o procedimento de conversão da medida provisória em lei. Desse modo, foi ampliada a possibilidade de controle jurisdicional relativamente à constitucionalidade formal da tramitação congressual da medida provisória ou do projeto de lei de conversão. 1.2 Dos requisitos da medida provisória: urgência e relevância A urgência e a relevância da matéria sobre que versam são pressupostos comuns às medidas cautelares em geral e específicos das medidas provisórias. O Ministro 14 Celso de Mello, ao proferir voto, em sede de medida cautelar, na ADI nº 293, afirmou que tais requisitos representam, nada mais, que a configuração de um estado de necessidade que impõe ao Poder Público a adoção imediata de providências, tendo em vista que a provável demora pode acarretar dano de difícil ou impossível reparação para o interesse público (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 1993, p. 18). Nas palavras do Ministro Carlos Ayres Brito, ao proferir voto na ADI nº 3964: É a medida provisória, portanto, uma regração que o Presidente fica autorizado a baixar para o enfrentamento de certos tipos de anomalia fática. Um tipo de anormalidade – este o ponto central da questão – geradora de instabilidade ou conflito social que não encontra imediato equacionamento nem na Constituição, diretamente, nem na ordem legal já estabelecida. Por isso que demandante de uma resposta normativa que não pode aguardar as formas constitucionais de tramitação dos projetos de lei (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008a, p. 479-480). Entretanto, Alexandre Mariotti (1999, p. 71) alerta para a questão da associação do uso de medidas provisórias ao estado de necessidade. Tendo em vista que a Constituição brasileira prevê explicitamente regras para as situações de estado de defesa e estado de sítio9, não se pode inferir que as medidas provisórias sejam dirigidas ao disciplinamento direto de tais situações. Em assim sendo, o doutrinador pondera que “[...] o ‘estado de necessidade’, que por vezes se invoca como ensejador de sua edição, deve ser entendido numa acepção branda, de necessidade dentro da normalidade” (MARIOTTI, 1999, p. 71). Em outras palavras, circunstâncias dentro do juízo de normalidade, mas que exigem uma providência imediata do Chefe de Estado para neutralizar situações de grave risco para a ordem pública e para o interesse social. Isto posto, diante da imediatidade requerida para o uso da medida provisória, o constituinte estabeleceu explicitamente os requisitos de urgência e relevância, visto que tais medidas seguem um rito específico e não se submetem, em um primeiro momento, ao controle ordinário do Poder Legislativo. Trata-se de requisitos legitimadores e essenciais ao exercício, pelo Presidente da República, da competência normativa que lhe foi extraordinariamente outorgada para editar medidas provisórias. Portanto, esses pressupostos nada mais são do que limitadores ao exercício arbitrário desse poder de legislar conferido ao Chefe do Poder Executivo (DINIZ, 2007, p. 9). 9 Veja Constituição Federal de 1988, arts. 136 a 141. 15 Saliente-se que esses requisitos obrigatórios deverão ser estritamente observados pelo Presidente e, logo após, serão submetidos à apreciação do Congresso Nacional, como condição para conversão da medida provisória em lei. Desse modo, não há violação ao princípio da separação dos poderes, visto que nem o Poder Legislativo e nem o Poder Judiciário são privados da análise desses pressupostos constitucionais. No que concerne à conceituação desses elementos, a relevância pode ser tida como um elemento de caráter político da medida provisória. Significa algo que é, em sua essência, fundamental ou importante no âmbito social. Já a urgência relaciona-se com um conjunto de situações que precisam ser reguladas, imediatamente, sob pena de se instalar no estado uma condição de crise ou extremo perigo (DINIZ, 2007, p. 9). Registre-se que para Alexandre Mariotti (1999, p. 73-74) esses pressupostos não podem ser tidos como inteiramente vinculados à discricionariedade do Chefe do Poder Executivo. Pelo contrário, deve-se entendê-los como conceitos jurídicos indeterminados. Nesse sentido, importante é a distinção entre discricionariedade e indeterminação – discussão originária do direito alemão e trabalhada pela doutrina do direito administrativo no âmbito do princípio da legalidade a que se submete a Administração Pública. Sobre esse aspecto, o mesmo autor tece esclarecimentos entre determinação e indeterminação: Por sua referência à realidade, os conceitos utilizados pelas normas jurídicas podem ser determinados ou indeterminados. Determinados são os que delimitam o âmbito de realidade à qual se referem de forma precisa e inequívoca (por exemplo, velocidade de 80 km/h); já os indeterminados referem um âmbito de realidade cuja delimitação não é precisa em abstrato, embora se refira a uma hipótese concreta. [...] Em qualquer dos casos, à indeterminação do enunciado não equivale uma indeterminação de conteúdo: este não pode ser definido a priori, mas pode sê-lo, no caso concreto, pelo aplicador (MARIOTTI, 1999, p. 74). O ponto crucial da diferença entre discricionariedade e indeterminação é que a primeira tem uma maior amplitude de solução, pois há várias soluções possíveis conforme ao direito; já o conceito jurídico indeterminado cessa na aplicação ao caso concreto. A principal conseqüência, segundo Alexandre Mariotti (1999, p. 74), é que [...] enquanto o exercício da discricionariedade pode ser sindicado nos seus aspectos formais e de pressupostos de validade, mas não quanto ao seu mérito, pois o juiz não pode substituir-se ao administrador, a aplicação de conceitos jurídicos indeterminados é matéria totalmente aberta à interpretação, o que torna, em tese, suscetível de revisão judicial plena. 16 Dessa maneira, a caracterização da relevância e da urgência como conceitos jurídicos indeterminados, e não como oriundos do poder discricionário do Chefe do Poder Executivo, possibilita ao Supremo Tribunal Federal perquirir sobre a ocorrência desses pressupostos no caso concreto e, assim, declarar a validade ou invalidade da medida provisória, tendo em vista a existência ou não desses requisitos. Ou seja, ao aceitar-se essa teoria da indeterminação dos conceitos, automaticamente sedimenta-se o princípio da plena revisibilidade jurisdicional da aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados, já que o Poder Judiciário não pode invadir a esfera do mérito administrativo. Em assim sendo, aplicam-se os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello (2001, p. 100-101): [...] O Judiciário não sai de seu campo próprio nem invade discrição administrativa quando verifica se pressupostos normativamente estabelecidos para delimitar uma data competência existem ou não existem. Uma vez que a Constituição só admite medidas provisórias em face de situação relevante e urgente, segue-se que ambos são, cumulativamente, requisitos indispensáveis para irrupção da aludida competência. [...] Com efeito, se relevância e urgência fossem noções só aferíveis concretamente pelo Presidente da República, em juízo discricionário incontrastável, o delineamento e a extensão da competência para produzir tais medidas não decorreriam da Constituição, mas da vontade do Presidente, pois teriam o âmbito que o Chefe do Executivo lhes quisesse dar. Assim, ao invés de estar limitado por um círculo de poderes estabelecido pelo Direito, ele é quem decidiria sua própria esfera competencial na matéria, idéia antinômica a tudo que resulta do Estado de Direito. Entretanto, tal alternativa não foge à complexidade, visto que não é possível em todos os casos chegar a uma solução única. Saliente-se que existe uma zona de incerteza em que os Tribunais são incapazes de dar uma solução que seja indubitavelmente melhor que a da Administração. Por exemplo, quando a aplicação de um conceito normativo a uma situação concreta implique um complexo juízo de valor da Administração, que não será necessariamente melhor que o juízo formulado pelo Poder Judiciário. Ou seja, conceitos jurídicos indeterminados nem sempre são passíveis de determinação no caso concreto; conseqüentemente, a revisão judicial é inviável em alguns casos (MARIOTTI, 1999, p.75). Isto posto, destaque-se que o Ministro Gilmar Mendes ao proferir seu voto na apreciação de medida cautelar na ADI nº 3964 revelou entendimento de que o conceito de urgência é de difícil aferição em alguns casos, tendo em vista que há, implícita e explicitamente, uma idéia de urgência política. Portanto, inviável tal apreciação (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008a, p. 498). 17 No que tange à questão da discricionariedade e do conceito jurídico indeterminado, o Ministro Celso de Mello, em seu voto na mesma ADI pronunciou-se: [...] a carga de discricionariedade política, subjacente à formulação inicial, pelo Chefe do Executivo, do juízo concernente aos requisitos da urgência e da relevância, não pode legitimar o exercício abusivo da prerrogativa extraordinária de legislar. Vê-se, pois, que a relevância e a urgência – que se relevam noções redutíveis à categoria de conceitos relativamente indeterminados – qualificam-se como pressupostos constitucionais legitimadores da edição das medidas provisórias. Constituem requisitos condicionais do exercício desse poder extraordinário de legislar que a Carta Política outorgou ao Presidente da República. Tratando-se de requisitos de índole constitucional, cabe, ao Supremo Tribunal Federal, em cada caso corrente, analisar a configuração desses pressupostos, cuja existência se revela essencial ao processo de legitimação do exercício, pelo Presidente da República, do seu poder de editar medidas provisórias (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008a, p. 526-527). No mesmo sentido, destaque-se que, no entender de Celso Antônio Bandeira de Mello (2001, p. 100-101), apesar de os pressupostos de relevância e urgência serem conceitos vagos, fluidos e imprecisos, isso não significa que eles careçam de densidade significativa. Dessa maneira, o autor reforça a questão da complexidade desses conceitos levantada pelo Ministro Gilmar Mendes ao concluir que tanto existem situações duvidosas, em que será impossível identificar se adequam ou não à previsão abstrata do art. 62, quanto há circunstâncias em que é nítida a existência de relevância e urgência. Portanto, o Poder Judiciário sempre poderá se pronunciar conclusivamente entre os casos de certeza negativa ou positiva e também verificar se o Chefe do Executivo respeitou os limites possíveis dos referidos requisitos nas situações de plausibilidade de mais de uma intenção. Em assim sendo, no entendimento atual, a presença dos pressupostos constitucionais de urgência e relevância na edição de medidas provisórias é condição fundamental para a sua legitimidade e sua ausência pode configurar um desvio de finalidade do ato editado pelo Poder Executivo. Observe-se que esses requisitos são, de fato, a motivação do ato normativo e, de acordo com a Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional, devem estar presentes na exposição de motivos da medida provisória10. 10 “Art. 2º. [...] §1º. No dia da publicação da medida provisória no Diário Oficial da União, o seu texto será enviado ao Congresso Nacional, acompanhado da respectiva mensagem e de documento expondo a motivação do ato.” (CONGRESSO NACIONAL, 2002). 18 Diante de tais argumentos, é que o entendimento doutrinário e jurisprudencial que negava cabimento ao controle jurisdicional dos requisitos legitimadores da medida provisória foi revisto após a Constituição de 1988 (DINIZ, 2007, p. 11). Segundo Alexandre Mariotti (1999, p. 72), na vigência das Constituições de 1937 e 1967, o Supremo Tribunal Federal considerou que o Chefe do Poder Executivo exercia juízo discricionário sobre a presença dos pressupostos constitucionais do decreto-lei, juízo esse que se submetia apenas ao controle político do Congresso Nacional, não se permitindo um controle jurisdicional. Entretanto, no que concerne às medidas provisórias, a Corte Constitucional afastou-se dessa jurisprudência, admitindo que os pressupostos de relevância e urgência não são todo imunes ao controle jurisdicional. Saliente-se, contudo, que o atual entendimento restringe esse controle à verificação no caso concreto da ocorrência de abuso manifesto. A principal motivação para a efetivação do referido controle é o princípio da supremacia da Constituição, na medida em que se rechaça a discricionariedade e arbitrariedade governamental em casos anômalos de excesso de poder ou em situações inaceitáveis de manifesto abuso institucional. Desse modo, é oportuna a observação de José Levi Amaral Júnior (2004, p. 310) no que tange à possibilidade de vulgarização do instituto da medida provisória, que deve ser de pronto combatida. Ressalte-se, ainda, que o que deve ser recriminado do ordenamento jurídico é o uso abusivo e desvirtuado desse instituto e não a sua mera existência. Nesse sentido, destaca-se o papel fundamental do Poder Judiciário, especialmente por intermédio do Supremo Tribunal Federal, que participa do processo legislativo ao julgar a legalidade dos atos normativos primários elaborados pelo Poder Executivo, principalmente no que tange a presença de seus pressupostos constitucionais. Por fim, diante dessa breve análise institucional sobre a medida provisória e seus pressupostos, é conveniente partir para o estudo da única matéria orçamentária editada por meio desse instrumento normativo, qual seja, o crédito extraordinário. Desse modo, o próximo capítulo será dedicado à análise específica desse tipo de crédito adicional, tudo isso de maneira a possibilitar ao leitor um melhor amparo para o estudo da mudança de posicionamento da Suprema Corte, no que tange ao controle de constitucionalidade de medida provisória que abre crédito extraordinário. 19 2 MEDIDA PROVISÓRIA EM MATÉRIA ORÇAMENTÁRIA A atual Constituição adotou um sistema orçamentário moderno para o país. Dessa maneira, os orçamentos fiscal, de investimento das empresas e da seguridade social constituem fases do planejamento de desenvolvimento econômico e social. Em outras palavras, devem tais orçamentos ser compatibilizados com o disposto nos planos e programas nacionais, regionais e setoriais, de modo que sigam as instruções do plano plurianual, que é o instrumento de planejamento a longo prazo da Administração Federal (SILVA, 2008, p. 675). A principal conseqüência dessa programação financeira é que nenhum dispêndio pode ser realizado pela União se não existir a prévia e pertinente dotação orçamentária. Ademais, só é viável realizar despesas até o valor das respectivas dotações orçamentárias. No entanto, durante sua execução, o orçamento pode necessitar ser retificado de modo a atender a situações não previstas quando de sua elaboração ou mesmo viabilizar a execução de novas despesas, que só se configuraram como necessárias durante a própria execução orçamentária. A solução adotada e o mecanismo a ser invocado é o do crédito adicional, previsto na Lei nº 4.320/6411. A iniciativa das leis referentes a créditos adicionais é privativa do Chefe do Poder Executivo, que deverá, obrigatoriamente, justificar as razões das novas adições no orçamento. Embora existam dispositivos da Lei nº 4.320/64 (arts. 40 a 46) que tratam dos créditos adicionais, a Constituição de 1988, ao longo dos artigos 165, § 8º; 166, caput e § 8º; 167, II, III, V, VII; 167, §§ 2º e 3º, regulamentou tais créditos. Os créditos adicionais possuem a função de resolver problemas clássicos advindos da imprevisão na elaboração do orçamento: no primeiro caso, o orçamento contém o crédito adequado, mas a respectiva dotação possui saldo insuficiente para o atendimento das despesas necessárias; na segunda, não existe o crédito orçamentário para atender às despesas a serem realizadas (GIACOMONI, 2007, p. 304). Os créditos adicionais classificam-se em suplementares, especiais e extraordinários12. Conforme preceitua a Lei nº 4.320/64, o crédito suplementar destina-se a 11 12 “Art. 40. São créditos adicionais as autorizações de despesa não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento.” (BRASIL, 1964). “Art. 41. Os créditos adicionais classificam-se em: I – suplementares, os destinados a reforço de dotação orçamentária; II – especiais, os destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica; 20 reforçar dotações orçamentárias; trata-se da solução para a primeira das situações indicadas anteriormente. Por outro lado, o crédito especial é destinado ao atendimento de despesas para as quais a lei orçamentária não conta com crédito específico; é a modalidade que visa atender à segunda das situações apontadas. Por último, o crédito extraordinário tem por finalidade atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. Saliente-se que o crédito extraordinário exige tramitação diversa da aplicada ao crédito especial, possuindo especificidades próprias. Por exemplo, a comissão mista em que tramita é a Comissão Mista (permanente) do Orçamento. Isso implica particularidades deste tipo de medida provisória relativamente às demais, o que torna de suma relevância o estudo desse procedimento para melhor analisar a questão do controle de constitucionalidade desse instituto. Diante desses breves esclarecimentos, o presente capítulo objetiva traçar comentários sobre o crédito extraordinário, englobando a sua incidência. A primeira seção tratará do seu modo de abertura, enfatizando a questão da medida provisória. A segunda abordará o seu modo de tramitação, tendo em vista que a matéria orçamentária possui um procedimento especial e diferenciado. A terceira discutirá a questão da doutrina do estado de exceção e a sua aplicabilidade aos pressupostos desse tipo de crédito. Por fim, a última seção trará uma análise acerca dos créditos abertos pelas medidas provisórias nº 405 e 402 de 2007, objeto das ADIs nº 4048 e 4049, respectivamente. 2.1 Abertura do crédito extraordinário O crédito extraordinário constitui instrumento de ajuste do orçamento anual às reais necessidades dos órgãos públicos, visto que autoriza a realização de despesas inicialmente não computadas ou insuficientemente dotadas, em caso de relevância, urgência e imprevisibilidade. Conforme lembra Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1994, p. 157), “[...] o crédito extraordinário só pode ser aberto se a despesa não havia sido prevista, certamente porque inesperada e improvável a emergência que o reclama”. É um instituto presente em nosso ordenamento jurídico desde os atos imperiais e está previsto na Carta Magna desde 1934. III – extraordinários, os destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública.” (BRASIL, 1964). 21 Segundo a Constituição Federal, existe um procedimento legislativo especial para as matérias orçamentárias, que enseja na prévia autorização legislativa para o caso dos créditos suplementares e especiais13. Entretanto, não se pode dizer o mesmo sobre o crédito extraordinário, que atualmente é aberto por medida provisória. A justificativa para a abertura do crédito extraordinário se dar por medida provisória – diferentemente do que ocorre com os créditos suplementares e especiais - é encontrada no fato de sua incidência recair sobre as situações em que a intervenção estatal deve dar-se rapidamente. Em outras palavras, a abertura desse tipo de crédito está condicionada à superveniência de despesas não previstas na lei de orçamento, que surgem em virtude de situações imprevisíveis e urgentes. Portanto, inviável aguardar-se o provimento legislativo prévio e inverte-se a regra da autorização prévia. Em suma, devido ao caráter de excepcionalidade dos créditos extraordinários, deve-se ater fielmente aos ditames legais, em respeito ao princípio da legalidade em Direito Financeiro. Em outras palavras, as normas devem ser estabelecidas de maneira exaustiva e detalhada, a fim de que se evite a criação de critérios subjetivos na aplicação da norma pelo Poder Executivo (DINIZ, 2007, p. 30). Acrescente-se que, além dos requisitos de relevância e urgência pertinentes à medida provisória, a Constituição impõe limites materiais – circunstâncias que revelam profunda gravidade, qual seja, exige que a abertura de crédito extraordinário se dê apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. Saliente-se que tais limitações servem como um freio à edição indiscriminada de medidas provisórias e tentam apaziguar a crítica ferrenha sobre o modo de abertura desse tipo de crédito. Portanto, essa especificidade de pressupostos para a abertura desse tipo de crédito orçamentário cumpre um papel constitucional, tendo em vista que a Carta Magna confere uma proteção muito especial ao orçamento. Deve-se sempre levar em consideração que, depois da Constituição, o orçamento é a lei que mais influencia os destinos da coletividade e o cotidiano de todos (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 181). Diferentemente do que ocorre em relação aos pressupostos de relevância e urgência, que se submetem a uma avaliação do Presidente da República por serem conceitos jurídicos indeterminados, os requisitos da imprevisibilidade e urgência recebem densificação normativa da Constituição, ao oferecer vetores para a interpretação e aplicação desses 13 “Art. 167. São vedados: […] V – a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes; [...]” (BRASIL, 1988). 22 conceitos. Seguindo esse raciocínio, o Ministro Gilmar Mendes, ao proferir voto na medida cautelar na ADI nº 4048 do Distrito Federal, pronunciou-se no sentido de que os conteúdos semânticos das expressões constitucionais “guerra”, “comoção interna” e “calamidade pública” são indicadores de situações fáticas de extrema gravidade e de conseqüências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social. Ou seja, representam situações anormais, cuja gravidade requeira medidas emergenciais e proporcionalmente adequadas e necessárias. Portanto, ao constituírem-se parâmetros interpretativos para os requisitos de imprevisibilidade e urgência, revelam a intenção do legislador de delimitar semanticamente esses pressupostos, inicialmente tidos como de natureza indeterminada (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 70). Destaque-se que a idéia da legislação de urgência sempre trouxe dúvidas e questionamentos acerca de sua legalidade e legitimidade. Nesse sentido, “[...] ao unir essa figura polêmica ao tipo crédito extraordinário – também caracterizado como instrumento excepcional – a prática brasileira apresenta casos questionáveis quanto às conseqüências jurídicas advindas do uso desse instrumento legal.” (LIMA, 2007, p. 27). Seguindo essa crítica, Sanches (2001, p. 4) salienta que a abertura dos créditos extraordinários por medida provisória representa um grande problema para o Congresso Nacional, na medida em que passa a ter responsabilidade de disciplinar as relações jurídicas derivadas de créditos extraordinários abertos de forma irregular ou abusiva, tornando o legislativo refém das atitudes do Poder Executivo. A justificativa plausível encontrada por esse autor é a de que o propósito da introdução da medida provisória foi o de desestimular a abertura desses créditos durante os períodos de recesso parlamentar, impondo ao Executivo o ônus da convocação do Congresso Nacional no caso de abertura de créditos dessa natureza. Ademais, critica a instabilidade desse procedimento, na medida em que transforma o que era um ato perfeito e acabado (o decreto de abertura do crédito extraordinário) em uma providência pendente de revisão pelo Poder Legislativo, já que, em tese qualquer medida provisória pode ser rejeitada pelo Congresso Nacional. Em contraponto à crítica apresentada, destaque-se a opinião de Camilla Diniz (2007, p. 15-16), que considera o uso de medida provisória para a abertura de crédito extraordinário medida bastante coerente, tendo em vista a estreita relação entre esses institutos. A justificativa é que a relevância e a urgência constatadas para a motivação da medida provisória em questão advêm da urgência e imprevisibilidade das despesas que legitimam a abertura do crédito extraordinário. Saliente-se que a significativa gravidade que 23 enseja esse instituto impossibilita o aguardo do procedimento legislativo ordinário, exigindose a adoção de procedimento extraordinário. 2.2 Tramitação de medida provisória que abre crédito extraordinário A tramitação da medida provisória que abre crédito extraordinário observa os regramentos constantes na Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional, que dispõe sobre a apreciação, pelo Congresso das medidas provisórias, e na Resolução nº 1 de 2006 também do Congresso Nacional, que regulamenta a Comissão Mista Permanente de Deputados e Senadores. Como já debatido anteriormente, a iniciativa e elaboração da medida provisória constituem competência privativa do Presidente da República. José Levi Amaral Júnior (2004, p. 230) salienta que o projeto de medida provisória é concebido no seio de algum órgão administrativo, tendo em vista o “influxo de ordem técnico-administrativa” ou o “influxo político”. Em seguida, tal projeto é encaminhado à Casa Civil da Presidência da República, com a referida exposição de motivos, que demonstre, objetivamente, a ocorrência de relevância e urgência no caso debatido pelo projeto. Ressalte-se que, uma vez ausentes tais pressupostos, a conseqüência é a não apreciação do projeto pelo Presidente da República, seguida de sua devolução, acompanhada com a justificativa do não seguimento, para o órgão de origem (AMARAL JÚNIOR, 2004, p. 231). Uma vez adotada a medida provisória pelo Presidente da República, deverá esta ser imediatamente enviada ao Congresso Nacional, juntamente com a respectiva mensagem e de documento expondo a motivação do ato, sendo vedada a sua retirada. Esse encaminhamento deve ocorrer na data da publicação da medida provisória no Diário Oficial da União. De acordo com a Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional, após a publicação da medida provisória no Diário Oficial da União, a Presidência da Mesa do Congresso Nacional determinará, em quarenta e oito horas, a publicação e distribuição de cópias da matéria em questão, bem como a designação de Comissão Mista competente para emitir parecer sobre ela. No caso de crédito extraordinário, caberá à Comissão Mista Permanente de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – CMO - emitir o referido parecer. Frise-se, 24 ainda, que a Resolução nº 1 de 2006 do Congresso Nacional estabelece que a tramitação da medida provisória que abre esse tipo de crédito segue praticamente o mesmo rito das medidas provisórias que tratam de outras matérias14. Saliente-se que essa submissão das medidas provisórias ao Congresso Nacional representa exigência decorrente do princípio da separação de poderes. Nesse sentido, cabe reiterar o argumento de José Levi Amaral Júnior (2004, p. 130) de que a conversão da medida provisória em lei constitui o auge do controle do Poder Legislativo sobre o Executivo. Camilla Diniz (2007, p. 18) observa que tanto a resolução do Congresso Nacional que dispõe sobre o trâmite das medidas provisórias em geral, como a que regulamenta as relativas ao crédito extraordinário, não prevêem nenhuma sanção para os casos em que a norma que determina o imediato encaminhamento ao Congresso do texto da medida provisória publicada não é observada. Desse modo, embora ausente qualquer tipo de sanção, ela constitui garantia formal ao controle exercido dessa competência extraordinária do Poder Executivo, fundamental para que os limites constitucionais sejam respeitados e não haja utilização abusiva e arbitrária desse instituto. Ademais, significa uma garantia, que objetiva a prevenção de arbitrariedades por parte do Presidente da República na edição desse tipo de ato. Lembre-se, sobretudo, que o conteúdo jurídico veiculado nas medidas provisórias somente adquirirá estabilidade normativa, a partir do momento em que houver pronunciamento favorável e aquiescente do único órgão constitucionalmente investido do poder originário de legislar, que é o Congresso Nacional. Segundo a Resolução nº 1 de 2002, a referida Comissão Mista deverá ser instalada no prazo de vinte e quatro horas contadas de sua designação. Nessa oportunidade, serão eleitos o seu Presidente e Vice-Presidente e designados os Relatores para a matéria, que serão escolhidos pelo Presidente. Quanto aos critérios de eleição, observar-se-á o da alternância entre as Casas para a Presidência das Comissões Mistas formadas para apreciar medidas provisórias. Saliente-se que o Relator deve ser designado dentre os membros da Comissão pertencentes à Casa diversa da do Presidente. 14 “Art. 110. A CMO, no exame e emissão de parecer à medida provisória que abra crédito extraordinário, conforme arts. 62 e 167, § 3º, da Constituição, observará, no que couber, o rito estabelecido em resolução específica do Congresso Nacional. Parágrafo único: A inclusão de relatório de medida provisória na ordem do dia da CMO será automática e sua apreciação terá precedência sobre as demais em matéria de tramitação.” (CONGRESSO NACIONAL, 2006). 25 2.2.1 O oferecimento de emendas A Resolução nº 1 de 2006 estabelece, ainda, o prazo de oito dias contados do final do prazo de cinco dias para a publicação e distribuição de avulsos para o oferecimento de emendas perante a referida Comissão, que deverão ser protocolizadas na Secretaria Geral da Mesa do Senado Federal e propostas perante a própria Comissão Mista15. Nesse mesmo prazo, o autor de determinado projeto de lei que verse sobre matéria relacionada à medida provisória poderá solicitar à Comissão que ele tramite em conjunto com a medida provisória, sob a forma de emenda. Lembre-se que no caso de crédito extraordinário somente serão admitidas emendas tendentes a modificar o texto da medida provisória ou suprimir dotação, total ou parcialmente. Segundo Camilla Diniz (2007, p. 25), o objetivo dessa limitação é impedir a apresentação de emenda que inclua nova programação à medida provisória encaminhada para votação. Desse modo há o impedimento de que as medidas provisórias que abrem crédito extraordinário obtenham nova destinação em face das propostas de emendas. Em outras palavras, a emenda deve versar sobre a mesma matéria tratada na medida provisória, sob pena de indeferimento liminar por parte do Presidente da Comissão. Ressalte-se que cabe recurso – do autor da emenda não aceita com o apoio de três membros da Comissão – para decisão definitiva do Plenário (CONGRESSO NACIONAL, 2006). 2.2.2 O parecer da Comissão Mista Decorrido o prazo para a propositura de emendas, abre-se o prazo de cinco dias para a Comissão publicar e distribuir os textos das referidas propostas. Transcorridos esses cinco dias, será aberto novo prazo, de quinze dias, para que a Comissão efetue a votação do relatório e encaminhe o parecer à Mesa do Congresso Nacional, manifestando-se acerca da matéria (CONGRESSO NACIONAL, 2002). Nesse parecer, devem ser abordados os aspectos constitucionais, inclusive a presença ou não dos pressupostos de urgência e relevância, o mérito, adequação financeira e orçamentária da proposta apresentada e o cumprimento da 15 “Art. 112. Na tramitação dos projetos serão observados os seguintes prazos: I – até 5 (cinco) dias para a publicação e distribuição em avulsos, a partir do recebimento do projeto; II – até 8 (oito) dias para a apresentação de emendas, a partir do término do prazo previsto no inciso I; III – até 5 (cinco) dias para a publicação e distribuição de avulsos de emendas, a partir do término do prazo previsto no inciso II; IV – até 15 (quinze) dias para a apresentação, publicação, distribuição e votação do relatório e encaminhamento do parecer da CMO à Mesa do Congresso Nacional, a partir do término do prazo definido no inciso III.” (CONGRESSO NACIONAL, 2006). 26 imediata submissão do texto da medida provisória ao Congresso Nacional. Nesse sentido, destaquem-se os comentários de José Levi Amaral Júnior (2004, p. 245): A constitucionalidade, a adequação financeira e orçamentária e a imediata submissão da medida provisória ao Congresso Nacional são requisitos preliminares ao exame de mérito daquela. Ainda que o parecer seja no sentido de apontar o não-cumprimento de um ou mais dos requisitos preliminares ao exame de mérito, a Comissão Mista também deverá se pronunciar quanto ao mérito da medida provisória. Havendo vício sanável por emenda, a Comissão, primeiro, deliberará acerca da eventual emenda saneadora apresentada. Portanto, a votação dos requisitos preliminares é anterior ao mérito justamente para que se possa sanar eventual vício e dar continuidade à análise do ato normativo em questão (DINIZ, 2007, p. 21). Conseqüentemente, conforme a Resolução nº 1 de 2002, a prioridade será dada para a votação das propostas de emenda saneadoras de inconstitucionalidade ou vícios na adequação ou compatibilidade orçamentária da medida provisória16. Quanto ao mérito, a Comissão poderá emitir parecer pela rejeição ou pela aprovação total ou parcial ou alteração da medida provisória. A Comissão também deve se manifestar acerca das emendas propostas. De qualquer maneira, concluindo a Comissão por qualquer alteração no referido texto deverá apresentar projeto de lei de conversão relativo à matéria e, cumulativamente, projeto de decreto legislativo, a fim de disciplinar as relações jurídicas decorrentes da vigência dos textos suprimidos ou alterados, o qual terá a sua tramitação iniciada pela Câmara dos Deputados (AMARAL JÚNIOR, 2004, p. 245). Nesse sentido, vislumbram-se duas possibilidades: a) Se o parecer da Comissão Mista for aprovado, deverá ser encaminhado à Câmara dos Deputados, já que os projetos de lei de iniciativa do Presidente da República possuem votação iniciada na Câmara, 16 “Art. 5º. [...] § 2º. Ainda que se manifeste pelo não atendimento dos requisitos constitucionais ou pela inadequação financeira ou orçamentária, a Comissão deverá pronunciar-se sobre o mérito da Medida Provisória. § 3º. Havendo emenda saneadora da inconstitucionalidade ou injuridicidade e da inadequação ou incompatibilidade orçamentária ou financeira, a votação far-se-á primeiro sobre ela. § 4º. Quanto ao mérito, a Comissão poderá emitir parecer pela aprovação total ou parcial ou alteração da Medida Provisória ou pela sua rejeição; e, ainda, pela aprovação ou rejeição de emenda a ela apresentada, devendo concluir, quando resolver por qualquer alteração de seu texto: I – pela apresentação de projeto de lei de conversão relativo à matéria; e II – pela apresentação de projeto de decreto legislativo, disciplinando as relações jurídicas decorrentes da vigência dos textos suprimidos ou alterados, o qual terá sua tramitação iniciada pela Câmara dos Deputados.” (CONGRESSO NACIONAL, 2002). 27 acompanhado, se for o caso, do projeto de lei de conversão e do projeto de decreto legislativo; b) Caso transcorra o prazo sem que a referida comissão tenha emitido e aprovado o parecer sobre a medida provisória, a Resolução nº 1 de 2002 dispõe que o processo será encaminhado à Câmara dos Deputados para exame. Se necessário, o parecer será proferido no Plenário da Câmara17. José Levi Amaral Júnior (2004, p. 246-247) salienta que nesse modelo vigente, o papel da Comissão Mista é significativamente reduzido no que tange à apreciação das medidas provisórias, pois a apreciação ocorre diretamente no Plenário das Casas do Congresso Nacional, na prática. Destaca, ainda, que o relator suprime a atuação da referida comissão, na medida em que é responsável pela dinamização dos trabalhos parlamentares, de tal maneira que tem a liberdade de propor em seu próprio relatório alterações diversas das contidas nas emendas. Em contraponto, critica o fato de haver uma comissão mista designada para a apreciação de cada medida provisória. Em sua opinião, uma única comissão específica e destinada para apreciar todas as medidas provisórias editadas “teria melhores condições institucionais de cumprir, concreta e efetivamente, o seu papel”. 2.2.3 Deliberação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal A Emenda Constitucional nº 32/2001 inovou ao determinar que as deliberações acerca das medidas provisórias seriam realizadas em sessões separadas do Congresso Nacional18, após o juízo prévio em cada uma das Casas sobre o atendimento dos pressupostos constitucionais. Dessa maneira, a votação da medida provisória inicia-se na Câmara dos Deputados, tendo quatorze dias para a sua conclusão e após será encaminhada ao Senado Federal para votação por igual período, totalizando um prazo de vinte e oito dias. Caso a Câmara dos Deputados não tenha concluído a votação dentro do prazo estabelecido, a matéria poderá ser remetida ao Senado para que se inicie a sua discussão. No entanto, essa última Casa não poderá votá-la. Isto é, em virtude de 17 18 “Art. 6º. [...] § 1º. Esgotado o prazo previsto no caput do art. 5º, o processo será encaminhado à Câmara dos Deputados, que passará a examinar a Medida Provisória. § 2º. Nas hipóteses do § 1º, a Comissão Mista, se for o caso, proferirá, pelo Relator ou Relator Revisor designados, o parecer no Plenário da Câmara dos Deputados, podendo estes, se necessário, solicitar para isso prazo até a sessão ordinária seguinte.” (CONGRESSO NACIONAL, 2002). Frise-se que, anteriormente, a referida votação era realizada em conjunto pelas duas Casas do Congresso Nacional. José Levi Amaral Júnior (2004, p. 248) destaca que a votação conjunta não proporcionou a agilidade que se desejava ao processo de conversão em lei. 28 determinação constitucional, a Casa revisora deverá aguardar até que seja finalizada a deliberação na Casa iniciadora (AMARAL JÚNIOR, 2004, p. 248). Na hipótese de texto aprovado pela Casa iniciadora, o Senado Federal deverá apreciar a matéria no prazo estipulado de até quarenta e dois dias após o início da vigência da medida provisória e tem a possibilidade de oferecer emenda, a qual será apreciada pela Câmara dos Deputados em turno único, no prazo máximo de três dias. Após o exame proferido pela Casa iniciadora, o projeto será remetido para a análise do Presidente da República, exceto se o texto original não houver sido modificado (DINIZ, 2007, p. 19). Desse modo, completam-se quarenta e cinco dias de tramitação da medida provisória, a partir de sua publicação: até quarenta e dois dias para a deliberação do Senado Federal e, eventualmente, três dias com a Câmara para deliberação sobre as modificações sugeridas pela Casa revisora. Na hipótese desse prazo total não ser respeitado, a matéria entra em regime de urgência e tranca a pauta de deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. Quando o projeto for aprovado, ou no caso de a medida provisória perder a sua eficácia em virtude do decurso de prazo, cessa o regime de urgência. Quanto ao regime de urgência, José Levi Amaral Júnior (2004, p. 251-253) tece alguns esclarecimentos acerca das diferenças entre o regime do art. 62, § 6º19 e do art. 6420, ambos da Constituição Federal. Primeiramente, no caso do art. 62, o trancamento da pauta se dá de maneira imediata e não é necessário o aguardo de mais quarenta e cinco dias. Já no regime do art. 64, há obrigatoriamente o aguardo de quarenta e cinco dias para só, então, haver o sobrestamento de todas as demais deliberações. Em segundo, “a medida provisória em regime de urgência, aprovada na Casa iniciadora (Câmara dos Deputados) já ingressa na Casa revisora (Senado Federal) trancando-lhe a pauta de deliberações legislativas” (AMARAL JÚNIOR, 2004, p. 252). Por último, destaca a diferença entre os prazos para apreciação de eventuais emendas: no caso do art. 62, o prazo é de três dias; no outro, o referido prazo é de 19 20 “Art. 62 [...] § 6º. Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.” (BRASIL, 2001). “Art. 64. A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados. § 1º. O Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa. § 2º. Se, no caso do § 1º, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação. § 3º. A apreciação das emendas do Senado Federal pela Câmara dos Deputados far-se-á no prazo de dez dias, observado quanto ao mais o disposto no parágrafo anterior. § 4º. Os prazos do § 2º não correm nos períodos de recesso do Congresso Nacional, nem se aplicam aos projetos de código.” (BRASIL, 2001). 29 dez dias. O autor critica, ainda, a maneira como as deliberações ocorrem na prática e sugere modificações. Veja-se: Em ambos os casos, não raro verifica-se deliberada postergação da leitura da matéria na Casa revisora para efeito de retardar o trancamento da pauta dessa, o que parece merecer corretivo regimental ou, até mesmo, constitucional. Por exemplo, a matéria poderia ser considerada recebida no momento em que o Presidente da Casa de origem a encaminha à Casa revisora. Sim, a postergação, in casu, ainda poderia ocorrer por inércia do Presidente da Casa de origem. Neste caso, uma outra alternativa, potencialmente mais efetiva, seria considerar o envio e o recebimento como decorrências automáticas da votação final na Casa de origem (AMARAL JÚNIOR, 2004, p. 253). Em adendo, o Ministro Carlos Ayres Britto, ao proferir voto em sede de medida cautelar na ADI nº 4048, ressaltou que se deve valer da interpretação sistêmica do adjetivo “urgente” na Constituição. Dessa maneira, o fato da expressão “urgente” do art. 64 da Constituição ter sido usada isolada sem atrelamento a nenhuma outra palavra, e ter sido conjugada com “relevância” no art. 62 remete a um tratamento com gradação. Já no caso de crédito extraordinário, não se fala mais em urgência apenas, mas sim em algo mais grave: despesas imprevisíveis e urgentes. Nesse sentido, a urgência e a relevância não são suficientes; sendo necessário adicionar um quadro de anormalidade (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 2008b, p. 92). Quanto à aprovação da medida provisória, algumas situações podem ser destacadas: a) Aprovação da medida provisória sem alteração de mérito: Nessa hipótese, o texto será promulgado pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional para a publicação na forma de lei, no Diário Oficial da União. Trata-se da ratificação direta de medida provisória, pois não há a necessidade de sanção presidencial21; b) Aprovação da medida provisória com alteração de mérito, por meio de emendas: Segundo José Levi Amaral Júnior (2004, p. 254-255), o objeto de aprovação é, na prática, do Congresso Nacional, e deverá receber a 21 De acordo com a ADI nº 691, do Relator Ministro Sepúlveda Pertence, “[...] a sua aprovação e promulgação integrais apenas lhe tornam definitiva a vigência, com eficácia ex tunc e sem solução de continuidade, preservada a identidade originária do seu conteúdo normativo” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 1992, p. 61). 30 sanção do Presidente da República. Ratifique-se que as emendas possuem efeito ex nunc22; c) Medida provisória que não atenda aos pressupostos constitucionais ou tiver o mérito rejeitado: Caso a medida provisória não preencha os requisitos de imprevisibilidade e urgência, que autorizam a abertura do crédito extraordinário ou, por ser a programação orçamentária considerada inadequada financeiramente ou, ainda, tenha a rejeição de seu mérito, deverá ser arquivada e, conseqüentemente, perderá sua eficácia desde a edição. Nessa hipótese, o Presidente da Casa em que se rejeitou a medida provisória comunicará o fato imediatamente ao Presidente da República e publicará o ato declaratório de rejeição no Diário Oficial da União. No caso de serem vencidos os prazos para aprovação sem que a medida provisória tenha sido convertida em lei, será o Presidente da Mesa do Congresso Nacional quem comunicará o fato ao Presidente da República, publicando no Diário Oficial o ato declaratório de encerramento do prazo de vigência da medida. No entanto, Camilla Diniz (2007, p. 22) salienta que, na prática, a posterior rejeição da medida provisória pelo Congresso Nacional, no caso de abertura de crédito extraordinário, não gera efeitos, visto que a execução dos recursos pode ser feita imediatamente após a autorização do crédito. 2.2.4 Decreto legislativo e lei de conversão No atual modelo da Emenda Constitucional n º 32/2001, a conversão da medida provisória em lei deverá ocorrer no prazo de sessenta dias contados de sua publicação e prorrogáveis automaticamente por igual período, se a votação não estiver, até então, encerrada nas duas Casas do Congresso. “O Presidente da República, portanto, não participa do procedimento de prorrogação da medida provisória, nem o conteúdo da medida provisória pode ser alterado quando do prolongamento do período de sua vigência” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 935). Observe-se, ainda, que o prazo máximo de vigência desse ato normativo pode aproximar-se de um semestre, ultrapassando os previstos cento e 22 Nesse sentido, a disposição originária alvo de emenda – e, por isso, não constante da lei de conversão, ou dela constante com modificação – permanece regendo, dentro do lapso havido entre a edição da medida e a sua conversão em lei, as relações jurídicas sob ela estabelecidas. 31 vinte dias, na hipótese de o Congresso Nacional estar em recesso, ocasião em que a contagem de prazo da medida provisória é suspensa23. Na ausência dessa conversão, a medida provisória perderá a sua eficácia desde a edição, visto que a votação não foi concluída pelo Congresso Nacional. Em assim sendo, nos casos em que o prazo de vigência da medida provisória for encerrado sem votação pelas Casas do Congresso Nacional, ou for aprovado projeto de lei de conversão com redação diferente da proposta pela Comissão Mista, ou ainda se a medida provisória for rejeitada, deverá ser apresentado um projeto de decreto legislativo com a finalidade de disciplinar as relações jurídicas advindas do período de vigência do ato normativo que perdeu seus efeitos pelo decurso do prazo legal. Caso contrário, as situações jurídicas surgidas em sua vigência serão regidas pela medida provisória rejeitada. Saliente-se que “´[...] Entender de outra forma corresponderia a aceitar um vácuo normativo no período em que se aguarda a deliberação do Congresso, o que não atende ao propósito de segurança jurídica que inspirou o próprio dispositivo da Lei Maior.” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 938). Em outras palavras, a regulação criada pela medida provisória não se projeta para o futuro; apenas preserva a validade dos atos praticados antes de ser repelida. Em assim sendo, rejeitada a medida provisória, volta a vigorar a regra que ela havia alterado. No entanto, há peculiaridades encontradas na hipótese de medida provisória que abre crédito extraordinário. Sobre esse aspecto, Camilla Diniz (2007, p. 22) observa que, na prática, a análise dos casos referentes a esse tipo de crédito mostra que a posterior rejeição da medida provisória pelo Congresso Nacional muitas vezes não gera efeitos. A principal justificativa é que a execução dos recursos pode ser feita imediatamente após a autorização do crédito, possibilitando, assim, o gasto integral daquele montante. Nesse sentido, cabe explicitar as três hipóteses principais que motivam a rejeição total ou parcial de tais créditos: não atendimento dos pressupostos de admissibilidade do crédito, inadequação financeira ou orçamentária da despesa e rejeição do mérito da medida provisória. É oportuno analisar separadamente cada situação dessas, visto que implicam em conseqüências práticas bem distintas. 23 “Art. 62. [… ] § 3º. As medidas provisórias, ressalvado nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. § 4o. O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendose durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.” (BRASIL, 2001). 32 Primeiramente, nos casos de não atendimento dos pressupostos de admissibilidade do crédito extraordinário ou da inadequação financeira ou orçamentária do ato normativo, destaque-se a inconstitucionalidade do referido crédito. Conseqüentemente, o decreto não poderá homologar as execuções dos recursos liquidados. Em outras palavras, o decreto deverá apenas regular as situações advindas de empenho dos recursos, a fim de que se promova imediata rescisão e ressarcimento dos contratos e convênios firmados com base no crédito considerado inconstitucional (DINIZ, 2007, p. 22-23). Por outro lado, pode haver rejeição de medida provisória fundada no mérito. Nessa hipótese o crédito pode estar adequado financeiramente e atender a todos os pressupostos constitucionais. Como frisa Camilla Diniz (2007, p. 23), “[...] Essa situação é bastante diferente das anteriores, pois ainda que as despesas programadas tenham sido rejeitadas, elas possuem amparo constitucional”. Um exemplo típico dessa situação ocorre quando o Congresso Nacional, após a análise do projeto, verifica que o montante de crédito aberto mostrou-se exacerbado. Nesse último caso, deve ser destacado que esse tipo de crédito, devido a sua constitucionalidade, possui eficácia imediata e suas despesas podem ser empenhadas e pagas de imediato. Desse modo, se o recurso já foi de alguma maneira empenhado, só resta ao decreto legislativo homologar a execução dessa despesa ou cancelá-la, ocasião em que o Congresso Nacional deverá regulamentar as situações jurídicas decorrentes da abertura desse crédito. Cite-se como exemplo as contratações feitas com base naquele recurso. Caso se opte pelo decreto legislativo que homologa a execução das despesas, pode-se fazê-lo de maneira tácita. Nesse caso, o Congresso Nacional não se pronuncia para disciplinar as relações advindas do crédito que restou suprimido. Na hipótese de decreto que cancele a execução da despesa, pode-se citar como exemplo o decreto que cancela as despesas não liquidadas e, simultaneamente, se posiciona acerca daquelas já empenhadas que envolverão ressarcimento relativo às relações jurídicas originais da liberação do crédito. Sobre esse aspecto, Camilla Diniz (2007, p.23) ressalta que “[...] o próprio atraso na utilização desses valores para atender a essas rubricas já desconfigura a sua natureza urgencial”, o que pode descaracterizar o crédito extraordinário, tendo em vista que a urgência é um de seus pressupostos. Diferentemente ocorre com as despesas empenhadas e já liquidadas. Nesses casos, o Congresso Nacional pode verificar situação que impede a abertura do crédito ou que 33 faz necessária a alteração de seu valor. A solução encontrada, na prática, aponta para a convalidação dos valores já empenhados, sob o argumento do fato consumado. No entanto, Camilla Diniz (2007, p.24) critica essa solução, visto que o Congresso Nacional deverá regular, por intermédio de decreto legislativo, as situações jurídicas oriundas da medida provisória. Em outras palavras, o decreto legislativo tem a possibilidade de desconstituir todas as despesas, mesmo que já tenham sido empenhadas, bem como os atos e contratos administrativos decorrentes da autorização do referido crédito. Nesse sentido, destaque-se a importância do referido decreto, pois a sua ausência acarretará a manutenção das referidas relações jurídicas pela medida provisória rejeitada. 2.3 A doutrina do estado de exceção e os pressupostos do crédito extraordinário: imprevisibilidade e urgência Na doutrina do estado de exceção encontram-se pressupostos que parecem coincidir com os requisitos do crédito extraordinário. Isso denota a excepcionalidade de tais créditos que, por isso mesmo, não podem ser banalizados. Assim, tendo em vista que a abertura do crédito extraordinário somente é permitida nas situações em que ocorrem despesas extraordinárias – imprevisíveis e urgentes -, caracterizadas exemplificativamente pelas hipóteses de guerra, comoção interna e calamidade pública, o crédito extraordinário pode ser facilmente enquadrado na categoria dos sistemas emergenciais (DINIZ, 2007, p. 28). Nesse sentido, antes de tudo, é conveniente explorar os conceitos jurídicos de imprevisibilidade e urgência para posteriormente contextualizá-los na doutrina do estado de exceção. Ao caracterizar o requisito da imprevisibilidade, a Ministra Cármen Lúcia faz a distinção entre imprevisão, imprevisibilidade e imprevidência. A imprevidência é a ausência do dever de previsão; ocorre quando a Administração Pública não só pode como deve prever situações para que haja uma boa Administração. Já a imprevisão trata dos casos que poderiam ser previstos, mas não o são. Por fim, a imprevisibilidade é aquilo que não pode ser cogitado pelo administrador público, porque surge de uma maneira arriscada, fora do ordinário (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 97). Diante dessa distinção, traz-se a tona a questão das despesas imprevisíveis e imprevistas. O ponto principal é que as últimas são passíveis de previsão nos gastos orçamentários, mas a lei orçamentária não o faz (DINIZ, 2007, p. 30-31). Assim, é possível observar que muitos créditos extraordinários são abertos para cobrir despesas que, na verdade, 34 são imprevistas em vez de imprevisíveis, o que denota a sua inconstitucionalidade por ausência dos pressupostos legitimadores. Ademais, registre-se que a imprevisibilidade, aliada à urgência da situação, justifica a tramitação especial do crédito extraordinário, que dispensa autorização legislativa prévia ou expedição de decreto do Poder Executivo para a sua abertura. Além disso, sua abertura não está restrita às hipóteses de disponibilidade de recursos elencados pelo art. 43 da Lei nº 4.320/6424. Em outras palavras, essa possibilidade de dispensa do projeto de lei está relacionada ao caráter imprevisível e urgente das despesas decorrentes do crédito extraordinário, que em razão da carência imediata de recursos, guarda relação com a edição de medida provisória, consubstanciada nos pressupostos de relevância e urgência (DINIZ, 2007, p. 29). Dessa maneira, essa exceção que contempla a abertura de crédito extraordinário por meio de medida provisória visa o cumprimento de uma finalidade do Estado de Direito, qual seja, a regulação da vida social em momentos que se faz necessária uma maior atuação do Poder Executivo, seja por fatores econômicos ou sociais (DINIZ, 2007, p. 31). É nesse sentido que o crédito extraordinário enquadra-se no contexto emergencial, tendo em vista que algumas situações imprevisíveis e urgentes podem causar problemas graves e abalos à estrutura do Estado e necessitam de decisões imediatas, inalcançáveis pelo procedimento legislativo ordinário. Desse modo, a organização institucional dos períodos de crise, que abrange a decretação do estado de sítio, está intimamente relacionada com a estabilidade e a defesa do Estado de Direito. Trata-se de uma tentativa dos regimes democráticos para conjurar os seus abalos políticos com um mínimo de sacrifício aos direitos e garantias constitucionais. É por essa razão que essa legalidade excepcional, em que pese seus custos elevados, é tida como um importante instrumento de preservação do Estado de Direito e suas instituições (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 1383). O estado de sítio funda-se, então, numa decisão do Poder Executivo de instaurar uma legalidade extraordinária, tendo em vista a superveniência de situações de crise. Isso nada mais é do que uma demonstração de que o Estado de Direito se previne contra a 24 “Art. 43. A abertura dos créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos disponíveis para ocorrer à despesa e será precedida de exposição justificada. § 1º. Consideram-se recursos para o fim deste artigo, desde que não comprometidos: I – o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior; II – os provenientes de excesso de arrecadação; III – os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais, autorizados em lei; IV – o produto de operações de crédito autorizadas, em forma que juridicamente possibilite ao Poder Executivo realizá-las.” (BRASIL, 1964). 35 ruptura da ordem institucional, estabelecendo previamente regras gerais e de regulação específica, destinadas excepcionalmente a situações anormais que o Estado pode enfrentar (FERREIRA FILHO, 2004, p. 113-114). Dessa maneira, o estado de sítio consiste na suspensão temporária de garantias constitucionais, de modo a permitir a tomada de medidas que ordinariamente seriam vedadas. Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2004, p. 120), a característica principal desse instituto é ser um regime estritamente legal. Em outras palavras, a sua decretação é condição de aplicação de uma legalidade especial prevista para circunstâncias de grave crise, pelo próprio sistema jurídico. Portanto, coexistem uma legalidade ordinária e uma excepcional, que pode substituir a primeira na hipótese de decretação de estado de sítio. Saliente-se, sobretudo, que mesmo durante o estado de sítio as decisões tomadas por qualquer autoridade devem ser estritamente ancoradas em normas anteriores, que regulam o próprio estado de sítio. Desse modo, tais pressupostos legais são impostos justamente com a finalidade de se impedir a decretação de um estado de excepcionalidade em tempos de normalidade. O principal foco é que ao investir o Poder Executivo de poderes extremos, fora dos limites expressamente determinados pela Constituição, viola-se não só o princípio da separação dos poderes, mas também a ordem constitucional como um todo, ao se por em risco a supremacia da Magna Carta (DINIZ, 2007, p. 34). Ancorados nessa questão da legalidade, Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco (2009, p. 1383) são categóricos ao afirmar que o estado de sítio é bastante distinto do estado de exceção. No estado de exceção, tem-se uma situação de fato que implica no esvaziamento do direito e a sua substituição por uma espécie de anomalia transitória, sob cuja vigência são afastadas ou suprimidas as restrições que, em situação normal, as leis impõem às autoridades e aos detentores do poder em geral. Nesse sentido, Giorgio Agamben (2007, p. 11) salienta a dificuldade de se definir o estado de exceção, por situar-se no limite entre a política e o direito. Para o autor, o estado de exceção é uma tentativa de incluir na ordem jurídica a própria exceção, criando uma zona de indiferença em que o fato e o direito coincidem. A situação paradoxal é que o soberano cria a situação de que o direito precisa para poder existir, a qual, ironicamente, é a situação de suspensão do próprio direito. Em suas palavras: A questão dos limites torna-se ainda mais urgente: se são fruto dos períodos de crise política e, como tais, devem ser compreendidas no 36 terreno político e não no jurídico constitucional, as medidas excepcionais encontram-se na situação paradoxal de medidas jurídicas que não podem ser compreendidas no plano do direito, e o estado de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal (AGAMBEN, 2007, p. 11). Na visão de Carl Schmitt (2006, p. 13-14), o estado de exceção abrange uma decisão do soberano, pois a norma geral jamais pode compreender uma exceção absoluta e, por isso, também, não pode fundamentar, de forma completa, a decisão de um caso real, excepcional. Desse modo, o caso excepcional não é descrito na ordem jurídica e pode ser caracterizado como risco para a existência do Estado. No entanto, não pode ser descrito com um pressuposto legal. É nesse sentido que se entende a soberania como a decisão sobre o estado de exceção. Portanto, a ordem jurídica repousa em uma decisão e não em uma norma. A situação de exceção, embora não prevista pelo direito positivo, há de ser decidida em coerência com a ordem concreta da qual a Constituição é a representação mais elevada no plano do direito posto. Esta ordem concreta é anterior ao direito posto pelo Estado. Diante dessas concepções de estado de sítio e de exceção, é plenamente possível seguir o mesmo raciocínio para o caso do crédito extraordinário, enquadrando-o como um estado de emergência econômico. Deve-se ter em mente a importância e a freqüência das crises econômico-financeiras nos Estados contemporâneos. A gravidade de tais crises não é menor do que a decorrente das comoções internas, guerras ou calamidade pública, que ensejam o estado de sítio. Na verdade, elas são, muitas vezes, fatores propiciadores, quando não provocadores, dessas comoções intestinas. Nesse sentido, oportuno salientar a afirmação de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2004, p. 156): “[...] a previsão de um ‘estado de sítio econômico’ [...] seria a resposta adequada a tais crises, num Estado de Direito”. Diante disso, adequada a comparação entre a gravidade do estado de emergência econômico, no qual enquadramos o crédito extraordinário, com o sistema excepcional do estado de sítio. Ora, ambos possuem pressupostos que revelam enormes perturbações na ordem pública. Ademais, reclamam como solução medidas radicais que não são compatíveis com a normalidade constitucional (DINIZ, 2007, p. 34). Desse modo, tem-se que o estabelecimento de medidas extraordinárias não constitui uma afronta ao Estado de Direito, mas sim uma forma de sua manutenção. Portanto, o problema não está imposição dessas medidas, mas sim na sua regulamentação no caso concreto, tendo em vista que a aplicação de normas extraordinárias em casos de normalidade tende a provocar uma afronta ao princípio da separação dos poderes, devido ao grande 37 fortalecimento do Poder Executivo. Em outras palavras, esse mecanismo de proteção das instituições democráticas pode apresentar riscos ao próprio Estado, violando um comando constitucional. Nesse sentido, os pressupostos que ensejam a abertura do crédito extraordinário devem ser interpretados restritivamente, tendo em vista as graves conseqüências que podem acarretar o seu mau uso e a gravidade das condições que legitimam a decretação de um sistema de urgência. Saliente-se, sobretudo, que Giorgio Agamben (2007, p. 131) já corroborava desse entendimento ao afirmar que “[...] quando o estado de exceção [...] torna-se a regra, então o sistema jurídico-político transforma-se em uma máquina letal”. Aplicando tais observações ao presente caso, tem-se que o uso indiscriminado de medidas provisórias para abertura de crédito extraordinário sem a observância dos pressupostos de imprevisibilidade e urgência constitui uma grave violação aos preceitos constitucionais. Ora, esse é o típico caso em que o Poder Executivo faz uso de seu poder extraordinário para os casos de normalidade. Ademais, Camilla Diniz (2007, p. 37) ainda ressalta a questão da retroatividade ao momento da liberação dos recursos do crédito extraordinário. Nesse caso, é oportuno observar o fundamento da consumação fática - muitas vezes utilizado pelo Congresso Nacional -, que alega impossibilidade do cancelamento das despesas empenhadas. Nesse sentido, alega-se que a edição de medida provisória, por ser excepcional, remete a um fato consumado de despesas de realização imediata ou que podem ser realizadas até a ultimação de sua tramitação no Congresso Nacional. A principal crítica é que o fato consumado é decorrente do decurso do tempo, que é um fato natural, e que impossibilita a desconstituição de determinada situação. No entanto, a abertura de crédito extraordinário não pode ser entendida como um fato consumado, visto que depende da ação humana, não sendo, portanto, um fato natural. Dessa maneira, como fato jurídico, a abertura do referido crédito deve observar estritamente as disposições constitucionais. Portanto, não há que se alegar consumação fática para validar situações jurídicas não legitimadas pelo nosso ordenamento, o que possibilita o cancelamento das despesas que não configuram as hipóteses permissivas constitucionalmente (DINIZ, 2007, p. 38). Contudo, observa-se que os pareceres do Congresso Nacional referentes às medidas provisórias nº 402 e 405 de 2007 foram plenamente favoráveis à abertura dos referidos créditos extraordinários. Contrariamente à análise feita na próxima seção, tais pareceres manifestaram-se pelo atendimento dos pressupostos constitucionais e pela 38 adequação orçamentária e financeira. Diante dessa ineficácia do exame pelo Congresso Nacional dos requisitos constitucionais que aparam a abertura de crédito extraordinário, acertada a mudança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal, de modo a coibir a convalidação de relações jurídicas ilegítimas. 2.4 O caso concreto: análise das medidas provisórias nº 402 e 405 de 2007 As ADIs nº 4048 e 4049, julgadas liminarmente em 2008, contribuíram bastante para a mudança de paradigma que vem sendo apontada pelo Supremo Tribunal Federal. Tais ações impugnaram a constitucionalidade das medidas provisórias nº 405 e 402 de 2007, respectivamente. Diante desse quadro, a análise de cada crédito aberto se mostra oportuna, a fim de se verificar a real destinação de tais créditos e, principalmente, se houve a observância dos pressupostos constitucionais. A Medida Provisória nº 405 abriu crédito extraordinário no valor global de R$ 5.455.677.660,00 (cinco bilhões, quatrocentos e cinqüenta e cinco milhões, seiscentos e setenta e sete mil, seiscentos e sessenta reais) em favor da Justiça Eleitoral e de diversos órgãos do Poder Executivo. Foi publicada em 18 de dezembro de 2007 e teve sua vigência prorrogada por sessenta dias, a partir de 30 de março de 2008, visto que sua votação não foi encerrada no Congresso Nacional. No mesmo sentido, a Medida Provisória nº 402, de 23 de novembro de 2007, abriu crédito extraordinário, em favor de diversos órgãos do Poder Executivo, no valor global de R$ 1.646.339.765,00 (um bilhão, seiscentos e quarenta e seis milhões, trezentos e trinta e nove mil, setecentos e sessenta e cinco reais). Na Exposição de Motivos nº 345/2007, referente à MP nº 405, consta o detalhamento da destinação do referido crédito. Dentre as finalidades apontadas, é conveniente destacar algumas: aquisição de imóveis para abrigar cartórios eleitorais; execução de projetos de investimentos com vistas ao aumento da produção da produtividade e da qualidade dos produtos agropecuários; implantação do Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada – CEITEC; apoio ao desenvolvimento da educação básica; reformulação e funcionamento das agências de previdência social; possibilitar o acesso à cultura pelas populações menos favorecidas por juntamente com o “Programa Mais Cultura”; implantação do centro de treinamento em canoagem “sladom” e realização de campanha 39 educativa, visando aumentar a conscientização dos cidadãos e promover a redução de acidentes de trânsito (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007a). Com relação às justificativas apresentadas para os pressupostos de relevância e urgência da medida provisória, a referida Exposição de Motivos traz alguns argumentos que chamam a atenção. No caso da Justiça Eleitoral, a relevância e urgência justificam-se pela possibilidade de compra de um imóvel adequado para concentrar em um único espaço os cartórios eleitorais de determinada Capital, de modo a não comprometer a realização das eleições municipais. No Ministério da Educação, a relevância e urgência evidenciam-se pela possibilidade de comprometimento o Plano de Desenvolvimento da Educação. O Ministério dos Transportes cita como justificativa a diminuição do número de acidentes de trânsito nas rodovias nacionais. O argumento aduzido pelo Ministério da Cultura é de que a falta de recursos inviabilizaria a implementação do conjunto de iniciativas destinadas a tornar a cultura acessível às camadas mais pobres da população. Já o Ministério do Esporte argumenta que a não realização das obras impossibilitará a prática da canoagem nos períodos de seca e, conseqüentemente, a realização de eventos internacionais. Por fim, o Ministério das Cidades traz a justificativa da conscientização maciça da população sobre as causas e conseqüências dos acidentes de trânsito, em especial os que resultam em vítimas fatais (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007a). Por outro lado, a Exposição de Motivos nº 308/2007 traz as destinações do crédito aberto pela MP nº 402/2007. Dentre elas, cite-se: construção de cerca de 320 km de rede de distribuição de energia elétrica na zona rural do Acre e implantação de melhorias no sistema de abastecimento de água em diversas localidades do País (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007b). Como justificativa, a referida Exposição de Motivos elenca: no âmbito do Ministério de Minas e Energia, o principal argumento é a premente necessidade de inclusão social da população rural e do aumento da renda familiar dos lares beneficiados pelos benefícios da luz elétrica; o Ministério da Integração Nacional justifica-se pela necessidade de ampliação da oferta hídrica e das áreas de irrigação de diversos perímetros públicos, de forma a minimizar prejuízos ao erário, decorrentes do custo de manutenção das obras (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007b). Desse modo, a partir dos argumentos aduzidos, pode-se verificar que as justificativas apresentadas – em ambos os casos - não demonstram a ocorrência dos requisitos de imprevisibilidade e urgência do crédito extraordinário. Pelo contrário, evidenciam que os 40 créditos abertos são destinados a prover despesas correntes. Ademais, os temas podem até ser considerados relevantes – como exige a edição de medida provisória -, mas as situações de risco apresentam-se notoriamente previsíveis. Em outras palavras, a situação de crise ainda não está configurada, de modo que faltam os elementos de imprevisibilidade e urgência. Frise-se, ainda, que essa falta de urgência contraria não só a natureza do crédito extraordinário, mas também da medida provisória, que somente se faz necessária para regular situações que necessitam de decisões imediatas, inalcançáveis pelo procedimento legislativo ordinário (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 87). Assim, por exemplo, se por um lado, não se pode negar a relevância da abertura de créditos para a aquisição de imóveis para abrigar cartórios eleitorais, por outro lado pode-se constatar que, nessa hipótese, os recursos são destinados à prevenção de uma possível crise – comprometimento das eleições municipais - ainda não ocorrida. Portanto, não há comoção interna oficialmente configurada, mas apenas uma situação de risco previamente conhecida (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 88). Em suma, demonstra-se que, apesar das justificativas apresentarem problemas relevantes e, de certo modo, urgentes, em nenhum hipótese se configura a imprevisibilidade dos fatos. Nesse sentido, há um patente desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 88). Além disso, como observa o Ministro Carlos Ayres Brito, há uma tentativa de contornar a vedação imposta pelo art. 167, V da Constituição Federal25, na medida em que se categoriza como de natureza extraordinária crédito que, em verdade, não passa de especial ou suplementar, que necessitam de prévia autorização legislativa (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2009, p. 201-202). Diante dessa crítica acerca do uso inapropriado do crédito extraordinário nos casos das MPs nº 405 e 402 de 2007, passa-se a questão propriamente dita do controle de constitucionalidade. O próximo capítulo abordará, portanto, a jurisprudência da Corte Suprema sobre a questão. 25 “Art. 167. São vedados: [...] V – a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;” (BRASIL, 1988). 41 3 A ADMISSIBILIDADE DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE MEDIDA PROVISÓRIA QUE ABRE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO Após as abordagens sobre a medida provisória e a matéria orçamentária, é oportuno adentrar na temática do controle de constitucionalidade propriamente dito. Salientese que o debate sobre tal tema é de suma relevância para o universo jurídico. Primeiramente, porque é recente: o último pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto foi em novembro de 2008, por meio do julgamento da liminar na ADI nº 4049. Além disso, tratase de um debate polêmico, visto que o tema ainda não foi pacificado. Por último, envolve interesses políticos, pois os reflexos desse debate estendem-se muito além do ambiente jurídico, já que afetam as finanças públicas do país. O Supremo Tribunal Federal, durante anos, seguiu o entendimento de que essas ADIs contra normas orçamentárias eram inviáveis, pois são destituídas de abstração e generalidade, ou seja, porque não são atos com densidade normativa. No entanto, a ADI nº 4048, julgada pelo Supremo em caráter liminar, mudou radicalmente a postura desta Corte até então. Nesse julgamento, a maioria dos Ministros aprovou a questão preliminar levantada pelo relator, Ministro Gilmar Mendes, a favor do julgamento de ADIs que questionem a abertura de créditos extraordinários pelo Poder Executivo. Esse resultado só fez corroborar a existência de controvérsia sobre o tema. Diante dessa breve introdução, o presente capítulo tem por escopo analisar os argumentos favoráveis e contrários a esse tipo de controle de constitucionalidade, bem como fazer considerações acerca natureza da lei que abre crédito extraordinário. A terceira seção discutirá a questão da jurisdição constitucional, fazendo alusão às teses de Hans Kelsen e Carl Schmitt, visto que influenciam o atual modelo de controle de constitucionalidade. Por fim, a última seção tratará dos impactos que essas decisões do Supremo Tribunal Federal diante da edição desse tipo de medida provisória. 3.1 Controle de constitucionalidade abstrato de medidas provisórias que abrem crédito extraordinário: entendimento do STF até 2008 Para se debater os argumentos levantados acerca da temática do controle de constitucionalidade das normas orçamentárias, é necessário, antes de tudo, discutir a natureza 42 desse tipo de norma e entender a razão de ser considerada uma lei anômala por muitos doutrinadores. Segundo o Ministro Carlos Ayres Britto, a Lei de Orçamento Anual (LOA) é o diploma legal que mais influencia o destino de toda a coletividade administrada, visto que fixa todas as despesas e prevê todas as receitas públicas para um determinado exercício financeiro. Materialmente, é a lei que mais se aproxima da Constituição, na medida em que projeta influência sobre toda a máquina estatal administrativa e, por isso mesmo, na qualidade de vida de toda a sociedade (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2009, p. 192-193). O entendimento majoritário é o de que as normas orçamentárias são leis apenas no sentido formal, ou seja, atos administrativos de autorização por definição, tendo em vista que não disciplinam relações jurídicas em abstrato e nem criam direitos e obrigações. Nesse sentido, não revogam leis anteriores, pois são leis prospectivas e de conteúdo limitado pela Constituição Federal. A Ministra Ellen Gracie, ao proferir voto na ADI nº 2925-8, afirmou que as leis orçamentárias, não obstante sua forma de lei, caracterizam-se como normas individuais de autorização que tornam viável a alteração no orçamento da despesa no curso do exercício (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2005, p. 120) . Em outras palavras, possuem apenas a “roupagem” de lei, pois revelam a vontade do legislador ou do próprio constituinte de exigir que determinados atos, ainda que de efeito concreto, sejam editados sob a forma de lei (MENDES, 2005, p. 200). Foi com base nesse argumento da natureza jurídica formal das leis orçamentárias que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal até 2008 considerava inadmissível a propositura de ação direta de inconstitucionalidade contra atos de efeito concreto. Segundo o voto do Ministro Gilmar Mendes na ADI nº 4048, atos de efeito concreto são atos administrativos que possuem objeto determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam editados sob a forma de lei – é o caso da medida provisória que abre crédito extraordinário (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 65). Gilmar Mendes (2005, p. 200) acrescenta ainda que tais ações revestem-se de caráter geral e abstrato e não podem possuir destinatários certos e determinados. A principal justificativa é a de que a ausência de densidade normativa no conteúdo do preceito legal impugnado desqualifica-o para o controle normativo abstrato. Em assim sendo, era imprescindível que o ato estatal fosse dotado de conteúdo normativo, que carrega os conceitos de abstratividade, generalidade e imperatividade (DINIZ, 2007, p. 40). 43 Tal debate enseja na discussão entre normas de caráter individual e normas de caráter geral. Camilla Diniz (2007, p. 41-42) observa que falar em individualidade da norma não implica na imposição dessa norma somente a um destinatário específico. Dessa maneira, é permitido a uma norma de caráter individual abranger um grupo específico de indivíduos que, por exemplo, tenham interesses jurídicos ou econômicos em comum. Assim, segundo Hans Kelsen (1986, p. 11), a principal característica é que uma norma individual pode estabelecer uma conduta única, individualmente certa, conduta de uma ou de várias pessoas individualmente, pode ainda conter um número indeterminado de ações ou omissões de uma pessoa individualmente certa ou de uma determinada categoria de pessoas. Por outro lado, as normas gerais tratam de condutas impostas a toda a sociedade em geral. Nesse sentido, argumenta-se que o mecanismo da ação direta de inconstitucionalidade não se presta para exercer a fiscalização de atos individuais, que se destinam a grupos específicos. Camilla Diniz (2007, p. 40) ressalta que Supremo Tribunal Federal enquadrava o crédito extraordinário na categoria de atos destinados a destinatários específicos e predeterminados, citando o exemplo dos programas governamentais que são atendidos pelas verbas decorrentes da abertura desse tipo de crédito. O Ministro Carlos Ayres Britto, ao proferir voto na ADI nº 4049, interpreta esse debate como consagrador da distinção entre lei em sentido formal do Poder Legislativo e ato normativo. No seu entendimento, a Constituição Federal, ao definir a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar a ação direta de inconstitucionalidade, exige densidade normativa para efeito de controle abstrato apenas para o ato normativo, que não seja a lei. Portanto, defende a sujeição das medidas provisórias que abrem crédito extraordinário a esse tipo de controle, visto que são leis em sentido formal (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2009, p. 195). Nesse mesmo sentido pronuncia-se o Ministro Gilmar Mendes (2005, p. 200) ao afirmar que a própria Constituição elegeu os atos normativos – dotados de um mínimo de generalidade e abstração – como objeto da jurisdição ordinária e não da jurisdição constitucional. Do contrário, haveria uma superposição entre ambas. No entanto, o Ministro Moreira Alves, relator da ADI nº 1496, revelou entendimento contrário de que a medida provisória que abre crédito extraordinário não é lei e nem ato normativo, mas sim ato administrativo que possui objeto determinado e destinatário certo, ainda que por exigência constitucional (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2001, p. 388-389). Em adendo, o Ministro Moreira Alves, pronunciando-se na mesma ADI, faz menção à questão do elemento político contido nos requisitos de urgência e relevância. Desse 44 modo, insuscetíveis de exame no âmbito do controle concentrado ou em abstrato, caso contrário haveria ofensa ao princípio da separação dos poderes, visto que os elementos políticos estão no âmbito da discricionariedade do Presidente da República (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2001, p. 388-389). Por fim, outro argumento freqüentemente levantado para negar cabimento a esse tipo de controle de constitucionalidade é o de que a verificação da imprevisibilidade e urgência das despesas enseja em ampla produção de provas, que constitui procedimento incompatível como o controle abstrato de normas. Em assim sendo, o Supremo Tribunal Federal entende a verificação dos requisitos de imprevisibilidade e urgência do crédito exige um exame da lei orçamentária, para verificar se tais rubricas foram, de fato, previstas ou não na dotação. Isso implica em processo de vasta produção de provas. Diante disso, a Suprema Corte impõe a impossibilidade de se averiguar tais requisitos constitucionais e, portanto, elimina a possibilidade de controle da abertura de tais créditos (DINIZ, 2007, p. 43). No entanto, esses argumentos esposados contra a admissibilidade desse tipo de controle de constitucionalidade sempre foram alvo de ferrenhas críticas. Foi nesse sentido, que no ano de 2008 o Supremo Tribunal Federal começou a reconhecer a validade dessas colocações e passou a mudar o entendimento adotado até então, numa flagrante mudança de paradigma. 3.2 Controle de constitucionalidade abstrato de medidas provisórias que abrem crédito extraordinário: a mudança de entendimento do STF A jurisprudência da Suprema Corte sobre o cabimento de controle de constitucionalidade abstrato de medidas provisórias que abrem crédito extraordinário foi sensivelmente alterada a partir da decisão em caráter liminar na ADI nº 4048, cujo relator foi o Ministro Gilmar Mendes. Esse tipo de ação foi conhecida pela primeira vez, sob o fundamento de tratar-se de uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato e da inegável relevância jurídica e política, que deve ser analisada a fundo. Portanto, passou-se a admitir o controle de constitucionalidade desses atos. No entanto, saliente-se que apesar dessa mudança de posicionamento, o tema ainda continua controverso, principalmente, ao levar-se em consideração que tal decisão foi tomada em caráter liminar e pela pequena maioria de seis votos contra cinco. Mesmo antes desse julgamento, várias críticas acerca da temática em tela já vinham surgindo. Cite-se como exemplo o Ministro Gilmar Mendes, que há muito se 45 posiciona contra o entendimento tradicional do Supremo. Ele é explícito nesse sentido: “[...] a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não andou bem ao considerar as leis de efeito concreto como inidôneas para o controle abstrato de normas” (MENDES, 2005, p. 201). Sobre a questão principal da natureza da norma orçamentária, o Ministro Cezar Peluso, ao proferir voto na ADI nº 2925-8, pronunciou-se a classificando como norma de competência. Em outras palavras, trata-se de norma que dá a certo indivíduo o poder geral para praticar uma série de atos, os quais é que serão concretos. Em assim sendo, conclui que a norma típica de competência guarda todas as características de norma geral e abstrata, razão pela qual entende cabível esse tipo de controle de constitucionalidade (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2005, p. 131-132). Por outro lado, o Ministro Sepúlveda Pertence, ao pronunciar-se na ADI nº 2925-8, faz referência a discussão de Kelsen, na Teoria Geral das Normas. O Ministro lembra que pode existir uma norma abstrata destinada a uma única pessoa, quando contém um número indeterminado de condutas. Assim, faz a comparação com as normas orçamentárias: nelas, o destinatário é o executor do orçamento, mas a norma pode reger um número indeterminado de condutas, sendo, portanto, norma abstrata, de acordo com a teoria kelseniana (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2005, p. 136). O Ministro Gilmar Mendes (2005, p. 201) também compartilha dessa interpretação ao ressaltar que seria possível formular leis aparentemente genéricas destinadas a aplicação de um único caso, bem como seria viável apresentar como lei de efeito concreto uma regulação abrangente de um complexo amplo de situações, de modo que se pode chegar a distorções significativas ao adotar-se essa concepção. O Ministro Carlos Ayres Britto, ao pronunciar-se na ADI nº 4049, observou que o ato de aprovação da lei orçamentária não é um ato de efeito concreto, senão na aparência. Ocorre que, em seu entendimento, apenas os inúmeros atos necessários para executar a lei orçamentária é que possuem efeitos concretos. Portanto, presente a abstratividade na medida provisória que abre crédito extraordinário, tendo em vista que enquanto esses outros atos concretos não forem exauridos, a lei orçamentária sobrevive à espera de novos atos de sua concreta aplicabilidade. Resumindo, a medida provisória “[...] somente vai consumar sua aplicabilidade, em rigor, ao final do exercício financeiro para o qual foi aberto o crédito extraordinário, quando já expedidos todos os atos de empenho, liquidação e pagamento das despesas por esse tipo de crédito fixadas” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2009, p. 195-196). 46 Para concluir esta discussão acerca da natureza das normas e a conseqüente admissibilidade de controle de constitucionalidade, é conveniente destacar parte da ementa da ADI nº 4048, que resume a mudança de posicionamento do STF sobre a questão: [...] II. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independentemente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 55). Ademais, oportuno ressaltar que no julgamento da ADI nº 4049 o mesmo entendimento foi corroborado ao seguir a interpretação do Ministro Carlos Ayres Britto sobre a exigência de densidade normativa apenas para os atos de natureza infralegal. Assim, a conclusão atual é de que a lei não precisa de densidade normativa para se expor ao controle abstrato de constitucionalidade, visto que se trata de ato de aplicação primária da Constituição (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2009, p. 196). Dessa maneira, a ementa aduzida revela a opção por manter o princípio da segurança jurídica, já que nada garante que esses tipos de normas estejam isentos de qualquer vício de incompetência. Ademais, ao se submeter as leis orçamentárias ao controle de constitucionalidade, não se empresta mais significado substancial a elementos muitas vezes acidentais, quais sejam a suposta generalidade, impessoalidade e abstração ou a pretensa concretude e singularidade do ato do Poder Público. Registre-se, ainda, que o caso do crédito extraordinário demonstra a vontade de Poder Constituinte de que determinados atos, não obstante seus efeitos concretos, sejam editados sob a forma de lei, tendo em vista a especialidade e a urgência das despesas que ensejam a liberação do crédito aqui disposto. Portanto, a distinção feita pela doutrina entre as leis dotadas de generalidade e abstração e as leis em sentido formal, com efeitos concretos é inócua para o legislador. Em assim sendo, torna-se absolutamente descabido o impedimento ao controle concentrado de medidas provisórias que autorizam crédito extraordinário (DINIZ, 2007, p. 45-46). Ademais, o Ministro Gilmar Mendes, ao relatar a ADI nº 4048, salienta que não há razões de índole lógica ou jurídica contra a aferição da legitimidade das leis formais no controle abstrato de normas. Nesse sentido, é categórico ao afirmar que “[...] abstrato – isto é, 47 não vinculado ao caso concreto – há de ser o processo e não o ato legislativo submetido ao controle de constitucionalidade” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 55). Assim, em sua opinião, a solução a ser adotada pelo Tribunal é tratar a questão como uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter de seu objeto. Nesse sentido, pode-se afirmar que o atual entendimento da Suprema Corte sofreu influência do modelo europeu, cujo controle de constitucionalidade é destinado tão somente à proteção do ordenamento, independentemente de sua natureza – ou seja, não está associado a caráter genérico ou abstrato. Assim, não há questionamento quanto aos efeitos dessa norma, uma vez verificado o seu caráter jurídico-positivo (DINIZ, 2007, p. 42). O Ministro Celso de Mello, ao proferir voto na ADI nº 4048, também se mostrou favorável a essa modalidade de controle de constitucionalidade. Para ele, em um contexto “[...] em que a autoridade normativa da Constituição assume decisivo poder de ordenação e de conformação da atividade estatal – que nela passa a ter o fundamento de sua própria existência, validade e eficácia – [...]” não poderá haver nenhum tipo de contrariedade aos princípios ou transgressão a qualquer preceito constitucional por parte dos atos de Governo (Legislativo, Executivo e Judiciário), sob pena de incidência em absoluta desvalia jurídica (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 149). Em outras palavras, a supremacia constitucional deve constituir o norte orientador de toda e qualquer atividade jurisdicional. Ora, tendo em vista que o objetivo do controle de constitucionalidade é a garantia da imperatividade das regras constitucionais, assim como a sua superposição em relação às normas ordinárias, não faz sentido a ausência ou ineficácia desse mecanismo. Tal conduta poderá colocar em situação de fragilidade as normas constitucionais, principalmente se levar-se em consideração que poderão ter sua eficácia condicionada ao juízo de conveniência político dos governantes (DINIZ, 2007, p. 48). Dessa maneira, deve ser rejeitado o argumento de que o fato de a abertura do crédito extraordinário exigir uma análise política quanto aos pressupostos de urgência e imprevisibilidade inviabiliza o seu controle de constitucionalidade por parte do Judiciário. O que deve ser considerado, acima de tudo, é que a possibilidade de ocorrência de atos arbitrários devido à indeterminação desses conceitos, por si só, já deve justificar esse tipo de controle. Nesse sentido, Camilla Diniz (2007, p. 48) ressalta que “[...] o que impõe freios a essa arbitrariedade é o controle dos demais poderes”. 48 Diante disso, oportuno remeter à discussão de Konrad Hesse (1991, p. 9-12) sobre a força normativa da Constituição. Para o autor, deve-se primar pela supremacia da Constituição, dando realce à chamada vontade de Constituição. Seguindo esse raciocínio, tem-se que a Constituição transforma-se em força ativa se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida e se se fizerem presentes, na consciência geral, não só a vontade de poder, mas acima de tudo, a vontade de Constituição. Assim, a força normativa da Constituição depende da satisfação de pressupostos atinentes à práxis e ao conteúdo da Constituição. O presente debate encaixa-se perfeitamente na tese de Hesse. Caso não se preze por um controle de constitucionalidade efetivo e eficaz, a vontade de Constituição não será satisfeita. Nesse sentido, é dever da práxis – correspondente a atividade judicante – aliarse ao texto constitucional, de maneira que as condutas sejam orientadas de forma a obedecer à ordem constitucionalmente estabelecida – ou seja, expulsando as normas incompatíveis do ordenamento jurídico - e, desse modo, viabilizando a força normativa da Constituição. Saliente-se, sobretudo, que no caso brasileiro é tarefa do Supremo Tribunal Federal assegurar a força normativa da Constituição e estabelecer limites aos eventuais abusos legislativos dos outros Poderes. O Ministro Gilmar Mendes (2005, p. 201) corrobora esse entendimento ao afirmar que a permissão do controle de legitimidade no âmbito da legislação ordinária é garantia da efetiva concretização da ordem constitucional. Afirma ainda, no voto proferido na ADI nº 4048, que a recusa à compreensão da supremacia da Constituição e a hesitação em se submeter à autoridade normativa de seus preceitos é censurável, na medida em que revela um resíduo de indisfarçável autoritarismo. Nesse sentido, orienta-se o Ministro Celso de Mello, em seu voto na ADI nº 4048, afirmando que o princípio da supremacia da Constituição e os princípios que decorrem do sistema consagrado pelo nosso ordenamento nunca podem ser ignorados, nem mesmo nas situações de discricionariedade governamental - como, por exemplo, os casos raros de excesso de poder ou as situações de manifesto abuso institucional (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 152). Em assim sendo, como salienta Camilla Diniz (2007, p. 42), pode-se afirmar que a supremacia constitucional estará, sem dúvidas, melhor garantida diante de uma maior amplitude conferida ao controle abstrato de constitucionalidade. Por fim, o robusto argumento do Ministro Gilmar Mendes, esposado no julgamento da liminar na ADI nº 4048, pode encerrar a questão, fazendo alusão a uma 49 justificativa de cunho político. Se a Constituição submete a lei ao processo de controle abstrato, não é admissível que o intérprete afaste essa garantia constitucional. Do contrário, um número exorbitante de atos normativos seriam isentos do controle de constitucionalidade abstrato de normas e também, muito provavelmente, de qualquer outro tipo de controle. Isso feriria a supremacia constitucional e, acima de tudo, o princípio da separação dos poderes (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 65). 3.3 A questão da jurisdição constitucional: o modelo brasileiro à luz das teorias de Kelsen e Schmitt Como visto, ao pronunciarem-se sobre o cabimento de controle de constitucionalidade de medidas provisórias que abrem crédito extraordinário, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, inevitavelmente, adentram nas questões clássicas de jurisdição constitucional, supremacia da constituição e princípio da separação dos poderes. Face a isto, é interessante analisar-se o modelo de jurisdição constitucional brasileiro, à luz das teorias de Hans Kelsen e Carl Schmitt. A jurisdição constitucional trata do controle de constitucionalidade por essência, focando na necessidade de estabelecimento de uma instância neutra, mediadora e imparcial na solução de conflitos constitucionais. Nesse sentido, constitui o controle de constitucionalidade o principal instrumento de força legitimadora das constituições (BONAVIDES, 2004, p. 127-128). Diante do grande avanço formal havido no Brasil no que tange ao controle concentrado de constitucionalidade, necessário se faz respeitar os mecanismos constitucionais de proteção jurisdicional, tais como a ação direta de inconstitucionalidade. Assim, deve ser sempre levado em consideração que há determinadas situações fáticas que afetam bastante a relação de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário, devendo-se primar sempre pela independência e harmonia entre os poderes. Paulo Bonavides (2004, p. 130) cita o exemplo da Corte Suprema quando, devido a pressões externas, se sujeita a vontade do Poder Executivo. Assim, é necessário combater a preponderância negativa do segundo sobre o primeiro, de modo a preservar a independência dos tribunais e não desvirtuar as bases de legitimidade da própria jurisdição constitucional. Portanto, trazendo essa temática para o caso emm comento, pode-se afirmar que abrir créditos extraordinários por intermédio de um número exacerbado de medidas provisórias que não se submetem a um efetivo controle de constitucionalidade fere os 50 princípios constitucionais do federalismo. Nesse sentido, há o deslocamento do eixo de elaboração de leis para o Executivo, quando ela é uma função clássica, típica e natural do Legislativo, de modo a introduzir um elemento normativo instável. Essa distorção institucional afeta, ainda, o princípio da separação dos poderes, pilar do Estado federativo. Hans Kelsen (2003, p. 140) construiu um modelo de jurisdição constitucional que outorgou a um corpo coletivo, distinto do Judiciário e dos demais poderes, a privatividade sobre decisões que envolvem matéria constitucional. Nesse sentido, defendeu a criação de um órgão especializado independente – o Tribunal Constitucional -, causando um profundo impacto sobre o sistema tradicional de divisão dos poderes. Segundo a teoria kelseniana, anular uma norma e retirar-lhe a eficácia não significam o mesmo. A diferença reside no fato de que a anulação opera-se no caso concreto, sendo, portanto, parcial. Kelsen se mostra contra a falta de uniformidade nas decisões dos tribunais a respeito de anulações de normas no caso concreto, devido à insegurança jurídica. Portanto, a solução encontrada seria a centralização do poder de examinar a regularidade das normas gerais, adotando-se, assim, um modelo de anulação total – para todos os casos em que a norma deveria ter sido aplicada -, em vez de parcial. E, nesse sentido, tamanho poder só poderia ser confiado a uma instância central suprema (KELSEN, 2003, p. 144-145). No modelo kelseniano, entre as medidas técnicas que têm por objeto garantir a regularidade das funções estatais, a anulação do ato inconstitucional é a que representa a principal e mais eficaz garantia da Constituição. A principal idéia é que a simples menção de recorrer ao Tribunal poderia consistir, nas mãos da minoria, o meio inidôneo para impedir a ditadura da maioria (KELSEN, 2003, p. 148). Portanto, a questão fundamental é que se desenvolve a concepção de um poder com a finalidade precípua de promover a guarda da Constituição. Dessa maneira, o Tribunal Constitucional não pode integrar o Poder Judiciário, mas sim se constituir em Poder político independente de todos os demais. Em outras palavras, em um Estado federativo, o Tribunal Constitucional não pode ser órgão exclusivo nem da União, nem dos Estadosmembros, mas sim um órgão da coletividade que os engloba igualmente, da Constituição total do Estado, cujo respeito seria encarregado de assegurar. Por outro lado, Carl Schmitt mostra-se opositor a esse caráter político da jurisdição constitucional. Schmitt questiona o papel do Tribunal Constitucional como guardião da Constituição, atribuindo apenas ao Presidente do Reich a legitimidade para 51 desempenhar semelhante função (SCHMITT, 2007, p. 208). A principal crítica de Schmitt ao modelo de Kelsen é que a criação ou o reconhecimento de um Tribunal Constitucional transfere poderes de legislação para o Judiciário, politizando-o e desajustando o equilíbrio do sistema constitucional do Estado de Direito. Schmitt desenvolve uma idéia de Constituição que não se resume a um simples conjunto de leis constitucionais. A Constituição seria, na verdade, a decisão consciente de uma unidade política concreta que define a forma e o modo de sua existência, pois, no seu entendimento, a Constituição e as leis não são meras vontades do legislador, já que nem tudo o que é legal é legítimo. Segundo Carl Schmitt (1996, p. 46): Las leyes constitucionales valen, por el contrario, a base de La Constituición y presuponen uma Constituición. Toda ley, como regulación normativa y también La ley constitucional, necesita para su validez em último término uma decisión política prévia, adoptada por um poder o autoridad políticamente existente. Toda unidad política existente tiene su valor y su razón de existência, no em La justicia o conveniência de normas, sino em su existência misma. Lo que existe como magnitud política, es, jurídicamente considerado, digno de existir. Diante dessa conceituação de Constituição, um Tribunal Constitucional não poderia ser composto apenas por funcionários profissionais, pois implicaria trasladar a atribuição de formular preceitos constitucionais a uma pequena aristocracia, contrariando o princípio democrático e a soberania estatal (SCHMITT, 2007, p. 196-201). Portanto, baseando-se em uma teoria mais desenvolvida de um poder neutro, intermediário, regulador e preservador, deve o Presidente do Reich – eleito pela totalidade do povo - ser o incumbido da ordenação política do Estado, devendo proteger ativamente a Constituição, de maneira neutra e imparcial. Para Schmitt, um Tribunal Constitucional é inadequado para exercer esse tipo de função, por ser uma instância política suprema e contaminada. Em suas palavras: Consoante o presente conteúdo da Constituição de Weimar, já existe um guardião da Constituição, a saber, o Presidente do Reich. Tanto o elemento relativamente estático e permanente [...], quanto o tipo de seus poderes [...] têm o objetivo de criar um órgão político-partidariamente neutro devido a sua relação direta com a totalidade estatal, o qual, como tal, é o defensor e guardião da situação constitucional e do funcionamento constitucional das supremas instâncias jurídicas e, em caso de necessidade, está dotado de poderes eficientes para uma proteção efetiva da Constituição. O fato de o presidente do Reich ser o guardião da Constituição corresponde, porém, apenas também ao princípio democrático, sobre o qual se baseia a Constituição de Weimar. O presidente do Reich é eleito pela totalidade do povo alemão e seus poderes políticos perante as instâncias legislativas (especialmente dissolução do parlamento do Reich e instituição 52 de um plebiscito) são, pela natureza dos fatos, apenas um “apelo ao povo” (SCHMITT, 2007, p. 233). Percebe-se, portanto, que uma das principais características do modelo de Schmitt é a democracia. Nesse sentido, a Constituição busca dar ao Chefe de Estado a possibilidade de se unir diretamente a vontade política da totalidade do povo e agindo como guardião e defensor do texto constitucional, tendo em vista que o Parlamento desvirtua a vontade do povo. Trazendo essa discussão para o caso brasileiro, tem-se que em um ambiente permeado por um número elevado de medidas provisórias, o mecanismo da ação direta de inconstitucionalidade possuiu grande relevância. No entanto, o mau uso desse instrumento poderá convertê-lo em mais um veículo que o Poder Executivo emprega para defender o arcabouço jurídico do sistema e dar trânsito livre de constitucionalidade a algumas medidas lesivas à Constituição. No Brasil, a Constituição Federal prevê que o controle de constitucionalidade, tanto na forma difusa como na concentrada, cabe ao Poder Judiciário. Assim, o Supremo Tribunal Federal exerce papel semelhante ao do Tribunal Constitucional do modelo kelseniano. Portanto, o controle de constitucionalidade exercido no interesse dos poderes públicos e do Executivo deve ser todo admissível e legítimo. Para tanto, é estritamente necessário observar-se os ditames constitucionais. Nesse sentido, é fundamental que a neutralidade e imparcialidade do Tribunal Constitucional sejam mantidas, de modo que se possa mediar os conflitos políticos entre os poderes. Desse modo, não controlar a constitucionalidade de certos atos editados pelo Chefe do Executivo – tal como a medida provisória que abre crédito extraordinário – implicaria na aceitação de um poder acima que não se submeteria ao referido Tribunal. Assim, deve ser salientado que não se adotam no Brasil os conceitos de Constituição e democracia enunciados por Schmitt. Portanto, o Chefe do Poder Executivo não é o guardião da Constituição e, conseqüentemente, deve se sujeitar às decisões do Supremo Tribunal Federal, que é o legítimo órgão da jurisdição constitucional. Em outras palavras, a omissão do Supremo em avaliar certos atos do Poder Executivo, além de prejudicar o equilíbrio na atuação dos poderes, pode ferir drasticamente a unidade política do Estado. Seguindo esse entendimento, o Ministro Celso de Mello afirmou que o controle jurisdicional é de suma importância para que seja evitada a arbitrariedade do 53 Presidente da República na edição de atos em que seus poderes são ampliados. O que justifica a edição dessa legiferação extraordinária é a presença de um estado de necessidade, ou seja, de uma situação emergencial, que confere um poder cautelar, político e discricionário ao Presidente da República. Desse modo, diante da possibilidade de, nesses casos, o Presidente agir arbitrariamente, faz-se necessária a fiscalização jurisdicional, via ação direta de inconstitucionalidade (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 1993, p. 62). Portanto, se natureza política dos pressupostos da medida provisória não afasta o controle jurisdicional sobre eles, também não se pode argumentar a discricionariedade quanto aos pressupostos para abertura dos créditos extraordinários. A natureza emergencial de tais créditos não pode afastar o controle jurisdicional sobre eles, tendo em vista que basta tão somente a possibilidade avaliação arbitrária pelo Chefe do Executivo para que seja necessário o controle jurisdicional (DINIZ, 2007, p. 49). 3.4 Impactos da decisão em sede de liminar do STF na edição de medidas provisórias que abrem crédito extraordinário O assunto em questão tem-se revelado um grave problema na atualidade, tendo em vista o número exorbitante de medidas provisórias editadas e seu impacto na separação e autonomia dos poderes. Desse modo, se mostram acertadas as últimas decisões proferidas em caráter liminar pelo Supremo Tribunal Federal. Para se ter idéia da real dimensão do problema, é interessante analisar objetivamente o número de medidas provisórias que abriram crédito extraordinário editadas desde 2007 e, também, após essas liminares, a fim de que se analise se houve impacto dessas decisões da Corte Suprema no comportamento dos agentes. Ao proferirem voto na ADI nº 4048, os Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello chamaram a atenção para o número exorbitante de medidas provisórias editadas desde o início de 2007 até 17/04/2008 – data do deferimento da medida cautelar na ADI nº 4048, primeira vez em que a Corte Suprema demonstrou uma mudança de entendimento sobre o assunto. Analisando-se a Tabela 1 é possível ver a discriminação de todas as medidas provisórias editadas nesse período e o seu respectivo montante. Tabela 1 - Medidas provisórias de 01/01/2007 a 17/04/2008 Nº da Medida Provisória Valor 424, de 16.4.2008 R$ 1.816.577.877,00 423, de 4.4.2008 R$ 613.752.057,00 54 420, de 25.2.2008 R$ 12.500.000.000,00 409, de 28.12.2007 R$ 750.465.000,00 408, de 26.12.2007 R$ 3.015.446.182,00 406, de 21.12.2007 R$ 1.250.733.499,00 405, de 18.12.2007 R$ 5.455.677.660,00 402, de 23.11.2007 R$ 1.646.339.765,00 400, de 26.10.2007 R$ 50.000.000,00 399, de 16.10.2007 R$ 456.625.000,00 395, de 27.9.2007 R$ 3.256.764.118,00 383, de 16.8.2007 R$ 1.253.983.299,00 381, de 5.7.2007 R$ 6.334.721.758,00 376, de 18.6.2007 R$ 15.704.401.380,00 370, de 10.5.2007 R$ 25.000.000,00 367, de 30.4.2007 R$ 420.575.010,00 365, de 23.4.2007 R$ 5.200.000.000,00 364, de 18.4.2007 R$ 1.717.041.026,00 356, de 7.3.2007 R$ 100.000.000,00 354, de 22.1.2007 R$ 20.000.000,00 346, de 22.1.2007 R$ 452.183.639,00 344, de 5.1.2007 R$ 181.200.000,00 343, de 5.1.2007 R$ 956.646.492,00 TOTAL R$ 63.178.133.762,00 Fonte: Adaptado de Presidência da República (2009). Portanto, observa-se que desde o início de 2007 até o julgamento liminar da ADI nº 4048 foram editadas 23 medidas provisórias que abriam crédito extraordinário, somando, aproximadamente R$ 63 bilhões de reais. Segundo o Ministro Gilmar Mendes, esse montante representa nada menos que cerca de 10% (dez por cento) do orçamento da União de 2007 (SUPREMO TRIBUNAL FEDEAL, 2008b, p. 88). De acordo com o Ministro Celso de Mello, esses dados evidenciam que o exercício compulsivo da competência extraordinária de editar medidas provisórias culminou 55 por introduzir, no processo institucional brasileiro, um verdadeiro cesarismo governamental em matéria legislativa. Isso acarreta em graves distorções no modelo político e gera sérias disfunções comprometedoras da integridade do princípio constitucional da separação dos poderes (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 168-169). O Ministro ressalta ainda que diversos Presidentes da República, desde 1988 até 2007, legislaram por meio da edição de medidas provisórias mais que duas vezes que o próprio Congresso Nacional, em igual período. Acrescenta, ainda, que o total de medidas provisórias editadas nesse período corresponde a mais do que o dobro de decretos-leis editados pelos generais-Presidentes, ao longo dos vinte e um anos do regime de exceção – 1º de abril de 1964 a 15 de março de 1985 -, correspondente a 2.272 (dois mil duzentos e setenta e dois) decretos-leis. Em suma, esse comportamento, além de concentrar indevidamente na Presidência da República o foco e o eixo das decisões legislativas, tornou instável o ordenamento normativo do Estado brasileiro, na medida em que passou a viver “sob o signo do efêmero” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 169-170). Portanto, percebe-se que esse quadro anômalo de disfunção dos poderes governamentais foi um dos fatores preponderantes que ensejaram a mudança de entendimento sinalizada pela Corte Constitucional. Observe-se que a gravidade da situação está no fato de que a utilização excessiva das medidas provisórias minimiza, perigosamente, a importância político-institucional do Poder Legislativo, na medida em que suprime a possibilidade de prévia discussão parlamentar de matérias que, ordinariamente, estão sujeitas ao poder decisório do Congresso Nacional. Em outras palavras, essa excessiva expansão do poder presidencial introduz um fator de desequilíbrio sistêmico que afeta a essência da ordem democrática, apoiada na garantia política e na segurança jurídica dos cidadãos (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 170-171). Portanto, observando essa problemática e seus possíveis desdobramentos, a Corte Suprema reviu seu posicionamento acerca do cabimento de controle jurisdicional sobre esse tipo de ato normativo. Para observar o real impacto dessa decisão liminar na ADI nº 4048, observe-se a Tabela 2, que traz a discriminação das medidas provisórias que abriram crédito extraordinário de 18/04/2008 até a data de conclusão deste trabalho. Tabela 2 – Medidas provisórias de 18/04/2008 a 30/09/2009 Nº da Medida Provisória Valor 463, de 20.05.2009 R$ 1.217.677.730,00 461, de 15.04.2009 R$ 300.000.000,00 56 448, de 26.11.2008 R$ 1.600.000.000,00 430, de 14.05.2008 R$ 7.560.000.000,00 TOTAL R$ 10.677.677.730,00 Fonte: Adaptado de Presidência da República (2009). Desse modo, comparando-se com o período anterior, pode-se observar que houve uma notória redução de cerca de R$ 53 bilhões de reais no valor total de créditos extraordinários abertos após a decisão liminar do Supremo Tribunal Federal. Além disso, o número total de medidas provisórias reduziu de vinte e três para quatro. Assim, tendo em vista que, nesse período, o acontecimento mais impactante foi a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal, é plenamente possível atribuir-lhe a responsabilidade por tamanha diminuição. Portanto, a principal conclusão é que a admissibilidade do controle de constitucionalidade das medidas provisórias que abrem crédito extraordinário conseguiu reduzir o número exorbitante desses atos normativos e seus respectivos montantes. Dessa maneira, o papel da Corte Suprema mostra-se cada vez mais relevante na manutenção do equilíbrio entre os poderes consagrado no texto da Constituição Federal. Ademais, esse controle mostra-se essencial não apenas para a garantia da supremacia da Constituição, mas também para a segurança das instituições democráticas. Saliente-se que sua ausência ou deficiência põe em perigo o Estado Democrático de Direito, que mediante a força normativa da Constituição previne e impede práticas arbitrárias dos governantes. Portanto, o afastamento do controle de constitucionalidade em abstrato sobre esse tipo de medida provisória impossibilita o controle de inúmeros atos normativos, o que acarreta em insegurança jurídica (DINIZ, 2007, p. 53-54). Por fim, ressalte-se que a ordem democrática no Brasil, para ser plena, há de neutralizar os impulsos gerados no interior do próprio aparelho do Estado que incompreensivelmente estimulam a desconsideração do valor e do significado que uma ordem constitucional legítima deve representar para a consciência de todos. Portanto, a Constituição não pode ser submetida à vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das circunstâncias. Nesse sentido, a garantia mais efetiva para assegurar os direitos e liberdades é a supremacia constitucional, cabendo ao Supremo Tribunal Federal a tarefa magna e eminente de velar para que essa realidade não seja desfigurada (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 1993, p. 164). 57 CONCLUSÃO Valendo-se do estudo de caso das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4048 e 4049, julgadas liminarmente em 2008 pelo Supremo Tribunal Federal, a presente monografia objetivou, a partir de uma análise institucional acerca das medidas provisórias e de um estudo sobre os pressupostos do crédito extraordinário, demonstrar a importância e a possibilidade da sujeição dessa modalidade de medida provisória ao controle de constitucionalidade em abstrato. A excepcionalidade de tais créditos, aliada a natureza de seus pressupostos, que parecem coincidir com as hipóteses de decretação de estado de exceção, denotam a gravidade das situações de cabimento dos créditos extraordinários. Isso significa que é extremamente perigoso deixar os requisitos constitucionais que autorizam a abertura do referido crédito sujeitos a arbitrariedade do Poder Executivo. Deve ser levado em consideração que a verificação de sua extraordinariedade é essencial à constitucionalidade da medida provisória que o autoriza. Isso ocorre porque é a imprevisibilidade e urgência das despesas ensejadoras do crédito que o tornam relevante e justificam essa competência legislativa excepcional do Poder Executivo. Dessa forma, o controle de constitucionalidade desses atos normativos editados pelo Presidente da República dependerá da extraordinariedade do crédito e, sendo assim, essa análise não pode ser afastada do Poder Judiciário (DINIZ, 2007, p. 53). Ademais, tendo em vista o número exorbitante de medidas provisórias que abrem o referido crédito editadas nos últimos anos, a intervenção da Suprema Corte – por meio do controle abstrato de constitucionalidade -, ganha cada vez mais destaque e se faz necessária. Ressalte-se que não é suficiente apenas a apreciação do Congresso Nacional, principalmente em virtude do princípio constitucional da separação de poderes. Segundo o Ministro Celso de Mello, o coeficiente de liberdade dos povos expõe-se a sensível e perigosa redução, quando as instituições do Estado, ao usurparem atribuições que não lhes são próprias (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2008b, p. 160). Nesse sentido, o mau uso desse ato normativo poderá convertê-lo em veículo para o Poder Executivo dar trânsito livre a medidas lesivas à Constituição e gerar a instabilidade do ordenamento jurídico. Portanto, inaceitável aplicar a tese de Schmitt, pois o modelo democrático adotado no Brasil não admite a existência de um poder acima que não se submeta a Corte Constitucional. Desse modo, é atribuição do Supremo Tribunal Federal velar pela força 58 normativa da Constituição e estabelecer limites aos eventuais excessos legislativos dos demais Poderes. Saliente-se ainda que esse controle jurisdicional é essencial não só para a garantia da supremacia constitucional – que deve ser o norte orientador de toda e qualquer atividade do Poder Judiciário -, mas também para a segurança jurídica das instituições democráticas. Em outras palavras, a ausência ou deficiência da participação do Poder Judiciário constitui ameaça ao Estado Democrático de Direito, que mediante a força normativa da Constituição previne e impede práticas arbitrárias dos governantes. Nesse sentido, acertado o novo posicionamento adotado pela Corte Suprema, na medida em que se privilegiou a segurança jurídica e a efetividade das normas constitucionais em detrimento da discussão sobre a natureza jurídica das normas orçamentárias – efeito abstrato ou concreto ou atos individuais ou coletivos. Portanto, a partir de 2008, não se exige que a lei tenha densidade normativa para se expor ao controle abstrato, tendo em vista que o que é relevante é o fato de ser ato primário. Conseqüentemente, passouse a admitir ações diretas de inconstitucionalidade que impugnam medidas provisórias que abrem crédito extraordinário. Por fim, mais importante é o resultado obtido por meio das últimas decisões do STF, que se mostraram bastante eficazes. Tanto o valor total quanto o número de créditos extraordinários abertos após essa mudança de jurisprudência do Supremo diminuíram significativamente. Em assim sendo, a Suprema Corte sinaliza cumprir a sua missão de construir uma ordem democrática plena, ao neutralizar os impulsos gerados no interior do próprio aparelho estatal que injustificadamente estimulam a desconsideração do valor e do significado de uma ordem constitucional legítima. Diante disso, a avaliação objetiva acerca do impacto dessas ADIs na sociedade corrobora a tese de que a supremacia constitucional estará melhor garantida diante de uma maior amplitude conferida ao controle abstrato de normas. 59 REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2007. AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Medida provisória e a sua conversão em lei: a emenda constitucional n. 32 e o papel do Congresso Nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. BARROS, Sérgio Resende de. Medidas, Provisórias?. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. São Paulo, v. 53, p. 67-82, 2000. BONAVIDES, Paulo. 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