PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO
GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA
HABEAS CORPUS n.º 3904/AL
IMPTTE
IMPTDO
PACTE
PACTE
ORIGEM
RELATOR
0006374-07.2010.4.05.0000
: JOSÉ IDEMAR RIBEIRO E OUTROS
: JUÍZO DA 1ª VARA FEDERAL DE ALAGOAS (MACEIÓ)
: SILVIO MARCIO CONDE DE PAIVA
: C ENGENHARIA S/A
: 1ª VARA FEDERAL DE ALAGOAS
: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA
EMENTA
CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME
AMBIENTAL (ART. 55, LEI 9605/98). USURPAÇÃO DE PATRIMÔNIO DA UNIÃO (ART.
2º, LEI 8176/91). CONCURSO FORMAL. PACIENTE PESSOA JURÍDICA.
INADMISSIBILIDADE. NATUREZA AMBULATORIAL DO WRIT. PACIENTE PESSOA
NATURAL. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ACERCA DE TRANSAÇÃO PENAL. NULIDADE DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E
ATOS POSTERIORES. IMPOSSIBILIDADE. NÃO PREENCHIMENTO DOS
REQUISITOS DO ART. 76 DA LEI 9099/95.
1. A despeito da possibilidade de responsabilização criminal da pessoa jurídica, no caso
de crime ambiental, não se admite a impetração de habeas corpus em favor de ente
moral, dada a precípua finalidade do writ para a proteção do direito de locomoção.
Precedente da Primeira Turma do STF: HC 92921-BA, Rel. Min Ricardo Lewandowski,
DJe 26.09.2008.
2. A propositura da transação penal é prerrogativa exclusiva do Ministério Público.
Todavia, havendo recusa injustificada por parte do representante do Parquet, caberá ao
Magistrado, entendendo ser caso de aplicação do benefício, remeter os autos, ao
Procurador-Geral (na hipótese, à Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério
Público Federal), por aplicação analógica do art. 28 do CPP.
3. Ordem concedida de ofício, em sede de liminar, nos termos do art. 654, §2º, do CPP,
apenas para determinar que a autoridade impetrada faculte ao Ministério Público
Federal a oportunidade de fundamentar a recusa da propositura de transação penal em
relação ao paciente Sílvio Márcio Conde de Paiva.
4. Descrevendo a denúncia o cometimento dos delitos previstos no art. 2º da Lei nº
8.176/91 e art. 55, caput, da Lei nº 9.605/98, em concurso formal, resta, destarte,
inviável o benefício da transação penal, porquanto o resultado decorrente do acréscimo
previsto no art. 70 do CP eleva a pena para patamar superior ao estabelecido no art. 61
da Lei n.º 9099/95 c/c art. 2º da Lei 10259/01.
5. Inexiste ilegalidade na recusa fundamentada da propositura de transação penal pelo
autor da ação pública, quando o réu não preenche as condições objetivas e subjetivas
previstas no art. 76 da Lei 9099/95.
GABJML/RML
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- Habeas corpus não conhecido em relação ao paciente pessoa jurídica e denegado em
relação ao paciente pessoa física, julgando-se prejudicado o agravo regimental oposto
contra a decisão inaugural.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Primeira Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, por
unanimidade, não conhecer o habeas corpus em relação ao paciente C Engenharia S/A
e denegar a ordem em relação ao paciente Sílvio Márcio Conde de Paiva, julgando
prejudicado o agravo regimental, nos termos do relatório e voto constantes dos autos,
que integram o presente julgado.
Recife, 15 de julho de 2010 (data do julgamento).
JOSÉ MARIA LUCENA,
Relator.
GABJML/RML
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RELATÓRIO
O Desembargador Federal JOSÉ MARIA LUCENA (Relator):
Cuida-se de HABEAS CORPUS impetrado em favor de SÍLVIO MÁRCIO
CONDE DE PAIVA e CIPESA ENGENHARIA S/A, atual C ENGENHARIA S/A, apontando como
coator o Juiz Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária de Alagoas, ANDRÉ LUÍS M. TOBIAS
GRANJA.
Sustenta o impetrante, a existência de coação ilegal praticada pela
autoridade impetrada que, “através de despacho de mero expediente, não obstante a
manifestação dos pacientes em defesa preliminar, deixou de apreciar a preliminar de
nulidade do recebimento da denúncia uma vez que o Representante do Ministério
Público, ao ofertar sua peça inicial acusatória, inadvertidamente, violou o dispositivo
legal que permite, no caso aqui apresentado, o gozo da benesse de transação penal
para o crime de menor potencial ofensivo para ambos os pacientes ou sua negativa
fundamentada”. (grifos no original)
Afirma, outrossim, a possibilidade de impetração do remédio heroico
em favor de pessoa jurídica, em face da possibilidade de responsabilização do ente
ideal no que tange aos crimes ambientais.
Requer, liminarmente, o sobrestamento da ação penal nº.
2009.80.00.004208-8 até o julgamento final do writ e, no mérito, pugna pelo
reconhecimento da nulidade dos atos processuais praticados, desde o recebimento da
denúncia, em virtude da ausência de manifestação do Parquet Federal acerca da
possibilidade de transação penal, a despeito da imputação de crimes de menor
potencial ofensivo.
Indeferido pleito liminar às fls. 246/247, os autos foram com vista ao
Ministério Público Federal, que apresentou parecer (fls. 251/256) assim ementado:
EMENTA: Constitucional. Penal. Processual penal. Habeas
corpus impetrado em favor de pessoa jurídica e pessoa física
dirigente de sociedade empresária controladora daquela,
denunciados por prática de crime ambiental e usurpação de
patrimônio mineral da União.
Alegada nulidade do processo, a partir do recebimento da
denúncia, por ausência de formulação de proposta de
transação penal, pelo Ministério Público.
Preliminar de não conhecimento do habeas corpus quanto
à pessoa jurídica. No HC 92.921-4 BA o Supremo Tribunal
Federal, vencido no singular o Ministro relator Ricardo
Lewandowski, reconheceu que habeas corpus é remédio
GABJML/RML
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heróico próprio e exclusivo em defesa da liberdade do
indivíduo, pessoa física.
Quanto à pessoa física impetrada – dirigente de sociedade
empresária controladora da empresa co-ré em denúncia por
crime ambiental -, o presente habeas corpus é mera repetição
de habeas corpus anterior (HC 3746 AL), cujo vício,
ensejador de indeferimento liminar, pelo Relator, é aqui
renovado: ausência de demonstração, documental, de
preenchimento dos requisitos autorizativos de transação
penal (art. 76, §2º , da Lei 9099/96).
Em termos de proposição de transação penal, em delitos de
menor potencial ofensivo, a jurisprudência consolidou o
entendimento no sentido de que: 1) a proposta de transação é
prerrogativa do Ministério Público; 2) o MP não pode abusar de
sua prerrogativa de propor (ou não) a transação, devendo
fundamentar a não proposição; 3) a solução jurídica diante do
abuso na não proposição da transação é a ouvida do PGR
acerca do assunto; 4) eventual habeas corpus é de ser
direcionado contra o Ministério Público, não contra o
magistrado; 5) eventual silêncio do magistrado se resolve não
pela nulidade dos atos, mas pela reabertura da oportunidade
para proposição da transação; 6) para que possa ser reputada
de ilegal, de plano, a não propositura da transação, deve a
parte comparecer, demonstrando preenchimento das
condições objetivas e subjetivas próprias para a transação.
Finalmente, a proposta de transação sucede, e não precede, o
recebimento da denúncia.
Habeas corpus que não deve ser conhecido, quanto à
paciente pessoa jurídica, e deve ser parcialmente
conhecido, quanto ao paciente pessoa física, unicamente
para que o Juízo de 1º Grau, na audiência marcada para o
dia 4 de maio, conceda ao Ministério Público oportunidade
de dizer, fundamentadamente, se propõe ou não transação
penal para o ora paciente. (grifos no original)
Informações prestadas pela autoridade impetrada à fl. 249.
Nova decisão prolatada às fls. 258/261, determinando ao impetrado a
concessão de oportunidade ao MPF, por ocasião da audiência aprazada para
04.05.2010, pronunciar-se fundamentadamente acerca do oferecimento de transação
penal ao paciente Sílvio Márcio Conde de Paiva.
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Agravo regimental oposto pelo impetrante às fls. 264/296.
Em atendimento ao ofício de fl. 300, a autoridade impetrada encaminhou a
esta Corte a ata de audiência ocorrida em 04.05.2010 (fls. 302/304), na qual o Parquet
Federal se manifestou fundamentadamente acerca da negativa de transação ao
paciente Sílvio Márcio Conde, bem assim ofereceu proposta de suspensão condicional
do processo à C. Engenharia Ltda, que pugnou prazo de 5(cinco) dias para resposta.
RELATEI.
GABJML/RML
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VOTO
O Desembargador Federal JOSÉ MARIA LUCENA (Relator):
Preliminarmente, acolho o parecer ministerial, no sentido de inadmitir o
remédio histórico para proteção de pessoa jurídica.
Consoante se infere do emblemático julgamento do HC nº 92.921-BA, a
Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, vencido o Min. Ricardo
Lewandowski, sufragou a impossibilidade de impetração do writ em favor de pessoa
jurídica, dada a sua precípua finalidade de proteção do direito ambulatorial.
Com efeito, a despeito da dupla imputação firmada na legislação
ambiental, permitindo, destarte, a responsabilização criminal dos entes ideais, inexiste,
por questões lógicas, qualquer previsão de pena privativa de liberdade.
Ora, neste ínterim, não se pode olvidar que o direito de locomoção é o
objeto próprio e exclusivo da tutela do habeas corpus, conforme, aliás, uníssona
jurisprudência firmada sobre o tema.
Assim, diante da evidente incompatibilidade do writ para servir de
mecanismo de proteção aos direitos da pessoa jurídica, acolho a preliminar suscitada
para não conhecer o habeas corpus em relação ao paciente Cipesa Engenharia S/A,
(atual C Engenharia S/A).
No que tange ao paciente Sílvio Márcio Conde de Paiva, cumpre observar
o que se segue.
Pretende o impetrante a declaração de nulidade dos atos processuais da
Ação Penal nº. 2009.80.00.004208-8, desde o recebimento da denúncia, em virtude da
ausência de oferecimento (ou recusa fundamentada) do benefício da transação penal.
O art. 76 da Lei 9099/95, ao estabelecer o instituto da transação, dispõe
que:
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública
incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá
propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser
especificada na proposta.
§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá
reduzi-la até a metade.
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena
privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos,
pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
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III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do
agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a
adoção da medida.
§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será
submetida à apreciação do Juiz.
§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da
infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará
em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo
benefício no prazo de cinco anos.
§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida
no art. 82 desta Lei.
§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará
de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo
dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação
cabível no juízo cível.
De plano, faz-se mister salientar que o oferecimento da proposta transação
é ato privativo do Ministério Público.
Outrossim, havendo recusa injustificada por parte do representante do
Parquet, caberá ao Magistrado, entendendo ser caso de aplicação do benefício, remeter
os autos, ao Procurador-Geral (no caso, à Câmara de Coordenação e Revisão do
Ministério Público Federal), por aplicação analógica do art. 28 do Código de Processo
Penal.
Dessa forma, cuido possível a impetração do writ em face do magistrado
federal que aquiesceu tacitamente à recusa do Ministério Público, afastando, por
conseguinte, a alegação do custos legis acerca da ilegitimidade da autoridade apontada
coatora.
Contudo, quanto ao requesto pela anulação dos atos processais, urge
observar que o reconhecimento judicial da nulidade de atos processuais depende da
verificação de prejuízo resultante para a defesa ou a acusação, em reta obediência ao
princípio informativo da conservação dos atos processuais (pas de nullité sans grief ),
expressamente consignado no art. 563 do CPP.
Assim, conforme bem salientou o Procurador-Regional da República,
Luciano Mariz Maia, o eventual silêncio do magistrado acerca da possibilidade de
transação penal não se resolveria pela nulidade dos atos, mas pela reabertura da
oportunidade para proposição da transação.
Neste ínterim, concedida a ordem de ofício (fls. 258/261), o impetrado, por
ocasião da audiência realizada em 04.05.2010, possibilitou ao Ministério Público expor
os motivos para recusa da propositura do benefício, consoante se infere da assentada
colacionada às fls. 302/304. Com efeito, esclareceu o Parquet a impossibilidade do
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oferecimento do benefício em virtude dos antecedentes do paciente e do concurso
formal a ele imputado, cujo somatório das penas superaria o limite legal.
Pois bem. Descrevendo a denúncia a retirada de mineral do subsolo
(propriedade da União), cabível o enquadramento legal nos tipos previstos no art. 2º da
Lei nº 8.176/91 e art. 55, caput, da Lei nº 9.605/98, em concurso formal.
No caso de concurso de crimes, consoante assentado na jurisprudência
das Cortes Superiores, a pena considerada para fins de fixação da competência do
Juizado Especial Criminal e propositura de benefício de transação penal será o
resultado da soma ou exasperação das penas máximas cominadas aos delitos.
Na hipótese vertente, o resultado decorrente do acréscimo previsto no art.
70 do CP é sobejamente superior a 2 (dois) anos, afastando, logo, a competência do
Juizado Especial Criminal, bem como a possibilidade de aplicação do benefício da
transação penal.
Corroborando o raciocínio acima delineado, transcrevo os seguintes
julgados:
PROCESSO PENAL. CONDENAÇÃO. CONCURSO FORMAL.
ARTS. 302 E 303 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (LEI
9.503/97). TRANSAÇÃO PENAL. INAPLICABILIDADE. 1.
Condenado o paciente, em concurso formal, pela prática dos
crimes de homicídio culposo e lesões corporais culposas no
trânsito, inviável a aplicação da transação penal ao caso.
Precedente.
2.
Ordem
indeferida.
(STF, Segunda Turma, HC 85427, Relatora: Min.
ELLEN
GRACIE, Dje 15.04.2005)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO E
LESÕES CORPORAIS CULPOSOS COMETIDOS NA DIREÇÃO
DE VEÍCULO AUTOMOTOR. CONCURSO FORMAL. ARTIGO
291, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO
BRASILEIRO. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 77, INCISO II, C/C O
ARTIGO 79, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 1.
Sendo o réu acusado dos crimes de homicídio e lesões corporais
culposos, em concurso formal, não há como, pela regra do artigo
77, inciso II, c/c o artigo 79, ambos do Código de Processo Penal,
ser oferecida a transação penal, muito embora o disposto no
artigo 291, parágrafo único, da Lei 9.503/1997. 2. Recurso
desprovido.
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0006374-07.2010.4.05.0000
(RHC 200201256128, PAULO GALLOTTI, STJ - SEXTA TURMA,
DJ: 21/06/2004)
Firme no exposto, não conheço do habeas corpus em relação ao paciente
pessoa jurídica (C. Engenharia Ltda.) e denego a ordem em relação ao paciente Sílvio
Márcio Conde de Paiva, julgando prejudicado o agravo regimental oposto contra a
decisão inaugural.
ASSIM VOTO.
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