SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0033924-82.2009.8.19.0001 RECORRENTE: CARLOS CHERMAN TEIXEIRA DE JESUS RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO RELATOR: DES. JOSÉ AUGUSTO DE ARAUJO NETO HOMICÍDIO SIMPLES. CRIME COMISSIVO POR OMISSÃO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO PELA DEFESA TÉCNICA, POSTULANDO A IMPRONÚNCIA DO ACUSADO. PLEITO INCONSISTENTE. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Havendo nos autos suficientes indícios de que o recorrente – bombeiro militar atuante como guarda-vidas na praia de Copacabana – deixou de prestar socorro a banhista que estava se afogando, provocando, com sua omissão, a morte da vítima, é de se manter a pronúncia, tal como posta pelo juízo a quo, a fim de que o réu seja julgado pelo Júri, juiz natural da causa. 2. Recurso desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do recurso em sentido estrito n.º 0033924-82.2009.8.19.0001, em que é recorrente CARLOS CHERMAN TEIXEIRA DE JESUS, sendo recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em conhecer do recurso e NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 2011. JOSÉ AUGUSTO DE ARAUJO NETO Desembargador Relator Assinado por JOSE AUGUSTO DE ARAUJO NETO:000029837 Data: 31/05/2011 19:10:08. Local: GAB. DES JOSE AUGUSTO DE ARAUJO NETO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0033924-82.2009.8.19.0001 RECORRENTE: CARLOS CHERMAN TEIXEIRA DE JESUS RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO RELATOR: DES. JOSÉ AUGUSTO DE ARAUJO NETO RELATÓRIO Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por CARLOS CHERMAN TEIXEIRA DE JESUS contra a r. decisão de fls. 237/244, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca da Capital (IV Tribunal do Júri), Dr. FÁBIO UCHÔA PINTO DE MIRANDA MONTENEGRO, por intermédio da qual foi o acusado pronunciado pela prática do crime previsto no artigo 121, caput, na forma do art. 13, § 2º, ambos do Código Penal, tendo sido o corréu LAERT DA SILVA JÚNIOR impronunciado. Inconformada, recorreu a defesa técnica às fls. 252, postulando, em suas razões de recurso (fls. 255/262), a reforma da decisão de pronúncia, “no sentido de ser o ora Recorrente IMPRONUNCIADO, com fulcro no artigo 414, caput do Código de Processo Penal” (fls. 262), à alegação de “TOTAL AUSÊNCIA de indícios suficientes de qualquer contribuição do ora recorrente para o resultado a ele imputado” (fls. 261). Alega, também, que o recorrente “em momento algum negou-se a socorrer a vítima”, eis que, “quando foi acionado por populares, a vítima já tinha sido retirada do mar, encontrando-se na areia e recebendo os primeiros socorros prestados pelos guarda-vidas que lá já se encontravam” (fls. 258). Afirma, a seguir, ainda às fls. 258, que “os relatos dos informantes Leandro Sant’ana de Jesus (amigo da vítima) e Andreza (irmã da vítima)” devem ser “analisados com toda reserva, dada a relação de ambos com o fato e a vítima” (fls. 259). Assevera, ao depois, que, “tendo o titular privativo da ação penal pública e incondicionada apresentado manifestação no sentido da 2 impronúncia do recorrente, não deveria (...) o magistrado fazer as vezes de órgão acusador e pronunciar o recorrente”, porquanto “o próprio dominis litis já reconheceu, em sede de alegações finais, que ‘não há indícios sérios de que os acusados tenham negado socorro à vítima’” (fls. 262). O Ministério Público de primeiro grau apresentou contrarrazões às fls. 264/267, pugnando pelo provimento do recurso, por entender que “a prova colhida em juízo descaracterizou a imputação, tal qual vertida na denúncia, pois os indícios da negativa de socorro ficaram insuficientes” (fls. 266). O douto magistrado, na oportunidade do exercício do juízo de retratação, manteve a decisão impugnada (fls. 270), vindo os autos a este Tribunal de Justiça para a apreciação do recurso. A Procuradoria de Justiça, pela pena da ilustrada Dra. KÁTIA AGUIAR MARQUES SELLES PORTO, exarou parecer, às fls. 275/277, opinando “no sentido do NÃO PROVIMENTO do recurso interposto”. VOTO Em que pesem os argumentos expendidos nas razões recursais, força é convir que a pretensão defensiva não merece acolhimento. Isso porque, como é de notório conhecimento, a sentença de pronúncia encerra um juízo de admissibilidade da acusação, eis que vige, nessa fase processual, o princípio in dubio pro societate. Para a pronúncia, como é elementar, bastam a prova da materialidade do delito e a existência de indícios suficientes da autoria, o mesmo ocorrendo em relação ao elemento subjetivo do tipo e a eventuais qualificadoras. In casu, tais requisitos encontram-se perfeitamente preenchidos. A materialidade do crime em questão é indiscutível, eis que positivada pelo auto de exame cadavérico acostado às fls. 38/40. Por outro lado, a autoria se faz presente, porquanto há suficientes indícios de que o recorrente – bombeiro militar que atuava como salva-vidas –, no dia 16 de outubro de 2005, por volta das 17:00 horas, na Praia de Copacabana, em frente ao Posto 5, nesta cidade, ao ser 3 alertado por banhistas de que ALEX SANDRO DA CONCEIÇÃO estava se afogando, se recusou a socorrê-lo, afirmando que estava fora da sua área de serviço, tendo a omissão do acusado, que tinha a obrigação de prestar socorro aos banhistas, causado a morte da vítima. Nesse sentido é a prova oral, merecendo realce as declarações prestadas pelas testemunhas LEANDRO SANT’ANA DE JESUS (fls. 220/221) e ANDREZA DA CONCEIÇÃO PEREIRA (fls. 222/224). Sob o crivo do contraditório, a testemunha LEANDRO asseverou que, no dia dos fatos, “estava na praia em companhia da vítima conversando com duas garotas”, e “tinham bebido”, após o que “a vítima chamou o depoente para ir até a água, mas o depoente preferiu ficar conversando com as meninas” (fls. 220). Afirmou, a seguir, que “uma das irmãs da vítima, uma criança, Alessandra, a certa altura alertou o depoente que Alex estava se afogando”, e “o depoente, então, entrou na água”, ocasião em que “um banhista até achou que fosse o depoente quem estivesse se afogando”, porém “o depoente disse que não e apontou para a vítima”, e, ato contínuo, “o rapaz foi em socorro da vítima” (idem). Esclareceu, em sequência, que “saiu da água e chamou um salva-vidas que estava ali perto, que vem a ser o acusado Cherman, dizendo que seu amigo estava se afogando”, oportunidade em que “este acusado disse que não podia fazer nada, porque não estava no posto dele”, razão por que “o depoente saiu correndo pela areia, em busca de socorro” (fls. 220, sem grifos no original). Relatou, após, que, estavam voltando da caminhada”, acontecendo para elas, sendo que, ‘uma porção de guarda-vidas’”, após a vítima” (fls. 220). nesse ínterim, “Patrícia e Andreza já e “o depoente narrou o que estava quando chegaram no local, já havia o que “chegou a ambulância e levaram Aduziu, ainda, que “houve um princípio de ‘linchamento’ dos banhistas com relação ao acusado Cherman” (idem), sendo que “o depoente não viu se o acusado Cherman chegou a discutir com alguém” (fls. 220/221). Acrescentou, também, que, “quando o depoente estava saindo da água, o tal banhista já estava saindo com a vítima”, ocasião em que “o depoente foi falar com o acusado Cherman”, ressaltando a testemunha que, no dia, “o mar não estava calmo” (fls. 221). 4 Revelou, por fim, que, “quando o depoente voltou com Patrícia e Andreza, os guarda-vidas que se encontravam no local já estavam fazendo os primeiros socorros”, quais sejam, “massagem cardíaca e boca-aboca”, porém “no momento em que a vítima estava sendo socorrida por guarda-vidas, o acusado Cherman lá não se encontrava” (fls. 221, sem grifos no original). Também ouvida em juízo, ANDREZA, irmã da vítima, afirmou que “foi para a praia em companhia da vítima, o colega Leandro e Patrícia, irmã deste último, (...) Alessandra e Regilene, irmãs da declarante”, sendo que “chegaram na praia por volta de uma e meia”, ocasião em que “a vítima e Leandro conheceram duas meninas, Cíntia e Daniela”, e, “enquanto Alessandra e Regilene ficaram brincando na areia, a declarante e Patrícia foram fazer uma caminhada por volta das 15:40 horas, 16:00 horas” (fls. 222). Asseverou, a seguir, que, “quando voltavam, Cíntia e Daniele vieram correndo em sua direção, dizendo que Alex tinha se afogado, sendo que a declarante pode ver um banhista e Leandro tirando seu irmão da água”, oportunidade em que “o acusado Cherman já estava no local” e “se negou a prestar os primeiros socorros e até agrediu a declarante verbalmente e a ameaçou” (fls. 222, sem grifos no original). Esclareceu, ainda, que “a declarante interpelou o (...) acusado, perguntando por que ele não prestou socorro ao irmão dela”, e “este ainda disse ‘ta maluca, por me perguntar isso’”, e, em seguida, “disse que não estava no posto de serviço dele”, e que “ela não sabia com quem ela estava mexendo, porque ele morava no Chapéu Mangueira” (idem), após o que “foi em direção a ela, sendo que apareceu Laert, pedindo calma” (fls. 222/223, sem grifos no original). Narrou, em sequência, que “todos queriam linchar o (...) acusado”, ressaltando que “meia hora depois do afogamento é que chegou a ambulância de bombeiros, mas a vítima já se encontrava morta” (fls. 223, sem grifos no original). Aduziu, após, que “Leandro, Daniele e Cíntia disseram para a declarante que assim que a vítima estava se afogando, é que chamaram pelo (...) acusado”, sendo que, “para a declarante, a princípio, o acusado Cherman teria pensado que não se tratava de um fato muito grave”, acrescentando que “o acusado Laert apareceu depois que o irmão da declarante já tinha sido retirado de dentro da água” (idem). Relatou, também, que “a vítima sabia nadar”, sendo que “o mar não estava muito agitado, mas também não estava tão calmo”, 5 realçando que “era um domingo”, e “neste dia teve bastante afogamento”, pois “o tempo estava começando a mudar” (sic, fls. 223). Revelou, ainda, que “neste dia tinham dois bombeiros treinando crianças na praia, próximo aonde se deu o afogamento”, sendo que “não sabe dizer por que não chamaram estes dois bombeiros (...) para socorrer o seu irmão”, observando que “só fizeram os primeiros socorros depois que a ambulância dos bombeiros chegou”, e “não deixaram a declarante fazer os procedimentos dos primeiros socorros” (idem). Logo, não há como se reconhecer, no âmbito deste recurso, a alegada negativa dos fatos por parte do acusado, até porque, em decorrência de preceito constitucional, a apreciação aprofundada da prova compete ao Tribunal do Júri, por ser este o juiz natural da causa, e não à Justiça Togada, como infundadamente almeja o recorrente. Portanto, diante dos elementos probatórios constantes dos autos, imperioso é reconhecer que correta se mostra a pronúncia, que se encontra perfeitamente fundamentada, não merecendo a reforma pretendida pela defesa técnica. Assim, imperioso é concluir que a decisão impugnada não está a merecer reparo. Sob esses fundamentos, conheço do recurso e NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo, na íntegra, a r. sentença recorrida. Rio de Janeiro, 30 de maio de 2011 (julg. em 18/01/11). JOSÉ AUGUSTO DE ARAUJO NETO Desembargador Relator 6