O filme Daens: um grito de justiça demonstra de maneira crítica e emocionante a deplorável
condição de vida e trabalho da população de Aalst, uma pequena cidade da Bélgica. A história decorre
durante a última década do século XIX enfatizando o contexto sociopolítico socioeconômico desse período
que é marcado pela Revolução Industrial. Neste marco da história mundial o capitalismo industrial já se
consolidara como modo de produção vigente na ordem social e continuava a sua marcha expansionista
explorando de forma cada vez mais intensa a força de trabalho dos operários. Os operários de uma
indústria têxtil da cidade de Aalst viviam em condições subumanas, suas residências não possuíam nem
um tipo de saneamento básico, além de não possuírem uma estrutura física adequada para sobreviverem
com dignidade.
Os capitalistas industriais, por outro lado, desfrutavam suntuosidade a custa da exploração da mão
de obra dos operários assalariados que eram intensamente explorados dentro das unidades fabris durante
o processo de produção. Seus salários eram reduzidos por conta da ambição exacerbada dos capitalistas
que eram movidos pelo ardente desejo de acumular cada vez mais riqueza através da obtenção de lucros,
para isso, portanto, reduziam a valores abaixo da média os salários dos operários. A jornada de trabalho
chegava, não raras vezes, há 16 horas diárias, o que debilitava o estado de saúde dos trabalhadores. Não
satisfeitos com os lucros que recebiam mediante a implementação da mais valia absoluta, os capitalistas
passaram a introduzir a mão de obra de mulheres e crianças ao processo produtivo, já que era uma forma
inovadora de lucrar, pois tais forças produtivas aumentavam os lucros capitalistas, uma vez que eram mal
remuneradas. Mulheres eram frequentemente abusadas sexualmente pelos capatazes e pelos próprios
homens companheiros de trabalho. Jovens e crianças constantemente se acidentavam ao manusear as
máquinas, pois não tinham as mesmas habilidades dos adultos. Muitos acidentes eram fatais, o que
aumentava significativamente os níveis de mortalidade nas unidades de produção.
O padre Adolf Daens começa a criticar as relações sociais de produção capitalistas através da
publicação de artigos nos jornais católicos. Adquiriu, desta forma, admiráveis amigos e indesejáveis
inimigos. Passou a ser perseguido pelos industriais que o viam como uma ameaça ao sistema por eles
instaurado na ordem social. Além disso, também foi alertado pela a Igreja Católica sobre suas atitudes
que, segundo os cardeais, estavam causando um caos social.
O povo passou a apoiá-lo com unhas e dentes como se ele fosse o messias tanto esperado para
salvá-lo das garras do capitalismo. Foi eleito pelo povo de Aalst o primeiro deputado do Parlamento a
representar as causas da classe trabalhadora.
A morte de uma criança na fábrica foi o estopim para a mobilização e organização dos trabalhadores
que lutavam com afinco a favor da instauração de uma nova ordem social em que não houvesse divisão
de classes, exploração do trabalho e acumulação da riqueza em consequência da generalização da
pobreza.
O padre Daens foi duramente reprimido pela Igreja Católica que o acusava de incitar a violência
entre as classes sociais. Mas, fica a indagação que não quer calar: existe violência maior do que a
cometida pelos capitalistas contra os operários? Como se pode notar no filme, o trabalho de crianças,
mulheres, homens e jovens era rigidamente vigiado e controlado. Crianças morriam de fome e frio, pois
não possuíam o mesmo conforto da elite, ou melhor, não possuíam ao mínimo uma casa com condições
favoráveis para se viver. Aliás, famílias inteiras morriam de fome e inanição por não possuírem condições
financeiras o suficiente para suprir sequer suas necessidades básicas humanas. Será que isso não é
considerado pela Igreja Católica violência contra a raça humana? Todas as atrocidades que o sistema
capitalista cometeu e ainda continua cometendo contra a classe trabalhadora a ele submetida, são os
piores crimes já praticados contra a espécie humana durante toda a história da humanidade. Ao invés de
agir a favor dos operários a Igreja Católica se alia a classe dominante, ou seja, a burguesia visando
combater o socialismo - que defendia o estabelecimento de uma sociedade sem classes, sem exploração
de uns sobre outros e onde a riqueza socialmente produzida pertença a todos – e, sobretudo, manter seu
domínio enquanto religião ideologicamente hegemônica. A doutrina social da Igreja foi amplamente
difundida através da encíclica papal Rerum Novarum, a qual pregava a harmonia entre as classes
fundamentais do modo de produção capitalista: burguesia, dominante, e operária, dominada. Defendia,
além disso, a propriedade privada de bens, afinal possuía grandes latifúndios desde o feudalismo e
visualizava a reforma social como uma ameaça ao seu poderio e controle social sobre as massas.
Autor: Marcondes Torres.
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um grito de Justiça