PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO A MANIFESTAÇÃO DA UMBANDA NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE: da tradição à contemporaneidade. Anderson Marinho Maia BELO HORIZONTE 2011 ANDERSON MARINHO MAIA A MANIFESTAÇÃO DA UMBANDA NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE: da tradição à contemporaneidade. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação (Strito-Sensu) em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião. Orientador: Prof. Dr. Amauri Carlos Ferreira BELO HORIZONTE 2011 Anderson Marinho Maia A MANIFESTAÇÃO DA UMBANDA NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE: da tradição à contemporaneidade Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Strictu Sensu em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião ______________________________________________________ Dr. Alexandre Antônio Cardoso – UFMG ______________________________________________________ Dr. Amauri Carlos Ferreira – PUC Minas (Orientador) ______________________________________________________ Dr. Mauro Passos – PUC Minas ______________________________________________________ Dr. Rodrigo Coppe Caldeira – PUC Minas (Suplente) Belo Horizonte, 29 de março de 2011. À Soraia Belton e Ana Beatriz pelo carinho e apoio constantes AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Professor Dr. Amauri Carlos Ferreira pelas colocações sábias nos momentos certos. Ao professor Dr. Mauro Passos pelas importantes contribuições na qualificação. Ao Professor Dr. Pedro Ribeiro pelas profundas aulas de Sociologia da Religião. Aos amigos e colegas da FACISABH, em especial a Professora Helenice Silene que, com profunda sensibilidade, me ajudou a tornar realidade alguns de meus sonhos mais caros. Aos meus alunos que me ensinam a arte do viver e do conviver, como é prazeroso estar com vocês! A Soraia Belton, minha esposa e Ana Beatriz, minha filhinha, pela paciência, apoio e sensibilidade que tiveram nestes dois anos de mestrado. São pessoas que sei que posso contar sempre. Aos dirigentes, pais e mães-de-santo que com atenção e carinho me receberam sempre de braços abertos: À Mãe Teresa de Oxum com seus casos profundos e divertidos, quantas risadas! À Dona Leonor com a sabedoria de matrona: simples e clara, como os lírios do campo. A Anamir e Míriam, exemplos de luta e garra, como é bom saber que existem pessoas como vocês duas. Ao Ubirajara, Marcos e Dona Iara pela disposição em servir sempre e com a preocupação de sempre fazer certo. À Mãe Andréia pela sua coragem e sensibilidade silenciosa e ao Pai Gil pela sua imensa e infinita doação. A todos aqueles que no anonimato torceram por mim ou no anonimato da minha possível ingratidão/esquecimento não foram aqui lembrados e, ainda assim, torcem por mim. Muito Obrigado a todos vocês! Negro Raul Bopp Pesa em teu sangue a voz de ignoradas origens. As florestas guardaram na sombra o segredo da tua história. A tua primeira inscrição em baixo-relevo foi uma chicotada no lombo. Um dia atiraram-te no bojo de um navio negreiro e durante noites longas e longas vieste ouvindo o barulho do mar como um soluço dentro do porão soturno. O mar era um irmão da tua raça. Um dia, de madrugada, uma nesga de praia e um porto, armazéns com deposito de escravos e o gemido dos teus irmãos amarrados numa cadeia de ferro. Principiou aí a tua história. O resto, o Congo longínquo, as palmeiras e o mar, ficou se queixando no bojo do urucungo. (Urucungo) LISTA DE SIGLAS CBPC – Centro Beneficente Pai Caetano TUPJA – Tenda de Umbanda Pai Joaquim de Angola CEACDL – Centro Espírita A Caminho da Luz TUEDLUZ – Tenda de Umbanda Esotérica Divina Luz RESUMO A presente dissertação teve como recorte metodológico demonstrar a manifestação da Umbanda na região metropolitana de Belo Horizonte (sobretudo regional Noroeste de Belo Horizonte e regional Ressaca e Sede de Contagem) e sua manifestação no espaço público (festas de Iemanjá e do Preto Velho) e privado (terreiros/tendas/centros) refletindo o sincretismo da Umbanda, bem como, sua rica capacidade plástica em adaptar-se e ao mesmo tempo manter-se como identidade mágico-religiosa. Através da pesquisa de campo e do uso da História Oral, pesquisou-se quatro templos: um terreiro de Umbanda com características ideológicas do Candomblé; uma Tenda de Umbanda que acredita ter características ideológicas „bem umbandistas‟; um centro de Umbanda com características ideológicas do kardecismo e, por último, uma Tenda com características ideológicas do esoterismo. A partir dessa pesquisa é possível ressaltar que a Umbanda possui a capacidade de assimilar, decodificar e incorporar símbolos de outras religiões e de outros segmentos espiritualistas e, também, de alguma forma ela é capaz de manter-se com identificações próprias. Os dados pesquisados fomentam a reflexão dessa característica – desde sua origem até a atualidade/contemporaneidade. Por conseguinte, pode-se afirmar que a Umbanda, dentro desse hibridismo, possui e mantém sua capacidade tradicional: a assimilação e a re-adaptação constante de outras crenças. Essa dissertação, portanto, analisa a cultura, os costumes e a identidade da Umbanda em suas semelhanças/diferenças e permanências/rupturas dentro de uma análise histórica e interdisciplinar. Deste modo, como estruturação teórica para o desenvolvimento deste trabalho buscou-se o olhar histórico sob a perspectiva sociológica e antropológica. Ao se entrelaçar o passado e o presente do culto de Umbanda, usaram-se como marco teórico as visões gerais dos clássicos do culto afrobrasileiro (Arthur Ramos e Roger Bastide), bem como as análises de estudiosos mais recentes sobre a Umbanda. No geral, esse trabalho, contextualizou as características micro e macro da Umbanda, contextualização esta capaz de refletir, sob a perspectiva da crença, a própria cultura e identidade brasileiras. Palavras chaves: Umbanda. Manifestação. Cultura. Sincretismo. ABSTRACT The present work had its the methodological approach to demonstrate an manifestation of Umbanda in the metropolitan area of Belo Horizonte (mainly regional northwest of Belo Horizonte and Ressaca and Contagem regions) and its manifestation in public (Iemanjá and Preto Velho feasts) and in private (yards / tents / centers) reflecting the syncretism of Umbanda, as well as its rich plastic capacity to adapt and yet remain as a magical-religious identity. Through field research and the use of oral history, four temples were considered: an Umbanda yard with ideological features of Candomblé, an Umbanda tent which considered itself as having ideological characteristics; an Umbanda center with ideological features of Kardec‟s spiritualism and, finally, a tent with ideological characteristics of esotericism. From this research it is possible to emphasize that Umbanda has the ability to assimilate, incorporate and decode symbols of other religions and other spiritual segments and also it is able somehow to keep up with its own identifications. The data surveyed stimulate reflection of this characteristic - from its origins until the present time. Therefore one can affirm that Umbanda, within this hybridity, owns and maintains its traditional capacitiy: the assimilation and the readaptation of other faiths. This thesis therefore examines the culture, customs and identity of Umbanda in its traditions/similarities and breaks/differences within a historical and interdisciplinary analysis. Thus, as theoretic framework for the development of this work, the historical look under the sociological and anthropological perspective was sought. In interweaving the past and present cult of Umbanda, it was used, as a theoretical framework, the overview of the classics of African-Brazilian studies by Arthur Ramos and Roger Bastide, as well as the latest analysis from scholars about Umbanda. Overall, this work, contextualized the characteristics of the micro and macro Umbanda, which, in turn, was capable of reflecting, in terms of belief, the Brazilian culture and identity. Keywords: Umbanda. Manifestation. Culture. Syncretism. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 10 2 2.1 2.2 2.3 2.4 A FORMAÇAO DA UMBANDA....................................................................... Permanências e rupturas: o velho legado sobre o novo.................................... A herança antropológica e sócio-histórica.......................................................... Origens da Umbanda segundo Arthur Ramos................................................... Roger Bastide e as ciências sociais e humanas: estudos das religiões afrobrasileiras.............................................................................................................. O surgimento da Umbanda segundo Roger Bastide............................................ 17 17 22 29 2.4.1 2.4.2 3 3.1 3.2 3.2.1 Umbanda: depuração e valorização................................................................................ A MANIFESTAÇÃO DA UMBANDA: Passado e presente............................ Cultus como expressão do passado: Influência religiosa afro-brasileira no Brasil e em Minas Gerais. ................................................................................... Culto como expressão do presente: A manifestação da Umbanda em Belo Horizonte............................................................................................................... Culto: Os terreiros/templos/centros de Umbanda na região metropolitana de Belo Horizonte....................................................................................................... 34 46 50 52 52 60 73 4 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 4.5.1 4.5.2 4.5.2.1 4.5.2.2 4.5.2.3 4.5.2.4 4.6 A UMBANDA E SEUS ASPECTOS HÍBRIDOS.............................................. 81 Catolicismo e Umbanda....................................................................................... 84 Candomblé e Umbanda................................................................................................... 88 Kardecismo e Umbanda................................................................................................... 90 Quimbanda e Umbanda....................................................................................... 93 Umbanda e contemporaneidade.......................................................................... 97 A(s) Umbanda(s) pesquisada(s): Unidade na diversidade................................... 102 A história singular de cada um na formação da história da Umbanda.............. 104 Centro Beneficente Pai Caetano.......................................................................... 104 Tenda de Umbanda Pai Joaquim de Angola...................................................... 108 Centro Espírita a Caminho da Luz..................................................................... 113 TUEDLUZ – Tenda de Umbanda Esotérica Divina Luz.................................. 117 Semelhanças e diferenças..................................................................................... 123 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 130 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 136 APÊNDICE........................................................................................................... 140 10 1 INTRODUÇÃO A experiência religiosa, embora subjetiva, repercute na vida social motivada por atitudes e comportamentos inscritos na esfera do sagrado. Freqüentemente, quem faz uma experiência religiosa acaba por compartilhar essa experiência com outras pessoas. Esse compartilhar de experiências religiosas se torna um fato religioso e, esse fato religioso, torna-se uma institucionalização da religião através da externalização, internalização e objetivação, tal qual fala Peter Berger (1985), em um processo constante e gradativo rumo a essa institucionalização. Essa base da institucionalização da religião também se faz presente na Umbanda. Embora a mesma possua forte carga mágico-religiosa, por vezes, sua institucionalização pode ser considerada volátil por apresentar algumas características diferenciadas em cada templo. (NEGRÃO, 1996). Geralmente, o culto de umbanda é considerado uma expressão fortemente popular e sua manifestação do sagrado instaura-se no limiar com o profano (ELIADE, 2008). Sendo assim, na contemporaneidade, o sagrado e o profano devem ser identificados, neste caso, nas raízes históricas do culto de umbanda, vinculados às permanências/semelhanças e rupturas/diferenças de seus costumes. Muito se tem estudado e pesquisado em várias áreas do conhecimento humano acerca dos aspectos relacionados à religiosidade, sobretudo na interpretação da noção de curtas, médias e longas durações: rupturas e permanências no comportamento do homem em seu recorte espaço-temporal (BRAUDEL1 apud BAIRON, 2002). Deste modo, é importante, pois, perceber que as permanências e rupturas do sagrado na Umbanda, estão ligadas também a determinados aspectos, mais complexos, relacionados aos fatores antropológicos, históricos, sociológicos e até psicológicos. (BAIRON, 2002). O presente trabalho é uma proposta de estudo que visa discutir os aspectos contemporâneos do referido culto, relacionando-o à sua herança histórica e cultural como manifestação da religiosidade e da cultura brasileira. Deste modo, faz-se uma análise desse tipo de fenômeno religioso, bem como de sua interação com o social e as 1 BRAUDEL, F. Historie et sciences sociales: la longa durée. Annales, n.4. 725-753, out./dez.1958. 11 variáveis formas (semelhanças e diferenças) dessa expressão religiosa (os templos de umbanda), sobretudo, pesquisar esse culto religioso de forma científica e, portanto, vinculado às complexidades da sociedade atual. Por isso, o tema está direcionado à religião afro-brasileira: a Umbanda e seus costumes das tradições à contemporaneidade. Em linhas gerais, pretende-se, então, discutir o tema do sagrado nas semelhanças (o que se mantém e provavelmente não se perderá na expressão da religião afro) e nas diferenças (o que se perdeu e o que tende a se transformar na expressão da religião afro) relacionadas à prática do culto de umbanda. A abordagem da pesquisa, portanto, inscreveu-se nesse patamar no qual os arcabouços teóricos levam em conta essas considerações. Fez-se necessário, portanto, entender as influências desses vários aspectos na constante dialética da cultura, da identidade e dos costumes da Umbanda, procurando decodificar este universo mágico-religioso. Delimitado o tema, a pesquisa tem como título: “A Umbanda e sua manifestação na região metropolitana de Belo Horizonte: da tradição à contemporaneidade.” Nesse “recorte”, a proposta foi pesquisar a manifestação religiosa da Umbanda, especialmente templos/ terreiros/tendas da regional Noroeste de Belo Horizonte e da regional Ressaca e Sede de Contagem. Essa dissertação tem como objetivo geral: identificar a(s) cultura(s), a(s) identidade(s) e os costumes da Umbanda; e têm como objetivos específicos: pontuar historicamente as principais influências culturais/religiosas que contribuíram para a formação da Umbanda e verificar as semelhanças e diferenças dessa religião, na atualidade, tendo como objeto de análise quatro templos de Umbanda da região de Belo Horizonte e Contagem. Na perspectiva epistemológica dessa dissertação, a proposta é tentar responder ao(s) seguinte(s) problema(s): Qual (is) a(s) principal (is) característica(s) desta religião (Umbanda)? Quais são as principais especificidades da Umbanda (semelhanças e diferenças) nos terreiros/tendas/centros pesquisados na região metropolitana de Belo Horizonte? Nesse trabalho, a hipótese diz respeito à afirmação de que a principal característica da Umbanda, desde seu surgimento, é a sua capacidade fundamental em assimilar, decodificar e incorporar símbolos de outras religiões e de outros seguimentos espiritualistas. Isto é, embora a Umbanda seja considerada híbrida, por outro lado, a mesma possui característica(s) que a mantém como tal. Ao longo da história da 12 Umbanda, portanto, muitos adeptos conseguiram e conseguem manter suas tradições, mas também muito se perdeu dessas tradições umbandistas. O desenvolvimento metodológico/teórico desta dissertação, se fez com leituras de fontes bibliográficas, a fim de aprimorar o processo que resulta no ato de conhecer melhor sobre o assunto proposto: formação, principais características e os costumes da Umbanda. Para tanto, ao longo do desenvolvimento da dissertação, foi fundamental ler e aprofundar nos autores e nas obras que foram utilizados nessa pesquisa, tais como: Arthur Ramos, Roger Bastide, Lísias Nogueira Negrão, Brumana e Martínez, bem como a tese de doutorado de Alexandre Antônio Cardoso que abriu perspectivas teóricas e metodológicas para essa pesquisa. Através dessas leituras/pesquisas procurou-se identificar importantes fatores histórico-psicossociais que se apresentam no universo relacional da Umbanda. O estudo de conceitos e idéias das ciências sociais e humanas (história, sociologia e antropologia) também se fizeram necessários e auxiliaram, de forma interdisciplinar, na formação teórica do tema proposto (Umbanda). Tal estudo foi direcionado para os liames da formação dos costumes e da identidade cultural religiosa do Brasil, sobretudo dos cultos de umbanda. Contudo, embora essas ciências auxiliaram no desenvolvimento desta pesquisa, o principal alicerce dessa dissertação se deu no campo da ciência histórica. O desenvolvimento metodológico/prático dessa dissertação, consistiu em visitar quatro templos de Umbanda localizados na regional Noroeste de Belo Horizonte e nas regionais Ressaca e Sede de Contagem, utilizando o estudo de campo, a História Oral (MEIHY, 2005; MEIHY e HOLANDA, 2007), a pesquisa qualitativa: exploratória e descritiva (GIL, 2009); sendo estes instrumentos-ferramentas importantes na qualidade empírica e racional para a conclusão científica da pesquisa buscando informações recorrentes no âmbito micro/particular (região de Belo Horizonte e Contagem) capaz de refletir no âmbito macro/geral a cerca dos cultos afro-brasileiros (Umbanda). Por isso, no âmbito micro/particular se tornou importante apropriar-se do método da História Oral e do estudo de campo, entrevistando e observando quatro templos de umbanda. (vide Apêndice A). Em cada templo pesquisado foram feitos em média três (3) entrevistas com duração de uma hora e meia para cada entrevista. Procurou-se preservar o máximo 13 possível a fala dos entrevistados, introduzindo um mínimo de alterações no intuito de manter o sentido da linguagem oral na escrita. Também foram feitas visitas in loco em todos os quatro templos (objetos de pesquisa dessa dissertação). A importância de pesquisar esses quatro terreiros/tendas/centros está relacionada às especificidades estrutural e ideológica de cada um deles, visto que: um deles está mais próximo dos costumes ideológicos do Candomblé (Comunidade Espírita Beneficente Pai Caetano), outro com bases ideológicas “bem umbandistas” (Tenda Espírita Pai Joaquim de Angola), outro com costumes ideológicos do Kardecismo (Centro Espírita a Caminho da Luz) e o último com costumes ideológicos da denominada Umbanda Esotérica (TUEDLUZ -Tenda de Umbanda Esotérica Divina Luz). A proposta apresentada acima, qualifica essa pesquisa como inovadora no campo das Ciências da Religião por dois motivos em especial. O primeiro motivo inovador se dá devido à existência de poucas pesquisas sobre Umbanda em Minas Gerais/Belo Horizonte. O segundo e, talvez, o mais importante se dá devido à tentativa de estabelecer esses „quatro costumes ideológicos‟ que pontuam quatro tendências diferenciadas no transitar da manifestação da Umbanda. Sendo assim, ao estudarmos a origem da Umbanda, é necessário pesquisarmos sua herança cultural nas matrizes africana, indígena e européia, bem como, a influência do Candomblé, de alguns rituais indígenas, do Catolicismo, do kardecismo e do Esoterismo sobre a manifestação da mesma. Outro aspecto importante relacionado à pesquisa de campo é a possibilidade de perceber os modos como a Umbanda é vista sob a percepção de seus adeptos umbandistas: no que diz respeito aos seus rituais, orixás, entidades, possessões, etc. Deste modo, torna-se evidente que é fundamental visitar os locais a fim de enriquecer o trabalho proposto. A pesquisa pretende também registrar o papel e a importância das comunidades religiosas umbandistas visitadas na formação do seu grupo social. Para isso, é importante levar em consideração como elas se encontram na atualidade, bem como a herança histórico-cultural e a identidade desses templos de umbanda, reconhecendo aí a capacidade simbólica e dialética dessa religião. Não existe uma definição clara do surgimento da Umbanda, muitos estudiosos apontam que a mesma nasceu das antigas macumbas (hoje, visto como termo 14 pejorativo). Visando analisar historicamente como a Umbanda se fez presente na sociedade brasileira é preciso buscar sua “participação” no cenário nacional, desde a formação do Brasil colônia até o processo de urbanização, perpassando ainda até os dias de hoje. Portanto, vale destacar que a Umbanda mostra-se de fato uma religião tipicamente brasileira e, como a própria formação brasileira, apresenta-se como uma área de difícil sistematização. Segundo Camargo (1961), existe um “continuum” religioso na Umbanda que transita entre a herança cultural religiosa negra e a herança cultural religiosa branca. Já na visão de Ortiz (1991) 2 citado por Negrão (1996, p. 22) “processos de moralização e racionalização significam a inelutável perda de seus conteúdos negros e mágicos, substituídos por práticas rituais e conteúdos ético-doutrinários brancos cristãos”. Por isso, Ortiz (1991) prefere substituir o termo “continuum” de Camargo (1961) utilizando os termos: “mais ocidentalizado” (branco) e “menos ocidentalizado” (negro). Para Negrão (1996), o campo religioso umbandista e suas tensas relações não esgotam sua dinâmica no processo unidirecional moralizador e racionalizador de base weberiana tal como demonstrado por Ortiz. Através de uma nova síntese entre os valores dominantes da religiosidade de classe média, primeiramente católicos e posteriormente kardecista, se abriram às formas populares afro-brasileiras, depurando-as em nome de uma mediação que, no plano do cosmo religioso, representou a convivência das três raças brasileiras. No plano mítico a Umbanda como religião que se quer brasileira e nacional, patrocinou a integração de todas as categorias sociais, principalmente as categorias sociais „desclassificadas‟. (SILVA, 2005). Contudo, se no campo simbólico a Umbanda representa a mediação e a convivência das três raças brasileiras, ainda hoje se mantém marginalizada no campo histórico e social da sociedade brasileira. A relevância desta dissertação tanto pessoal como social é trazer à superfície do conhecimento à importância da identidade do brasileiro, bem como o reflexo dessa identidade nos templos de umbanda da região metropolitana de Belo Horizonte, elaborando uma geografia histórica, sociológica e etnográfica da manifestação dessa 2 ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro: umbanda e sociedade brasileira. São Paulo: brasiliense, 1991. 15 religião no espaço versus tempo em que vivemos. Espaço e tempo revisitados pela memória. Por isso em um esboço dos capítulos dessa dissertação, temos: O capítulo 2: “A formação da Umbanda”, pretende explicar a formação da Umbanda origem, povos e/ou culturas influentes, bem como, „traçar‟ um histórico dessa religião, re-apresentando alguns clássicos estudiosos do culto afro-brasileiro: Arthur Ramos e Roger Bastide. Enfatizando principalmente Bastide e sua análise das ciências sociais para a formação de estudos da religiosidade afro-brasileira até o surgimento da Umbanda. O capítulo 3 “A manifestação da Umbanda passado e presente”, propôs analisar os costumes, a cultura, e a identidade da Umbanda, com isso, apontar a influência afrobrasileira na formação da Umbanda (germinado no período colonial em Minas Gerais) e principalmente entender seu reflexo na região metropolitana de Belo Horizonte (BH, Contagem) como um campo religioso que reflete a própria cultura e identidade brasileira na atualidade. Além de demonstrar as influências da urbanização sobre os cultos de umbanda e, também o que e como ocorre às festas públicas da Umbanda em Belo Horizonte. O capítulo 4 “Umbanda e seus aspectos híbridos”, visa demonstrar e relacionar a Umbanda sob a influência de outras religiões, doutrinas ou crenças. Como é o sincretismo na Umbanda? Como se apresenta esse sincretismo? Quais as influências do catolicismo na formação da Umbanda? Quais as influências do Candomblé na formação da Umbanda? Quais as influências do Kardecismo na formação da Umbanda? Qual relação existente entre Umbanda e Quimbanda? Além disso, o presente capítulo, apresenta e analisa os aspectos da pesquisa que foi feita nos (4) quatro templos/terreiros/tendas umbandistas na região metropolitana de Belo Horizonte (Regional Noroeste de BH e Regional Ressaca e Sede de Contagem). Através da História Oral (memória e formação dos templos) e pesquisa de campo, as entrevistas foram realizadas com o intuito de apontar e sistematizar as semelhanças e diferenças de um templo de Umbanda em relação aos outros e vice-versa. Nesse capítulo discutiu-se o princípio híbrido da Umbanda na busca de compreender as indagações: a formação histórica desses quatro terreiros/tendas/centros: como é esse terreiro de Umbanda com fortes influências do Candomblé? Como é essa tenda de Umbanda que acredita possuir “bases propriamente” umbandista? Como é esse 16 centro de Umbanda com fortes influências do Kardecismo? Como é essa tenda de Umbanda com fortes influências do esoterismo? Quais os aspectos existentes na Umbanda que definem a identidade, a cultura e os costumes do culto brasileiro? Levando-se em consideração toda a estrutura simbólica e as manifestações existentes nos cultos umbandistas, bem como discorrer sobre suas crenças, maneiras e costumes, o último capítulo foi elaborado na tentativa de resgatar e re-significar a memória de cada terreiro/tenda/centro através da História Oral, além disso, em alguns momentos, utilizou-se também citações orais dos entrevistados nos outros dois capítulos anteriores, contextualizando assim as características micro e macro da Umbanda. Parece que a Umbanda se apresenta como uma religião capaz de aceitar valores de aculturação sob várias perspectivas e matizes, bem como mostrar diferentes influências e seguimentos religiosos: ora prevalecendo características do Candomblé, ora do Kardecismo, ora do próprio esoterismo dentro da Umbanda. Portanto, ao falarmos de Umbanda melhor dizer: as várias Umbandas?! 17 2 A FORMAÇAO DA UMBANDA 2.1 Permanências e rupturas: o velho legado sobre o novo O fenômeno religioso é inerente à existência humana. Pensar o sagrado é conceber o indivíduo que tem, na religiosidade, a possibilidade de perpetuar o passado e transformar seu presente. (ELIADE, 2008). O desejo humano de apropriar-se do mundo – a busca das grandes expansões – data da pré-história, onde o “dominar” a natureza, concebido como a formação da cultura, contribui para que os indivíduos relacionem as questões relativas à sua sobrevivência e ao domínio territorial das divindades. Nos ritos e rituais expressos nas oferendas e “ajudas” dos deuses inscreve-se a religiosidade cultural ou a cultura religiosa. (BOSI, 1992). Nesse sentido, falar sobre a religiosidade é também falar da cultura. Ao definir colônia, culto e cultura, Bosi (1992) nos diz que a palavra Colo deriva do latim (colo, is, ui, cultum, ere) onde seu passado é Cultus, seu presente é cultivar (colo/culto) e seu futuro é Culturus. A religião possui símbolos universais que se enquadram nas múltiplas leituras/vivências de qualquer povo, chegando à dominação dos povos e até a fé de dominantes e dominados (BOSI, 1992). É possível, portanto, perceber que há uma interação entre os conceitos, e que, a compreensão deles contribui para a melhor apreensão do próprio objeto de pesquisa. Na perspectiva etimológica, temos: a. No passado (Cultus): cultivar através de séculos, trabalho já incorporado à terra que lavrou (A) Cultus – traz o que significa de memória e condicionamento, ou seja, sujeito e objeto (processo e produto); (B) Cultus, us – culto dos mortos, enterro e solo, sagrado e enraizamento do passado através de símbolos, identidade da comunidade. (BOSI, 1992). b. No presente (Colo, Cultivar e Culto): a religião passa a ser o reavivar e o alimentar o passado, mas também gera a abertura para mudanças lentas através da 18 perpetuação do culto. Então, busca-se o passado ao presente e gera um limiar de fronteiras entre o que permanece e o que pode mudar. (BOSI, 1992). c. No futuro (Culturus): o que se quer cultivar, por vir, movimento em sua direção, a mudança da capacidade do homem, evolução social conceituando cultura em oposição à natureza – dando um sentido na história de progresso técnico e forças produtivas. (BOSI, 1992). A relação entre esses aspectos -cultus, culto e culturus- pode ser melhor compreendida quando percebemos os seguintes pontos: 1º- O presente se torna mola, potencialidade do futuro (sujeitar o homem a um padrão tido como superior) – “O lavrador enquanto labuta, se lavra a si mesmo.” (BOSI, 1992, p. 19). Essa consideração reafirma a importância de conceber o culto em suas dimensões e transcendências provocadas pelas mudanças promovidas através dos tempos. 2º- Aspecto religioso – o culto diz respeito à alteridade das criaturas que transcendem e ultrapassam o ego ao entrar em contato com o sagrado busca a experiência de cultivo ensinado pelos seus antepassados. Ou seja, um “desafio” à morte. “O morto é o silêncio imutável e conjura sua força abrindo círculos de rituais e orações”. (BOSI, 1992, p. 19). A religiosidade, de certo modo, cumpre a “função” de imprimir a existência além da morte na existência dos homens. 3º- A aculturação mistura erudito e popular, traços e estilos em que o homem pobre traz expressões (primitivas, fronteiras, mistas) tanto proibidas como toleradas (existência e identidade) gerando o destino da pessoa e do grupo. A religião é a expressão da memória da herança da humanidade e, mesmo que essas permanências tenham rupturas, o sagrado perpetua-se naquilo que não pode ser mais esquecido. (BOSI, 1992). Essa mistura se traduz no amálgama que compreende o culto afro. Em outras palavras, a construção da Umbanda representa esse processo em que as variedade/multiplicidade constituem a unidade na diversidade. Assim: A possibilidade de enraizar no passado a experiência atual de um grupo se perfaz pelas mediações simbólicas. É o gesto, o canto, a dança, o rito, a oração, a fala que evoca a fala que invoca. No mundo do arcaico tudo isto é fundamentalmente religião, vinculo do presente com o outrora- tornandoagora, laço da comunidade com as forças que criaram em outro tempo e que sustem a sua identidade. (BOSI, 1992, p. 15). 19 Esses elementos evidenciam a diversidade presente na Umbanda – sua herança africana e suas “construções” promovidas nestas terras de „além-mar‟. Ao deduzir-se a noção de religiosidade que veio da África e foi incorporada a outros elementos religiosos existentes no novo mundo, concebe-se a nova identidade que passa a fazer parte da realidade dos cultos afro-brasileiro, sobretudo da Umbanda. Assim: O sobrenatural também tinha lugar entre os batuques. A origem africana das dançarinas criava em torno de alguns tipos de passos por elas executadas uma atmosfera de superstição [...]. O desconhecido era uma margem de luta da qual dispunha a população negra e mulata. Despejados em Minas Gerais e desligados da África, o batismo a que eram submetidos não os purificavam dos rituais fetichistas africanos. Dissociados na colônia de qualquer tipo de poder formal, oprimidos fisicamente por feitores e pelo trabalho penoso, a resistência possível pertencia ao domínio daquilo que, em meios às sucessivas violências da escravidão, ficou preservada na consciência do dominado pelo desconhecimento do dominador. Se as danças, a capoeira, a música expressam essa realidade, a feitiçaria constituiria, a dimensão mais agressiva de tal resistência. Instrumento de poder de difícil repressão nas mãos dos desclassificados em Minas, coube à Igreja combatê-lo, talvez por seu sentido espiritual. (FIGUEIREDO, 1993, p. 178-179). Daí, temos a necessidade de avaliar aspectos culturais, sobretudo aqueles que se remetem à religião afro-brasileira (Umbanda) e suas expressões enquanto cultus (passado), culto (presente) e culturus (futuro), gerando costumes. A necessidade e a vontade de trabalhar a noção dessa religião e sua formação no processo de aculturação que estabelece e cria símbolos na relação entre a cultura dos negros trazidos da África, a cultura dos nativos indígenas da América e da cultura do homem ibérico/europeu, reforça a importância de estudar a Umbanda em seus aspectos relacionados à cultura, à identidade e aos costumes, das tradições à contemporaneidade. Ao estudarmos os cultos afro-brasileiros, Carneiro (1990, p. 285) caracteriza-os como “miniatura da África”, e procura compreendê-los através do conceito de memória coletiva de Halbwachs.3 Dentro desta perspectiva pode-se apreender os mitos e as práticas africanas como processos de reatualização e de revificação que se manifestam no ritual de celebrações religiosas. O Candomblé, a Umbanda, ao definir um espaço 3 Maurice Halbwachs considerado sociólogo e historiador francês que valorizava a memória. Ele afirma que a consciência coletiva e individual desenvolve diversas formas de memória. Situa-se, em Halbwachs, uma notável distinção entre a “memória histórica”, de um lado, que supõe a reconstrução dos dados fornecidos pelo presente da vida social e projetada no passado reinventado; e a “memória coletiva”, de outro, aquela que recompõe magicamente o passado. (CARNEIRO, 1990) 20 social sagrado, o terreiro/templo/centro, possibilita a encarnação da memória coletiva africana em determinados enclaves da sociedade brasileira. (CARNEIRO, 1990). A concepção e a representação material dos orixás iorubanos marcam, segundo Carneiro (1990), uma fase curiosa e importante da revolução religiosa. A concepção dos orixás é francamente politeísta, constituindo uma verdadeira mitologia, ao mesmo tempo em que a sua representação material continua ainda inteiramente fetichista. Em geral, os orixás ou são fenômenos metereológicos divinizados ou provêm de criações eventuais. Muitas vezes eles são representados pelos objetos inanimados: água, pedra, conchas, ferros, chumbo, plantas, frutos, etc., e/ou associados, no entanto, com identidades de imagens católicas. Como exemplo temos: Nossa Senhora sincretizada com Iemanjá, Nosso Senhor do Bomfim com Oxalá, Santa Bárbara com Iansã, São Jerônimo com Xangô, São Jorge com Ogum, São Sebastião com Oxossi, Nossa Senhora da Conceição com Oxum, São Lázaro com Omulu-Obaluaê, São Cosme e São Damião com os Ibejis e assim sucessivamente. O culto da Umbanda também cultua “entidades” de mortos representando arquétipos ou fases da vida: a infância (entidades crianças - erês/ibejis/meninos de angola), a juventude (entidades adultas/caboclos) e a velhice (entidades que representam sabedoria – pretos e pretas velhas), além das coisas materiais e cotidianas (a figura de exu/escora). Essas entidades „convivem‟ no cotidiano do umbandista. A palavra Umbanda, que é derivada de Ki-mbanda, merece um registro especial, pois tomou no Brasil o significado geral da própria religião dos negros do Rio de Janeiro. “Linha de Umbanda”, sempre diziam os negros e mestiços cariocas quando se referem às suas práticas religiosas e mágicas, hoje muito fusionadas com o espiritismo (doutrina fundada pelo francês de pseudônimo Allan Kardec). Segundo Arthur Ramos apud Carneiro (1990), o grão-sacerdote de Angola (pai e mãe de santo), o Quimbanda, passou ao Brasil com os nomes de Quibanda, Quimbanda, Umbanda, embanda, banda (do mesmo radical mbanda), significando ora feiticeiro ou sacerdote, ora lugar de macumba ou o próprio processo ritual. Dispostos todos para a cerimônia, o grão-sacerdote dá início ao culto, pela invocação ao santo protetor. Os filhos de santo ou médiuns são dispostos em duas filas, homem à direita e mulheres à esquerda e vestem se de branco. A reunião, em roda, dos pais e filhos de santo num ato de macumba, a fim de receberem ou cultuarem um santo, chama-se “gira”. Forma a “gira”, o sacerdote canta o “ponto do defumador” para a limpeza do terreiro. [...]. Há muito efeito procurado e consciente. Numa espécie de imitação coletiva, a 21 certa altura dos festejos, os filhos de santo se julgam “possuídos” de velhos espíritos de africanos entre outras “entidades”. As cerimônias terminam como começaram: pela invocação ao santo protetor. O coro canta a Embanda, lança a bênção a todos, com a fórmula católica “Louvado seja Deus”, logo respondida “Para sempre seja Louvado” pela assistência contrita. (RAMOS apud CARNEIRO, 1990, p. 285-286) Os cultos afro-brasileiros se expressam em várias regiões do Brasil com derivações próprias. Na Bahia predomina o Candomblé; no Amazonas, Maranhão e Piauí é a Pajelança ou Caboclinhos (influência africana e indígena) e também o Catimbó; em Porto Alegre é chamado de Parás e em Pernambuco é Xangô; em outras regiões é chamado de Calundu, Macumba, Omolocô ou Terreirada. (CARNEIRO, 1990). É imprescindível destacar que: Cabe, com efeito, aos profissionais científicos da memória, antropólogos, historiadores, jornalistas, sociólogos fazer da luta pela democratização da memória social um dos imperativos prioritários da sua objetividade científica. Inspirando-se em Ranger [1997],4que denunciou a subordinação da antropologia africana tradicional as fontes “elitistas” e nomeadamente às “genealogias” manipuladas pelos clãs dominantes. A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens. (LE GOFF, 1996, p. 477). Enfim, se à história cabe conceber o indivíduo em sua caminhada gradativa, podemos afirmar que, ao conhecer a religiosidade em sua permanência e a transformação do homem em sua construção histórica e social, é que se faz necessário o estudo do culto de umbanda. Ao fazer-se uma análise da formação cultural brasileira, provavelmente percebe-se que a mesma é um “caldeirão” de expressões culturais, pois mistura matrizes européias, indígenas, africanas e asiáticas. Essa formação cultural brasileira é percebida abaixo: Eu entendo assim, que a gente está bem perto do que representa o povo porque a nossa religião ela está de uma certa forma representando os escravos, os índios, e o Brasil é praticamente feito de escravos e de índios; os outros vieram e misturaram. Embora vieram europeus, os portugueses, os asiáticos, os japoneses, etc. etc... A origem e a noção dos índios e depois dos negros formaram a maioria. Então, eu acho que a Umbanda está representando exatamente isso, 4 RANGER, T.O. Memorie personali ed esperienza populare nell‟Africacentro-orientale. In: Quaderni storici, XII, 35, p. 359-402. 22 nós somos o povo brasileiro sim, a Umbanda representa o povo brasileiro sim. (Anamir TUPJA). O estudo direcionado à religiosidade afro-brasileira, concebendo a Umbanda em seus aspectos relacionados à cultura, à identidade e aos costumes: das tradições à contemporaneidade, tendo como foco: sua manifestação na região metropolitana de Belo Horizonte, faz eco, pois, às afirmações de Le Goff (1996), visto que pode-se afirmar que estudar a Umbanda é tratar da memória coletiva do brasileiro. As crenças desses vários povos ajudaram na formação do Brasil colônia. Partindo deste raciocínio, a Umbanda, como religião, parece ser a vivência religiosa que verdadeiramente reflete as múltiplas contribuições culturais do povo brasileiro (PRANDI, 2002). É a partir dessa concepção que podemos perceber os eixos da formação da religiosidade cultural e popular brasileira, na interação religiosa, constituída como a cultura da religiosidade oficial e dita católica e a religiosidade popular primitiva (o Candomblé, a Umbanda (em especial), o Xamanismo, etc...). 2.2 A herança antropológica e sócio-histórica O encontro do homem europeu com o outro (indígena e africano) e vice-versa, gerou a necessidade de perceber os aspectos do igual e do diferente, ou seja, o confronto visual com a alteridade (perceber o outro diferente de mim). A partir desse momento surge o que Laplantine (2007) vai chamar de “Pré- história da Antropologia”. Essa “Pré- História da Antropologia” gerou duas tendências ideológicas; de um lado a recusa do estranho e, por outro lado, a fascinação pelo estranho. Na recusa do estranho tem-se a ideologia da figura do “mau-selvagem e do bom-civilizado”; e na fascinação pelo estranho, tem-se a ideologia da figura do “bom-selvagem e do maucivilizado”. Porém, seja “desrespeitando” o outro diferente ou “valorizando” o outro diferente, ambas as ideologias são percepções “tendenciosas” ou “reflexo” do olhar de quem vê. (LAPLANTINE, 2007). De acordo com François Laplantine (2007) a gênese da reflexão antropológica, ou seja, a “Pré-história da Antropologia” se deu no período das grandes navegações e do 23 Renascimento (século XV e XVI), esta época contemporânea à descoberta do Novo Mundo (América). Laplantine (2007) mostra que o preconceito já marcou e muito o campo das ciências humanas, principalmente relacionados aos povos do continente Africano e da América, ou seja, negros e índios. Por isso, no século XVI, já existiriam personalidades que ora defendiam o ponto de vista do “Bom-selvagem e do mau-civilizado” e também aquelas que ora defendiam o ponto de vista do “Bom-civilizado e do mau selvagem”. Como por exemplo: o dominicano Frei Las Casas na defesa do diferente e, por outro lado, o jurista Sepulvera na defesa do homem civilizado frente ao primitivo selvagem (LAPLANTINE, 2007). Ainda hoje vivemos esse reflexo dúbio, conforme o fragmento abaixo: [...] ora, as ideologias que estão por detrás desse duplo discurso, mesmo que não se expressem mais em termos religiosos, permanecem vivas hoje quatro séculos após a polêmica que opunha Las Casas e Sepulvera. Como são estereótipos que envenenam essa antropologia espontânea de que temos ainda hoje tanta dificuldade para nos livrarmos convém nos determos sobre eles. (LAPLANTINE, 2007, p. 39-40). No século XIX o cientificismo também dará sua contribuição ideológica ao referir-se a evolução dos povos e ao surgimento das civilizações. A partir desse século o evolucionismo será predominantemente a ideologia filosófico-científica dos grandes pensadores e eruditos. O evolucionismo será reforçado pela teoria das espécies de Darwin e pela corrente filosófica positivista, sobretudo de Augusto Comte, Spencer, Durkheim entre outros. Para a teoria evolucionista a humanidade caminha para o progresso constante e passa por uma evolução também constante e contínua. Ou seja, para o evolucionismo todos os povos do planeta passaram ou passarão por três estágios evolutivos: a infância da civilização (o primitivo, a magia), a juventude da civilização (o religioso e o metafísico) até chegar à maturidade (a técnica e a ciência). Porém, essa visão acabou por reforçar que superior era o homem europeu, civilizado, homem da ciência e da técnica, e, atrasados seriam os povos latinos, asiáticos e africanos, pois, esses não teriam chegado à maturidade de suas civilizações. Laplantine (2007) ao descrever que a visão do selvagem é o inverso do civilizado, pode ilustrar muito bem sobre duas obras ideológicas raciais: a primeira de Cornelius de Paw intitulada “Pesquisas sobre os americanos ou relatos interessantes para servir à história da espécie humana” datada em 1774, onde os indígenas são vistos 24 como preguiçosos, covardes, sem nobreza de espírito, ou seja, vivem em estado de embrutecimento geral, inútil de possuírem uma cultura ou uma história. A segunda obra ideológica racista é de Hegel, intitulada “Introdução à filosofia da história” escrita em 1830, nesta obra a América do Sul seria mais atrasada do que a América do Norte, para além, a África seria sempre falta absoluta que separa a história universal da humanidade. (LAPLANTINE, 2007; HERNANDEZ, 2008). Em Hegel o negro foi rebaixado a uma selvageria total e um objeto sem valor. O fato de devorar homens corresponde ao princípio africano. Ou ainda: “são os seres mais atrozes que tenha no mundo, seu semelhante é para eles apenas uma carne como qualquer outra, suas guerras são ferozes e sua religião pura superstição. (HEGEL5 apud LAPLANTINE, 2007, p. 45). Nessa herança, a teoria evolucionista reforçou, no século XIX, o domínio colonial dos europeus frente aos outros continentes e seus povos, o mito da raça pura: missionária e evoluída que salvaria os povos primitivos de suas aberrações ilusórias e supersticiosas. Por outro lado, após dois séculos do Renascimento, embora germinando apenas no final do século XVI com Levy e Montaigne, a valorização do diferente teve seu apogeu na valorização do “bom-selvagem” na obra “O discurso sobre a desigualdade” de Rousseau. (LAPLANTINE, 2007). A antropologia contemporânea critica enfaticamente essa ideologia evolucionista ou ingênua, que distorce a realidade cultural dos diferentes povos da nossa humanidade. Contudo, devemos reconhecer que o evolucionismo foi o primeiro passo para o entendimento das ciências sociais. No entanto, não resta dúvida de que o legado do índio e do negro foi adulterado e limitado. Constrangidos a adotarem normas e valores diferentes dos seus valores culturais. “Submetidos à violência física e cultural, negros e índios tiveram seus padrões de comportamento e existência aviltados e até destruídos. (LOPEZ, 1983, p. 19). Os defensores da “natureza pacifista cordial do povo brasileiro, inclusive Sergio Buarque de Holanda, que ninguém ousaria classificar de intelectual conservador apreciam dizer que o Brasil foi o berço da “democracia racial” e que a cultura brasileira é resultado da “harmonização” da tríplice herança indígena, negra e européia. Esta afirmação mistifica uma verdade básica: o 5 HEGEL, Friedrich. La raison dans l’histoire. Introduction à la philosophie de l’histoire. Paris, 1979. 25 sistema de dominação em que se fundamentou a colonização e que certamente se reproduziu também a nível cultural. (LOPEZ, 1983, p. 19-20) Vítima de um genocídio silencioso, o índio perdeu terras devido ao avanço do branco e foi escravizado. O negro veio da África submetido pelas necessidades mercantilistas, foi brutalmente transferido de um ambiente para outro. Vale lembrar que o legado da cultura do negro na África era em si heterogênea, por isso, uma coisa é a cultura do negro na África e outra é essa cultura transplantada para o Brasil e deformada pela condição servil da escravidão. (LOPEZ, 1983). Segundo Verger (2002) o tráfico de escravos importou para a América e Antilhas negros provenientes de diversas regiões da África, sendo assim, os reagrupamentos de diferentes “nações” africanas foram constituídas “insensivelmente” no novo mundo. Na Bahia predominou hábitos e costumes do Golfo de Benin e no restante do Brasil predominaram as influências banto do Congo e Angola. Esta sensível predominância dos negros bantos sobre os da Costa da Mina é indicada no Rio de Janeiro por cifras encontradas nas listas de cartas de alforria fornecidas entre 21 de julho e 26 de agosto de 1864 [...]. Tal especialização dos intercâmbios comerciais da Bahia com a Costa da Mina e a do Rio de Janeiro com Angola e Congo, aparece em uma carta enviada pela casa Régis de Marseille para Louis Descosted, em Marselha, em 26 de agosto de 1847. (VERGER, 1987, p. 15). Ainda segundo Verger (1987) são raros os documentos escritos sobre a África antes do século XIX. Uma grande parte desses documentos sobre a questão dos escravos e do tráfico negreiro foram destruídos em 1891, após a abolição da escravatura, em princípio por mando do então Ministro das Finanças Rui Barbosa. Para uns a nova República brasileira queria apagar as lembranças da escravidão do país, para outros era uma forma de evitar o pagamento de indenizações que poderiam ser exigidas por fazendeiros, antigos proprietários de escravos (VERGER, 1987). Seja por qual motivo tenha sido essa queima de arquivos, o fato é que esse ato não deixará de ser a negação da identidade negra brasileira. A existência de miscigenação racial no Brasil apenas prova uma coisa: que houve miscigenação racial. Não prova, absolutamente, a ausência de preconceitos, nem um comportamento democrático do português em relação a outras raças nem o exercício de um tratamento mais humanizado para com elas. O português se deitava com índias e negras como quem possuía um 26 objeto e não como alguém que se relaciona com uma criatura humana. (LOPEZ, 1983, p. 21-22). O período da 2ª Guerra Mundial, segundo Arthur Ramos (2001), despertou nos países de herança escravista, como o Brasil, uma revisão de uma falsa lógica do Romantismo que despertou vago sentimento de piedade para uma raça considerada inferior. A influência do negro em toda a América era lenta e insidiosa. Porém inegável: É naturalmente difícil determinar no detalhe o que é preciso pôr à conta de simbiose com o negro é o que deva ser atribuído à circunstância de ser a América uma nação de pioneiros num solo ainda virgem. Mas no conjunto a influência do negro sobre o caráter geral do povo é inegável. Com muito maior razão essa influência se fez sentir nos povos com os quais o negro se pós em contato biológico – na América Central e do Sul. (RAMOS, 2001, p. 21). Arthur Ramos (2001) mostra preconceitos de pesquisadores ao fazerem pesquisas científicas e estatísticas sobre o negro: Estudos propriamente científicos foram postos de lado, à exceção dos trabalhos memoráveis de Nina Rodrigues. Mas esses mesmos esbarraram com todas as dificuldades – a escassez de documentos destruídos em obediência aqueles preconceitos fartamente referidos [...], sem falar nos falsos ângulos da visão da ciência da época, toda impregnada de Gobineau de Lapouge, dos teóricos das teses das desigualdades raciais. (RAMOS, 2001, p.23). Arthur Ramos (2001) também chama a atenção para a urgência de resgatarmos a memória da raça negra do Brasil exigindo especialistas na resolução deste problema, tais como: antropólogos, sociólogos, historiadores, lingüistas entre outros, complementando que “o estudo do sentimento religioso é o melhor caminho para se penetrar na psicologia de um povo. Leva diretamente a esses estratos profundos do inconsciente coletivo, desvendando-nos essa base emocional comum, que é o verdadeiro dínamo das realizações sociais”. (RAMOS, 2001, p. 28-29). Sabemos que Arthur Ramos ao estudar a cultura negra, sobretudo a religião, direcionou sua metodologia baseado nas teorias de Lévy- Bruhl e da psicanálise. Como ele diz: “Certamente não devemos alimentar a ilusão que esses novos métodos sejam definidos e infalíveis essas teorias. Eles nada mais são do que novas “hipóteses e trabalho” [...] reflexo do espírito científico da época, a nos impulsionarem para novas pesquisas” (RAMOS, 2001, p. 30). É fato também que ao valorizar o estudo das 27 religiões afro-brasileiras, o mesmo acreditava poder atingir um largo alcance higiênico e educacional: Estudando, [...], “as representações coletivas” das classes atrasadas da população brasileira, no setor religioso, não endosso absolutamente, como várias vezes tenho repetido, os postulados de inferioridade do negro e da sua capacidade de civilização. Essas representações coletivas existem em qualquer tipo social atrasado em cultura. É uma conseqüência do pensamento mágico e pré-lógico, independente da questão antropológico-racial, porque podem surgir em outras condições e em qualquer grupo étnico - nas aglomerações atrasadas em cultura, classes pobres da sociedade, crianças, adultos nevrosados, no sonho, na arte, determinadas condições de regressão psíquicas. . . Esses conceitos de “primitivos”, de “arcaico”, são puramente psicológicos e nada têm que ver com a questão da inferioridade racial. (RAMOS, 2001, p. 31-32). Ramos (2001) acreditava que era fundamental conhecermos as modalidades do pensamento “primitivo” para corrigi-lo, elevando-o a etapas mais adiantadas. Essa correção se daria através de uma revolução educacional capaz de atingir escalas profundas do inconsciente coletivo soltando as amarras “pré-lógicas” a que se encontram presas. Assim como Verger (1987) e Lopes (1983), Ramos (2001) também nos chama a atenção pela existência de grande confusão e complexidade da origem dos escravos das regiões da África que aportaram na América em geral e no Brasil em particular como mão-de-obra nas zonas agrícolas do nordeste e por fim nas zonas centrais de mineração: É tão grande a confusão nessas pesquisas, que os nossos mais eruditos historiadores e sociólogos tropeçam ainda em fatos elementares [...]. Oliveira Viana colocou a questão em seus devidos termos quando observa que não basta estudar “uma” raça negra, mas “vários” tipos negros, equação essa que deve ser armada para o branco e o índio. Mas é esse mesmo eminente sociólogo, que, procurando resolver o problema posto [...] ora faz uma discriminação apressada dos “tipos” aqui introduzidos [...]. (RAMOS, 2001, p. 24-25). A história do tráfico de escravos no Brasil não está suficientemente escrita. A destruição dos documentos históricos prejudicou na busca da origem das tribos africanas vindas para o Brasil. Essa destruição desses documentos foram determinados, conforme já dito antes, pelo ministro da Fazenda Rui Barbosa, em circular nº 29 de 13 de maio de 1891. (RAMOS, 2001). O assunto é vastíssimo [...]. Mas já podemos chegar a uma relativa clareza, concluindo, das simples leitura dos estudos existentes, e do largo inquérito a 28 que procedemos sobre as religiões negras, que entraram no Brasil, negros dos dois grandes grupos “sudaneses” e “bantos”. [...]. “Sudaneses” e “bantos” entrados no Brasil aqui se fundiram uns com os outros, constituindo uma população escrava que progressivamente se foi amalgamando aos demais contingentes da população brasileira- em cruzamentos biológicos e interfluições de ordem psico-sociológica. (RAMOS, 2001, p. 26-27). No Brasil e em Cuba predomina a influência da mítica ioruba não só na região o tráfico sudanês6 mas, também, na região de tráfico de negros escravos de procedência banto7. “Podemos falar, pois, a exemplo de Nina Rodrigues, numa religião negra geral, no Brasil, jejê-nagô, com elementos introduzidos por outros povos negros”. (RAMOS, 2001, p. 37-38). O autor acrescenta que: O fetichismo puro é um vasto sistema cosmolátrico, onde, os orixás são a expressão de forças da natureza. Na época em que Nina Rodrigues fez os seus estudos, esta mitologia primitiva dos negros baianos muito pouco se afastava do fetichismo ioruba, tal como o coronel Ellis e o missionário Bowen o observaram na Costa dos Escravos, na África Ocidental. Hoje, a obra do sincretismo avança no seu trabalho rápido de transformação de espécies míticas, se bem que se possam, não sem certo esforço, reconhecer ainda os elementos iniciais. E ainda hoje na Bahia, em certos terreiros que guardam a tradição nagô, como o do Gantois [...]. (RAMOS, 2001, p. 38). Mas e quanto aos estudos dos negros de origem banto? Segundo Carneiro (1991) não havia método algum no período do tráfico negreiro para seguir na localização correta das diferentes nações dos negros escravizados, por isso, muitos negros jejê-nagô passaram por negros bantos. Porém, é inegável a grande contribuição dos bantos na formação da cultura brasileira e essa contribuição se estendeu também à religião. (CARNEIRO, 1991). 6 O grupo dos sudaneses “[...] foi introduzido inicialmente por mercadores de escravos da Bahia, de lá espalhando-se pelas plantações de recôncavo e secundariamente por outros pontos do Brasil. Desses negros sudaneses, os mais importantes foram os “iorubas”, ou “nagôs” e os “jejes” (“Ewew” ou “daomenos”) e em segundo lugar, os “minas” (“Tshis” e “Gás”), os “haussás”, os “tapas”, os “bornus” e os “gruncis” ou “galinhas”... Com esses negros sudanenses entraram dois povos de origem berbereetiópica e influência maometana: os “fulás”, e os “mandes”.” (RAMOS, 2001, p.26). 7 Ainda segundo Ramos (2001, p.27): “Os “bantos” foram introduzidos em Pernambuco (estendendo-se a Alagoas), Rio de Janeiro (estendendo-se ao Estado do Rio, Minas e São Paulo) e Maranhão (estendendose ao litoral paraense), focos primitivos de onde irradiaram posteriormente para vários pontos do território brasileiro. “Bantos” foram os “angolas”, os “congos” ou “cabindas”, os “benguelas”, os negros de moçambique (incluindo os “macuas” e “angicos” a que se referiram Spix e Martius). As demais denominações que tanta confusão originaram nada mais são do que províncias ou regiões do vasto território afro-austral, habitat dos povos bantos”.”. 29 2.3 Origens da Umbanda segundo Arthur Ramos Segundo Arthur Ramos (2001) a religião banto, no Brasil, é uma página quase inédita na etnografia religiosa. Primeiro porque os bantos apresentavam certa pobreza mítica em relação aos sudaneses; segundo, temos poucas informações da origem banto, porque os estudos iniciados na Bahia por Nina Rodrigues onde o tráfico de escravos em sua maioria eram sudaneses, influenciou trabalhos posteriores, embora existissem também algumas influências de bantos principalmente angoleses. (RAMOS, 2001). De modo que chegamos a esse resultado curioso e aparentemente paradoxal: de um lado, a riqueza de contribuições lingüísticas de origem banto [...] de outro lado a fórmula inversa- estudos de etnografia religiosa de elementos sudaneses e nada ou quase nada sobre as religiões e os cultos bantos. (RAMOS, 2001, p. 85). Ainda assim, há influência dos bantos embora deturpadas e transformadas nos candomblés e nas macumbas de diferentes partes do Brasil. A cultura banto sofreu rápida simbiose das espécies míticas, por vezes, tão irreconhecível que o próprio Nina Rodrigues em 1900 em sua obra „Animismo e fetichismo‟ admitiu ter procurado a influência banto: “eu procurei em vão entre os afro-baianos idéias religiosas pertencentes aos negros bantos.” (RODRIGUES8 1932, apud RAMOS, 2001. p. 86). Os elementos bantos existem e foi a partir da identificação deles que Arthur Ramos (2001) norteou suas pesquisas nas macumbas do Rio de Janeiro. Dos bantos apenas as influências totêmicas e no folclore foram registrados posteriormente. D. João Corrêa Nery descreveu uma cerimônia especial denominada „Cabula‟, na região sudeste, no Espírito Santo, de origem banto-angolesa e provavelmente, uma das raízes primitiva do culto de umbanda (RAMOS, 2001). “Os povos negros de língua banto, na África, possuem uma mitologia paupérrima. Há um vago esboço mítico de um par primitivo que habitava um jardim frutífero e do qual saiu a humanidade” (RIALLE 9 apud RAMOS, 2001, p. 87). “Estes povos acreditavam num deus supremo, criado e do universo, que toma vários nomes conforme a região” (RAMOS, 2001, p. 87). De várias designações desse deus supremo a mais conhecida passou a ser Zambi ou 8 9 RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1932. RIALLE, Girard. La mytologie comparée. Paris, 1878. 30 Zambiupombo. Arthur Ramos (2001) verificou em um candomblé afro-baiano de influência angolesa: Queremo que eu anda Olha o tempo amuangai Quê quê me qué umbanda Zambiupombo me qué umbanda. (RAMOS, 2001, p. 92) Aqui vemos outro dado curioso, neste canto de origem banto angolesa aparece a palavra Umbanda e o reconhecimento desse deus supremo zambiupombo; a crença banto do deus supremo Zambi ou Zambiupombo juntamente com a crença nos orixás de origem ioruba/ sudanesa, também como uma outra raiz de origem da Umbanda. A influência maior do banto sobre a Umbanda, contudo é aqui percebida através da crença na influência das almas dos mortos e dos antepassados: Os negros bantos têm realmente verdadeiro culto dos antepassados e dos espíritos. Crêem na transmigração das almas [...], há, mesmo um verdadeiro culto organizado a que chamam oroderé. Foi esta a razão porque o fetichismo de procedência banto, se fundiu tão intimamente com as práticas do espiritismo no Brasil. (RAMOS, 2001, p. 93) Na origem banto existia a classificação dos espíritos e muitos tiveram nomes deturpados, por exemplo, quilulo-n’ sand ou quilulo em Angola é espírito mal. Calundu (Kilundu) é outro espírito indeterminado, o calundu manifesta em mulheres que vão dar a luz e tinha diferentes nomes: N‟gombo, Lemba, Calombo, entre outros. (RAMOS, 2001). O culto negro denominado Calundu, de origem angolesa, passou a ser usado genericamente pelos brancos colonos europeus para designar os cultos e rituais africanos. O culto aos antepassados e mortos, deuses dos lares, entidades benfazejas e malfazejas, a transmigração das almas, originaram práticas fetichistas que se aproximavam do atual espiritismo e como tais passaram ao Brasil. Em Angola o grão sacerdote chama-se quimbanda (ki-mbanda) que é ao mesmo tempo médico, adivinho e feiticeiro (RAMOS, 2001). Arthur Ramos (2001, p. 97-98) reforça: Registrei os termos quimbanda e seus derivados umbanda e embanda (do mesmo radical mbanda) nas macumbas cariocas, mas de significações já ampliadas. Umbanda pode ser feiticeiro ou sacerdote [...]. 31 “Linha de Umbanda”, dizem ainda os negros e mestiços cariocas, no sentido de prática religiosa, embora outros me afirmassem que Umbanda era uma “nação” e alguns, um espírito poderoso da “nação” de Umbanda. No Brasil o sincretismo religioso misturou cultos de negros e de mestiços brasileiros, sendo difícil reconhecer os elementos puros de origem. Os candomblés, macumbas e catimbós se fizeram presentes em vários pontos do país. (RAMOS, 2001). O autor afirma que: O que caracteriza, porém, a macumba de influência banto, não é o santo protetor, mas um espírito familiar que, desde tempos imemoriais, surge invariavelmente, encarnando-se no umbanda [...]. No terreiro do Honorato, esse espírito é o de Pai Joaquim, que “há 24 anos lá trabalha”, informam-me convencidos. É ele quem, após os cânticos iniciais ao santo protetor, dá início aos trabalhos. [...]. (RAMOS, 2001, p. 104-105). E continua: Pai Joaquim aproxima-se. À sua passagem, todos se curvam e lhe pedem bênção. Ele vai abraçando velhos conhecidos, como se tivesse chegado de longa viagem. Interroga pelo estado de saúde de cada um, dá conselhos, resolve dificuldades, exatamente como em Angola, os espíritos familiares, como vimos, intervinham nas tricas e negócios domésticos para resolvê-los com conselhos avisados. Mas a ação de Pai Joaquim amplia-se. Não são somente os seus familiares que lhe ouvem as sentenças cheias de sabedoria. Os outros, a grossa assistência que vêm de longes partes, a fim de ouvi-lo [...]. (RAMOS, 2001, p. 107-108). Nos trechos acima podemos perceber que Arthur Ramos (2001) defende cultos de invocação de ancestrais ou espíritos familiares tradicionalmente encontrados na religião dos povos bantos, sobretudo em Angola. Portanto, percebe-se a invocação dos mortos, de herança africana, anterior à influência do kardecismo. Curioso também nessas citações, o registro da invocação do preto-velho (entidade/ancestral). O chamado „Candomblé de caboclos‟ na Bahia, ou „linha de caboclos‟ no Rio de Janeiro também foi outra ramificação que provavelmente deu origem à Umbanda. Essa modalidade de culto religioso procurou valorizar entidades da mítica ameríndia nas práticas fetichista dos negros. O „caboclo‟ (mestiço de índio), mescla-se ao sincretismo dos orixás, diferindo pouco das práticas bantos e acredita-se que esses santos ou encantados são de origem tupi-guarani. (RAMOS, 2001). Contudo, Rodrigues (2008, p. 203): afirma “Sobre o animismo indígena, noto que nossos supostos candomblés de 32 caboclos ou indígenas são, de fato, candomblés africanos, em todo o caso ainda hoje aderem à feitiçaria africana dominante na Bahia esparsos fragmentos das crenças tupiguaranis.” Também as práticas espíritas foram assimiladas nas macumbas e candomblés. Aliás, já vimos na própria África o ritual banto tem muito de espiritismo, com as cerimônias de evocação dos mortos, etc.[...]. Estas sessões espíritas nos candomblés vêm de muito tempo e na Bahia, Nina Rodrigues já havia observado curioso sincretismo do fetichismo negro com práticas católicas e espíritas. (RAMOS, 2001, p. 134-135). A partir das décadas de 20 e 30 do século XX, Arthur Ramos (2001) percebe que através da imprensa os cultos afro-brasileiros passaram a ser denominados de „baixo espiritismo‟. (RAMOS, 2001). Edson Carneiro (1991) seguindo o sincretismo defendido por Arthur Ramos chama a atenção para a transição constante dos cultos africanos para a formação do cenário dos cultos afro-brasileiros ao enfatizar que muitos dos „Candomblés de Cablocos‟ passaram a ser denominados de „sessão de caboclos‟: O espiritismo, principalmente o chamado baixo espiritismo, também contribuiu, e grandemente, para a obra do sincretismo, melhor, para a obra de aclimação das religiões negras ao meio social do Brasil [...], essa influência está patente, antes de tudo, nas sessões de caboclo, deturpação dos candomblés propriamente caboclos em benefício da doutrina de Allan Kardec. O ritual dessas sessões em nada se diferenciaria do das sessões espíritas se, nelas, não houvesse maior colorido e maior movimento [...]. (CARNEIRO, 1991, p. 194). Mais a frente o autor completa ao afirmar: Pode-se, já agora, depois do que fica dito, afirmar que, nas sessões de caboclo, predomina a influência espírita sobre a ameríndia e, só em último lugar, a africana e a católica. Por isso chamei essas sessões de ponte para adesão completa do negro banto ao baixo espiritismo, último cadinho porque passarão as suas concepções míticas antes de se incorporarem ao inconsciente coletivo da nacionalidade. (CARNEIRO, 1991, p. 238-239). Essa transição ou sessões de ponte passaram a ser chamadas genericamente de macumbas. Arthur Ramos (2001) relata que em vários lugares do Brasil, ele e seus colaboradores têm verificado a existência de centros religiosos com bases africanas: nordeste, São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais. Sendo que em Minas Gerais intelectuais como João Dornas Filho e Aires da Matta Machado Filho, pesquisaram a 33 influência do negro na cultura mineira. Na primeira metade do século XX Arthur Ramos (2001) afirmava que: “Macumba” é hoje um termo genérico em todo o Brasil, que passou a designar não só os cultos religiosos do negro, mas várias práticas mágicas – despachos, rituais diversos... que às vezes só remotamente guardam pontos de contato com as primitivas formas religiosas transplantadas da África para cá. (RAMOS, 2001, p. 143). E continua sua definição: Hoje, há macumba para todos os efeitos [...] ela está na base dessa magia popular brasileira, que herdou muita coisa do negro, mas tem também raízes fortes nesse corpus mágico de origem peninsulares européias [...] onde se nota a confluência dos santos católicos e dos “encantados” afro-ameríndios. (RAMOS, 2001, p. 144). Na década de 30, a macumba do Rio de Janeiro passou a ser comércio turístico e de produtos diversos. O negro quase nenhuma interferência causou nisto. Os mais célebres pais-de-santo do Rio de Janeiro eram mulatos ou brancos e as casas de negócios de “macumba” tornaram-se amplas no Rio de Janeiro. (RAMOS, 2001). Sobrevivências dos cultos de procedência banto existem, como vimos, mas de difícil identificação, tão amalgamados se acham com elementos do fetichismo jejê-nagô, do espiritismo, do catolicismo. Com efeito, a religião dos negros e mestiços brasileiros, é resultante, como temos afirmado repetidas vezes, de um vasto sincretismo [...]. (RAMOS, 2001, p. 113). É importante ressaltar também que Arthur Ramos (2001) afirmava não existir mais no Brasil os cultos africanos puros de origem, mesmo no candomblé as tradições jeje-nagô são mais ou menos mantidas. “Mas não se pode deter a avalanche do sincretismo. Os vários cultos africanos se amalgamaram a princípio entre si, e depois com as religiões brancas: o catolicismo e o espiritismo” (RAMOS, 2001. p. 138). O autor elaborou uma escala em ordem crescente de sincretismo: 1º jeje-nagô 2º jeje-nagô- muçulmi 3º jeje-nagô - banto 4º jeje-nagô- muçulmi- banto 5º jeje-nagô- muçulmi- banto-caboclo 6º jeje-nagô- muçulmi- banto-caboclo- espírita 7º jeje-nagô- muçulmi- banto-caboclo- espírita- católico. (RAMOS, 2001, p.138) 34 Conforme definição acima, o autor deixa-nos claro que o 7º termo-escala é a modalidade que predomina no Brasil, variando de intensidade entre um lugar e outro, ora predomina uma forma ora outra; até mesmo em regiões do país em que se julgavam imunes das religiões e dos cultos negros. Essa afirmação demonstra que a macumba foi então, gradual e paulatinamente, o último passo para o surgimento dos cultos de umbanda. Essa discussão é levantada também pelo autor Roger Bastide que investiga em suas obras a religiosidade afrobrasileira e a estruturação da Umbanda. 2.4 Roger Bastide e as Ciências Sociais e Humanas: estudos das religiões afrobrasileiras Roger Bastide (1971) estabelece um levantamento do desenvolvimento das ciências sociais, sobretudo o da sociologia nascente e diz que a mesma estava em princípio ligada ao estudo das estruturas sociais segundo ele, ao ser encarada como atividade prática, ela se confundia com as forças de produção defendida por Marx e Engels como produção de idéias da mesma forma do que a produção material e, por isso, a religião era vista pelos mesmos, como forma ideológica. Os seguidores de Marx, por fim, ligaram a religião unicamente com a produção material. A partir daí, os marxistas passaram a designar que a religião era um forte instrumento ideológico utilizada pelas classes dominantes para subjugar as classes dominadas. A religião seria „o ópio do povo‟, ou seja, a própria „miséria humana‟ e a fraqueza de domínio da própria situação de vida, desde o controle da natureza até o domínio das leis de mercado, geraria o sentimento da importância da religião. Para além da religião vista como instrumento unicamente ligado aos modos de produção e de conjunturas econômicas, a mesma acaba por exprimir não necessariamente as relações de produção, mas sim o fato de que essas relações são contraditórias. Por isso, Engels mostrou que a religião traduz a angústia do homem em relação a forças misteriosas: se relacionada ao homem primitivo era o medo do domínio da natureza, se relacionada ao homem contemporâneo é o medo das forças sociais. Portanto, o medo gera a religião. Ora o medo, nada mais é que um sentimento humano, 35 daí ser então sociológica e psicológica a explicação definitiva da religião: sociológica por nascer do esforço e do fracasso do trabalho humano em face da natureza e psicológica por gerar o medo advindo dessa relação de constante transformação do homem x natureza, incluindo a sua própria natureza. (BASTIDE, 1971). Segundo Bastide (1971) a presença de forças religiosas não se apresentam apenas devido ao sentimento do medo humano, mas também de outros sentimentos humanos, tais como, o sentimento de paz, de força ou de alegria. Pensando nessa complexidade de sentimentos humanos, Durkheim retomou o problema colocado por Marx e, procurou ampliar essa visão limitada do sentimento do medo como base para o sentimento religioso. Afirma Durkheim que o homem pelo sentimento religioso reforçará outros sentimentos além do sentimento de medo, como por exemplo: o sentimento de força. A religião, no pensamento “durkeimiano” ao longo da história, foi instrumento de mudança de vários povos ao longo dos tempos, portanto, força transformadora que vai além da crença marxista de apenas possuir um tecido de ilusões fantasmagóricas. A religião torna-se na visão de Durkheim a sustentação da estrutura social e ainda que seja produto do social é também expressão da sociedade. A religião se reduz à consciência da vida coletiva externa e superior (sagrado) ao expressar a natureza do homem como animal social e como produto da consciência primitiva e interna do indivíduo (profano). No entanto, Durkheim limitou-se a explicar as causas da religião e aprofundando muito pouco sobre suas conseqüências. (BASTIDE, 1971). Também a Sociologia Religiosa alemã e francesa tentaram superar a visão de religião do marxismo, principalmente com Cassier que se opôs a dialética histórica, para Cassier não se deve partir de uma análise da sociedade e sim de categorias religiosas a priori, que pelas formas da sensibilidade, são categorias capazes de unificar tanto a sociedade quanto o mundo. (BASTIDE, 1971). Max Weber, embora relacionasse a religião ao campo econômico, se opôs a Marx e o criticou por não valorizar a ação dos fatores ideológicos sobre os econômicos. Weber procurou um elemento de união entre o religioso e o econômico. A religião não atuaria diretamente sobre a economia, mas seria a orientação moral dos e entre os indivíduos que podem modificar as relações econômicas. Sua sociologia, portanto, é compreensiva ao tentar explicar o sentido do comportamento humano, com isso, Weber, no entanto, acaba por reforçar o subjetivismo. (BASTIDE, 1971). 36 Max Scheler estabelece, assim como Durkheim, relações da religião com a estrutura social e distingue uma Sociologia cultural de uma Sociologia real: enquanto a primeira estuda os aspectos religiosos, a segunda os estudos de grupos e instituições. Na tentativa de estabelecer elementos causais entre infra-estrutura e superestrutura após separá-los e penetrar no mundo das idéias e dos valores, Scheler deparou-se com a mesma dificuldade de Descartes que ao separar espírito e matéria não conseguia depois explicar sua união. (BASTIDE, 1971). Uma nova Sociologia da Religião, radicalmente diversa da anterior, procurou explicar as relações sociais com o religioso vinculados a vários outros aspectos além de apenas fatos econômicos. O causal cede entendimento para o situacional e a lógica tradicional aristotélica de classes e subsistência passa a ser substituída por uma lógica das relações ou pela matemática dos conjuntos. A parte pelo todo passou a ser valorizada e o estudo do campo social abre espaço para a pesquisa etnológica a partir do início do século XX. (BASTIDE, 1971). Contudo, a grande dificuldade da etnologia está relacionada com a compreensão do outro, principalmente com Lévy-Bruhl que defendeu que entendemos a sociedade do outro pelo nosso olhar etnocêntrico e que seria preciso criar um método com o qual pudéssemos entender o modo de ser e de agir de outros povos ou civilizações. A etnologia de Lévy- Bruhl estabeleceu tipos formais ligados à estrutura mental inconsciente. (BASTIDE, 1971). Isso se dá tendo em vista que “o etnólogo não pode fazer separadamente o estudo econômico da religião e da categoria do sagrado se desejar compreender a sociedade que analisa” (BASTIDE, 1971, p. 20). Com isso, a etnologia forneceu à sociologia a condição de passar de uma sociologia causal para uma sociologia integrativa que mostrou que numa sociedade tudo age e reage sobre tudo, ou seja, a causa dos fenômenos sociais deve ser pesquisada nas inter-relações do conjunto. A partir de então, o estudo das estruturas juntamente com a evolução do estudo da etnologia com a escola de M.Griaule que se interessou pelo estudo da sociedade em profundidade e das diversas categorias do simbólico, leva vantagem sobre os estudos da interpretação compreensiva. (BASTIDE, 1971). Essa sociologia integrativa passou a utilizar métodos descritivos da antropologia cultural no estudo da sociedade contemporânea e posteriormente a sociologia integrativa passou a aceitar o estruturalismo e o funcionalismo, sobretudo a sociologia norteamericana no desenvolvimento de seus trabalhos. (BASTIDE, 1971). 37 A sociologia norte-americana sofreu em seu início influência do formalismo da sociologia alemã que limitava os fatos sociais e religiosos a uma nebulosa de relações inter-grupais e inter-individuais. Já a sociologia francesa influenciou a sociologia norteamericana na valorização do estudo das representações coletivas, a influência da ação social sobre o psiquismo individual e, por isso, esse estudo passava a ser pesquisa de campo de três ciências: a sociologia, a antropologia cultural e a psicologia social. Deste modo o estudo dessas três ciências, os temas: sociedade, civilização e personalidade que eram pesquisados separadamente, uniram-se. (BASTIDE, 1971). Porém, se o pensamento norte- americano visava à pesquisa de estruturas gerais ou configurações totais, tinha dificuldades em analisar os diversos níveis da realidade que Marx e Durkheim em suas sociologias já haviam distinguido. Coube, no entanto, a Gurvitch com a “Sociologia em profundidade” a interação de configurações totais com os diversos níveis de realidade em uma constante dialética, permitindo, assim, a percepção de um todo organizado, do morfológico à consciência coletiva. (BASTIDE, 1971). A História preocupou-se com o surgimento e a interpretação das civilizações e mostrou que a história da humanidade se fez através de lutas, migrações e fusões culturais. O estudo dos fenômenos históricos, porém, destacava a individualidade de cada caso e não utilizava o método comparativo. Tanto a história como a sociologia nascente, no entanto, passaram a utilizar-se do materialismo histórico e definiam o sincretismo religioso como efeito do desenvolvimento do comércio e das cidades. Traduzido no plano da superestrutura com bases econômicas que interligava países como interdependentes, cada sincretismo tem sua própria originalidade e entra em conflito com outros. O organicismo, por sua vez, desligou a sociologia da história e passou a ressaltar fatos sociais fixos e a desconsiderar os fatos de aculturação, tão caros à antropologia e à etnologia. (BASTIDE, 1971). Segundo Bastide (1971) a partir do início do século XX, não seriam mais a história e a sociologia (competição, conflito, acomodação) as ciências a desempenharem um grande papel como explicação de mundo. Para ele, as duas acabariam por ceder espaços para a antropologia e para a etnologia (aceitação seletiva, adaptação e sincretismo, resistência e contra-aculturação). Deve se a esse fato a passagem de concepção histórica para uma concepção naturalista: 38 [...] o estudo da aculturação seguirá o progresso da Etnologia e não o da Sociologia. Inicialmente na época em que a cultura é definida analiticamente por um complexo de traços, tirar-se-á do encontro de civilizações uma imagem mecânica e procurar-se-á nas culturas sincréticas os traços pertencentes à civilização nativa e os traços emprestados à civilização alienígena. Quando a Etnologia trouxer à luz do caráter “gestaltista” da cultura, estudar-se-á, ao contrário, o contato entre os povos em termos de culturas totais [...]. (BASTIDE, 1971, p. 25). Embora, essa visão etnológica naturalista e o estudo da cultura tenham avançado, isto passa por outro lado, a apresentar um problema metodológico, uma vez que, esse estudo das culturas ainda é seletivo e isola do todo traços culturais específicos, aceitando uns e recusando outros. Sendo assim a tentativa de aplicar o fenômeno da aculturação busca auxílio, embora limitado, na História e na Psicologia. (BASTIDE, 1971). A História passou a auxiliar esse método etnológico naturalista nos aspectos de tempo (cronologia) e espaço (extensão territorial) e proporciona também o voltar ao continuum histórico na tentativa de explicar como se opera o sincretismo nas diferentes civilizações. (BASTIDE, 1971). A Psicologia passou a auxiliar esse método etnológico naturalista nos aspectos dos mecanismos psíquicos dos indivíduos ligados aos condicionamentos sociológicos no encontro de duas ou mais civilizações, ou seja, remetendo-se na esfera micro os aspectos psicológicos e no macro os aspectos sociológicos. (BASTIDE, 1971). Uma sociologia em profundidade e a utilização de dialéticas respeitando o fenômeno social total (macro) na busca de reinterpretar os diversos tipos de situação ou de configurações (micro) vão misturar-se ora interferindo-se, ora opondo-se nos estudos das religiões afro-brasileiras, sem, no entanto contradizerem-se, e sim, completando-se e enriquecendo-se mutuamente. (BASTIDE, 1971). Então ao se estudar as religiões afro-brasileiras é necessário levar em consideração as constantes mudanças decorridas e comparar todo o tempo as relações de estruturações, desestruturações e reestruturações presentes em suas trajetórias. Esse cuidado é evidenciado no fato de que os negros introduzidos no Brasil pertenciam a civilizações diferentes e provinham de várias regiões da África, embora, suas religiões estivessem ligadas a certas formas de família e organizações clânicas. O tráfico negreiro violou tudo isso e o escravo foi obrigado a se enquadrar, quisesse ou não, a um novo tipo de sociedade: patriarcal, latifundiária e regime de castas étnicas. (BASTIDE, 1971). 39 O período da escravidão no Brasil durou três séculos e a sociedade brasileira sofreu transformações várias em diferentes épocas. Essas diferenças e transformações afetaram as religiões afro-brasileiras, devido a vários fatores que vão desde o crescimento rural das grandes plantações, seguindo da urbanização das cidades e industrialização, da mudança da mão de obra servil para a mão de obra assalariada, de castas para o regime de classes sociais do nosso país. Tudo isso repercutiu nas religiões afro-brasileiras, embora essas mudanças tenham acontecido de formas diferenciada em diferentes regiões do Brasil. A religião afro-brasileira, portanto, juntamente com o próprio catolicismo europeu seguiriam múltiplas variações dependendo desta ou daquela região brasileira. (BASTIDE, 1971). Essas constantes relações dialéticas despertaram a curiosidade de alguns investigadores no final do século XIX, uma vez que: O término da escravidão colocou, de fato, um enorme problema ao Brasil, o da assimilação dos negros como cidadãos e como produtores assalariados [...]. Não tinha o africano uma mentalidade diferente da do brasileiro branco? Seu cristianismo não era um simples verniz que mal dissimulava a manutenção de “superstições” ancestrais? Sua evangelização não havia sido uma “pura ilusão”? É para demonstrar esta tese, da heterogeneidade dos espíritos, que Nina Rodrigues, pela primeira vez no Brasil, estuda a religião dos negros, em 1900. (BASTIDE, 1971, p. 33). Nina Rodrigues10 conseguiu fixar a etnografia e o psicologismo como dois pontos de referência do estudo das religiões afro-brasileiras para toda a primeira metade do século XX. “Poder-se-á corrigi-lo, recusar seus preconceitos raciais ou seus estereótipos sobre o negro, mas sempre colocar-nos-emos nas mesmas perspectivas que ele, as da Psicologia e da Etnografia.” (BASTIDE, 1971, p. 33). Nina Rodrigues era médico-legista e interessou-se primeiramente em estudar o fenômeno de possessão que ocorria e ocorre nas seitas africanas como fenômeno patológico e passou a registrar e descrever, durante anos de pesquisa, a formação do sincretismo religioso entre santos católicos e deuses africanos, bem como as variações desse sincretismo nos candomblés de africanos puros e nos candomblés de crioulos da Bahia. “A aculturação é então por ele concebida como uma europeização progressiva do 10 RODRIGUES, Nina. O animismo fetichista dos negros da Bahia. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1900. 40 negro, moderada pela “incapacidade ou morosidade de progredir por parte dos negros”.” (BASTIDE, 1971, p. 35). Em 1902, Oscar Freire, também médico da Bahia, pertencente à escola de Nina Rodrigues, marca um progresso em relação a Nina Rodrigues que atribuía sua tese à raça. Este primeiro, direcionou suas pesquisas para a importância de fatores sociais acima dos fatores raciais ou étnicos defendido pelo último. (BASTIDE, 1971). O mais notável discípulo de Nina Rodrigues, sem dúvida, foi Arthur Ramos, igualmente médico legista que dedicou quase toda sua vida aos estudos das civilizações africanas no Brasil. Sua grande contribuição para os estudos afro-brasileiros foi seu anti-racismo, seu antietnocentrismo e por ter substituído a velha noção de princípios de civilizações superiores e inferiores pelo da “relatividade das culturas” (BASTIDE, 1971). “Ninguém fez mais que ele para dar ao brasileiro de cor o orgulho pelas suas origens étnicas. Os critérios por ele utilizados na pesquisa são os mesmos de Nina Rodrigues, isto é, o psicologismo e a Etnologia.” (BASTIDE, 1971, p. 35). No entanto, do ponto de vista psicológico, Arthur Ramos, utilizou a psicanálise para explicar os fenômenos de origem africana. Para ele o sincretismo dos mitos e os ritos afro-brasileiros resultavam da analogia entre o inconsciente do negro e do branco. O mesmo utilizou da Antropologia Cultural norte-americana de Levy-Bruhl sobre a mentalidade primitiva e estabeleceu que os fenômenos de aculturação fossem descritos, mas não aplicados pelas conjunturas econômicas e sociais, embora as civilizações necessitem de bases materiais que condicionem os seus processos e os seus efeitos. (BASTIDE, 1971). Contudo, segundo Bastide (1971), faltou a Ramos acrescentar em seus estudos psicanalíticos os aspectos sociais, políticos e econômicos. Como Arthur Ramos, outros grupos de pesquisadores contribuíram para os estudos da religião afro-brasileira, tais como: Gonçalves Fernandes com a pesquisa de Xangôs em Recife; Nunes Pereira com a Casa de Minas no Maranhão; Edson Carneiro com os Candomblés de Caboclos. (BASTIDE, 1971). Herskovits iniciou um segundo período de pesquisas sobre os negros brasileiros, ao estudar as religiões africanas no Haiti, Daomé e na Guiana Holandesa. Ao chegar ao Brasil, o referido pesquisador, continuou os estudos de aculturação afro-americana e enviou alguns pesquisadores brasileiros aos E.U.A para estudarem a disciplina Antropologia Cultural. Dentre eles Octavio da Costa Eduardo e René Ribeiro nos estudos das seitas africanas no nordeste (Maranhão e Recife). (BASTIDE, 1971). 41 Embora mantivesse seus estudos voltados para o psicologismo e a Etnologia, a contribuição de Herskovits se destaca no fato de ter concebido o transe místico com reflexos condicionados como um processo cultural normal e não mais patológico, abrindo espaço para o estudo de unificação entre o estudo do psicológico ao estudo do cultural. Porém, em seu trabalho utilizou-se da Antropologia Cultural que se preocupa em descrever apenas os fenômenos culturais ao invés de ultrapassar esse campo de pesquisa. Ou seja, faltava uma análise sociológica que explicasse a integração da religião afro-brasileira nos quadros dos conceitos sociológicos. (BASTIDE, 1971). Sepelli, ao fazer uso da sociologia, descreveu relações sociais estabelecendo uma relação das integrações psíquicas e históricas, e embora fosse além das explicações econômicas, manteve-se ligado às bases marxistas. Mas Bastide (1971, p. 41-42) esclarece que: A confusão entre obra cultural e ideologia torna-o cego para certas variações importantes da religião [...]. Em segundo lugar, sua explicação repousa, em última análise, mais sobre as formas de produção que sobre as estruturas sociais [...]. A dialética social é mais rica que a marxista [...]. Se esta sociologia não pode substituir a Etnologia, deve integrá-la e dar-lhe sentido. O que faltou a Sepelli foi justamente esta base etnológica. (BASTIDE, 1971, p. 42). Roger Bastide (1971, p. 42) reforça esta idéia ao afirmar que: “Por certo nossa investigação é insuficiente em face da riqueza desses cultos. Pelo menos estamos conscientes de suas falhas e não tentaremos explicar o que ainda está por descobrir.” Portanto, sua pesquisa sobre as religiões afro-brasileiras foi uma tese de Sociologia fundamentada numa observação etnográfica de vários anos. E termina por dizer que: A experiência que daremos é uma experiência vivida [...]. Nossa tarefa é compreender a realidade brasileira em toda sua originalidade e não encerrá-la no geral, mas chegar até a generalização apenas quando ela trouxer algo de novo a uma Sociologia Teórica das relações dialéticas entre estruturas sociais e religiões e entre civilizações heterogêneas. (BASTIDE, 1971, p. 44). Bastide (1971) ao tentar definir a cultura, o social e o transe das religiões, defendeu o que ele chamaria de uma sociologia do misticismo ao analisar a interpretação de civilizações e das relações entre as estruturas sociais e os valores religiosos; no caso das seitas afro-brasileiras, essas interpretações se encontram interligadas. 42 Ao contrário de Durkheim, Bastide (1971) passou a analisar primeiro os aspectos da religião relacionados à sociedade por intermédio de uma consciência coletiva estruturada segundo as normas da religião africana. Ao aportar ao Brasil, os descendentes dos africanos passaram a estar envolvidos em dois mundos diferentes e até opostos ao mesmo tempo: o da religiosidade afro-brasileira e o da comunidade multirracial nacional e reforça que nestes dois mundos as relações de infra e de superestrutura são invertidos. Os descentes de africanos por um lado mantiveram sua identidade através de „nichos religiosos‟ que „reproduziam‟ suas estruturas, por outro lado, à medida que esses descentes foram ocupando uma posição nas estruturas da sociedade brasileira vão modificando esses valores tradicionais. O autor chamou a isto de “princípio de corte”, princípio este, que facultou aos herdeiros da cultura afrobrasileira a viverem nestes dois mundos diferentes evitando tensões e choques. À medida, porém, que se modificam e intensificam as estruturas sociais, bem como a constante pressão sofridas por esses descendentes, surge então a dialética oposta entre a superestrutura e a infra-estrutura, ou melhor dizendo, entre o cultural e o social. São essas estruturas que agora vão agir sobre os valores para os metamorfosear, ou então substituir os velhos pelos novos. Ora, assistimos a três dessas revoluções da base morfológica da sociedade afro-brasileira: a primeira fazendo-a passar do regime das linhagens para os das “nações”; a segunda, do regime da escravatura para o trabalho livre; a terceira, consecutiva à industrialização e a urbanização do país. (BASTIDE, 1971, p. 518). Assim, Bastide (1971) estabeleceu três momentos da religiosidade/religião afrobrasileira (valores religiosos) interligados ao sistema histórico-social (sistemas de produção) que passam da memória coletiva ao individualismo e tentam de alguma forma resgatar novamente essa memória coletiva. Sendo a primeira metamorfose estabelecida pela perda das divisões das famílias e dos clãs africanos que no Brasil passaram a misturar etnias africanas dando origem às nações que proporcionaram o surgimento dos candomblés. A segunda metamorfose se deu ao iniciar a mudança da mão de obra escravista para a mão-de-obra assalariada e o aumento da pobreza cultural e social que proporcionou o surgimento das macumbas. A terceira metamorfose se deu no final do século XIX e início do século XX com a industrialização e a urbanização e, também, com a tentativa de fortalecer e estabelecer a cultura dilacerada dos negros, bem como o desejo da ascensão social dos mesmos. Foi nessa tentativa e esforço de salvar os 43 aspectos culturais e sociais, que se fez o surgimento do espiritismo de Umbanda. (BASTIDE, 1971). Na primeira metamorfose tanto o conteúdo, como a expressão do misticismo africano são culturalmente determinados. Na segunda metamorfose, os complexos individuais tendem a predominar sobre a tradição. Na terceira metamorfose prevalecerá a vontade de se fundir na civilização nacional definida pela mistura de três religiões, paralela a mistura de três raças formadoras da nação brasileira. Assim, na tentativa de uma supercompensação gerada pela frustração de toda uma classe de cor é que nasce a Umbanda em um período de reestruturação que caminha a par de uma desestruturação. Por isso, Bastide (1971) conclui existir uma sociologia do misticismo, sendo que, a morfologia social desempenha um papel principal nessa sociologia. Segundo ele: [...] não podemos encarar esse papel da mesma forma em que o faz Durkheim. Halbwachs nos parece ter trazido sobre a questão uma opinião mais justa, ao mostrar que a Igreja, proporcionando o misticismo cristão seus quadros conceptuais e seu conteúdo de imagens, as estruturas agem somente no interior dessa tradição, não deixando passar senão os conceitos ou as imagens que podem aplicar-se às formas de vida no momento. É uma dialética análoga dos valores e das estruturas que se pode edificar uma sociologia objetiva dos outros tipos de misticismo [...]. A permeabilidade desse transe às pulsões pessoais nos apareceu, em verdade, ligada ao individualismo adquirido nas metrópoles industrializadas, pelo negro que se proletariza ao contato dos brancos. (BASTIDE, 1971, p. 522-523). Bastide (1971) como já foi dito acima, também analisou as pesquisas da Antropologia ao definir os encontros das civilizações através das categorias utilizadas por essa ciência: conceitos de resistência e conservação, de adaptação e sincretismo, de assimilação e contraculturação e, embora não desmerecesse essas categorias terminou por perceber que essas tais categorias da Antropologia são de uma extrema generalização, uma vez que essas categorias são aplicadas indistintamente em qualquer tipo de sociedade. “Em uma palavra, e para resumir nossa crítica, os conceitos gerais de antropologia nos parecem válidos, porém demasiado amplos. O papel do sociólogo é especificá-los. É ver não o que há neles em comum, mas o que há de particular no encontro das sociedades globais.” (BASTIDE, 1971, p. 524). Assim torna a dizer que “o conceito de memória coletiva liga, ao contrário, mas estreitamente, a civilização ao grupo, mostra-nos as lembranças comuns unidas às estruturas, a objetos materiais, a um 44 determinado espaço, agarradas enfim, a marcas temporais.” (BASTIDE, 1971, p. 524525). Equivale a dizer que o mérito do conceito de memória coletiva é introduzirnos de imediato numa visão sociológica do problema de aculturação [...]. Os encontros ou as interpretações das civilizações não se fazem no vácuo, mas em contextos sociológicos bem determinados [...]. Quando, por exemplo, falamos da resistência, encaramos sem dúvida, essencialmente, a resistência religiosa, pois a religião constituía o centro desta tese; entretanto não a separamos da resistência racial, negros contra brancos, nem da resistência econômica. (BASTIDE, 1971, p. 525). Ao retratar cultura (superestrutura) que se liga intimamente ao social em seus aspectos políticos e econômicos (infra-estrutura), Bastide (1971) procurou evitar a separação cartesiana entre corpo e alma conforme já havia feito Scheler que separou brilhantemente os fatores culturais dos sociais, mas, no entanto não conseguiu relacioná-los novamente. Bastide (1971, p. 527) deixa isto claro quando reforça que: O problema da aculturação apresenta dificuldades análogas, quando a rasgamos para em seguida recosê-la; mesmo que a costura seja fina, percebese malgrado isso, o traço dos fios. A consciência coletiva é sempre uma consciência encarnada em estruturas ou situações, assim como a matéria social é sempre matéria culturalizada. Razão porque, mesmo que o tráfico negreiro tivesse rompido os complexos socioculturais e desprendido as supra das infra-estruturas, falamos de encontros entre sociedades globais, não de simples encontros de civilizações. É certo também que as ideologias variam, como por exemplo: a escravidão no Brasil apresentou aspectos diferenciados em diferentes regiões. No entanto, Bastide (1971) reconhece a necessidade da abstração na sociologia no intuito de encontrar „leis gerais‟ ou „correlações funcionais‟. Por isso, devido à complexidade do recorte de fatores indutivos e do recorte de fatores dedutivos, deixou claro a necessidade de novos estudos para aprofundar e encontrar ligações necessárias entre ideologias como modelos particulares de um povo ou região e ideologias como modelos gerais. “O homem dividido, lugar de combate entre dois mundos que se defrontam dentro dele, certamente existe; mas ele é, de preferência, o produto de fatores sociais (discriminações raciais, regime de castas, hierarquia de cores) que de fatores propriamente culturais.” (BASTIDE, 1971, p. 529). Vale dizer que as infra-estruturas econômicas não agem sempre, ou imediatamente, sobre as superestruturas, que a dialética internada nossa primeira sociologia em profundidade deve dar um lugar importante aos fatos do “corte”, aos fenômenos de hiato, e que não devemos esquecer a realidade 45 das descontinuidades sociais. Mesmo que estabelecêssemos ligações de causa e efeito entre os regimes econômicos e os valores religiosos, essas ligações podem ser rompidas; as correntes de ação e reação que vão de uns a outros podem ser impedidas em certas circunstâncias históricas para só recomeçarem a agir mais tarde, ou não mais agir absolutamente. (BASTIDE, 1971, p. 540). A citação acima sintetiza a perspicácia do autor ao apontar que os aspectos econômicos não sobressaem sempre e necessariamente sobre os aspectos religiosos. Muitas vezes, os estudiosos das ciências sociais e humanas não poderão prever as descontinuidades sociais entre infra e superestrutura. Ainda que reconheçam a existência desse fenômeno de descontinuidades sociais, não conseguirão decodificar „a coisa em si‟. Mesmo considerando causa e efeito e a justaposição no campo social e histórico, algo se perde, se esvai, podendo ter aparentemente sumido, talvez retornar mais tarde na memória coletiva, talvez se perder para sempre ou até mesmo nunca ser mensurado. O que também chamou a atenção de Bastide (1971) foi o “princípio de corte” na tentativa de solucionar o problema da generalização aculturativa, pois, o mesmo, achava impressionante os fatores de oposição no Brasil onde a assimilação do descendente do africano à civilização luso-brasileira é a mais completa, mas também onde a distancia social é a mais avançada entre negros e brancos. Ele reforçou que no Brasil esse “princípio de corte” não se fez voluntariamente e sim “foi uma forma instintiva ou automática na tentativa de defender o que pudesse perturbar a paz dos espíritos.” (BASTIDE, 1971, p. 529). “[...] foi o “princípio de corte” que permitiu aos negros justapor dois sistemas de valores e participar sem tensões interiores no mundo moldado pelo espírito capitalista e no mundo moldado pelo espírito comunitário.” (BASTIDE, 1971, p. 540). Os afro-brasileiros passaram a utilizar de duas reinterpretações possíveis: as reinterpretações dos traços culturais ocidentais e por outro lado a reinterpretação dos traços culturais africanos, ou seja, uma dupla aculturação, gerando assim uma aculturação material e uma aculturação formal. Pode-se definir a aculturação material aquela que ainda “não penetrou até o âmago das mentalidades, ou enquanto, em conseqüência do princípio de corte, as mentalidades não mudaram senão em certos domínios, político, econômico, mas não religioso.” (BASTIDE, 1971, p. 532). Já a aculturação formal relaciona-se a mudanças afetivas, o próprio modo de sentir a natureza, o erotismo: mudam. Essa dupla aculturação não gera o abandono imediato da forma de ser e de sentir, mas modificam profundamente a sua significação gerando uma 46 dialética horizontal e vertical. “Mas nos dois casos, o nível fundamental permanece o do simbolismo.” (BASTIDE, 1971, p. 533). O autor completa afirmando que: [...] Nos encontros de civilizações e nos transtornos das estruturas sociais, os símbolos podem mudar para designar os mesmos conteúdos; os mesmos símbolos, ao contrário, para designar conteúdos diferentes. Podem os africanos ser obrigados, por exemplo, para evitar a perseguição dos brancos, a tomar emprestados destes últimos um certo número de traços culturais; estes últimos vão, de então em diante, simbolizar ou significar sua antiga civilização; ou então podem, em sua luta contra a classe dominante, se agarrar às suas realidades religiosas, mas já transformados, em seu foro interior, pela sua própria participação num combate que os obriga a usar as armas de seus adversários; eles então modificam o conteúdo de suas tradições, que agora simbolizam e significam valores novos. [...]. O perigo assinalado por Levy-Bruhl, o de interpretar os fatos pertencentes a outras civilizações que não a nossa, através de nossos próprios valores, permanece inteiro [...]. (BASTIDE, 1971, p. 534-535). Bastide (1971, p. 535) completa que por outro lado “essas significações não perdem os seus valores de humanidade, pois não são mais desligadas dos homens que lutam, de seus dramas, de seus esforços de ruptura ou de integração: são homens engajados em diferentes sociedades, que são os agentes da incessante redefinição dos símbolos”. Trindade (2000) está de acordo com essa redefinição simbólica, na qual existe a perda material da cultura, porém, sem haver um rompimento estrutural do pensamento original. Assim os africanos adotaram a aculturação material européia e reinterpretaram em suas estruturas mentais. Essas reinterpretações foram importantes para o surgimento da Umbanda. 2.4.1 O surgimento da Umbanda segundo Roger Bastide No século XIX, o espiritismo introduziu-se no Brasil, aproximadamente no ano de 1863 e, em sua primeira fase, atingiu uma parte da classe intelectual que difundiu o espiritismo que se pretendia científico e passível de experimentações metapisíquicas e o gosto pelo mistério. No território nacional, essa classe privilegiada passou a pregar o novo evangelho de Allan Kardec que atingia também as classes mais pobres. (BASTIDE, 1971). 47 O espiritismo além de proporcionar a crença na comunicação com o mundo dos mortos passou, em sua segunda fase, a responder a um desejo de saúde física e espiritual, a lutar contra a doença e a miséria. Enfim, o espiritismo foi transformado pelo meio brasileiro ainda mais confiante no “curandeirismo” do que na medicina, portanto, não separando o sobrenatural da natureza, consolo na nova vida urbana. Esse espiritismo passou a atingir o homem branco pobre e atingiu ainda que aparentemente e sutilmente o homem de cor que desejava a subida no estrato social. (BASTIDE, 1971). Na sua representação religiosa os bantos, que predominavam na região sudeste do Brasil, em sua própria cultura já rendiam cultos aos mortos e acreditavam na reencarnação dos antepassados. Os índios por sua vez, povoavam de espíritos a natureza. O espiritismo volta a modificar-se em sua terceira fase, pois, “os espíritos que agora vão encarnar pertenceriam ao mundo dos índios e dos negros. Como se a divisão racial continuasse no além” (BASTIDE, 1971, p. 434). A partir de então, o espiritismo será vinculado ao animismo, no entanto: Os brancos não se deixaram enganar, razão por que designaram esse terceiro e último estrato do espiritismo brasileiro com a expressão pejorativa de “baixo espiritismo”. Este era, ao contrário, para o mestiço de índio ou o descendente de escravos, uma primeira valorização, uma tentativa para se igualarem ao branco, e fazer o animismo passar para a linha da civilização. (BASTIDE, 1971, p. 435). Esse “baixo espiritismo” não ficou restrito à classe negra, pois, muitos homens brancos dele tornaram-se dirigentes, embora a maioria de seus adeptos fossem negros e mulatos. “E isso porque, em conjunto, a estratificação das classes sociais corresponde com pouca diferença a estratificação das cores” (BASTIDE, 1971, p. 435). Por isso, o espiritismo de Allan Kardec aceitaria muitos mulatos e negros sob a condição de que esses recebessem os espíritos dos brancos. “É a velha luta racial que passa do mundo terrestre para o mundo sagrado.” (BASTIDE, 1971, p. 439). Em contrapartida a esse preconceito e racismo no plano do sagrado, o negro reagiu e, daí surge o espiritismo de Umbanda como expressão dessa reação (BASTIDE, 1971). Bastide (1971, p. 439-440) esclarece: Ora, o sucesso dessa nova seita, a primeira no Rio, em seguida nos outros Estados do Brasil – Minas, Rio Grande do Sul, São Paulo, Recife - Prova que 48 ela correspondia à nova mentalidade do negro mais evoluído, em ascensão social, que compreendia que a macumba o rebaixava aos olhares dos brancos, mas que entretanto não queria abandonar completamente a tradição africana. Umbanda é uma valorização da macumba através do espiritismo. E o ingresso de brancos em seu seio, trazendo com eles restos de leituras mal dirigidas, de filósofos, de teósofos, de ocultistas, não podia senão ajudar essa valorização. Pelo menos, em certa medida. Até o momento no qual a valorização se transforma em traição, na qual a origem africana de Umbanda é esquecida. Pois existem uma valorização negra e uma valorização branca que se cruzam, como veremos, por causa desse duplo contingente de adeptos: o de cor e o de origem européia. A luta racial prosseguirá ainda, sob a forma mais sutil, é verdade, e mais disfarçada. Ele explica ainda que: Se é difícil seguir historicamente os primeiros momentos de Umbanda, é igualmente difícil descrevê-los. Pois estamos em presença de uma religião a pique de se fazer-se; ainda não cristalizada, organizada, multiplicando-se numa infinidade de subseitas, cada uma com o seu ritual e mitologia próprios. Algumas, mais próximas da macumba pelo espaço deixado aos instrumentos de música africana e à dança, outras mais próximas do espiritismo, outras enfim tendendo para a magia ou astrologia. (BASTIDE, 1971, p. 440). A própria dificuldade em estabelecer a origem da Umbanda e sobre essa “ignorância lingüística”, se dá, uma vez que muitos desconhecem a etimologia do termo Umbanda. Pesquisado por Arthur Ramos, esse termo é derivado do termo Quimbanda que, em Angola, é o modo pelo qual é nomeado o chefe supremo do culto. Sobre essa ignorância lingüística, a fantasia do branco adepto de Umbanda cunhou as mais curiosas variações: desde a palavra de origem sânscrita até o nome de um anjo do Eterno. Ou ainda, na tentativa de responder às críticas dos Kardecistas, alguns adeptos de Umbanda passaram a associá-la e a ligá-la às mais antigas e mais altas civilizações, como a lendária Lemúria, ou o próprio Egito, ou ainda à Índia, acreditando assim que os ecos sagrados de Umbanda chegariam até os dias de hoje, ainda que de forma distorcida. O desconhecimento lingüístico abre espaço para a imaginação. (BASTIDE, 1971). Através de todas essas explicações contraditórias, há entretanto em jogo a mesma aspiração. Para além da nostálgica visão da África ancestral, a vontade de privar a África da paternidade de Umbanda; de não fazer dos escravos trazidos para o Brasil senão um elo de uma corrente iniciática que remonta muito mais alto, até o Egito ou a Índia ou ao Cristo. Mas ao mesmo tempo, o mito da Lemúria faz do negro primitivo o campeão da mais alta civilização que ao redor dos Trópicos, a guerra de extermínio dirigida pelos brancos ou as catástrofes cósmicas puderam sem dúvida degradar, mas que jamais pôde perder totalmente. O que nos leva nesse jogo de representações mitológicas, de confusão de etimologias, a discernir, unindo-se e contrariando-se as duas ideologias do negro que deseja se valorizar à medida 49 em que melhora a sua situação na escala social, e do branco, que conserva nas profundezas do seu inconsciente, mesmo quando adepto de Umbanda, o preconceito de cor. O sagrado sempre permanece o lugar de encontro dos interesses humanos, das atitudes de classe e o reflexo das estruturas urbanas. (BASTIDE, 1971, p. 443). Desse culto afro-brasileiro, Umbanda, o que se assemelhava ao espiritismo de origem européia como, por exemplo, a comunicação com os espíritos era/é tolerado; contudo outros aspectos chocavam-se com a mentalidade civilizada, tais como: sacrifícios de animais e danças sensuais. Daí temos a cisão da macumba em duas esferas: uma, o espiritismo de Umbanda que conservaria os elementos afins civilizados e, a outra, a magia de Quimbanda que será interpretada como ligação com as forças inferiores e até demoníacas. (BASTIDE, 1971). A Umbanda sintetizou o culto dos deuses da natureza de origem ioruba com a descida dos espíritos de negros e índios antepassados no corpo dos médiuns. Sendo assim: O espiritismo de Umbanda não somente retém os elementos essências da macumba ou do candomblé, mas ainda conserva, da religião africana, o sistema de correspondências místicas entre as cores, os dias, as forças da natureza, as plantas e os animais. Mas tais correspondências, em vez de aparecerem como sobrevivências de uma mentalidade primitiva submetida à lei de participação, ainda vão ser aqui valorizadas, pesadas através das doutrinas de Proclus, de Paracelso, e nos livros dos modernos apologetas de Umbanda encontrar-se-á a mais divertida mistura de nomes de filósofos, desde Platão até... Victor Cousin, considerado o padrão do sincretismo religioso ao mesmo tempo que chefe da escola eclética. Por isso mesmo tais correspondências nos afastam de um espiritismo de falanges de mortos dirigidas por divindades africanas, índias, pelos santos católicos, ou pelos chefes das legiões do espaço, para nos aproximar do ocultismo; Umbanda se torna a forma africana da magia branca. (BASTIDE, 1971, p. 447). A Umbanda, em seu ritual e em seus dogmas, será muito mais uma justaposição, do que fundação do espiritismo ou ocultismo fazendo descer os fluidos astrais pelos cantos aos deuses africanos e em seguida receber os fluidos dos caboclos e velhos negros desencarnados, certos de que durante suas existências terrestres, não se serviam da riqueza dos reinos da natureza senão para o estritamente necessário, o que não é feito pelo civilizado que arranca e destrói a natureza ambiciosa e implacavelmente (BASTIDE, 1971). Aliado a isto, a Umbanda visa certa racionalização, pois: O processo de criação de Umbanda é um processo puramente sociológico, não obedecendo senão as causas sociais, não se explicando senão pelo 50 contato das civilizações. Mas se o vulgo pode aceitar a contradição em si próprio, pois, não a sente aquele que reflete deseja ultrapassar o estágio do homem marginal, dividido contra si mesmo; daí essas racionalizações. No entanto elas permanecem frágeis ou contraditórias, pois, sob a harmonia do sistema, nem por isso deixam os mitos continuar. Uma dentre as duas correntes acabará por vencer, corrente que será ora o espiritismo, ora a macumba africana, mas a macumba elevada a uma requintada teogonia. (BASTIDE, 1971, p. 449). 2.4.2 Umbanda: depuração e valorização Já foi visto antes que os cultos afro-brasileiros, segundo Bastide (1971) passaram por três fases morfológicas: a primeira fase morfológica refletiu os agrupamentos fechados, tais como, Candomblés, Cabulas e Catimbó que se desagregaram paulatinamente e paralelamente para a segunda fase de desagregação desses cultos dando origem aos candomblés rurais e a macumba e a terceira fase com a urbanização e o surgimento de classes, que se tentavam ajustar em uma nova forma de solidariedade no interior de uma sociedade capitalista e industrial, tendia a se formar reagrupando os homens dispersos provindos das mais diversas “comunidades”. Por isso, o espiritismo de Umbanda reflete a imagem da urbanização sob o signo da mística tentando agregar valores religiosos ligados à tradição e ao mesmo tempo tentou conciliar com as transformações da política com seus novos valores. “Na religião, ao contrário, o passado resiste a mudança, pois a tradição é sagrada em essência. O novo deve, portanto, se inserir no velho, sem destruí-lo. Trata-se de uma adaptação do mundo moderno, de uma renovação, de preferência a uma inovação.” (BASTIDE, 1971, p. 468). É no campo social entre os valores religiosos e os valores políticos que Roger Bastide (1971) reforçou os conceitos: depuração e valorização. A depuração visa eliminar a herança ancestral tratando de criar um novo tipo de homem, distinto do africano considerado “selvagem” e do escravo degredado. Na valorização, ligada ao campo religioso, não se pode fazer um tipo de fé, por isso, não se trata de regenerar como na depuração, mas sim, de purificar. “E essa purificação assumirá necessariamente a formação de um regresso, para além das formas decadentes.” (BASTIDE, 1971, p. 468). 51 Essa valorização justifica a razão porque a Umbanda procura suas raízes na Índia ou no Egito. “Mas fique entendido essa racionalização é uma ilusão. A depuração não é uma descoberta do passado, mas uma adaptação ao presente.” (BASTIDE, 1971, p. 468). Ou seja, dupla seleção onde se possa concordar os aspectos da religião primitiva com a ciência e a moral de hoje, porém, “por mais que se depure a religião não se pode mudar tudo, pois, neste caso sair-se-ia da religião antiga para fundar outra. Resta sempre algo que não se pode eliminar; daí a valorização.” (BASTIDE, 1971, p. 468-469). Sendo assim, depuração e valorização se confundem em seus efeitos. “Daí sem dúvida, as complicações que fazem, por exemplo, que o espiritismo de Umbanda misture o preconceito racial trazido pelo branco com a valorização africana [...].” (BASTIDE, 1971, p. 470). Eis a rica simplicidade da Umbanda. A mesma, forneceu uma base mística ao nacionalismo mulato e mestiço numa fusão simbólica das raças formadoras do povo brasileiro, uma coloração fraternal acrescentando do cristianismo suas virtudes de caridade (BASTIDE, 1971) e sobre o sinal da cruz encontra-se a encruzilhada. “Outrora eram as imagens de santos católicos que serviam de máscaras aos orixás; agora, são os orixás que servem de máscaras às novas necessidades e às novas atitudes de um grupo social em ascensão.” (BASTIDE, 1971, p. 471). Essa visão acima passaria a ser reinterpretada. Segundo Negrão (1996), Roger Bastide permanece ainda em posição de destaque no estudo dos cultos afro-brasileiros, no entanto, é preciso levar em consideração que ele, Bastide, privilegiou cuidadosamente os estudos do Candomblé como paradigma do sagrado autêntico, “comparativamente a estes, superficiais e rápidos estudos sobre as “degradadas” Macumba e Umbanda.” (NEGRÃO, 1996, p. 27). Por enquanto, deixemos essa visão do pesquisador Lísias Negrão (1996) para outro momento, visto que a mesma será melhor analisada e detalhada no capítulo 4“Umbanda e seus aspectos híbridos: 4.5: Umbanda e contemporaneidade”. O capítulo seguinte visa identificar historicamente a manifestação do passado dos cultos-afros (Umbanda) em Minas Gerais a partir de um recorte da manifestação do presente do culto de Umbanda na região metropolitana Belo Horizonte através do espaço externo e público para em seguida direcionar-se para o espaço interno: os terreiros/tendas/centros de Umbanda. 52 3 A MANIFESTAÇÃO DA UMBANDA: PASSADO E PRESENTE 3.1 Cultus como expressão do passado: Influência religiosa afro-brasileira no Brasil e em Minas Gerais. Segundo Souza (1989) a população colonial brasileira foi constituída por convivência e interpenetrações de populações de procedências de vários e diversos credos aliados à feitiçaria e à religiosidade popular. “Dar conta dessa complexidade significava compreendê-la como o lugar em que se cruzavam e reelaborando-se „níveis culturais múltiplos, agentes de um longo processo de sincretização.” (SOUZA, 1989, p. 16). O imaginário do homem ibérico ao apontar a América e ao Brasil no século XV, era um imaginário medieval, ou seja, o domínio de Deus e a conquista do demônio eram constantes nessa estrutura mental do branco europeu civilizado (SOUZA, 1989). A autora ilustra bem esse imaginário ibérico ao citar frei Vicente do Salvador e nos esclarece: O texto de nosso primeiro historiador é extraordinário justamente por dar conta da complexidade subjacente às duas possibilidades: enxergar-se a colônia como domínio de Deus – como Paraíso – ou do diabo- como inferno. Para frei Vicente, o demônio levou a melhor: Brasil foi o nome que vingou, e o frade lamenta que se tenha esquecido a outra designação Terra de Santa Cruz, muito mais virtuosa, e conforme aos propósitos salvacionistas da brava gente lusa. (SOUZA, 1989, p. 28-29). Portanto, a época das “descobertas” era exageradamente religiosa: o humano, o divino e o natural mantinham intensas relações no universo mental constante e contraditório: Deus e o diabo, paraíso e inferno, virtude e pecado. Esses elementos contraditórios e constantes causaram vertentes positivas e negativas nas „novas terras‟ descobertas pela expansão marítima (SOUZA, 1989), transubstanciando-se ora no mito do “bom-selvagem”, ora no mito do “mau-selvagem”, já explicitado em capítulo anterior. Mais uma vez, Laura de Mello e Souza nos esclarece sobre a herança imaginária do branco Ibérico sobre o Brasil: 53 [...]. Mas no que disse respeito à humanidade diversa, pintada de negro pelo escravo africano e de amarelo pelo indígena, venceu a diferença: infernalizou-se o mundo dos homens em proporções jamais sonhadas por toda teratologia européia [...] ante o canibalismo e a lassidão do indígena, a feitiçaria e a música ruidosa dos negros, a mestiçagem e, por fim, o desejo de autonomia dos colonos, houve repudio. (SOUZA, 1989, p. 32). O índio nativo era visto simultaneamente como outra humanidade, animais e demônios, além de preguiçosos. “A violência cotidiana era uma das faces com que se pintava a humanidade ameaçadora, que colocava os europeus entre o risco de ser flechado e o de ser comido” (SOUZA, 1989, p. 59). Por isso, o indígena deveria ser enquadrado numa ordem política e autoritária e até mesmo, a escravidão. Através dos jesuítas, sobretudo Nóbrega, a colônia passou a ser vista como purgatório e a catequese seria o veículo da metrópole para a salvação dos gentios através de missionários jesuítas. Esses missionários com suas concepções européias carregadas da presença do demônio, fizeram com que o mal estivesse sempre presente e de forma insuportável. Para eles, a expressão cultural do indígena era atributo do diabo, sendo a colônia a terra onde proliferavam os servidores de satanás. Nesse contexto as religiões dos indígenas e dos africanos eram considerados aberrações satânicas. Os missionários procuravam extirpar com zelo quase fantástico os menores vestígios do que era interpretado como idolatria, ignorância, superstição e aberração da “santa fé católica”.” (HOORNAERT, 1982, p. 65). Como conseqüência dessa concepção européia escolástica, eles consideravam sempre as religiões de indígenas e africanos como aberrações satânicas (SOUZA, 1989). Por isso, a idéia do indígena como humanidade inviável passaria a ser reflexo de toda a população da colônia através da mestiçagem, como nos diz Souza (1989, p. 64): Ao tratar dela (a mestiçagem), Barléu comparou-a à semiferocidade: “mesclando-se entre brancos e negros, nascem os trigueiros, corrigida a negrura por uma coloração mais clara”; a este tipo, os espanhóis chamavam mulatos, e os romanos, de híbridos, “isto é, gerados de pais desiguais, como os semiferozes, nascidos de ferozes e de mansos. O historiador Antonil, dá continuidade ao pensamento de Nóbrega relacionado à escravidão negra, ao associar o processo de limpeza e purificação do caldo de cana, o purgar o açúcar ao purgar os pecados, misturando sangue, suor e lágrimas para depurarse na doçura da tarefa final. O Brasil colônia-purgatório seria uma transição entre a 54 terra da escravidão (África) e o céu; a escravidão colonial seria uma pedagogia salvacionista e como purgatório, uma esperança para o cristão. Junto aos indígenas e negros, os portugueses pecadores e infratores eram degredados na colônia: vale de lágrimas (SOUZA, 1989). Para Antonil: “O Brasil é inferno dos negros, purgatório dos brancos e paraíso dos mulatos e das mulatas.” (ANTONIL11, 1711 apud SOUZA, 1989, p. 79). A formação do Brasil colônia começava a germinar de alguma forma a identidade do povo e da cultura brasileira, conforme o trecho abaixo: Natureza edênica, humanidade demonizada e colônia vista como purgatório foram as formulações mentais com que os homens do velho mundo vestiram o Brasil nos seus três primeiros séculos de existência. Nelas, fundiram-se mitos, tradições européias seculares e o universo cultural dos ameríndios e africanos. Monstro, homem, selvagem, indígena, escravo negro, colono que trazia em si mil faces do desconsiderado homem americano, o habitante do Brasil colonial assustava os europeus, incapazes de captar sua especificidade. Ser hibrido, multifacetado, moderno, não poderia se relacionar com o sobrenatural senão de forma sincrética. (SOUZA, 1989, p. 84-85). Podemos perceber no fragmento acima de Melo e Souza (1989) que a formação da gênese cultural brasileira é por excelência sincrético e resignificado simbolicamente por culturas diferentes que de alguma forma deveriam manter suas heranças culturais e por outro lado, reelaborarem novas interpretações simbólicas que, portanto, passaram a serem híbridas e multifacetadas. Assim se fez o Brasil. Hoornaert12 (1979) citado por Souza (1989, p. 87-88) completa: Mestiços de branco, índio e negro, estaríamos como que “condenados” ao sincretismo pelo fato de não sermos uma cristandade romana: um bispado em cem anos, ausência das visitas pastorais recomendadas por Trento, que aliás, só teria sido aplicado no Brasil no século XIX [...], daí uma igreja que admitia a escravidão, imprescindível à exploração colonial. A originalidade da cristandade brasileira residiria, portanto, na mestiçagem, na excentricidade em relação à Roma e no eterno conflito representado pelo fato de, sendo expressão do sistema colonial, ter que engolir a escravidão: uma cristandade marcada pelo estigma da não fraternidade. 11 ANTONIL, André João. Cultura e opulência no Brasil por suas drogas e minas (1711). São Paulo: Companhia Editora Nacional, s.d. 12 HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1979. 55 No entanto, Gilberto Freire13 (1958) apud Souza (1989, p. 88) ao se referir as etnias “branca, negra e indígena, refundiu espiritualidades diversas num todo absolutamente específico e simultaneamente multifacetado.” A colônia estava fadada ao sincretismo religioso perpetuado, em um primeiro momento, pela camada dominante, causando sincretismo afro-católico dos escravos que resignificavam seus mitos religiosos em “nichos” ou como disse Bastide (1960) 14 apud Souza (1989, p. 94) "a religião africana secretou sua própria concha. A religião africana vivida pelos escravos negros no Brasil tornou-se assim diferente da de seus antepassados mesmo porque não vinham os escravos de um mesmo local, não pertencendo a uma única cultura.” O sincretismo religioso no Brasil colônia sobreviveu pela sua constante vivência. “É nessa tensão entre o múltiplo e o uno, entre o transitório e o vivido que deve ser compreendida a religiosidade popular da colônia” (SOUZA, 1989, p. 99). É também através desse vivenciado religioso é que o culto afro-católico de início tolerável passou a ser intolerável, condenado e horrível. Pois, segundo as autoridades religiosas, “os brasileiros de cor estavam desvirtuando o cristianismo, fazendo dele uma mistura de imoralidade e cerimônias burlescas.” (BASTIDE, 1960 apud SOUZA, 1989, p. 100). Assim passava a ser visto as manifestações religiosas dos brasileiros, sobretudo afrobrasileiros, pela camada colonial dominante. “Crenças africanas e indígenas foram demonizadas pela erudição colonial. O cristianismo e o escravismo refletiam tensões sociais: o diabo nos cultos afros “brasileiros” e Deus na “reza do credo de Portugal.” (SOUZA, 1989, p. 150). Por outro lado, essa mesma camada dominante reforçava a religião popular que não se preocupa com a salvação eterna, ela busca a realização das múltiplas e singelas exigências do cotidiano. (SOUZA, 1989). Na formação colonial do Brasil, o colono tentava transplantar em seu imaginário sua terra natal lusitana, porém, geograficamente era impossível essa transplantação de habitat. Essa impossibilidade de incorporar sua terra natal às terras brasileiras, fez do imaginário do português um misto de empobrecimento cultural e uma dependência espiritual católica sobre os elos políticos e econômicos. O imaginário português era um imaginário de melancolias e saudades da terra natal. 13 Mesmo habitando regiões FREIRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob regime de economia patriarcal. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1958. 14 BASTIDE, Roger. Les religions africaines au Brésil: vers une sociologie des interpretations de civilisations. Paris: PUF, 1960. 56 diferentes da colônia, esse imaginário melancólico, foi capaz de certa forma, de manter a mesma cultura ibero-portuguesa. (BASTIDE, 1971). O negro diferentemente do branco foi arrancado à força de sua terra. “E eis que esta civilização era arrancada de sua base morfológica e institucional para flutuar de algum modo no vácuo.” (BASTIDE, 1971, p. 64). Na própria região da África, ao serem capturados, misturavam-se diferentes clãs e diversas etnias, renascendo uma outra forma de solidariedade que continuou no Brasil: “Os negros chamavam malungo15 aqueles que tinham viajado no mesmo navio.” (BASTIDE, 1971, p. 64). Tudo se fez como se uma fenda se abrisse entre os diversos níveis da Sociologia em profundidade, no estágio dos símbolos, alargando-se para deixar intactas em grande parte as representações coletivas, os valores e mesmo as palpitações da consciência coletiva, enquanto desmoronavam as estruturas e as normas que as sustentavam. (BASTIDE, 1971, p. 64) A união de negros urbanos, como nas cidades dos portos e das minas, permitiu a solidariedade de diferentes nações que passou a recriar etnias mais ou menos organizadas, reforçando a implantação da África no Brasil. Assim, temos em primeiro lugar que “Os modelos africanos puderam influenciar esta reestruturação, mas também sofreram influência dos modelos europeus impostos, como as confrarias ou as associações de danças dos negros em “nações” (BASTIDE, 1971, p. 83). E em segundo lugar: “os fatores positivos, de ordem demográfica ou institucional, atuaram principalmente nas zonas urbanas. “Daí, a conseqüência, que constataremos várias vezes, que as religiões africanas são mais fieis, mais puras e mais ricas nas grandes cidades que nas regiões rurais.” (BASTIDE, 1971, p. 83). Ademais: A descoberta das minas não só atraiu portugueses, como também ocasionou deslocamentos populacionais do Norte do Brasil para o Sul, e a criação do gado, com o transporte consecutivo do mesmo das zonas de pastagem aos centros de consumo, não só teceu entre células dispersas dos clãs familiares uma vasta rede, prelúdio econômico a uma unidade política, mas fez também todos se reaproximarem e sentirem a homogeneidade de suas crenças, sentimentos e hábitos. (BASTIDE, 1971, p. 63-64) 15 Segundo Lima (1997) o termo Malungo, surgiu durante a viagem dos navios negreiros para a América. Malungo foi sinônimo de companheiro e camarada entre os negros escravizados de diferentes etnias. Foi também uma espécie de antídoto ao banzo (tristeza profunda). Alguns autores, como Bastide (1971) por exemplo, também discorreram sobre o termo Malungo em suas obras. 57 No século XVIII no surgimento de Minas Gerais devido à extração do ouro, o sistema escravista tornou-se mais complexo e mais intensamente urbanizado. Foi também em Minas Gerais que provavelmente tenha ocorrido a maior concentração de quilombos do período colonial e foi também onde se preservou o complexo cultural africano envolvendo práticas mágicas e feitiçarias nos conflitos entre senhores e escravos. (SOUZA, 1989). Em Minas Gerais, o Calundu parece ter se generalizado, foi a capitania mais urbanizada da colônia além do elevado contingente de escravos que passaram a ter vivência social mais intensa, organizando-se em quilombos ou confrarias seja incluso ou excluso do sistema dominante. Se ao negro era negado direitos pertencentes ao branco, estes primeiros refugiaram-se em valores místicos, por isso, a resistência aos brancos aconteciam no plano social e também no plano religioso. (SOUZA, 1989). Diabo, práticas mágicas, feitiçarias eram, muitas vezes, vistos com naturalidade, faziam parte do dia-a-dia. Tinham chegado à colônia com os portugueses, suas raízes se perdiam na noite dos tempos, na tradição popular européia. Aqui entroncando-se em outras culturas, ganharam novas cores. [...]. Ambos datam do século XVIII, como processo de sincretismo mágico exigisse um tempo de maturação e, ao mesmo tempo, caminhasse paralelamente ao que elaborava a consciência colonial. (SOUZA, 1989, p. 273) Mais uma vez Laura de Mello e Souza (1989) com grande sensibilidade nos relata e resgata em seu capítulo “Histórias extraordinárias: o destino de cada um”, através de processo inquisitorial, a memória e a vida de Luzia Pinta que acabou por reforçar o culto afro-brasileiro em Minas Gerais, cidade de Sabará, já existente em meados do século XVIII. Luzia Pinta era uma negra vinda de Angola, tinha entre 50 e 60 anos, foi denunciada, interrogada e enviada a Lisboa para ser julgada. “Preta baça, alta e grossa de corpo, com um sinal mais perto da testa e em cada face outro” (ANTT16, Inquisição de Lisboa, processo nº 252, mº-26 apud SOUZA, 1989, p. 352). “A Calundeira Luzia Pinta mandava que os doentes ajoelhassem diante dela assoprando-os e cheirando-os para conhecer sua queixa e saber de que doenças padeciam [...]. Era negra natural de Angola” (SOUZA, 1989, p. 169). Uma “perfeita” mãe-de-santo do período colonial, foi acusada de cerimônia noturna, o Calundu, vestindo roupa própria e na cabeça com grinaldas ou tocas dançando ao som de 16 Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Lisboa (1742-1744). 58 instrumentos musicais, entrava em transe com tremuras e atendia pessoas dando-lhes respostas desejadas. Reconheceu recorrer a ervas, raízes, papas a fim de promover curas, mas negava pacto com o diabo, declarando-se cristã batizada e crismada. Luzia atribuiu à Deus “seus dons”, saía do corpo e involuntariamente saíam-lhe pela boca palavras de adivinhações e curas. (SOUZA, 1989). Após longa acusação e interrogatório, o inquisidor a acusara de pacto com o demônio, principalmente por usar “extraordinárias invenções” e „porções‟. “Luzia respondeu à altura; “ela sabe muito bem que não tem pacto algum com o demônio, e que Deus Nosso Senhor sabe como ela tem dito toda a verdade nesta mesa”.” (SOUZA, 1989, p. 378), no entanto, fora acusada pelo Tribunal do Santo Ofício. Entretanto, “no plano da magia e da religião, os sincretismos acabariam por se mostrar irreprimíveis e inextinguíveis; sobre elas incidiriam sempre a marca ambígua da cultura popular, que misturava sagrado e profano”. (SOUZA, 1989, p. 378); “eram os mesmos negros urbanos que simultaneamente eram membros das confrarias do Rosário e fiéis do calundu”. (BASTIDE, 1971, p. 227). Original de região de língua bantu- a angola portuguesa- Luzia, calundeira, foi antepassada cultural das mães-de-santo do Brasil contemporâneo. Como elas, acreditava na inevitabilidade dos dons que o destino lhe dera: a predestinação existe, o que cabe a cada um é trabalhar. Ante o Santo Oficio, Luzia fez questão de acentuar um sincretismo que, de fato, também existia: invocação à Virgem Maria como patrona das curas que promovia e Deus como grande responsável pela sua faculdade de adivinhar. (SOUZA, 1989, p. 355). Ora, observando o relato da vida de Luzia Pinta pode-se reforçar o que Bastide (1971) considerou ao dizer que “o negro não podia se defender materialmente contra um regime onde todos os direitos pertenciam aos brancos; refugiou-se, pois, nos valores místicos, os únicos que não lhe podiam arrebatar. Foi ao combate com as únicas armas que lhe restaram, a magia de seus feiticeiros e o mana de suas divindades guerreiras”. (BASTIDE, 1971, p. 96). Em Minas Gerais, devido ao ciclo do ouro, a escravidão se definiu mais como escravidão urbana do que rural. Se a urbanização inicialmente desestruturou ainda mais a comunidade dos negros, posteriormente a mesma proporcionará a criação de uma nova reorganização dos liames sociais através da solidariedade de classe. (BASTIDE, 1971). “A escravidão da plantação desafricanizava o negro, a escravidão urbana o 59 reafricanizou, pondo-o em contato incessante com seus próprios centros de resistência cultural, confrarias, ou nações”. (BASTIDE, 1971, p. 96). Por outro lado, a migração da mão-de-obra estrangeira e especializada, nos primórdios da República Brasileira, acaba por relegar o trabalho do negro à marginalização frente ao trabalho assalariado e mesmo o trabalho doméstico do negro passou a sofrer concorrência estrangeira. Esta concorrência e uma pressão de mão-deobra branca dificultaram a melhora social do negro, mesmo tendo como contra ponto o avanço da industrialização e leis trabalhistas que exigiam 2/3 (dois terços) de mão-deobra nacional. (BASTIDE, 1971). O elevado preço de aluguéis e o alto custo de vida forçaram o negro a se concentrar nas zonas marginais das grandes cidades, aumentando mocambos, favelas e cortiços; sendo estes os espaços que sobravam para a sobrevivência dos negros. (BASTIDE, 1971). A degradação social: o alcoolismo, a sífilis, os agentes tóxicos e os distúrbios psicossociais tornaram-se fatores de conseqüências da condição de vida do negro que mais do que os brancos, sofreram todos esses processos. (BASTIDE, 1971). No entanto, surge um fato novo ao longo do processo de urbanização principalmente com a escolarização do negro. Os que tinham oportunidades de freqüentar as escolas, ainda que precária, acabavam por adquirir a consciência da situação de sua classe e percebe os preconceitos que os aniquilavam. Segundo Bastide (1971, p. 423): Se os sonhos colhidos por mim entre diversos criados negros parecem não revelar outros desejos além dos elementares, as histórias da vida dos mulatos, ao contrário, que igualmente colhi, indicam que todo homem de cor se chocou, a um dado momento de sua existência, com um preconceito, ou foi detido por uma timidez patológica em suas relações com o branco. Nasceulhe uma psicologia de ressentimento que pode não só levá-lo à revolta contra os outros como também contra ele próprio, e é este sentido que vai agora traduzir-se nas realizações políticas, bem como nas manifestações religiosas urbanas. Essa ambivalência fez com que o negro queira a um só tempo separar-se e identificar-se com o branco. Pois, se por um lado, protestava-se contra a política do embranquecimento da raça, por outro lado, considerou-se a amálgama das três etnias na constituição da originalidade do Brasil na defesa do “mulatismo”, numa sutileza 60 inconsciente contra a arianização, “só se é verdadeiramente brasileiro quando se tem sangue negro nas veias [...].” (BASTIDE, 1971, p. 425). E Bastide (1971, p. 239) termina por explicar que: A política Republicana, por oposição ao dualismo colonial ou imperial, foi uma política de integração nacional. Existia no século XIX uma integração dos melhores elementos da classe de cor e falamos da ascensão do mulato; porém, esta integração de indivíduos selecionados, deixando de fora a grande massa de negros. A política republicana, ao contrário, foi de integração de todos os brasileiros sem distinção: caboclos, mestiços de índios, negros, imigrantes europeus ou japoneses, de criação não só de uma comunidade de interesse, mas também e principalmente uma comunidade de crenças e de sentimentos. Ora, esta homogeneização de pensamentos e de atitudes ia aparecer como maior obstáculo a continuação das seitas africanas. O Estado substituía agora a família tutelar e se sua proteção não tivesse o caráter afetivo que tinha o antigo regime do patriarcado, ajudava ainda assim a metamorfose da plebe desorganizada num proletariado consciente; favorecia a inclusão do negro no novo sistema de produção capitalista, a formação de uma pequena burguesia de cor. Ora todos os observadores estão de acordo em reconhecer que esta ascensão se fez em detrimento dos valores africanos. [...]. Devemos observar também que se esse movimento de integração prejudicou as seitas tradicionais, não prejudicaria as seitas mais ou menos sincréticas cujo número em vez de diminuir, [...] aumenta dia a dia. Dois elementos necessários que são importantes para a pesquisa dessa dissertação são percebidos nessa fala de Bastide (1971): o aumento de seitas sincréticas que deram origem à Umbanda e a política republicana, sendo esta ideologia política a responsável pela valorização da nova capital de Minas Gerais, Belo Horizonte. 3.2 Culto como expressão do presente: a manifestação da Umbanda em Belo Horizonte Belo Horizonte foi construída e se desenvolveu na tensão entre a tradição e a modernidade. Cidade símbolo da utopia republicana e do positivismo, modelo ideológico da ordem e do progresso, obra e espetáculo de formas urbanísticas e arquitetônicas existentes no limiar do século XX. A cidade foi planejada visando uma nova configuração política, econômica e cultural. (DULCI, 1997). Segundo Dulci (1997) a construção da nova capital de Minas Gerais, Belo Horizonte, e a conseqüente destruição do arraial do Curral Del Rei no final do século 61 XIX, ocorreu em meio a debates das elites nacionais sobre a urgência de se assegurar para o país as conquistas da modernidade. Por isso: Nesse momento, modernizar significa europeizar o país, romper com o legado do passado, especialmente com as tradições originárias do período colonial. É com essa mentalidade que a elite mineira se aventura na construção de uma nova capital do Estado, abandonando Ouro Preto, identificada com o colonialismo. É também fruto dessa mentalidade um certo desdém pelo modo de vida rural. Afinal, o projeto civilizatório das elites, na passagem do século, perseguia um modelo de vida de tipo burguês, urbana e cosmopolita, incompatível, portanto, com o mundo rural brasileiro. (MUSEU ABÍLIO BARRETO, 1997, p. 7) Silva (1995) diz que estudiosos do fenômeno urbano a partir do século XIX definiram o universo urbano composto pela divisão social do trabalho baseado na estrutura de classes, com intensidade menor das relações interpessoais, transfigurandose em relações de poder pautadas pelas organizações partidárias e pela presença do Estado. O espaço urbano se torna complexo entre sua ação e sua representação, sobrepondo pluralidades culturais e valorizando atitudes seculares17 diante de valores sagrados. “A este modelo corresponderiam às sociedades “complexas”, “estratificadas”, “heterogêneas” ou “avançadas”.” (SILVA, 1995, p. 22). 17 „Atitudes seculares‟ nos remete à secularização. Segundo Cardoso (1999), Guizzard e Stella (1990) com base em Shiner, “contabilizaram 5 significados distintos que conotam a secularização em sociologia: secularização como declínio da religião [...]; como conformidade ao mundo [...]; como dessacralização do mundo [...]; como “desembaraço da sociedade da religião” [...] e como “transposição de crenças e modelos de comportamento da esfera religiosa à esfera secular”. (CARDOSO, 1999, f. 18). O termo secularização foi usado originalmente no decorrer das guerras religiosas indicando perda de territórios das autoridades eclesiásticas, também utilizado no direito canônico como retorno de “um religioso ao mundo” (BERGUER, 1985). Ainda segundo Berger (1985, p. 119): “Não é difícil esboçar uma definição simples de secularização [...]. Por secularização entendemos o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos. [...] Ela afeta a totalidade da vida cultural e da ideação e pode ser observada no declínio dos conteúdos religiosos nas artes, na filosofia, na literatura, sobretudo, na ascensão da ciência, como uma perspectiva autônoma e inteiramente secular, no mundo”. No entanto, o mesmo autor completa que a secularização também possui um lado complexo e subjetivo: “Mais ainda, subentende-se aqui que a secularização também tem um lado subjetivo. Assim como há uma secularização da sociedade e da cultura, também há uma secularização da consciência. Isso significa, simplificando, que o Ocidente moderno tem produzido um número crescente de indivíduos que encaram o mundo e suas próprias vidas sem recurso às interpretações religiosas”. (BERGER, 1985, p. 119-120). Contudo, no Brasil podemos considerar a secularização muito mais perceptível no âmbito individual, uma vez que no âmbito coletivo a religião/religiosidade ainda se faz muito presente na cultura brasileira. O campo religioso brasileiro em seus aspectos antropológicos das festas populares religiosas que embora apresentem variações religiosas diferenciadas possuem singularidades próprias no Brasil. Em nosso país temos vários exemplos de festas de caráter coletivo com fortes presenças de ritos e rituais que extrapolam o religioso e conjugam alegria e tristeza, sagrado e profano, categorias grupais e individuais se mesclam se misturam e se homogenizam-se, refletindo em cada festa religiosa brasileira uma maneira singular de viver em sociedade. 62 O rápido processo de urbanização e industrialização gerou conseqüências paulatinas e contínuas que influenciaram na adaptação e formação de personalidade de indivíduos que plasmavam formas de ser e de agir na cultura citadina, ou seja, a eclosão de formas tipicamente urbanas de vida. (CAMARGO, 1961). Segundo Camargo (1961, p. 65) “A data símbolo para o momento de mudança da vida social nacional é 1930”; pois nossos hábitos políticos, sociais e religiosos foram profundamente atingidos pelo processo de urbanização que rompeu a harmonia da sociedade rural causando mudanças sociais. Essas mudanças sociais que se fizeram do „pó dos costumes rurais‟ e da formação do „alicerce urbano‟ atingiram: a família, o sistema de proteção e do controle social, a formação profissional e pessoal das pessoas. A família perdeu parte de suas funções e manteve-se apenas nuclear diminuindo sua influência e atuação no campo econômico, educacional e na proteção de adultos. Cabendo a outras instituições públicas e privadas, “além de outras especificamente brasileiras, que funcionaram de maneira paternalista, compensando a insegurança econômica e emocional dos desamparados habitantes da cidade nova”. (CAMARGO, 1961). O sistema de proteção e de controle social bem como a formação profissional e pessoal das pessoas residentes nas áreas urbanas passaram a depender da Legislação Trabalhista, da Previdência Social, dos Sindicatos de inspiração governamental; essas pessoas também dependiam dos serviços sociais do comércio e da indústria, além de fazerem parte de partidos políticos populistas e clubes sociais (Rotary) bem diversos da personalidade governada pelo patrão tradicional. (CAMARGO, 1961). A cultura enquanto representação simbólica normativa nas comunidades rurais, anteriores à urbanização, eram vistas como tradicionais e sacralizantes tendiam então à imutabilidade carregada de valores morais cristalizados que eram transmitidos oralmente e sob forte controle social. Já no meio urbano abriria espaço para diversidades de culturas e a valores não mais hegemônicos, ou seja, “o tradicional cederia lugar ao racional e o sagrado ao secular”. (SILVA, 1995, p. 22).18 18 Um dos estudiosos da secularização, Harvey Cox (1971) utiliza o termo “manière d’être” de MerleauPonty e diz que a cidade secular possui a “maneira de outro” em sua forma (social) e em seu estilo (cultural). A cidade secular urbanizada não é apenas no âmbito quantitativo (espaço), mas principalmente no âmbito qualitativo (tecnópolis). Por isso, anterior ao surgimento da tecnópolis teremos, na visão de 63 Assim, os centros urbanos teriam a possibilidade para o surgimento do novo19. Entretanto, Silva (1995) acrescenta uma complexidade aos estudos do meio urbano ao dizer que: Essas concepções amplamente divulgadas pelos estudiosos de sociologia urbana realizados principalmente nos Estados Unidos [...] acabariam reiterando que a vida cultural nas grandes cidades estava inexoravelmente associada ao individualismo racionalista, ao anonimato, à dissolução da família, à violência, ao tempo rigorosamente controlado pelo relógio nas atividades do cotidiano, à velocidade estonteante das transformações e dos acontecimentos, além de inúmeros outros problemas urbanos [...]. As críticas posteriores enfatizaram que, nesta perspectiva, somente os fatores patológicos da vida na cidade são levados em consideração. De fato, é inegável que a realidade urbana se pauta pela ocorrência maior ou menor dessas “patologias”; contudo a cidade enquanto artefato ou construção social de grupos atuantes projetam para além desta rígida e tendenciosa perspectiva anômica certas reentrâncias que possibilitam rever muitos desses postulados. (SILVA, 1995, p. 22). Essa revisão dos estudos urbanos, se fez mais precisamente e mais recentemente no campo da antropologia, a partir de abordagens alternativas que enfatizam um novo olhar para as necessidade do fenômeno urbano, valorizando o universo das microrelações sociais presentes em tempos/espaços urbanos. Então o autor acaba por concluir que esse universo de micro-relações sociais acontecem: [...] nos bairros de periferia, nas famílias dos imigrantes, nas atividades de lazer [...], nas festas religiosas das paróquias e dos terreiros, percebemos como são generalizantes e pouco explicativos certos conceitos como o de Cox (1971), a tribo e a cidade pequena (não necessariamente sucessivas e cronológicas). Exemplo: em uma cidade tecnópolis como NY poderemos encontrar comportamentos de grupos tribais. A tribo é o contexto onde o homem se torna homem (extensão de laços de sangue e parentesco), cada tribo, pode ter características próprias, porém, a religião é um aspecto fortemente de base fundamental para as tribos. A polis grega é o principal exemplo da tribo para a cidade pequena, valorizando um ancestral divino comum, desenvolvendo através da escrita e da moeda a abstração necessária para o surgimento da racionalização do homem (COX, 1971). Portanto, Antígona é a figura trágica que simboliza a transição dolorosa da tribo para a cidade pequena (lealdade de parentesco para a lealdade cívica) e Sócrates representa uma transição comparável da polis para a Cosmópolis, pois, a execução do mesmo marca a escolha da cidade de Atenas em manter se como polis e não se tornar uma metrópole universal (COX, 1971). 19 Ao se referir ao „surgimento do novo‟ esse „surgimento‟ está em constante elaboração: passado, presente e devir se misturam. Se me permitem uma analogia esse „surgimento do novo‟ está sendo tecido como Penélope tecia a mortuária de Odisseu. A espera incansável de seu amado. A espera da concretização de algo que parecia não mais concretizar-se; que se foi, mas que de alguma forma insiste em voltar, mesmo que de forma vaga ou fluida, ainda que através da memória: individual, coletiva, inventada ou re-inventada. Enfim o „novo‟ se alimenta da tradição e dos costumes, mas esta à espera de algo que ainda não chegou, mas já existia. 64 anonimato ou desagregação cultural urbana. [...]. Do mesmo modo que a suposta homogeneidade da cultura de massa, artificial, seriada e de valor estético restrito, também deixa brechas para uma apropriação heterogênea destes bens culturais por parte dos seus consumidores. Ou seja, traços semelhantes àqueles associados aos modelos de “comunidade” ou do universo rural são reconstruídos nas cidades a partir de dinâmicas específicas de reprodução social e cultural. Nesta perspectiva também podem ser revistos os significados dos movimentos de secularização e de racionalização que denotam o surgimento da civilização urbana e a suposta (mas não realizada) derrocada do sentido religioso do mundo. (SILVA, 1995, p. 23). 20 A urbanização e a industrialização também influenciaram no processo de mudança religiosa do catolicismo, do protestantismo, do espiritismo e das religiões afrobrasileiras marginalizadas. Assim: As religiões mediúnicas, inicialmente o Espiritismo, depois a Umbanda, são modalidades religiosas que vieram participar do processo global de mudança cultural. Realmente, é das funções mais importantes destas religiões a integração dos fiéis na sociedade urbana; cremos, mesmo, que elas constituem uma das alternativas deste processo de adaptação21. (CAMARGO, 1961, p. 68). Mas essa alternativa de integração dos fiéis dos cultos afro-brasileiros no meio urbano não foi tão tranqüila assim. Segundo Negrão (1996), a partir da década de 3022 o 20 É importante lembrarmos que Havey Cox, ao vir ao Brasil na décadas 60/70 (período em que Lísias Negrão (1996) considera o apogeu da Umbanda em São Paulo) nos deixa claro que na América Latina, “existe um diferencial de secularização, pois, a secularização neste continente é ao mesmo tempo e surpreendentemente mais secular e mais “religiosa” do que na América Norte (Cox, 1971, p. 6) e ainda diz: “A América do Sul já é, em muitos sentidos uma gigantesca cidade secular. Mas a despeito da sua secularidade, a América Latina ainda positivamente recende uma atmosfera de cristianismo cultural [...]. O Cristo Redentor ainda se ergue de braços estendidos, abençoando a milhões de cariocas “deste mundo”. Os movimentos religiosos de muitas e diferentes variedades, da umbanda ao pentecostalismo, continuam a brotar por toda parte”. (Cox, 1971, p. 6). O campo religioso brasileiro, portanto, possui tradições diferentes e diferenciadas, como nos lembra Sanchis (1997), ao analisarmos festas religiosas brasileiras, às mesmas constituem o campo fecundo para pensarmos a sociedade, pois, é através dessas manifestações públicas é que transitamos por territórios da vida coletiva. Uma vez que a manifestação religiosa apresenta seu caráter extra-ordinário, extra-lógico e extra-temporal e revela a complexidade do fato social. Por isso, a tradição se mantém porque ela é capaz de modificar, ou seja, é capaz de preservar, mas também, de mudar, assim conseguimos diferenciar tradição de costumes. 21 22 O grifo em itálico do autor, Camargo. Segundo Negrão (1996), o período da Revolução de 30 e do Estado Novo não houve considerações significativas sobre a Umbanda. Pelo contrário, suas práticas mágico-religiosas foram repreendidas com mais intensidade do que o Período da República Velha. O Estado, a polícia e a imprensa combatiam o curandeirismo e o Espiritismo de forma genérica, sendo assim, a Umbanda era caso de polícia e de constantes notícias negativas de jornais. Negrão (1996) lembra que neste período, o Catolicismo era de certa forma condescendente aos cultos afros e o Protestantismo ainda não chamava a atenção (principalmente na dimensão cultural e política). Portanto, nem o Catolicismo e nem o Protestantismo eram ameaças para a Umbanda nesta época. A partir de 1931 devido ao 1º Código Penal Republicano 65 Estado passou a perseguir os cultos afro-brasileiros por ferirem a ordem e os bons costumes da sociedade brasileira e apesar do processo de redemocratização da década de 50, esses cultos eram marginalizados e até a década de 70 deviam satisfação ao Estado e a polícia. Na região metropolitana de Belo Horizonte parece não ter sido diferente. Conforme dizer abaixo: Eu não sei se você viu, se você estudou isso, a Umbanda foi muito perseguida no passado a gente tinha que ter o registro; a TUEDLUZ não chegou nesse ponto, quando a TUEDLUZ foi registrada já era no cartório de pessoas jurídicas, mas pouco antes, poucos anos antes o registro de terreiros de Umbanda era na delegacia de polícia, na mesma vara, no mesmo setor onde se registravam casas de prostituição, bares, zonas e boemias, a gente era classificado no mesmo grupo. A Umbanda passou por uma fase muito difícil, polícia entrava, destruía o terreiro inteiro, infelizmente a Umbanda passou por isso. (Mãe Andréia – TUEDLUZ). A burocracia, representante coercitiva do Estado e da polícia contra a marginalidade, exigia ordem e moralização: Lá na casa do Pai Henrique tem umas médiuns mais velhas, não é, elas assim... conversando: “você lembra quando todo mês pra gente tocar a sessão a gente tinha que ir lá na delegacia pegar o alvará! Tinha que ir lá na delegacia pegar a autorização!”... Isso elas contam essa história, todo mês tinham que buscar autorização pra poder tocar a sessão, muitas vezes, tinham que parar os atabaques e os cantos. [...] Então, se a polícia chegasse fechava o terreiro. Gira de exu, elas contam, tinha que ser no escuro, com luz apagada, lá no alto da madrugada, não era aberto ao público e era uma coisa muito restrita, justamente por causa desse preconceito que era muito grande. (Pai Gil – TUEDLUZ). Destarte, se o espaço-tempo da urbanização aumentou os adeptos e seguidores da Umbanda, esse mesmo espaço-tempo dificultou alguns rituais desses cultos: cessaram-se as perseguições ao Espiritismo (Kardecismo), mas o Estado passou a atacar ferozmente os cultos afro-brasileiros por subverterem a ordem e por incentivarem o álcool e as drogas. Os dominantes passaram a denominar os cultos afro-brasileiros de “baixo espiritismo” por disfarçarem-se “grosseiramente” de kardecistas. Em 1936 a Campanha contra os cultos afro-brasileiros se tornou explícito, criaram a “Campanha Policial Contra o “Baixo Espiritismo” que não deveria ser confundido com o “Alto Espiritismo” (branco, cristão, de classe média e alta e, oficialmente reconhecido). A imprensa passou a fazer, nesta época, o papel da ideologia dominante de separar o “joio do trigo”, ou seja, delimitar as diferenças do “Alto” e do “Baixo” espiritismo. Essa campanha estendeu-se até 1940. A partir da década de 40 cessou o fluxo de notícias; ainda segundo Negrão (1996), isto se deu provavelmente, devido ao início da 2ª Guerra Mundial. 66 [...] a gente também precisa de um ambiente natural, mas a gente não acha mais! Caçar um lugar apropriado, mais distante obviamente. Aí, você tem que deslocar com mais tempo, você sair daqui. Chegar do serviço, sair daqui, deslocar pra lá, depois voltar e tudo mais, dia de semana pra gente que trabalha é difícil! [...] riacho a gente já desistiu, quando a gente procura assim, é mata. Então, isso [...] é uma coisa que choca muito a gente, porque hoje infelizmente a gente tá sem espaço mesmo pra praticar na natureza. (Mãe Andréia - TUEDLUZ). Contudo, os cultos sobreviveram. Ao analisarmos a manifestação da Umbanda em Belo Horizonte e em seu entorno é fundamental levar em consideração a complexidade da longa duração desses cultos afro-brasileiros, uma vez que: Trata-se de infindáveis mudanças e transformações; múltiplas determinações, rupturas, continuidades, temporalidades, identidades e diferenças. Ou seja, micro e macro-história, longa e curta duração que enlaçam suas teias para produzir um ponto focal em que se tecem as especificidades das experiências vividas pelos atores sociais que as criaram e que permite vislumbrar a relevância das visões de mundo presentes em um dado contexto histórico. (KOGURUMA, 2001, p. 59). Sendo assim, como ocorre em São Paulo23 e no Rio de Janeiro24, em Belo Horizonte acontece a festa de Iemanjá no dia 15 de agosto, dia correspondente à santa padroeira da cidade, Nossa Senhora da Boa Viagem, neste dia vários terreiros de Umbanda e alguns de Candomblé praticam seus rituais na orla da lagoa da Pampulha; no ano de 2010 aconteceu a 53ª Festa de Iemanjá, em homenagem à rainha do mar. Como Minas Gerais/Belo Horizonte não possui mar, a mãe d‟água aceita uma lagoa artificial em sua homenagem. Essa transposição do mar para uma lagoa artificial passa a 23 A partir de 1929 os primeiros centros de Umbanda de SP são registrados em cartórios e até a década de 40 os terreiros de Umbanda eram camuflados como Centro Espíritas com o intuito de diminuir perseguições. O Kardecismo prevaleceu em unidades religiosas, mais do que a Umbanda, até o início da década de 50. Porém, a partir dos anos iniciais dessa mesma década até os anos 60, a Umbanda superou o Kardecismo em unidades religiosas até a década de 60. Sendo está década considerada pelo autor como o ponto clímax da Umbanda. Entretanto, no final dessa década e na década de 70, a Umbanda passou a sofrer um lento e constante declínio, isto se deu, devido ao aumento timidamente do Candomblé a partir do início da década de 70. (NEGRÃO, 1996). 24 Negrão (1996) esclarece que o RJ foi o estado pioneiro no surgimento das Federações Umbandistas ao instituir a União Espírita de Umbanda do Brasil (UEUB). Essa Federação visou filiar Tendas de Umbanda e protegê-las contra a violência do Estado. A UEUB realizou em 1941 o 1º Congresso Nacional de Umbanda (surgindo jornais, programas em rádios. Então, a Umbanda paulista, gravitou em torno do movimento carioca nas décadas de 30 e 40; Pai Jaú e Sebastião Costa fundaram a Liga de São Jerônimo clandestina em SP, mas vinculada a UEUB.(NEGRÃO, 1996). 67 ser perfeitamente cabível devido à capacidade de assimilação e decodificação intrínseca à própria natureza dos cultos de Umbanda. Outra expressão pública dos cultos de Umbanda de Belo Horizonte ocorre em maio, na Praça 13 de maio (bairro da Graça) popularmente conhecida como a Praça do Preto-Velho, em comemoração ao dia da Abolição da escravidão, no ano de 2010 ocorreu a 29ª Festa dos Pretos-Velhos em homenagem a esses pais velhos e mães velhas representando os ancestrais dos cultos afros. A festa de Iemanjá e a festa do Preto-velho, “[...] recontam as ações dos deuses e os mitos, reatualizariam esse tempo sagrado onde o mundo sempre recomeça. São eternos retornos do homem religioso às fontes do ser, onde ele deseja estar”. (CARDOSO, 1999, f. 19). As duas festas umbandistas são promovidas pela única Federação Espírita Umbandista do Estado de Minas Gerais. Entretanto observa-se que o número de terreiros umbandistas que participam dessas homenagens são poucos em relação aos vários terreiros/tendas/centros existentes na região metropolitana de Belo Horizonte. Tanto é que dos quatro terreiros/tendas/centros pesquisados, apenas a Tenda de Umbanda Pai Joaquim de Angola participa desses eventos públicos, alias D. Leonor, a mãe-de-santo desta tenda tem grande participação na Federação. Nessas práticas rituais entre adeptos da Umbanda e leigos aglomeram em torno dos terreiros improvisados na orla da lagoa da Pampulha ou ao redor da Praça do PretoVelho, deixando ali seus medos, angústias, pedidos e esperanças. Nessas manifestações religiosas o espaço público/profano se torna sagrado, abrindo perspectivas mágicoreligiosas, descarregando nesses espaços, agora sagrados, os anseios coletivos e individuais da multidão que se aglomera em torno desses rituais. Como nos diz Koguruma (2001, p. 25): A presença das manifestações mágico-religiosas afro-brasileiras no ambiente cosmopolita [...] permite que se tome consciência da historicidade que marca o diversificado constituir de nossa sociedade: muitos dos elementos que compõe a plasticidade do acervo do imaginário umbandista estão relacionados aos legados das tradições que chegaram ao Brasil, em diferentes épocas, pelas mãos dos escravos africanos, dos colonizadores ibéricos, dos imigrantes europeus ou, ainda, àquelas que remontam ao legado cultural dos contingentes indígenas de nosso país. Podemos assinalar que a Umbanda é uma construção sociocultural que foi (e continua a ser) constituída ao sabor das vicissitudes, circunstâncias, tensões e conflitos que perpassaram (e perpassam) o viver cotidiano dos atores sociais, bem como o tenso “fazer-se” 68 dos diversos contextos situacionais de nossa sociedade, em meio à dinâmica do configurar das suas estruturas econômicas, políticas, sociais ou culturais. A Umbanda se caracterizada como uma “síntese” sempre por se fazer de um tenso e conflituoso processo de sincretismo, ou seja, é a construção de um mundo sagrado multifacetado que indica certos parâmetros do cotidiano de uma grande parcela da população belorizontina e brasileira. Por isso, a Umbanda “pode ser considerada dentre as múltiplas interpretações, reelaborações, ressignificações, reinvenções das práticas e representações que foram legadas pelas tradições das diversas etnias que constituíram o conjunto da população brasileira.” (KOGURUMA, 2001, p. 25). Ao buscar seu arcabouço religioso em torno de uma lagoa ou de uma praça, a Umbanda representa uma expressão da religiosidade brasileira que também faz parte do cotidiano turbulento das pessoas da região metropolitana de Belo Horizonte. Uma vez que a cidade, como espaço público, permite a manifestação do diferente ou diferenciado, então, “pode-se perceber a dinâmica dessas alteridades socioculturais ligadas às “sínteses” de origem africana: o desdobrar histórico das religiosidades afrobrasileiras permeou e permeia as diversas “estratégias” e “artimanhas” de sobrevivência de um grande número de indivíduos nessas cidades [...] essas religiosidades também fazem parte do dia-a-dia dos movimentados ambientes desses centros urbanos”. (KOGURUMA, 2001, p. 25). Os rituais religiosos dão movimento aos corpos e: A festa destina-se na verdade, a renovar a força. Na dança que caracteriza a festa, reatualizam-se e revivem-se os saberes do culto. A dança, o rito e ritmo, territorializa sacralmente o corpo do indivíduo, realimentando-lhe a força cósmica, isto é o poder de pertencimento a uma totalidade integrada. Além disso, graças à intensificação dos movimentos do dançarino na festa, espaço e tempo tornam-se um único valor (sacralização), e assim autonomizam-se, passando a independer daquele que ocupa o espaço. A dança é propriamente integração do movimento ao espaço e ao tempo. (SODRÉ, 2002, p. 136). A presença de práticas umbandistas em Belo Horizonte e suas sociabilidades múltiplas podem permitir que a cidade seja interpretada, no dizer de Silva25 (1995, p. 13) citado por Koguruma (2001), como uma imensa “florestas de símbolos” cujas tramas das tradições seja capaz de expressar os meandros que formam nossa sociedade e 25 SILVA, Vagner Gonçalves da. Orixás da metrópole. Petrópolis: Vozes, 1995. 69 a configuração de nossa cidadania histórica, entrelaçando tensões e diferentes temporalidades manifestadas, como por exemplo, nos rituais de Umbanda. Assim: Pode-se interpretar a cidade como um imenso cipoal de clivagens, recortes, escalas, sistemas de conhecimentos e nuanças socioculturais, cujo entrelaçamento permite que se compreenda a diversidade dos encontros e desencontros presentes no “fazer-se” da sociedade brasileira26. Ou seja, podese enxergá-la como um imenso cenário que está a explicitar a multiplicidade das ambigüidades, tensões, conflitos, identidades, ritmos sociais e temporalidades existentes no mundo que herdamos, que construímos, que partilhamos com outras pessoas e no qual vivemos as diversas experiências que constituem os fundamentos de nossa existência. (KOGURUMA, 2001, p. 35). Os espaços externos e profanos da lagoa da Pampulha ou da Praça nos eventos dos cultos de Umbanda abrem-se em um espaço sagrado, um cenário de manifestação do culto afro-brasileiro no presente, emergindo espaço/tempo na memória coletiva, visando - até sem perceber - as múltiplas temporalidades do que se mantém e do que se perdeu, traduzindo assim, o velho legado afro-brasileiro sobre o novo27. Gerando uma “síntese” entre cultus (no passado), culto (no presente) e projeta um culturus (futuro) ou vir a ser. Temporalidades simbólicas que mantém e resignificam a identidade dos cultos de umbanda. A visão eurocêntrica e positivista da ordem e do progresso gera o preconceito sobre os cultos afro-brasileiros; preconceito esse, muitas vezes reforçado por alguns 26 Podemos perceber essas nuanças socioculturais e sociabilidades múltiplas na tese de Cardoso (1999) ao falar sobre o carisma da “proeminência da música na vida moderna” no subtítulo „Deus ex música‟, para além dos ritmos musicais, o autor acaba por nos apresentar também a manifestação de sociabilidades diferenciadas e aparentemente desarmônica no espaço, mas adquirem uma harmonização no todo: “Naquele ano, houve também um festival de teatro e a trupe francesa Générik Vapeur também arrastava uma multidão em sentido contrário ao da procissão. Na Praça Sete, hipercentro da cidade, onde já havia numeroso grupo evangélico, encontraram se todos às 6 horas da tarde. A procissão, comandada pelo arcebispo dom Serafim estancou de um lado da praça, salpicada pelas luzinhas da velas. O bando liderado pelo Générik Vapeur foi se amontoando do outro. Os evangélicos, em círculo e indiferentes ao que se passava, no meio da praça, continuaram sapecando pregação. Houve um impasse de uns 15 minutos até que o bando de Générik Vapeur tomasse uma rua lateral para contornar a procissão. Depois a procissão contornou os evangélicos e salvaram-se todos”. (CARDOSO, 1999, f. 69). Esse ano referido pelo autor é o ano de 1997 e o dia era 15 de agosto dia de Nossa Senhora da Boa Viagem. Se ampliarmos essa noção de espaço, neste mesmo ano, também estava acontecendo a 40ª Festa de Iemanjá na Lagoa da Pampulha. Portanto, o recorte das manifestações sagradas e profanas se entrelaçam constantemente ad infinitum em „variados ritmos‟ e geram uma „sonoridade/movimento‟ em uma cidade como Belo Horizonte, e, de alguma forma se tornam partes de um todo. 27 Segundo Hall (2006, p. 56): “O discurso da cultura nacional não é, assim, tão moderno como aparenta ser. Ele constrói identidades que são colocadas, de modo ambíguo, entre passado e futuro. Ele se equilibra entre a tentação por retornar a glórias passadas e o impulso por avançar ainda mais em direção à modernidade. As culturas nacionais são tentadas, algumas vezes, a se voltar para o passado, a recuar defensivamente para aquele “tempo perdido”[...] são tentadas a restaurar as “identidades passadas”. 70 adeptos e seguidores que tem vergonha de se assumirem umbandistas. Pode-se perceber que: Os próprios médiuns que estão na Umbanda têm vergonha de dizer há que ele veio, há que ele está aqui, não é. Nós passamos um final de ano no Rio, então assim, é anos luz de diferença da Umbanda ou do Candomblé daqui de Minas. Porque você vai no Rio, de manhã cedo o pessoal já tá indo para a praia pegando ônibus comum, tudo vestido de santo, batendo o atabaque, com as flores na mão, andando na rua normal, sabe, normal! [...]. Agora aqui não! Se você encontrar alguém na rua e te perguntar se você tá indo para festa de Iemanjá, você fala que vai para qualquer lugar: “estou indo na lagoa, não estou indo para festa de Iemanjá, não. Estou indo para a lagoa!” E os próprios médiuns não assumem [...]. Então é preciso abraçar a Umbanda. Eu não estou dizendo que você precisa afrontar ninguém, mas Assumir! Não preciso afrontar ninguém, mas também não preciso sentir menor do que ninguém, eu tenho uma religião como outra qualquer, um credo como outro qualquer! (Míriam – TUPJA). A manifestação da Umbanda no espaço público é vista pelos seus adeptos ou simpatizantes como reestruturação de uma “religião brasileira”, reflexo da identidade, modos e costumes do brasileiro, e por aqueles que ainda reinterpretam essas manifestações como “atraso intelectual e coisa de gente ignorante”. Como nos diz Koguruma (2001, p. 35): Todavia, convém lembrar que muitas dessas “sínteses” ainda são percebidas por certos setores das nossas elites dominantes, apesar das reelaborações que sofreram em face das continuidades e rupturas históricas da constituição da sociedade brasileira em relação àqueles países considerados “desenvolvidos”, enfim como obstáculos à modernidade desejada para o Brasil. E complementa: Do ponto de vista da modernidade imaginada e desejada por alguns setores das elites dominantes para o conjunto da sociedade brasileira, as atitudes e comportamentos da população relacionados a essas “sínteses” do acervo das tradições afro-brasileiras demonstrariam a “ignorância” e a “superstição” a que se sujeitaria um grande número de indivíduos de nossa sociedade, em especial aquelas pessoas pertencentes às classes subalternas. (KOGURUMA, 2001, p. 35-36). “A historicidade das tradições afro-brasileiras assinalam as tensões cotidianas dos diversos ritmos sociais que perpassam o seio da sociedade brasileira e o solo de nossas cidades”. (KOGURUMA, 2001, p. 41). As rupturas e continuidades das 71 diferentes visões de mundo e das diferentes formas de sociabilidade que são partes de nosso meio social, herança de nosso passado, nos alertam para a existência de discriminação racial e de exclusão social. (KOGURUMA, 2001). As posições inferiores no sistema das hierarquias econômicas, sociais, políticas e culturais que se construíram no fazer e refazer de nossa história, são reelaborados e reinterpretados no cotidiano da religião de Umbanda que procura valorizar os marginalizados, os excluídos, os desclassificados de nossa sociedade que no campo real e simbólico, foram esses marginalizados os grandes “heróis” que formaram o povo brasileiro, então: Podemos dizer que o poder religioso da umbanda decorre disso, de uma inversão simbólica em que os estruturalmente inferiores na sociedade são detentores de um poder mágico particular, advindo da própria condição que possuem. O grande trunfo da umbanda é esse – inverte os valores da hierarquia que ordena os espíritos, e esse “menos” em vários aspectos passam a ser “mais” em outros. (BIRMAN, 1985, p. 46). As entidades da Umbanda representam os aspectos sociais e psicológicos do povo brasileiro „santificado‟ ou „mitificado‟, assim: A gente fala muito, muito, muito, são dos pretos-velhos que quase como se fossem psicólogos, são aqueles que as pessoas procuram para orientar; médicos também, dão receitinhas, são mais para esse lado. Os meninos de angola que nós chamamos de menino de angola, na Umbanda, Cosme e Damião que é um de seus representantes: a alegria, o discernimento, a tranqüilidade, o não preocupar, dá um pouco de refresco; os caboclos que são representantes da natureza, a relação nossa com a natureza, de proteção as matas e tudo. No caso do caboclo, pode ser considerado aquele pai que está ali para aconselhar: “mas... opa!” De falar mais duro. E junto a eles todas as linhas todas as falanges umas ajudando as outras. (Anamir - TUPJA). [...] porque o exu não te adula como um preto-velho, ou não te ensina a ter força e coragem como um caboclo, ou não leva de uma forma alegre como uma criança; ele fala na sua cara o que você precisa de ouvir. [...] (Pai Gil- TUEDLUZ). A Umbanda em suas múltiplas facetas e em seu processo constante de sincretismos, estabelece meandros que envolvem a construção de uma identidade brasileira, reconhecendo e valorizando a contribuição das culturas africanas, européia e 72 indígena, mais ideal e simbólica do que de fato concreta, na formação da história da sociedade brasileira. (BIRMAN, 1985). A Umbanda em seus diferentes tempos e espaços que compõem seus vários terreiros/templos/centros procura reforçar suas tradições e mantém-se aberta ao surgimento do novo28 adaptando-se para manter-se viva. Esse aparente paradoxo, talvez seja a principal característica dessa religião, ou seja, a Umbanda procura sempre manter a invenção da tradição sobre o olhar no novo29 e mantém-se a invenção do novo sobre o olhar da tradição. Assim: Provavelmente, não há lugar nem tempo investigados pelos historiadores onde não haja ocorrido a “invenção” de tradições [...]. Houve adaptação quando foi necessário conservar velhos costumes em condições novas ou usar velhos modelos para novos fins. Instituições antigas, com funções estabelecidas, referencias ao passado e linguagens e práticas rituais podem sentir necessidade de fazer tal adaptação. (HOBSBAWM; RANGER30, 1984, p. 13-14 apud KOGURUMA, 2001, p. 59) A tradição ainda que reinterpretada não pode ser desconsiderada, visto que a mesma pode ser nosso único elo com o passado. Passado este, capaz de ser instrumento de compreensão da sociedade brasileira e da formação de nossas cidadanias, por isso, a presença das culturas de origem africana e suas manifestações cotidianas nas ruas, esquinas, lagoas e praças de uma cidade como Belo Horizonte, nos faz lembrar o que nos diz: Koguruma (2001, p. 78-79): [...] Pois se a escravidão que da raça negra marcou de modo profundo a história de nossa sociedade, a luta diária, os esforços e a resistência constante dos escravos, dos libertos, bem como seus descendentes, para sobreviver em condições adversas, que lhes foram impostas pelas vicissitudes e circunstâncias históricas, não podem ser apagadas da memória e, muito menos, devem ser lembradas apenas como meras reminiscências de tempos remotos. 28 A inovação, tão obviamente útil e socialmente neutra que é aceita quase automaticamente por pessoas de algum modo familiarizadas com a mudança [...]. Por outro lado, certas inovações requerem legitimação, e em períodos em que o passado deixa de fornecer precedentes às mesmas, surgem dificuldades muito sérias. [...]. Paradoxalmente, o passado continua a ser a ferramenta analítica mais útil para lidar com a mudança constante, mas em uma nova forma. Ele se converte na descoberta da história como um processo de mudança direcional, de desenvolvimento ou evolução. A mudança se torna, portanto, sua própria legitimação, mas com isso ela ancora em um sentido do passado transformado. (Hobsbawn, 1998, p.29-30) 29 Em relação ao termo „novo‟ ver notas de rodapé nº 19, nº 27 e nº 28. HOBSBAWN, Eric J; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. 30 73 Ora, em Belo Horizonte não houve escravidão, mas, a memória coletiva reabilita um espaço imaginário: espaço esse que entrecruza o tempo presente e o tempo passado, gerando o limiar da cultura. A memória revive através do fenômeno religioso a plasticidade do espaço e do tempo que no ritual condensa-se no sagrado que após o término desse ritual, se torna fluído no espaço e tempo profano. Ao analisar o cotidiano do brasileiro, pertencente a uma cidade como Belo Horizonte e seu entorno, desde o passado até os dias de hoje, percebe-se uma síntese de comportamento frente à sua sobrevivência. Essa síntese de sobrevivência é um misto de termos mágicos e vida secular, como nos diz Silva (1995, p. 31): Pode-se pensar, portanto, que a reinscrição do sagrado (selvagem ou instituído, mágico ou religioso) no espaço social da metrópole, convivendo ao lado do pensamento racional, utilitário, manipulador e secular, não se realiza enquanto contradição (ou um corte a ser superado) existente entre um Brasil de olhos voltados para um mundo moderno, para a “competição tecnológica das inteligências mais argutas”, e outro “arraigadamente tribal” [...]. Trata-se, antes de duas linguagens simbólicas que se existem ou persistem é porque ambas têm algo a dizer; isto é, seu poder de representar a realidade ou fornecer padrões orientadores do comportamento coletivo continua atuando, seja para entender o mundo tal como ele “é” ou como “deveria ser”, para expiar a dor ou para aludir às dimensões ontológicas da vida humana. A apresentação pública dos cultos de umbanda na lagoa da Pampulha ou na Praça do Preto-velho demarca um território sagrado, porém momentâneo. A idéia de território sagrado remete de fato à idéia de identidade e criam características que irão dar sentido ao sujeito, uma vez que o olhar desse sujeito estabelece um sentido sobrenatural na manifestação da Umbanda. Essa identidade demarca um outro espaço sagrado e permanente que específica o lugar restrito a manifestação desses cultos: o terreiro, a tenda, o centro. 3.2.1 Culto: Os terreiros/templos/centros de Umbanda na região metropolitana de Belo Horizonte Embora a Umbanda não seja uma religião unicamente da periferia, é, no entanto, na periferia que a Umbanda se faz mais presente. Mas o que devemos entender por 74 periferia? Segundo Caldeira (1984, p. 7) apud Brumana e Martínez (1991, p. 111-112) o termo periferia: [...] é usado para designar os limites, as franjas da cidade, talvez em substituição a expressões mais antigas, como “subúrbio”. Mas sua referência não é apenas geográfica: além de indicar distância, aponta para aquilo que é precário, carente, desprivilegiado em termos de serviços públicos e infraestrutura urbana. Diferenciado do recorte administrativo do espaço urbano, os terreiros/templos/centros são tão invisíveis para o “núcleo”, como reais para a “margem”. Estes espaços de inter-relações de experiências encontram respaldo nas comunidades umbandistas que geraram esses espaços e que também por esses espaços foram geradas, estabelecendo elo metonímico e metafórico. (BRUMANA e MARTÍNEZ, 1991). No plano metafórico esses espaços acontecem por estabelecer uma relação de subalternidade religiosa equivalente a uma subalternidade urbana (lugar oposto, relativo e inferior às religiões eruditas), um “pedaço”, um elo entre rua/casa, exigindo de seus adeptos um maior tempo e dedicação de horários e dias determinados. “O terreiro é um lugar para estar com os outros, para sair do próprio âmbito doméstico restrito para entrar num âmbito doméstico coletivo.” (BRUMANA e MARTÍNEZ, 1991, p. 120). Magnani31 (1984, p. 138) citado por Brumana e Martínez (1991, p. 112) diz que o termo “pedaço”: [...] designa aquele espaço intermediário entre o privado (a casa) e o público, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos laços familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais e individualizadas impostas pela sociedade. Completando a noção de “pedaço” que nada mais são do que aqueles espaços deixados vazios pelo sistema, seja por não fazer parte do domínio público, seja por falta de controle total ou por situações críticas que impedem a ocupação total do território por parte deste domínio público. (BRUMANA e MARTÍNEZ, 1991). No plano metonímico (a parte pelo todo), os terreiros/tendas/centros são partes do “pedaço”, as práticas umbandistas ocupam frestas deixadas livres pelos aparelhos 31 MAGNANI, J. Festa do pedaço. São Paulo: Brasiliense, 1984. 75 dominantes, ou seja, os sujeitos que não atingem ou pouco se aproximam do “núcleo” do poder, se apegam à margem. Sendo assim, a Umbanda faz com que os indivíduos de sua comunidade sinta-se “integrado e participante de “um todo mais amplo, enquanto parte de um microcosmo que é, ao mesmo tempo, uma defesa contra o macrocosmo “desconhecido” e “incompreensível””. (MACHADO DA SILVA32, 1978, p. 112 apud BRUMANA e MARTÍNEZ, 1991, p. 115). Assim: [...] ela (a Tenda) virou Porto Seguro, não só para as pessoas que já estão acostumadas a freqüentar o terreiro, mas também para as pessoas que vem de fora, sentem uma certa segurança, uma certa paz, um refúgio, às vezes, para fugir um pouco dos problemas. E também com relação a gente mesmo que freqüenta assiduamente, porque a vida é tão turbulenta, que há momentos em que eu quero fugir, vou pro terreiro! Então, virou assim um Porto Seguro, um ponto de apoio espiritual, casa espiritual, [...]. (Anamir –TUPJA). Deste modo: É a ação coletiva o que faz o pedaço; do mesmo modo, é a constituição de uma comunidade- de homens, de espíritos, de homens e espíritos – o que faz o terreiro. [...]: hierarquias, fissuras, contradições, formalizações maiores ou menores fazem com que nem o terreiro nem o pedaço sejam topologias homogêneas e desestruturadas mas, pelo contrário, estruturas altamente articuladas. (BRUMANA e MARTÍNEZ, 1991, p. 116). Para os referidos autores, no entanto, deve ser levado em consideração que as normas estabelecidas nesses terreiros/tendas/centros são construídas e reconstruídas, necessárias ao mesmo tempo que arbitrárias, estes coletivos não têm outra base senão eles mesmos: a auto-sustentação. Em primeiro lugar, você começa a valorizar tudo que você vê aqui dentro e depois você começa a valorizar a força e a coragem que a Umbanda prega, [...] a luta, o sacrifício. A gente começa a aprender a amar mesmo a casa; você começa defender a casa, porque você começa a se sentir parte dela; então, cada chão que você vai ajudar a limpar, cada parede que você vai ajudar a pintar, cada janela que você tem o cuidado de fechar na hora de ir embora; a luz que você não deixa acessa, a despesa que você ajuda a manter, tudo isso, são questões que a gente vai aprendendo: a ter o zelo, a ter o amor pela casa. (Pai Gil – TUEDLUZ). 32 MACHADO DA SILVA, M. O significado do botequim. In: Cidade usos e abusos. São Paulo: Brasiliense, 1978. p. 77-114 76 Essa auto-sustentação é que estabelece as semelhanças e diferenças ideológicas de terreiros/tendas/centros que, por um lado, são âmbitos coletivos, mas ao mesmo tempo privados. Coletivos por permitirem a entrada de todos que desejarem e privado por possuírem características próprias de cada templo; características essas, entendidas apenas pelo grupo específico de adeptos. Por isso: O culto umbandista é aquele que permite a transposição do profano ao sagrado sem perdas nem renúncias. É o profano diretamente sacralizado, se é que assim se pode dizer; o que permite a construção do sagrado com os mesmos elementos que constituem o profano. Esta “bricolagem” religiosa do imediato é uma das chaves da Umbanda [...]. (BRUMANA e MARTÍNEZ, 1991, p. 117). Diferentemente de Igrejas que possuem o centro de uma região representando o poder civil e religioso, a maioria das construções de terreiros/tendas/centros de Umbanda, na região metropolitana de Belo Horizonte, não são tão visíveis como muitas vezes se espera de templos religiosos. Suas arquiteturas em grande maioria, principalmente externas, são modestas e muitas delas não possuem nem placas que informem sobre suas existências. Sobre a construção dos terreiros Brumana e Martínez (1991, p. 119) nos diz que: Quase nunca o terreiro é um edifício construído especifica e exclusivamente para esse fim. Na maioria dos casos é a adaptação ou o aproveitamento de um espaço na casa do pai ou da mãe de santo: uma construção no jardim, a ampliação de uma garagem, a adaptação de um quarto. O terreiro é pois, em geral a casa de seu chefe, não tanto porque ele mora no terreiro mas porque transformou sua casa em terreiro. Isto faz com que os espaços profanos e sagrados não estejam nunca totalmente delimitados. Assim como as partes profanas da moradia são usadas religiosamente. Muitos terreiros da região metropolitana de Belo Horizonte são projetados da forma citada por Brumana e Martínez (1991), isto é, ou foram improvisados, ou são anexados às casas dos pais ou mães-de-santo; embora em número muito menor, encontram-se alguns terreiros/templos/centros específicos e unicamente criados para a atuação dos cultos de umbanda. É realmente curiosa e impressionante essa improvisação citada acima, ou seja, a existência de sessões de umbanda, que, pelo menos em seu início de formação, são 77 praticadas nos espaços comuns de moradia. Essa afirmação é percebida nos quatro centros pesquisados dessa dissertação conforme relatos abaixo: Aí, também eu trabalhei dentro de casa, depois é que eu construí esse centro, com a ajuda do povo, o povo que me ajudou a construir eu não tinha nada; foram... muitos anos de trabalho! (D. Leonor- TUPJA). Era um quartinho dentro de casa, um espaço para ser centro. Mas assim, vivia lotado!!!! Porque eu atendia no sábado, o dia todo e não tinha tempo de almoçar para atender, só tinha o sábado para atender. (Míriam - TUPJA). Eu registrei a Associação de Pai Caetano em noventa e cinco, mas eu já tocava aqui, a gente tem até hoje, lá dentro, lá. Hoje a gente guarda as coisas lá, é um comodozinho pequenininho onde era meu altar e tal e a gente fazia a sessão no terreiro, debaixo da área do meu irmão, e ai eu tinha uma freqüência de gente, o povo vinha, vinha muita gente pra tomar passe [...]. (Mãe Teresa - CBPC) Então, em 1981 nós fundamos a TUEDLUZ. Quer dizer, antes disso, nós já fazíamos reuniões na casa de um, na nossa residência, na residência de amigos e fomos começando um grupo. Até que a gente falou assim: “não, então agora já é hora de termos a nossa casa!”. (Mãe Andréia TUEDLUZ). Nós tínhamos um centro na nossa casa, [...] era pequenininho lá no fundo da nossa casa, nós tínhamos três, quatro médiuns, só, lá assim. Então, quando nós, tivemos que vender a casa, e a gente não arranjava lugar para alugar, para fazermos o nosso centro. [...] Aí o meu padrinho caiu e fraturou o crânio. Como nós estávamos com o centro fechado, ele pediu o Bira pra tomar conta do centro. (D. Iara – CEACDL). Pode-se observar que essa relativa facilidade de espaço, para a efetivação dos rituais de Umbanda, se torna um elemento positivo, uma vez que em qualquer espaço considerado profano, pode-se manifestar o sagrado umbandista. Por isso, a Umbanda se adaptou aos meios urbanos com certa facilidade. Quanto ao aspecto negativo temos que: A extrema proximidade entre o profano e o sagrado que o culto umbandista apresenta, exige por outro lado a operacionalização de mecanismos altamente ritualizados para a instauração, a segregação e delimitação deste último. (BRUMANA e MARTÍNEZ, 1991, p. 125). 78 Essa proximidade dos espaços sagrados aos profanos cria várias interdições ou rituais que devem ser praticados nos cultos umbandistas para expulsar algo que ameaça invadir ou prejudicar a ordem do sagrado. “A Umbanda dedica, portanto, grande parte de seus esforços ao erguimento de barreiras contra “o exterior”. (BRUMANA e MARTÍNEZ, 1991, p. 125): A Umbanda exige muito, acender umas velinhas para eles na segunda-feira que é dos pretosvelhos, fazer essas coisas, buscar a obrigação. Eu primeiro venho aqui [...] já rezo, faço as obrigações; daqui vou para dentro fazer as outras coisas, aí quando dá meio-dia eu estou aqui de novo, acendo as velas dos escoras para eu poder trabalhar, porque também não pode, você trabalhar sem tá acesso na porta. (D. Leonor – TUPJA). Essa defesa contra o exterior estabelece vários rituais da Umbanda. Destes rituais, os mais comumente utilizados são o assentamento da esquerda (casa ou canto de exus/escoras e pomba-giras como guardiões do lado externo do templo), as defumações, a invocação de proteção a santos, orixás e entidades, os banhos higiênicos e de descarregos por parte dos médiuns antes de outros rituais, os passes, os pontos cantados e riscados, as guias (colares que são representados pelas cores de orixás e entidades), o uso de velas, a abstinência de álcool e em alguns terreiros/templos/centros até mesmo a abstinência sexual: A gente não pode ter relação sexual no dia anterior e no dia do trabalho de forma nenhuma. Se acontecer no dia anterior é até aceitável, mas no dia do trabalho não pode, tem que evitar. (Pai Gil – TUEDLUZ). Sodré (2002) também nos diz sobre a noção africana de um espaço plástico, dos cultos afro-brasileiros, que se refazem simbolicamente, podendo estabelecer rituais em qualquer espaço que se sacraliza pela presença de representações mítico-religiosas e complementa que: Deste modo, embora o terreiro possa ser em conjunto apreendido por critérios geotopográficos (lugar físico delimitado para o culto), não deve, entretanto, ser entendido como um espaço técnico, suscetível de demarcações euclidianas. Isto porque ele não se confina no espaço visível, funcionando na prática como um “entrelugar” – uma zona de interseção entre o invisível (orum) e o visível (ayé) – habitado por princípios cósmicos (orixás) e 79 representações de ancestralidade à espera de seus “cavalos”, isto é, de corpos que lhes sirvam de suportes concretos. O espaço sagrado negro-brasileiro é algo que refaz constantemente os esquemas ocidentais de percepção do espaço, os esquemas habituais de ver e ouvir. Ele fende, assim, o sentido fixo que a ordem industrialista pretende atribuir aos lugares e, aproveitando-se das fissuras, dos interstícios, infiltrase. Há um jogo sutil de espaços- lugares na movimentação do terreiro. (SODRÉ, 2002, p. 80-81). Levando em consideração que os terreiros/tendas/centros de Umbanda possuem uma plasticidade incomum, em muitas ruas de um bairro da região metropolitana de Belo Horizonte, neste momento, podem estar acontecendo rituais dentro de moradias que passam a ser terreiros temporariamente improvisados. Sendo assim, nesta dissertação, resolveu-se registrar e mapear vários terreiros/ tendas/centros, conforme quadros e mapas que se encontram no apêndice, dos quais têm-se a certeza de sua localização na região metropolitana de Belo Horizonte. No entanto, o trabalho “in loco” em todos esses templos de Umbanda, vai além da pesquisa proposta para essa dissertação e, por isso, ficará para uma investigação posterior. Os registros realizados demonstram a localização dos templos/tendas/terreiro da cidade de Belo Horizonte e da cidade de Contagem. (vide Apêndice B e C). Os espaços umbandistas de vários terreiros/tendas/centros, muitas vezes improvisados, não são mais espaços opressores da condição escrava, mas sim, um espaço de abertura para o sagrado: os puchadinhos, os aglomerados de uma casa, de um lote ou um cômodo, por vezes, anexados à moradia urbana de um pai ou mãe-de-santo, tornam-se templos de Umbanda, projetando-se para o devir (culturus) de grupos em um espaço proletariado. Assim: Vemos, pois, que as lembranças coletivas estão ligadas a grupos e que sua maior ou menor resistência depende da natureza desses grupos. Mas também vemos que se o presente age sobre o passado, é sempre no sentido por ele determinado; não se trata de verdadeira criação, mas apenas de uma seleção de lembranças. [...]. O presente está agindo como uma comporta que apenas deixa passar o que pode às novas circunstâncias, o que em todo caso não as contradiz, mas obstrui as representações mais contrastantes. (BASTIDE, 1971, p. 350). Os Candomblés em seus espaços sagrados, terreiros e roças buscam resignificar através da memória coletiva a herança de tribos ancestrais africanas. A Umbanda, por sua vez, procura resgatar, através da memória coletiva, os espaços de trabalhos dos 80 antigos engenhos. Espaços de „moradia‟ e „labuta‟ que marginalizados no passado (cultus) resignificam-se no presente (culto). Nessas seleções de lembranças, a síntese umbandista pôde conservar partes da tradição afro-brasileiras, mas para que essas lembranças perdurassem foi necessário reinterpretá-las, codificá-las e normalizá-las. (ORTIZ, 2005). “Não estamos, pois, mais em presença de um culto afro-brasileiro, mas diante de uma religião brasileira que traz em suas veias o sangue negro do escravo que se tornou proletário”. (ORTIZ, 2005, p. 33). 81 4 A UMBANDA E SEUS ASPECTOS HÍBRIDOS Já foi dito antes que o tráfico de africanos para o Brasil significou, em primeiro lugar uma grande ruptura com as tradições, incluindo as religiosas. Isto, contudo, não significa necessariamente que essas tradições tenham sido esquecidas no país. Neste processo houve tanto uma continuidade de tradições religiosas africanas, quanto perdas de elementos religiosos e adaptações e surgimento de novos elementos religiosos. Por isso o termo “acomodação” resume estes três processos (perda, adaptação e criação de novos elementos) que não acontecem separadamente e são processos simultâneos. (BERKENBROCK, 2007). No processo de perda, as várias etnias escravizadas no Brasil, perderam suas organizações religiosas da forma em que elas se davam na África, simplificando assim, o sistema africano de comunidades que se dedicavam ao culto de um único orixá que desapareceu completamente, deixando enormes lagunas aos primeiros africanos aportados no Brasil. Em seu lugar, na tentativa de suprir essas lacunas, surgiram comunidades onde passavam a ser cultuados diversos orixás. (BERKENBROCK, 2007). No processo de adaptação religiosa se deu principalmente através das gerações africanas nascidas no Brasil que não haviam experimentado esta totalidade africana. Para tanto, as lacunas até então existentes formavam agora uma totalidade: iniciou-se um processo de interpretação própria, ritos africanos foram reinterpretados de forma diferente, mitos foram apresentados de outra maneira desencadeando assim o processo de adaptações transformando-se em religiões afro-brasileiras. (BERKENBROCK, 2007). No processo de criação de novos elementos podem ser encontradas várias vertentes do culto afro-brasileiro: desde comunidades em que se mantém uma grande fidelidade às tradições africanas até grupos religiosos onde os elementos africanos não são mais preponderantes. “Pelo fato de as diversas tradições religiosas afro-brasileiras serem totalmente autônomas, não há nenhuma instância de controle, de modo que cismas dentro de uma tradição fazem surgir não apenas novos grupos, mas também novas interpretações”. (BERKENBROCK, 2007, p. 116). 82 Segundo Berkenbrock (2007) juntamente e intimamente ligado a esses processos se encontra o processo de sincretismo que também é um mecanismo para tapar lacunas. Lembrando ainda que: “A mistura de negros e brancos na sociedade e também matrimônios mistos levaram tanto a uma “des-africanização” do negro e da população mestiça, como uma “africanização” da sociedade e cultura brasileira. Estes dois processos ocorreram paralela e simultaneamente”. (BERKENBROCK, 2007, p. 118). As religiões apesar de serem sistemas de práticas simbólicas e de crenças ligadas ao mundo invisível dos seres sobrenaturais são também constituídas como formas de expressões profundamente ligadas à experiência social dos grupos que as praticam. Então, a história das religiões de bases africanas inclui necessariamente o contexto das relações sociais, políticas e econômicas estabelecidas entre os seus principais grupos formadores: negros, brancos e índios. (SILVA, 2005). Uma vez que “[...] a enorme separação social entre brancos, negros e índios não significou que suas tradições culturais se mantivessem impermeáveis umas as outras.” (SILVA, 2005, p. 42), essa aparente separação religiosa rompeu seus limites dando origem a formas mistas e afrobrasileiras. O sincretismo desempenhou um papel fundamental na formação do panteão das religiões afro-brasileiras. Segundo Roger Bastide (1971) o sincretismo aparece para preencher as lacunas da memória coletiva na tentativa de suprir faltas das religiosidades africanas ligadas à magia e perdidas no tempo e no espaço e que infelizmente não podem ser mais resgatadas. E acrescenta: “O feiticeiro experimenta sucessivamente tudo o que sabe, tudo o que imagina, a fim de alcançar mais seguramente seu objetivo. Ora é a lei da acumulação, característica do pensamento mágico em oposição ao pensamento religioso e ligada ao desejo individual ou coletivo, que vai provocar justamente o processo do sincretismo.” (BASTIDE, 1971, p. 384). Segundo Bastide (1971) é importante percebermos que o sincretismo reveste formas diferentes na religião e na magia, de acordo com as leis que governam a estruturação dos diversos tipos de representações coletivas, por isso: A divergência entre o sincretismo religioso (por correspondência) e o sincretismo mágico (por adição de elementos) não nos deve fazer esquecer, contudo, que a oposição entre África e o catolicismo vai diminuindo: 1º - À medida que passamos dos sumo-sacerdotes aos filhos e filhas-de-santo, depois aos membros dos candomblés ainda pouco ligados a eles, atuando, em suma, em sua periferia mais no próprio centro. 83 2º - À medida que passamos das seitas tradicionais às seitas bantos, mais ou menos complicadas com elementos caboclos e, dessas últimas, à macumba do Rio. (BASTIDE, 1971, p. 386-387). Dessa forma a identificação dos orixás, entidades e santos se interpenetram e, se por um lado, adicionam elementos novos ao sincretismo: no caso da magia; já por outro lado, ao selecionar por semelhança e correspondência reduzem características dos elementos existentes na formação do sincretismo: no caso da religião. As origens afro-brasileiras da Umbanda remontam ao culto aos orixás e ao culto de entidades africanas, aos caboclos (espíritos ameríndios), aos santos católicos populares e, finalmente ao surgimento de outras entidades que foram sendo acrescentadas pela influência do kardecismo. Esse processo contínuo de negociação entre os praticantes de Umbanda e a própria lógica dos sistemas religiosos que entraram em contato, permitiram o desenvolvimento de religiões dominadas: religiões dos africanos e indígenas em face às pressões do Catolicismo e do Kardecismo. Essas negociações religiosas deram origem aos cultos de umbanda. Deste modo: A capacidade da Umbanda de acolher em si idéias e correntes religiosas é simplesmente incrível. “O sincretismo da Umbanda recolhe hoje em si todas as tradições afro-brasileiras, ao lado do culto a espíritos de índios e escravos falecidos diversas formas de cultos para as almas, de formas muitas vezes Kardecista, como também elementos católicos e orientais.” (M. R. M. KOCH-WESNWR33, 1976 apud BERKENBROCK, 2007, p. 152). Pode-se dizer que a Umbanda é uma religião híbrida que conjuga elementos doutrinários de várias religiões. O sincretismo na Umbanda é caracterizado por este hibridismo que proporciona aos seus cultos características de integração e diversificação, embora essa aceitação de integração e diversificação, não interfira completamente nos ritos de Umbanda, nem por isso deixaram de ser duas características marcantes de Umbanda. “Por isso é comum numa tenda ou terreiro de umbanda a existência de um altar onde se misturam várias imagens de santos católicos ao lado de imagens que representam caboclos, êres, pretos-velhos, exus e pomba-giras, mais representações de elementais (sereias, ondinas e outros)”. (OLIVEIRA, 2007, p. 61). 33 KOCH-WESNWR, M. R. M. Die yoruba–religion in brasilien. Bonn, 1976. 84 Segundo Lima (1997 p. 52-53): A Umbanda resulta da convivência entre crenças tradicionais ameríndias e africanas e o credo cristão. Contudo, essa abertura doutrinária, uma quase anarquia de crenças [...]. Citamos Bastide: “Tem se a impressão de estar numa encruzilhada de religiões, ou, antes, num beco sem saída onde se encontram as mais diversas místicas. Esses vários matizes de Umbanda explicam, além de sua formação litúrgica, também os valores éticos que a permeiam, uma vez que, a mesma possui seus aspectos de magia e religião. Por isso, no campo da religião predomina de certa forma a moral maniqueísta cristã e espiritista e no campo da magia, por sua vez, predomina as feituras de origem banto sudanesa: heranças de magia dos candomblés e das antigas macumbas. Assim, para entendermos melhor a manifestação da Umbanda é preciso descrever o encontro dos tipos de religiões existentes na formação do Brasil: o catolicismo, as crenças africanas e do kardecismo. “Estes quatro elementos (tradição banto, Candomblé, Espiritismo e Cristianismo) forneceram a base teórica para um novo movimento religioso, para o que podemos chamar com certeza de uma nova religião, não podem ser consideradas como já finalizadas”. (BERKENBROCK, 2007, p. 150151). 4.1 Catolicismo e Umbanda Um ambiente profundamente religioso marcou a história da formação do Brasil até mesmo na forma tradicional de ocupação do espaço nas cidades brasileiras, que muitas vezes, cresceram tendo como centro a praça onde se destaca a igreja. (SILVA, 2005). O centro de vilarejos e cidades marca, então, a presença do catolicismo. Para Silva (2005, p. 19) “O catolicismo, além de religião oficial foi uma religião obrigatória.” e com este sistema obrigatório estabeleceu mecanismos de conversões obrigatórias e tornaram-se cada vez mais integrados ao cotidiano social através de 85 festas, procissões, novenas, ladainhas e outras atividades estabelecidas pelo calendário da Igreja. (SILVA, 2005). A devoção dos santos foi a principal característica de formação do catolicismo brasileiro ou popular desde a época colonial e teve conseqüências marcantes no sincretismo afro-brasileiro, tornando-o possível, uma vez que os portugueses acostumados a dedicar rezas e fazer promessas aos santos padroeiros, trouxeram para o país a devoção a estes santos que intercediam junto à Deus os mais variados problemas e necessidades. (SILVA, 2005). Assim: O catolicismo, nessa época, é uma religião profundamente mística ou mágica. Embora a igreja proibisse as superstições pagãs e os atos considerados mágicos e punisse seus praticantes, ela não fazia usando um discurso da não- existência desses fenômenos. Ela os combatia porque acreditava que somente eram legítimos os milagres e a intervenção do sobrenatural na vida das pessoas quando fosse a Igreja que os patrocinasse. (THOMAS34, 1991 apud SILVA, 2005, p. 21). Também Bastide (1971, p. 177) esclarece: Certamente elementos da cultura branca se misturam fraternalmente a esses traços da cultura africana. Mas esses elementos da civilização ocidental não nos devem ocultar o caráter tipicamente africano [...]. É que o catolicismo brasileiro é a continuação do catolicismo português e já em Portugal existia o costume de juntar danças mascaradas e cantos profanos às festas religiosas. Se por um lado o catolicismo popular permitiu uma assimilação das religiões indígenas e negras; o catolicismo oficial através dos jesuítas, seus missionários, primeiramente passou a combater os hábitos e crenças de povos indígenas e consideravam esses mesmos hábitos e crenças hediondos e pecaminosos. Forçando o sincretismo, visava converter os índios através da união de suas crenças com as crenças católicas. Porém, o índio, mesmo católico, não deixou de acreditar em seus deuses e de cultuar os espíritos da floresta ou de reverenciar seus ancestrais. “No século XVII ao sincretismo indígena/católico foi acrescentada a influência das religiões trazidas pelos escravos negros.” (SILVA, 2005, p. 26). A catequização permaneceu superficial: “o catolicismo se sobrepôs à religião africana durante o período colonial, mas não a substituiu. À sombra da Cruz, da capela do engenho e da igreja urbana, o culto ancestral 34 THOMAS, Keith. Religião e o declínio da magia. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. 86 continuou, o que levou Nina Rodrigues a afirmar, no fim do período escravista, „a ilusão da catequese‟.” (BASTIDE, 1971, p. 181). A Igreja vinculada a interesses diversos que se refletiam na política ambígua na catequese dos negros e, por vezes, faziam „vistas grossas‟ às suas danças, cânticos e rezas. Preferindo acreditar na justificativa dos negros que explicavam ser os “batuques” homenagem aos santos católicos. Portanto, esses “batuques” não passavam de um inofensivo “folclore”. (SILVA, 2005). Outra característica que fazia com que a Igreja permitisse esses “batuques” estava ligado ao poder político da aristocracia e do governo, pois, julgavam que se os negros mantivessem suas tradições africanas aguçariam a rivalidade entre grupos de escravos provenientes de etnias e nações inimigas da África ancestral, evitando assim laços de solidariedade. “Contudo, se danças e músicas foram toleradas, o aspecto mágico da religiosidade africana foi duramente combatido.” (SILVA, 2005, p. 35). A partir dos fins do século XVII, o catolicismo brasileiro que era a expressão de uma religião doméstica centrada nas capelas das fazendas, passou a ser uma religião das cidades que aumentava em decorrência da multiplicação de atividades econômicas: açúcar, mineração do ouro, café, entre outros produtos menos importantes. A partir do século XVIII a vida urbana passou a apresentar uma multiplicidade e uma proximidade entre as classes que ameaçaram as fronteiras entre senhores e escravos, ricos e pobres. (SILVA, 2005). Mas era preciso manter o poder dos dominantes, por isso: As investidas da aristocracia branca contra as transformações que a religiosidade africana impôs ao catolicismo fizeram com que a Igreja, em muitos casos, proibisse a realização das cerimônias dos negros junto com as festas católicas. Certas celebrações populares, como as congadas, moçambiques, folias de reis e o próprio carnaval, que caracterizavam a cultura brasileira, tiveram aí sua origem. (SILVA, p. 40). Segundo Roger Bastide (1971) tivemos dois catolicismos distintos em virtude da distinção de cores que impedem uma assimilação total do negro à religião do branco. “O que é preciso dizer, e que é mais justo, é que traços das civilizações africanas – particularmente de civilizações banto - passaram, sem que o sacerdote percebesse” (BASTIDE, 1971, p. 178), criando “nichos” religiosos “no interior do qual o negro pode guardar preciosamente seus deuses ou seus espíritos para melhor adorá-los.” (BASTIDE, 1971, p. 178). Por isso, “O catolicismo negro foi um relicário precioso que 87 a Igreja ofertou, não obstante ela própria, aos negros, para aí conservar, não como relíquias, mas como realidades vivas, certos valores mais altos de suas religiões nativas.” (BASTIDE, 1971, p. 178), como podemos perceber no relato abaixo: O meu pai-de-santo, em abril ele toca pra Oxossi, a maioria dos candomblés tocam pra Oxossi em abril. Abril é considerado o mês de Ogum na Umbanda. O dia vinte e três é o dia de São Jorge; no Candomblé São Jorge também é uma qualidade de Oxossi. Então, a procissão que ele faz, ele faz com a imagem de São Jorge, mas canta pra Oxossi. Eu sempre gostei e participo de rezas, ele também gosta de rezas, de terços, ele sempre fala assim: “vamos nós dois na festa.” Então, eu ia sempre com ele rezando. Ele falava, reza três ave-marias e fala assim: “Salve São Jorge, salve Oxossi!” Eu falava: “Viva São Jorge guerreiro, salve senhor Ogum!” Ele falava assim: “Pára de ser marmoteira!”. (Mãe Teresa - CBPC). No entanto, se a fé dos negros nos orixás estava disfarçada nas danças e nos cantos que eram feitos em louvor a santos católicos, num segundo momento sua fé se dirigiu tanto a uns quanto a outros (SILVA, 2005). E se no Candomblé houve certo “disfarce” em cultuar santos católicos similares aos orixás, na maioria dos cultos de Umbanda esses orixás e santos católicos equivalem realmente a uma mesma identidade. Daí, por exemplo: Iansã e Iemanjá possuírem características iconográficas de santos católicos na Umbanda, possuem cabelos longos, peles claras e postura angelical. Por isso: O sincretismo mágico não é o efeito mecânico de um simples contato de civilizações luso-brasileira sobre as civilizações dos escravos ou filhos de escravos. Realmente não há combinação de elementos mágicos e de elementos católicos, há aumento, desenvolvimento, intensificação da magia africana pela utilização de processos católicos que tomam imediatamente, no novo complexo formado, um caráter mágico. [...]. Os ritos católicos não são mais religiosos, mas ritos mágicos, por si mesmos eficientes. (BASTIDE, 1971, p. 385) Por isso, é comum os terreiros/tendas/centros pedirem a seus adeptos irem às igrejas acenderem velas para santos, orixás, anjos da guarda, almas benditas; pedindo também a celebração de missas para vários objetivos de rituais umbandistas, utilizandose de rezas católicas como o Pai Nosso, a Ave-Maria, a Salve Rainha, orações de santos recitadas e até mesmo o próprio Credo, de apologia ao catolicismo, como forte oração contra malefícios e mau-olhado. 88 4.2 Candomblé e Umbanda Segundo Silva (2005) o desenvolvimento do candomblé foi marcado pela necessidade dos grupos negros reelaborarem suas identidades sociais e religiosas sob condições adversas da escravidão e do desamparo social, daí os terreiros de candomblé acabam por enfatizar a “reinvenção” da África no Brasil. A presente pesquisa obteve de uma respondente a seguinte afirmação: [...] Os médiuns do candomblé eles são totalmente comprometidos, com a casa, com a mãe-desanto, com os outros irmãos de santo, eles são uma elite fechada, uma irmandade e uma comunidade, é tanto que um terreiro, quando você vai na Bahia no terreiro do candomblé: a casa branca, a casa da mãe, vem a casa de não sei quem, é um bairro, e ai vão todos daquela comunidade, sabe, estão ali, cada um tem a sua responsabilidade, cada um sabe da sua responsabilidade. Então, eles tem os pontos positivos que a Umbanda não tem; o comprometimento com a religiosidade que a Umbanda não tem! (Míriam –TUPJA) Em relação aos terreiros de candomblé, Silva (2005, p. 61) também nos diz que: Esses terreiros, saídos de Engenho velho, formaram uma imensa família- de – santo, composta por várias gerações de sacerdotes que se sucederam ao longo de quase duzentos anos de história comum. Como esses, outros terreiros, fundados à mesma época ou mais recentemente, em Salvador ou em outras cidades brasileiras, expandiram continuamente o candomblé pelo país. O culto africano, anterior ao candomblé, tinha um caráter familiar, exclusivo de uma linhagem, de um clã ou grupo de sacerdotes restringindo-se a cultuarem apenas uma ou poucas divindades. No Brasil, devido à escravidão que separou famílias e etnias, essa estrutura de linhagem religiosa não pôde mais se repetir, somando a isso o rigor e a perseguição aos cultos africanos. (SILVA, 2005). Essas perseguições não permitiram que os terreiros pudessem se expandir ao ponto de se dedicarem ao culto exclusivo de apenas um orixá como era na África. Por isso, os terreiros de candomblé tiveram que reagrupar o culto de vários orixás de etnias diferentes, agregando esses mesmos orixás ao culto de santos católicos e de divindades indígenas. (SILVA, 2005). No terreiro de candomblé os negros reproduziram no nível mítico alguns desses padrões de moradia e de culto. Exu continuou guardando a entrada dos 89 terreiros. Os orixás, com seus quartos individuais, sintetizaram a divisão de culto por família. O culto aos mortos também permaneceu no quarto de balé ou de egun (espírito dos mortos). E o barracão do terreiro, funcionando como espaço de encontro religioso e da realização das festas públicas, reproduziu o pátio interno conpound. (SILVA, 2005, p. 64-65) No candomblé, a forma de cultuar os deuses; seus nomes, cores, preferências alimentares, louvações, cantos danças e músicas distinguiu-se segundo modelos de ritos chamados de nação. Os sudaneses (jejes-nagô) foram os grupos que predominaram no século XIX, época em que as condições urbanas, históricas e sociais de perseguição aos cultos diminuíram em relação à perseguição desses cultos no período colonial; período este, no qual, os bantos eram majoritários. Por isso, a estrutura religiosa dos povos de língua sudanesa forneceu ao Candomblé uma infra-estrutura organizativa predominante e mais marcante do que os demais grupos étnicos. Desse processo resultaram dois modelos de Candomblé praticados: o rito jeje-nagô e o rito de angola. (SILVA, 2005). Sobre os cultos jejê-nagô, Silva (2005, p. 66) nos diz: Nos terreiros onde o rito jeje-nagô é praticado, geralmente cultuam-se orixás, voduns, erês (espíritos infantis) e caboclos (espíritos indígenas). Os terreiros onde prevalece o culto aos orixás são popularmente conhecidos como candomblé de queto; o de culto aos voduns são chamados de candomblé jeje. Nos terreiros partidários da noção de “pureza” ritual, o culto aos caboclos, assim como o sincretismo com os santos católicos, tem sido malvistos e em muitos casos até abolidos. Em relação ao Candomblé culto angola, Amaral e Gonçalves da Silva35 (1992) citado por Silva (2005, p. 66-67) esclarecem: Essa nação, embora seja a mais popular e a mais praticada pelo povo-desanto, é vista por membros de outras nações como deturpada, pois possui um panteão bem mais abrangente. [...] O candomblé de angola, pelo grande afluxo e dispersão dos bantos no Brasil, difundiu-se por quase todo o país. Em alguns estados, em fins do século passado, o candomblé de angola, sempre aberto às influências católicas e ameríndias, recebeu nomes próprios como cabula, no Espírito Santo, macumba, no Rio de Janeiro, e candomblé de caboclo, na Bahia. É claro que esses cultos também foram permeáveis à influência jeje-nagô e muitas vezes não sabemos ao certo qual deles predominou. Se na origem as nações de candomblés guardaram algum vínculo étnico na tentativa de manter suas linhagens familiares, com o passar do tempo foi se 35 AMARAL, Rita de Cássia; SILVA, Vagner Gonçalves da. Cantar para subir: um estudo antropológico da música ritual no candomblé paulista. Rio de Janeiro: ISER, 1992. 90 transformando, principalmente com o ingresso dos crioulos (negros nascidos no Brasil), dos mulatos e dos brancos, esses últimos não possuíam nenhum vinculo com a África. A ancestralidade africana como critério para pertencer aos cultos foi abolida e os cultos dos orixás foram cultuados por toda uma população que passa a conhecer os segredos de seus rituais e tê-los como suas entidades espirituais independente de sua cor ou origem. (SILVA, 2005). Assim, “Foi nesse contexto que a classe média branca se uniu à classe pobre, que já freqüentava a religião afro-brasileira que viria a se tornar a mais popular da experiência religiosa dos brasileiros, a umbanda” (Silva, 2005, p. 106), abrindo espaços e tempos sagrados que lentamente contribuíram para o surgimento do culto de umbanda. O fragmento abaixo retrata essa questão, ao apresentar que: A Umbanda por ser uma religião mais nova, nascida no Brasil, genuinamente brasileira, traz uma abertura maior para o entendimento das máximas cristãs, [...] e a Umbanda apesar de ter uma herança africana inegável, é uma religião brasileira, ela se entende brasileira, se aceita dessa forma e tem essa consciência. Essa herança africana é uma raiz muito importante, é uma pilar muito importante da Umbanda e esse pilar jamais vai ser tirado, mas, a Umbanda não tem, por exemplo, a necessidade do dialeto africano como o Candomblé traz, embora existam palavras no vocabulário umbandista que são de origem africana, mais diretamente do dialeto ioruba, porém não necessariamente uma conversação como tem no Candomblé. (Pai Gil – TUEDLUZ). 4.3 Kardecismo e Umbanda Na segunda metade do século XIX, o Kardecismo foi codificado na França por Allan Kardec (pseudônimo de Leon Hippolyte Dénizart Rivail) e teve grande repercussão e aceitação no Brasil, inicialmente entre famílias de classe média e depois entre a população no geral (SILVA, 2005). O Kardecismo estabelece a existência de um Deus criador, onipotente e onipresente, mais próximos dos homens estariam os “mentores” ou “guias” (espíritos dos mortos, “desencarnados”) e têm por missão ajudar aos homens a evoluir pela prática da caridade e do amor aos semelhantes; a crença na reencarnação (influência hindu) é outro ponto central do Kardecismo, os espíritos passariam por sucessivas reencarnações 91 que dotadas de livre-arbítrio poderiam evoluir através da ação do bem ou regredir pela ação dos vícios do mundo material. (SILVA, 2005). A terra seria um planeta de provas e expiações cujo objetivo é proporcionar através dos sofrimentos a depuração da ignorância da alma. Jesus Cristo, e seu evangelho são reinterpretados à luz dessa doutrina, é tido como o maior espírito superior e governador do planeta, além de exemplo de sacrifício e abdicação necessários ao aprimoramento espiritual dos homens. A mediunidade (capacidade de entrar em contato com o mundo espiritual) é uma qualidade e necessidade inata e fundamental ao ser humano em seu processo de evolução espiritual. O médium é considerado um intermediário capaz de decodificar em maior ou menor grau, dependendo do tipo de mediunidade e de sua maturidade moral, os anseios e esclarecimentos vindos do “mundo dos espíritos” para auxílio e consolo aos homens. O Kardecismo é uma doutrina que se denomina religiosa, filosófica e científica, por isso, denomina-se capaz de explicar fenômenos tidos como sobrenaturais, como por exemplo: a possessão e a vida após a morte, as explicações de leis de causa e efeito ou ação e reação, pretendendo-se portador de um discurso racional e religioso. Um dos lemas do Kardecismo é “fora da caridade não há salvação”. Devido a este e outros lemas as organizações espíritas sustentam toda uma rede de assistência social: creches, hospitais, escolas, asilos, entre outras, por isso passam a cumprir o que Roger Bastide (1985) chamava de tríplice função na sociedade do Brasil: combater doenças, diminuir a miséria e utilizar da prática de uma moral da caridade. (BERKENBROCK, 2007). Berkenbrock (2007) sobre o sincretismo do espiritismo na Umbanda, esclarece que: Esta forma de espiritismo, como religião dos pobres e sem ajuda, é que entrou em contato no Brasil com as religiões afro-brasileiras. Neste meio, o espiritismo foi reinterpretado e recebeu claramente uma conotação afrobrasileira. Este espiritismo reinterpretado é chamado também, muitas vezes, de “baixo espiritismo”. Os espíritos desencarnados são aqui interpretados e classificados dentro da lógica das religiões afro-brasileiras. (BERKENBROCK, 2007, p. 146). Ainda segundo o autor: 92 Se por um lado esta nova corrente religiosa significou para os negros e mestiços uma espécie de valorização diante dos brancos, pois a existência de espíritos com os quais se pode entrar em contato e na qual os negros sempre haviam acreditado é agora “comprovada” pelo espiritismo dos brancos, por outro lado, esta nova corrente religiosa projeta para o mundo espiritual a divisão entre os dois blocos populacionais. Não são espíritos quaisquer nos quais se acredita, mas de índios e de africanos. (BERKENBROCK, 2007, p. 146- 147). Segundo Camargo (1961) tanto a doutrina como sua prática espírita ganharam no Brasil novo alento, desenvolvendo aspectos especiais e conotativos que procuraram adaptar-se à realidade brasileira. Camargo (1961) elaborou sua teoria do continuum tendo como fundamentação a racionalização weberiana por isso esclarece que: [...] no sentido weberiano de orientação da vida por meio de valores éticos explícitos e coerentes – em contra posição à orientação pela tradição, fundada na permanência das formas habituais de agir e sancionada pela autoridade. Seria assim o “continuum” um fator relativo de racionalização dentro do panorama nacional. Por outro lado, seu caráter religioso se amolda [...], às expectativas de solução harmoniosa com a cultura do país. (CAMARGO, 1961, p. XIII). A essa adaptação „a moda brasileira‟ é o que o autor vai chamar de “continuum” mediúnico e, por isso, fundamental para entendermos a constituição de uma religião original entre nós. Ou seja, esse continuum religioso assume formas gradativas que se estendem desde o kardecismo radical e ortodoxo até as formas mais africanistas da Umbanda. “Pode se afirmar que há inúmeras modalidades combinatórias em que se expressa o “continuum” – algumas mais ligadas à Umbanda, outras mais próximas do Kardecismo, formando um elo entre os extremos”. (CAMARGO, 1961, p. 15).36 Como podemos perceber no fragmento abaixo, uma Umbanda kardecizada pode alcançar um alto grau de moralidade e de gradiente do continuum kardecista: 36 Kardecismo, Umbanda e Candomblé se interligam em suas práticas denominadas mediúnicas. Na visão de Camargo em sua obra: “Kardecismo e Umbanda: uma interpretação sociológica”, existe certa afinidade da Umbanda que é capaz de transitar entre o Kardecismo e o Candomblé em suas práticas mágico-religiosas. Esse elo entre o kardecismo e o Candomblé foi denominado por Camargo de Continuum mediúnico. Apesar de não ser objetivo dessa dissertação pesquisar Centros Espíritas kardecistas, porém, à título de explicação, sabe-se que existem alguns Centros Kardecistas em Belo Horizonte/Contagem que possuem esse Continuum mediúnico afinado com entidades provenientes da Umbanda; como por exemplo: Fraternidade Espírita Everilda Batista, Fraternidade Espírita Unidos para o Bem, Fraternidade Espírita Irmão Luiz, Fraternidade Espírita Amor e Caridade entre outros. Fato esse, visto com restrições por muitos Centros Kardecistas tradicionais. 93 Nós temos vários irmãozinhos no plano espiritual, que eles chegam na casa espírita precisando de ajuda, precisando de instrução, precisando de conhecimento. E quando eu chego numa casa e eles me ensinam que eu posso beber, fumar, matar um animal, pra reconhecer um trabalho, pra fazer um trabalho, é a mesma coisa d‟eu tá ensinando esse funcionário que começou a trabalhar num caixa, que não precisa guardar o centavos, que os centavos ele pode tirar por fora. Por isso, que a responsabilidade nossa de dividir uma casa, estarmos presentes no lado da vida espiritual, é também trazer o esclarecimento pra esses mesmos irmãozinhos menos esclarecidos. Um irmãozinho de luz, ele tá num plano muito mais elevado do que o nosso, ele não tem necessidade de coisas materiais, não é. (Ubirajara – CEACDL). Contudo, como observou Concone (1987, p. 56): [...] na literatura umbandista encontramos obras que, com mais ou menos ênfase, marcam a ruptura com os cultos negros propriamente ditos, vinculando a Umbanda aos quadros do espiritismo, mas sublinhando sempre o caráter mais antigo e abrangente da Umbanda, frente ao Kardecismo. É interessante observar que nesse jogo de ideologias, enquanto parte da Umbanda parece querer se identificar mais com o sistema, marcando inclusive sua característica nacionalista (como uma religião brasileira por excelência), o espiritismo Kardecista por seu lado vê na Umbanda uma manifestação tosca do próprio espiritismo e matizada de “africanismo primitivo”. Muitos templos de umbanda adotam o discurso racional e moralizador do kardecismo. No entanto, o contrário, muitas vezes, não acontece, uma vez que o kardecismo possui estrutura positivista e evolucionista, por isso, tende a associar a Umbanda ao primitivismo. Nas palavras do entrevistado: Mesmo hoje o espiritismo sendo mais popular, sendo mais acessível, ele ainda conserva um preconceito muito grande com relação à Umbanda, principalmente nas questões ritualísticas. A gente usa velas, defumadores, essências, elementos, muitas vezes, mais densos e a maioria dos espíritas, hoje isso já é uma coisa mais trabalhada dentro das casas espíritas, mas ainda não aceitam pretos-velhos, caboclos, meninos de angola, exus, como espíritos trabalhadores; eles entendem que essas entidades são espíritos atrasados, tanto que dentro das casas espíritas não é permitida a manifestação dos mesmos. (Pai Gil – TUEDLUZ). 4.4 Quimbanda e Umbanda A Quimbanda é uma das mais misteriosas e antigas religiões africanas, provavelmente originária dos povos de dialeto kimbundo, habitantes das regiões hoje 94 conhecidas como Angola, Moçambique e Benguela. Sua natureza específica é muito ambígua. Conforme já mencionado anteriormente, segundo Arthur Ramos (2001), a palavra “Quimbanda” veio da mesma raiz banto que proveio “Umbanda”. Existem em alguns povos primitivos diferenças entre sacerdote benfazejo e o feiticeiro clandestino e malfazejo, assim também é em muitos povos bantos. “O grãosacerdote, ganga ou quimbanda não se confunde com o Mloge ou Meloge, o feiticeiro intruso. Todos os males advindos ao grupo - desastres, doenças, cataclismos- são atribuídos aos Mloge, cuja sorte fica dependendo da vontade do quimbanda [...]”. (RAMOS, 2001, p. 154). Originalmente a magia é ligada à religião, não podendo conceber as origens de uma sem a outra. A religião é a crença em entidades extra-humanas e exige uma atitude frente a essas divindades, a magia se torna um fenômeno social que visa sujeitar essas forças extra-humanas à vontade humana: A primeira forma de magia que Maxwell chama sobrenatural ou evocatória, confunde-se, entre os povos primitivos, com o próprio ritual religioso. Todas as formas elevadas ou degradadas do espiritismo decorrem da magia evocatória. É o que descrevemos nos cultos de procedência Banto e suas transformações no Brasil. (RAMOS, 2001, p. 153). No Brasil, muitas vezes, a Quimbanda é representada como magia negra: a predisposição de fazer o mal, prejudicar e até mesmo levar alguém à morte. Contudo, falar de Quimbanda, talvez seja mais complexo do que falar de Umbanda. Isto se deve pela dificuldade em se pesquisar o campo quase exclusivo da magia encontrada nos povos considerados primitivos e anteriores à civilização. Esta questão se mostra da seguinte forma: Olha, a Quimbanda, eu acho que é uma, uma magia diferente. Um diferencial bem grande do que eu conheço, não sei se é isso, é uma magia, vamos dizer que é uma magia negra que eles falam. Então, assim, eu não tenho nenhum conhecimento do fundamento da Quimbanda, mas sei que ela tem festas, feituras, sei que é tudo muito escuro, com muito fogo, com muita pólvora e, muitas vezes, a figura de exu é associada ao diabo, sabe. (Mãe Teresa – CBPC). Sabe-se que o exu é um dos pilares principais da concepção de mundo africana. Na África temos o seu caráter originário, entretanto, no período colonial os jesuítas encontraram na figura de exu o orixá que poderia, meio forçosamente, ser a figura do 95 demônio. Isto se dá, provavelmente por ser o exu o mais humano dos orixás, o mensageiro do mundo sobrenatural (orum-divino) e material (ayé-humano) e por isso, antigos escravos ofereciam-lhe seus ebós nas encruzilhadas próximas às casas grandes. (EDITORA TRÊS, 1985). Assim a figura de exu sofreu o processo de assimilação com o cristianismo e sua releitura dentro da civilização brasileira. O exu, no Brasil, foi associado ao mal, ao demônio, à rua e à marginalidade, revelando-se um dos aspectos mitológicos do imaginário nacional, desta forma, parte da estrutura social do país37. Segundo Arthur Ramos (2001), as práticas mágicas de origem africana tendem a ser diluídas e fusionadas pelo paganismo de outras religiões, tão fragmentados, muitas vezes, fica difícil retirar os elementos originais e se tornam folclore, contribuindo, no entanto, em estratos do inconsciente coletivo que esquecidos de sua origem e significação se tornam inconsciente folclórico. Esses estratos inconscientes singularizaram quimbanda e macumba. A propagação da macumba „despedaçou a memória coletiva estruturada‟ e expandiu rituais individualizados, “cada um possui individualidade própria como se guardasse restos de uma memória coletiva dilacerada pela distância”. (BASTIDE, 1971, p. 398). A macumba é a expressão daquilo em que se tornam as religiões africanas no período de perda dos valores tradicionais; o espiritismo de Umbanda, ao contrário reflete o momento de reorganização em novas bases, de acordo com os novos sentimento dos negros proletarizados daquilo que a macumba deixou subsistir da África nativa. (BASTIDE, 1971, p. 407). Pode-se perceber no trecho acima que a macumba/quimbanda é vista como uma transição entre a tradição do culto africano e a perda/readaptação dessa tradição. Essa perspectiva também pode ser percebida no fragmento abaixo: A Quimbanda, eu acho que ela veio antes da Umbanda, e misturou um pouco de feitiços e magias. A Quimbanda mantém essas magias, esses feitiços sem estar no Candomblé. Seria para mim, uma religião de transição entre o Candomblé e a Umbanda. É tanto que ela está praticamente extinta, você não vê mais quimbanda, não é, os quimbandeiros, não tem! [...] a 37 Caso haja interesse em aprofundar sobre estudos da representação social, psicológica e antropológica de Exu, bem como a visão paradoxal de Exu no Brasil, poderá se inteirar melhor sobre o assunto através das seguintes obras: TRINDADE, Liana. Exu: poder e perigo. São Paulo: Icone editora, 1985. TRINDADE, Liana; COELHO, Lucia. Exu: o homem e o mito - estudo de antropologia psicológica. São Paulo: Terceira Margem, 2006. 96 Quimbanda é confundida com magia negra, porque ela usa esses feitiços que a Umbanda não usa. Quimbanda faz entrega, faz despachos, trabalham mais com os exus, por isso, essa confusão. Como ela faz esses rituais que a Umbanda não faz, é confundida com magia negra, mas ela não é magia negra, ela não tem a finalidade de mexer com o mal. [...]. (Míriam – TUPJA). Em relação à Quimbanda, diz Camargo (1961, p. 54): Sua situação frente à Umbanda é extremamente ambígua. São em princípio, inimigas formais e irreconciliáveis. (Segundo alguns a razão de ser da Umbanda seria contrabalançar os efeitos maléficos da Quimbanda). Entretanto, vivem em uma espécie de quase-simbiose, útil a ambas. Aproveita-se dos sentidos da palavra “Quimbanda”, de modo a guardar suas vantagens e o prestigio de sua eficácia. Camargo (1961) pontua três conceitos considerados mais comuns para designar o que vem a ser a Quimbanda: 1º conceito: magia praticada individualmente, seja para fazer o mal, ou seja, para a busca de eficácia especial; 2º conceito: terreiros destinados a trabalhos de magia negra e 3º conceito: técnica especial que visa obter efeitos mágicos utilizando de entidades quimbandeiras. Porém, em relação ao 1º conceito: àqueles que se denominam especialistas em quimbanda está vinculado ao puro campo da magia sem nenhum resquício de religião. Em relação ao 2º conceito: nenhum ou quase nenhum terreiro se denomina como sendo terreiro de quimbanda. Por fim, em relação ao 3º conceito: a Umbanda precisa desfazer os trabalhos de Quimbanda, para isso, apela à ajuda dos espíritos quimbandeiros, os exus, dispostos a ajudar. Hoje, a quimbanda é reinterpretada e redefinida em algumas ramificações da Umbanda de influência esotérica e kardecista. Essa idéia se corrobora na afirmação abaixo: [...] Então a Quimbanda é na verdade a faixa vibratória onde atuam os exus, eles são os espíritos que atuam nessa faixa e vêm na linha da Umbanda prestar o seu trabalho. Toda a energia que os exus movimentam é conduzida ao reino da quimbanda, ao plano da quimbanda, para ser trabalhada, é a força de atuação, é o campo onde eles atuam, onde eles permanecem quando não estão atuando dentro dos terreiros. Existe uma confusão entre Quimbanda e kiumbanda. A kiumbanda é um plano de trabalho, é uma força de vibração, é uma energia habitada e trabalhada por kiumbas, aí sim, os kiumbas são espíritos que atuam na sub-crostas, são espíritos inferiores. [...]. (Pai Gil - TUEDLUZ). 97 Segundo Figge (1983, p. 87): A Quimbanda é uma seita altamente interessante mas, na realidade, é inexistente; pois, como tal, apenas subsiste na mente dos umbandistas crentes e daqueles que lhes atribuem algum valor teológico. Como oponente espiritual da Umbanda. [...] Sempre fala-se dos “cultos de Umbanda e Quimbanda”, mas nas descrições mais objetivas, sempre se menciona a Umbanda em primeiro lugar, e recaem indicações mais ou menos vagas sobre a suposta existência real da Quimbanda. Logo depois, o autor complementa: Internamente, a palavra „Quimbanda‟ é freqüentemente utilizada como sinônimo de „Macumba‟; a Quimbanda seria assim, o precursor, a parte mais antiga e, com isso, a mais atrasada da Umbanda. Espíritos da Quimbanda são concordantemente, espíritos atrasados, invocados também para a prática de más intenções. Sem as sessões abertamente chamadas de Quimbanda ou que no mínimo possam ser assim caracterizadas (tais como as regulares sessões de Exu), a Umbanda perderia uma considerável parte de sua função psicológica social. E da mesma forma perderia uma substancial parte de sua função terapêutica, se não mais existisse a crença em terríveis terreiros de Quimbanda (mesmo que ninguém os conheça). (FIGGE, 1983, p. 87). A Quimbanda está vinculada ao reino da magia, da esquerda, da marginalidade que se faz necessária como pólo contrário, porém, muitas vezes, complementar da Umbanda: bem/mal, claro/escuro, direita/esquerda, trevas/luz, vida/morte. “A Quimbanda nada mais é do que a macumba vista através do olho moralizador dos umbandistas e integrada numa teoria mais geral da evolução.” (ORTIZ, 2005, p. 146).38 4.5 Umbanda e contemporaneidade A partir da década de 1970 a Umbanda passou a ser objeto de estudos acadêmicos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Intelectuais como Diana Brown e Renato Ortiz que apesar de algumas revisões sobre a Umbanda mantiveram a estrutura de Roger Bastide, ou seja, em linhas gerais com variáveis, defendem que a Umbanda foi 38 Interesse em aprofundar sobre a Quimbanda, sugere-se a obra: “A morte branca do feiticeiro negro” faz um estudo minucioso sobre a Quimbanda, magia versus aspectos moralizadores ( mais ocidentalizado e menos ocidentalizado). 98 uma desafricanização da macumba ou um branqueamento seletivo dos elementos da tradição afro-brasileira. (SILVA, 1995). E se Roger Bastide tornou-se iniciado e alcançou o cargo de pai-de-santo na hierarquia do Candomblé, nada ou quase nada vivenciou efetivamente da Umbanda, seja como pesquisador ou mesmo como adepto. É certo que não se pode negar a importância do conjunto interpretativo de Roger Bastide (1985) desde a valorização do Candomblé até o surgimento da Umbanda. Segundo Negrão (1996) é inegável uma das principais características da Umbanda percebida por Roger Bastide (1985) defendido como processo de depuração e de re-valorização. Porém, ainda segundo Negrão (1996) o instrumento metodológico de pesquisa de Roger Bastide, entre 1944 a 1953, foram noticiários jornalísticos policiais que, tendenciosos, reforçavam a Macumba ou a Umbanda nascente como ligadas à criminalidade. Esse instrumento de análise da Umbanda é que apresentou-se inadequado, portanto, frágil nas análises particulares de terreiros de Umbanda. Roger Bastide (1985) demonstrou que a Umbanda estava bem no seu início de formação, no entanto, Negrão (1996) ao pesquisar os cartórios de São Paulo nos mostra que Roger Bastide (1985) estava equivocado, pois em 1953 já havia 85 (oitenta e cinco) terreiros de Umbanda registrados nesses cartórios. Sendo portanto, um número bem expressivo, além dos terreiros de Umbanda não serem tão recentes, esses mesmos terreiros poderiam ser objetos de pesquisas mais fidedignos do que os anúncios de jornais. Assim como Negrão (1996), Silva (1995) também segue essa linha de raciocínio: Imagens dos terreiros de macumba e de umbanda enquanto cultos “degenerados”,“patológicos”,“inautênticos”, “simulados”, “comercializados” e associados ao crime, ainda que formulados pelo cientificismo de certos autores, representam as dificuldades destes em entender a mudança cultural e a transformação de valores dentro de certos padrões de pensamento [...]. Nesta perspectiva estes grupos não encontrariam meios de atuação senão com enormes prejuízos para o seu patrimônio simbólico, visão que não permite perceber o vasto campo de manobra no qual se dão as variedades estratégicas de negociação destes grupos. Assim, da mesma forma que o “preconceito banto” e a “pureza do candomblé nagô” devem ser revistos através de novas etnografias que reflitam o sentido de seus ritos preservados ou transformados no interior dos terreiros, é preciso que a inserção destes no contexto urbano seja reconsiderada, mostrando o diálogo da cultura religiosa afro-brasileira com a cidade e o mundo. (SILVA, 1995, p. 73). 99 Entende-se que a formação da Umbanda, para Bastide (1971) e Ortiz (2005), segue à consolidação de uma sociedade urbano-industrial após os anos iniciais da década de 1930 e a expansão de uma classe proletariada: negros, brancos pobres e mulatos. A síntese umbandista está intimamente ligada a esse contexto que procurou conservar parte das tradições afro-brasileiras. Portanto, foi necessário reinterpretá-las e codificá-las na formação de uma religião brasileira, sendo este o trabalho de intelectuais umbandistas, tais como: Matta e Silva, Cavalcanti Bandeira, Oliveira Magno, Lourenço Braga e Aluísio Fontenelle (NEGRÃO, 1996). Numa constante dialética entre o que Ortiz (2005) define como „embranquecimento‟ (brancos e ocidentais) versus „empretecimento‟ (negros e mágicos). No „embranquecimento‟, o negro precisou aceitar valores impostos pela estrutura social branca e o „empretecimento‟ foi o movimento de uma camada social branca em direção às crenças tradicionais afro-brasileiras. No entanto, essa síntese é mais uma aceitação do fato social negro e não necessariamente uma valorização das tradições negras39. Assim, esses intelectuais umbandistas, muitos representantes de Federações do Rio de Janeiro e São Paulo, reinterpretaram o surgimento da Umbanda como um fato ocorrido em 15 de novembro de 1908 após manifestação do Caboclo Sete Encruzilhadas através do médium Zélio de Morais que na época estava com dezessete anos. Na região metropolitana de Belo Horizonte, muitos umbandistas, sobretudo, os mais próximos aos cultos de umbanda mais africanizados ou não afinados com a ideologia das Federações Umbandista do país, desconhecem a origem da Umbanda através de Zélio de Morais. Sendo assim: Diana Brown (1985) atribui, com ressalvas, a criação da umbanda a Zélio de Morais que, no Rio de Janeiro, no início dos anos 20, congregou um grupo de classe média (na maioria homens brancos) através de praticas mediúnicas que 39 Segundo Negrão (1996, p. 30): “Partindo ainda de Roger Bastide, Ortiz entende a Umbanda como síntese, no sentido positivista do conceito, de influências culturais diferenciadas quanto à procedência – católicos, afro-brasileiros e kardecistas – que se fundiram de forma a gerar um produto novo, sem o predomínio de qualquer um dos seus elementos constitutivos. O candomblé ao contrário, mediante a manutenção privilegiada da matriz africana, consistiria, este sim e por essa razão um caso de sincretismo”. Ainda segundo Negrão (1996) embora Ortiz interprete a Umbanda como um produto cultural sintético, isto é algo novo produzido pela fusão de matrizes diferenciadas, acabou por privilegiar “os elementos brancos e ocidentais sobre os negros e mágicos: não é por acaso que o feiticeiro negro tem morte branca. Neste caso teríamos então, nos próprios termos definidos pelo autor, não uma forma de síntese, mas sim um novo sincretismo, com a predominância dos valores culturais brancos e cristãos.” (NEGRÃO, 1996, p. 30). 100 integravam em seus corpos os espíritos africanos e kardecistas. (CARDOSO, 1999, f. 219). Essa reinterpretação do surgimento da Umbanda através do médium Zélio de Morais, é muito mais simbólica do que histórica, uma vez que, o surgimento da Umbanda se encontra nas penumbras marginalizadas da escravidão que existiu no Brasil. Na pesquisa, buscou-se identificar como os entrevistados vêem o surgimento da Umbanda, ao fazer a pergunta: Saberia explicar como surgiu a Umbanda no Brasil? Um dos representantes da Umbanda Esotérica fortemente influenciada pela tradição do Rio de Janeiro e São Paulo: A Umbanda no Brasil, de acordo com a informação literária que nós temos, ela surgiu através de Zélio Fernandino de Morais. Ele era um médium, ou seja, ele tinha a condição, a capacidade mediúnica. Na sua adolescência era uma pessoa muito doente, [...]. Um belo dia, ele levantou da cama, manifestado de um espírito/entidade que falou que iria se apresentar no dia seguinte às vinte horas e que dali nasceria um culto, um novo caminho. No dia seguinte às vinte horas essa entidade se manifestou, falou que era um caboclo e que abriria os caminhos para essa nova religião que se chamaria umbanda: uma religião que daria aos pobres e oprimidos a oportunidade e acesso ao crescimento das coisas espirituais. A entidade determinou que essas reuniões manifestariam os pretos-velhos, os caboclos, ou seja, entidades que não tinham oportunidades nas mesas espíritas para atender aos necessitados que também não eram recebidos nas casas que até então eram muito elitizadas e assim iniciou-se e essas casas foram fundadas. [...]. (Pai Gil TUEDLUZ). Como resposta de um dos representantes da Umbanda de tendência kardecista, temos: Foi em Niterói, no Rio de Janeiro, quem trouxe a Umbanda foi o Caboclo Sete (7) Encruzilhadas, a data eu não vou te precisar agora não, mas eu posso informar-lhe depois. [...]. Essa entidade se apresentou e as pessoas que estavam naquele meio, não deram permissão pra ela falar, porque achavam que aquilo era ridículo. Então, o menino saiu dali, foi e colocou uma rosa em cima da mesa. Entendeu; daí pra frente, aqui no Brasil que começou a Umbanda, foi lançada pelo Caboclo Sete (7) Encruzilhadas. Isso ai, você pode pegar na internet, tranquilamente. (Marcos - CEACDL) 101 Para os representantes da Umbanda de base ideológica bem Umbandista, por sua vez temos que: Porque a Umbanda chegou no século XIX, né, que chegou aqui no Brasil. (D. Leonor – TUPJA). Chegou antes, no período do descobrimento do Brasil, Século XVI por aí.... A formação da Umbanda, você quer ver, eu tive uma lição sobre isso há pouco tempo atrás eu não sabia quando ela surgiu, ela foi fundada aqui no Brasil, acho que pelo caboclo Sete (7) Encruzilhadas. Porém, na história do negro que era segregado, de querer manter a religião africana e ser obrigado a seguir o catolicismo e fazer aquele misticismo para poder conseguir manter a religião deles, então, a história perdeu um pouco nisso daí, em questão de data, em questão de tempo, você conseguir identificar exatamente datas se perde muito nesse período da escravidão do Brasil! [...]. (Míriam - TUPJA). A representante da Umbanda com proximidade do Candomblé, nos diz: Talvez, como uma religiosa, eu até tivesse que saber isso, mas não tenho nenhum registro. (Mãe Teresa – CBPC). Percebe-se acima que quanto mais „racionalizado/intelectualizado‟ é o segmento de Umbanda, com maiores detalhes de informações explica-se a „codificação ideológica da Umbanda‟ através do médium Zélio de Morais. Contudo, como já foi dito acima, esse surgimento da Umbanda é muito mais simbólico do que histórico. Negrão (1996) nos mostra que, mesmo na contemporaneidade, existe a enorme dificuldade em estudar a Umbanda. Ele nos expõe que: Os estudos sociológicos sobre a Umbanda, embora ainda atuais sob múltiplos aspectos, estão um tanto defasados no tempo. [...]. Apesar de Bastide, Camargo e Ortiz, entre outros, terem dado contribuições até hoje não ultrapassadas e de estudos terem enfocados aspectos inquestionáveis relevantes da Umbanda, não esgotaram as perspectivas de análises possíveis nem captaram as suas tendências mais atuais de desenvolvimento. Partindo das características mais gerais, expressas pelo movimento federativo em sua busca de legitimação, deixaram em segundo plano a Umbanda vivida na realidade cotidiana dos terreiros, mais próxima da vida real das populações periféricas antes preocupadas com seus problemas imediatos do que com o bom nome público ou a respeitabilidade do culto. (NEGRÃO, 1996, p. 25). Além da integração e do sincretismo, ou talvez por isso mesmo, a Umbanda também se caracteriza por suas nuances locais e tendência a cultos bem particularizados 102 que costumam variar de templo para templo. Os fatores locais e particularizantes também reforçam que a Umbanda é uma religião híbrida absorvendo elementos de varias religiões para compor uma só. 4.5.1 A(s) Umbanda(s) pesquisada(s): unidade na diversidade Quando alguém diz que vai a um terreiro de Umbanda muitos imaginam que vai ser um local cheio de imagens, velas, pessoas vestidas a caráter: estilo baiana, muitos colares, tambores. Porém, nem sempre esse terreiro de Umbanda vai ser assim e o interessante é que esse terreiro também poderá aproximar-se do que a pessoa pensou. Esse imaginário dos cultos afros ligados ao „primitivo‟, ao „exótico‟, não poucas vezes, influencia até os pesquisadores sobre o assunto. Fato interessante foi observado nessa pesquisa ao fazer a entrevista em um dos templos de Umbanda pesquisado, quando foi perguntado: “Você vê semelhança entre um terreiro de umbanda e outro? Quais são essas semelhanças? Logo em seguida vem diferenças, também, se você quiser falar as duas coisas juntas!?” A resposta, apresentada a seguir foi imediata. Acredito que a resposta tenha sido tão inesperada quanto a pergunta: Eu acho o seguinte, eu acho que o nome terreiro, ele não seria muito apropriado não, tem casas, muitas casas aí que falam terreiros porque realmente os trabalhos são feitos no terreiro, não é, do lado de fora, o nome apropriado pra isso seria mesmo casa espírita, não é. Uma casa espírita, casa dos espíritos, o nome apropriado seria esse, terreiro não, mas como nós já falamos anteriormente, são denominações das pessoas que estão ali, não é, aqueles trabalhos são denominações. Isso. (Marcos – CEACDL). Esse é um templo com forte influência ideológica do Kardecismo; as outras tendas já não preocuparam com o termo terreiro. Na verdade ao colocar esse trecho, chama-se a atenção para demonstrar que a Umbanda possui uma capacidade simbólica e sua força plástica é realmente impressionante. A Umbanda é como o próprio genótipo do brasileiro, afinal de contas quem somos? Somos negros? Somos índios? Somos brancos? O melhor seria dizer: somos brasileiros! Assim é a Umbanda, pode ser única mas também ser várias... por isso: 103 Ao contrário de certa visão folclarizante, o mundo religioso afro no Brasil não constitui somente permanência, cópia ou repetição. Ele vive também, quer dizer, recria-se constantemente, dinâmica e conflitualmente, segundo um eixo complexo de representação identitária que por vezes o faz reivindicar a exclusiva autonomia dos “fundamentos” de sua tradição e, outras, joga-o nos caminhos da assimilação das demais fluências, latentes ou ativamente presentes no espaço religioso do Brasil. (SANCHIS, 2001, p.16). O mais curioso da Umbanda são as diferenças ideológicas de cada templo seja com características do candomblé, seja com características do kardecismo, seja com características do esoterismo ou outro segmento espiritualista qualquer. Ao mesmo tempo que a escolha ideológica de cada templo nos remete às diferenças da Umbanda particularizada, retrata também a sua semelhança, ou seja, a Umbanda em qualquer espaço/tempo desenvolve intrinsecamente a capacidade de adaptação e incorporação de qualquer segmento ideológico religioso, seja ele qual for40. A Umbanda é como o mito de muiraquitãn uma espécie de pedra/lodo anfíbio. “No fundo do lago, ela é lodo; entre o fundo e a superfície, ela é pedra mole; logo depois, é pedra dura, talhada e esculpida. Participa da ordem da natureza e da cultura, da esfera do sagrado e do profano”. (CHAGAS, 2003, p. 96). Assim: A diversidade se expressa nas várias e reconhecidas influencias de outros credos na umbanda. Encontramos adeptos de Umbanda que praticam a religião em combinação com o candomblé, com o catolicismo, que se dizem também espíritas, absorvendo os ensinamentos de Kardec e, entre estes, as variações continuam: centros que aceitam determinados princípios do candomblé e excluem outros, que se vinculam a uma tradição por muitos ignorada etc. Não há limites na capacidade do umbandista de combinar, modificar, absorver práticas religiosas existentes dentro e fora desse campo fluido denominado “afro-brasileiro”. (BIRMAN, 1985, p. 26-27) Essa diversidade de influências e assimilação de variáveis princípios de crença, citada acima, é capaz de re-significar a Umbanda na singularidade dos quatro diferentes terreiros/ tendas/centros pesquisados nesta dissertação. 40 Essa capacidade da Umbanda em adaptar e incorporar vários elementos religiosos é apontado por vários estudiosos. Segundo Malandrino (2006, p. 171): “Como um fenômeno de cultura popular, que constantemente “bricola” e se modifica, a umbanda apresenta essa mesma característica em seus símbolos e rituais”. Essa bricolagem permitirá ao adepto de umbanda escolher, dentre os vários terreiros/tendas/centros, às diversificações e diferenciações que vão de encontro com as múltiplas necessidades de seus adeptos, pois, “a partir do que pode ser observado na formação da Umbanda [...], ela mescla símbolos de diversas tradições, não tendo a intenção de firmar-se em um todo acabado.[...]. O fato de a umbanda ser formada por muitas “umbandas”, permite ao indivíduo, ao fazer sua escolha e permanecer nela, escolher o centro que vá ao encontro daquilo que ele está buscando ou precisando”. (MALANDRINO, 2006, p. 171 - 172). 104 4.5.2 A história singular de cada um na formação da história da Umbanda. Ao expressar particularidades da Umbanda, ou seja, a re-construção dos costumes de cada terreiro, os acontecimentos históricos e sociais do passado são reelaborações na memória dos indivíduos. “A história vivida, que tem seu lugar nas tradições sociais é sobretudo uma história oral, distinta da escrita que marca os diferentes momentos históricos” (TRINDADE, 2000, p. 158), mas história singular (micro) e história geral (macro) se entrelaçam transfigurando sentidos. Em suas narrativas individuais essas histórias são re-interpretadas sob a perspectiva de valores de intensa afetividade e lembranças emocionais de interesses do narrador. No entanto, essas formas das diferentes narrativas aparecem como partes de um todo e cabe ao pesquisador decodificá-las. Por isso, segue abaixo as narrativas dos quatro templos pesquisados41, são eles: Centro Beneficente Pai Caetano (CBPC), a mãe-de-santo desse terreiro é também mãede-santo do Candomblé. Tenda de Umbanda Pai Joaquim de Angola (TUPJA), terreiro que é o alicerce de uma família, e mantém a „pureza‟ de seus rituais umbandistas. Centro Espírita a Caminho da Luz (CEACDL) que sintetiza a prática terapêutica da Umbanda com o conhecimento teórico do Kardecismo e a Tenda de Umbanda Esotérica da Divina Luz (TUEDLUZ), uma das poucas casas de Umbanda Esotérica existente na região metropolitana de Belo Horizonte. 4.5.2.1 Centro Beneficente Pai Caetano O Centro Beneficente Pai Caetano está situado à rua Presbítero João Rosa da Silva, 265 - Santa Helena- regional Sede de Contagem/MG. A mãe-de-santo, Mãe Teresa de Oxum, é também mãe-de-santo no Candomblé keto. Segundo ela, sua sensibilidade mediúnica foi uma espécie de herança ou transferência de missão por parte do pai: A mediunidade era uma coisa do meu pai, é uma coisa que ele teria de ter assumido e eu acabei herdando isso dele. [...] Quando eu estava com doze pra treze anos eu comecei a ter visões, eu 41 Essas entrevistas têm sua transcrição parcial no Apêndice D. 105 incorporava, mas não entendia o que era, eu desmaiava, às vezes, eu falava que queria ir num lugar que batesse palma; eu comecei a ter perturbação, como diziam eles. Me levaram no hospital pra eu fazer tratamento, cheguei a ir no psiquiatra, no neurologista, aquela coisa toda! Até que um dia, um psiquiatra falou com ele: “Leva num terreiro e dá uma saravada boa nessa menina! Depois vocês trazem ela de volta!” E ele, não aceitava muito a idéia de me levar pra um terreiro. (Mãe Teresa- CBPC). O pai biológico de mãe Teresa que não aceitava participar de cultos afrobrasileiros, no entanto, passou a levá-la no centro kardecista: Chama Casa de Caridade Irmão Luiz, esse centro é de sessenta e nove (1969), quando nós viemos do Barreiro. A gente ia, meu pai gostava de lá porque não batia tambor, ele tinha horror desse trem de tambor. Eu ia com ele, eu ia acompanhando, ia lá e acompanhava, eles tinham os trabalhos: de cirurgia, de tratamento, a gente participava das sessões, fazia as desobssessão e tal. [...] Ajudava. Mas eu via um atabaque, quando eu escutava eu ficava assim doidinha. (Mãe Teresa- CBPC). Mãe Teresa iniciou-se na Umbanda após experiência do kardecismo: Quando foi mais ou menos setenta e cinco (1975), setenta e seis (1976), tinha um centro aqui que chamava „Caminheiros do bem‟. [...]. Era Umbanda e depois [...] passaram a tocar pra candomblé também [...], era nação de angola, angola mujicongo. Quando eles tocavam candomblé era mais fechado e pro público era Umbanda. [...]. Um dia, eu vinha do centro Irmão Luiz, quando eu cheguei na frente do centro de umbanda Caminheiros do Bem, não sei se eu caí, se eu desmaiei, sei lá... o pessoal desse centro de Umbanda falou que eu tinha que desenvolver lá. Eu me afastei do centro kardecista e ia escondido porque meu pai, ele, não gostava [...]. E aí foi desenvolvendo a minha história, eu comecei, incorporava com preto-velho. (Mãe Teresa CBPC). A caminhada espiritual de mãe Teresa do Kardecismo para a Umbanda, também passou pelo Candomblé: Em oitenta (1980) eu conheci o meu pai de santo, que é o centro onde eu raspei e me iniciei no Candomblé keto. Em oitenta e seis (1986) eu sai do centro Caminheiros do Bem. Em oitenta e oito (1988), dois anos depois, eu raspei no Candomblé. Eu não tinha uma noção de que eles não aceitavam a incorporação de entidades de Umbanda, pelo menos assim na nação de keto, em algumas nações de angola, por exemplo, já aceitam melhor essas incorporações, estão mais 106 próximas da Umbanda [...]. No Candomblé, na iniciação você faz obrigação de um ano, de cinco e de sete; nos sete anos, o seu pai te dá todos os seus direitos, que fala entrega de direitos, de Dêca, no keto não tem entrega de Dêca igual é no angola. [...]. Eu tenho vinte e dois anos de keto [...]. Uns quarenta anos de Umbanda (Mãe Teresa - CBPC). O terreiro de Umbanda Caminheiros do Bem ficou abandonado e o ogã desse terreiro pediu à Mãe Teresa para ajudá-lo a despachar os objetos que ficaram no galpão: O centro ele ficou completamente abandonado! Você precisava ver! O centro todo arrumado! A mesa com os santos, tudo no lugar [...]. Ficou fechado muitos anos. A história do centro, era um centro assim, maravilhoso, que hoje, se eles tivessem aí hoje, seria um dos terreiros mais bem direcionado, tinha um grande número de pessoas. O povo vinha de longe, tinham entidades muito boas e tudo, sabe. (Mãe Teresa- CBPC). A iniciação no Candomblé de angola não exige exclusividade e freqüentemente a Umbanda é vista como um segmento a mais a ser trabalhado. No Candomblé keto a aceitação da Umbanda é vista com ressalvas: Às vezes, eu era criticada na nação que eu fui raspada porque eu tinha preto-velho, eu tenho caboclo. Eu tenho um irmão de santo que um dia teve na minha casa, ficou rindo, falou assim: “Oh você trabalha com as linhas todas?!” Falei: “nós trabalhamos com as sete linhas!” Brinquei com ele. Aí ele falou assim: “Drima, Corrente.” Eu falei com ele: “Drima, Corrente, Pingüim”. Ele falou: “Pingüim não é linha não, é lã!!!” Eu falei com ele: “mas não tem problema serve pra fazer!” (leve sorriso). Porque eles não acreditam muito nessa questão da Umbanda, de pretovelho. Eles falam que é egun, mas se formos olhar em Minas Gerais não existe quem não tem um caboclinho, um preto-velho, um exu, mesmo assim no escondido, lá no fundo, no fundo, que trabalha só mesmo com orixá, não existe não. (Mãe Teresa - CBPC). No entanto, Mãe Teresa, permaneceu mantendo seu templo dedicado à Umbanda e no momento considerado correto toca o Candomblé: Quando eu fiz o santo e depois meu pai de santo jogou os búzios: vamos ver o quê que o santo quer? E eu perguntei: “Como que vai ser minha casa? O que quê Oxum quer?” Ele falou assim: “Oxum não te proíbe nada! A única coisa que Oxum quer é que uma vez no ano, você toque a nação, você toque o candomblé, mas você pode continuar com suas festas, fazer suas sessão, seus pretos-velhos; você continua com seus exus, seus caboclos e tal. [...] O candomblé, na 107 minha casa, eu toco uma vez por ano, meu pai de santo vai e eu toco pra Oxum, aí não tem nada de Umbanda, eles tocam Candomblé, entendeu. (Mãe Teresa - CBPC). Mãe Teresa demonstra seu amor pela Umbanda e reconhece a importância psicológica e social da mesma: Eu praticamente nasci na Umbanda, então, eu tenho essa bagagem do preto-velho, do caboclo, do exu. O povo do candomblé fala que “o „povo de Umbanda‟ tem elevador, um sobe o outro desce!” (sorriso). Eu brinco que preto-velho, exu, são psicólogos de pobre, porque estão ali para escutar, para ouvir. E as pessoas que procuram a Umbanda, procuram para isso: serem acolhidas, serem ouvidas e buscam orientações. Mas eu tenho alguns irmãos de santo no candomblé que, às vezes, me criticam muito por eu tocar Umbanda. Eu amo a Umbanda, meu preto-velho é uma entidade, que foi a primeira entidade que eu recebi! [...] O meu conhecimento maior, ainda busco dentro da Umbanda; não estou negando o Candomblé quando eu falo isso, sabe, eu não estou negando o Candomblé! [...] (Mãe Teresa- CBPC). Portanto para Mãe Teresa, ser umbandista: É essa vivência assim, acho que tá na questão da caridade, de apoio, de acolhimento, eu acho que ser umbandista é isso, não só umbandista, acho que ser, qualquer religião, mas eu acho que a Umbanda ela é mais caridade, ela é mais humana, ela é mais aconchego mesmo! Então, eu acho que é isso, é caridade. (Mãe Teresa - CBPC). O terreiro de Umbanda começou a partir de atendimentos dentro de casa no bairro Serrano-BH: De repente eu me vi aqui atendendo dentro da cozinha, depois ali atrás da casa, nos fundos e o Pai Caetano dando consulta. Eu trabalhava no hospital e eu atendia o pessoal de lá: médico, a minha chefe, ai elas vinham e a gente punha ali atrás, o Pai Caetano vinha e atendia; um dia um dos médicos falou assim: “Ô Teresa”, ele me chamava de crioula, “Ô crioula vamos fazer um cantinho!” Passou a chamar „Cantinho de Pai Caetano‟. [...]. O „Cantinho de Pai Caetano‟ foi crescendo, o povo foi vindo, foi vindo, foi vindo quando eu mudei eu tinha uma turma boa, eu tinha uns vinte médiuns [...]. (Mãe Teresa - CBPC). Hoje, o Centro Beneficente Pai Caetano possui sede própria anexado à casa de Mãe Teresa: 108 E aí... fui me vendo, quando eu me vi, já tinha um tanto de gente, e a gente comprou um lote. Eu acho que foi uma necessidade mesmo, eu atendia ali atrás, era no corredor, era dentro de casa, e de repente, vi uma necessidade de ter um espaço próprio, porque quando eu vou numa casa, que vejo que a pessoa atende dentro da casa dela, incorpora e tudo, eu acho que tem que ter um espaço, o sagrado eu acho que ele tem que ter o espaço dele. [...]. E de repente fizemos nosso templo, então acho que foi uma necessidade mesmo. De ter nosso templo, nosso canto. [...]. Em noventa e sete (1997) eu construí quatro cômodos e mudei pra lá assim mesmo. Normalmente nós fazemos reuniões a cada quinze dias. (Mãe Teresa – CBPC). Na entrevista e na pesquisa de campo, pode-se observar que Mãe Teresa é uma pessoa consciente e politizada, participa da coordenação do CEN (Coletivo Entidade Negra); luta contra o preconceito: racial, religioso, social e sexual. Mostra sua formação espiritual e, nem por isso, deixa de respeitar e de ser respeitada pelos outros: Eu estava buscando, e nessa busca, eu acho que dentro da espiritualidade, agora como religiões de matriz africana eu me encontrei [...]. Houve o lançamento da campanha: „Quem é de axé diz que é!‟ pra saber o quanto somos, nós estamos com muita esperança que as pessoas falem: “sou de religião de matriz africana!”, que digam: „participo mesmo!‟. Que expressem: „eu não sou católico, eu não sou espírita!‟, porque, às vezes, falam: „não, eu sou espírita!‟ Então, a função da campanha é essa: que as pessoas declarem seu amor pelo seu orixá, pelo seu inkice, ou seja, conscientizar às pessoas. (Mãe Teresa - CBPC). 4.5.2.2 Tenda de Umbanda Pai Joaquim de Angola A tenda de Umbanda Pai Joaquim de Angola está situada à rua CC, 90Arvoredo - regional Ressaca de Contagem/MG. Uma das principais características dessa tenda é a união familiar, visto que mãe e duas de suas filhas, Míriam e Anamir, juntamente com outros quatro a cinco médiuns participam diretamente dos trabalhos da casa. Ao fazer as entrevistas e a pesquisa de campo, percebeu-se que é uma família que trabalhou muito para melhorar a condição de vida e que lutaram para conseguir um espaço físico de moradia e de culto à fé. 109 A mãe biológica e chefe de terreiro, Dona Leonor, hoje com setenta e dois anos é a matrona responsável pelo surgimento da tenda: Comecei com 25 anos, eu adoeci, e fui curada no espiritismo, por causa disto... E aí, tive que trabalhar, eu não gostava muito não, eu sou franca mesmo! Meus avós eram kardecistas, mas eu não gostava (risos). Então, depois através da doença eu passei a trabalhar na Umbanda e nunca mais saí! Já tem esses anos todos, até agora eu trabalho, é isso aí! Eu dedico isto aqui mesmo com muito amor! Trabalho muito, o que eu conheço da Umbanda foi os orixás e todos os guias nossos da Umbanda, [...]. Eu continuei na Umbanda, desenvolvi na Umbanda e estou na Umbanda, é Umbanda mesmo! Não têm nada. É linha branca mesmo, minha linha não é cruzada, e é isso aí!!! (D. Leonor- TUPJA). Os avós de Dona Leonor eram kardecistas tão tradicionais que não admitiam nem o batismo: Sabe o que eu fiz quando eu tinha 10 pra 12 anos; eu fui pra Ubá e batizei escondido dos meus avós porque o Kardecismo num deixava batizar. Não tinha batismo, não deixavam, nem ver batizado. Eu não falei nada, olha a idéia de criança!!!! Não falei nada com minha mãe e com meu pai; arrumei meus padrinhos e batizei, se eu falasse eles não iam deixar. Depois eu falei, depois eu fiz questão de ir lá, conversei com eles; eles não podiam fazer mais nada! (risos). (D. Leonor – TUPJA). Mesmo os avós sendo kardecistas, Dona Leonor não se adaptou com o Kardecismo: Eu fui no Kardecismo com 18 anos, centro Bezerra de Menezes, lá em Carajás sabe; aí cheguei lá... eu não era desenvolvida, eu era solteira; me levaram, minha mãe me levou! Aí chegando lá, eles me puseram na mesa. Eu comecei a pensar: “uai gente eu tô na mesa? Por que quê estou na mesa? Eu não sou médium, não sou nada!?” Falei assim, sabe! Aí menino, o preto-velho, Pai Joaquim de Angola, chegou lá! Chegou lá na mesa e falou no meio deles assim: “Oh, vocês não aceitam preto velho, por isso, eu não vou deixar meu aparelho voltar aqui mais não!” É! Ele falando, diz que ele falou... o pessoal me contou depois, a gente nunca sabe bem ao certo! E ele falou assim com eles: “por que vocês não aceita preto-velho? Preto-velho é da mesma linha de vocês, nós fazemos só caridade e eu vou desenvolver meu cavalo pra fazer caridade!” (D. Leonor – TUPJA). 110 Antes de dedicar a vida espiritual, Dona Leonor, foi acometida por problemas de saúde que, segundo ela, estavam diretamente relacionados com a mediunidade: Eu tive internada aqui em Belo Horizonte várias vezes, um enfermeiro chegou a falar com meu marido que eu só sarava se tratasse num centro, que esse problema era mediunidade. Depois, eu mudei pra aqui, a minha irmã freqüentava esse centro da dona Antônia Aparecida [...]. Me levaram lá, foi onde eu fui curada. Foi de nervo, eu nunca mais tomei um remédio pros nervos. [...]. Então eu costuro, lavo, passo, cozinho, eu cuido de marido que dá trabalho também, que é minha cruz, tem cinqüenta anos, que nós fizemos agora dia nove, de casados. Pois é, então a gente vive assim... graças à Deus! tô bem mesmo!!! O que eu faço aqui hoje dá pra todo mundo vê! Você já pensou, abrir esse terreiro não é brincadeira não! (D. Leonor – TUPJA). Dona Leonor iniciou-se na Umbanda com Dona Antônia no Centro Pai Antônio do Paraíso no bairro São Geraldo-BH, hoje esse terreiro não existe mais: Na verdade acabou, não tem nada mais, ela passou para Dona Laura e a Dona Laura abandonou tudo, não trabalhou mais. Eu tava na casa dela quando o centro dela pegou fogo. Nós éramos três chefes: eu, a Dona Laura e a Dona Antônia Aparecida, trabalhávamos juntas e aí... a Dona Laura desanimou, ela é mais velha do que eu. Ela desistiu. No terreiro era assim, a gente tinha que chegar, o terreiro era grande e tinha um banquinho para cada médium, não podia conversar, você chegava sentava no banquinho, sentava e concentrava e não podia conversar com ninguém não, só podia conversar assim: ou na hora de ir embora ou só na hora de chegar e só cumprimentar e pronto! Mas o resto não podia não e funcionava assim. E eu aprendi foi assim mesmo, hoje em dia tá tudo diferente, as cabeças mudaram. (D. Leonor – TUPJA). Depois que sua filha caçula, Mônica, nasceu, trabalhar no terreiro de Dona Antônia ficou complicado: Quando eu ganhei a menina, que eu comecei a te contar, eles foram me buscar em casa umas duas vezes, mas eu não podia, pois, elas duas trabalhavam e estudavam (referindo-se a Míriam e a Anamir) e então eu não tinha como deixar a menina. [...]. (D. Leonor – TUPJA). Dona Leonor, então, passou a fazer sessões de Umbanda dentro de sua casa, nesta época, ela morava de aluguel no bairro Padre Eustáquio-BH: 111 Não ganhava nada, trabalhava de graça, então, minha casa vivia cheia de gente, eu trabalhava dentro de casa, às vezes, chegavam, almoçavam, deitavam na minha cama e iam embora de noite depois da sessão. Durante dezesseis anos, trabalhei em casa, não tinha lugar de trabalhar, trabalhava de graça, não cobrava um centavo. (D. Leonor – TUPJA). Juntamente com suas filhas, Dona Leonor, fez da Umbanda o alicerce familiar: Por isso eu chamei as duas porque isso aqui pretende ficar nas mãos delas. Se elas quiserem tocar, porque elas são desenvolvidas comigo desde que eu comecei a trabalhar, então, já tem muitos anos de casa, já tão mais do que sábias no terreiro, né. (D. Leonor – TUPJA). O esforço de conseguirem casa própria impulsionou conseqüentemente a possibilidade de um espaço para o terreiro: Na época aqui só tinha uma placa: “libero lote e tal”. A Míriam estava acabando de sair de um emprego, papai também ia receber, coincidiu tudo e eles conseguiram, aí ela comprou aqui e dividiu com a mamãe. A mamãe veio pra cá e aí começaram a criar o centro. Primeiramente nós construímos a casa, aí minha mãe tinha um quarto lá. O rapaz, meu compadre já havia feito a programação da casa para que ficasse no local, um cantinho pro terreiro, não como na outra casa. Na outra casa nos tínhamos um quarto que era local do terreiro, aqui nos tínhamos a intenção de construir um quarto e ser o local dos trabalhos. (Anamir- TUPJA). O sentimento de gratidão e solidariedade por parte das pessoas que recebiam consolo, através dos trabalhos de Umbanda realizados por Dona Leonor e suas filhas, ajudaram na construção da Tenda Pai Joaquim de Angola anexado ao terreno da família, porém separado da casa: Muita gente me ajudou, não construí aqui sozinha, cada um me deu um pouquinho, [...] eu tenho tudo escrito e guardado, e eu não teria condições sozinha, mas eu fui muito ajudada, muita gente me ajudou, eu não tinha condições sozinha, não tinha não! Não sou uma pessoa que falo assim “isso aqui é meu”, não! Isso aqui é nosso, é de todo mundo, eu não tenho nada, isso aqui é de todo mundo, é uma casa de oração [...]. Eu chorei todos os dias quando eu mudei pra aqui [...]. Sempre tem uns que a ajudam porque você sozinho você não faz nada![...]. Meu marido ajudou muito também, sabe, mesmo com dinheiro ele ajudou, ele andou pagando uma parte. (D. Leonor – TUPJA). 112 O terreiro tornou-se um „porto seguro‟ da família, pois: [...] elas não chegam aqui sem isso, quer dizer: o centro é um apoio muito grande que eu tenho espiritualmente, Graças à Deus, né! Meu lar tem muita paz, não tem briga mais; de primeiro tinha briga, antes de eu desenvolver, meu marido bebia e chegava xingando eu era nervosa, achava ruim, brigava, agora não, graças à Deus! Pode chegar em qualquer horário é igual como se você tivesse aqui: Tranqüilo! (D. Leonor – TUPJA). A tenda Pai Joaquim de Angola têm aproximadamente trinta anos, no entanto, como espaço fixo foi construído em 1990, no dia vinte e dois de janeiro. A tenda funciona às segundas, quartas e sextas à tarde e sextas-feiras à noite. Antigamente nossas reuniões tinham uma certa seqüência vinha Ogum, depois Iemanjá, Xangô; a gente trabalhava com praticamente com todos as linhas. Aí com o passar do tempo, foi ficando difícil tanto para mim como para a Míriam e pros outros médiuns que estavam trabalhando; a mamãe começou a revezar na segunda feira: só preto velho e na sexta feira: chamava Ogum e uma outra linha, das sete linhas. Depois foi diminuindo mais ainda, o pessoal foi sumindo e ficou mais difícil ainda, aí ficou só com a sexta feira; era segunda, quarta e sexta. [...]. (Anamir - TUPJA). Dona Leonor preocupa-se com a seriedade de sua atividade religiosa: Umbanda é responsabilidade. Umbanda é pé no chão, pobreza sim, mas é uma religião que cobra muito de você. Você tem que estar muito capacitado para dar conta. A Umbanda aqui é séria, muito séria, respeitada, muito respeitada mesmo, aqui não tem esse negócio de desrespeito, as pessoas chegar aqui e fazer despacho, ficar bebendo, aqui não tem nada disso. Aqui tem horário! Até na praça que eu vou na lagoa tem horário, onze e pouca a gente já tá parando, eu nunca cheguei até meia-noite. (D. Leonor – TUPJA). Dona Leonor demonstra satisfação do dever cumprido e se sente gratificada: Podia parar; mas eu não paro não, eu adoro os pretos-velhos, eu adoro isso aqui! Isso aqui é minha vida! Enquanto eu agüentar e tiver aqui, mesmo se eu não puder trabalhar com os outros guias, eu trabalho com preto-velho (risadas de satisfação). Eu gosto, isso é coisa que eu gosto de fazer e que eu sinto bem também, e que eu fui feliz foi aqui. (D. Leonor - TUPJA). 113 4.5.2.3 Centro Espírita A Caminho da Luz O Centro Espírita A Caminho da Luz está situado à rua Vereador Sócrates Alves Pereira 753 - Carlos Prates - regional Noroeste de Belo Horizonte/MG. Esse centro é o mais antigo de todos os outros pesquisados, atualmente com sessenta e um anos de fundação. Ao longo do tempo, houve uma transição do Centro Espírita A Caminho da Luz que passou de uma formação da Umbanda próxima do candomblé para uma Umbanda próxima do Kardecismo: Em mil novecentos e quarenta e nove (1949) foi a fundação do A Caminho da Luz, nessa época a tendência da casa era muito voltada para o lado do Candomblé, havia realmente uma tendência muito forte com os trabalhos do Candomblé, inclusive aqui se tocava atabaque, inclusive aqui se usava aquelas roupas estilo baiana, muita cantiga, cachimbo, cigarro, havia a passagem de linhas para o atendimento do público aonde havia bebida. [...]. Então, havia uma diferença muito grande do trabalho com a forma de agora. (Ubirajara – CEACDL). Esse centro foi fundado pelo Senhor Justino seguido pelo Senhor Jair, ambos falecidos. Atualmente Ubirajara, neto do senhor Justino, e Marcos juntamente com Dona Iara, filha do Senhor Justino e mãe de Ubirajara, dirigem a casa: O papai foi fundador do centro, ele foi presidente da casa durante muitos anos. Depois ele saiu, o meu padrinho tomou conta, só que meu padrinho começou a usar o centro pra ganhar dinheiro [...]. Papai não obrigava a gente não, então eu fui conhecer a doutrina através do Bira. Depois que nós nos casamos é que eu conheci a doutrina espírita e fiquei nela [...]. Nós não freqüentávamos lá não. Quando eu casei, eu morava no fundo da casa de mamãe, depois nós mudamos ali do Carlos Prates lá pro bairro Santa Branca, então, nós tínhamos um centro pequenininho lá na nossa casa. Era Umbanda também. (D. Iara – CEACDL). Senhor Jair, padrinho de Dona Iara sofreu um acidente dentro do centro. Ele caiu de uma escada que existia dentro do templo e fraturou o crânio. Impossibilitado de continuar seus trabalhos espirituais, pediu a Ubiratan Teixeira (que faleceu aos 59 anos de idade), mais conhecido como Bira, para tomar conta do centro: [...] Quando ele assumiu, uma das primeiras coisas que ele fez e foi imediato, porque a nossa máxima do espiritismo é: “fora da caridade não há salvação!” A primeira coisa que ele fez: ele 114 chegou aqui e avisou pros médiuns: “quem tem que fazer o acerto, faz o acerto, a partir da semana que vem, aqui dentro não se cobra mais nada de ninguém!” E ele trouxe os médiuns que já trabalhavam com ele pela caridade, pelo amor verdadeiro e não pelo lado financeiro. (Ubirajara CEACDL). Ao resgatar a memória de Ubiratan, o Bira, percebe-se que ele foi um líder carismático que traçou rumos diferenciados para o Centro Espírita A Caminho da Luz: [...] O Bira, ele conhecia, o Ubiratan conhecia o evangelho, ele conhecia o estudo, então ele fez uma modificação geral na casa, ou seja, a cada passo que ele dava, é igual você subir uma escada, ele subiu uma escada e dava uma coisa que ele achava que era necessário, logicamente que ele sempre consultou o mentor da casa e conjugado com isso, ele sempre fazia as coisas; aí ele subia outra escada, „bom, isso aqui é preciso pra quê?‟ „Espírito precisa fumar?‟ Não!, „Espírito precisa de pinga?‟ Não! „Espírito precisa disso?‟ Não! Espírito...? Não! Ele foi tirando, gradativamente e colocando o quê? O que na época estava faltando aqui, era o quê? O estudo doutrinário, conhecer a parte espiritual que ele já conhecia, já dominava isso, porque a mãe dele foi espírita também, Dona Sebastiana, e muito boa! [...]. Sabedoria! O Bira tinha uma sabedoria fabulosa! (Marcos – CEACDL). Após o falecimento do Bira, Marcos assumiu a direção do centro por alguns anos e atualmente o centro está sob a direção de Ubirajara: O Marcos foi preparado para seguir todo aquele traço que ele trabalhou e a gente continua com ele até hoje, sempre na veemência desses fatores, foi ele (Bira) que chegou a cortar as guias, foi ele que chegou a cortar a bebida, a cortar o cigarro. [...]. Nós não estamos aqui dizendo que o nosso trabalho é o único correto, e que as outras casas que usam guias, que outras casas, que fumam, que usam cigarros, que usam charuto ou que bebem, que elas estejam fazendo coisas erradas: de forma nenhuma! Cada uma com sua forma de trabalho Não é, então, esse é o início da história do A Caminho da Luz que durante a passagem do Ubiratan foi substituído pelo Marcos durante nove anos, não é, e agora, devido a pedido do Marcos, tem três anos que nós assumimos. (Ubirajara – CEACDL). Percebe-se constantemente uma forte influência do Kardecismo na manutenção e na elaboração dos trabalhos do Centro Espírita A Caminho da Luz: Inclusive a gente costumava brincar que o nosso centro não é de Umbanda é de kardebanda, porque a gente estuda o espiritismo, porque tem centro que não estuda o espiritismo de forma 115 nenhuma. Mas o esclarecimento da parte do médium ajuda as entidades a trabalhar, então, por isso mesmo ele (Bira) sempre fez questão de que tivesse aquela palestra antes de começar a reunião, da parte de terça-feira, que a gente faz um estudo rápido ali do Evangelho, uma coisa, e, por quê? Porque o médium esclarecido ele dá uma condição de trabalho pros guias. (D. Iara – CEACDL). Parece que Bira buscou fazer uma síntese terapêutica aproveitando de instrumentalizações da Umbanda como o tratamento e o conselho dos chamados pretosvelhos e utilizou de instrumentalizações do kardecismo como o passe magnético: O passe magnético foi uma luz que o Bira teve ao implantá-lo aqui. Você pode correr em qualquer centro de Umbanda que não existe o passe magnético paralelo ao atendimento com um preto-velho, não existe! Agora uma coisa eu tenho que falar que ele foi glorioso! Ter colocado o passe magnético e ter deixado a incorporação. Isso ele foi glorioso! Como está sendo até hoje gloriosa essa parte da incorporação. [...]. Você vai num centro, por exemplo, vamos colocar kardecista pra entender melhor, você não vê incorporação! Não vê, não vê, não vê! Só vê em reunião deles, assim fechada. [...]. (Marcos - CEACDL). O Templo passou por grandes dificuldades de estrutura física, uma vez que se encontra na baixada da rua e na beirada do alto de um morro ou depressão, por isso corria o risco de desabar, principalmente em períodos de chuva. Uma parte de trás do centro chegou a desabar: Na época do seu Jair, aqui atrás dessa nossa parte, a gente tinha uma casa, aí atrás. Morava uma médium, sinceridade, eu não me lembro o nome dela. Ela morava na casa, e tomava conta do centro, ela morava aqui no centro. Na época quando o Bira veio pra cá, acendiam velas, lá atrás. E ela desceu, essa casa, ela caiu. (Ubirajara- CEACDL). Bira, preocupado com o futuro do templo, procurou formas e recursos para manter sua estrutura física: O Bira fez uma campanha na época. Então o quê que aconteceu? fez os tubulões, até tinha um rapaz que era do corpo de bombeiros que trabalhou aqui também, um escuro, Danilo, e tinham mais dois que ajudou ele, sabe, a furar buraco, aquele negócio todo, e aquela lança que joga concreto. Deu uma chuva fabulosa. O que segurou o centro? Os tubulões que foram feitos aqui e depois o muro, que os outros desceram lá pra Viação Presidente... O que segurou! Quer dizer, ele teve uma luz,[...]. (Marcos – CEACDL). 116 Após o falecimento de Bira, Marcos passou a dirigir o centro Espírita A Caminho da Luz e, mais uma vez, tiveram que agir para manter fisicamente o Templo: [...] Ele desencarnou e eu por... sei lá por que!? Eu assumi o lugar dele. Aí o mesmo rapaz, Danilo, que ajudou ele a fazer os tubulões, ele falou comigo: “Oh Marcos! Oh, esse telhado aqui tem que tirar!” Aí nós começamos a mexer, mais derrubou foi tudo! Foram dois anos e meio sem reunião na casa! E foi uma batalha violenta! (Marcos – CEACDL). Para diminuir o peso da parte do fundo do Centro, houve um processo de inversão do local, assim o público passou a ficar na parte da frente da casa: E aí o processo de inverter foi justamente de levar o peso maior pra área mais tranqüila, porque lá é o lado do público, onde tem o mezanino, onde tem aquela área. Então o peso, ficou mais na área, aonde agora é, é mais é, é ao ar né, ficou pro lado de cá, né ficou mais leve. Porque os banheiros eram do lado de cá passou tudo pro lado de lá. Justamente pra poder aliviar o peso que tinha do lado de cá. Agora as imagens, que tem aqui não dão peso não, muito pelo contrário, essas seguram. (Risos). (Marcos – CEACDL). O Centro A Caminho da Luz possui reuniões de estudo, sessões de desenvolvimento mediúnico e sessões de atendimento espiritual: [...] A gente abre as portas da casa para uma reunião de segunda-feira, aonde exige-se iniciação de um estudo doutrinário. Pra quê? Pra que as pessoas comecem a entender o que quê é realmente o espiritismo e não aquilo que eles ouviram falar, não é. [...] na terça-feira é o desenvolvimento mediúnico, do corpo mediúnico, dos médiuns da casa [...]. A quinta-feira que é atendimento de público somente é feito pelos pretos-velhos. [...]. (Ubirajara – CEACDL). Hoje, o Centro A Caminho da Luz, ampliou suas atividades e desenvolve algumas tarefas de assistência social: Nossa casa tem o trabalho de visita ao asilo, nossa casa tem um trabalho de visita à sanatórios e a hospital, nossa casa tem um trabalho de café que a gente leva pra favela, não é, a gente tem o trabalho, também com campanha: campanha de cobertor, a gente tem campanha do quilo onde a gente atende muita gente. A visita do asilo a gente vai todo terceiro domingo do mês, a campanha do quilo é feita no segundo e no quarto domingo do mês, a ida ao hospital é que a 117 gente marca, e o café é feito toda segunda quarta-feira do mês à noite. Os outros eventos a gente vai marcando: a campanha de Natal é feita no final do ano, a campanha do cobertor é juntamente, logo depois do meio do ano, logo quando começa agosto, a época de frio. [...]. (Ubirajara – CEACDL). No Hospital da Baleia, na ala de crianças que tem câncer, o grupo do Centro Espírita A Caminho da Luz, vivenciou uma experiência que marcou suas vidas ao fazer a Campanha do Natal: [...] chegando lá, a gente não esquece nunca disso; na hora que nós chegamos uma enfermeira falou assim: “Aqui, faz o seguinte, vem primeiro nesse quarto aqui, porque esse menino nem dormiu, porque nós avisamos que Papai Noel vinha, ele tá numa euforia, numa alegria, tão doido querendo o Papai Noel, “Cadê o Papai Noel?”Ele tinha nove (9) anos. Então, a gente falou:” então vamos lá!”Ai nós chegamos, nós levamos a bola, nós levamos o saquinho, mas na hora que ele viu o Papai Noel, a alegria dele foi tão grande que ele largou a bola e largou o saquinho, ele queria o Papai Noel, a alegria dele era o Papai Noel, todo mundo ficou encantado com aquela alegria, desse menino, com o Papai Noel. [...] fomos visitar outra ala, na hora que a gente acabou a visita e que a gente tava indo embora, a enfermeira chamou a gente, ela me chamou e falou assim: “fala com o pessoal que ele estava só esperando o Papai Noel chegar.” Ele faleceu. [...]. (Ubirajara – CEACDL). 4.5.2.4 TUEDLUZ – Tenda de Umbanda Esotérica Divina Luz A Tenda de Umbanda Esotérica Divina Luz, mais comumente conhecida como TUEDLUZ está situada à rua Quitandina, 284 – Serrano – regional Noroeste de Belo Horizonte/ MG. Hoje o centro está com 30 (trinta) anos de existência. É um dos poucos templos de Umbanda Esotérica da região metropolitana de Belo Horizonte, onde provavelmente existem apenas mais uns dois ou três. Para entender a formação do TUEDLUZ é indispensável resgatar a memória da fundadora, já falecida, Mãe Tina: Para contar o surgimento da TUEDLUZ, a gente tem que voltar um pouco mais no tempo. A mamãe, a Mãe Tina, que foi a fundadora da TUEDLUZ ela sempre foi uma pessoa religiosa, viemos de berço católico, ela casou-se e meu pai veio a falecer com três meses de casada, aí ela 118 ficou um pouco perdida e conheceu a doutrina espírita mais ou menos no começo da década de setenta (1970) e veio a conhecer a Umbanda um pouco mais tarde, por volta de setenta e dois (1972), setenta e três (1973) por aí, quando nós conhecemos a União da Mocidade Espírita Antônio Loreto Flores que era um terreiro de Umbanda que existia ali na, perto da Antônio Carlos; ai nós ingressamos nesse terreiro, ela inicialmente, depois em seguida eu. (Mãe Andréia – TUEDLUZ). Após iniciarem-se na Umbanda, depois de algum tempo, Mãe Tina e Mãe Andréia conheceram Mãe Marilene e, juntamente com ela, a Umbanda Esotérica: Até que viemos conhecer a Umbanda esotérica, através da Mãe Marilene, ainda na década de setenta (1970), mas, já no finalzinho dessa década. Então, nós iniciamos na Umbanda Esotérica e quando a Mãe Marilene fechou o Terreiro (Tenda de Umbanda Esotérica Pai Joaquim) por motivo de mudanças para os Estados Unidos, não é, ela passou a ordem pra Mãe Tina de constituir a casa dela. (Mãe Andréia – TUEDLUZ). Um grupo foi formado, no entanto, as reuniões de Umbanda alternavam entre as residências dos indivíduos desse grupo. Mãe Tina sentiu a necessidade de fundar a TUEDLUZ: Em 1981 nós fundamos a TUEDLUZ. Quer dizer, antes disso, nós já fazíamos reuniões na casa de um, na nossa residência, na residência de amigos e fomos começando um grupo. [...] Assim a gente montou um grupo na rua Guarani onde residíamos. Depois nós alugamos um barracão que estava ainda em término de construção. A senhora lá cedeu pra gente, a gente ia acabar de construir o imóvel e ela cedeu. Inicialmente quando a TUEDLUZ foi fundada era de aluguel e foi feito um contrato. Esse contrato de comodato que a proprietária fez conosco durou cinco anos e assim que terminou o contrato ela pediu o imóvel. [...] Atendemos algumas vezes aqui em casa, nessa garagem, aqui, onde nós estamos; até que a gente recebeu o convite pra ficar no galpão, era no fundo de uma residência, na rua de cima da TUEDLUZ [...] e a gente acabou ficando quase dois anos. Eles também pediram o imóvel, eles tinham as necessidades deles. Nós quase fechamos a TUEDLUZ, a TUEDLUZ quase acabou. Um dia de muito desespero, de muito pranto a gente recebeu a visita do tio dos proprietários do atual local onde hoje é a TUEDLUZ. [...] a gente pagava aos poucos, construía, depois a gente ia arrecadando fundos. E assim nós fizemos. (Mãe Andréia – TUEDLUZ). O grupo dedicou, pôs a mão na massa literalmente, e no novo local começou a construir a fundação da TUEDLUZ. Mãe Andréia mostrava fotos e relatava: 119 Olha, lá era só lote mesmo. Era virgem, era só lote, aí nós cavamos, levantamos algumas paredes, nós mesmos levantamos; eu e minha mãe nunca mexemos com alvenaria (leve riso), mas na hora lá, “vão que vão, vão fazer!”, tem algumas paredes lá que eram tortas agora já nem existem mais essas paredes, graças à Deus! [...] Hoje nós já temos um prédio de dois pavimentos, vários departamentos funcionando. Antes era basicamente a área do templo mesmo, era apenas a área de atendimento, agora temos a área de assistência, os vestiários, uma cozinha e os banheiros e a tronqueira que é fundamental a toda casa. Então, hoje nós temos esse espaço maior e mais as salas de tratamento, e também o salão de festa. (Mãe Andréia - TUEDLUZ). Segundo Mãe Andréia, o espírito de doação e de assistência social eram constantes na essência de Mãe Tina e o grupo sempre foi estimulado por esse espírito de assistência e doação para com os outros: [...] A Mãe Tina sempre teve uma vocação filantrópica muito grande, ela sempre pensava na TUEDLUZ como a Umbanda, mas também pensava na TUEDLUZ como uma instituição filantrópica, tanto que desde o começo ela fez questão de ser tudo registrado nos órgãos públicos direitinho, [...] E... aí do ambulatório, nós construímos, o segundo andar pra fazer o salão, não é, de festa que a gente já fazia uma série de eventos, que tudo isso aqui foi construído assim: com feijoada, com bingo, com festa junina, tudo assim. Algumas doações, em dinheiro e em produtos eram: caminhões de areia, caminhões de brita, caminhões de cimento que chegava, mão-de-obra; você pode vê que os próprios médiuns participavam, nós também, como eu disse, mamãe, eu, a gente calejou a mão aí! Então, assim que surgiu a TUEDLUZ. (Mãe Andréia – TUEDLUZ) Atualmente a TUEDLUZ está sob a direção e coordenação de Mãe Andréia auxiliada por Pai Gil e a Mãe-pequena Simone: Em dois mil e cinco (2005) a Mãe faleceu, Mãe Tina subitamente faleceu e a gente assumiu a casa, os membros na época... tivemos uma reunião, porque eu além de não ter a mãe de santo, eu não tinha a mãe também, então eu fiquei bastante abalada, sou filha única e a gente era muito unida, muito ligada, mamãe e eu; mas aí... passado a fase do susto do momento, nós tivemos uma reunião de diretoria com os médiuns e eles pediram se eu podia dar prosseguimento e a gente entrou numa concordância que sim e, aí, nós fomos caminhando, graças à Deus! Hoje a casa permanece de pé, muito cheia, tem dia que a gente, faz atendimento até mais tarde. (Mãe Andréia – TUEDLUZ) 120 A Umbanda Esotérica procura re-significar através da estética/ arte e da iniciação valores afros que são re-interpretados e re-elaborados sob os pilares do espiritualismo/ espiritismo que se estrutura em nome da ciência, da filosofia e da religião: O retorno do atabaque, foi o Pai Roque que é o mentor da casa quem pediu, nós já usávamos o atabaque, usamos o atabaque numa ocasião na TUEDLUZ. [...], a gente voltou alguma coisa de africanismo a gente trouxe de volta, não é, desde que não venha ferir os princípios que norteiam o nosso princípio que é a Umbanda Esotérica, que ela não tem esses ritos africanos, então, ela não tem as vestimentas, os paramentos africanos, não é, a Umbanda Esotérica não tem os rituais de matança que se realiza no Candomblé [...]. ele resgatou o quarto pilar da Umbanda que é o pilar da arte. [...] Os outros três pilares seria a ciência, a filosofia e a religião todos esses pilares são citados nas obras do W.W da Matta e Silva e do Rivas Neto, [...]. E hoje mesmo, algumas pessoas quando a gente colocou o atabaque [...] e a dança [...] muitas pessoas falaram assim: “Então você vai transformar a casa num candomblé!” Como também quando a gente trouxe o passe magnético, o estudo do evangelho sistematizado muita gente falou que a gente ia transformar a TUEDLUZ em kardecismo. Então, não é esse o objetivo [...]. (Mãe Andréia – TUEDLUZ). A TUEDLUZ funciona com reuniões públicas às segundas e sextas-feiras; no entanto, as sextas-feiras são intercaladas: uma semana aberta ao público, na outra semana destinada a tratamento espiritual de algumas pessoas. A Umbanda Esotérica utiliza de vários instrumentais do esoterismo e do kardecismo nos seus trabalhos terapêuticos: Na sexta-feira que a reunião é fechada é onde acontecem esses trabalhos: dos cristais, do trabalho de passe e, alguns trabalhos com entidades que são direcionados para esse dia também. Nesse dia a casa funciona, o corpo mediúnico no todo, então, pode acontecer trabalho que a entidade agendou, como trabalho de passe magnético, como trabalho de cromoterapia, dos cristais e também acontece o desenvolvimento mediúnico, também nessa sexta-feira que é fechada. (Pai Gil- TUEDLUZ). Os seguidores da Umbanda Esotérica, muitas vezes, denominam a Umbanda como “Senhora da Luz Velada” e acreditam que a Umbanda é portadora de um conhecimento milenar deixados por grandes mestres iniciáticos: 121 A Umbanda Esotérica é um segmento que guarda, que cultua a influência ameríndia e africana, como os outros seguimentos de Umbanda, mas que junto com isso, preserva essa raiz, esse conhecimento milenar, que é o conhecimento egípcio, que é o conhecimento dessa parte asiática. A Umbanda Esotérica é mais ligada à cultura asiática, porque a gente preserva essa questão da astrologia, essa questão da influência numérica, astrológica do sol em relação aos signos, então isso, pra gente é uma coisa muito importante, e uma ferramenta desprezadas pelos outros segmentos de Umbanda. É o conhecimento que ficou perdido e que tem uma influência porque nós vivemos, hoje, o nosso calendário é romano, a nossa influência lunar, a gente segue tudo, através desse princípio e é uma cultura muito rica, porque é a cultura mais antiga: a milenar. (Pai Gil- TUEDLUZ). Na Umbanda Esotérica, o iniciado passa por várias etapas, como no Candomblé, porém, abolindo o uso de sacrifícios de animais e a raspagem. Talvez como uma readaptação da iniciação dos candomblés. O iniciado da TUEDLUZ passa por uma camarinha: A camarinha não é necessariamente aquele modelo de camarinha que a gente tem nas casas de nação, mais é... uma sala onde um médium para ser iniciado, pra passar pelos rituais de iniciação, ele tem que fazer um recolhimento de no mínimo setenta e duas horas, então aqui são feitas oferendas e tal; então tem as pessoas que podem entrar para cuidar, na ocasião certa, isso tudo é forrado com as cores específicas pra fazer a mesa do orixá, todos os móveis são retirados, fica apenas uma esteira. (Pai Gil – TUEDLUZ). A camarinha é importante, na visão da entrevistada porque: Para o iniciado realmente escutar o interior dele, e escutar as energias que vão tá presente ali. Então assim, não tem a mesma característica da camarinha que tem no candomblé que ali mata bicho, corta aqui, vira o sangue do bicho na cabeça da pessoa e amarra o pano, não tem nada disso. Ali ele tá preparando uma das obrigações, é essa que ele tá fazendo, não é, preparando o banho que ele mesmo vai tomar, então ele mesmo prepara, dorme no chão, dorme na esteira, pra quê? Pra demonstrar o sacrifício pra ele vê que o negócio não é fácil não. [...] Umbanda é sacrifício, é trabalho, é dedicação. (Mãe Andréia - TUEDL). Após a iniciação, o médium da Umbanda Esotérica terá sete anos de fundamentos e somente depois desse tempo, esse iniciado, se desejar e se lhe for permitido, poderá tornar-se pai ou mãe-de-santo: 122 Como pai de santo eu tenho tudo que tem lá no Peji, então aqui é um peji, eu já tenho o fundamento de uma casa, então com essa cruz que é igual a do peji, com essa tábua que é minhas ordens de trabalho, então, é fundamento de terreiro, aí eu tendo um espaço eu posso montar o meu terreiro, montar o meu peji, e as imagens pela questão sincrética é... opção, se eu quiser eu não preciso ter, mas as grafias eu tenho que ter. [...] A gente joga com nove búzios e dentro daquela tábua com as grafias. No candomblé o jogo de búzios são dezesseis búzios, às vezes, jogam numa toalha cercada de guias. (Pai Gil – TUEDLUZ). A Umbanda Esotérica ou iniciática é pouco conhecida na região metropolitana de Belo Horizonte e provavelmente em todo o estado de Minas Gerais. Alguns seguidores da Umbanda „popular‟ desconhecem a Umbanda esotérica. A mesma teve sua origem no Rio de Janeiro, em uma cidadezinha praiana chamada Itacurussá: A Umbanda Esotérica vem do Rio, do Pai da Matta, de Itacurussá. Então na década de sessenta (1960) começo da década de setenta (1970), ele recebeu os ensinamentos do Pai Guiné que tornou esse segmento da Umbanda um pouco diferente dos demais ritos justamente por causa dessa diferenciação do africanismo, não é [...]. (Mãe Andréia – TUEDLUZ). A Umbanda Esotérica propagou-se em São Paulo e elitizada fundou a FTU (Faculdade de Teologia Umbandista): Depois esse comando passou pra São Paulo porque passou pro Rivas Neto que era um iniciado mais velho do Pai da Matta; porque na hierarquia da Umbanda Esotérica como na do Candomblé, o filho mais velho no santo, na iniciação, recebe o comando. Então, o Pai da Matta passou pra ele o comando, por isso, expandiu-se em São Paulo [...]. Rivas Neto fundou a „Escola Iniciática do Cruzeiro Divino‟ que é presidida por ele, o filho mais velho do Pai da Matta. (Pai Gil – TUEDLUZ). Hoje a TUEDLUZ é uma das poucas casas de Umbanda Esotérica existente na região metropolitana de Belo Horizonte: A mãe Marilene ela foi consagrada pelo Pai da Matta, no caso ela é irmã de santo, santé que a gente fala, Pai da Matta falava santé. Então Mãe Marilene é irmã de santé de Rivas Neto. E... a Mãe Marilene era filha do pai da Matta, Mãe Tina filha de Mãe Marilene. Mãe Marilene é... avó da Mãe Andréia. É nossa avó de santé. Mãe Marilene foi embora do Brasil, passou o comando pra Mãe Tina e o Pai da Matta veio fazer a consagração e confirmar a passagem desse comando 123 que foi aquela cruz, as obras de trabalhos, entendeu, como eu recebi das mãos da Mãe Andréia; Mãe Tina veio me preparando, mas não deu tempo, aí a Andréia completou o ciclo, né. Me entregou. Um dia eu vou tá entregando isso pra mais alguém. Um dia eu vou tá entregando também uma cruz e uma tábua dessa pra um filho meu, pra ele dar continuidade. (Pai Gil – TUEDLUZ). A memória de Mãe Tina é o alicerce vivo da continuidade da TUEDLUZ: Inicialmente, ela abraçou a Umbanda pela dor, não é, foi onde ela foi buscar alento pra dor da perda do marido, mas depois ela abraçou a Umbanda esotérica por amor e em cima desse amor ela construiu toda a nossa história [...]. Graças à Deus é herança da Mãe Tina! Foi herança dela pra nós! (Mãe Andréia - TUEDLUZ). 4.6 Semelhanças e diferenças Nessa pesquisa algumas semelhanças e diferenças foram percebidas nesses 4 (quatro) templos de umbanda pesquisados: Algumas semelhanças já foram apresentadas antes. Uma delas é a formação dos grupos e dos centros que aconteceram em espaços improvisados até que se tornaram templos ou foram anexados ao espaço de moradia, conforme foi visto no subtítulo dessa dissertação: “3.2.1 Culto: Os terreiros/templos/centros de Umbanda na região metropolitana de Belo Horizonte”. Outra semelhança marcante é a crença nas entidades, essa crença é de fato a sustentação de qualquer segmento da Umbanda. Essas entidades são fundamentais, sejam elas: velhos (pretos-velhos), crianças (meninos de angola), sejam índios (caboclos) ou os guardiões e povo da rua (exus/escoras), além de entidades como baianos, boiadeiros, marinheiros, ciganos entre outras. Todas elas nos remetem ao imaginário- simbólico do ser-agir do povo brasileiro. Assim: [...] eu acho que a entidade é o psicólogo mesmo, sabe, de ouvir, de acolher, quando você chega, você pode tá com um problema, quando você chega perto de uma entidade, de um preto-velho, 124 um caboclo, uma Jurema, ou então, uma entidade das águas, você sai melhor. [...]. (Mãe Teresa CBPC) No entanto dentre essas entidades o arquétipo do preto-velho, não resta dúvidas, é a entidade principal sustentadora da identidade da Umbanda: [...] Nós somos uma religião do povo, então, a nossa vivência quem freqüenta as nossas religiões, quem procura ajuda junto aos nossos centros é o povo, então por isso, nós trazemos uma representatividade muito grande que é o preto-velho, para dentro da Umbanda, o preto-velho tem um papel muito importante dentro da Umbanda; a Umbanda diferente do Candomblé de outras religiosidades; a Umbanda que toca junto ao preto-velho não tem ninguém mais próximo do povo, psicólogo do povo, médico do povo. (Míriam – TUPJA). Também: O preto-velho, vai ser aquele que vai receber, que vai saber distribuir para que linha é o trabalho. [...]. Eu falo que o preto-velho é o clínico geral, ele recebe em primeira mão, como o clínico e depois distribui: „você precisa de um cardiologista, você precisa de um pediatra, você precisa....!”Não é. E aqui o preto-velho vai fazer esse trabalho, porém, com a perfeição que ele também ajuda também na ação do trabalho. [...]. (Ubirajara – CEADCL). O preto-velho, muitas vezes, representa o escravo ou ex-escravo do período Brasil - colonial. “Mais comum, no entanto, é situá-los na casa, no âmbito da família, como pai, mãe, avô ou avó. Como escravos, podem ter ficado na casa grande do engenho quase fazendo parte da família do senhor” (DROOGERS, 1985, p.33). O preto-velho apresenta ser mais o escravo ladino do que o escravo boçal, ou seja, é o escravo domesticado. O termo doméstico remete ao termo domar, ser pacífico, submisso, subjugado e passivo; por outro lado o termo doméstico nos remete ao lar, ao abrigo, a sustentação, à proteção e ao aconchego. Assim é o aspecto simbólico, cultural e psicossocial do preto-velho. Assim é a Umbanda: como culto afro-brasileiro se domesticou: passividade e aconchego. A prática da caridade, de atender o outro, de humildade, é uma semelhança também percebida nos diferentes segmentos da Umbanda, conforme relatos abaixo: [...] em todos eles a gente percebe aquela figura doce e materna, profunda do preto-velho abraçando todo mundo que chega, abrindo as portas; muitas vezes é uma casa que não tem o 125 dinheiro pra pagar uma conta de luz, mas, é incapaz de pedir ao consulente uma quantia pela consulta, se você, se o consulente entender que ele deve fazer uma doação de uma moeda, ou de duas moedas, ou de algum material pra casa ele faz, se ele não entendeu, ele é recebido e trabalhado da mesma forma porque a boa vontade, a vontade de prestar a caridade mesmo, isso aí é igual em todos os terreiros; têm as suas formas de prática, os elementos, o culto é diferente, mas o intuito do trabalho é um só: „abraçar aquele necessitado que chega e trabalhar a questão espiritual da humanidade mesmo‟. (Pai Gil – TUEDLUZ). A referência aos orixás e às cantigas, pontos cantados ou zuelas também apresentam semelhanças relativizadas nos diferentes centros de Umbanda: São os orixás, assim os nomes dos orixás, não é o trabalho dos orixás, mas a referência aos orixás, uma coisa que é muito constante e semelhante entre os terreiros coincidentes são os pontos, você freqüentou muitos, você deve ter notado isso, muda somente a música, a musicalidade um pouco, mais a letra quase sempre é a mesma coisa. [...]. Nós chegamos no Rio de Janeiro uma vez, quando nos fomos no Rio de Janeiro e na praia, naquele ritual que eles fazem na passagem do ano novo, tinha uma pessoa tirando um ponto de Iemanjá que a gente cantava no terreiro, lá no Rio de Janeiro. Então é uma coincidência, mas é uma coincidência que é uma semelhança! Quer dizer a Umbanda lá se referia a alguma coisa conhecida. (Anamir – TUPJA). Os altares ou pejis apresentam certas semelhanças nas posições de imagens de santos, orixás e entidades. Embora os segmentos da Umbanda considerada „mais tradicional‟ tenham observado que as semelhanças estão cada vez menores: Eu acho que hoje em dia as semelhanças estão assim poucas, eu não tenho ido tanto em outros como antigamente, então, eu posso tirar por base antigamente que eu freqüentava mais os outros, fazia mais visita e tudo e as semelhanças são poucas, é alguma oração, igual, os orixás: principalmente Iemanjá, Os pretos-velhos e os caboclos; agora às vezes não são, como é que eu vou dizer, não seria uma palavra ideal mas, utilizados como a gente utiliza, em cada lugar tem uma maneira diferente: é o mesmo orixá, mas a maneira, é o trabalho, o ritual é diferente, apesar dos orixás serem os mesmos; as maneiras de expor as imagens também normalmente fica oxalá em cima e vem descendo gradativamente também sempre o orixá que comanda o terreiro fica em evidência é claro, então se é Omulu será maior, se é Iemanjá será maior, aqui é preto-velho, então você vai ver mais quadros de pretos-velhos, então, mais assim, são esses pontos de semelhanças, mas o restante acho que está bem diferente! (Anamir - TUPJA). 126 O curioso é que as semelhanças da Umbanda não são sistematizadas como acontece na maioria das religiões. As semelhanças que acontecem são espontâneas e quase nada institucionalizadas: herança da cultura popular. Como nos diz Birman (1985, p. 27): Fato é que os umbandistas desenvolveram formas próprias de lidar com essas características da sua religião. A segmentação, a dispersão, a multiplicidade se combinam de alguma maneira com a unidade, a doutrina, a hierarquia. Essas combinações estão claramente presentes nas formas como religiosos elaboram a relação dos médiuns com os espíritos, nas formas pelas quais organizam a multiplicidade de santos num conjunto inteligível e como também conseguem, apesar da segmentação, reunir todos os fieis numa mesma doutrina. Nessa pesquisa algumas diferenças foram percebidas nos templos de umbanda pesquisados. Uma das diferenças percebidas está relacionada à Quimbanda, pois embora os relatos apresentassem proximidades de variáveis em relação à Quimbanda como relacionado à magia, não houve um consenso sobre a mesma, conforme foi visto no subtítulo: “4.4 Quimbanda e Umbanda”. Outra diferença percebida se refere aos elementos ritualísticos: atabaques, guias, bebidas, fumo e comidas; a maioria dos segmentos de Umbanda fazem uso desses elementos, mesmo que esporadicamente e, são inerentes a seus cultos. No entanto, alguns segmentos de Umbanda que estão muito próximos da ideologia kardecista não fazem mais uso de bebida e comidas, mantendo apenas o uso de: defumação, velas e banhos, conforme podemos ver no relato que se encontra no subtítulo: “4.3 Kardecismo e Umbanda” e no relato abaixo: Isso, as guias; isso foi sendo tirado, porque começava a ter a vaidade de médium. Comprando guia cara. Tinha um médium nosso lá, que tinha guia de cristal. Que necessidade que tem aquilo. Hoje inclusive, uma das coisas que nós estamos tirando também é o cordão de São Francisco por quê? Porque não acha mais pra comprar! (D. Iara – CEACDL). No dizer de Silva (2005, p. 112): A Umbanda constitui-se, portanto, como uma forma intermediária entre os cultos populares já existentes. Por um lado preservou a concepção kardecista do carma, da evolução espiritual e da comunicação com os espíritos e por outro, mostrou-se aberta às formas populares de culto africano. Contudo não 127 sem antes purificá-las, retirando os elementos considerados muito bárbaros e por isso estigmatizados [...].Ou, então quando se fazem necessários o uso desses elementos, explicando-os “cientificamente”, segundo o discurso racional kardecista. Outros ao fazerem uso desses elementos ritualísticos elaboram explicações diferenciadas (espiritualistas e iniciáticas) como pode ser percebido no segmento da Umbanda Esotérica: As nossas guias elas se resumem em cinco, então a medida em que vai graduando [...] essa é a primeira guia que a pessoa recebe, a guia de aceitação, então são cinqüenta e sete conta de lágrimas com uma cruz de madeira; aqui já é a guia de confirmação, ele recebe com o cristal do orixá e já uma cruz de metal, e depois ele tem a guia das sete linhas, a guia de exu e a guia triangulada que ali eu vou te mostrar mais a frente. (Pai Gil – TUEDLUZ). Diferenciadamente de outros segmentos da Umbanda, embora cultuem os mesmos orixás (havendo pouca diferença em relação aos orixás femininos que estariam sob o comando de Iemanjá), a Umbanda esotérica associa os orixás à astrologia: Para nós seria assim, uma forma, seria todo um estudo, na religião africana, a maioria delas, a sexta-feira é o dia de Oxalá. Porque parte da forma da identificação deles com a questão dos orixás, porque eles (os outros segmentos de Umbanda) cultuam os orixás tanto na paralela ativa quanto na passiva. Então, por isso que eles tem um panteão de dezesseis orixás. Pra nós é diferente justamente por causa disto porque conta ai a influência do planeta, o sol no signo regente, é influência também o dia do seu nascimento [...]. (Pai Gil- TUEDLUZ). Conforme Silva (2005, p. 112): Partindo de explicações como essas, a umbanda apresentou-se, então, como uma religião mais antiga que os próprios cultos africanos. Como “magia universal”, sua origem passou a ser declarada como localizada no conhecimento esotérico e cabalístico de outros povos, como os egípcios e os hindus. Não faltou inclusive, quem lhe atribuísse uma origem na Lemúria, um fantástico continente perdido, ou derivasse a palavra umbanda de uma fusão de termos de origem sânscrita. As vestimentas e os rituais foram apontados como o principal aspecto que diferenciam um templo de umbanda em relação a outros templos: 128 Ah, eu vejo diferenças nos rituais, tem muita gente que começa os trabalhos já é perfume, as roupas também. A gente sempre preservou o branco, até mesmo porque o branco além de simbolizar a paz, o branco não te dá sentido nenhum, é imparcialidade, então o branco. Mas aí, não é, o pessoal trabalha com vermelho e preto, com azul com amarelo, coiserada, não sei o que, aquela confusão toda, e ao mesmo tempo. É mistura cigarro, [...], com charuto, e faz uma misturada danada. Coisa que não tem em nosso terreiro. (Anamir – TUPJA). Também abaixo: Cada um reza sua Umbanda, você pode ir em vários terreiros de Umbanda que a cantiga pode ser igual, mas o ritual é diferente, por exemplo: “Vou abrir minha Jurema, vou abrir meu Juremá” (cantou o ponto). O ritmo é diferente, às vezes a cantiga, a zuela, as letras são iguais, mas é diferenciado. A roupa, sempre que você vai no terreiro de Umbanda você nunca vê completamente igual. Por exemplo, se eu for no Candomblé, da nação, por exemplo, se eu for na casa de keto, a minha roupa é igual a de todas com roquete, vestido tudo igual, entendeu. Agora Umbanda é sempre diferente, tem sempre uma diferença, mesmo assim de rituais. (Mãe Teresa – CBPC). Segundo Birman (1985), no plano organizacional a religião umbandista é um conjunto de várias unidades menores, não é como a Igreja católica, por exemplo, que hierarquiza e mantém uma estrutura uniforme, na Umbanda acaba por predominar a dispersão e sobressai o „carisma‟42 de cada pai-de-santo que é visto como autoridade superior naquele determinado templo de Umbanda. No plano doutrinário apresenta-se a mesma dificuldade uma vez que entre os terreiros são encontrados diferenças sensíveis na forma de praticar a religião. Tendo em vista as considerações aqui realizadas, vale reafirmar que “Tais diferenças contudo se dão no nível que não impede a existência de uma crença comum e de alguns princípios respeitados por todos. Há, pois, uma certa unidade na diversidade”. (BIRMAN, 1985, p. 26) ou como diria Brumana e Martinez (1991, p. 109) “variedade sim, mas ao mesmo tempo invariabilidade. Qualquer que seja o grau de diferença entre os diversos segmentos do espectro umbandista, há certos 42 Victoriano (2005) reconhece no carisma de base weberiana e que advém de uma relação assimétrica entre um guia inspirado e uma coorte de seguidores que reconhece uma mensagem, promessa e realização de uma nova ordem de convicções mais ou menos intensa. “O prestígio do terreiro percebido e espalhado dentro e fora do terreiro dá a ele um reconhecimento pessoal e (sic) pelos projetos realizados.”. (VICTORIANO, 2005, p.14). 129 elementos constantes de nível distinto, que conformam sua identidade43, correlativos ao reconhecimento dado pelas clientelas”. 43 Segundo Hervieu- Leger (2008, p.64): “Os indivíduos constroem sua própria identidade sócio-religiosa a partir dos diversos recursos simbólicos colocados à sua disposição e/ou aos quais eles podem ter acesso em função das diferentes experiências em que estão implicados. A identidade é analisada como resultado sempre precário e susceptível de ser questionado de uma trajetória de identificação que se realiza ao longo do tempo. Essas trajetórias de identificação não são apenas percursos de crença. Envolvem, também, tudo aquilo que constitui a substância do crer: práticas, pertenças anteriores, maneiras de conceber o mundo e de inserir-se ativamente nas diferentes esferas de ação que compõem o mundo [...]”. 130 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A problematização dessa pesquisa teve como foco responder quais as principais características e quais as principais especificidades (semelhanças e diferenças) da Umbanda nos diferentes terreiros/tendas/centros pesquisados da região metropolitana de Belo Horizonte. Foi possível perceber a partir desse recorte epistemológico regional e ideológico de cada templo pesquisado, observando e comparando variáveis de algumas semelhanças e diferenças recorrentes que, por vezes, unificava a Umbanda e, por vezes, apresentava a multiplicidade da mesma. A hipótese apresentada pressupôs que a Umbanda desde o seu „surgimento‟ tem como principal característica intrínseca e, em si mesma, a capacidade de assimilar elementos novos introduzi-los e re-constituí-los em seu corpo mágico-religioso com relativa facilidade e por outro lado como qualquer outro segmento religioso, ela precisa dar conta de manter sua tradição. Por isso, cabe ressaltar nessa dissertação a metáfora na qual se vincula a Umbanda com o mito da „pedra/lodo‟ muiraquitãn. O muiraquitãn ilustra a capacidade que a Umbanda tem de assimilar, decodificar e incorporar novos elementos sem perder completamente sua identidade, sua cultura e seus costumes, e, tendo variações, é claro, dependendo da necessidade e da formação de cada terreiro/tenda/centro. Como reflexo da provável herança africana banto, a Umbanda em sua assimilação estará de alguma forma sempre aberta ao novo44. Sua “tradição” é seu enraizamento africano, que manteve-se aberto e tem certa facilidade de re-adaptação, mesmo incorporando os dogmatismos considerados ocidentais. Na Umbanda, se o seu „lado religioso‟ se fecha através de dogmas, o seu „lado magia‟ estará sempre aberto. Como nos diz Cardoso (1999) camuflagem e mimetismo são características desenvolvidas pela Umbanda. Ao buscar a origem da Umbanda, a pesquisa colocou bem em evidência autores que pesquisaram os cultos afro-brasileiros e, em especial a Umbanda. Destes autores, tem-se os mais clássicos como Arthur Ramos (1971) e Roger Bastide (1985) bem como os mais atuais como Lísias Negrão e Vagner Gonçalves da Silva. 44 Referente ao termo „novo‟ rever notas de rodapé de números: 19, 27 e 28. 131 Para entendermos o „universo micro‟ da Umbanda na tentativa de entendê-la em seus aspectos macro foram fundamentais as visitas e a pesquisa envolvendo a História Oral foram fundamentais, no entanto, para atingir com completo domínio o „universo macro‟ da Umbanda é preciso ampliar as pesquisas; mas isso é questão de tempo, proposta e disponibilidade, que poderão ser equacionados em novas pesquisas/projetos... O curioso nesse trabalho foi perceber que os principais fundadores dos templos pesquisados tiveram inicialmente alguma forma contato com o Kardecismo para somente depois conhecerem ou manterem-se na Umbanda. Contudo, só poderemos saber se há a predominância de pais-de-santo e/ou dirigentes de templos de Umbanda, no entorno de Belo Horizonte, que passaram antes pelo kardecismo, se realmente ampliarmos as entrevistas para os outros terreiros/tendas/centros da região metropolitana de Belo Horizonte. Entretanto pelos quatro templos pesquisados tudo indica que a experiência inicial foi no kardecismo e depois passou-se para a Umbanda, talvez essa tenha sido a experiência da grande maioria. Se assim for, Camargo (1961) em seu continuum mediúnico aproximou-se mais do fato daquilo que talvez ocorra na região pesquisada. Ao definir esse gradiente mediúnico, o autor afirma que há no Kardecismo uma possibilidade de uma internalização religiosa, principalmente através das obras literárias desse segmento. Esse processo de internalização talvez seja um fator significativo para analisarmos o fato de que há um movimento dos adeptos, mesmo que teórico, mais no sentido do Kardecismo para a Umbanda do que o contrário. Essa percepção é diferenciada da percepção de Roger Bastide (1985) que aponta que muitos passavam da Macumba/Umbanda assimilando o kardecismo. Contudo, as duas teorias apontam para o mesmo processo final: uma necessidade/mudança de ascensão social. Mas, como foi dito antes, para afirmar categoricamente experiências anteriores no kardecismo da maioria de dirigentes de Umbanda da Região Metropolitana de Belo Horizonte será necessário ampliar o universo pesquisado. Outro fato curioso é que muitas pessoas, inclusive umbandistas tendem, a associar através do senso-comum que pais-de-santo cujos seus segmentos de Umbanda estão mais próximos da ideologia do Candomblé (africana) teriam „certa dificuldade‟ em aceitar a ideologia kardecista (européia) ou vice-versa. Yvonne Magie (1975) critica essa visão, com base na Antropologia cultural, ao explicitar que muitos pesquisadores 132 teimam em elaborar um raciocínio evolucionista associando o africanismo ao „primitivo‟ e rural e ao ocidentalismo, „certa evolução‟, urbana e moderna. A mãe-de-santo de Umbanda e Candomblé aqui entrevistada, subverte o olhar ingênuo do senso comum. Isto se dá porque a mesma, não só entende esse tipo de trabalho, como dele participava quando foi médium de uma casa kardecista antes de vivenciar sua experiência religiosa na Umbanda e no Candomblé. Ela inclusive reconhece o kardecismo como uma de suas experiências de crescimento e bagagem espiritual. Outro fato que quebra a noção equivocada do senso-comum e do „evolucionismo positivista‟ é acreditar que um terreiro de Umbanda considerado „linha pura de Umbanda‟ adote, mesmo que minimamente, a ideologia do kardecismo. Isto também não acontece com a mãe-de-santo que defende a prática da „Umbanda sem linha cruzada‟, dizendo praticar o ritual puro da Umbanda: é fato que a mesma “não envolve” ideologias nem do kardecismo e nem do candomblé em seus rituais. Embora respeite a importância de ambos os segmentos, seus valores éticos e morais são vivenciados e revistos em seu cotidiano umbandista, nem por isso, menos importantes do que os valores morais estabelecidos pelo „Evangelho segundo o Espiritismo‟ ou, pelos preceitos comportamentais de rigor da forma de ser e agir dos pais-de-santo do Candomblé. Os outros dois últimos segmentos de Umbanda analisados nessa pesquisa (CEACDL e TUEDLUZ) já se „enquadram‟ melhor nos modelos de racionalização, com base na Sociologia, defendidos por Camargo (1961): prestígio e compensação, Bastide (1985): depuração e valorização e Ortiz (2005): síntese do „mais ocidentalizado‟ e do „menos ocidentalizado‟, ou seja, são melhor entendidos no modelo racionalizador evolucionista. O segmento da Umbanda com forte ideologia kardecista (CEACDL), já incorporou amplamente essa influência em seus trabalhos. O interessante é que isso não desmerece a importância da terapêutica umbandista. Os seus seguidores definem o centro como casa espírita e não como terreiro. Eles deixam claro a importância da prática da Umbanda aliada à teoria do kardecismo, ou seja, „valorizam‟ e mantêm o atendimento direto com as entidades, especificamente os pretos-velhos, no atendimento ao público e adicionam a seus ritos a conduta baseada na moral „espírita-cristã‟ através das obras de Allan Kardec, sobretudo o „Evangelho segundo o Espiritismo‟. Deste modo „depuram‟ ao deixar claro que apesar do respeito a outros segmentos da Umbanda, não 133 utilizam de usos ritualísticos como atabaques, danças, guias e nem de álcool, fumo ou comidas para nenhum tipo de entidade ou ritual. Da prática kardecista, herdam fortemente, o passe magnético e a assistência social em hospitais, asilos e creches. Mesmo em São Paulo, onde já há uma Faculdade de Teologia de Umbanda (FTU), o segmento da Umbanda Esotérica ainda não é o segmento mais expressivo da Umbanda, quanto ao número de seguidores. Negrão (1996), inspirado nos estudos de Bastide (1985), afirma que esse segmento está vinculado a um pequeno grupo de letrados que, a partir de 1941, num esforço de racionalização, remeteram a origem da Umbanda à lendária Lemúria, bem como às civilizações egípcia e hindu. A Umbanda Esotérica pesquisada nessa dissertação (TUEDLUZ) é uma das pouquíssimas existente em Belo Horizonte. De certa forma desvinculados do núcleo de São Paulo, provavelmente seus adeptos se sintam „órfãos‟. Apesar disso eles, conseguem re-significar o que vêem de importância da herança do candomblé e da herança kardecista, talvez elaborando um „carisma‟ único, desde que vá de encontro com os princípios da Umbanda Esotérica, a partir dos ensinamentos do Pai da Matta e do carisma de Mãe Tina (ambos falecidos). Observando concepções dos quatro segmentos da Umbanda pesquisados, podese concordar com Negrão (1996) quando o mesmo esclarece que o campo religioso umbandista e suas tensas relações vão além da dinâmica moralizadora e racionalizadora apoiadas em Weber, como Ortiz (2005) e outros quiseram apresentar. As obras de Renato Ortiz (2005) e Lísias Negrão (1996) tiveram uma preocupação em pesquisar a Umbanda vinculada às classes sociais. Embora em vários momentos dessa dissertação tenha sido discorrido sobre a Umbanda relacionada aos aspectos de classe social, principalmente com fontes relacionadas as teorias de Roger Bastide (1985), falar sobre classe social e Umbanda não foi o objetivo principal e prático desse trabalho. Outro ponto que não foi objetivo ou preocupação dessa pesquisa foi o estudo relacionado à Federação, mesmo que a maioria das obras sobre a Umbanda perpassam pelos registros das Federações. Alguns estudiosos como Negrão (1996), Liana Trindade (2000), Yvonne Maggie (1975) e Brumana; Martinez (1991) inovaram, ao deixar „os adeptos de Umbanda falarem‟, utilizando métodos de entrevista para além de jornais de época e dos registros das Federações. 134 Outro aspecto que aqui não foi trabalhado diz respeito à percepção de umbandistas versus pentecostalistas e neopentecostalistas, foram feitas perguntas direcionadas sobre o assunto, mas, entendeu-se que acrescentar essa vertente aqui nessa pesquisa e nesse momento poderia dispersar da problematização proposta; contudo, foi um material colhido para pesquisas futuras. O estudo simbólico e psicossocial das „entidades e guias‟ de Umbanda, também não era objetivo de aprofundamento nessa pesquisa. No entanto, a percepção de importância dessas „entidades e guias‟ não foram negligenciados, uma vez que, a crença nessas entidades é o principal sustentáculo dos vários segmentos da Umbanda e elemento de semelhança entre eles. Principalmente e especificamente, as entidades denominadas pretos (as)-velhos (as) são as principais identidades simbólicas que mantêm a unidade da Umbanda e sustentam a vitalidade da mesma. Negrão (1996) chamou a atenção para a qualidade da pesquisa de Brumana e Martinez (1991), contudo chamou também a atenção ao fato de que os mesmos não deram a relativa importância para a entidade denominada preto-velho em suas pesquisas. A importância simbólica dos pretos-velhos é fundamental para a identidade e identificação estrutura dos segmentos umbandistas. De fato quando buscou-se perceber elementos predominantes da Umbanda, através do uso da história oral nos templos pesquisados nessa dissertação, o arquétipo do preto-velho nos saltou aos olhos. Outra grande semelhança vinculada à história dos quatro segmentos da Umbanda é a informalidade inicial de seus templos. Há sempre a passagem das sessões ou cultos que se iniciaram em espaços não oficializados para em seguida se institucionalizarem como templos. Nessa perspectiva, deve-se reconhecer a contribuição de Brumana e Martinez (1991), cuja obra foi de grande importância para o desenvolvimento e entendimento da formação institucional na constituição do espaço desses terreiros/tendas/centros: do espaço interno projetado no espaço externo, à margem do poder centralizador. É fundamental reconhecer também a contribuição de Koguruma (1991). Seu trabalho ajudou a entender a importância das festas públicas da Umbanda no espaço da metrópole: do espaço externo projetando-se no espaço interno. Ao terminar essa dissertação fica a alegria talhada com a seriedade, com a responsabilidade da tentativa do dever cumprido, lembrando que a Umbanda é ainda um tema pouco pesquisado, em Minas Gerais/Belo Horizonte. Pretende-se continuar 135 pesquisando esse fenômeno mágico-religioso, a Umbanda, que não deixa de ser o reflexo da identidade e do cotidiano do brasileiro. 136 REFERÊNCIAS BAIRON, Sérgio. Interdisciplinaridade: educação, história da cultura e hipermídia. São Paulo: Futura, 2002. BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1971. BERGER, Peter. O Dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulinas, 1985. BERKENBROCK, Volney J. A experiência dos orixás: um estudo sobre a experiência religiosa no candomblé. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2007. BIRMAN, Patrícia. O que é umbanda. São Paulo: Brasiliense, 1985. BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. BRUMANA, Fernando G.; MARTÍNEZ, Elda G. Marginalia sagrada. São Paulo: Editora da UNICAMP, 1991 CAMARGO, Candido Procópio Ferreira de. Kardecismo e umbanda: uma interpretação sociológica. São Paulo: Pioneira, 1961. CARDOSO, Alexandre Antônio. 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Qual a filosofia da casa? 2ª Entrevista (Estruturada) com líderes religiosos, pais e mães de santo: 01- Nome:______________________________________________________ 02-Sexo:_______________________________________________________ 03 Idade: ______________________________________________________ 03A- Grau de escolaridade:________________________________________ 03 B- Profissão:_________________________________________________ 04- Onde você nasceu? Se não se importa, fale-me um pouco sobre você? (Valores, gostos, o que pensa ser a vida, o que pensa ser a morte, importância de ser religioso, entre outros assuntos...) 05- Sua experiência religiosa sempre foi à Umbanda? 06- Qual era sua experiência religiosa anterior à Umbanda? 07- Houve algum acontecimento ou necessidade que o levou a participar da Umbanda? 06- Há quanto tempo você se encontra na Umbanda? 07- Além de você existem outros parentes vinculados à Umbanda? Quais? (pedir explicações). 08- Para você o que é ser Umbandista? 09- Para você o que é a Umbanda? 141 10- Você vê diferença entre Umbanda e Catolicismo? (pedir explicações) 11- Você vê diferença entre Umbanda e Candomblé? (pedir explicações) 12- Você vê diferença entre Umbanda e Kardecismo? (pedir explicações) 13- Você vê diferença entre Umbanda e Esoterismo? (pedir explicações) 14- Para você o que é a Quimbanda? O que você pensa sobre ela? 15- Você se sente agredido (a) por alguma religião? Qual (is)? O que pensa sobre isso? 16- O que você pensa sobre as Igrejas Evangélicas? 17- Qual o motivo de você ter fundado ou freqüentar/participar desse terreiro/ templo/centro de Umbanda? 18- Saberia me explicar como surgiu a Umbanda no Brasil? (aprofundar no assunto) 19- Você acha que a Umbanda representa a identidade, costumes e cultura do povo brasileiro? Você poderia me explicar sua afirmação? (aprofundar no assunto) 20- Você consegue perceber elementos de diferentes culturas na Umbanda, como por exemplo: a cultura indígena, a cultura africana, a cultura européia e até mesmo asiática? Por favor, fale-me um pouco sobre isto? Ou seja, fale-me sobre a cultura umbandista? (aprofundar no assunto) 21-Qual a importância das entidades na Umbanda? Fale-me mais sobre elas? (procurar saber sobre a importância de todas as entidades umbandistas: pretos-velhos, caboclos, crianças, exus, etc...) 142 22- Qual a importância do desenvolvimento mediúnico na Umbanda? (pedir explicações/ aprofundar) 23-Como se dá o transe na Umbanda? (procurar aprofundar no assunto) 24- Qual a importância dos ritos, rituais e objetos na Umbanda? (pedir explicações) 25- Você vê semelhança entre um terreiro de Umbanda e outro? Quais são essas semelhanças? (observar, pedir explicações e aprofundar na entrevista) 26- Você vê diferenças entre um terreiro de Umbanda e outro? Quais são essas diferenças? (observar, pedir explicações e aprofundar na entrevista) 27- Qual a história dessa casa/terreiro/templo/centro umbandista? (como foi construído, por que, quanto tempo, o por que da escolha do nome do terreiro, entre outras perguntas relacionadas à construção física e cultural do mesmo) 28- Quantos médiuns fazem parte desse terreiro? Fale-me um pouco sobre o funcionamento do terreiro? 29- Quantas pessoas fazem parte da assistência (público que procuram o terreiro)? 30- Quais são os motivos/ problemas mais comuns das pessoas que procuram a Umbanda? (aprofundar no assunto). 31- Você consegue perceber alguma relação entre essa casa e a cidade? De que forma? (pedir explicações?) 32- Você gostaria de deixar alguma mensagem? Ao finalizar a (s) entrevista (s): agradecer sempre e novamente pela atenção, carinho e disposição. 143 APÊNDICE B – Quadro/mapa de endereços dos Terreiros/ Tendas/ Centros nas regionais da cidade de Belo Horizonte. Belo Horizonte Regional Nome 1. BARREIRO 4 2. Cabana Espírita Umbandista Ogum Beira-Mar 3. Centro Espírita Pai Matheus de Angola 4. CENTRO-SUL 1 Centro Espírita Doutor Augusto Silva Tenda Espírita Sete Forças Divinas 5. Centro Espírita Jesus, Maria e José 6. Cabana Maria Conga de Angola 7. Casa do Divino Espírito Santo das Almas 8. 9. 10. Centro Espírita Ogum de Ronda Centro Espírita Pai Oxossi Centro Umbandista Nanã Yemanjá 11. CESS- Centro Espírita São Sebastião LESTE 13 12. 13. Centro Espírita Santo Antônio de Pádua Seara Pai Paulino de Umbanda Templo Umbandista Pai José de 14. Moçambique 15. 16. Tenda do Silêncio Escola Estrela de Belém Tenda Espírita Logum Edé 17. Grupo Espírita Estrela do Oriente 18. Tenda Espírita Xangô Airá Endereço Av. Djalma Vieira Cristo, 1402 – Vale Do Jatobá – BH/MG CEP 30664-260 Fone 3387-4432 Rua Três,72- Vila Castanheira (Barreiro de Baixo) BH/MG Rua Cruzeiro do Sul, 807- Cardoso (Barreiro de Cima) BH/MG CEP: 30642-480 Rua Um, 115 – Brasil Industrial – BH/MG CEP 30626-020 Rua Caciporé, 359- Anchieta BH/MG Rua Engenho Novo, 75 –Interfone 5 – Pompéia – BH/MG CEP 30280-510 Rua Atacarambu 395b- São Geraldo – BH/MG CEP: 30000-000 Rua Caravelas, 515 – Vera Cruz – BH/MG CEP 30285-120 Av. Silva Alvarenga, 180 – São Geraldo – BH/MG- CEP 31050-640 Fone 34610695/ 34876024 Rua Conde Ribeiro do Vale, 805 – Sagrada Família – BH/MG CEP 31030-470 Fone 3463-2431 Rua Geraldo Menezes Soares, 500Sagrada Família – BH/MG CEP: 31030-440 Fone 3481-9405 Rua Geraldo Menezes Soares, 771Sagrada Família – BH/MG CEP: 31030-440 Rua Algas, 193 – Boa Vista – BH/MG CEP 31160-530 Fone 3488-3465 Rua Teófilo Pires, 242 – Boa Vista – BH/MG CEP 31060-520 Fone 3485-6737 Rua Conselheiro Lafaiete, 956 – Sagrada Família – BH/MG CEP: 31030-010 Rua Duartina, 988 – Nova Vista – BH/MG CEP 34410-450 Rua Andaraí, 137- Boa Vista- BH/MG CEP: 31070-200 Fone 3485-1096 Rua Monte Alegre, 1050 – São Lucas – BH/MG CEP 30240-230 144 Cabana Espírita Umbandista Caboclo 19. Pena Azul 20. NORDESTE 4 Centro Espírita Canto da Vovó Rita 21. Centro Espírita Umbanda Omuluaruaru 22. Choupana de Ogum Cabana de Caridade São Francisco de 23. Assis 24. Centro Espírita Casa Santa 25. Casa de Caridade Pai Jacó do Oriente 26. Cabana Pai Tomé de Aruanda Casa de Caridade Seara da Mamãe 27. Oxum 28. Centro Espírita A Caminho da Luz 29. 30. NOROESTE 19 Centro Espírita Ogum Beje Centro Espírita Pai Joaquim 31. Centro Espírita São Sebastião e seus trabalhadores 32. Núcleo de Assistência Espiritual Caboclo Sete Liras do Mar 33. Núcleo Holístico São Miguel Arcanjo 34. Templo de Umbanda Legbará: o Senhor dos Caminhos 35. Tenda Espírita Umbandista Monsenhor Horta 36. Cabana Umbandista Nossa Senhora da Glória 37. TUEDLUZ – Tenda de Umbanda Esotérica Divina Luz 38. Cabana de Caridade Pai Rei Congo 39. Umbanda Oriental Despertar da Divina Consciência (DeDiCo) Rua General Pedro Paulo Penido, 174/408 – Cidade Nova – BH/MG CEP 31170-350 Rua Seretinga, 119 – Ypiranga – BH/MG CEP 31170-620 Rua do Campinho – Jardim Vitória BH/MG CEP: 31975-240 Rua Geraldo Coelho Junior, 49-A – Cidade Nova – BH/MG CEP 31670-160 Rua Marieta Machado, 132 – Cachoeirinha – BH –MG CEP 31130-280 Fone 3442.88.81 Rua Coqueiros, 190- Cachoeirinha (Ind. Alto Viana) - BH/MG CEP: 31150-210 Rua Fagundes Varela, 99 – Lagoinha – BH/MG CEP 31210-320 Fone 3442-3316 Rua Itapecerica, 927- Lagoinha- BH/MG CEP: 31210-03 Fone 34428132 Rua Corumbá, 301 – Carlos Prates – BH/MG CEP 30710-280 Fone 3278-1547 Rua Vereador Sócrates Alves Pereira 753 – Carlos Prates BH/MG CEP: 30710-590 Av. Siderose, 112 – Caiçara – BH/MG CEP 30775-120 Fone 3415-8029 Rua Cambé, 911 – Coqueiros – BH/MG CEP 30880-440 Fone 3473-2689 Rua Guaíba, 66 – Alípio de Melo BH/MG CEP: 30830-370 Rua Rio Casca. 324 Carlos Prates – BH/MG CEP 30710-200 Fone 3375-7614 Rua Japurá 490 - Renascença –BH/MG CEP: 31130-760 Rua Petrópolis, 86 – Lagoinha – BH/MG CEP 31130-010 Fone 3432-1965 Rua Doutor Balleiro 316- Jardim Montanhês BH/MG CEP: 30750-040 Fone: 3464-4296 Rua Expedicionário Vicente Ribeiro, 84Sarandi- BH/MG CEP: Fone: 34765077 Rua Quitandinha, 284 – Serrano BH/MG CEP: 30881-490 Fone: 3477-7822 Rua Eugenia Neri, 526 – Glória BH/MG CEP: 30870-240 Fone 34744480 Rua Professor Mário Casassanta, 149Carlos Prates – BH/MG CEP: 30710-410 145 União Espírita de Caridade Nossa Senhora da Conceição Tenda Espírita Pai Oxossi -Unzo Atim 41. Obatalocy - Candomblé de Angola e Umbanda Raiz Goméia 40. Av. Pinheiros, 340 – Aparecida – BH/MG CEP 31295-060 Fone 3422-4216 Rua Buriti, 93 -Serrano – BH/MG Fone: (31) 3354-6930 / 9645-9209 Rua Jaçanã, 17 - 1º de Maio – BH/MG CEP: 31.810-560 Fone: 3433 4940 NORTE 2 Rua Noé Marques de Oliveira, 03 – Fraternidade Espírita Estrela do Norte 43. Jaqueline BH/MG CEP 31785-145 Av. Barão Homem de Melo 424 – Nova Cabana Espírita Umbandista Caboclo 44. Suíça – BH/MG Flecha Dourada CEP: 30460-090 Fone: 3371-0022 OESTE 2 Rua São Sebastião, 75 – Nova Cintra – Centro Espírita Cabocla Jussara 45. BH/MG CEP 31516-040 Fone 3312-1076 Rua João Soares Ferreira Diniz/ Beco do Conforto,172 46. Centro Espírita Pai Jacó Africano Nova Pampulha – BH/MG – CEP 33900000 Fone 3446-77-85 PAMPULHA Pai João do Paraíso Cristiano Machado,10482 – D. Clara 3 47. BH/MG Fone 3485-1161 Tenda de Umbanda Caboclo Rua Cassiano Soares, 45 – Jaraguá – 48. Tupinambá BH/MG CEP 30820-250 Fone 3441-6362 Rua Trinta, 409 – Lagoa – BH/MG 49. Casa de Oração Caboclo Sete Espadas CEP 31410-490 Fone 3456-5268 Centro Espírita Nossa Senhora das Rua Trinta e Três, 199 – Pedra Branca – 50. Graças BH/MG CEP 33925-100 Fone 3453-5237 Centro Espírita Nosso Lar Assistência Rua Noel Rosa, 186 – Santa Mônica – 51. Espiritual BH/MG CEP 31565-340 Fone 3441-4118 VENDA Templo de Umbanda Pai Joaquim de Rua Valério, 9 – Pirajá – BH/MG 52. NOVA Aruanda CEP: 31910-670 Fone 3432-4624 7 Rua Império, s/nº - Eymard/Pirajá – Templo de Umbanda Pai João das 53. BH/MG Matas CEP: 31910-600 Rua Antônio Marcos da Cruz, 536- Letícia 54. Centro Espírita Pai João de Aruanda – BH/MG CEP: 31670160 Fone 3453-7269 Rua Monsuoneto Filizola, 800 – Santa Centro Espírita Pai José da Guia 55. Amélia – BH/MG CEP 31560-270 Fone 3638-2365 Quadro 1: Apresentação dos templos por regionais em Belo Horizonte Fonte: Dados da pesquisa, 2010. 42. Casa de Umbanda Beira-Mar 146 Mapa 01: Belo Horizonte - Número de Templos Umbandistas por regional Fonte: Dados da pesquisa, 2010. 147 APÊNDICE C – Quadro/mapa de endereços dos Terreiros/ Tendas/ Centros nas regionais da cidade de Contagem. Contagem Regional ELDORADO 2 Nome 1. Centro Espírita A Casa da Paz 2. Centro Espírita Cabocla Sucuri 3. Centro de Umbanda Pai Xangô 4. Centro Espírita Nossa Senhora da Conceição 5. Centro Espírita Seara de Deus 6. Centro Espírita Xangô e Nanã 7. Casa do Mestre Cipriano 8. Templo de Umbanda Pai Joaquim de Angola 9. Associação Beneficente O Além dos Orixás INDUSTRIAL 4 RESSACA 2 RIACHO 1 10. Abassá de Azoani SEDE 2 11. Associação Espírita Beneficente Pai Caetano Quadro 2: Apresentação dos templos em Contagem Fonte: Dados da pesquisa, 2010. Endereço Rua Madre Marguerita Fontanareza 34Eldorado – Contagem/ MG CEP: 32315-180 Fone:(32) 2565-2297 Av. José Faria da Rocha, 3.918 – Eldorado Contagem/MG CEP: 32510-470 Fone 3371-4267 Rua Mamoré, 528, Bairro Industrial – Contagem/MG CEP: 32075-130 Av. Tereza Cristina, 10.026 – Jardim Industrial Contagem/MG CEP: 32215-150 Fone 3362-0867 Rua Montevidéu,109 – Industrial – Contagem/MG CEP: 32230-180 Fone 3361-4579 Rua Jorge Ferreira Gomes, 898 – Cidade Industrial Contagem/MG CEP: 32210-002 Fone 3333-1718 Rua Vinte e Oito, 221 – Oitis – Contagem – MG CEP: 32141-120 Fone 3355-78-97 Rua CC, 90 – Arvoredo – Contagem/MG CEP: 31113-215 Fone 3357-4910 Rua Rio Manaus, 165 – Riacho das Pedras Contagem/MG CEP: 32265-240 Rua Santo Ivo, 107 – Centro- Contagem/ MG CEP: 31160-530 Fone 3398-3969 Rua Presbitero João Rosa da Silva, 265- Santa Helena- Contagem/ MG CEP: 35010-000 148 Mapa 02: Contagem - Número de Templos Umbandistas por regional Fonte: Dados da pesquisa, 2010. 149 APÊNDICE D – Partes das entrevistas Centro Beneficente Pai Caetano A mediunidade era uma coisa do meu pai, é uma coisa que ele teria de ter assumido e eu acabei herdando isso dele. Porque a história toda se passou quando minha mãe estava grávida, e depois quando eu tinha seis (6) meses de idade, ele teve um problema..., [...] mas na realidade eu vejo hoje que era uma mediunidade muito avançada, aguçada e na verdade, eles não sabiam. Ele foi tratado [...] com benzedor, curador; lá no interior eles não falavam mães ou pais-de-santo. Ele conta isso como se tivesse acontecido hoje. Então, eu só sei que se passaram muitos anos. Quando eu estava com doze pra treze anos eu comecei a ter visões, eu incorporava, mas não entendia o que era, eu desmaiava, às vezes, eu falava que queria ir num lugar que batesse palma; eu comecei a ter perturbação, como diziam eles. Me levaram no hospital pra eu fazer tratamento, cheguei a ir no psiquiatra, no neurologista, aquela coisa toda! Até que um dia, um psiquiatra falou com ele: “Leva num terreiro e dá uma saravada boa nessa menina! Depois vocês trazem ela de volta!” E ele, não aceitava muito a idéia de me levar pra um terreiro. (Mãe Teresa- CBPC). Chama Casa de Caridade Irmão Luiz, esse centro é de sessenta e nove (1969), quando nós viemos do Barreiro. A gente ia, meu pai gostava de lá porque não batia tambor, ele tinha horror desse trem de tambor. Eu ia com ele, eu ia acompanhando, ia lá e acompanhava, eles tinham os trabalhos: de cirurgia, de tratamento, a gente participava das sessões, fazia as desobssessão e tal. [...] Ajudava. Mas eu via um atabaque, quando eu escutava eu ficava assim doidinha. (Mãe Teresa- CBPC). Quando foi mais ou menos setenta e cinco (1975), setenta e seis (1976), tinha um centro aqui que chamava „Caminheiros do bem‟. [...]. Era um centro enorme, que era a entrada pela Abílio Machado, era um galpão enorme! E aqui não tinha casa, não tinha nada, a gente ficava vendo o povo dançar e tudo. [...]. Era Umbanda e depois [...] passaram a tocar pra candomblé também [...], era nação de angola, angola mujicongo. Quando eles tocavam candomblé era mais fechado e pro público era Umbanda. [...]. Um dia, eu vinha do centro Irmão Luiz, quando eu cheguei na frente do centro de Umbanda Caminheiros do Bem, não sei se eu caí, se eu desmaiei, sei lá... o pessoal desse centro de Umbanda falou que eu tinha que desenvolver lá. Eu me afastei do centro kardecista e ia escondido porque meu pai, ele, não gostava [...]. Depois teve uma época que aconteceu uns lances que ele não proibiu mais. Mas meu pai já chegou a queimar minhas roupas de santo, de não aceitar, de falar que ia lá de purrete pra me bater, pra tirar eu lá do centro e tal. E aí foi desenvolvendo a minha história, eu comecei, incorporava com preto-velho. Engraçado que anterior a tudo isso, na época em que eu tinha esse problema, nós fomos numa senhora que o médico nos indicou, lá no bairro Itapõa. Dona Ana, essa senhora parecia uma cigana. Ela detalhou a história do meu pai toda [...], mas ela só jogava, ela não fazia trabalho, nem era mãe de santo [...]. Ela falou com meu pai que ele tinha que deixar seguir o meu 150 caminho, que eu tinha herdado isso dele e que no futuro eu ia até ser mãe-de-santo, que eu teria casa. Na época, nem imaginava e nem passava pela minha cabeça ser mãe-de-santo ou de assumir esse compromisso, com as pessoas. Daí o tempo foi passando, eu fiz curso técnico de enfermagem, fui trabalhar e tal e de vez em quando, vai aqui, vai ali, mas o único centro de Umbanda, assim, que eu freqüentei, que eu fiquei mesmo firme foi nesse „Caminheiros do bem‟, fui pra fazer obrigação do candomblé angola, me preparei duas vezes, mas nessa época não aconteceu. Eles não me rasparam porque eles falaram que eu estava com problema de santo: era Oxum, mas Iansã também estava respondendo e também meu pai biológico não aceitava muito. Falaram que não iriam me recolher com esse problema de família, que não iria dar certo. (Mãe Teresa - CBPC). Em oitenta (1980) eu conheci o meu pai de santo, que é o centro onde eu raspei e me iniciei no Candomblé keto. Em oitenta e seis (1986) eu sai do centro Caminheiros do Bem. Em oitenta e oito (1988), dois anos depois, eu raspei no Candomblé. Eu não tinha uma noção de que eles não aceitavam a incorporação de entidades de Umbanda, pelo menos assim na nação de keto, em algumas nações de angola, por exemplo, já aceitam melhor essas incorporações, estão mais próximas da Umbanda, tanto é que eles tem caboclos, pretos-velhos, eles fazem sessão, mas a nação em que eu fui raspada não, eles só cultuam mesmo Orixá e o erê que trás o nome do orixá, lá na casa de meu pai, por exemplo, não tem sessões de passes, não existem sessões, só as festas, só as comemorações [...]. No Candomblé, na iniciação você faz obrigação de um ano, de cinco e de sete; nos sete anos, o seu pai te dá todos os seus direitos, que fala entrega de direitos, de Dêca, no keto não tem entrega de Dêca igual é no angola. Eles entregam contas, a pemba, para cada objeto eles falam alguma coisa. Se você conhece, você chegando numa casa de keto, ou de Candomblé angola, pelas contas e pela postura, pela roupa, você sabe quem tem sete anos, quem é iaô, quem é quem, entendeu [...]. Eu tenho vinte e dois anos de keto [...]. Uns quarenta anos de Umbanda (Mãe Teresa - CBPC). Do dia em que eu saí, eu não tive mais aquele vínculo tão grande com eles. Eles foram perdendo a essência, foram perdendo... Daí, um dia eu passei, eu vi escrito lá: “fechado por motivo de luto!” Eu morava aqui, mas não tinha contato, não via ninguém. O centro ele ficou completamente abandonado! Você precisava ver! O centro todo arrumado! A mesa com os santos, tudo no lugar [...]. Ficou fechado muitos anos. A história do centro, era um centro assim, maravilhoso, que hoje, se eles tivessem aí hoje, seria um dos terreiros mais bem direcionado, tinha um grande número de pessoas. O povo vinha de longe, tinham entidades muito boas e tudo, sabe. (Mãe Teresa- CBPC). Às vezes, eu era criticada na nação que eu fui raspada porque eu tinha preto-velho, eu tenho caboclo. Eu tenho um irmão de santo que um dia teve na minha casa, ficou rindo, falou assim: 151 “Oh você trabalha com as linhas todas?!” Falei: “nós trabalhamos com as sete linhas!” Brinquei com ele. Aí ele falou assim: “Drima, Corrente.” Eu falei com ele: “Drima, Corrente, Pingüim”. Ele falou: “Pingüim não é linha não, é lá!!!” Eu falei com ele: “mas não tem problema serve pra fazer!” (leve sorriso). Porque eles não acreditam muito nessa questão da Umbanda, de pretovelho. Eles falam que é egun, mas se formos olhar em Minas Gerais não existe quem não tem um caboclinho, um preto-velho, um exu, mesmo assim no escondido, lá no fundo, no fundo, que trabalha só mesmo com orixá, não existe não. (Mãe Teresa - CBPC). Quando eu fiz o santo e depois meu pai de santo jogou os búzios: vamos ver o quê que o santo quer? E eu perguntei: “Como que vai ser minha casa? O que quê Oxum quer?” Ele falou assim: “Oxum não te proíbe nada! A única coisa que Oxum quer é que uma vez no ano, você toque a nação, você toque o candomblé, mas você pode continuar com suas festas, fazer suas sessão, seus pretos-velhos; você continua com seus exus, seus caboclos e tal ; Oxum não te proíbe nada!” E eu não plantei a pilastra na minha casa, porque o keto, o axé do keto é uma pilastra, então na minha casa eu não plantei essa pilastra, justamente porque se eu plantar a pilastra, eu não posso rodar pra perto-velho, pra Umbanda. O candomblé, na minha casa, eu toco uma vez por ano, meu pai de santo vai e eu toco pra Oxum, aí não tem nada de Umbanda, eles tocam candomblé, entendeu. (Mãe Teresa - CBPC). Eu praticamente nasci na Umbanda, então, eu tenho essa bagagem do preto-velho, do caboclo, do exu. O povo do candomblé fala que “o „povo de Umbanda‟ tem elevador, um sobe o outro desce!” (sorriso). Eu brinco que preto-velho, exu, são psicólogos de pobre, porque estão ali para escutar, para ouvir. E as pessoas que procuram a Umbanda, procuram para isso: serem acolhidas, serem ouvidas e buscam orientações. Mas eu tenho alguns irmãos de santo no candomblé que, às vezes, me criticam muito por eu tocar Umbanda. Eu amo a Umbanda, meu preto-velho é uma entidade, que foi a primeira entidade que eu recebi! [...] O meu conhecimento maior, ainda busco dentro da Umbanda; não estou negando o candomblé quando eu falo isso, sabe, eu não estou negando o candomblé! [...] A pessoa quando não entende, que vai numa festa de candomblé, fica perdido: primeiro porque não entende as cantigas, o que falam; a Umbanda é bem explícita, não tem intermediário, eles falam direto. (Mãe Teresa- CBPC). É essa vivência assim, acho que tá na questão da caridade, de apoio, de acolhimento, eu acho que ser umbandista é isso, não só umbandista, acho que ser, qualquer religião, mas eu acho que a Umbanda ela é mais caridade, ela é mais humana, ela é mais aconchego mesmo! Então, eu acho que é isso, é caridade. (Mãe Teresa - CBPC). De repente eu me vi aqui atendendo dentro da cozinha, depois ali atrás da casa, nos fundos e o Pai Caetano dando consulta. Eu trabalhava no hospital e eu atendia o pessoal de lá: médico, a minha chefe, ai elas vinham e a gente punha ali atrás, o Pai Caetano vinha e atendia; um dia um 152 dos médicos falou assim: “Ô Teresa”, ele me chamava de crioula, “Ô crioula vamos fazer um cantinho!” Passou a chamar „Cantinho de Pai Caetano‟. Eu tinha uma freqüência de gente, o povo vinha, vinha muita gente pra tomar passe, mas, assim... aquilo eu fazia uma sessão rápida e já incorporava porque era eu sozinha, depois eu tinha uma médium, uma cumadre que vinha, incorporava, pra me ajudar, a gente ficava até onze, dez, onze horas, meia-noite dando passe. Eu tenho até hoje meus cadernos que o pessoal chegava assinava o nome, pegava a fichinha; eu tinha uma assistência boa. [...]. O „Cantinho de Pai Caetano‟ foi crescendo, o povo foi vindo, foi vindo, foi vindo quando eu mudei eu tinha uma turma boa, eu tinha uns vinte médiuns [...]. (Mãe Teresa - CBPC). E aí... fui me vendo, quando eu me vi, já tinha um tanto de gente, e a gente comprou um lote. Eu acho que foi uma necessidade mesmo, eu atendia ali atrás, era no corredor, era dentro de casa, e de repente, vi uma necessidade de ter um espaço próprio, porque quando eu vou numa casa, que vejo que a pessoa atende dentro da casa dela, incorpora e tudo, eu acho que tem que ter um espaço, o sagrado eu acho que ele tem que ter o espaço dele. Como tem o espaço da igreja, como tem a praça, tem a rua e tal, então eu acho que tem que ter o espaço. E a necessidade surgiu disso, o grupo foi ficando grande, aí nós tivemos o nosso espaço, quando eu percebi eu já tava com um lote, a gente ia lá àquele sol de rachar, fazia umas cabaninhas e fazia bingo, fizemos especial ai vão! E de repente fizemos nosso templo, então acho que foi uma necessidade mesmo. De ter nosso templo, nosso canto. Eu mudei pra lá em noventa e sete (1997), dois anos depois de termos iniciados aqui. Eu comprei o lote em noventa e quatro nós fizemos a nossa primeira festa de Cosme e Damião. Em noventa e sete (1997) eu construí quatro cômodos e mudei pra lá assim mesmo. Normalmente nós fazemos reuniões a cada quinze dias. Em janeiro, eu toco pra caboclo, eu faço dia vinte de janeiro, que eu reabro a casa. Em abril eu faço a feijoada pra Ogum, faço a festa do exu Lajeiro. (Mãe Teresa – CBPC). Eu estava buscando, e nessa busca, eu acho que dentro da espiritualidade, agora como religiões de matriz africana eu me encontrei [...]. Houve o lançamento da campanha: „Quem é de axé diz que é!‟ pra saber o quanto somos, nós estamos com muita esperança que as pessoas falem: “sou de religião de matriz africana!”, que digam: „participo mesmo!‟. Que expressem: „eu não sou católico, eu não sou espírita!‟, porque, às vezes, falam: „não, eu sou espírita!‟ Então, a função da campanha é essa: que as pessoas declarem seu amor pelo seu orixá, pelo seu inkice, ou seja, conscientizar às pessoas. Em Salvador, acho que apenas 3% (três por cento) declararam o seu amor pelo orixá. Mesmo em Salvador, você acredita! Uma senhora, ela tava até questionando assim, numa fala, falando o seguinte: “olha, as pessoas acham que eles tem cargos só dentro da casa, tipo assim, eu sou ialorixá aqui, mas a hora em que eu saio pra rua, não sou mais”. Então assim, às vezes, tem vergonha de usar uma roupa, tem vergonha de, às vezes, usar um tosso, de sair, eu não estou nem aí não! Eu saio, vou! Vou, fui pra assembléia e participei do Fórum Técnico da Segurança Pública. Fui pra Betim, eu estava no trio-elétrico junto com a Prefeita 153 apoiando o pessoal do GLBTs. O CEN é o único movimento negro que apóia o movimento gay [...]. Acho que a gente tem que mostrar a cara mesmo [...]. (Mãe Teresa - CBPC). Tenda de Umbanda Pai Joaquim de Angola Comecei com 25 anos, eu adoeci, e fui curada no espiritismo, por causa disto... E aí, tive que trabalhar, eu não gostava muito não, eu sou franca mesmo! Meus avós eram kardecistas, mas eu não gostava (risos). Então, depois através da doença eu passei a trabalhar na Umbanda e nunca mais saí! Já tem esses anos todos, até agora eu trabalho, é isso aí! Eu dedico isto aqui mesmo com muito amor! Trabalho muito, o que eu conheço da Umbanda foi os orixás e todos os guias nossos da Umbanda, eles vieram da África, da África pra... Bahia, depois, foi passando.... da Angola e vieram pra aqui também e aí foi aumentando cada vez mais a Umbanda. Eu continuei na Umbanda, desenvolvi na Umbanda e estou na Umbanda, é Umbanda mesmo! Não têm nada. É linha branca mesmo, minha linha não é cruzada, e é isso aí!!! Gosto muito do espiritismo, é minha vida. Por isso eu chamei as duas porque isso aqui pretende ficar nas mãos delas. Se elas quiserem tocar, porque elas são desenvolvidas comigo desde que eu comecei a trabalhar, então, já tem muitos anos de casa, já tão mais do que sábias no terreiro. Ela coitada (referindo-se a Anamir) não está podendo muito por causa do serviço dela! Mas esta daí (referindo-se a Miriam) está vindo! E é assim, vai ficar com elas, a gente não tem nada daqui. Isso aqui a gente tem, é um empréstimo que Deus passa pra gente e o terreno aqui também é dela (referindo-se a Míriam) não é meu não! Elas já são desenvolvidas; eu tinha muito medo delas desenvolverem por causa que se casassem com um homem que proibissem elas, porque não é bom né, eu vejo tanta gente louca por aí por causa disto, e não é bom; se você desenvolveu, você tem que seguir... Outra: você segue ou pede licença do centro fecha sua gira. Mas não é bom fechar sua gira porque continua... volta pra trás e continua do mesmo jeito! Então não dá! A gente tem que andar pra frente e não voltar pra trás! (D. Leonor- TUPJA). Sabe o que eu fiz quando eu tinha 10 pra 12 anos; eu fui pra Ubá e batizei escondido dos meus avós porque o Kardecismo num deixava batizar. Não tinha batismo, não deixavam, nem ver batizado. Eu não falei nada, olha a idéia de criança!!!! Não falei nada com minha mãe e com meu pai; arrumei meus padrinhos e batizei, se eu falasse eles não iam deixar. Depois eu falei, depois eu fiz questão de ir lá, conversei com eles; eles não podiam fazer mais nada! (risos). (D. Leonor – TUPJA). Eu fui no Kardecismo com 18 anos, centro Bezerra de Menezes, lá em Carajás sabe; aí cheguei lá... eu não era desenvolvida, eu era solteira; me levaram, minha mãe me levou! Aí chegando lá, eles me puseram na mesa. Eu comecei a pensar: “uai gente eu tô na mesa? Por que quê estou na mesa? Eu não sou médium, não sou nada!?” Falei assim, sabe! Aí menino, o preto-velho, Pai Joaquim de Angola, chegou lá! (D. Leonor – TUPJA). 154 Chegou lá na mesa e falou no meio deles assim: “Oh, vocês não aceitam preto velho, por isso, eu não vou deixar meu aparelho voltar aqui mais não!” É! Ele falando, diz que ele falou... o pessoal me contou depois, a gente nunca sabe bem ao certo! E ele falou assim com eles: “por que vocês não aceita preto-velho? Preto-velho é da mesma linha de vocês, nós fazemos só caridade e eu vou desenvolver meu cavalo pra fazer caridade!” (D. Leonor – TUPJA). Eu tive internada aqui em Belo Horizonte várias vezes, um enfermeiro chegou a falar com meu marido que eu só sarava se tratasse num centro, que esse problema era mediunidade. Depois, eu mudei pra aqui, a minha irmã freqüentava esse centro da dona Antônia Aparecida [...]. Me levaram lá, foi onde eu fui curada. Foi de nervo, eu nunca mais tomei um remédio pros nervos. No hospital Santa Maria teve um médico, ele descobriu também e ele teria que fazer uma operação; médico muito bom! condição; mas depois o Só que na época a gente muito pobrezinho, não tivemos espiritismo falou que não, que minha cabeça curava normalmente.(referindo-se nessa fala que o problema era mediúnico e não neurofisiológico). Então eu costuro, lavo, passo, cozinho, eu cuido de marido que dá trabalho também, que é minha cruz, tem cinqüenta anos, que nós fizemos agora dia nove, de casados. Pois é, então a gente vive assim... graças à Deus! tô bem mesmo!!! O que eu faço aqui hoje dá pra todo mundo vê! Você já pensou, abrir esse terreiro não é brincadeira não! (D. Leonor – TUPJA). Na verdade acabou, não tem nada mais, ela passou para Dona Laura e a Dona Laura abandonou tudo, não trabalhou mais. Eu tava na casa dela quando o centro dela pegou fogo. Nós éramos três chefes: eu, a Dona Laura e a Dona Antônia Aparecida, trabalhávamos juntas e aí... a Dona Laura desanimou, ela é mais velha do que eu. Ela desistiu. No terreiro era assim, a gente tinha que chegar, o terreiro era grande e tinha um banquinho para cada médium, não podia conversar, você chegava sentava no banquinho, sentava e concentrava e não podia conversar com ninguém não, só podia conversar assim: ou na hora de ir embora ou só na hora de chegar e só cumprimentar e pronto! Mas o resto não podia não e funcionava assim. E eu aprendi foi assim mesmo, hoje em dia tá tudo diferente, as cabeças mudaram. (D. Leonor – TUPJA). Quando eu ganhei a menina, que eu comecei a te contar, eles foram me buscar em casa umas duas vezes, mas eu não podia, pois, elas duas trabalhavam e estudavam (referindo-se a Míriam e a Anamir) e então eu não tinha como deixar a menina. Era assim, ela (Míriam) trabalhava fora e estudava à noite e, nós trocávamos, quando ela chegava eu dormia porque a menina chorava noite e dia, então, aí o velho ficava nervoso (referindo-se ao marido), aí a gente trocava, eu dormia, ela (Míriam) ficava acordada; outra hora, ela dormia eu ficava acordada. Era assim, dia e noite. (D. Leonor – TUPJA). Não ganhava nada, trabalhava de graça, então, minha casa vivia cheia de gente, eu trabalhava dentro de casa, às vezes, chegavam, almoçavam, deitavam na minha cama e iam embora de noite 155 depois da sessão. Durante dezesseis anos, trabalhei em casa, não tinha lugar de trabalhar, trabalhava de graça, não cobrava um centavo. (D. Leonor – TUPJA). Eu ia no centro com ela como companhia de noite, eu tinha 12 anos e ia de companhia com ela, para ela não ir sozinha, aí ela me levava, eu cantava, adorava ir! Depois, quando a Mônica nasceu é que eu virei cambone, mamãe começou a trabalhar em casa e eu virei cambone dela. Aí eu comecei a trabalhar fora e cambonava ela de noite. Depois, minha Tia tinha um centro em Codisburgo, sempre vinha passear, num desses passeios eu fui tomar passe com ela e, aí eu recebi Janaína. Daí, então que eu desenvolvi, comecei.... aí eu já tava cantando. (Risadas). (Míriam –TUPJA). Aqui no terreiro eu recebi a vó (preta- velha) com 17 anos, mas eu só desenvolvi mesmo depois dos 18. Então, desde os 18 anos assim que eu já sou médium. Ela chegou, cantando o ponto dela, eu tava tomando passe com o Pai Joaquim de dia e... por um acaso fui sentindo fluído e ela chegou; falou, deu o nome dela, falou quem era e cantou o ponto dela. O Pai Joaquim falou com ela que ainda não era o tempo, que eu estava muito nova, que ela aguardasse mais um pouco, que eu iria desenvolver. Então... foi aí que começou. (Anamir - TUPJA). A caçula, ela é uma católica assim... inclusive ela tem muita fé no espiritismo também; ela bate tambor muito bem. Ela vinha pra cá quando não tinha neném, agora ela tem neném tá muito difícil para ela! [...]. Graças à Deus, eu criei elas três muito juntas, sabe, muito juntas mesmo! Obedecendo ao outro, respeitando ao outro, que é o direito, graças à Deus! E elas são unidas, assim, quando pode... vai na casa de uma, vai na casa de outra, não é sempre porque ninguém sempre pode. (D. Leonor – TUPJA). Na época aqui só tinha uma placa: “libero lote e tal”. A Míriam estava acabando de sair de um emprego, papai também ia receber, coincidiu tudo e eles conseguiram, aí ela comprou aqui e dividiu com a mamãe. A mamãe veio pra cá e aí começaram a criar o centro. Primeiramente nós construímos a casa, aí minha mãe tinha um quarto lá. O rapaz, meu compadre já havia feito a programação da casa para que ficasse no local, um cantinho pro terreiro, não como na outra casa. Na outra casa nos tínhamos um quarto que era local do terreiro, aqui nos tínhamos a intenção de construir um quarto e ser o local dos trabalhos. (Anamir- TUPJA). Muita gente me ajudou, não construí aqui sozinha, cada um me deu um pouquinho, [...] eu tenho tudo escrito e guardado, e eu não teria condições sozinha, mas eu fui muito ajudada, muita gente me ajudou, eu não tinha condições sozinha, não tinha não! Não sou uma pessoa que falo assim “isso aqui é meu”, não! Isso aqui é nosso, é de todo mundo, eu não tenho nada, isso aqui é de todo mundo, é uma casa de oração [...]. Eu chorei todos os dias quando eu mudei pra aqui [...]. Sempre tem uns que a ajudam porque você sozinho você não faz nada![...]. Meu marido ajudou 156 muito também, sabe, mesmo com dinheiro ele ajudou, ele andou pagando uma parte. (D. Leonor – TUPJA). [...] elas não chegam aqui sem isso, quer dizer: o centro é um apoio muito grande que eu tenho espiritualmente, Graças à Deus, né! Meu lar tem muita paz, não tem briga mais; de primeiro tinha briga, antes de eu desenvolver, meu marido bebia e chegava xingando eu era nervosa, achava ruim, brigava, agora não, graças à Deus! Pode chegar em qualquer horário é igual como se você tivesse aqui: Tranqüilo! (D. Leonor – TUPJA). Antigamente nossas reuniões tinham uma certa seqüência vinha Ogum, depois Iemanjá, Xangô; a gente trabalhava com praticamente com todos as linhas. Aí com o passar do tempo, foi ficando difícil tanto para mim como para a Míriam e pros outros médiuns que estavam trabalhando; a mamãe começou a revezar na segunda feira: só preto velho e na sexta feira: chamava Ogum e uma outra linha, das sete linhas. Depois foi diminuindo mais ainda, o pessoal foi sumindo e ficou mais difícil ainda, aí ficou só com a sexta feira; era segunda, quarta e sexta. Depois passou para segunda e sexta. Depois só para a sexta; aí na sexta feira era de acordo com o número de médiuns, então sempre tinha Ogum e preto-velho, para poder segurar o terreiro; mas os outros orixás ela só chamava se tivesse mais médiuns; então hoje em dia continua assim, a não ser dia de festa, porque aí o dia de caboclo, é caboclo e tal e Cosme Damião que chega no dia de Santo Antônio e chega no dia de Cosme Damião, chega duas vezes, mas o restante não! A gente chama mais no dia de festa e quando tem mais médiuns. (Anamir - TUPJA). Umbanda é responsabilidade. Umbanda é pé no chão, pobreza sim, mas é uma religião que cobra muito de você. Você tem que estar muito capacitado para dar conta. A umbanda aqui é séria, muito séria, respeitada, muito respeitada mesmo, aqui não tem esse negócio de desrespeito, as pessoas chegar aqui e fazer despacho, ficar bebendo, aqui não tem nada disso. Aqui tem horário! Até na praça que eu vou na lagoa tem horário, onze e pouca a gente já tá parando, eu nunca cheguei até meia-noite. Já tenho esses anos todos que eu trabalho e, graças à Deus, nunca fui levada pra delegacia, nunca tive problema nenhum: nem com a Federação, nem com ninguém, graças à Deus! Seriedade, né, a pessoa ter responsabilidade é muito bom! (D. Leonor – TUPJA). Podia parar; mas eu não paro não, eu adoro os pretos-velhos, eu adoro isso aqui! Isso aqui é minha vida! Enquanto eu agüentar e tiver aqui, mesmo se eu não puder trabalhar com os outros guias, eu trabalho com preto-velho (risadas de satisfação). Eu gosto, isso é coisa que eu gosto de fazer e que eu sinto bem também, e que eu fui feliz foi aqui. (D. Leonor - TUPJA). 157 Centro Espírita A Caminho da Luz Em mil novecentos e quarenta e nove (1949) foi a fundação do A Caminho da Luz, nessa época a tendência da casa era muito voltada para o lado do candomblé, havia realmente uma tendência muito forte com os trabalhos do candomblé, inclusive aqui se tocava atabaque, inclusive aqui se usava aquelas roupas estilo baiana, muita cantiga, cachimbo, cigarro, havia a passagem de linhas para o atendimento do público aonde havia bebida. Nessa época, ainda, nessa nossa casa, não existia o conhecimento dentro dos trabalhos da forma que a gente tem hoje, que é dentro do estudo doutrinário, não havia tanta informação, e nessa época, havia sim, nessa casa, médiuns que trabalhavam aqui em busca de benefícios financeiros, pessoas que vinham em busca de passe, e que aqui pagavam para tomar passe, para fazer trabalhos. Então, havia uma diferença muito grande do trabalho com a forma de agora. (Ubirajara – CEACDL). O papai foi fundador do centro, ele foi presidente da casa durante muitos anos. Depois ele saiu, o meu padrinho tomou conta, só que meu padrinho começou a usar o centro pra ganhar dinheiro [...]. Papai não obrigava a gente não, então eu fui conhecer a doutrina através do Bira. Depois que nós nos casamos é que eu conheci a doutrina espírita e fiquei nela [...]. Nós não freqüentávamos lá não. Quando eu casei, eu morava no fundo da casa de mamãe, depois nós mudamos ali do Carlos Prates lá pro bairro Santa Branca, então, nós tínhamos um centro pequenininho lá na nossa casa. Era Umbanda também. (D. Iara – CEACDL). [...] essa mudança houve com um acidente do Jair, aqui, anteriormente. Ele caiu, bateu a cabeça e machucou a cabeça, uma escada que tinha aqui antigamente, e ele não teve mais condição de trabalhar, foi aí que o meu pai, o Bira, assumiu. Quando ele assumiu, uma das primeiras coisas que ele fez e foi imediato, porque a nossa máxima do espiritismo é: “fora da caridade não há salvação!” A primeira coisa que ele fez: ele chegou aqui e avisou pros médiuns: “quem tem que fazer o acerto, faz o acerto, a partir da semana que vem, aqui dentro não se cobra mais nada de ninguém!” E ele trouxe os médiuns que já trabalhavam com ele pela caridade, pelo amor verdadeiro e não pelo lado financeiro. Então foi aí que deu início, ele fez essa seqüência toda de vir modificando gradativamente as coisas, tirando, porque as pessoas chegavam aqui em busca de trabalhos pagos, de trabalhos com fins próprios, independente de serem agraciados pelo bem ou não, mais vinham. (Ubirajara CEACDL). [...] O pai dele, que eu considero meu pai também, ele (Ubirajara) sabe muito bem disso. Ele (Bira) assumiu o centro, o propósito dele, ele conhecia, o Bira, ele conhecia, o Ubiratan conhecia o evangelho, ele conhecia o estudo, então ele fez uma modificação geral na casa, ou seja, a cada passo que ele dava, é igual você subir uma escada, ele subiu uma escada e dava uma coisa que ele achava que era necessário, logicamente que ele sempre consultou o mentor da casa e conjugado com isso, ele sempre fazia as coisas; aí ele subia outra escada, „bom, isso aqui é preciso pra quê?‟ „Espírito precisa fumar?‟ Não!, „Espírito precisa de pinga?‟ Não! „Espírito 158 precisa disso?‟ Não! Espírito...? Não! Ele foi tirando, gradativamente e colocando o quê? O que na época estava faltando aqui, era o quê? O estudo doutrinário, conhecer a parte espiritual que ele já conhecia, já dominava isso, porque a mãe dele foi espírita também, Dona Sebastiana, e muito boa! E era assim com a minha vó, elas fundaram o Centro Espírita Caridade e Pobreza, tá na rua Jaguaré e que tem até hoje tem noventa e seis anos, entendeu, e ele já tava ciente disso, ele começou a arrumar a casa, no bom sentido, igual eu estou te falando, tirar coisas que só chamavam a atenção. Sabedoria! O Bira tinha uma sabedoria fabulosa! (Marcos – CEACDL). Então, foi um trabalho, que realmente, como o Marcos tá falando e como eu estou endossando, a mudança do A Caminho da Luz, a ascendência do A Caminho da Luz num trabalho correto do lado da espiritualidade, ela realmente foi tomada através do Ubiratan, não é, ele foi determinante na condução dos trabalhos, e sendo assim, após a passagem dele, o Marcos foi preparado para seguir todo aquele traço que ele trabalhou e a gente continua com ele até hoje, sempre na veemência desses fatores, foi ele (Bira) que chegou a cortar as guias, foi ele que chegou a cortar a bebida, a cortar o cigarro; vamos deixar bem claro, ainda mais que essas informações vão ser passadas para outras pessoas! Nós não estamos aqui dizendo que o nosso trabalho é o único correto, e que as outras casas que usam guias, que outras casas, que fumam, que usam cigarros, que usam charuto ou que bebem, que elas estejam fazendo coisas erradas: de forma nenhuma! Cada uma com sua forma de trabalho; só que nós, a partir daí, a partir do estudo, a partir da conscientização, a gente vai entendendo que quanto mais coisas materiais forem precisas para os guias descarregarem, pra trabalhar, pouca freqüência, menos condição de evolução eles terão, porque aonde, vamos colocar a linha dos escoras, a gente tá falando dos escoras, a gente conversa com eles, é o nosso mais terra a terra, o que a gente conversa está mais próximo da gente, porém, apesar deles serem mais próximos eles ainda estão acima da gente, então, como todos os espíritos estão em busca de evolução, o que nós, ainda encarnados, temos condição de mostrar pra eles que eles não tem condição e nem necessidade daquilo a gente vai mostrando, e pra eles, eles vão ver que realmente eles não tem necessidade desses apegos da terra. Não é, então, esse é o início da história do A Caminho da Luz que durante a passagem do Ubiratan foi substituído pelo Marcos durante nove anos, não é, e agora, devido a pedido do Marcos, tem três anos que nós assumimos. (Ubirajara – CEACDL). Inclusive a gente costumava brincar que o nosso centro não é de Umbanda é de kardebanda, porque a gente estuda o espiritismo, porque tem centro que não estuda o espiritismo de forma nenhuma. Mas o esclarecimento da parte do médium ajuda as entidades a trabalhar, então, por isso mesmo ele (Bira) sempre fez questão de que tivesse aquela palestra antes de começar a reunião, da parte de terça-feira, que a gente faz um estudo rápido ali do Evangelho, uma coisa, e, por quê? Porque o médium esclarecido ele dá uma condição de trabalho pros guias. (D. Iara – CEACDL). 159 O Bira, eu já comentei isso, ele tinha muito conhecimento da vida espiritual; então o passe magnético foi colocado, isso há muitos anos, ele foi colocado por quê? Porque, o preto-velho dá o passe na pessoa, tem questões que não há necessidade do preto-velho agir, a pessoa é encaminhada para o passe magnético, entendeu, então é energia que ele não precisa colocar na pessoa que tá recebendo aquilo, o próprio passista magnético pode colocar a energia nele, tanto é que no passe magnético a pessoa não pode passar de três (3) minutos, não há necessidade, porque já passou pelo preto-velho no andar de cima, e o resto é feito aqui embaixo, entendeu. O passe magnético foi uma luz que o Bira teve ao implantá-lo aqui. Você pode correr em qualquer centro de umbanda que não existe o passe magnético paralelo ao atendimento com um pretovelho, não existe! Agora uma coisa eu tenho que falar que ele foi glorioso! Ter colocado o passe magnético e ter deixado a incorporação. Isso ele foi glorioso! Como está sendo até hoje gloriosa essa parte da incorporação. Porque a entidade precisa do médium pra trabalhar e o médium precisa dela pra trabalhar, não é. Você vai num centro , por exemplo, vamos colocar kardecista pra entender melhor, você não vê incorporação! Não vê, não vê, não vê! Só vê em reunião deles, assim fechada. [...] o estudo prevalece sobre as entidades eles não tem incorporação, só no desenvolvimento mediúnico deles, você tá entendendo. Você sabe que é! É reunião fechada, você entendeu!? Então, lá prevalece o que: o passe magnético. (Marcos - CEACDL). Na época do seu Jair, aqui atrás dessa nossa parte, a gente tinha uma casa, aí atrás. Morava uma médium, sinceridade, eu não me lembro o nome dela. Ela morava na casa, e tomava conta do centro, ela morava aqui no centro. Na época quando o Bira veio pra cá, acendiam velas, lá atrás. E ela desceu, essa casa, ela caiu. (Ubirajara- CEACDL). O Bira fez uma campanha na época. Então o quê que aconteceu? fez os tubulões, até tinha um rapaz que era do corpo de bombeiros que trabalhou aqui também, um escuro, Danilo, e tinham mais dois que ajudou ele, sabe, a furar buraco, aquele negócio todo, e aquela lança que joga concreto, ela fica no caminhão e vai levando concreto, ela amassava aqui no corredor e jogava. Então fez um, dois, três, quatro, cinco aqui, encheu com ferragem, aqui. Aqui em baixo, depois desse muro que tem aqui, oh, embaixo, que aquilo ali era tudo do centro, até três metros e meio depois do muro era do centro. Então, tum, tum, tum, tum, mais um, mais um, mais um, ai deu aquela chuvaiada toda, vocês lembram da chuva! Deu uma chuva fabulosa. O que segurou o centro? Os tubulões que foram feitos aqui e depois o muro, que os outros desceram lá pra Viação Presidente... O que segurou! Quer dizer, ele teve uma luz, entendeu, porque o que ele queria fazer, era colocar os tubulões, pegar a parte que era do centro, não sei se era três metros, não sei quantos metros que era; e fazer uma plataforma.(Marcos – CEACDL). Só que não teve jeito, porque choveu, e choveu muito, choveu muito, muito! [...] mas choveu foi demais da conta! O que quê aconteceu? Até por causa dos tubulões terem segurado, o centro rachou e aqui era telhado de madeira. Aí, então o que quê aconteceu? Depois disso tudo! Ele 160 desencarnou e eu por... sei lá por que!? Eu assumi o lugar dele. Aí o mesmo rapaz, Danilo, que ajudou ele a fazer os tubulões, ele falou comigo: “Oh Marcos ! Oh, esse telhado aqui tem que tirar!” Porque a gente só via de baixo pra cima, não via de cima pra baixo, “tá tudo corroído pelo tempo”, aquelas madeiras apesar de ser forte, mas tava correndo o risco, entendeu. Eu falei com a Dona Iara: “Oh Dona Iara, oh, a gente vai ter que dar um jeito nesse negócio aqui!” Ela falou:” Eu estou com você!” Que a Dona Iara é outra pessoa espetacular! Aí nós começamos a mexer, mais derrubou foi tudo! Foram dois anos e meio sem reunião na casa! E foi uma batalha violenta! (Marcos – CEACDL). E aí o processo de inverter foi justamente de levar o peso maior pra área mais tranqüila, porque lá é o lado do público, onde tem o mezanino, onde tem aquela área. Então o peso, ficou mais na área, aonde agora é, é mais é, é ao ar né, ficou pro lado de cá, né ficou mais leve. Foi o Danilo, ele queria assim: “vamos fazer o seguinte, vamos fazer uma borda assim, outra borda assim, colocar o cruzeiro no meio e vamos passar isso pro lado de cá”. Aí a tia dele (do Ubirajara), a Ilza, ela é engenheira hidráulica, falou: “Ô Marcos, é mesmo! você faz isso, porque eu vou drenar aqui atrás, ou seja, lá do lado da rua, porque a água descia e pegava ali e passava ali. Ela drenou, ela fez um dreno tudo dentro de um projeto, bonitinho, sabe. Aí mudamos, passamos pra cá o altar. [...] Então, foi mudado o altar, aí colocou a sala da biblioteca, a sala onde faz o café. [...]. Tem os banheiros e tal. Porque os banheiros eram do lado de cá passou tudo pro lado de lá. Justamente pra poder aliviar o peso que tinha do lado de cá. Agora as imagens, que tem aqui não dão peso não, muito pelo contrário, essas seguram. (Risos). (Marcos – CEACDL). [...] A gente abre as portas da casa para uma reunião de segunda-feira, aonde exige-se iniciação de um estudo doutrinário. Pra quê? Pra que as pessoas comecem a entender o que quê é realmente o espiritismo e não aquilo que eles ouviram falar, não é. [...] na terça-feira é o desenvolvimento mediúnico, do corpo mediúnico, dos médiuns da casa [...]. A quinta-feira que é atendimento de público somente é feito pelos pretos-velhos, antigamente é que havia também a conversa do público com os soldados, com a linha dos escoras, porém, devido ao entendimento, inclusive foi na época do Ubiratan, do Bira, que conseguiu perceber que muitas pessoas do público, por não estarem preparadas e por não possuírem um estudo doutrinário, elas interpretavam erroneamente o que as entidades falavam, porque como o linguajar deles (escoras) é muito parecido, gosta muito de falar bobagem, gosta muito de brincar como a gente tem no cotidiano da gente, elas por várias vezes, achavam que aquilo era destorcido, o entendimento delas eram destorcidos.(Ubirajara – CEACDL). Nossa casa tem o trabalho de visita ao asilo, nossa casa tem um trabalho de visita à sanatórios e a hospital, nossa casa tem um trabalho de café que a gente leva pra favela, não é, a gente tem o trabalho, também com campanha: campanha de cobertor, a gente tem campanha do quilo onde a 161 gente atende muita gente. A visita do asilo a gente vai todo terceiro domingo do mês, a campanha do quilo é feita no segundo e no quarto domingo do mês, a ida ao hospital é que a gente marca, e o café é feito toda segunda quarta-feira do mês à noite. Os outros eventos a gente vai marcando: a campanha de Natal é feita no final do ano, a campanha do cobertor é juntamente, logo depois do meio do ano, logo quando começa agosto, a época de frio, a gente começa a fazer a campanha, não é, que pra cobrir, arrecadar, pra gente poder comprar cobertor, pra gente poder conseguir as coisas, a gente faz peça, a gente faz bingo, a gente faz as coisas pra poder arrecadar, lembrando que, nós nunca pedimos dinheiro a ninguém, qualquer pessoa que queira nos ajudar, às vezes, com a quantia em dinheiro, a gente pede que ela reverta no material que a gente precisa, mas a gente não pega o dinheiro. Porque, infelizmente, o dinheiro é uma coisa muito complicada; se uma pessoa te dá um saco de arroz, qual vai ser o fim do saco de arroz? Alimentação! Agora se uma pessoa te dá dez reais!? Ele pode virar um monte de coisas. E depois a pessoa chega pra você e fala assim: „O que quê você fez com os dez reais?‟ Então, pra evitar esse tipo de transtorno, esse tipo de dúvida, a gente prefere que a pessoa transforme naquilo, no que ela quiser doar. E...tirando esse ano, ficamos adultos com a campanha do Natal, dezoito anos, conseguimos finalizar a campanha com oito mil (8.000) quilos de alimentos, conseguimos finalizar a campanha com mil bolas, e conseguimos fazer mil saquinhos de bala, pipoca, pirulito que foi entregue. (Ubirajara – CEACDL). Na hora que eu liguei, que a gente vai com o Papai Noel, a gente vai com bola, saquinho de bala, pipoca, pirulito, aquelas coisas todas e o alimento a gente leva pra instituição, e, chegando lá, a gente não esquece nunca disso; na hora que nós chegamos uma enfermeira falou assim: “Aqui, faz o seguinte, vem primeiro nesse quarto aqui, porque esse menino nem dormiu, porque nós avisamos que Papai Noel vinha, ele tá numa euforia, numa alegria, tão doido querendo o Papai Noel, “Cadê o Papai Noel?”Ele tinha nove (9) anos. Então, a gente falou:” então vamos lá!”Ai nós chegamos, nós levamos a bola, nós levamos o saquinho, mas na hora que ele viu o Papai Noel, a alegria dele foi tão grande que ele largou a bola e largou o saquinho, ele queria o Papai Noel, a alegria dele era o Papai Noel, todo mundo ficou encantado com aquela alegria, desse menino, com o Papai Noel. E assim, fizemos a visita, saímos e fomos visitar as outras alas; ele tava numa ala, ele tava todo entubadinho, cheio de soro, com a mangueirinha enfiada e tal, e assim foi, fomos visitar outra ala, na hora que a gente acabou a visita e que a gente tava indo embora, a enfermeira chamou a gente, ela me chamou e falou assim: “fala com o pessoal que ele estava só esperando o Papai Noel chegar.” Ele faleceu. E naquele instante, houve aquele aperto, não é, o coração da gente aperta, dá uma tristeza, mas ao mesmo tempo, vem aquela coisa, aquele esclarecimento, que eu falei com todo mundo, a gente foi para a capela, fizemos uma oração pra ele; eu falei com eles: “vamos agradecer à Deus, pela oportunidade que ele está nós dando; sabe por quê? Porque nesse momento final da vida dele de sofrimento, entubado, sofrendo do jeito que ele tava, esse menino foi um exemplo pra nós.” (Ubirajara – CEACDL). 162 TUEDLUZ – Tenda de Umbanda Esotérica Divina Luz Para contar o surgimento da TUEDLUZ, a gente tem que voltar um pouco mais no tempo. A mamãe, a Mãe Tina, que foi a fundadora da TUEDLUZ ela sempre foi uma pessoa religiosa, viemos de berço católico, ela casou-se e meu pai veio a falecer com três meses de casada, aí ela ficou um pouco perdida e conheceu a doutrina espírita mais ou menos no começo da década de setenta (1970) e veio a conhecer a Umbanda um pouco mais tarde, por volta de setenta e dois (1972), setenta e três (1973) por aí, quando nós conhecemos a União da Mocidade Espírita Antônio Loreto Flores que era um terreiro de Umbanda que existia ali na, perto da Antônio Carlos; ai nós ingressamos nesse terreiro, ela inicialmente, depois em seguida eu. (Mãe Andréia – TUEDLUZ). Até que viemos conhecer a Umbanda esotérica, através da Mãe Marilene, ainda na década de setenta (1970), mas, já no finalzinho dessa década. Então, nós iniciamos na Umbanda esotérica e quando a Mãe Marilene fechou o Terreiro por motivo de mudanças para os Estados Unidos, não é, ela passou a ordem pra Mãe Tina de constituir a casa dela. (Mãe Andréia – TUEDLUZ). Em 1981 nós fundamos a TUEDLUZ. Quer dizer, antes disso, nós já fazíamos reuniões na casa de um, na nossa residência, na residência de amigos e fomos começando um grupo. [...] Assim a gente montou um grupo na rua Guarani onde residíamos. Depois nós alugamos um barracão que estava ainda em término de construção. A senhora lá cedeu pra gente, a gente ia acabar de construir o imóvel e ela cedeu. Inicialmente quando a TUEDLUZ foi fundada era de aluguel e foi feito um contrato. Esse contrato de comodato que a proprietária fez conosco durou cinco anos e assim que terminou o contrato ela pediu o imóvel. A partir daí foi um sufoco porque pegou a gente de surpresa e o centro já tinha toda uma estrutura pra realizar os nossos trabalhos, os nossos atendimentos, a TUEDLUZ já era conhecida na região. No entanto, nós fomos obrigados a sair porque ela tinha esse direito. Atendemos algumas vezes aqui em casa, nessa garagem, aqui, onde nós estamos; até que a gente recebeu o convite pra ficar no galpão, era no fundo de uma residência, na rua de cima da TUEDLUZ na época era rua São Francisco, agora não sei se é Euvídio Prisco. Aquela de cima, ou é Gustavo Capanema. Nós ficamos mais ou menos um ano e oito meses, um ano e dez meses, mais ou menos. Mas, a gente já sabia que era um prazo pequeno, que era de no máximo de assim... ele tinha falado em torno de um ano e a gente acabou ficando quase dois anos. Eles também pediram o imóvel, eles tinham as necessidades deles. Nós quase fechamos a TUEDLUZ, a TUEDLUZ quase acabou. Um dia de muito desespero, de muito pranto a gente recebeu a visita do tio dos proprietários do atual local onde hoje é a TUEDLUZ. Então, ele falou que os sobrinhos dele estavam querendo vender o lote e que ele havia conversado e feito uma proposta pra eles: a gente ir pagava aos poucos, construía, depois a gente ia arrecadando fundos. E assim nós fizemos. (Mãe Andréia – TUEDLUZ). 163 Muita coisa interessante a gente passou, não é, é... tem aqui as fotos da gente construindo o ambiente. Oh, pegando mesmo na enxada. Isso aí foi quando começou a construir a sede. Olha, lá era só lote mesmo. Era virgem, era só lote, aí nós cavamos, levantamos algumas paredes, nós mesmos levantamos; eu e minha mãe nunca mexemos com alvenaria (leve riso), mas na hora lá, “vão que vão, vão fazer!”, tem algumas paredes lá que eram tortas agora já nem existem mais essas paredes, graças à Deus! Muita doação de tijolo refugado, que é tijolo com pequeno defeito, às vezes é meio tijolo, então, a gente ganhava caminhões e caminhões e, assim, a gente foi construindo, isso aqui tudo é a gente fazendo essa, essa segunda parte. Então, a casa passou a reerguer, passou por uma série de reformas, já ampliou. Hoje nós já temos um prédio de dois pavimentos, vários departamentos funcionando. Antes era basicamente a área do templo mesmo, era apenas a área de atendimento, agora temos a área de assistência, os vestiários uma cozinha e os banheiros e a tronqueira que é fundamental a toda casa. Então, hoje nós temos esse espaço maior e mais as salas de tratamento, e também o salão de festa. (Mãe Andréia - TUEDLUZ). Depois nós construímos esse ambulatório médico na frente. E a gente trabalhou um ano e pouco com atendimento médico gratuito, com distribuição de remédios, então nós tínhamos lá é: clínico geral, pediatra, tinha até alergista tinha, né, que vacinava as pessoas contra alergia e tudo, mas infelizmente a gente contar com isso é difícil, porque a carreira de médico é complicada, e aí por fim os médicos foram, uns foram viajando para o exterior, outros foram arrumado plantões mais difíceis, foram abandonando e a gente teve, então, que abrir mão desse desejo da mãe Tina. A Mãe Tina sempre teve uma vocação filantrópica muito grande, ela sempre pensava na TUEDLUZ como a Umbanda, mas também pensava na TUEDLUZ como uma instituição filantrópica, tanto que desde o começo ela fez questão de ser tudo registrado nos órgãos públicos direitinho, tem CNPJ próprio, tem Estatuto, o Estatuto versa inclusive sobre o imóvel, que não me pertence, não pertencia a Mãe Tina, pertence à Casa, não é, tem a destinação do imóvel caso a diretoria venha a decidir pelo fim da instituição, como que o imóvel toda a propriedade da TUEDLUZ será destinada, ou seja, não fica nada pra gente graças à Deus! E... aí do ambulatório, nós construímos, o segundo andar pra fazer o salão, não é, de festa que a gente já fazia uma série de eventos, que tudo isso aqui foi construído assim: com feijoada, com bingo, com festa junina, tudo assim. Algumas doações, em dinheiro e em produtos eram: caminhões de areia, caminhões de brita, caminhões de cimento que chegava, mão-de-obra; você pode vê que os próprios médiuns participavam, nós também, como eu disse, mamãe, eu, a gente calejou a mão aí! Então, assim que surgiu a TUEDLUZ. (Mãe Andréia – TUEDLUZ) Em dois mil e cinco (2005) a Mãe faleceu, Mãe Tina subitamente faleceu e a gente assumiu a casa, os membros na época... tivemos uma reunião, porque eu além de não ter a mãe de santo, eu não tinha a mãe também, então eu fiquei bastante abalada, sou filha única e a gente era muito unida, muito ligada, mamãe e eu; mas aí... passado a fase do susto do momento, nós tivemos uma 164 reunião de diretoria com os médiuns e eles pediram se eu podia dar prosseguimento e a gente entrou numa concordância que sim e, aí, nós fomos caminhando, graças à Deus! Hoje a casa permanece de pé, muito cheia, tem dia que a gente, faz atendimento até mais tarde. (Mãe Andréia – TUEDLUZ) Depois da partida da Mãe Tina muita coisa nova a gente veio trabalhando. É como as entidades falaram: “agora é uma nova etapa!” Então houve um tempo que a gente manteve como era, depois disso as entidades começaram a fazer pequenas mudanças, mudanças sutis, não é, como por exemplo: o retorno do atabaque, foi o Pai Roque que é o mentor da casa quem pediu, nós já usávamos o atabaque, usamos o atabaque numa ocasião na TUEDLUZ. [...], a gente voltou alguma coisa de africanismo a gente trouxe de volta, não é, desde que não venha ferir os princípios que norteiam o nosso princípio que é a Umbanda esotérica, que ela não tem esses ritos africanos, então ela não tem as vestimentas, os paramentos africanos, não é, a Umbanda esotérica não tem os rituais de matança que se realiza no candomblé [...] a única coisa que se trouxe foi essa parte musical que é o atabaque, com o atabaque veio a dança. Tanto a dança, quanto o atabaque são usados apenas nos rituais festivos. O Pai Roque não permitiu que se introduzisse nos trabalhos de atendimento porque nosso trabalho não é dessa forma, então, só mesmo quando a gente faz uma homenagem a um orixá ou algum ritual de iniciação é que a gente usa, na verdade além dele resgatar um pouco do africanismo, ele resgatou o quarto pilar da Umbanda que é o pilar da arte que não só engloba a música como outras partes que a gente pode dar uma conotação artística, como a própria grafia não deixa de ser uma parte da arte. Os outros três pilares seria a ciência, a filosofia e a religião todos esses pilares são citados nas obras do W.W da Matta e Silva e do Rivas Neto, [...]. E hoje mesmo, algumas pessoas quando a gente colocou o atabaque [...] e a dança [...] muitas pessoas falaram assim: “Então você vai transformar a casa num candomblé!” Como também quando a gente trouxe o passe magnético, o estudo do evangelho sistematizado muita gente falou que a gente ia transformar a TUEDLUZ em kardecismo. Então, não é esse o objetivo, tanto é que os trabalhos permanecem iguais, a gente aprende coisas com outras pessoas, com outros segmentos e outros chefes de religiões e aquilo que é interessante pra gente colocar na casa, que a gente acha que vai favorecer, não só a parte religiosa mas a parte moral também, não só do grupo como da assistência, a gente insere no trabalho, mas sempre permanecendo, sempre preocupando em não desvirtuar o que a gente aprendeu ou o que é básico nosso. (Mãe Andréia – TUEDLUZ). Os tratamentos espirituais acontecem em algumas sextas-feiras. Porque a sexta-feira, ela é intercalada, uma sexta-feira é aberta ao público, na sexta-feira seguinte, ela é fechada. Na sextafeira que a reunião é fechada é onde acontecem esses trabalhos: dos cristais, do trabalho de passe e, alguns trabalhos com entidades que são direcionados para esse dia também. Nesse dia a casa funciona, o corpo mediúnico no todo, então, pode acontecer trabalho que a entidade agendou, 165 como trabalho de passe magnético, como trabalho de cromoterapia, dos cristais e também acontece o desenvolvimento mediúnico, também nessa sexta-feira que é fechada. (Pai GilTUEDLUZ). A Umbanda esotérica é um segmento que guarda, que cultua a influência ameríndia e africana, como os outros seguimentos de Umbanda, mas que junto com isso, preserva essa raiz, esse conhecimento milenar, que é o conhecimento egípcio, que é o conhecimento dessa parte asiática. A Umbanda esotérica é mais ligada à cultura asiática, porque a gente preserva essa questão da astrologia, essa questão da influência numérica, astrológica do sol em relação aos signos, então isso, pra gente é uma coisa muito importante, e uma ferramenta desprezadas pelos outros segmentos de Umbanda. É o conhecimento que ficou perdido e que tem uma influência porque nós vivemos, hoje, o nosso calendário é romano, a nossa influência lunar, a gente segue tudo, através desse princípio e é uma cultura muito rica, porque é a cultura mais antiga: a milenar. Então, a Umbanda esotérica, ela traz essa raiz, ela não dispensou porque houve um tempo que esses povos eram unidos, então todos esses conhecimentos eram. Eram unificados numa só religião, quando houve essa fusão, essa separação, então cada um levou um desses troncos, não é, e permaneceu fechado dentro desse conhecimento. Então esse fio esotérico, essa raiz que é a Umbanda esotérica, ela procura resgatar dentro do possível a parte dessa cultura que foi separada numa determinada época, numa determinada transformação do tempo da formação da humanidade, então o esoterismo da Umbanda ele se apóia trazendo essa cultura, essa influência pra nós, ela é muito importante; por isso, nossos pontos riscados são diferentes, a nossa forma de trabalho, as nossas cores de identificação, todas são diferenciadas porque elas são apoiadas nessa questão esotérica da Umbanda. Nós temos um trabalho aqui na casa que nós falamos que é um trabalho de genoterapia que é feito através de uma ferramenta que é própria e única da Umbanda esotérica, que nós conhecemos como neumas, então é um aparelho tá, ele é construído em madeira e ali através daquele aparelho nós trabalhamos com a força dos cristais também, esse trabalho ele é específico para saúde, energias de saúde, tanto física, quanto mental e espiritual. A gente trabalha os três corpos porque o corpo físico manifesta o que o mental somatiza e o que o espiritual atraí; então a gente tem que fazer o processo pra um refletir no outro. [...] Aqui tem a sala do passe onde é feito todo o trabalho de passe magnético, terapia, cromoterapia que é feito com as luzes. (Pai Gil- TUEDLUZ). A camarinha não é necessariamente aquele modelo de camarinha que a gente tem nas casas de nação, mais é...uma sala onde um médium para ser iniciado, pra passar pelos rituais de iniciação, ele tem que fazer um recolhimento de no mínimo setenta e duas horas, então aqui são feitas oferendas e tal; então tem as pessoas que podem entrar para cuidar, na ocasião certa, isso tudo é forrado com as cores específicas pra fazer a mesa do orixá, todos os móveis são retirados, fica apenas uma esteira. (Pai Gil – TUEDLUZ). 166 Para o iniciado realmente escutar o interior dele, e escutar as energias que vão tá presente ali. Então assim, não tem a mesma característica da camarinha que tem no candomblé que ali mata bicho, corta aqui, vira o sangue do bicho na cabeça da pessoa e amarra o pano, não tem nada disso. Ali ele tá preparando uma das obrigações, é essa que ele tá fazendo, não é, preparando o banho que ele mesmo vai tomar, então ele mesmo prepara, dorme no chão, dorme na esteira, pra quê? Pra demonstrar o sacrifício pra ele vê que o negócio não é fácil não. Que o povo acha, a gente fala muito, que ser umbandista é você por a roupa branca e trabalhar. É igual eu mencionei pra você, quando a gente constituiu a escola de médiuns, muita gente caiu fora, falou: “eu não, eu vou ter que estudar, não, eu não tô aqui pra isso não!” Então, é pra gente mostrar que a Umbanda não é só eu por a roupinha branca, não é só ser chamado de médium, não é só ser chamado de Pai-de-santo. Umbanda é sacrifício, é trabalho, é dedicação. (Mãe Andréia TUEDLUZ). Como pai de santo eu tenho tudo que tem lá no Peji, então aqui é um peji, eu já tenho o fundamento de uma casa, então com essa cruz que é igual a do peji, com essa tábua que é minhas ordens de trabalho, então, é fundamento de terreiro, aí eu tendo um espaço eu posso montar o meu terreiro, montar o meu peji, e as imagens pela questão sincrética é... opção, se eu quiser eu não preciso ter, mas as grafias eu tenho que ter. [...] Ah!! O meu jogo de búzios fica na minha casa, porque eu já tenho autorização pra poder jogar, a mãe mantém o dela aqui no terreiro. Aí as guias são assim oh! Essa é a guia de sete linhas, então ela vem uma pedra, uma pedra de cada orixá e na ponta grafada, as grafias cabalísticas aqui. Essa é a guia de orixá de confirmação, então, quando o médium ainda, ainda é menor, ele tem o crucifixo de metal, depois que passa a ser pai-de-santo, ai ele vem com a cruz que a gente fala triangulada, então vem as grafias aqui e o triângulo com a cruz centrada e essa é a guia máxima, é a guia de chefe de terreiro e é a guia de água marinha, então, essa guia a gente usa em dia de ritual, então quem tem essa guia aqui é só eu e a mãe Andréia, é a guia do chefe de terreiro mesmo, do pai-de-santo. A gente joga com nove búzios e dentro daquela tábua com as grafias. No candomblé o jogo de búzios são dezesseis búzios, às vezes, jogam numa toalha cercada de guias. (Pai Gil – TUEDLUZ). A Umbanda esotérica vem do Rio, do Pai da Matta, de Itacurussá. Itacurussá é uma cidadezinha praiana do Rio de Janeiro. Então, ele foi recebendo os ensinamentos do Pai Guiné que era o mentor dele. Ele, Pai da Matta, iniciou na umbanda popular, nós também iniciamos na umbanda popular, até que conhecemos a umbanda esotérica. Então na década de sessenta (1960) começo da década de setenta (1970), ele recebeu os ensinamentos do Pai Guiné que tornou esse segmento da Umbanda um pouco diferente dos demais ritos justamente por causa dessa diferenciação do africanismo, não é [...]. Então, nasceu com o Pai da Matta e na década de setenta (1970) nós tivemos contato com essa doutrina que a gente abraçou e vem trazendo, né, até hoje graças à Deus! (Mãe Andréia – TUEDLUZ). 167 Depois esse comando passou pra São Paulo porque passou pro Rivas Neto que era um iniciado mais velho do Pai da Matta; porque na hierarquia da Umbanda esotérica como na do candomblé, o filho mais velho no santo, na iniciação, recebe o comando. Então, o Pai da Matta passou pra ele o comando, por isso, expandiu-se em São Paulo [...]. Rivas Neto fundou a „Escola Iniciática do Cruzeiro Divino‟ que é presidida por ele, o filho mais velho do Pai da Matta. (Pai Gil – TUEDLUZ). A mãe Marilene ela foi consagrada pelo Pai da Matta, no caso ela é irmã de santo, santé que a gente fala, Pai da Matta falava santé. Então Mãe Marilene é irmã de santé de Rivas Neto. E... a Mãe Marilene era filha do pai da Matta, Mãe Tina filha de Mãe Marilene. Mãe Marilene é... avó da Mãe Andréia. É nossa avó de santé. Mãe Marilene foi embora do Brasil, passou o comando pra Mãe Tina e o Pai da Matta veio fazer a consagração e confirmar a passagem desse comando que foi aquela cruz, as obras de trabalhos, entendeu, como eu recebi das mãos da Mãe Andréia; Mãe Tina veio me preparando, mas não deu tempo, aí a Andréia completou o ciclo, né. Me entregou. Um dia eu vou tá entregando isso pra mais alguém. Um dia eu vou tá entregando também uma cruz e uma tábua dessa pra um filho meu, pra ele dá continuidade. (Pai Gil – TUEDLUZ). Inicialmente, ela abraçou a Umbanda pela dor, não é, foi onde ela foi buscar alento pra dor da perda do marido, mas depois ela abraçou a Umbanda esotérica por amor e em cima desse amor ela construiu toda a nossa história [...]. Graças à Deus é herança da Mãe Tina! Foi herança dela pra nós! (Mãe Andréia - TUEDLUZ). Partes gerais das entrevistas: Ogum, ele é um soldado, ele vem como general, como tem aquela pessoa que vai comandar, todos os outros vamos dizer assim, entre aspas, que os outros são „subordinados‟, então, ele vem pra defender, vem abrir os caminhos, “deixa olhar para ver se o caminho está todo limpo, se está tudo ok. se não tiver eu vou limpar para que as outras venham, cada uma fazendo seu trabalho”. [...]. A bem da verdade, o primeiro que vem limpar tudo são os exus, é aquele que faz limpeza, que toma conta mesmo, do terreiro desde lá de fora, até aqui para dentro. Então, a gente começa a primeira limpeza do mês com os exus pra gente abrir os caminhos.... Aí vem Ogum... E aí vem...seguidamente Iemanjá dona das águas, que muita gente fala que ajuda na saúde, no amor, dependendo da linha que ela vem, seguindo vem Iansã, Oxum. (Anamir - TUPJA). Xangô é justiça, viu, vem cobrar, mesmo! O pessoal que precisa, esses negócios que estão em juízo, essas coisas, a gente pede a ele para ajudar essas pessoas. (D. Leonor – TUPJA). E Oxalá maior, sincretismo com Jesus Cristo que tá aí para iluminar a todos! (Anamir - TUPJA). 168 A gente fala muito, muito, muito, são dos pretos-velhos que quase como se fossem psicólogos, são aqueles que as pessoas procuram para orientar; médicos também, dão receitinhas, são mais para esse lado. Os meninos de angola que nós chamamos de menino de angola, na Umbanda, Cosme e Damião que é um de seus representantes: a alegria, o discernimento, a tranqüilidade, o não preocupar, dá um pouco de refresco; os caboclos que são representantes da natureza, a relação nossa com a natureza, de proteção as matas e tudo. No caso do caboclo, pode ser considerado aquele pai que está ali para aconselhar: “mas... opa!” De falar mais duro. E junto a eles todas as linhas todas as falanges umas ajudando as outras. (Anamir - TUPJA). Eu entendo assim, que a gente está bem perto do que representa o povo porque a nossa religião ela está de uma certa forma representando os escravos, os índios, e o Brasil é praticamente feito de escravos e de índios; os outros vieram e misturaram. Embora vieram europeus, os portugueses, os asiáticos, os japoneses, etc. etc... A origem e a noção dos índios e depois dos negros formaram a maioria. Então, eu acho que a Umbanda está representando exatamente isso, nós somos o povo brasileiro sim, a Umbanda representa o povo brasileiro sim. (Anamir TUPJA). Transe/Primeiro relato: Eu acredito que você esteja perguntando do momento em que a gente está lúcido até o momento que você deixou-se incorporar por uma entidade. Esse trabalho é um trabalho de concentração, a partir da evolução mental e de estudo que a gente tem e busca, há a entrega completa de seu corpo e da sua mente, mas com a reserva de que você é dono daquele corpo, daquela matéria, então você entrega mas consciente. Você vai sentir os fluidos e a entrega é proporcional ao seu desenvolvimento mental. Agora, eu não viro um outro ser, sou eu mesma, mas a gente desenvolve a mediunidade auditiva a mediunidade visual, que você acaba ouvindo o que eles querem que você diga, vendo, muitas vezes, você consegue ver também o que está acompanhando aquela pessoa qual espírito a aura daquela pessoa como esta! E o sentir também, a sensação, porque a pessoa chega para você um pouco carregada e você desenvolve a sensação. Então, para você desenvolver isso tudo não é: “opa hoje eu já sei o que tá acontecendo! Não”. Existe todo um processo de estudo, de freqüentar, de ouvir, de entender, de aprender, de se entregar: aí tem que haver a entrega, sem a entrega você não consegue o transe. Então tem que haver a entrega: “eu estou entregue o que vier eu estou aceitando” e quem está de fora é que vai saber, o que você aceitou se pode ficar aqui nesse terreiro ou não porque em cada lugar existe a passagem de um espírito. (Anamir - TUPJA). Transe/Segundo relato: O transe é uma questão muito complicada e origina uma curiosidade muito grande. As entidades tem uma forma de aproximar: primeiro ela emite fluidos, depois ela se aproxima, depois ela se irradia, depois ela envolve o médium, até que ela tenha condição de se manifestar. Esse é um 169 processo que nós chamamos de cinco fases, e é justamente esse processo que é a parte prática do desenvolvimento mediúnico; a pessoa tem que desenvolver essa condição para que a manifestação se dê. A incorporação ela se faz da seguinte forma: através desses envolvimentos e a entidade ela atua diretamente no psíquico do médium, nós ficamos num estado de consciência alterado: a sua visão, a sua fala, a sua audição, a sua coordenação motora, elas estão em plena atividade, mas a sua consciência do seu eu, naquele momento, você não tá operante, você tá fora de área e o espírito atuante é que está ali usando essa ferramenta, esse material humano para se comunicar e fazer o trabalho dele. Então, na verdade, o que as pessoas entendem, muitas vezes, acham que se não for inconsciência a incorporação não aconteceu; é o estado de consciência que se altera. Então, você não é dono das suas palavras, naquele momento porque muitas vezes, na maioria delas, você não tem conhecimento do que vai ser dito durante o tempo da incorporação a gente permanece no estado de consciência totalmente alterado. (Pai Gil - TUEDLUZ). Transe/Terceiro relato: Varia de pessoa para pessoa, tem pessoas que não tem transe quase nenhum e algumas pessoas já tem o transe total; eu às vezes, até falo que você não tem que ficar totalmente inconsciente, porque você vai dar oportunidade a outras energias. Eu me entrego e a minha entidade é que vai agir e o que ela achar o que eu devo ou que eu possa saber que fique pra mim, você entendeu! Mas eu não vou me preocupar. Não é por aí não; não que você não vai ficar em transe completo; você fica! Mas assim, eu posso até lembrar de você: “Ah, eu conversei com o seu exu”, principalmente quando são muitas pessoas, posso até me lembrar e tal, mas fica aquela coisa vaga na minha cabeça, será que...? É até muito perigoso o médium assim, totalmente inconsciente, principalmente médiuns que fazem transporte, médiuns que fazem a desobsessão, então, isso é muito importante, que você não deixe que qualquer energia tome totalmente a sua mente para que você possa ter um certo domínio. (Mãe Teresa - CBPC). Transe/Quarto relato: O entendimento da incorporação, é muito mal divulgada, pois, a maioria das vezes, as pessoas entendem o seguinte: „vai sair o espírito de um corpo vai entrar outro‟. Não é assim que acontece. Até aquela parte: „dois corpos não ocupam o mesmo espaço‟, então, por isso, o trabalho do desenvolvimento mediúnico, exige uma conciliação do mentor espiritual, junto ao corpo, a matéria e junto ao espírito do médium, para que ele dê aquela autorização para a manifestação. Essa idéia do Ghost, que é a idéia de incorporação que as pessoas tem é a seguinte: „saiu minha alma entrou outra‟; não é assim que funciona! Nunca o espírito do médium vai abandonar completamente a sua matéria, vai! Apenas na hora em que terminar a sua missão. (Ubirajara - CEACDL). Para mim, ser umbandista é ter o contato ou não perder o contato com aqueles que iniciaram essa religião no Brasil, que foram os nossos ancestrais que os brancos trouxeram para cá, apesar de 170 que a Umbanda mesmo é brasileira, é uma religião brasileira, mas ela tem um elo com a África que é um elo muito maravilhoso! Então ser umbandista é como dizer para você assim: “eu sou africana, eu sou descendente de africano!” Isso é muito bom! É como se eu tivesse uma ligação ainda com a África através da minha religião, eu tenho uma ligação com a África. (Míriam – TUPJA). Eu não sei se você viu, se você estudou isso, a Umbanda foi muito perseguida no passado a gente tinha que ter o registro; a TUEDLUZ não chegou nesse ponto, quando a TUEDLUZ foi registrada já era no cartório de pessoas jurídicas, mas pouco antes, poucos anos antes o registro de terreiros de Umbanda era na delegacia de polícia, na mesma vara, no mesmo setor onde se registravam casas de prostituição, bares, zonas e boemias, a gente era classificado no mesmo grupo. A Umbanda passou por uma fase muito difícil, polícia entrava, destruía o terreiro inteiro, infelizmente a Umbanda passou por isso. (Mãe Andréia – TUEDLUZ). Lá na casa do Pai Henrique tem umas médiuns mais velhas, não é, elas assim... conversando: “você lembra quando todo mês pra gente tocar a sessão a gente tinha que ir lá na delegacia pegar o alvará! Tinha que ir lá na delegacia pegar a autorização!”... Isso elas contam essa história, todo mês tinham que buscar autorização pra poder tocar a sessão, muitas vezes, tinham que parar os atabaques e os cantos. A cultura popular traz muitas coisas que não tem uma raiz, não tem uma composição, por exemplo: as curimbas; não existe um autor, elas são de todos. No meio dessas curimbas que é de todos, aparecem muitas coisas que a gente não sabe de onde é que veio também, por isso, têm cantos da linha de exu que os consideram malandros, viciados, cafetinas, prostitutas. Então, se a polícia chegasse fechava o terreiro. Gira de exu, elas contam, tinha que ser no escuro, com luz apagada, lá no alto da madrugada, não era aberto ao público e era uma coisa muito restrita, justamente por causa desse preconceito que era muito grande. (Pai Gil – TUEDLUZ). [...] a gente também precisa de um ambiente natural, mas a gente não acha mais! Caçar um lugar apropriado, mais distante obviamente. Aí, você tem que deslocar com mais tempo, você sair daqui. Chegar do serviço, sair daqui, deslocar pra lá, depois voltar e tudo mais, dia de semana pra gente que trabalha é difícil! [...] riacho a gente já desistiu, quando a gente procura assim, é mata. Então, isso [...] é uma coisa que choca muito a gente, porque hoje infelizmente a gente tá sem espaço mesmo pra praticar na natureza. (Mãe Andréia - TUEDLUZ). Os próprios médiuns que estão na Umbanda tem vergonha de dizer há que ele veio, há que ele está aqui, não é. Nós passamos um final de ano no Rio, então assim, é anos luz de diferença da Umbanda ou do Candomblé daqui de Minas. Porque você vai no Rio, de manhã cedo o pessoal já tá indo para a praia pegando ônibus comum, tudo vestido de santo, batendo o atabaque, com as 171 flores na mão, andando na rua normal, sabe, normal! [...]. Agora aqui não! Se você encontrar alguém na rua e te perguntar se você tá indo para festa de Iemanjá, você fala que vai para qualquer lugar: “estou indo na lagoa, não estou indo para festa de Iemanjá, não. Estou indo para a lagoa!” E os próprios médiuns não assumem [...]. Então é preciso abraçar a Umbanda. Eu não estou dizendo que você precisa afrontar ninguém, mas Assumir! Não preciso afrontar ninguém, mas também não preciso sentir menor do que ninguém, eu tenho uma religião como outra qualquer, um credo como outro qualquer! (Míriam – TUPJA). As entidades são o principal sustentáculo, o principal caminho, a ferramenta de trabalho na Umbanda, é o carro chefe! Um terreiro de Umbanda não é um terreiro se não tivermos as entidades presentes. [...]. Os pretos-velhos trabalham mais nessa questão de fazer as pessoas entenderem que existe um caminho, que precisamos evoluir. São espíritos que não precisavam mais, hoje, na sua grandeza, no seu grau de evolução, de assumir essa roupagem fluídica, mas assim o fazem, pra mostrar justamente, que apesar de tudo, temos que ter humildade, sem essa humildade: não no sentido da pobreza, de aceitar ser humilhado; mas, a humildade de saber que somos aprendizes, [...] a principal tarefa dos pretos-velhos dentro do terreiro, ao meu ver, seria essa:„ensinar a gente a ser humilde pra poder crescer‟. Eles trabalham também com a questão da saúde, da dispersão de energias e o equilíbrio. Os caboclos já são entidades que trazem, assim, o espírito na sua forma mais produtiva, mais forte, mais viril, fazem o trabalho mais ligado a questão do equilíbrio físico, mental e espiritual, [...] são entidades, com uma forma de comunicação mais rude, mais seca, falam muito pouco, às vezes, falam um pouco embolado, [...] são entidades que ensinam também que é a gente que tem que ter força, e ter coragem. [...]. São espíritos que se manifestam da forma indígena, [...] trazendo muito a força da natureza [...]. Os Meninos de Angola [...] são espíritos que se manifestam mostrando pra gente os dois lados, são gêmeos, é uma energia dúbia, então, eles trazem o seu lado positivo e seu lado negativo, mas no sentido assim, o seu lado que está ativo crescendo e seu lado que precisa crescer. São entidades que vem com uma forma de trabalho muito diferente, são brincalhonas, conversam embolado [...], às vezes, conversa mais certo, [...] mas naquela brincadeira, parece que está fazendo hora, parece que está distraído olhando pro tempo, [...] é a força que se manifesta através das crianças, [...] e mostram pra gente que, como a criança vai crescer, vai florescer, mas pra gente chegar a algum lugar a gente precisa aprender a caminhar [...]. E os exus que nós chamamos de nossos guardiões, [...] são as entidades que estão mais próximas de todos nós e entendem com maior facilidade as nossas necessidades humanas, e por isso, é muito comum direcionarmos aos exus aquelas questões sentimentais, financeiras, e principalmente de energias pesadas que a gente vai adquirindo, a gente vai pegando pelos nossos caminhos à fora, pela questão nossa mesmo, das nossas imperfeições que a gente movimenta, nós temos nossos porões, então de vez em quando a gente deixa isso vir a tona, do nosso dia-a-dia, da nossa rotina, da competitividade, mercado de trabalho, questão sentimental, do nosso gênio, de nossa índole, tudo isso! [...] porque o exu não te adula como um preto-velho, ou não te ensina a ter força e coragem como um caboclo, ou não 172 leva de uma forma alegre como uma criança; ele fala na sua cara o que você precisa de ouvir: “Olha você tá assim, porque você tá contribuindo pra isso, então, muda isso que você vai vê o resultado aqui, eu posso te ajudar até aqui, mas daqui pra frente é você que tem que fazer a sua parte!”[...]. Então, na síntese, todos eles vem trazendo essa questão: precisamos da humildade, da força, da coragem e precisamos entender que o caminho tem que ser caminhado passo a passo pra gente poder crescer. (Pai Gil – TUEDLUZ). [...] ela (a Tenda) virou Porto Seguro, não só para as pessoas que já estão acostumadas a freqüentar o terreiro, mas também para as pessoas que vem de fora, sentem uma certa segurança, uma certa paz, um refúgio, às vezes, para fugir um pouco dos problemas. E também com relação a gente mesmo que freqüenta assiduamente, porque a vida é tão turbulenta, que há momentos em que eu quero fugir, vou pro terreiro! Então, virou assim um Porto Seguro, um ponto de apoio espiritual, casa espiritual, [...]. (Anamir –TUPJA). Em primeiro lugar, você começa a valorizar tudo que você vê aqui dentro e depois você começa a valorizar a força e a coragem que a Umbanda prega, [...] a luta, o sacrifício. A gente começa a aprender a amar mesmo a casa; você começa defender a casa, porque você começa a se sentir parte dela; então, cada chão que você vai ajudar a limpar, cada parede que você vai ajudar a pintar, cada janela que você tem o cuidado de fechar na hora de ir embora; a luz que você não deixa acessa, a despesa que você ajuda a manter, tudo isso, são questões que a gente vai aprendendo: a ter o zelo, a ter o amor pela casa. (Pai Gil – TUEDLUZ). Aí, também eu trabalhei dentro de casa, depois é que eu construí esse centro, com a ajuda do povo, o povo que me ajudou a construir eu não tinha nada; foram... muitos anos de trabalho! (D. Leonor- TUPJA). Era um quartinho dentro de casa, um espaço para ser centro. Mas assim, vivia lotado!!!! Porque eu atendia no sábado, o dia todo e não tinha tempo de almoçar para atender, só tinha o sábado para atender. (Míriam - TUPJA). Eu registrei a Associação de Pai Caetano em noventa e cinco, mas eu já tocava aqui, a gente tem até hoje, lá dentro, lá. Hoje a gente guarda as coisas lá, é um comodozinho pequenininho onde era meu altar e tal e a gente fazia a sessão no terreiro, debaixo da área do meu irmão, e ai eu tinha uma freqüência de gente, o povo vinha, vinha muita gente pra tomar passe [...]. (Mãe Teresa - CBPC) Então, em 1981 nós fundamos a TUEDLUZ. Quer dizer, antes disso, nós já fazíamos reuniões na casa de um, na nossa residência, na residência de amigos e fomos começando um grupo. Até 173 que a gente falou assim: “não, então agora já é hora de termos a nossa casa!”. (Mãe Andréia TUEDLUZ). Nós tínhamos um centro na nossa casa, [...] era pequenininho lá no fundo da nossa casa, nós tínhamos três, quatro médiuns, só, lá assim. Então, quando nós, tivemos que vender a casa, e a gente não arranjava lugar para alugar, para fazermos o nosso centro. [...] Aí o meu padrinho caiu e fraturou o crânio. Como nós estávamos com o centro fechado, ele pediu o Bira pra tomar conta do centro. (D. Iara – CEACDL). A Umbanda exige muito, acender umas velinhas para eles na segunda feira que é dos pretosvelhos, fazer essas coisas, buscar a obrigação. Eu primeiro venho aqui [...] já rezo, faço as obrigações; daqui vou para dentro fazer as outras coisas, aí quando dá meio-dia eu estou aqui de novo, acendo as velas dos escoras para eu poder trabalhar, porque também não pode, você trabalhar sem tá acesso na porta. (D. Leonor – TUPJA). A gente não pode ter relação sexual no dia anterior e no dia do trabalho de forma nenhuma. Se acontecer no dia anterior é até aceitável, mas no dia do trabalho não pode, tem que evitar. (Pai Gil – TUEDLUZ). A Umbanda no Brasil, de acordo com a informação literária que nós temos, ela surgiu através de Zélio Fernandino de Morais. Ele era um médium, ou seja, ele tinha a condição, a capacidade mediúnica. Na sua adolescência era uma pessoa muito doente, teve uma época que ele ficou acamado e foi até desenganado, os médicos não conseguiam detectar o problema físico dele. Um belo dia, ele levantou da cama, manifestado de um espírito/entidade que falou que iria se apresentar no dia seguinte às vinte horas e que dali nasceria um culto, um novo caminho. No dia seguinte às vinte horas essa entidade se manifestou, falou que era um caboclo e que abriria os caminhos para essa nova religião que se chamaria umbanda: uma religião que daria aos pobres e oprimidos a oportunidade e acesso ao crescimento das coisas espirituais. A entidade determinou que essas reuniões manifestariam os pretos-velhos, os caboclos, ou seja, entidades que não tinham oportunidades nas mesas espíritas para atender aos necessitados que também não eram recebidos nas casas que até então eram muito elitizadas e assim iniciou-se e essas casas foram fundadas. Foi dado a cada um dos presentes a responsabilidade do fundamento de uma tenda e essas tendas foram fundadas a partir desse dia, muitas delas existem ainda hoje no Rio de Janeiro e de lá pra cá, outros terreiros surgiram e a religião foi se expandindo. (Pai Gil - TUEDLUZ). Foi em Niterói, no Rio de Janeiro, quem trouxe a Umbanda foi o Caboclo Sete (7) Encruzilhadas, a data eu não vou te precisar agora não, mas eu posso informar-lhe depois. A incorporação dessa entidade foi feita por um menino novo que estava com um problema de doença e parentes levaram ele no centro, que eles chamam de centro de mesa, aquela coisa toda. 174 Essa entidade se apresentou e as pessoas que estavam naquele meio, não deram permissão pra ela falar, porque achavam que aquilo era ridículo. Então, o menino saiu dali, foi e colocou uma rosa em cima da mesa. Entendeu; daí pra frente, aqui no Brasil que começou a Umbanda, foi lançada pelo Caboclo Sete (7) Encruzilhadas. Isso ai, você pode pegar na internet, tranquilamente. (Marcos - CEACDL) Porque a Umbanda chegou no século XIX, né, que chegou aqui no Brasil. (D. Leonor – TUPJA). Chegou antes, no período do descobrimento do Brasil, Século XVI por aí.... A formação da Umbanda, você quer ver, eu tive uma lição sobre isso há pouco tempo atrás eu não sabia quando ela surgiu, ela foi fundada aqui no Brasil pelo caboclo Sete (7) Encruzilhadas. Porém, na história do negro que era segregado, de querer manter a religião africana e ser obrigado a seguir o catolicismo e fazer aquele misticismo para poder conseguir manter a religião deles, então, a história perdeu um pouco nisso daí, em questão de data, em questão de tempo, você conseguir identificar exatamente datas se perde muito nesse período da escravidão do Brasil! Porque apesar do negro estar dando continuidade da religião, ele teve que fazer esse longo sincretismo com os santos católicos no altar, atrás do santo eles tinham as imagens dos orixás daquele bloco o orixá não podia aparecer. A Umbanda continua esse misticismo, você acha santo católico e acha orixás africanos dentro do próprio centro da Umbanda, no candomblé você não acha esse misticismo. Então hoje, você vê uma Iansã do jeito que ela era, um Oxossi do jeito que ele é. Mas a maioria você vê ainda um caboclo simbolizando Oxossi, você vê um soldado romano simbolizando Ogum. (Míriam - TUPJA). Talvez, como uma religiosa, eu até tivesse que saber isso, mas não tenho nenhum registro. (Mãe Teresa – CBPC). O meu pai-de-santo, em abril ele toca pra Oxossi, a maioria dos candomblés tocam pra Oxossi em abril. Abril é considerado o mês de Ogum na Umbanda. O dia vinte e três é o dia de São Jorge; no Candomblé São Jorge também é uma qualidade de Oxossi. Então, a procissão que ele faz, ele faz com a imagem de São Jorge, mas canta pra Oxossi. Eu sempre gostei e participo de rezas, ele também gosta de rezas, de terços, ele sempre fala assim: “vamos nós dois na festa.” Então, eu ia sempre com ele rezando. Ele falava, reza três ave-marias e fala assim: “Salve São Jorge, salve Oxossi!” Eu falava: “Viva São Jorge guerreiro, salve senhor Ogum!” Ele falava assim: “Pára de ser marmoteira!”. A gente tem essas referências, por exemplo, dia vinte de janeiro, pra nós é dia de Oxossi que é dia de São Sebastião, que dentro da Umbanda se comemora o dia de Oxossi; e eu guardo essas datas e toco na minha casa, faço festa de Oxossi. Eu faço em janeiro, dia vinte e em abril eu toco pra Ogum que eu faço a feijoada de Ogum. (Mãe Teresa - CBPC). 175 O candomblé ele tem uma rigidez maior que a Umbanda; a Umbanda é diferente ela é mais ligth. Existe todo um ritual, uma preparação no candomblé para a pessoa ingressar, eles ficam fechados, fazem sacrifícios de animais. A Umbanda não tem isso não! Só que tem uma coisa, temos que ver os pontos positivos e negativos de cada segmento, tem uma coisa no candomblé que na Umbanda não tem: é o comprometimento dos médiuns! Os médiuns do candomblé eles são totalmente comprometidos, com a casa, com a mãe-de-santo, com os outros irmãos de santo, eles são uma elite fechada, uma irmandade e uma comunidade, é tanto que um terreiro, quando você vai na Bahia no terreiro do candomblé: a casa branca, a casa da mãe, vem a casa de não sei quem, é um bairro, e ai vão todos daquela comunidade, sabe, estão ali, cada um tem a sua responsabilidade, cada um sabe da sua responsabilidade. Então, eles tem os pontos positivos que a Umbanda não tem; o comprometimento com a religiosidade que a Umbanda não tem! (Míriam –TUPJA) O candomblé ele é muito profundo nas questões ritualísticas, ele traz uma raiz mais antiga do conhecimento africano, é uma religião que cultua a virtude humana, o crescimento espiritual exercita muito o outro lado. É muito responsável, muito sério em tudo que faz, mas é muito preso a princípios que hoje já não fazem parte das nossas necessidades de manutenção da fé. A Umbanda por ser uma religião mais nova, nascida no Brasil, genuinamente brasileira, traz uma abertura maior para o entendimento das máximas cristãs, a gente não estuda, não esmiúça o evangelho como a igreja faz, mas a gente se apóia nas máximas, nos mandamentos cristãos para que a religião se fortaleça e a Umbanda apesar de ter uma herança africana inegável, é uma religião brasileira, ela se entende brasileira, se aceita dessa forma e tem essa consciência. Essa herança africana é uma raiz muito importante, é uma pilar muito importante da Umbanda e esse pilar jamais vai ser tirado, mas, a Umbanda não tem, por exemplo, a necessidade do dialeto africano como o Candomblé traz, embora existam palavras no vocabulário umbandista que são de origem africana, mais diretamente do dialeto ioruba, porém não necessariamente uma conversação como tem no Candomblé. (Pai Gil – TUEDLUZ). Nós inclusive temos uma parcela de responsabilidade muito grande também na condução e na ajuda a esses irmãozinhos do plano espiritual, porque, eu vou dar um exemplozinho assim, eu gosto desses exemplos básicos que fica fácil de discernir: eu entro hoje numa empresa, estou trabalhando como caixa nessa empresa, o gerente da empresa fala comigo que eu posso só dar entrada no caixa às coisas que são de maior valor, as de menor valor eu posso até pegar eles pra mim, ou seja, os centavos eu não preciso contabilizar. É meu primeiro emprego, a primeira vez que eu chego, e me ensinam a trabalhar daquele jeito, então, eu estou aprendendo, eu não estou ali de má fé, eu estou aprendendo me ensinaram a trabalhar daquela forma. Aí, o quê que eu faço? Daqui um tempo, eu saio dessa empresa, ou melhor, nessa mesma empresa entra um outro gerente, um outro administrador, é a mesma empresa, só que aí, eu já estou habituado há o quê!? A pegar o dinheiro maior e entrar no caixa, os centavos eu não contabilizo, na hora esse gerente 176 vai chegar e vai falar assim: „mas isso aí que você tá fazendo é roubo!‟ Porque você não tá dando entrada no dinheiro que precisa, „mas eu aprendi dessa forma!‟ Então, olha a responsabilidade! Nós temos vários irmãozinhos no plano espiritual, que eles chegam na casa espírita precisando de ajuda, precisando de instrução, precisando de conhecimento. E quando eu chego numa casa e eles me ensinam que eu posso beber, fumar, matar um animal, pra reconhecer um trabalho, pra fazer um trabalho, é a mesma coisa d‟eu tá ensinando esse funcionário que começou, que não precisa guardar o centavos, que os centavos eles podem tirar por fora. Por isso, que a responsabilidade nossa de dividir uma casa, estarmos presentes no lado da vida espiritual, é também trazer o esclarecimento pra esses mesmos irmãozinhos menos esclarecidos, um irmãozinho de luz, ele tá num plano muito mais elevado do que o nosso, ele não tem necessidade de coisas materiais, não é, e a interpretação é muito falha, porque as pessoas levam as coisas até dentro dos ditos populares, àquelas pessoas que chegam num boteco, aí pedem uma cerveja, terminam de beber e joga no chão e falam assim: “essa aqui é pro santo”. Eu que não sou santo não vou beber no chão. Um santo nem beber vai! Quem que vai buscar esse tipo de bebida!? É quem precisa de ajuda, seria a mesma coisa deu jogar uma moeda no chão e falar assim:„pega aí mendigo!‟ Então, isso não é caridade. (Ubirajara – CEACDL). O kardecismo, ele tem uma cultura, uma visão, vamos dizer assim, muito elitizada da fé, não é. É uma influência européia muito grande e desde o surgimento do espiritismo, ele sempre foi conduzido por um caminho muito elitizado, o espiritismo ele passou a ser mais popularizado depois desse processo que ele veio para o Brasil. A vinda dessa matriz religiosa pro Brasil é que começou a popularizar a coisa, mas no seu início, a gente percebe através dos estudos, da leitura, o Kardecismo era uma coisa muito restrita a doutores e pessoas influentes da sociedade, ele acontecia de uma forma muito secreta pela própria restrição da época. As manifestações eram muito reservadas, elas foram muito conduzidas através de doutores espirituais. Mesmo hoje o espiritismo sendo mais popular, sendo mais acessível, ele ainda conserva um preconceito muito grande com relação à Umbanda, principalmente nas questões ritualísticas. A gente usa velas, defumadores, essências, elementos, muitas vezes, mais densos e a maioria dos espíritas, hoje isso já é uma coisa mais trabalhada dentro das casas espíritas, mas ainda não aceitam pretos-velhos, caboclos, meninos de angola, exus, como espíritos trabalhadores; eles entendem que essas entidades são espíritos atrasados, tanto que dentro das casas espíritas não é permitida a manifestação dos mesmos. Nós já ouvimos relatos de médiuns conceituados na doutrina espírita que recebem doutores, lordes ingleses que vem fazer trabalhos, palestras e que hoje já falam que a roupagem fluídica de determinadas entidades assumem dentro de determinada casa são de doutores e lordes, porque o médium não aceita essa entidade numa figura de um preto-velho. Na verdade, eu entendo isso particularmente como uma forma de “fazer a política da boa vizinhança”, porque ele mesmo, como médium, ele não se aceita, abrindo essa passagem para essa mina, porque se ele tiver realmente uma entidade que se manifesta na roupagem de um preto-velho, a entidade não vai se moldar à vontade do médium, vai ser preto-velho onde ela 177 estiver, assim, ele vai pedir licença mas não vai atuar ali com aquele irmão. Então, isso a meu ver, é uma forma da pessoa dizer, como diz aquele ditado: “eu sou um branco de alma negra”, mas na verdade ele não é, na verdade é uma forma dele ser simpático, digamos assim, como a gente vê em muitas manifestações. Tem casas kardecistas que hoje, já fazem esse trabalho de forma mais aberta e tem uma forma de receber a Umbanda, muito fraternal, muito amiga. Mas o trabalho deles ainda é assim bem dentro: “nós não somos umbandistas, nós somos espíritas e vamos continuar sendo espíritas”, a união sem acusar. (Pai Gil – TUEDLUZ). Olha, a Quimbanda, eu acho que é uma, uma magia diferente. Um diferencial bem grande do que eu conheço, não sei se é isso, é uma magia, vamos dizer que é uma magia negra que eles falam. Então, assim, eu não tenho nenhum conhecimento do fundamento da quimbanda, mas sei que ela tem festas, feituras, sei que é tudo muito escuro, com muito fogo, com muita pólvora e, muitas vezes, a figura de exu é associada ao diabo, sabe. (Mãe Teresa – CBPC). A Quimbanda, eu acho que ela veio antes da Umbanda, e misturou um pouco de feitiços e magias. A quimbanda mantém essas magias, esses feitiços sem estar no Candomblé. Seria para mim, uma religião de transição entre o Candomblé e a Umbanda. É tanto que ela está praticamente extinta, você não vê mais quimbanda, não é, os quimbandeiros, não tem! Ela foi realmente essa transição, essa ponte entre Candomblé e Umbanda, quer dizer meio termo e ela foi extinta com o tempo e as pessoas foram fazendo as escolhas. As pessoas, muitas vezes, confundem a quimbanda com magia negra, mas isso não procede, tá, quimbanda é quimbanda e magia negra é magia negra. O que acontece é o seguinte: a quimbanda usa magias, usa feitiços. Então, a Quimbanda é confundida com magia negra, porque ela usa esses feitiços que a Umbanda não usa. Quimbanda faz entrega, faz despachos, trabalham mais com os exus, por isso, essa confusão. Mas a Quimbanda também é para o bem. O quimbandeiro mesmo, ele não faz despacho para fazer mal para os outros, me refiro à quimbanda verdadeira! Como ela faz esses rituais que a Umbanda não faz, é confundida com magia negra, mas ela não é magia negra, ela não tem a finalidade de mexer com o mal. Apesar dela mexer com essas entidades, ela usa essas entidades para o bem não para o mal. (Míriam – TUPJA). A Quimbanda é um plano. Muita gente tem preconceito quando se diz quimbanda: “aquilo ali é um terreiro de quimbanda!”, “Então aquilo ali é uma coisa ruim”. A Quimbanda na verdade, ela é um plano onde habitam os exus, então a gente tem assim: os pretos-velhos habitam o plano de Aruanda, os caboclos habitam o plano ou reino de Humaitá, de Juremá e os exus habitam o plano da Quimbanda. Então a quimbanda é na verdade a faixa vibratória onde atuam os exus, eles são os espíritos que atuam nessa faixa e vêm na linha da Umbanda prestar o seu trabalho. Toda a energia que os exus movimentam é conduzida ao reino da quimbanda, ao plano da quimbanda, para ser trabalhada, é a força de atuação, é o campo onde eles atuam, onde eles permanecem quando não estão atuando dentro dos terreiros. Existe uma confusão entre Quimbanda e 178 kiumbanda. A kiumbanda é um plano de trabalho, é uma força de vibração, é uma energia habitada e trabalhada por kiumbas, aí sim, os kiumbas são espíritos que atuam na sub-crostas, são espíritos inferiores. Esses espíritos são os kiumbas, eles não tem a consciência da fronteira entre o bem e o mal; eles trabalham tanto para um lado quanto para o outro, com elementos muito mais densos, com uma energia muito mais densa. (Pai Gil - TUEDLUZ). Eu acho o seguinte, eu acho que o nome terreiro, ele não seria muito apropriado não, tem casas, muitas casas aí que falam terreiros porque realmente os trabalhos são feitos no terreiro, não é, do lado de fora, o nome apropriado pra isso seria mesmo casa espírita, não é. Uma casa espírita, casa dos espíritos, o nome apropriado seria esse, terreiro não, mas como nós já falamos anteriormente, são denominações das pessoas que estão ali, não é, aqueles trabalhos são denominações. Isso. (Marcos – CEACDL) Igual eu já falei, eu acho que a entidade é o psicólogo mesmo, sabe, de ouvir, de acolher, quando você chega, você pode tá com um problema, quando você chega perto de uma entidade, de um preto-velho, um caboclo, uma Jurema, ou então, uma entidade das águas, você sai melhor. Tem pessoas que falam assim: “Nossa eu cheguei aqui tão angustiado, e eu tomei um passe, e eu sai aliviado! [...] Então, eu acho que a referência da entidade é isso, é o acolhimento que nós, seres humanos precisamos. (Mãe Teresa - CBPC) Eu acho a gente pé no chão, eu considero a gente pé no chão, a gente representa o povo brasileiro, eu acho que nossa religião é uma religião voltada para o povo, não é uma religião de elite, nós somos uma religião do povo, então, a nossa vivência quem freqüenta as nossas religiões, quem procura ajuda junto aos nossos centros é o povo, então por isso, nós trazemos uma representatividade muito grande que é o preto-velho, para dentro da Umbanda, o pretovelho tem um papel muito importante dentro da Umbanda; a Umbanda diferente do candomblé de outras religiosidades; a Umbanda que toca junto ao preto-velho não tem ninguém mais próximo do povo, psicólogo do povo, médico do povo. (Míriam – TUPJA). As outras entidades trabalham e estão em constante trabalho com a gente, porém, a única que conversa com o público, não é, são os pretos-velhos. Mas a gente entende que na Umbanda há uma parceria; preto-velho precisa do escora, precisa do caboclo, precisa do baiano, precisa do povo d‟água, precisa do boiadeiro, menino de angola e aí vai. Todas as linhas trabalham no centro e muito, como trabalham! Então a gente não pode hora nenhuma desmerecer, porque por várias vezes, a pessoa quando chega até preto-velho, ela conversa com o preto-velho, o pretovelho, vai ser aquele que vai receber, que vai saber distribuir para que linha é o trabalho. Eu fiz um estudo de incorporação outro dia, eu falo que o preto-velho é o clínico geral, ele recebe em primeira mão, como o clínico e depois distribui: „você precisa de um cardiologista, você precisa de um pediatra, você precisa....!”Não é. E aqui o preto-velho vai fazer esse trabalho, porém, com 179 a perfeição que ele também ajuda também na ação do trabalho, ele não é aquele médico que passou pro outro e deixou pro outro resolver, ele vai passar pra outras linhas que acha necessário a situação e vai continuar na supervisão daquele trabalho, não é, então, essa é nossa idéia da casa, essa é nossa forma de trabalho. (Ubirajara – CEADCL). Como foram judiados esses pretos, meu Deus do Céu! Não tem nem lógica, não ganhavam nada, trabalhava de graça, apanhavam, levantavam de madrugada, apanhavam todo dia, ficavam varrendo...tadinho trabalhando lá, Pela madrugada!!! Só..., tá doido! Essa memória não pode ser esquecida! Não, não pode, eu acho que não pode !!! Na minha opinião, não, Deus me livre! Tem muitos... Pai Joaquim mesmo é aleijado, olha a perna dele (mostrando a imagem). A maior parte deles foram prejudicados com isso aí né..., tem a Tia Anastácia (referindo-se a escrava Anastácia) que morreu amordaçada com o corpo todo cheio de coisa, são muitas histórias do nosso país que deveriam ser contada mas... não teve condições, né. [...]. Nossa! Vou te contar viu! O Pai Joaquim se você quiser fazer um livro dele, „conto dele só mesmo‟, ele tem. São muitos contos. (D. Leonor – TUPJA). Mesmo que não seja um terreiro de Umbanda Esotérica mas é... eu vejo, eu consigo vê uma semelhança em todas as giras, em todas as casas de umbanda, as entidades; o intuito das entidades de fazerem a caridade aonde as pessoas não estão interessadas em receber quantias pra isso, todos são terreiros que lutam com uma dificuldade financeira muito grande pra se manterem e todos, em todos, você percebe no corpo mediúnico, a vontade e a coragem de fazer, tá, e em todos eles a gente percebe aquela figura doce e materna, profunda do preto-velho abraçando todo mundo que chega, abrindo as portas; muitas vezes é uma casa que não tem o dinheiro pra pagar uma conta de luz, mas, é incapaz de pedir ao consulente uma quantia pela consulta, se você, se o consulente entender que ele deve fazer uma doação de uma moeda, ou de duas moedas, ou de algum material pra casa ele faz, se ele não entendeu, ele é recebido e trabalhado da mesma forma porque ali impera, principalmente, a boa vontade, a vontade de prestar a caridade mesmo, isso aí é igual em todos os terreiros; têm as suas formas de prática, os elementos, o culto é diferente, mas o intuito do trabalho é um só: „abraçar aquele necessitado que chega e trabalhar a questão espiritual da humanidade mesmo‟. (Pai Gil – TUEDLUZ). Eu acho que do jeito que a gente trabalha, a gente ajuda muito, porque você dá a condição da pessoa conversar, sobre o problema dela, que às vezes, você tá com um problema que você precisa só desabafar, só por pra fora. Aí, que a pessoa de fora vê o problema pra você. Muitas vezes, você tá vendo o problema, mas você não vê a soluça! A pessoa de fora vê! Então quer dizer, você tá ali bate um papo, o preto-velho conversa, ele tem aquela orientação do que fazer, não é [...]. Então, você precisa, às vezes, de por pra fora o problema seu, porque se você puser com a família pra te encher; se contar pra um amigo... você conta ali pra ele vai ficar entre vocês 180 dois, ninguém fica sabendo, então, com isso as pessoas chegam lá e saem aliviadas e acham isso muito bom e acabam todo mundo voltando. (D. Iara – CEACDL). São os orixás, assim os nomes dos orixás, não é o trabalho dos orixás, mas a referência aos orixás, uma coisa que é muito constante e semelhante entre os terreiros coincidentes são os pontos, você freqüentou muito, você deve ter notado isso, muda somente a música, a musicalidade um pouco, mais a letra quase sempre é a mesma coisa. Isso é uma semelhança até espiritual para provar que realmente ninguém tá brincando com a coisa. Como que você nunca veio aqui chega aqui e escuta um ponto de outro lugar e as pessoas daqui não tem contato nenhum, não é. Nós chegamos no Rio de Janeiro uma vez, quando nos fomos no Rio de Janeiro e na praia, naquele ritual que eles fazem na passagem do ano novo, tinha uma pessoa tirando um ponto de Iemanjá que a gente cantava no terreiro, lá no Rio de Janeiro. Então é uma coincidência, mas é uma coincidência que é uma semelhança! Quer dizer a Umbanda lá se referia a alguma coisa conhecida. (Anamir – TUPJA). Eu acho que hoje em dia as semelhanças estão assim poucas, eu não tenho ido tanto em outros como antigamente, então, eu posso tirar por base antigamente que eu freqüentava mais os outros, fazia mais visita e tudo e as semelhanças são poucas, é alguma oração, igual, os orixás: principalmente Iemanjá, Os pretos-velhos e os caboclos; agora às vezes não são, como é que eu vou dizer, não seria uma palavra ideal mas, utilizados como a gente utiliza, em cada lugar tem uma maneira diferente: é o mesmo orixá, mas a maneira, é o trabalho, o ritual é diferente , apesar dos orixás serem os mesmos; as maneiras de expor as imagens também normalmente fica oxalá em cima e vem descendo gradativamente também sempre o orixá que comanda o terreiro fica em evidência é claro, então se é Omulu será maior, se é Iemanjá será maior, aqui é preto-velho, então você vai ver mais quadros de pretos-velhos, então ,mais assim, são esses pontos de semelhanças, mas o restante acho que está bem diferente! (Anamir - TUPJA). Isso, as guias; isso foi sendo tirado, porque começava a ter a vaidade de médium. Comprando guia cara. Tinha um médium nosso lá, que tinha guia de cristal. Que necessidade que tem aquilo. Hoje inclusive, uma das coisas que nós estamos tirando também é o cordão de São Francisco por quê? Porque não acha mais pra comprar! (D. Iara – CEACDL). Ali é a questão da marafo que eu te falei, da cachaça! (Pai Gil havia me informado que eles utilizam da cachaça para fazer os trabalhos da tronqueira e não para ser tomado fisicamente). Então, o exu ele recebe o elemento no ponto, não é, e ali ele vai trabalhar a energia através do elemento, ali é agregado à vela, a quartinha com as coisas dele.Tem um cheiro bem particular! [...] As nossas guias elas se resumem em cinco, então a medida em que vai graduando [...] essa é a primeira guia que a pessoa recebe, a guia de aceitação, então são cinqüenta e sete conta de lágrimas com uma cruz de madeira; aqui já é a guia de confirmação, ele recebe com o cristal do 181 orixá e já uma cruz de metal, e depois ele tem a guia das sete linhas, a guia de exu e a guia triangulada que ali eu vou te mostrar mais a frente. (Pai Gil – TUEDLUZ). Para nós seria assim, uma forma, seria todo um estudo, na religião africana, a maioria delas, a sexta-feira é o dia de Oxalá. Porque parte da forma da identificação deles com a questão dos orixás, porque eles (os outros segmentos de Umbanda) cultuam os orixás tanto na paralela ativa quanto na passiva. Então, por isso que eles tem um panteão de dezesseis orixás. Pra nós é diferente justamente por causa disto porque conta ai a influência do planeta, o sol no signo regente, é influência também o dia do seu nascimento que aí tem uma outra força que rege, não é, mas, a sua o seu orixá principal, o que rege a sua cabeça, o responsável vamos dizer assim, pelo seu caminho na terra, aí no caso você é de Áries. Aí é Ogum, apesar de você ter nascido no dia de Oxossi (sexta-feira), mas com certeza, você tem a sua hora, porque no momento do seu nascimento o sol tava alinhado em Áries que trouxe pra você essa vibração, então, essa é a questão esotérica, da nossa, do nosso segmento, da nossa raiz, entendeu, porque a gente leva em consideração todos esses, esse momento que é muito importante. Ah, eu vejo diferenças nos rituais, tem muita gente que começa os trabalhos já é perfume, as roupas também. A gente sempre preservou o branco, até mesmo porque o branco além de simbolizar a paz, o branco não te dá sentido nenhum, é imparcialidade, então o branco. Mas aí, não é, o pessoal trabalha com vermelho e preto, com azul com amarelo, coiserada, não sei o que, aquela confusão toda, e ao mesmo tempo. É mistura cigarro, [...], com charuto, e faz uma misturada danada. Coisa que não tem em nosso terreiro. (Anamir – TUPJA). Cada um reza sua Umbanda, você pode ir em vários terreiros de Umbanda que a cantiga pode ser igual, mas o ritual é diferente, por exemplo: “Vou abrir minha Jurema, vou abrir meu Juremá” (cantou o ponto). O ritmo é diferente, às vezes a cantiga, a zuela, as letras são iguais, mas é diferenciado. A roupa, sempre que você vai no terreiro de Umbanda você nunca vê completamente igual. Por exemplo, se eu for no candomblé, da nação, por exemplo, se eu for na casa de keto, a minha roupa é igual a de todas com roquete, vestido tudo igual, entendeu. Agora Umbanda é sempre diferente, tem sempre uma diferença, mesmo assim de rituais. (Mãe Teresa – CBPC).