O ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA A PARTIR DA LEI FEDERAL 10639/03 E A POLÍTICA DO BRANQUEAMENTO ARTEMIO TEN CATEN1 Resumo Nesta comunicação apresento o trabalho desenvolvido no PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná. Meu objeto de pesquisa é a implantação da Lei Federal 10639/03, que inclui a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-brasileira e da África no currículo oficial da rede de ensino da Educação Básica. Tal indicação é paradoxal em relação à política de branqueamento da população presente no chamado processo “civilizatório” do Brasil, refletido nos currículos e na prática de ensino da disciplina de História da Educação Básica e na formação de professores. Em virtude disso, pergunta-se: como está ocorrendo o debate entre os professores da Educação Básica, na região oeste do Paraná na sua maioria “brancos” para a superação de um currículo eurocêntrico e “branco” e buscar uma educação de respeito à diversidade étnica? Até que ponto trabalhar com a questão da cultura afrobrasileira, indígena e branca significa uma refundação da racialização? Por outro lado, podemos entender que a discriminação racial não é uma construção individual, feita pelo sujeito que deve ser reeducado, e sim uma construção histórica de classe social através de uma política de branqueamento da população a serviço da exploração do trabalho. Como contribuição deste momento, elaborei um “Folhas”, ou seja, um material didático para abordar a história e cultura dos afro-brasileiros em sala de aula. O trabalho deverá estar concluído até dezembro de 2008. Podemos antecipar que esta Lei está permeada por contradições uma vez que é uma reivindicação do movimento negro (denominado popular e de classe social) é também incorporada pelos discursos dos organismos financeiros e internacionais na perspectiva de manutenção do sistema capitalista. Estas contradições estarão presentes no processo de implementação. Palavras-chave: Lei 10639/03, política do branqueamento, ensino de história. 1 Graduado em Filosofia com Licenciatura em Filosofia, História e Psicologia/Unioeste-Toledo. Professor da Rede Estadual de Educação Básica do Estado do Paraná, na disciplina de História. Professor PDE/Seed-Pr – Turma 2007/2008. Mestrando em Educação – Turma 2008/2009 – Unioeste-Cascavel. Email: [email protected] 1. Introdução Meu tema de pesquisa é a Lei Federal 10639/03 Lei 10639 de 09 de janeiro de 2003, que inclui a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-brasileira nos currículos da rede de ensino na Educação Básica. O histórico dessa pesquisa tem início com o Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE - programa de capacitação dos professores da Educação Básica da rede pública estadual do Paraná. Após o processo de seleção e inscrição no programa recebemos a orientação da coordenação do PDE que deveríamos apresentar um projeto de pesquisa sobre um “problema” a ser investigado no âmbito da Educação Básica. Assim, decidi estudar a Lei Federal 10639/03 e o Ensino de História. Especificamente, estudar a abordagem da História e Cultura Afro-brasileira em sala de aula. Como contribuição deste momento, elaborei um Folhas2. A determinação da Lei Federal 10639/03 é paradoxal em relação à política de branqueamento da população presente no chamado processo “civilizatório” do Brasil, refletido nos currículos e na prática de ensino da disciplina de História da Educação Básica e na formação de professores. Em virtude disso, se pergunta: como está ocorrendo à articulação nas escolas, entre os professores da Educação Básica, para a superação de um currículo eurocêntrico e “branco” e buscar uma educação de respeito à diversidade étnica? Percebe-se que estes educadores na sua maioria são “brancos”, influenciados pela educação que reforça a discriminação racial. Quais cuidados deverão estar presentes para a abordagem da questão da História e Cultura Afro-brasileira, indígena e branca não corrobore com a discriminação racial? Por outro lado, podemos entender que a discriminação racial não é uma construção individual, feita pelo sujeito que deve ser reeducado, e sim uma construção histórica de classe social através de uma política de branqueamento da população a serviço da exploração do trabalho. O histórico desta Lei está permeado por contradições uma vez que é uma reivindicação do movimento negro (denominado popular e de classe social) é também incorporada pelos discursos dos organismos financeiros e internacionais na perspectiva de manutenção do sistema capitalista. 2 Folhas é um material didático elaborado pelo professor da rede estadual de Educação Básica do Estado do Paraná, sob incentivo da Secretaria de Estado da Educação do Estado do Paraná. Especificamente este pretende ser instrumento para abordar a história e cultura dos afro-brasileiros em sala de aula. No desenvolvimento teórico metodológico apresentamos textos sobre a política do branqueamento e a luta dos escravizados contra a escravização, apresentando os escravizados como sujeitos da história. Na interdisciplinaridade dialogamos com Filosofia para abordar a construção ideológica da discriminação racial, e com Biologia sobre a racialização do século XIX e a questão da raça humana única. 2 Neste trabalho, a partir da política do branqueamento da população, como conteúdo curricular, se desenvolve uma possibilidade, não única, de cumprimento da Lei 10639/03. 2. A Política do Branqueamento e a Lei Federal 10639/03 O histórico de desmontagem do Império brasileiro e a montagem do governo republicano no Brasil, no final do século XIX, ocorrem em meio ao chamado processo de modernização brasileira, indicando para a institucionalização generalizada do trabalho livre e assalariado e a conseqüente proibição do trabalho escravo ou relações escravistas de trabalho. Concorrem à imigração de europeus, a formação de centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro, a saída dos ex-escravizados das áreas rurais para as emergentes cidades. É pertinente a retomada do processo da política do branqueamento para que possamos compreender que a discriminação racial não tem fundamento biológico e sim é uma construção ideológica. No século XIX o conhecimento da biologia apontava para a existência de três raças: a branca, a amarela e a negra. Esta classificação era hierárquica e de valor. Tem como objetivo principal destacar qual raça era mais apta para o progresso. Já faz parte do senso comum que no século XIX e XX ocorre uma nova forma de imperialismo. O capitalismo dos países de centro, precisando de novas fontes de matéria prima e mercados para colocar seus produtos articulam projetos de modernização dos países chamados periféricos, dentre eles, o Brasil. É neste momento da expansão imperialista que se lançam os fundamentos da política do branqueamento da população para formação de um povo para constituir a nação brasileira. No caso do Brasil, trata-se do debate entre a modernização/industrialização e o modelo agrário de plantação. A tese do determinismo racial justificara que o homem branco tem a potencialidade para o progresso sendo o negro, os povos nativos e o miscigenado responsáveis pelo atraso. Ocorre a impressão como professor que o ensino de História, na Educação Básica, não tem focado suficientemente o determinismo racial e a conseqüente política do branqueamento da população. Percebe-se que a abolição da escravatura no Brasil, geralmente, é o ponto final do estudo sobre o negro brasileiro, nos programas da 3 disciplina de História, na modalidade da Educação Básica. Os textos didáticos fazem um detalhamento truncado da difícil vida do escravizado durante o Brasil colônia e o período imperial, destacando as diferentes formas de lutas dos escravos em busca de liberdade: a formação de quilombos, a fuga dos escravos, alguns enfrentamentos entre escravos e o chamado capitão do mato. Na discussão abolicionista foi construído um histórico da legislação antiescravista, como a proibição do tráfico de escravos, Lei do Ventre Livre, a Lei do Sexagenário e finalmente, a princesa Izabel assinou a lei áurea, após a “guerra com o Paraguai” quando já estava dificultada a manutenção do regime de escravidão e a história do capitalismo dizia que agora é a vez do trabalho assalariado e “livre”. Ainda faz-se a observação que o ex-escravizado não tinha aptidões para o trabalho livre e que ele fora substituído pelo imigrante europeu que já vem com experiência e conhecimento para o trabalho assalariado. A resistência dos escravizados geralmente é identificada com a existência dos quilombos, como o Quilombo dos Palmares. De modo inexato se referem alguns historiadores a Palmares como a feito único, a ym (sic) só mesmo Estado. No decurso dos seus 67 anos de existência, por mais que uma vez, parece ter-se rompido ali a continuidade na sede da sua ocupação de contínua mudada ou transferida; na direção governativa dos seus chefes, que porventura foram diversos zambis; a até, é quase certo, nas gerações que por ali passaram e que, no pensar de alguns, se contaram por quatro. (RODRIGUES, 1976 p.72) Se por um lado Nina Rodrigues contribuiu para entender que a resistência do afro-brasileiro escravizado foi significativa, por outro lado não deixa de expressar a idéia de inferioridade do negro quando descreve a organização e funcionamento de Palmares. Não se pode tomar à letra a eletividade do Zambi ou chefe, em que aquela denominação se inspirou, pois esta eletividade não era a das repúblicas modernas, mas, como em toda a África selvagem, o do chefe mais hábil ou mais sagaz. (RODRIGUES, 1976 p.75). A expressão África selvagem revela o que se pensava em relação a este povo. A repressão aos escravizados revoltosos acontecia através da “pedagogia da violência”: Bartolomeu Bueno apresentou como troféu da vitória 3.900 pares de orelhas tiradas aos negros destrossados e mortos. (RODRIGUES, 1976 p.96). Esta exibição pedagógica teria como objetivo tranqüilizar os escravizadores sobre rumores de possíveis levantes dos negros que teriam como objetivo matar os 4 brancos. Existia a preocupação e medo dos escravizadores sobre a possibilidade de generalização dos conflitos e conseqüente perda de controle social. O ideal do branqueamento da população brasileira é justificado por intelectuais defensores do determinismo racial e ligados à elite agrária e aos comerciantes. Numa sociedade marcada pelas desigualdades econômicas, como a nossa, a discriminação racial é uma das formas de justificar a dominação econômico-social. É importante considerar, conforme Schwarcz (1993) que em 1853 o Conde francês Joseph Arthur Gobineau publicou o “Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas” que inspira o racismo moderno e deflagrou o racismo científico cujas idéias culminaram com a eugenia, a tese nazi-fascista da superioridade ariana. Gobineau fora ministro da França e “conselheiro” de D. Pedro II. Via o Brasil como um país “sem futuro” devido a grande quantidade de negros e miscigenados. Defendia que o Brasil deveria branquear a população. O resultado da mistura é sempre um dano dizia Gobineau, buscando comprovar os diagnósticos negativos do poligenistas. (SCHWARCZ, 1993, p.64). No Brasil o determinismo racial no final do século XIX e inicio do século XX tinha presente os monogenistas, os poligenistas, a antropometria, a frenologia, antropologia criminal, etnologia, os eugenistas e o chamado darwinismo social. Schwarcz (1993) conceitua da seguinte forma essas teorias: a) Os monogenistas e poligenistas estão centrados na explicação da origem da humanidade. Os monogenistas defendem que a origem do homem é única. É a explicação do jardim do Éden a partir da bíblia. Os diferentes tipos de pessoas ou raças resultaram do aperfeiçoamento ou da degeneração de “Adão”. Os poligenistas contestam a explicação bíblica e afirmam que o homem tem origem em vários lugares e momentos diferentes. b) A frenologia considera as conformações do crânio para definir o caráter e as funções intelectuais. Portanto determinista. c) A antropometria é a técnica de medida do corpo e as várias partes. Estas duas técnicas relacionavam possível tamanho do cérebro e capacidade intelectual. d) A antropologia criminal, que tem como principal representante Cesare Lombroso, segue o pensamento determinista. Este considera que o crime está relacionado à constituição física e hereditária. e) A etnologia estuda os aspectos culturais das populações consideradas primitivas. Evolui depois para antropologia cultural. 5 f) A eugenia (boa geração) procura intervir na reprodução das populações. Foi criada por Francis Galton, em 1883. A herança determinaria a capacidade da pessoa e não a educação. g) O darwinismo social traz a idéia de seleção ou predomínio do mais forte sobre o mais fraco. No caso do racismo: o europeu sobre o afro brasileiros e o índio. Em relação aos negros predomina a idéia de que eles viviam no mais baixo estágio da civilização humana. Essas teorias copiadas dos europeus e aplicadas no Brasil na tentativa de construir uma identidade nacional. Foram usadas para discutir qual seria o povo da nação brasileira. Que grupo teria a capacidade civilizatória. Porém não se trata de uma simples submissão as teorias européias. A elite brasileira tinha um projeto de modernização para ser implantado pelo alto. De fato, os intelectuais brasileiros não estavam apenas respondendo as idéias de fora. Eles escolheram aquelas que lhes permitiram sintonizar-se melhor com a realidade brasileira contemporânea. Sem esta suposição, como podemos explicar sua indiferença a outras idéias, como o marxismo e o anarquismo, por exemplo, durante o mesmo período? É óbvio que os intelectuais brasileiros aceitaram certas ideologias européias e deixaram outras de lado. A questão é saber porque eles selecionaram idéias racistas, que enfatizavam a superioridade branca, quando no Brasil apenas 40% da população, por volta de 1870, podia ser oficialmente considerada branca e quando alguns membros da elite não podiam estar seguros de sua “pureza” racial. (COSTA, 1985. p.255). Nina Rodrigues3, representante do determinismo racial, é classificado como eugenista ao defender que a miscigenação era degenerativa. Para ele os melhores negros eram sudaneses, os muçulmanos que não tinham mistura através do processo de miscigenação e sabiam ler e escrever. Foi também um darwinista social e poligenista à medida que defendeu em suas teses científicas a hierarquização das raças, classificandoas como inferiores e superiores. Argumentou a favor do branqueamento da população através da proibição de cruzamentos e casamentos entre as raças. Acreditava que a raça negra, os indígenas e miscigenados, os nomeados de degenerados, fossem se extinguir e estaria constituído o povo para a nação brasileira. Era contra a miscigenação uma que apontou que nos cruzamentos inter-raciais se produzia uma nova raça não pura, portanto 3 Médico brasileiro pesquisou sobre os afro-brasileiros, no Brasil, no final do século XIX. Nascido no Maranhão, filho de Francisco Solano Rodrigues e Luisa Rosa Rodrigues, criou-se na fazenda da família. Formando-se em medicina e ocupou cargo de médico no Departamento de Medicina Pública na Bahia. Publicou, entre outras obras: Os Africanos no Brasil; As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil. 6 inferior ou degenerada. Também não acredita na possibilidade de inclusão dos afrobrasileiros na chamada constituição de uma nação, que deveria ser branca. (...) Os extraordinários progressos da civilização européia entregaram aos brancos o domínio do mundo, as suas maravilhosas aplicações industriais suprimiram a distância e o tempo. Impossível conceder, pois, aos negros como em geral os povos fracos e retardatários, lazeres e deslongos de uma aquisição muito lenta e remota de sua emancipação social. (RODRIGUES, 1976, p. 264). As revistas dos museus, institutos históricos e geográficos e das faculdades de medicina e direito publicam as idéias dos pesquisadores brasileiros e europeus que passavam um período no Brasil como Louis Agassiz (suíço) que em 1868 descreve o Brasil: ...que qualquer um que duvide dos males da mistura de raças, e inclua por mal entendida filantropia, a botas abaixo todas as barreiras que as separam, venha ao Brasil. Não pode negar a deterioração decorrente da amálgama das raças mais geral aqui do que em qualquer outro país do mundo, e que vai apagando rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio deixando um tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia física e mental (1868:71). (SCHWARCZ, 1993, p.13). A idéia principal é fazer a condenação da mestiçagem e usá-la para explicar o eventual atraso do Brasil em relação à industrialização européia. Entende-se que as teorias do determinismo racial também contribuem para justificar um possível atraso do Brasil em relação ao desenvolvimento industrial europeu. No Brasil as teorias raciais são utilizadas para justificar a pobreza e a exclusão dos afro-brasileiros, e ao mesmo tempo não dividir a riqueza produzida. A primeira evidência a ressaltar é que nossa classe dominante conseguiu estruturar o Brasil como uma sociedade de economia extraordinariamente próspera. Por muito tempo se pensou que éramos e somos um país pobre, no passado e agora. Pois não é verdade. Esta é uma falsa obviedade. Éramos e somos riquíssimos! A renda per capita dos escravos de Pernambuco, da Bahia e de Minas Gerais eles duravam uns cinco anos no trabalho - mas a renda per capita dos nossos escravos era, então a mais alta do mundo. Nenhum trabalhador, naqueles séculos, na Europa ou na Ásia, rendia em libras - que eram os dólares da época - como um escravo trabalhando num engenho no Recife; ou lavrando ouro em Minas Gerais, ou, depois, um escravo ou mesmo um imigrante italiano num cafezal em São Paulo. (RIBEIRO, 1979, p.14-15). A classe dominante se apropriou da riqueza produzida, e vendeu a ilusão de pobreza de atraso e de um povo inapto para o progresso. Eugenistas brasileiros chegaram a propor a esterilização da população não saudável. Estes estão ligados a 7 Faculdade de Medicina. Acreditavam que a mistura das raças levaria a degeneração. Em 1921, Dr. Renato Kehl em Boletim Médico, publica: Se fosse possível dar um balanço entre nossa população, entre os que produzem, que impulsionaram a grande roda do progresso de um lado e do bem estar do outro lado os parasitas, os indigentes, criminosos e doentes que nada fazem, que estão nas prisões, nos hospitais e nos asilos; os mendigos que perambulam pelas ruas... Os médicos eugenistas convencidos desta triste realidade procuram a solução para esse problema e de como evitar esse processo de degeneração... É preciso evitar a proliferação desses doentes, incapazes e loucos... Com esses exemplos chego a seguinte conclusão eugênica: a esterilização fará desaparecer os elementos cacoplatos da espécie humana, ou melhor sua proporção será reduzida... (SCHWARCZ, 1993, p. 233-234). Os que produzem seriam os brancos e os que não produzem, os negros... a casta negra é o atraso, a branca o progresso, a evolução" (BM, 1904:178), Apud: (SCHWARCZ, 1993, p. 223). Neste texto podemos perceber como os eugenistas brasileiros tinham uma idéia diferente da população afro-brasileira e mestiça em relação à avaliação posterior de Darcy Ribeiro. O médico eugenista indica para a urgente limpeza da população que considerava degenerada pela mestiçagem. Já Darcy Ribeiro demonstra a organização da classe burguesa ou dominante, para se apropriar da riqueza produzida e justificar a pobreza da maioria pela pobreza da própria nação do Brasil. Outros intelectuais da época, como João Batista Lacerda, apostavam nos casamentos entre as raças para que ocorresse o branqueamento da população. A tese do branqueamento, apresentada por um de seus formuladores no campo da antropologia, João Batista de Lacerda, afirmava a inferioridade de negros, índios e da maioria dos mestiços, mas esperava que mecanismos seletivos, operando na sociedade (a busca de cônjuges mais claros), pudessem clarear o fenótipo no espaço de três gerações. (SEYFERTH, 2002 p.32). Percebe-se um entendimento que a raça branca era superior, sendo que nos cruzamentos entre raças, predominariam as características dos brancos. A legislação brasileira do governo republicano provisório, apesar de seu fundamento jurídico-político centrado na igualdade formal, em relação à imigração, também manifesta a idéia do branqueamento da população. ... o Decreto 525, de 28 de julho de 1890, abria o Brasil para todas as pessoas válidas e capazes para o trabalho, desde que não estivessem sob processo criminal em seus países de origem, “com excepção dos africanos e asiáticos” (Decreto do Governo Provisório, 6º fasc., Rio de Janeiro, 1890). (SCHWARCZ, 1993, p. 184). 8 No debate entre o determinismo racial e o liberalismo no Brasil, quando ocorre a opção pela relação de trabalho assalariado, o imigrante europeu é considerado mais livre, mais qualificado para celebrar o contrato de trabalho do que o ex-escravizado. Podemos também notar a presença da idéia do branqueamento na colonização de Toledo. Segundo o relatório da empresa Colonizadora Maripá4, estudado por Schreiner(1996), o elemento humano escolhido é o descendente de imigrantes europeus brancos, alemães ou italianos, vindos do Rio Grande do Sul ou Santa Catarina. O ensino da história, na educação básica, também contribui para a reafirmação do racismo quando apresenta uma preocupação civilizatória e considera a Europa como berço da civilização. Segundo Bento (2005, p.44): Um dos mais importantes veículos de reprodução do estereótipo, do preconceito e do racismo na escola é o conteúdo dos livros de História. O que se pretende com a lei 10639/03 é permitir que os conteúdos da Cultura e História dos Afro-brasileiros e da África possam ser estudados sem estigmas e preconceitos. O movimento negro quer uma “reparação cultural”, ou seja, fazer com que a História e a Cultura dos Afro-brasileiros e da África possa fazer parte do ensino da história de maneira igual aos outros conteúdos. Significa superar o eurocentrismo. Aqui no Brasil, crianças brancas e negras aprendem sobre figuras e fatos importantes de brancos – como Pedro Álvares Cabral e Tiradentes. Porém pouco ou nada sabem sobre os descendentes de africanos, povo que compõe metade da população brasileira. Se perguntarmos a uma criança branca quais são seus heróis, líderes, sábios, ela saberá apontar alguns. A criança negra, no entanto, terá dificuldade para identificar heróis negros, porque a memória de seu grupo foi omitida ou deturpada.(BENTO, 2005, p.44). O fato de a legislação brasileira obrigar a efetivação do ensino da História e Cultura dos Afro-brasileiros e da África pode ser entendido como uma denúncia da existência do branqueamento no currículo da educação básica. Segundo Rocha (2005), o histórico da Lei Federal 10639/03 está marcado pelas lutas do movimento negro e pelo debate sobre a discriminação racial e exclusão social a nível nacional e internacional. No decorrer de sua história o movimento negro conseguiu inserir suas reivindicações na pauta do Partido dos Trabalhadores e influenciar a agenda política deste partido. Com a 4 Conforme Silva (1988), a empresa Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S/A – Colonizadora Maripá - foi fundada em 13 de abril de 1946, em Porto Alegre. De acordo com seus estatutos, ela foi fundada para comprar e vender terras, exportar e industrializar madeira. Esta empresa adquiriu uma extensa área de terra na, hoje denominada, região Oeste do Paraná, cujo título de propriedade está registrado em nome da Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S/A, no Registro Geral de Imóveis de Foz do Iguaçu, em 16 e setembro de 1946. 9 eleição do presidente Lula, em 2002, lideranças do movimento negro participaram do processo de transição do governo de Fernando Henrique Cardoso para o governo Lula e formularam um acordo para a criação de um ministério, ou estrutura semelhante para enfrentar a questão da discriminação racial no Brasil. De início o governo Lula não criou esta estrutura conforme acordara com o movimento negro, sancionou a Lei Federal 10639/03, como resposta as possíveis inquietações do movimento negro. A Lei nº. 10.639/0, (sic) apresentada de imediato, (sic) teve como função precípua responder a antigas reivindicações do Movimento Negro ou distraí-lo com novas preocupações, principalmente com a implantação da mesma. Com isso o governo consegue o intento de não ser pressionado de imediato por este segmento da sociedade que, (sic) a meu ver, (sic) poderia causar constrangimentos ao início da gestão Lula. Parece que a estratégia foi acertada, mas não impediu que as pressões internas e externas impedissem a criação do prometido órgão responsável por promoção de igualdade racial no país. Cria-se na estrutura de governo a SEPPIR - Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial no dia 21 de março de 2003, data em que se comemora o dia internacional contra a discriminação racial.(DIAS, 2004). Esta Lei foi apresentada na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei nº.: 259, em 11 de março de 1999, que foi aprovado e remetido ao Senado em 05 de abril de 2002, e acabou sendo sancionada pelo Presidente Lula, em 09 de janeiro de 2003. Com esta alteração da LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação – todos os sistemas da Educação Básica recebem a determinação de incluir nos currículos o ensino da História e Cultura dos Afro-brasileiros e da África. A formação social brasileira apresenta uma grande diversidade étnico-racial, resultado do processo de colonização e constituição sócio-econômica. A partir do século XVI diferentes grupos, oriundos dos diferentes lugares se instalaram no território brasileiro até então ocupado pelos povos posteriormente denominados de indígenas, que são diferentes tribos que habitavam o território que seria o Brasil. Com a colonização chegam os europeus/brancos/ livres/portugueses, e os africanos/negros/escravizados, também com diferentes costumes, hábitos e conhecimentos. No final do século XIX e durante o século XX são integrados os diferentes grupos de europeus, destacam-se na região centro-sul os alemães e italianos. Entre os chamados povos asiáticos são os japoneses que formam o maior número de comunidades no Brasil. Aqui no Brasil a divisão étnica coincide com a divisão social, principalmente no inicio do século XX. O branco fora denominado “rico”, dono das propriedades rurais e 10 dos estabelecimentos urbanos emergentes, e o negro “pobre”. No período da produção rural e escravista o branco é livre, o negro escravizado. As diferenças culturais e físicas foram usadas como lógica da dominação criada ao longo de quase quatro séculos. (SILVA, 2007. p.139). A idéia é pautar a política do branqueamento como ideal civilizatório da sociedade dos “ricos”. Percebemos uma cultura letrada e etnocêntrica, que está vinculada aos chamados conteúdos curriculares formais e particularmente identificada com a classe dominante. Culturas não vinculadas a esta homogeneização cultural identificada com a cultura da classe dominante são negadas ou relegadas a segundo plano. A luta do movimento negro exerceu pressão social para a aprovação da Lei 10639/03. Representantes deste movimento pretendem uma “reparação cultural” e não uma “indenização financeira”. A reparação cultural5 tem como eixo principal a superação do ensino e da organização dos currículos que insistem em abordar a questão dos afro-brasileiros a partir do regime escravocrata e silenciam sobre a História e Cultura da África. Trata-se de superar o eurocentrismo que lança uma visão truncada sobre este povo por uma visão profunda, tanto dos afro-brasileiros como da África. É importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz européia por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira. Nesta perspectiva, cabe às escolas incluir no contexto dos estudos e atividades, que proporciona diariamente, também as contribuições histórico-culturais dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raiz africana e européia. (PARANÁ, 2006, p.24). Entre o objetivo proposto pelo movimento negro, contemplado pela Lei 10639/03 e a prática curricular nas unidades de ensino da Educação Básica existe uma lacuna a ser superada. Estamos convencidos que os professores brancos, em sua maioria, com formação acadêmica centrada no eurocentrismo enfrentarão dificuldades nesta alteração curricular. Por outro lado como pensar esta discussão a partir das classes sociais uma vez que o professor, ao que me parece, se reconhece mais como educador do que como classe trabalhadora? Os próprios informativos da entidade sindical – APP/sindicato - 5 Líderes do movimento negro apregoam que todas as etnias podem ser discutidas. Estes entendem como reparação cultural, via Educação Básica, que a História do negro e da África passa fazer parte igual os outros conteúdos. A indenização financeira se refere aos judeus escravizados na Alemanha e que pediram uma indenização em dólar. 11 corrobora com a idéia de professor educador em detrimento ao conceito de professor trabalhador. Possivelmente este entendimento estará presente nos encaminhamentos de alteração curricular, que a Lei Federal 10639/03 estabelece e que serão desenvolvidas para superar a discriminação racial, e educar para o respeito às diferenças. 3. Conclusão Há um longo caminho a ser percorrido para que a Lei 10639/03 integre efetivamente a pauta curricular das unidades de ensino. Não se trata de uma questão que estará superada com a organização de algumas atividades no dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra. Algumas propostas de atividades são limitadas pela apresentação de danças que caracterizam a África como tribal. Além de não ser suficiente, representa uma racialização cultural6. Não se busca uma visão complexa dos elementos da história e cultura afro-brasileira e da África para que ocorra a reparação cultural. Pensando numa realidade próxima de nós, outro elemento que dificulta a aplicação da Lei 10639/03 está presente na mentalidade colonizadora de Toledo, Estado do Paraná. A população escolhida pela colonizadora Maripá é a descendente de alemães e italianos de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, com experiência na agricultura. Está excluído o Afro-brasileiro neste empreendimento, atuando a margem desse processo como ilegal residente em Pouso Frio7. Uma observação preliminar na epiderme das pessoas que trabalham no comércio e no Shopping de Toledo ou nas chamadas “melhores ocupações” nos mostra que esta idéia do branqueamento está presente na relação do emprego em Toledo. Como o professor atuante na escola que está inserida numa sociedade de classes e reproduz a ideologia da classe dominante interpretará esta questão da cor da pele e da classe social? Por um lado a escola reproduz a ideologia da classe dominante como indicam os teóricos de linhagem althusseriana, por outro lado ela é também um espaço 6 Racialização cultural pode ocorrer na abordagem truncada dos conteúdos da História e Cultura Afrobrasileira e da África. 7 Pouso Frio refere-se à ocupação ilegal que se deu a margem esquerda do Rio Toledo, em terras que não foram adquiridas pela Colonizadora MARIPÁ. Esta aplicou seu plano de colonização e formação da cidade de Toledo a margem direita do Rio Toledo, atuando dentro da legalidade e instalando seus colonos descendentes de italianos ou alemães, vindos do Sul. Aqueles que não compraram terras a margem direita do Rio, e trabalhavam em diferentes atividades, conforme a demanda da cidade em construção ocupam as terras que não adquiridas pela colonizadora, pois estas pertenciam a Moisés Lupion, que não efetuou nenhuma ocupação. Terras não adquiridas pela MARIPÁ, pois se encontravam em tramitação judicial. Neste local constituiu-se o chamado Pouso Frio, reservado para os nordestinos, paraguaios e outros. 12 de constituição e trânsito de ideologias subalternas como querem os gramscianos. É neste limite e nesta possibilidade que pode ocorrer à reparação cultural Como esta legislação está sendo interpretada pelos agentes da secretaria estadual da educação e como esta legislação é recebida pelos professores da região oeste, na sua maioria brancos e influenciados pela ideologia da política de branqueamento da população? Inicialmente uma série de ações estão sendo encaminhadas pela Secretaria de Estado da Educação, em razão desta Lei, através de programas de capacitação, formação de comissões para implantação do Ensino de História e Cultura dos Afrobrasileira e da África no interior das unidades de ensino. Inclusive, algumas atividades vem sendo desenvolvidas, como grupos de danças e de capoeira nas escolas. O dia 20 de novembro está inserido no calendário das escolas paranaenses como “dia da consciência negra”. Ao mesmo tempo em que são tomadas estas iniciativas, ocorrem também posicionamentos críticos que indicam que estas atividades estariam representando uma racialização cultural, principalmente no caso das danças que refletem o aspecto “tribal” da África. Em suma: como os professores e professoras, da região oeste do Paraná, na sua maioria brancos e os agentes da Secretaria Estadual de Educação do Paraná interpretam e contribuem com a implantação do ensino da História e Cultura dos Afro-brasileiros e da África? 4. Referências Bibliográficas AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Onda negro medo branco: o negro no imaginário das elites século XIX. 2ª edição. São Paulo, Annablume, 2004. BENTO, Maria Aparecida Silva. Cidadania em Preto e Branco: discutindo as relações raciais. 3ª edição, São Paulo, ática, 2005. BRASIL. Lei 10639 de 09 de janeiro de 2003. Inclui a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afrobrasileira” no currículo oficial da rede de ensino. Diário Oficial da União, Brasília, 2003. COSTA, Emilia Viotti de. Da monarquia a República: momentos decisivos. 3ª edição. São Paulo, brasiliense, 1985. p. 248 – 265. 13 DIAS, Lucimar Rosa. Quantos passos já foram dados? A questão de raça nas leis educacionais. Maringá: Revista Espaço Acadêmico nº38, julho de 2004. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/038/38cdias.htm, acessado em: 25 de julho de 2008. PARANA, Governo do Estado do Paraná, Secretaria de Estado da Cultura, Superintendência da Educação. Diretrizes Curriculares de Historia para a Educação Básica. Curitiba/Pr 2006. Disponível em www.diaadiaeducação.pr.gov.br, acesso abril 2007. PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Departamento de Ensino Fundamental. Historia e Cultura afro-brasileira e africana: educação para as relações étnico-raciais. Cadernos Temáticos. Curitiba: Seed/Pr. 2006. PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Departamento de Ensino Fundamental. Historia e Cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares. Cadernos Temáticos. Curitiba: Seed/Pr. 2006. RIBEIRO, Darcy. Ensaios Insólitos. L & PM. Porto Alegre. 1979. RODRIGUES, Raymundo Nina. Os Africanos no Brasil. 4ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. SCHREINER, Davi Félix. Cotidiano,Trabalho e Poder: a formação da cultura do trabalho no Extremo Oeste do Paraná. Cascavel: Unioeste, 1996. SCHWARCZ, Lilia Moritiz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e a questão racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo, Companhia das Letras, 1993. SEYFERTH Giralda. O beneplácito da desigualdade: breve digressão sobre o racismo. In: Racismo no Brasil. São Paulo: Petrópolis/Abong, 2002. SILVA, Lúcia Helena Oliveira. Por uma História e Cultura Afro-brasileira e Africana. In: CERRI, Luis Fernando (org.). Ensino de histórias e educação: olhares em convergência. Ponta Grossa: UEPG, 2007. SILVA, Oscar; BRAGAGNOLLO, Rubens e MACIEL, Clori Fernandes. Toledo e sua História. Toledo: Prefeitura Municipal de Toledo, 1988. 14