Entrevista com Othon Bastos P: Como é representar no cinema um personagem como Paulo Honório, um dos personagens mais contraditórios da literatura brasileira? R: Olha, eu confesso a você que no início eu fiquei bem receoso de fazer o personagem. Primeiro, há uma grande diferença entre representar um personagem criado no roteiro de um filme, que ninguém conhece ainda, só o autor e o ator que vai fazer, que vai apresentá-lo pela primeira vez, e, a partir daí, as pessoas vão começar a ver o personagem conforme o ator criou, e representar um personagem já criado, lido, estudado, interpretado, analisado, como era o caso de Paulo Honório, de São Bernardo. Quer dizer, eu costumo dizer o seguinte: o Paulo Honório seria como a Capitu. Todo mundo imagina a sua Capitu, como imagina o seu Paulo Honório. Cada um cria o seu Paulo Honório. E logo que eu abri o livro, ele diz assim: eu tenho cabelo sarará, o cabelo ruivo, lábios grossos, mãos enormes. Eu me olhei... eu não sou absolutamente nada do que se descreve no livro! Aí eu conversei com o Leon. Eu disse: você tá louco, você vai me chamar para fazer um personagem que eu não... que não sou eu! Ele aí virou e disse assim: não, eu quero que você faça o personagem com o sentimento que você tem do que você captou do livro e que você faça o personagem com o teu lado político, de ator político que você é. Eu quero que você faça isso dentro do personagem. E aí eu comecei a trabalhar o personagem, que, para mim... eu acho que Deus e o Diabo é a grande experiência cinematográfica que foi feita. Quer dizer, o Glauber fez uma experiência junto comigo sobre um personagem... brechtiano. Como se cria um personagem brechtiano dentro de um filme como o do Glauber? Agora, para mim, como interpretação, como ator, o personagem do Paulo Honório é o personagem que me engrandece e que me satisfaz. Quer dizer, eu acho que fiz um personagem lindíssimo, e talvez a minha melhor interpretação no cinema foi o Paulo Honório, porque eu passei a acreditar no Paulo Honório de tal maneira, e as coincidências foram acontecendo, e houve um entendimento com os outros atores, com Mário Lago, com Nildo Parente, e nós fomos... com a Isabel, com a Vanda Lacerda... quer dizer, nós fomos criando uma família realmente e fomos acreditando naquilo que era proposto pelo Leon, e isso foi me dando uma base muito grande e uma confiança para poder fazer o personagem que está no filme.