DEZ ANOS SE PASSARAM
DESDE A TRÁGICA
NOITE QUE MUDARA AS
VIDAS DE AUSTIN,
HUNTER E ALEX.
AGORA, CADA QUAL
DEVE CUMPRIR COM
SUA PARTE NA
VINGANÇA CONTRA O
HOMEM QUE ARRUINOU
TUDO.
Hunter Talbot Grant III, celebridade esportiva
de reputação duvidosa e podre de rico, acredita
que os escândalos que cultiva podem esconder
as sombras de seu passado. Quando surge a
oportunidade de arruinar financeiramente o
império de Jason Treffen, ele não pensa duas
vezes. Mas antes deverá se livrar da mulher
enviada para controlar seus passos. A relaçõespúblicas Zoe Brook sempre consegue devolver
a luz para estrelas que perderam o brilho. E
Hunter não é exceção. O trabalho seria perfeito
caso Zoe não fosse uma armadilha. Apesar de
tomados pela febre da paixão, ela esconde um
segredo: também havia se envolvido com
Jason. E agora, assim como Hunter, tem sede
de vingança!
O segundo passo para a
vingança.
Hunter dispõe do dinheiro…
Caitlin Crews
QUERO QUE VOCÊ
ME USE
Tradução
Leila Kommers
2014
CAPÍTULO 1
ZOE
BROOK entrou determinada na
boate de striptease, que ficava
camuflada sob uma placa discreta em
uma ruela do luxuoso bairro de
Manhattan. Ela parecia um anjo
vingador pronto para a guerra.
Passaram-se quase sete anos, mas sua
vingança estava prestes a ser realizada.
Finalmente!
Ignorou os seguranças inexpressivos
que a deixaram entrar, bem como o
sorriso forçado da hostess ao passar
pela recepção.
Havia pouquíssimos clientes a essa
hora da manhã – eram 10h17 na última
vez em que consultou o relógio. E isso
tornou fácil encontrar quem ela
procurava naquele lugar barulhento e
quase sem luz, cheio de barras de pole
dance espalhadas e um punhado de
dançarinas
entediadas
com
performances apáticas, sem um pingo de
entusiasmo naquela penumbra vermelhoescura.
Não que sua presa estivesse tentando
se esconder.
Hunter Talbot Grant III, outrora um
atleta prodígio e extraordinário, hoje um
incompetente
profissional,
se
esparramava em um luxuoso camarote
no canto da boate quase vazia,
profundamente envolvido com mulheres
seminuas.
Os lábios de Zoe se contraíram ao ver
a cena, que era mais repulsiva do que
esperava.
As
mulheres
davam
risadinhas, uma de cada lado, rebolavam
na frente dele, contorciam-se como se a
mesa dele fosse um palco. E Zoe, em seu
elegante e habitual vestido tubinho e
casaco sob medida para enfrentar o frio
do inverno, estava mais vestida do que
todas elas juntas.
– Bom dia, sr. Grant – ela
cumprimentou, seca, observando o
homem em toda a sua sórdida glória. –
Parece que se esqueceu da nossa reunião
de hoje às nove e meia.
Não era bem uma surpresa que
alguém
que
atualmente
fosse
considerado a Celebridade Mais Odiada
dos Estados Unidos fosse um boçal. Na
verdade, Zoe já contava com isso.
Hunter Grant era a vergonha dos
esportes. Rico demais e desacreditado
por opção, tinha as boates de striptease
como seu hábitat natural. Boçal era
redundante.
– E você parece estar usando muita
roupa.
A voz dele era um rosnado,
profundamente masculina, e saía com
uma arrogância aveludada e crua,
combinando com seu corpo grande e
impressionante, todo à vontade naquele
camarote cheio de strippers. Mas seus
olhares se encontraram como se
estivessem
sozinhos,
e
ele,
completamente sóbrio. Houve certa
hesitação no ar, um tipo de carga
elétrica que fez a pele de Zoe vibrar.
Ela ignorou essa sensação estranha,
mantendo o olhar sobre ele como se o
choque de sua intensa corporalidade não
parecesse sugar todo o ar ao redor,
como um aspirador. Ou como se ela não
percebesse, porque não deveria. Porque
não podia.
– É um hábito horrível que tenho.
Zoe ergueu as sobrancelhas em
desafio. Hunter era um homem que
jogava para viver, e gente assim
buscava desafios de todo tipo, não podia
evitar. O que significava que ela poderia
usar isso contra ele.
– Pelo jeito, não consigo evitar.
– Recomendo parar imediatamente –
disse ele com um brilho sombrio
naqueles famosos olhos azuis, sobre os
quais as princesas do pop vinham
cantando nos últimos anos.
Zoe baixara todas as músicas nas
últimas semanas como parte de sua
pesquisa exaustiva sobre a vida e as
atitudes asquerosas de Hunter Grant, o
quarterback de pior comportamento da
história da liga nacional de futebol
americano. Ela precisava saber de cada
detalhe sobre ele, já que ia usá-lo como
sua arma pessoal.
E iria usá-lo. Hunter apenas não sabia
disso ainda.
– E do que você desistiu para se
tornar um especialista no assunto? –
perguntou ela. – Além do futebol, é
claro.
– Não larguei o futebol. Fui demitido.
Com muito preconceito. Pode ler nos
jornais.
– Estou achando que talvez você não
seja a melhor pessoa no mundo com
quem falar sobre desistir.
Hunter arqueou os lábios.
– Não dou a mínima para aquilo de
que você desiste ou não, benzinho. Mas
gostaria mais de sua pessoa se estivesse
nua.
Era uma pena ele ser ainda mais
atraente ao vivo, pensou Zoe. Efeito
daquele cabelo loiro escuro displicente
que parecia nunca se ajeitar, por mais
curto que o usasse.
Seu belo rosto com olhos que
deveriam ser lindos e maçãs que
deveriam parecer esquisitas, mas que
combinavam com seu maxilar truculento,
o tornava assustadoramente masculino,
apesar das coisas repulsivas que ele
dizia.
Zoe conhecia cada centímetro daquele
rosto famoso, daquele sorriso forçado, e
boa parte daquele corpo muito
fotografado que hoje, ou mais
provavelmente na noite anterior, entrara
em um jeans desbotado e uma camisa
Henley que envolvia sua forma esguia.
Hunter teria sido o queridinho dos
jornais de qualquer maneira, devido à
fortuna de sua família, sua beleza
americana e suas insípidas, porém
lindas,
atrizes.
Mas
foi
seu
comportamento meio patife, meio
bandido no campo de futebol que o
manteve estampado em toda revista de
papel brilhante durante a década
complicada que fora sua carreira no
futebol.
Ele não passa de um playboy, pensou
ela, sorrindo como se gostasse dele.
Bonito, malicioso e convencido, como
todos da raça. Zoe conhecia bem. Estava
ali dez anos atrás quando Hunter
mostrou quem de fato era. Não esperava
que ele se recordasse disso, mas
tampouco queria que ele a lembrasse.
Ainda não.
Não até que Hunter fizesse o que ela
precisava que fosse feito e a ajudasse a
acabar com Jason Treffen.
– Satisfeita?
A voz dele não soou amigável nem
educada, e Hunter não esboçou aquele
sorriso cheio de charme que Zoe vira em
todas as desculpas que proferiu depois
de cada um de seus muitos escândalos,
quando era um astro do futebol. Ele
apenas a observava com uma
curiosidade que a fez perder o fôlego.
– Não estou admirando você – Zoe
afirmou com frieza.
E não estava mesmo. É claro que não
estava.
– Não acha que deveria?
A fala estava mais lenta do que nunca,
mas ainda parecia desafiadora. Desafio
lançado, porque, como era de se
esperar, ele não resistiria.
– Geralmente sou objeto de intensa
admiração, do tipo que traz mudanças. É
um dos meus muitos fardos a carregar.
Zoe ficou surpresa por uma parte sua
querer rir da maneira como Hunter disse
isso, com um sarcasmo mordaz que
sugeria que ele era muito mais
autoconsciente do que ela imaginava.
Mas como não sabia o que fazer com
isso, em vez de explorar um pouco mais,
partiu para os negócios.
Mexeu na bolsa, abriu a carteira e
entregou à dançarina mais próxima seu
cartão de crédito, sem desviar o olhar
de Hunter, até que a outra mulher o
apanhasse.
– Tome. Leve-as. E não deixe
ninguém voltar até que eu dê permissão
– Zoe ordenou, e ficou encarando a
dançarina até que a mulher a
obedecesse, após lançar um olhar de
relance para Hunter, e tirasse o grupo de
strippers dali com um aceno de cabeça.
– É como se você fosse minha fada
madrinha – Hunter comentou, com a voz
arrastada, quando ficaram sozinhos,
lembrando-a de que ele passara a última
década no Texas. A fala parecia ainda
mais lenta do que antes, agora que
estava sozinho no camarote. E, de certa
maneira, mais alta. – Porém, estou bem
crescidinho. Posso pagar por minhas
strippers.
Zoe sentou-se em uma cadeira ao lado
dele para que pudesse ficar de frente e
impedi-lo de sair dali. O brilho nos
olhos de Hunter indicava que ele sabia
muito bem o que ela estava fazendo. E
que permitiria.
Ela ignorou-o.
– Parabéns, sr. Grant, hoje é seu dia
de sorte.
– Parecia melhor cinco minutos atrás,
antes de você espantar todas as mulheres
seminuas daqui.
– Marquei horário por intermédio de
seu agente, mas parece que você prefere
canais mais casuais, hoje em dia.
– Se esse é um modo complicado de
dizer que mandei Harvey se danar,
acertou.
Zoe sorriu. Harvey Speer era um
temível agente esportivo, conhecido por
criar barreiras intransponíveis entre
seus clientes e o mundo externo. Assim,
ela quase chegara às lágrimas pelo fato
de ele não estar mais envolvido na vida
de Hunter. Isso facilitaria as coisas para
ela.
– Sou Zoe Brook. Você já deveria
saber disso. Sou a melhor relaçõespúblicas da cidade de Nova York, se
não do mundo, e vou restaurar sua
imagem... que, acho que podemos
concordar, anda um tanto manchada.
Hunter a fitou por um momento, e Zoe
poderia jurar que detectara algo em seu
olhar vazio... algo desolado e quase
doloroso. Nada a ver com o homem
superficial e degenerado que ela sabia
que ele era.
No entanto, sua boca ensaiou um
sorriso, seus olhos azuis brilharam, e ela
acreditou que imaginara aquilo tudo.
– Nem pensar, benzinho.
Zoe teve a estranha sensação de que
Hunter ficara de repente perigoso, o que
era um absurdo. Mas ele não desviava o
olhar inquietante do dela.
– Mande as strippers de volta quando
sair, ok?
Zoe sorriu.
– Você não me entendeu. Não estou
pedindo que me deixe fazer isso. Estou
dizendo que farei.
– É um desejo de fã? – perguntou ele,
a voz ainda macia, mas com o olhar
decidido. – Fantasia de perseguidor?
Saia daqui. Vá para a reabilitação. Mas
não espere que eu faça algo. Gosto da
minha notoriedade do jeito que está.
Zoe riu.
– Não sou sua fã.
– Tudo bem admitir. Tenho muitos
fãs, mesmo hoje em dia. Alguns gostam
de inventar histórias complicadas para
se aproximar de mim, e eu não me
importo. Não me importa quem seja. No
entanto, mais uma vez, tampouco me
importo com quem eu sou.
– Sejamos honestos, sr. Grant.
– Certamente. Toda essa bajulação
está me deixando zonzo. Só pode, estou
bêbado.
Porém, ela não achava isso. O olhar
dele estava penetrante demais, não havia
garrafas na mesa, e Zoe estava tão perto
dele que, se houvesse cheiro de álcool
em seu hálito, teria sentido. Por que
Hunter queira que ela achasse que
estava bêbado quando não estava? Ela
deixou o pensamento de lado e inclinouse para a frente, sorrindo.
– Você tem o tipo de lançamento que
faz qualquer homem chorar de alegria,
mesmo que o tenha negligenciado e
tratado sem o menor respeito por toda a
sua carreira – disse ela, com frieza. –
Seu mau comportamento é lendário, e
você perdeu seu time no Super Bowl
este ano. Além disso, pelo que dizem
por aí, você nasceu com uma colher de
prata na boca; afinal, é o herdeiro da
fortuna do grande Grant. Realmente,
acho que ninguém simpatizaria com
você. Em nada.
– Os boatos não são verdadeiros. – O
sorriso dele era imperturbável. – A
menos que esteja falando da colher de
prata que usamos para cheirar grandes
quantidades de cocaína. Daquelas que
passamos adiante em nossos estranhos
rituais da puberdade, de um menino
mimado para outro. A primeira troca
aconteceu no Mayflower, creio eu. É um
imperativo genético nesse ponto.
Zoe ficou surpresa por querer sorrir
com aquele absurdo. Até mesmo rir.
Mas isso seria com certeza uma
fraqueza, e ela não permitiria nada
disso. Nunca mais. Não com alguém
como ele, que não se encontrava
drogado nem bêbado, mas queria que ela
achasse isso.
Todavia, Zoe não estava ali para ser
compreensiva; só para usá-lo.
– Você poderia ter ido direto para um
banco de investimentos quando saiu de
Harvard, e brincado com seu dinheiro
do banco imobiliário pelo resto da vida.
Como seu pai e seu avô fizeram. Porém,
optou por jogar profissionalmente, para
o eterno horror de seus parentes
burgueses esnobes. Todos esperavam
que não se saísse bem, mas você virou
um astro. Você deveria ser uma das
grandes histórias de sucesso desta era,
um atleta com uma mente treinada. Um
exemplo para nossa época. – Zoe o
encarou sem o menor esforço para
esconder o desdém. – Um herói entre os
homens.
Embora Hunter continuasse sorrindo,
Zoe estava certa de ter vislumbrado algo
sombrio passar em seu rosto mais uma
vez, antes de ele conseguir esconder.
– Infelizmente, sou apenas eu. Embora
meu potencial desperdiçado me
assombre, pode ter certeza.
Isso não era escuridão, disse Zoe a si
mesma com seriedade. Era vazio. Hunter
não era nada além de uma concha
fechada, sem nada dentro. E esse era
exatamente o motivo pelo qual ela o
escolhera para colocar Jason Treffen em
seu devido lugar.
Zoe passara anos infernais sob o
controle dele, e lembrava-se dos três
homens naquela noite de um dezembro
distante que a convenceram de que devia
se salvar, ou morreria. O próprio filho
de Jason, Austin, que hoje era advogado
como o pai. Alex Diaz, agora repórter
investigativo. E Hunter, o jogador de
futebol rico e bonito, que obviamente
não era o cérebro do trio.
Ela decidira que enfim estava pronta
para fazer o que fosse preciso, e Hunter
seria o mais fácil de manipular. Isso era
evidente.
– Duvido muito – disse ela, a voz
suave, embora seu olhar não o fosse, e
ficou surpresa por ele a encarar de
modo tão firme. De não ter se
esquivado. – Você é um completo vazio
para sua alma ignorante. Uma sombra
antissocial, se eu tivesse que definir. A
boa notícia é que isso o torna o
candidato perfeito para uma posição
corporativa de alto escalão, que deduzo
seja sua próxima etapa. Ou melhor,
deveria ser, e eu posso ajudá-lo a
conseguir isso.
Zoe achou o sorriso dele penetrante,
sem mais mau humor nele, apenas por
trás daqueles olhos azuis, enquanto
Hunter se inclinava em sua direção
como se estivessem partilhando
segredos.
– Vou confessar, sr. Grant… essa é
uma abordagem única.
Era uma antiga rotina de incentivos e
punições, e Hunter não deveria estar tão
consciente disso e ao mesmo tempo
imperturbável. Zoe se aproximou.
– É a transição da fúria no campo de
futebol para o domínio corporativo que
precisa ser refinado – continuou ela,
ainda soando animada e tranquila,
apesar de as coisas não estarem indo do
jeito que imaginara. – O que você
precisa aprender é como esconder
melhor sua verdadeira face.
– Não escondo minha verdadeira
face, de modo algum – ele contrapôs.
E havia algo de devastador na
maneira como Hunter disse isso, que
atingiu Zoe como um golpe, baixo e
firme; e ela não fazia ideia do motivo.
– Por que me daria a esse trabalho,
afinal? Todos já conhecem.
Zoe cruzou as pernas, recostando-se
como
se
também
estivesse
completamente relaxada, ali naquele
lugar horrendo, na companhia de um
homem por quem deveria sentir aversão.
Por quem sentia aversão, desde antes
de começar a conversa.
Zoe ignorou aquela pontada estranha
dentro de si diante do olhar sombrio
dele, resquícios daquela sensação
esquisita.
– Acho melhor tomar cuidado com
homens ricos e poderosos que também
são conhecidos por sua beleza, porque
tendem a acreditar em suas próprias
fantasias e, em geral, nem mesmo sabem
que estão mentindo. E sempre mentem,
principalmente quando afirmam que
estão dizendo a verdade.
Ele colocou a mão no peito, cobrindo
o lugar onde o coração deveria estar,
caso tivesse um. Zoe estava incrédula. A
boca dele se ergueu no canto, zombando
dos dois.
– É como se você me conhecesse... –
Hunter se mexeu no sofá, e ela achou
que
ele
estava
se
sentindo
desconfortável, embora sua expressão
não sugerisse isso.
Apenas aquela masculinidade feroz
que era unicamente dele e uma
intensidade estranha que ela não
conseguia enquadrar. Um tremor a
atingiu, suave e profundo, como o eco de
um terremoto bem distante, mexendo
com as memórias de sua infância
poeirenta e ensolarada na Califórnia.
– Você está me encarando –
argumentou Hunter. – Tem certeza de
que não é minha fã? Pergunto porque
costuma ser exatamente isso que os fãs
fazem.
Zoe sorriu e percebeu sua língua
afiada, como uma faca. Esperava que ele
também percebesse.
– Estou calculando o tamanho de sua
devassidão sr. Grant. Há tantos milagres
que posso realizar, sabe? Alguns
clientes em potencial precisam de
algumas semanas, ou meses, no que
chamamos de spa antes mesmo de
podermos ter uma conversa sensata
sobre reestruturar uma imagem pública
já manchada. E a sua… – Ela deixou que
seu sorriso falasse por si e moveu a
mão, indicando o lugar onde se
encontravam. – Bem... Você está mais
enferrujado do que a maioria, não é?
– Gosto de pensar que não há danos
estruturais.
A boca dele curvou-se de novo,
embora seu olhar estivesse na altura do
dela, e Zoe sabia de tudo muito bem
para poder acreditar nele.
– Imagino que dependerá de como era
a estrutura original. Ou de como era
antes de todos esses anos de devassidão
e decadência.
Havia um lampejo de algo inquietante
naqueles olhos muito azuis, ainda
concentrados nos dela.
– E considerando que você fosse a
melhor relações-públicas que o dinheiro
pode comprar, de acordo com sua
estratégia de vendas, menos de cinco
minutos atrás, deve ser capaz de
transformar qualquer coisa enferrujada
em um pilar muito limpo e
resplandecente da comunidade, caso
queira.
Não havia falsa modéstia nela quando
respondeu com um simples “Sim”.
– É muito difícil de acreditar, se essa
for a maneira como conversa com seus
clientes
em
potencial.
Que
provavelmente não são descontraídos e
joviais como eu.
– Você ainda não concordou em ser
meu cliente, sr. Grant. – Zoe deixou que
ele visse a dureza por trás de seu sorriso
e seu olhar. – Mas devo alertá-lo de que
não estou falando sobre milagres.
Ninguém vai confundi-lo com o Dalai
Lama, por mais brilhante que seja nossa
campanha. Sou uma relações-públicas
de renome, não um santo de causas
perdidas.
– Esse seria São Judas.
– Como?
– São Judas. Martirizado com um
machado muito tempo atrás; o que deve
ter doído, ou não seria um martírio, não
é? E, desde então, ele é o santo das
causas perdidas.
– Eu nunca o imaginaria como do tipo
religioso. Mais do tipo que blasfema e
profana, se sua história pessoal e lista
de processos de paternidade servir
como guia.
–
Processos
de
paternidade
descartados – corrigiu ele, com uma
nota de desaprovação. – E o fato de
saber o nome de alguns santos não me
torna um crente.
Algo sombrio passou no semblante
dele, mas quando Zoe piscou, já tinha
sumido, e Hunter estava do mesmo jeito
que ela achava que sempre fora.
Vagamente desafiador. Zombeteiro.
Arrogante e dolente, como se ela tivesse
apenas imaginado que ele pudesse ser
diferente, embora Zoe não tivesse a
menor ideia de por que ela poderia
querer isso.
– Não? – Zoe indagou.
Mas quanto mais ele a olhava, mais
Zoe perdia o rumo da conversa, como se
ela fosse comestível e ele estivesse
faminto.
– Isso só diz que leio muito. – Hunter
deu de ombros. – Quanto mais
intocáveis eu descubro, mais divertido
fica derrubá-los. Um após o outro.
– E por “leio muito”, deduzo que
queira dizer revista Playboy? Odeio
informar, mas não acho que alguém
acreditaria que você se interessa pelas
matérias.
– Faço mais do que ler, admito. – A
expressão dele se transformou em uma
alegria sombria. – Quer ver?
Algo acendeu-se, uma espécie de
lampejo rápido de consciência, e Zoe
lembrou a si mesma que não estava ali
para desafiar esse homem. Tinha um
motivo específico, um plano, e Hunter
era a ferramenta perfeita para executálo. Não havia espaço para mais nada.
Não fazia diferença que ele fosse mais
inteligente e menos bêbado do que
imaginara.
Além disso, ela sabia muito bem o
que ele era. Sabia o que tinha feito. Por
que estava tão difícil manter o foco,
agora que se achava tão próxima dele?
– Acha que sou assim tão fácil de
seduzir? – perguntou ela, tentando
manter a entonação mais maliciosa do
que acusadora. – É assim que funciona?
Você dá uma indireta sexual, assim,
meio indiferente, e elas caem aos seus
pés?
– Eu não tinha pensado em nada
assim. – Hunter estava zombando dela,
com aqueles olhos claros e irritantes. –
Mas agora sim.
– Você não faz meu tipo – disse ela
com firmeza e suavidade. – Prefiro
cérebros a músculos, para começar.
– Como?
Mas Zoe percebeu que ele nem
mesmo parecia ofendido. Talvez
estivesse se divertindo. O que fazia seu
belo rosto acender; deixava aqueles
olhos muito brilhantes.
– Estudei em Harvard.
– Como todo parente e ancestral seu,
sr. Grant, desde 1600 em Massachusetts
Bay
Colony.
É
bem
menos
impressionante ser um herdeiro. Seria
mais notável se você não tivesse
estudado em Harvard.
– Eu não entrei simplesmente em
Harvard – salientou ele, aquele brilho
no olhar que nunca se apagava. Pelo
contrário, intensificava-se, como se
realmente estivesse pensando nela aos
seus pés. – Também me formei. Isso é
difícil, mesmo para alguém com sangue
azul correndo nas veias. – Sorriu,
malicioso. – Cérebros e músculos.
Ela deu de ombros.
– Também não gosto de esportes.
Principalmente
futebol
americano.
Joguinhos de guerra sem noção e brutais
com roupas idiotas e fingindo ser
importante. – Ela sorriu. Com doçura. –
Sem ofensa, é claro. Apenas minha
opinião.
– Eu me orgulho de nunca ficar
ofendido com as opiniões que não pedi,
vindas de estranhos – afirmou Hunter.
Ele se mexeu no sofá de novo,
movendo suas pernas para debaixo da
mesa, deixando Zoe ciente de sua
proximidade. Como pareciam íntimos
assim, quase aconchegados, em um
camarote privativo com esse homem.
Esse homem horrendo.
Zoe usou de todo seu esforço para não
se distanciar dele, mas esse era o jogo.
Era o que precisava para sair vitoriosa.
E ela venceria.
– Fui despedido dos jogos de guerra –
Hunter confidenciou por um instante. –
Se isso ajuda.
– E também não gosto dos Filhos da
Revolução dos brancos burgueses –
disse ela que com pesar. – Com um
sangue tão azul que praticamente sai
pelos poros, ainda achando que o mundo
é seu feudo pessoal. É um defeito
estranho, eu sei.
Isso fez com que ele sorrisse mais
largo.
– Com toda essa pesquisa que você
fez, já deve saber que sou a ovelha
negra da minha família de Filhos e
Filhas Burgueses da Revolução. Eles
suspiram pesado sempre que me veem, o
que não é frequente. Sou terrivelmente
escandaloso.
– Ou talvez seja só você, sr. Grant.
Não posso dizer que gosto de sua
pessoa.
– E mesmo assim aqui está você –
disse Hunter, e algo no seu tom de voz
deixava claro que ela era uma tola por
subestimá-lo,
embora
ele
ainda
estivesse rindo com aquela aparência de
belo e despreocupado. – Vir com essa
conversa de vendedor em uma boate de
striptease em uma manhã de terça... Sabe
quem faz isso, srta. Brook?
Seu nome na boca dele, naquela boca
conhecidamente devassa, mexeu com
ela, fazendo-a se sentir mais relaxada do
que deveria, como se Hunter
conseguisse derreter facilmente todo o
gelo e aço de dentro dela. Zoe disse a si
mesma que estava horrorizada com o
pensamento.
– Fãs e perseguidores.
– Asseguro que não sou nenhum dos
dois, sr. Grant.
– Então por que diabos assumiria a
tarefa hercúlea de tentar restaurar meu
bom nome? – Ele deu risada. – Não tem
como ser feito.
– Tenho meus motivos. Tudo o que
precisa fazer é se beneficiar com eles.
– Deixe-me adivinhar... Seu coração
bondoso?
– Não tenho coração, sr. Grant. Tenho
um plano. E você é parte integrante dele.
É isso.
A energia que bloqueava o ar em
torno dele ficou ainda mais tensa, como
um punho implacável. Então Hunter
sorriu, acionando algo sedoso e
ameaçador que descia pela espinha de
Zoe. Ela percebeu que não conseguia
compreendê-lo. Sua pesquisa não a
preparara para isso, fosse lá o que isso
fosse. Nem para ele.
– Desculpe desapontá-la – disse ele
num sussurro aveludado, da maneira
como outro homem falaria de sexo e
desejo, que atingiu Zoe como um toque
–, mas estou comprometido com minha
espiral descendente, e isso não deixa
espaço para mais nada. Certamente não
para uma mulher misteriosa e seu
“plano”.
Hunter se levantou de uma maneira
sinuosa que a fez lembrar que ele se
sustentara a maior parte de sua vida com
aquele corpo talhado em aço. Zoe não
sabia por que isso deixava sua garganta
seca, mas deixava. Era quase um
tormento.
O que estava acontecendo com ela?
– Sinta-se à vontade para ficar e
aproveitar o show. – Hunter arqueou a
sobrancelha, com um sorriso afetado. –
As dançarinas daqui são talentosas. Não
se esqueça da gorjeta.
Ele começou a passar por ela em
direção à porta, dispensando-a com
facilidade.
– Espere. – Zoe levantou-se e tentou
pegá-lo, mas ele a viu e virou-se,
levando uma de suas notáveis mãos,
consideradas milagrosas, ou algo assim,
como diziam, para agarrar a dela no ar.
Como se tivessem coreografado.
E uma sensação a assolou, um calor
selvagem, transformando-a em uma
pedra, ali mesmo onde estava. Virando
seu corpo contra ela própria.
Zoe sentiu o peso daquele simples
toque. Isso a aturdiu, e, antes que
pudesse pensar melhor, antes que
pudesse sequer pensar, ela levou o olhar
de suas mãos para o rosto dele… E tudo
ardeu. Brilhante. Quente. Doloroso.
Impossível.
O olhar de Hunter se estreitou. Ficou
sombrio.
Faminto.
Zoe precisou de todo o orgulho
duramente adquirido, de toda a
determinação para não puxar sua mão da
dele, muito maior que a sua, para
recuperá-la, para acabar com essa coisa
louca que a aqueceu nos piores lugares
possíveis, do orifício em sua barriga até
os locais mais secretos abaixo. Por trás
dos joelhos. Na curva da nuca. Os
cumes dos seios de repente rijos e
doloridos, felizmente escondidos por
trás da lã espessa de seu vestido.
Mas ela não se deixava enganar. Ele
sabia disso.
E Zoe odiava reagir assim a um
homem como Hunter Grant. Que seu
corpo não se importasse com o que
sabia sobre ele. Que não tivesse
aprendido nada nesses longos e difíceis
anos. Que simplesmente queimasse por
dentro.
– Prefiro não ser tratada com
grosseria, obrigada – disse Zoe, a voz
equilibrada e precisa, fria como os
ventos invernais nos cânions da cidade,
e ele nunca saberia o que isso
significava para ela. – Ainda mais por
homens estranhos famosos por seus
longos
anos
de
promiscuidade
compulsiva e comportamento geralmente
rude.
Hunter deixou a mão pender, mas
aquela nova luz permanecia em seus
olhos, intensa e incerta, concentrada
nela, como se ele enxergasse todas as
coisas que Zoe escondia; seus segredos
e suas cicatrizes. Como se ele soubesse
que ela usava uma máscara. Como se ele
pudesse enxergá-la de fato, quando
ninguém mais conseguia.
Isso mexeu muito com Zoe, mas ela
lutou para não revelar em seu semblante.
Em seus olhos. Em seu corpo rijo, que
desejava as coisas que nunca desejara
antes, que ela não sabia como desejar.
– Sou famoso por outras coisas
também – salientou ele, quase gentil.
E Zoe já lera sobre isso, é claro. Seu
suposto talento sexual. E ela odiava o
fato de que Hunter pudesse imaginar
isso de forma tão vívida. Insistente.
Como se ela fosse como as outras
mulheres e pudesse se sentir atraída…
Chega!
Zoe emitiu um som que era muito
ridículo para ser uma risada.
– Homens ricos e entediados são
muito previsíveis, sr. Grant. Posso
garantir que já vi todo tipo de
transformação da perversidade humana e
aquilo que deve ser o último
“calabouço” na ilha de Manhattan.
Chicotes,
correntes,
bancos
de
palmadas, é tudo tão cansativo... – Ela
deu um sorriso largo e falso. – E,
embora esteja certa de que suas
excentricidades
particulares
são
fascinantes, vou ficar só com sua
palavra.
Ele riu de forma brusca. E ela não
entendia por que imaginou ter ouvido
algo que mostrava um Hunter Grant
melhor e mais profundo do que a lenda
entediante e de mau gosto, do que o
profissional imbecil. Algo que sugeria
que ele era mais do que o que Zoe
conhecera, quando sabia que não era.
Hunter era a chave para sua vingança.
Só isso. E nada mais tinha importância.
Ela não permitiria.
– Só existe uma maneira de você
aprender sobre minhas excentricidades –
Hunter falou, a entonação ficando mais
macia, mais sombria, conectando-se
diretamente com aquela coisa ainda
brilhante demais e perigosa demais
dentro dela, deixando-a dolorosamente
consciente de que era sua própria fome.
Uma fome impossível e alarmante
pelas coisas que se recusava a desejar.
Que não queria.
Hunter esperou até que Zoe tornasse a
olhá-lo.
– Mas vai precisar pedir com
delicadeza.
Zoe garantiu a si mesma que não
sentia nada. Nenhuma chama. Nenhuma
necessidade.
Nada, maldição. Não por um homem
desses.
– Não há a menor chance de isso
acontecer – Zoe afirmou com toda a
frieza que conseguiu reunir.
Ele sacudiu a cabeça, embora seus
olhos azuis brilhassem, e era como uma
chuva de fagulhas dentro dela, que a
deixaria
assustada
caso
ficasse
pensando nisso.
– Se você diz, srta. Brook... – Mas ele
sorriu, confiante e seguro, apesar da
escuridão que ela causava nele. Ou,
talvez, devido à escuridão. – De repente
fiquei muito mais interessado nos seus…
serviços.
Estava na hora de lembrar quem ela
era, quem se tornara. O que tinha
passado.
Zoe arqueou uma sobrancelha.
– Não faço pedidos com gentileza, sr.
Grant. Na verdade, não costumo sequer
pedir. E, para ser honesta, prefiro que
me implorem. – Ela sorriu, como ele. –
Pode começar ficando de joelhos.
Desta vez, ele gargalhou, e ainda
continuava parecendo faminto, ao
encará-la bem de perto, como um lobo
raivoso. Zoe não se lembrava da última
vez em que se sentira assim. Atrevida,
fora de equilíbrio. Sem o menor
controle.
Quando compreendeu isso, jurou para
si mesma que preferiria morrer a deixar
que acontecesse de novo. Nunca mais.
– Não preciso de uma relaçõespúblicas – Hunter afirmou, com
suavidade, como se fosse uma carícia. –
Caso seja isso o que esteja realmente
oferecendo.
Ela não sabia por que não conseguia
respirar direito, por que os olhos dele
estavam tão brilhantes, por que a
maneira como Hunter a olhava a fazia se
sentir como se tivesse sido virada do
avesso. Exposta e vulnerável. Como era
possível?
– É.
– Que pena...
Hunter era tão grande e lindo, e ela
nunca tivera essa consciência a respeito
de outro homem como tinha dele, de
todo ele, sobretudo da maneira ardente
como Hunter a fitava.
– Porque se quisesse ver por si
mesma o motivo desse estardalhaço todo
com relação às minhas extravagâncias
pessoais e previsíveis de homem rico…
Isso eu provavelmente poderia fazer.
Não era a primeira vez que um
homem lhe propunha esse tipo de coisa.
Mas era a primeira vez que Zoe sentia o
corpo arder com a proposta, e ela ficou
apavorada com a possibilidade de ele
saber disso, também. Que Hunter
sentisse o mesmo calor.
Ela não poderia deixar isso
acontecer; era impossível, portanto,
descartou.
– Esse é o código das cavernas para
“durma comigo para que eu possa
colocá-la no seu devido lugar”? –
perguntou Zoe, fria e desafiadora, de
volta ao seu terreno conhecido, porque
conhecia essa rotina. Ela conseguia lidar
com isso, pois Jason Treffen a ensinara
muito bem. Uma lição dolorosa de cada
vez. – Porque você deve saber, antes de
tentar me arrastar pelo cabelo para
algum lugar, que não vai terminar do
jeito que você quer. Isso eu garanto.
Hunter parecia intrigado, e sua cabeça
pendeu ligeiramente para o lado. Mas o
olhar devorador dele não oscilava –
continuava
brilhante,
ardente
e
consciente.
Atingindo-a
fundo,
penetrando-lhe os ossos, como uma dor.
Era essa última parte que a fazia
imaginar exatamente o quanto de
controle ela estava usando.
– Não quero arrastá-la pelo cabelo
para algum lugar e me divertir com
você, srta. Brook.
O sorriso nos lábios dela se
transformou em escárnio, mas Zoe
estava mais preocupada com o bater
lento e pesado de seu coração, e com o
calor em seu ventre.
– Porque você não é do tipo?
Havia algo além da predação nos
olhos dele, agora duros e ardentes. Um
saber sombrio na curva de sua boca que
se relacionava com o rufar dentro dela,
disparando
sua
pulsação,
sua
respiração, tornado realidade seu pior
medo.
– Sou exatamente esse tipo de cara.
Mas já disse: vai precisar pedir com
delicadeza. – Ele sorriu como se
estivesse no controle.
E ela não podia permitir isso.
– Não. – Zoe se zangou, porque a
negativa saiu como um sussurro, fraco e
incerto.
O sorriso dele se alargou, como uma
promessa.
– É você quem está perdendo –
murmurou ele, e o fogo dentro dela
aumentou, quase em combustão.
E Hunter tornou a rir, dispensando-a
com facilidade, e virou-se para ir
embora. De novo. Para sempre desta
vez, Zoe percebeu, e não podia deixar
isso acontecer.
Zoe não tinha escolha.
– Eu não faria isso sr. Grant.
Ela não sabia por que a secura em sua
boca parecia se traduzir em algo como
tremor por todo resto. Afinal, tinha
consciência, antes mesmo de abordá-lo,
que provavelmente chegaria a esse
ponto.
Esperou que Hunter se voltasse e a
olhasse, e fingiu que o brilho em seus
olhos não a afetava, como todo aquele
desgaste, como se ele pudesse ver
através dela, quando sabia – e ela sabia
– que Hunter não era capaz. Ninguém
era.
Zoe forçou um sorriso.
– Eu sei o que houve com Sarah.
CAPÍTULO 2
SARAH.
Esse nome pareceu ecoar por todo o
clube, abafando a música, eliminando
todo o resto da sua mente. Atravessou o
corpo de Hunter, como um relâmpago,
só que mais sombrio. Muito pior. Muito
mais danoso.
Ele deveria ter percebido.
Se não estivesse tão desconcertado
com a aparência de Zoe Brook, como um
choque de cafeína, vestida com cores
escuras que salientavam o poder de seus
olhos azul-acinzentados e dos lábios
pintados de vermelho-escuro, ele teria
previsto isso.
Zoe usava roupas muito caras para
iniciantes, o que significava que ela não
deixava o corpo à mostra. Não se jogou
para cima dele em vez de cumprimentar.
Não havia nenhum motivo para se
aproximar dele, muito menos fazer
desaparecer um clube inteiro cheio de
mulheres de beleza convencional e
acessíveis.
E, mesmo assim, ela era a única coisa
que Hunter conseguia ver, desde o
momento em que seus olhares se
cruzaram.
Mas mulheres como Zoe não se
aproximavam dele hoje em dia, menos
ainda em lugares como esse. Não o
procuravam. Achavam que sabiam tudo
o que precisavam saber sobre Hunter, e
ele, por sua vez, fazia o possível para
confirmar as ideias vulgares a seu
respeito. Elas o condenavam a uma
distância segura, com sua superioridade
moral, e Hunter gostava assim. Não
queria estar perto de alguém a quem
pudesse arruinar; não faria isso de novo.
Ele deveria ter percebido.
Sarah ainda era seu maior problema,
mesmo após todos aqueles anos. Para
sempre. Merecidamente, e ele estivera
se enganando, achando que poderia
evitar tudo isso, agora que estava de
volta a Nova York. Imaginando que
poderia ignorar essa terrível verdade.
Pondo fim às tentativas dos seus
velhos amigos de finalmente fazer algo a
respeito do que aconteceu com ela, com
o atraso de uma década.
– Como? – A voz não soava nada
como a dele.
O sorriso de Zoe afetou-o de uma
maneira prejudicial. De uma maneira
insensata.
– Você me ouviu.
– Sim. Mas acho que não sei o que
quer dizer com isso.
O sorriso dela se alargou, e Hunter se
sentiu desestabilizado. Furioso e carente
em vez de seu estado predileto de
torpor. Meio perdido, e era a duração
disso que ele achava imperdoável.
Aceitou o fato de que era o pior tipo
de homem dez anos atrás. Provou isso
todos os dias desde então, não é mesmo?
Por que isso não podia terminar?
Nunca terminava.
– Ah, acho que sabe, sim – Zoe falava
quase animada. – Mas pode fingir o
contrário, se quiser. Não ficarei com
uma imagem ruim de você. Duvido que
seja impossível. De qualquer maneira,
ficarei a sua espera no meu escritório
amanhã de manhã às 10h.
– Suas expectativas vão terminar em
frustração, srta. Brook.
– Espero que não.
As sobrancelhas impecáveis de Zoe
se ergueram. Hunter não conseguia
entender qual o problema consigo
mesmo; ela podia ameaçá-lo e ele a
desejava de qualquer jeito.
– Sou muito boa em conseguir o que
quero, sr. Grant. Você não vai querer me
testar.
– Está me chantageando, srta. Brook?
Os olhos acinzentados dela tinham um
cintilar de triunfo, o que a fez parecer
bela na penumbra do clube.
Mas Hunter tinha feito das mulheres
bonitas sua ocupação, e Zoe Brook não
satisfazia os requisitos. Era muito ácida,
muito mordaz. Seus lábios carnudos
eram intensos demais para um sorriso
forçado, seu olhar azul-acinzentado,
direto demais, inteligente demais. O
cabelo era grosso e negro; sua figura,
atraente e elegante sob as roupas que
sussurravam seu sucesso com linhas
elegantes, mas não podia dizer que era
bonita. Ele gostava de suavidade e
doçura. Sussurros ardentes, olhares
derretidos. Ela era tão… tão demais.
E isso sem saber que, quando a
tocasse, ele pegaria fogo.
– Isso sugeriria que deve haver algo
sobre sua ex-namorada que poderia ser
usado para chantageá-lo – disse ela
depois de um momento de consideração.
Sua boca se contraiu. – Está dizendo que
há?
– Não tenho ideia. Não sei do que
você está falando. – Hunter sorriu. –
Mas todos conhecem o incompetente
profissional que eu sou.
– Não acho que seja incompetente –
ela contrapôs, e não na forma de um
cumprimento. – Mas o resto todo, sim.
– Talvez esteja certa. É preciso certo
grau de inteligência para continuar
comprometido com minha própria
destruição. – Manteve o olhar no dela. –
De todo modo, ainda não sei do que
você está falando.
Houve uma pequena pausa, e o mundo
externo se fez ouvir. O pulsar insistente
da música alta da boate. O som distante
de uma risada. Seu próprio coração
batendo forte.
– Você é bem autoconsciente para um
troglodita, devo admitir – disse ela
como se estivesse acenando uma
bandeira branca.
– Fui um troglodita profissionalmente,
nunca socialmente. É uma distinção
crucial.
– Está me dizendo que é desse jeito
por vontade própria?
– Não somos todos? – perguntou ele,
com mais aspereza do que queria.
Hunter percebeu que revelara demais,
quando ela inclinou a cabeça para o
lado e fitou-o com uma franqueza
desconfortável.
Ele precisava se afastar dessa mulher.
Precisa acabar com essa conversa. Não
sabia por que não conseguia fazer isso.
Por que estava ali parado diante dela
como se esperasse pelo julgamento,
sabendo que ela já o tinha feito? Antes
mesmo de chegar, sem dúvida, ou não
teria procurado por ele dessa maneira.
Mas isso não deveria importar.
– Eu tomaria muito cuidado com esse
joguinho, se fosse você – Hunter
murmurou. Mostrando mais do que
deveria, mais uma vez. – Você pode não
gostar de onde isso vai acabar.
– Não se preocupe. – Havia certa
severidade no semblante de Zoe que
parecia ódio, o que não deveria
surpreendê-lo.
Não mais. Isso deveria tê-lo feito se
sentir vazio, como se ela mesma o
tivesse escavado com uma colher
dentada enquanto estavam ali, parados,
próximos o bastante para se tocar.
– Não vou ficar magoada porque está
sendo mesquinho comigo, sr. Grant. Eu
não sou ela.
Aquelas palavras atingiram-no em
cheio. Infalíveis e letais.
Zoe Brook sorriu de novo, um sorriso
ainda mais largo.
– Dez horas – ela tornou a dizer.
Hunter ficou ali parado, sem ação,
como Zoe decerto pretendia, com sua
fala arrastada e aquele brilho gélido nos
olhos que lembravam o mar da costa do
Maine, onde sua família tinha uma casa
de campo enorme, onde ele vira essa
tonalidade cinza perigosa no Natal.
E nele crescia aquela crueza à medida
que ela o olhava e não via nada além
das coisas sombrias e terríveis que tinha
feito.
Hunter preferia quando se sentia
vazio. Ao menos sabia quem era.
Zoe estendeu um cartão de visitas
para ele.
– Não se atrase.
E, quando ela saiu, ele não se mexeu,
como se Zoe o tivesse colado no lugar.
Como se ele tivesse sido reduzido a
cacos. Sombras e mentiras onde seus
ossos deveriam estar. Ruínas do homem
que ele nunca fora.
ES S A FOI a vida que você criou, Hunter
disse a si mesmo, quando por fim saiu
da boate para a manhã fria de fevereiro,
o inverno rigoroso batendo em seu rosto.
Fez sinal para um táxi na avenida
gelada e ficou olhando pela janela
enquanto Manhattan ia ficando para trás,
a caminho de sua cobertura minimalista
e sem vida que se erguia acima de Wall
Street: a cripta perfeita para os mortosvivos, pensou, quando a comprou alguns
meses antes.
Afinal, fora ele quem dera um soco na
cara do juiz, em dezembro, no meio de
uma decisão acirrada e calorosa. Hunter
sabia o que estava fazendo e o que
provavelmente aconteceria. Porém, não
ligava mais para ficar se contendo.
Sua carreira toda tinha sido um
exercício de ultrapassar os limites. Foi
colocado no banco de reserva, multado,
repreendido. Disse a um repórter, certa
vez, que queria saber o que era preciso
para ser completamente expulso da liga
de futebol; foi quando conseguiu provar,
enfim, que não estava de brincadeira.
– Observem – disse a dois de seus
três colegas de quarto da faculdade, com
sua arrogância prepotente típica durante
o deprimente jantar anual, antes de sua
insônia ficar ainda mais perturbadora
com uma carta anônima e um punhado de
acusações desagradáveis em que não
queria pensar.
Exibiu os nós de seus dedos
arranhados com grade orgulho, sem
enganar nenhum dos homens que o
conheciam muito bem, mas era assim
que eles jogavam durante esses anos
todos. Sorrisos largos. Grandes
histórias. Um imenso abismo entre eles.
Ou talvez fosse ele.
– Sou bem-sucedido em tudo o que eu
faço – disse Hunter, sorrindo para
Austin Treffen e Alex Diaz como se eles
tivessem todos dezoito anos e uma plena
explosão de esperanças, sonhos e
grandes ideias sobre como seriam suas
vidas.
Em vez do que eles eram de fato, o
que se deixaram tornar nesses anos de
silêncio. Comprado e pago. Cúmplices.
– Como sempre.
Mas Hunter não queria pensar em
Sarah Michaels, muito menos agora que
Zoe Brook atirara isso em seu rosto. Ele
evitava esse assunto desde a noite em
que Sarah morreu, mas o destino e
aquela maldita carta de Austin jogada na
mesa naquela noite de dezembro
interferiram.
Dez anos atrás, Hunter suspeitava que
Sarah o tivesse traído depois de três
anos intensos de namoro, desde a
faculdade até o primeiro ano deles na
cidade de Nova York. Foi por isso,
pensava Hunter, que ela terminara com
ele na época.
Hunter achava que a culpa sobre seu
comportamento fizera com que Sarah
tirasse a própria vida naquela noite
terrível, e ele nunca se perdoou por seu
papel na decisão dela. Que ele agira mal
com ela ficou bem claro depois que
Sarah morreu, e isso já era bem ruim.
No entanto, a carta que Austin
recebeu sugerira que era pior do que
isso, muito pior, e Hunter não via como
conseguiria viver com o que sabia
agora. Consigo mesmo, por não ter
sabido disso na época.
Era um insensível, um desalmado,
cego e egoísta ao extremo. Desperdiçara
sua vida como se estivesse em uma
missão para fazer isso desde o início.
Desapontou a família, os amigos, os
dois times de futebol em que jogou
durante sua carreira, todos os seus fãs.
Ele desperdiçou todo o talento que
tinha. Deixou que a única garota que
amara fosse embora, direto para os
braços de um monstro, e não percebeu
nada, a não ser a própria dor e o ciúme.
E sabia que esse não era o menor de
seus pecados.
Porque ainda se lembrava de cada
momento daquela noite, dez anos atrás,
na festa de Natal do escritório de
advocacia do pai de Austin. Como Sarah
chegara até ele com toda aquela dor
sombria no rosto e como ele gostara.
– Posso falar com você? – perguntara
ela. – Por favor...
Talvez depois, dissera ele, fazendo de
conta que não se importava, que mal
prestava atenção. É uma grande noite.
Já estava na hora de Sarah se sentir
um pouco como ele se sentia, Hunter
decidiu então. Estava gostando da
aparência perdida, assustada e hesitante
dela, todas as coisas que Sarah
Michaels nunca fora. Hunter acreditava
que ela enfim reconhecera o imenso erro
que cometera ao terminar com ele.
Achava tão irônico que tivesse sido
totalmente fiel a Sarah, mesmo sendo um
atleta profissional; e fora ela quem o
traíra, e com o pai de Austin, ninguém
menos que ele.
Estivera tão certo de que era a vítima,
tão cheio de razão de que Sarah
cometera tal atrocidade... E, em
consideração ao que ela fora na
faculdade, ele disse a si mesmo
hipocritamente, optou por manter em
segredo. Porque era um cara muito legal.
E porque ele era todas essas coisas
mesquinhas, porque achara que aquele
olhar disperso no rosto dela – tudo
relacionado a ele, óbvio – não bastava,
tinha de fazer mais. Assim, Hunter
tomou a mão da jovem com quem estava
circulando e pediu-lhe que se casasse
com ele; bem ali, no meio da festa de
Natal com toda aquela elegância e
dinheiro herdado que Treffen, Smith e
Howell reivindicavam para si.
Hunter observara Sarah ir embora
enquanto o champanhe era servido,
parecendo insignificante e vencida. E
todos esses anos depois, ele ainda se
sentia
envergonhado
da
enorme
satisfação que experimentara na época.
Não tinha ideia de que seria a última
vez que a veria. Que passaria o resto de
sua vida imaginando que se soubesse
que nunca mais colocaria os olhos em
Sarah viva poderia ter feito algo
diferente.
Uma sombra antissocial, teria dito
Zoe Brook. Ela não fazia ideia de como
estava certa.
Então, mais uma vez, se soubesse
sobre Sarah, talvez tivesse.
ZOE SÓ conseguiu voltar a respirar
direito ao entrar em seu apartamento,
tarde daquela noite, fechando-se para o
mundo. Tirou as botas no hall de entrada
e andou de pés descalços pelo
apartamento, que se estendia ao longo de
todo o terceiro andar de uma casa de
arenito vermelho anterior à guerra, no
Upper West Side.
Respirava fundo enquanto se movia
pela sala com seu turbilhão de cores
vibrantes, deixando sua máscara de
durona cair. Em casa, era outra pessoa.
Ali, era a Zoe que deveria ser.
A Zoe que não fora arruinada.
Seguiu para o banheiro, tirando as
roupas de trabalho pelo caminho, em
direção à bela banheira de pés disposta
no piso preto e branco que parecia um
tabuleiro de xadrez. Abriu a torneira e
colocou um sachê de seus sais de banho
favoritos, deixando o aroma de lavanda
trabalhar.
Havia mais de Jason Treffen em sua
mente do que o habitual nessa noite, e
isso a deixou tensa.
Sua interação com Hunter Grant pela
manhã não ajudou. O problema era que
ela teve vontade de tocá-lo de novo, ali
parado no meio de uma boate de
striptease, em todos os lugares. Queria
tocá-lo, e isso não fazia sentido. Não
para ela.
Sua pele coçava. Nova. Como se não
lhe pertencesse mais.
E essa noção estranha levou-a de
volta ao passado. Seus avós a tinham
criado com rancor, depois de seus pais a
terem
abandonado,
lembrando-a
diariamente de que não estavam fazendo
mais do que sua obrigação cristã.
E foi isso mesmo que fizeram. Zoe
cresceu no deserto do sul da Califórnia,
mundos inteiros e uma longa estrada de
distância da glamorosa Los Angeles. Era
geladíssimo no inverno, brutalmente
quente no verão, e havia sempre aquele
vento inquietante do deserto, vindo das
desoladas montanhas marrons, deixando
todos tensos.
Zoe tentara ao máximo amar seus
avós e sua pitada de caridade que eles
nunca a deixaram esquecer até que
completasse dezoito anos. Tentou
mesmo. A escola não foi fácil para ela,
mas Zoe se candidatou a uma bolsa de
estudos e a conseguiu, porque não tinha
escolha, se quisesse mesmo fugir.
Quando conheceu Jason Treffen em
uma atividade da bolsa de estudos, no
seu último ano na Cornell, ele era
charmoso e gentil. Jason compreendia.
E, por isso, quando lhe ofereceu ajuda,
ela aceitou.
Ainda não era capaz de se perdoar
por isso.
Jason saldara seus empréstimos
estudantis porque disse que conhecia
uma promessa quando via uma.
Contratara Zoe como sua assistente
jurídica em sua elegante firma de direito
na cidade de Nova York, e ela ficou
muito grata. Pela primeira vez na vida,
sentia-se cuidada. Até mesmo mimada.
Como se fosse digna de amor, depois de
tudo, apesar dos avós.
Foi só na segunda vez em que Jason a
convidou para jantar com um amigo dele
– porque o velho parceiro estava
sozinho e Zoe era uma linda garota que
poderia ser prestativa, não poderia? –
que ela sentiu aquele aperto no
estômago. E foi somente depois de mais
um ou dois “favores”, que terminaram
com negociações cada vez mais intensas
de sexo, que Jason sugeriu que ela
deveria ter aceitado, e Zoe enfim
entendeu. Que ela finalmente viu o lobo
em pele de cordeiro.
Mas, nesse momento, claro, ela já
estava presa na armadilha. Jason era
bom no que fazia. E ainda melhor ao
punir as garotas que não cooperavam.
Era rico, poderoso e bem relacionado,
e, como ele dizia sempre, ninguém
acreditaria nela, de qualquer maneira.
Foram necessários três longos e
terríveis anos para Zoe comprar sua
liberdade. Ela viu outras garotas se
entregando. Às drogas, ao desespero.
Zoe quase desmoronou. Era difícil
demais, e ela estava sozinha – achava
mesmo que poderia vencer um homem
tão poderoso quanto Jason em seu
próprio jogo? –, mas, então, sua amiga
Sarah cometeu suicídio.
E isso mudou tudo.
Zoe compreendeu que tinha de
escapar, ou tudo isso – a morte de
Sarah, o que ela sofreu durante aqueles
anos todos, o que acontecera com as
outras garotas – teria sido em vão.
Precisava escapar, ou Jason venceria.
Zoe torceu seu longo cabelo negro em
um coque bagunçado no topo da cabeça
e testou a água na banheira, deixando
que escorresse por entre seus dedos. E
tudo voltou à memória. Inundou-a,
exigindo sua rendição, como sempre foi.
Insistindo que se lembrasse de tudo.
– Você realmente acredita que pode
fugir de mim? – Jason riu dela no último
dia em seu escritório, lá no alto, quando
Zoe jogou o cheque arduamente ganho na
frente dele e disse que para ela bastava.
Estava indo embora. Enfim, era livre.
– Tirei você da obscuridade, Zoe.
Você não possui nada que não tenha sido
dado por mim e nunca terá. Lembre-se
disso.
– Você me tornou uma prostituta – ela
afirmou, o ódio, o terror e o desgosto
deixando sua voz rouca. Óbvio demais.
– Prostitutas geralmente fecham o
negócio. – Ele parecia tão satisfeito
consigo mesmo... Tão presunçoso... Nem
um pouco preocupado de que ela estava
escapando de suas mãos. – Esse é o
problema com as prostitutas. O que se
faz é brincar com o perigo. Você tem
sorte de existirem tantos homens que
gostam de pagar pelo privilégio desse
tipo de provocação.
Mas por uma ou duas noites ela saíra
do sério, não é mesmo? Quando eles
simplesmente conseguiam o que
queriam. E pela maneira como Jason
olhara para ela, Zoe soube que ele
sabia.
– Sim – ela falou por entre os dentes.
– Sortuda é como me sinto. Estou
tomada pela gratidão.
– Ficará – ele garantiu.
Anos se passaram, e Zoe ainda não
conseguia tirar a risada dele dos
ouvidos,
apagar
aquele
sorriso
malicioso da memória.
– Oi, Zoe.
Ele a surpreendera nos bastidores, na
sala verde de um dos shows noturnos
que eram gravados localmente naquela
época, onde ela orientava um cliente
como parte de seu primeiro emprego
como relações-públicas. Zoe o encarou,
na esperança de que desaparecesse,
como às vezes acontecia nos pesadelos,
que ela se recusava a admitir que vinha
tendo desde que escapara da Treffen,
Smith e Howell.
Mas ele, é claro, apenas sorrira para
ela.
– Você não morreria por ser um
pouco educada – Jason comentou, gentil,
mas ela podia ver o monstro naqueles
olhos.
– Na verdade, eu poderia morrer, sim.
O sorriso dele se alargara, ficando
mais amigável. Jason Treffen na sua
característica mais perigosa.
– Aproveite esse seu espírito
insolente – disse ele, como se estivesse
conferindo um dom a ela. – Não vai
durar.
Alguns de seus colegas tinham
entrado na sala e ficaram surpresos com
a presença de Jason Treffen, o santo de
Nova York, ali parado com uma nova e
modesta associada como Zoe.
Ela foi obrigada a sorrir com
educação enquanto Jason tirava fotos
com eles. Quando ele deslizou o braço
sobre os ombros dela. Enquanto Jason
conversava com todos, distribuindo seus
inúmeros chavões e ideias, que
adquiririam um tom de pesadelo caso
soubessem o que se encontrava por trás
delas.
Jason planejara aquele encontro, Zoe
sabia disso. Para lembrá-la de que,
sempre que quisesse, poderia alcançá-la
e fazê-la se sentir nojenta e barata.
Usada.
Zoe já prometera que acabaria com
ele algum dia. Depois desse confronto,
ela determinou que queria que doesse. E
seu desejo de vingança a fazia arder por
dentro, uma chama nua, quente e
brilhante. O eclipse de todo o resto.
– Você só existe porque eu permito –
dissera ele em um evento de caridade,
cinco anos antes, agarrando seu cotovelo
e fazendo-a sentir como se milhares de
insetos percorressem sua pele. – Tudo o
que você possui, tudo o que conquistou,
é meu. Eu dei a você, e posso tirar tudo.
Ela já não era mais tão jovem. E não
se importava muito por estar morta por
dentro.
– Não consigo imaginar por que você
se incomodaria. – E ela ficara tão
orgulhosa que conseguira permanecer ali
parada como se fosse uma pedra, como
se não se importasse de ele a estar
tocando.
– Por que faço algo? – Mais uma vez,
aquela risada sórdida.
Ele afundou os dedos na parte macia
acima do cotovelo, deixando o braço de
Zoe dormente. Ela lembrou-se de que
Jason gostava de impor dor, de observar
os outros sofrerem. Mas Zoe apenas
encarou-o de volta, fria e sem
expressão, sem desejar dar-lhe a
satisfação de reagir.
– Porque eu posso, Zoe. Posso fazer o
que eu quiser. Lembre-se disso.
A última vez que o vira fora meses
atrás. Ela estava em um restaurante
refinado, celebrando o aniversário de
um dos seus antigos clientes, que
também era um político poderoso em
Nova York. Esperava ver Jason ali,
manipulando as pessoas como sempre, e
não se desapontou.
Preparou-se para o inevitável
encontro, mas ele não a abordou.
Estivera divertindo-se em uma multidão
de admiradores até que uma mulher
surgiu ao lado dele e sussurrou algo em
seu ouvido.
Zoe viu a maneira como Jason deixou
sua mão descansar por um longo
momento no ombro da jovem. Vira como
se voltou para olhá-la dos pés à cabeça,
o brilho do sorriso repulsivo dele, que
fazia seu estômago embrulhar do outro
lado da sala. Vira os dois seguirem para
a porta, a mulher saindo à frente dele;
assim, não pôde mais ver o rosto dela.
Aquele rosto inexpressivo, a não ser
pelos olhos escuros que mostravam um
sofrimento repugnante e gritante.
Zoe conhecia aquilo. E muito bem.
Era como um soco no estômago, tão
forte que não deixava respirar, e ela
precisava continuar ali, observando.
Sentiu, então, algo diferente, aquela
sensação doentia, arrepiante, que lhe
dizia que ele a vira. Certamente, quando
ela desviou seu olhar da jovem mulher
que saíra apressada da festa para a
calada da noite, Jason a analisava.
Ele manteve o olhar no dela por entre
a multidão. Tão arrogante. Tão superior.
Zoe apertou os dedos tão forte ao redor
da haste do cálice de vinho que ficaram
marcas fundas na pele. Achou que fosse
vomitar ali mesmo.
Jason Treffen mal abrira um sorriso.
Satisfeito, como sempre. Ganhando,
como de costume.
Zoe respirou fundo, voltando para o
próprio banheiro. Você está segura,
disse a si mesma, várias vezes, até que
sua frequência cardíaca suavizasse.
Entrou na água quente e mergulhou
naquele abraço sedoso, ficando
submersa até o queixo.
Finalmente, chegara a hora. O país
todo se preparava para celebrar Jason
Treffen e seus muitos anos de “serviço”
humanitário, e era aí que Zoe entrava.
Era o momento de nocauteá-lo, de
atingi-lo onde doía.
Estava na hora de tirar proveito para
si mesma.
E Hunter Grant – que namorara Sarah
Michaels quando Zoe e ela caíram na
armadilha de Jason, que partiu o
coração da pobre garota, que ostentou
outra mulher diante dela na noite em que
Sarah morrera e que achava que não
estava fazendo coisa ainda pior – ia
ajudá-la nisso.
Ou Zoe o destruiria, também.
Não importava o que Hunter a fazia
sentir.
HUNTER ODIAVA Midtown com fervor.
Odiava as ruas repletas de zangões
repugnantes, tão arrogantes e brutos.
Odiava o prédio da sede da Treffen,
Smith e Howell, uma caixa preta sem
inspiração arquitetônica, que não se
distinguia do resto do bloco em que se
situava.
Odiava a urgência das multidões nas
ruas. Os onipresentes vendedores de
cachorro-quente, o mau cheiro dos
metrôs que subia pelas grades aos seus
pés, o brilho negro da fonte apática que
dominava a entrada do pátio para o
prédio e ficava sem água nessa época do
ano, como uma metáfora.
Hunter não entrava nesse prédio
desde a noite daquele Natal horrível,
dez anos atrás.
Mas estava sob o cerco de no mínimo
três diferentes processos legais graças
ao seu comportamento e, finalmente,
concordara em se encontrar com sua
equipe jurídica hoje, nesse lugar
detestável. Esse monumento enorme e
faminto por tantas mentiras.
Hunter sabia que poderia deparar com
Jason ali. E provavelmente iria. O nome
do homem estava gravado na parede,
afinal de contas. Ele não sabia o que
faria caso isso acontecesse.
Sabia o que queria fazer, o que
deveria ter feito uma década atrás: dar
um soco no nariz desse canalha
presunçoso insuportável, que era o
mínimo que Jason Treffen merecia.
Talvez já estivesse na hora de
garantir que ele recebesse isso, mas é
claro, precisaria de ação.
Austin dedicou-se, desde o macabro
jantar de aniversário em dezembro, a
expor o monstro que seu pai era com a
família. Alex passou a arquitetar
maneiras de fazer com que Jason
pagasse publicamente. Austin e Alex
tinham planos. Queriam acabar com
Jason e tinham ideias sobre como fazer
isso. Austin já fizera sua parte. Alex
vinha trabalhando na dele.
Ao passo que Hunter estava evitando
tudo, como se isso pudesse fazer com
que esquecesse. Junto com a maioria das
mensagens e ligações que recebeu dos
velhos amigos, durante sua estada lá.
Ele não olhou seu reflexo nas portas
brilhantes do elevador a sua frente, ao
subir até o escritório. Sabia o que o
encarava. Zoe Brook fora conservadora
demais no resumo de suas falhas.
As portas se abriram, e Hunter não
ficou surpreso ao encontrar uma mulher
jovem parada ali, elegante, educada e
deliciada por vê-lo.
Parecia um déjà vu.
– Olá, sr. Grant – disse ela, sorrindo.
– Sou Iris.
Se ele tivesse de adivinhar, diria que
ela era a mais nova encarnação do que
Sarah tinha sido. O cargo era de
assistente legal, na época. Mas se essa
fosse outra das garotas de Jason, fazer o
trabalho de assistente era apenas a ponta
do iceberg.
E esse sentimento desagradável de
embrulho no estômago dizia a ele que
sabia muito bem o que aquele iceberg
implicava e que essa garota era parte
disso. Estava com a corda no pescoço,
sem dúvida.
Uma vítima que ele não poderia
salvar. Quantas haveria agora? Quantas
mais haveria antes que ele fizesse algo a
respeito? Quantas pessoas poderiam
dizer que sua inércia cega tinha uma
contagem de corpos real?
– Muito prazer, Iris. – E Hunter pôde
ouvir a aspereza na própria voz. Essa
fúria exacerbada, tão ineficaz quanto o
resto dele. Forçou um sorriso. – Você
está aqui para eu não me perder?
– O sr. Treffen me enviou para pegálo. Ele gostaria de vê-lo e cumprimentálo antes da reunião.
Se percebeu que Hunter congelara ou
que o sorriso desaparecera de seu rosto,
Iris estava muito bem treinada para não
comentar. E que Deus o ajudasse, ele
não queria pensar nos malditos
programas de treinamentos de Jason
Treffen.
– É por aqui – disse ela.
Mas Hunter não a seguiu quando Iris
começou a se mover. Ficou ali, junto aos
elevadores, desejando ser um homem
diferente.
– Sr. Grant?
– Por favor, diga ao sr. Treffen que
não tenho tempo para vê-lo hoje. –
Porque não sei se tento matá-lo com
minhas próprias mãos ou se devo
tentar me controlar. Ou, ainda pior, se
não faço nada. – Tenho certeza de que
ele entenderá.
A máscara educada de Iris não se
alterou.
– É claro – disse ela, suavemente.
E Hunter a deixou ir, de volta para o
inferno, como fez com Sarah, dez anos
atrás. Nem mesmo disse a si mesmo que
era melhor assim.
Porque ele deixava tudo o que tocava
muito pior.
NAQUELA NOITE, Austin escreveu as
mensagens em maiúsculo.
Após ter evitado um Treffen hoje,
Hunter achou que seria melhor evitar o
outro também. Não que fosse justo
colocá-los juntos.
Hunter não se importava, porém.
A noite de inverno caíra lá fora,
escura, gélida e pouco acolhedora. Não
estava muito melhor dentro da cobertura,
que parecia se agigantar ao redor dele,
dilatada, sombria e espessa com todos
os seus pecados. Sentou-se no escuro,
assistindo ao SportsCenter naquela TV
gigantesca que ocupava quase toda a
imensa parede.
Hunter soltou um suspiro quando
Jason Treffen apareceu na tela da TV,
lembrando-se de que esse era um dos
motivos pelos quais seus amigos
estavam tão motivados para agir. Agora,
Jason se achava a algumas semanas de
ser celebrado em rede nacional, e um ou
outro anúncio parecia promulgar seu
rosto sorridente, como se ele estivesse
concorrendo para um cargo público.
Sem oposição. A cobertura estava
implacável.
Treffen, o incansável advogado das
mulheres, em sua primeira entrevista
minuciosa!
Treffen, defensor dos oprimidos e
benfeitor pessoal de tantos, finalmente
se abre!
Foi quase um alívio quando a
programação regular retornou e um dos
antigos colegas de Hunter, que o estava
processando, surgiu na tela. Hunter
colocou no mudo, sem querer ouvir, de
novo, um resumo das maneiras em que
sua expulsão da liga de futebol foi uma
bênção para todos os interessados.
Ele pôde ver seu antigo recebedor
dizer “Ele nunca foi um jogador de
equipe” direto para a câmera, como se
soubesse que Hunter o assistia, com ou
sem som. Isso tudo era parte da mesma
música e dança que todos no futebol
profissional vinham apresentando desde
meados
de
dezembro,
independentemente de estarem abrindo
processos uns contra os outros. Hunter
poderia citar a si mesmo, quase palavra
por palavra.
Por si mesmo. Não um jogador de
equipe. Prima donna. Desperdício de
potencial, desperdício de recursos,
narcisista…
Blá-blá-blá.
Parecia o momento perfeito ligar para
um velho amigo com quem não queria
conversar, para discutir um assunto em
que ele não queria pensar.
Eu sei o que houve com Sarah, Zoe
Brook dissera. O que significava que ele
não parara de pensar sobre isso, não
importava o quanto desejasse.
– Pare de me enviar mensagens –
resmungou Hunter quando Austin
atendeu o telefone. – Você parece uma
garotinha de catorze anos. Estou
ocupado.
– Ocupado fazendo o quê? Jogando
duro? – Austin deu uma risadinha. –
Porque, pelo que eu sei, você não está
trabalhando.
– Eu tenho o que fazer. Não percebi
que teria de revelar minha agenda
através de uma secretária.
– Você está sentado em seu
apartamento de solteiro, sozinho,
chorando seus dias de glória na ESPN
On Demand – disse Austin, com
desprezo. – Não está?
Ai!
– Vou repetir: pare de me enviar
mensagens. Quando estiver cansado dos
meus dias de glória, você será o
primeiro a saber.
– As notícias brotam, idiota, e nem
mesmo são a seu respeito. Nunca foi, na
verdade.
– Então você tem ainda menos
motivos para me importunar.
– É claro que sua reação é
desaparecer
–
Austin
parecia
desesperado. – Por que estou surpreso?
Por que achei que desta vez seria
diferente?
– Porque você é um otimista tolo?
– Aqui está o que você faz – Austin
disse, como se não tivesse ouvido o
sarcasmo de coração. – Você já fez isso
há dez anos, e vai fazer agora de novo.
– Essa conversa me recorda por que
eu não tenho namoradas. Vamos
conversar sobre para onde nossa relação
está indo? Você está se sentindo gordo?
Irá me contar sobre suas mágoas na
sequência?
– Acho que você mostrou seus
sentimentos no campo de futebol e nos
tabloides, na última década – rebateu
Austin. – Tudo isso enquanto se
mantinha o mais longe possível dessa
fossa.
Hunter não disse nada, porque era
verdade. Depois da morte de Sarah, ele
largou tudo. Saiu do apartamento que
dividia com Austin e Alex em Nova
York, sem uma palavra. Conseguiu ser
transferido para Dallas no início da
temporada seguinte e nunca teve
nenhuma intenção de voltar para Nova
York. Ou a essas amizades que já tinham
sido mais importantes para ele do que
sua própria família.
– Você quer alguma coisa em
especial, Austin? – Hunter esfregou o
rosto com a mão. – Ou você só desejava
bater papo comigo? Fico muito grato,
fico sim, mas, da próxima vez não
precisa ligar. Mande flores. Mas eu não
gosto de rosas.
– É isso que acontece com você
quando não está jogando futebol? Pare
de falar de flores.
– Podem ser tulipas. Também aprecio
lírio oriental. E hortênsia ocasional.
Ele não tinha ideia do que dizia. Mas
sorria maliciosamente na escuridão, o
que parecia uma melhora. Lembrou-se
daqueles dias, muito tempo atrás,
quando chamava Austin de irmão.
– Foi atingido na cabeça, hoje,
Hunter? Quer dizer, mais forte do que o
normal?
Isso só fazia com que Hunter quisesse
falar de, digamos, arbustos. Gramados
ornamentais. As pequenas alegrias das
hortas. Ele mal conseguiu se conter.
– Entendo – disse Austin com uma
aspereza conhecida na voz, quando os
minutos passavam e Hunter continuava
calado.
Ele se parecia muito como da última
vez em que Hunter o vira, em um bar
aqui ou ali, onde Hunter fingia que ele
era o tipo de homem que se importava
com alguma coisa.
– Essa é a parte em que você se
esconde na multidão, certo? Finge que
não está envolvido, como antigamente.
– Não sei do que você está falando –
mentiu Hunter, e teria sido impossível
imaginá-lo fazendo piadas sobre flores
alguns minutos antes, como se ele e
Austin
fossem muito
próximos.
Precisava lembrar-se de que perdera
tudo na noite em que perdeu Sarah. Tudo
aquilo em que já havia pensado era
importante. – Estou bem aqui. Falando
ao telefone quando em geral aquela
quantidade de mensagens de perseguição
leva direto a uma ordem judicial.
– Não sei por que fico surpreso.
Existe alguém na sua vida que você não
tenha desapontado, Hunter? Uma que
seja?
Ele
pensou
em
seus
pais
indignadíssimos, que nunca entenderam
o desejo dele de jogar futebol, muito
menos sua inclinação por escândalos
públicos envolvendo seu péssimo
temperamento e decisões ainda piores.
Em seu irmão JP, o futuro magnata, que
apenas balançava a cabeça diante do
comportamento de Hunter. Bem, não
dependia dele para nada. Até mesmo sua
irmã caçula, Nora, que já olhara para
ele com toda aquela adoração de super
herói nos olhos, passara todas as
tradicionais festas de Natal da família
Grant,
no
Maine,
suspirando
profundamente toda vez que ficava a sós
com ele. Como se sua expulsão do
futebol a tivesse finalmente forçado a
vê-lo como todo o resto o via.
– Você deveria ter me enviado um
buquê, Austin. Teria muito menos drama
e frustração.
Mais tarde, Hunter sentou-se no
escuro, só com a TV como companhia, e
disse a si mesmo que gostava assim.
Tinha trinta e três anos, e perdera
todas as pessoas que significaram
alguma coisa para ele. Alguns homens
mereciam
vidas
de
desespero
silencioso, de confinamento solitário.
Uma casa vazia, uma vida abandonada,
outro inverno completamente sozinho.
Zoe Brook enganava a si mesma: não
havia reabilitação para ele. Não tinha
por que fingir.
Hunter nunca estivera destinado a
nada, a não ser isso.
CAPÍTULO 3
– É
isso que perdeu outro
compromisso, sr. Grant, ou é apenas um
pouco de deleite noturno durante a
semana? Autoindulgência, quem sabe?
Odeio falar isso, mas está parecendo
autopiedade.
Por um instante, Hunter achou estar
sonhando com aquela voz sarcástica e
divertida que só poderia pertencer a
uma
pessoa.
Mas
não
estava
adormecido. Ficara ainda mais um
pouco
no
sofá,
completamente
POR
enfurecido, depois de falar com Austin
e, então, resolveu ir para a academia,
descarregar a raiva na esteira.
Correu quilômetros, até que suas
pernas ficassem trêmulas e fracas.
Depois, sentou-se na banheira de
hidromassagem com os jatos no máximo,
fazendo de conta que sua mente se
achava complemente vazia.
Deparou com Zoe Brook ali parada
quando abriu os olhos, como uma
daquelas aparições em que ele não
queria mais pensar. Ela usava outro
vestido elegantíssimo, cinza metálico,
que flutuava sobre suas curvas esguias,
deixando-o com a boca seca, e uma
malha longa sobre ele. Os lábios eram
vermelhos, os olhos, frios, e não havia
nenhum motivo para que Zoe o estivesse
fitando assim às onze da noite.
– Acho que isso confirma que você
está me perseguindo – disse Hunter, em
vez de todas as outras coisas que queria
dizer. – Preciso chamar a segurança?
– Não é perseguição. É persistência.
Posso entender como você conhece bem
esse conceito.
– Dá no mesmo – murmurou ele.
Zoe esboçou um daqueles seus
sorrisos perversos, e Hunter agradeceu
aos céus pelo fato de as bolhas
esconderem
seu
membro
mais
indisciplinado. Esticou os braços ao
lado do corpo, dentro da banheira, e
retribuiu o sorriso.
Sentiu-se de repente desperto. Com a
mente clara, inclusive. Até que enfim!
Mais focado do que estivera em anos.
– Eu sei que não existe a
possibilidade de ter perdido seu
compromisso hoje de propósito – Zoe
afirmou, de uma maneira brilhante e
tranquila, oposta ao seu olhar arguto
para ele. – Mas receio que já sejam dois
strikes.
– Não entendo metáforas de beisebol.
É um problema de jogador de futebol
americano. Jets, Sharks... Sabe como é.
– Vamos começar de novo, então? Às
dez, na quinta. Não me faça vir atrás de
você de novo.
– Ou o quê? – perguntou, com
aspereza. – Ficaremos os dois nus e
molhados?
Um grupo de mulheres passou por
eles conversando, enroladas em toalhas,
saindo do vestiário, completamente
alheias
ao
fato
de
estarem
interrompendo algo eletrizante. A
conversa delas parou abruptamente
quando viram Hunter na banheira, e
começaram a dar risadinhas excitadas
quando ele lhes sorriu.
Riram mais alto e desapareceram na
sauna, onde houve uma súbita explosão
de gritinhos quando a porta se fechou.
– Acho que me reconheceram.
– Bem – disse Zoe, daquela maneira
irritadiça dela que o fez sorrir –, você
na certa é reconhecível.
Ele ergueu-se, esticando os braços
sobre a cabeça e deixando a água quente
percorrer seu corpo, divertidíssimo com
a maneira com que os olhos dela se
arregalaram ao olhar para o peito dele,
baixando para a bermuda, colada nas
coxas.
Hunter percebeu como Zoe engoliu
em seco. Os olhos azul-acinzentados
correram por sua pele de um modo que,
ele tinha certeza, deixariam nela um
rastro.
Hunter a desejava ainda mais do que
se lembrava naquele dia na boate de
striptease, onde Zoe parecia um raio de
luz, fazendo com que se esquecesse de si
mesmo. Queria saborear a linha elegante
de seu pescoço, saber o que existia por
baixo daquelas belas roupas. Queria ver
aonde aquele rubor nas faces dela
levaria, se ele percorreria o restante da
pele suave dela e se transformaria em
um vermelho vivo.
Céus, como a desejava! Ali, naquele
exato momento. Em qualquer lugar.
– Por que não fazemos a reunião
agora mesmo? – perguntou ele,
estreitando os olhos.
Hunter queria diminuir a distância
entre os dois para que pudesse tocá-la
de novo. Para sentir aquele fogo, que
fazia com que se sentisse vivo de novo.
E por mais que detestasse o que
acompanhava esse sentimento, achava
que gostava desse ardor.
– Você teve o trabalho de me
encontrar na academia no meio da noite.
Já tem toda a minha atenção.
Mas havia fantasmas nos olhos dela
quando tornou a encará-lo.
– Ainda não – ela contrapôs,
suavemente, de forma proposital. – Às
dez horas de quinta, sr. Grant.
– Ficarei a par desse seu plano? –
perguntou ele, entre áspero e divertido,
mas seu corpo não ligava para qual
deles. Simplesmente a desejava. Ainda
mais quando ela soltava aquela risada. –
Ou continuará a dar indiretas vagas e
fazer ameaças não tão veladas?
– Mantenha seu compromisso –
sugeriu ela.
– Gosto do seu estilo. – Hunter
passou a perna pela lateral da banheira
para sair, observando os olhos dela se
arregalarem de novo antes de poder
controlá-los. – Intriga e drama sobre um
compromisso que eu não marquei e nem
quero. Aprecio seu esforço, srta. Brook.
De verdade.
– Pense em como apreciará ainda
mais na quinta. – E Zoe lhe lançou um
sorriso que fez com que ele pensasse em
creme doce e gatos deliciados.
Hunter apanhou a toalha e enxugou o
rosto; quando baixou-a, ela já tinha ido.
Isso não deveria surpreendê-lo. Ou fazêlo rir o bastante de modo a se ouvir o
eco nos azulejos ao seu redor,
lembrando-o do homem que um dia fora
e que hoje mal reconhecia.
Arrumou-se depressa no vestiário e
passou a dar alguns telefonemas. Podia
ser um pária, mas isso não significava
que era menos famoso. As pessoas ainda
atendiam às suas ligações, mesmo que
no meio da noite.
Zoe Brook era a melhor, achava ele, e
ela mesma o afirmava. Conseguia
resolver qualquer problema de imagem,
transformar qualquer comportamento
grotesco em um festival de bolsas de
seda, sem muito esforço. Ela era a
grande jogada.
– O único problema – disse Zair al
Ruyi, seu amigo e colega de quarto de
seus dias de Harvard, de Washington
D.C., onde era embaixador nos Estados
Unidos de seu sultanato distante e rico
em petróleo – é que ela pode muito bem
fazer picadinho de você enquanto o
salva das garras do leão. É a
especialidade dela.
– Por sorte – brincou Hunter –, minha
carne é magra. Não sobra muita coisa.
Zair, dono de seus próprios segredos
sombrios
e
nada
estranho
às
dificuldades, com ou sem imunidade
diplomática, achou graça.
– Ela pode resolver qualquer
problema. Até mesmo o seu.
– E você sabe disso por experiência
própria? – perguntou Hunter, segurando
o telefone com o ombro, enquanto
caminhava pela noite fria. – Diga que
pela primeira vez na vida você planeja
compartilhar.
Hunter não conhecia alguém mais
cauteloso ou mais fechado do que Zair.
Já estavam no segundo ano da faculdade
quando Hunter se deu conta de que nas
suas vagas referências a “casa”, Zair
queria dizer um palácio de sultão. Ou
quando dizia “meu irmão”, ele falava no
sultão de Ruyi.
Seu velho amigo apenas ria agora, o
que fez com que Hunter desejasse que as
coisas fossem diferentes. Que, em vez
de correr atrás de uma bola nos últimos
anos, ele tivesse feito um esforço para
manter contato com seus melhores
amigos, que eram mais irmãos do que
seu próprio irmão. Mas ele perdera isso,
também.
– Independentemente do que Zoe
Brook queira com você, Hunter – Zair
prosseguiu, sem responder à pergunta
diretamente –, eu daria a ela. Porque, do
contrário, suspeito que ela seguirá em
frente e tomará de você.
HUNTER ENCONTROU Zoe na sala de
espera do escritório dela na Columbus
Circle às 10h15 da manhã de quintafeira. Acomodou-se em um dos sofás de
couro brilhante vermelho como se
estivesse em sua própria sala de estar,
um detalhe que ele a viu receber com um
olhar divertido. Suas sobrancelhas se
arquearam, e Hunter sentiu o calor
percorrendo sua pele. Como o roçar dos
dedos dela contra seu sexo.
– Olhe só! – Zoe parecia estar
zombando. – Você sabe andar pela
cidade. E sozinho!
– O charme está na terceira vez –
concordou ele no mesmo tom, ciente de
que a recepcionista o olhava com
admiração. Ou seria com horror? –
Pode-se dizer que mudei de ideia na
academia, ontem à noite.
– Homens na sua idade precisam ter
cuidado – disse ela como que
concordando.
E Hunter teve de sorrir com esse tapa
de luva de pelica. Ainda mais porque
sabia muito bem que ela era um ano
mais nova que ele.
– Seus corações não são mais os
mesmos.
– Fui visitado por uma aparição das
conversas irritantes do passado – Hunter
afirmou, com suavidade –, que me
provocou a vir aqui. Era isso ou
mergulhar em um coma de indiferença.
Zoe sorriu, lenta e triunfante, e ainda
mais ardente. Isso fez com que ele
desejasse que estivessem sozinhos. Fez
com que ele se importasse menos a cada
segundo pelo o fato de não estarem.
– Um coma poderia ter sido um
progresso, sr. Grant, considerando tudo
– disse ela como se pudesse ler a mente
suja dele.
Hunter esperava que ela não
conseguisse. Afinal, passou um bom
tempo imaginando um final diferente e
muito mais satisfatório do que o
encontro na banheira, alguns dias atrás.
– Por que não me segue?
Hunter perdeu-se no balançar
daqueles
quadris,
naquela
saia
encantadora quando ela se virou e ele a
seguiu. A doce curva de seu traseiro. A
maneira como Zoe caminhava, aquele
andar arrogante e confiante que fazia o
corpo de Hunter enrijecer, naqueles
sapatos elegantes com os solados
vermelhos que o hipnotizavam a cada
passo, como um convite para o melhor
pecado.
Ele aceitou. Com satisfação.
– Você diz que é boa no que faz –
Hunter comentou enquanto ela o guiava
pelo hall iluminado e gracioso ao
escritório particular.
– Não preciso dizer isso, sr. Grant.
A curva afiada dos lábios dela, por
cima do ombro, era a melhor coisa que
ele vira em anos. Fazia até mesmo os
espaços vazios e sombrios parecerem
estar cantando, iluminados. Com ardor.
– Meu trabalho fala por si só, e
normalmente nos noticiários noturnos.
Ou quando sou muito boa? De maneira
alguma. Nada de notícias. Nada de
sussurros. Nem mesmo um parágrafo
especulativo nos tabloides, ali entre as
visões de OVNIs. Eu faço desaparecer
por completo, como se nunca tivesse
acontecido.
– Como mágica.
– Mais ou menos isso. Só que mais
caro.
– Gostei da maneira como acabou
comigo na boate naquele dia – falou
Hunter com voz arrastada. – É assim que
funciona? Você faz picadinho dos
clientes para que eles se sintam gratos
quando os recompuser em sua imagem
preferida, o que quer que isso
signifique?
– Não olhe por trás das cortinas, sr.
Grant – disse ela, sem fitá-lo desta vez,
a voz com o tom da risada que ele não
conseguia ver.
Mas queria vê-la. Queria envolver-se
nela. Repetidas vezes, como se a risada
pudesse finalmente purificá-lo.
– Apenas aceite o poder da varinha
de relações públicas. É só deixar a
magia atuar.
– Já estive em alguns times, srta.
Brook. Sei que você precisa me
desconstruir para depois me construir de
novo. É a Guerra Psicológica para
leigos.
– Então, espero que você seja o
cliente perfeito, certo? – Ela acenou
para que ele entrasse em seu escritório e
fechou a porta por trás dos dois.
Hunter olhou em volta enquanto Zoe
seguia para a mesa, absorvendo a
vivacidade das paredes brancas, o piso
de concreto frio com tapetes espalhados
em cores suaves para amortecer a frieza.
O gelo foi aliviado pela visão da cidade
através das janelas e a típica parede de
fotos mostrando Zoe com várias pessoas
famosas e/ou poderosas. Clientes
felizes, provavelmente.
Hunter reconheceu a maioria deles e
observou que Zair estava no alto à
esquerda, sua imagem bonita demais,
séria demais. Seu rosto sem sorriso
naquela parede em particular era outro
mistério que na certa nunca seria
solucionado.
A mesa, feita de lâminas pesadas de
metal e vidro, estava meticulosamente
arrumada, e Hunter suspeitava que Zoe
sabia muito bem como ficava formidável
e intocável quando se encostava nela,
inclinando-se para trás para encará-lo
friamente.
O problema era que Hunter não
respondia a esse tipo de mensagem
como deveria. Da maneira como ele,
sem dúvida, não tinha intenção de
responder. Queria atrapalhá-la um
pouco. Fazer todo aquele controle se
transformar em outra coisa. Algo no
mínimo tão quente, forte e tolo quanto
essa coisa que o assolava, exigindo que
ele se perdesse naquele cabelo enrolado
e macio, tomasse sua boca ferina e
argumentativa na dele, puxasse aquelas
pernas longas ao redor de sua cintura e
mergulhasse dentro dela, ainda com os
sapatos de sola vermelha nos pés.
Queria saber por que ele era o alvo
dela, o que ela queria.
O que Zoe achava que sabia sobre
Sarah.
Hunter continuou caminhando no piso
frio que fazia seus passos soarem como
um tambor, passou pela área de estar
que ficava à direita e não teve dúvidas
de onde Zoe queria que ele sentasse, em
um sofá baixo que o deixaria na altura
dos joelhos dela.
Ele não concordou.
Foi chegando cada vez mais perto,
observando como Zoe lutava para não
reagir, a maneira com que seu rosto
fascinante endureceu e suavizou, quase
no mesmo instante, como se precisasse
pedir a si mesma para manter a calma.
Hunter esperava que mantivesse.
E, então, estava pairando sobre ela,
ameaçador.
Completamente,
assumidamente e inapropriadamente no
espaço dela. Como se, inclinando de
leve a cabeça, ele pudesse enfim provar
da boca de Zoe. Seria tão fácil.
Ela ergueu o queixo para manter o
olhar no dele, mas acabou mostrando
apenas aquela cautela fria que usava
como escudo. Hunter ficou imaginando o
custo disso para Zoe.
Não entendia por que queria saber;
era como um desespero rasgando suas
entranhas, querendo sair de dentro dele.
– Talvez... – disse ela e, embora sua
voz fosse suave, ele podia ouvir algo
sombrio por trás; um indício de dor que
não deveria ter chamado a atenção dele,
gritado para ele – ... eu devesse ter sido
mais clara quanto ao que significa ser
um cliente modelo.
– Fale por que veio atrás de mim. O
que você quer?
Não havia nada além de uma
respiração cortada entre eles, e Hunter
podia apostar toda a sua fortuna que Zoe
queria erguer-se para recuperar um
pouco da altura e de sua vantagem. Mas
não o fez, porque ele saberia exatamente
por que ela estaria fazendo isso. Hunter
ficou imaginando se essa também seria a
razão por ela não ter pedido que se
afastasse. Seria revelador demais.
Ele sorriu. Sempre fora bom nesse
tipo de jogo.
– Fale e eu me comportarei.
– Esse é um exemplo do seu modo de
agir, sr. Grant? – Sua voz estava leve.
Graciosa. Mas não seu olhar. – Porque
parece mais uma tentativa grosseira de
intimidação.
– De forma alguma. Nunca sou
grosseiro.
O problema era que, assim perto, ele
não conseguia se concentrar direito em
coisas como estratégia. Podia sentir o
cheiro de lavanda na pele dela e queria
segui-lo. Saboreá-lo. Tirar-lhe as
roupas e deleitar-se na pele revelada até
que ambos estivessem em frangalhos. Na
mesa, no chão, em qualquer lugar.
Hunter baixou o olhar para a boca de
Zoe, que era mais carnuda e tentadora de
perto. Como um farol, era quase
impossível de ignorar.
– Esse é o primeiro passo em direção
a um eu novinho em folha. Só me diga o
que quer de mim.
– A reabilitação não é fácil para
ninguém – disse ela com a voz regular
demais.
Ele tomou isso como uma vitória, a
adrenalina e a necessidade assolando-o,
soando mais alta do que suas botas
contra o piso rijo.
– Depende do cliente, e os clientes
tendem a ter dificuldade com a parte
mais crucial. – Zoe esperou que ele
erguesse os olhos de novo, e manteve o
olhar por alguns segundos. – Para
começar, você precisa fazer o que eu
digo.
– O que acontece com os clientes que
não fazem?
– Todos acabam fazendo.
– Ninguém é completamente bemsucedido, srta. Brook – salientou ele,
com a entonação mais baixa do que
deveria. Um ruído áspero contra esse
pulsar da urgência, da corrente intensa
entre os dois. – É estatisticamente
impossível.
– Os únicos fracassos que já enfrentei
tinham algo em comum.
O ardor entre eles ficou tenso. Mais
quente. Mais selvagem. Encurralando-o.
Hunter viu a mudança nos olhos dela, em
todo seu rosto.
– Adivinhe o que é.
– Eles não fazem o que você pede que
façam. Para dar seguimento ao assunto.
– Olhe só! – Houve aquele brilho no
olhar cinza dela que parecia o toque que
ele ansiava, como um fogo ardente em
suas entranhas.
Ele se aproximou? Ou ela? Hunter
não conseguia mais discernir.
– O senhor pode ser ensinado...
Hunter podia ver a consciência e a
excitação em seu semblante, como um
sinal luminoso. O leve toque de cor no
alto de suas bochechas, o resplendor em
seus olhos. O vislumbre repentino e
quase chocante da maciez de seus
lábios. Ele precisou de todo o
autocontrole para não se curvar e
saboreá-lo.
Sorvê-la e embriagar-se de seu calor.
Fazê-la sentir aquele fogo que o
enlouquecia. Que preenchia todos os
espaços vazios dentro dele com suas
chamas.
Fazendo os dois arderem.
Hunter gostava da maneira com que
ela erguia o queixo, dura e fria apesar
do clamor e das chamas que dançavam
no ar ao redor deles.
Ele apreciava o pulsar de seu próprio
desejo, um sentimento que estava
adormecido havia muito tempo. Queria
testá-lo com Zoe, ver o que seria feito
deles. Se sobreviveriam. Quanto tempo
arderiam antes de sucumbirem? Ele a
desejava.
– Quer bancar a professora? –
perguntou Hunter, prologando as
palavras, pois gostava do efeito de sua
voz nele, meio provocante, meio
promessa. Podia ver a maneira como
Zoe lutava para esconder. Podia sentir
internamente, forte e quente. – Porque
tenho algumas ideias para a primeira
lição. Acho que vai gostar dos
exercícios. Mas, primeiro, precisa me
dizer por que estou aqui.
POR UM momento, Zoe não conseguiu
lembrar.
Sobre o que estavam falando, o que
estava acontecendo, o que ela estava –
ou não – fazendo? Hunter parecia uma
parede diante dela, imponente e enorme,
além
de
incrivelmente
e
incontrolavelmente másculo.
E ardente. Tão ardente que chegava a
queimar ao ficar muito próxima a ele,
enquanto tentava com ardor manter-se
gélida. Tão ardente que Zoe temia
perder o controle para sempre se não
fizesse algo, qualquer coisa, para evitar
cair no fogo alastrante que parecia
devastar todo o espaço mínimo entre
seus corpos.
Pense, ordenou a si mesma, como
aprendera a fazer em situações muito
piores do que essa. Não reaja
simplesmente. Reflita.
Porém, isso era muito difícil quando
se via cercada por um homem grande,
rude e belo, que olhava para ela como
se quisesse devorá-la. Como se já
conhecesse seu sabor. Como se tudo o
que precisasse fazer fosse mover-se o
mínimo e descobrir.
Não que ela quisesse algo assim. Com
ele. É claro que não queria.
Mas, nesse momento, ali, era muito
difícil de lembrar-se de por que não.
– Sr. Grant... – A voz dela soou
gélida
Zoe cruzou os braços sobre o peito
num gesto óbvio de autodefesa, que não
podia ser evitado. Era apenas humana.
Mesmo que Hunter Grant tivesse sido o
primeiro cliente a fazê-la sentir-se
assim. O primeiro homem que se
aproximara em muitos anos. Talvez
desde sempre; e ela não queria pensar
nas implicações disso.
– Acho que está com uma ideia
errada.
– Não minta para mim, Zoe.
Ela não sabia o que era pior: o humor
na voz dele, o fogo de calor intenso no
olhar ou o afago inesperado de seu nome
na boca dele. Naquela boca máscula,
inebriante, que ela de jeito nenhum se
imaginava reivindicando como sua.
– Pode instigar. Dar voltas. Mas não
minta. – Ele a desafiava.
– Sr. Grant... – Zoe exalou um suspiro
dramaticamente exasperado, como se ele
fosse um menino mau. – O senhor
poderia testar a paciência de um de seus
santos.
– Sorte a minha, então, que não haja
nenhum nesta sala.
– Não preciso recorrer a mentiras. –
Zoe relaxou encostada à mesa, como se
estivesse completamente à vontade.
Como se fosse rotina ter um homem
enorme assim tão próximo, perto de um
beijo que ela preferia evitar, que
poderia abalar seu mundo; e, daí, o que
aconteceria com seus planos para Jason
Treffen? – Pode se surpreender em
descobrir que não é o primeiro dos meus
clientes a imaginar que incluir sexo
poderia tornar o processo mais
agradável para eles.
Uma das expressões sombrias e
ilegíveis dele cruzou seu semblante,
sugerindo, mais uma vez, que Hunter era
um homem complicado. Muito mais do
que ele gostaria de admitir.
E ela ainda não acreditava que fosse
possível. Porque isso dificultaria ainda
mais as coisas que precisava fazer com
ele.
Hunter sorriu, enviando aquele fogo
dançante e sedutor aos locais mais
selvagens dentro dela. Fazendo com que
seu estômago embrulhasse.
– É isso o que estou fazendo? –
Hunter perguntou, numa entonação suave
em que ela não conseguia acreditar. – É
provável que esses clientes tenham de
fato contratado você.
Hunter aprumou-se e enfiou os
polegares nos bolsos do jeans, que lhe
sentava muito bem. O movimento fez a
camisa colar nos músculos rijos de seu
peito, e, graças à brilhante ideia de Zoe
de confrontá-lo na banheira, ela sabia
exatamente o que havia por baixo do
tecido.
Zoe sentiu a garganta se apertar. E
pior ainda, sentiu aquele espaço extra
entre os dois como se fosse uma perda.
Como se fosse um pesar.
– Você não precisa me contratar, sr.
Grant. Já decidi assumir seu caso pro
bono.
– Acalme-se, coração!
O dela estava descompassado.
– Mas estávamos falando sobre sexo.
– Estávamos? Que excitante. Achei
que
estivéssemos
discutindo
reconstrução de imagem. – Mas os olhos
dele se mostravam ardentes demais e
avaliando os dela.
– Não, não achou. – Zoe queria que o
sorriso dele não tivesse esse efeito nela.
Que não fosse tão suscetível a um
homem como ele, algo que teria achado
impossível uma semana atrás. – Bem,
você é sem dúvida um homem atraente.
– Obrigado.
O tom dele soou seco, mas ela não
mudou o seu olhar firme, como se
estivesse palestrando em um palanque.
Se Zoe o mantivesse por bastante tempo,
talvez acalmasse aquela agitação dentro
dela.
– Todas aquelas capas de revista não
podem estar erradas; eu posso me gabar.
– Ele passou a mão pelo corpo.
Naquele momento, tudo parou ao
redor de Zoe. Havia apenas a lenta
jornada da palma da mão sobre o
abdômen rijo e definido dele, como se
Hunter estivesse alisando uma ruga na
camisa, o que ela sabia que não era o
caso.
Zoe o vira molhado e quase nu na
noite anterior, erguendo-se da banheira
como um sonho delirante. Os músculos
definidos, bem como o abdômen, o
caminho de pelos escuros apontando
para o sul. Estava gravado na memória
como uma marca em brasa.
De repente, ficou difícil de engolir,
mas ela se forçou a fazê-lo. E continuou,
como se a aparência dele não a tivesse
perturbado.
– Seu antigo emprego exigia um nível
de aptidão física impressionante, e eu
estaria mentindo se dissesse não me
sentir intrigada.
– E você não mente. Graças a Deus.
– Mas você é um tipo muito
específico de homem. – Ela sorriu
quando ele franziu a testa. – A maioria
dos homens que entram por este
escritório é mais ou menos parecida.
Você está acostumado a se manter no
controle; você mesmo disse isso. Talvez
me ache atraente, mas transaria comigo
de qualquer forma, porque na sua cabeça
isso me colocaria de volta à posição de
subordinada que você acha que eu
deveria assumir. É o tipo de homem que
se excita com isso, sr. Grant. E, de
bônus, continuaria se sentindo no
controle, não importando quantas vezes
eu pedisse para fazer coisas para as
câmeras que você não gosta.
– Bem... – Havia uma espécie de
brilho de consideração naquele olhar
azul e uma grande onda daquele calor
insano que ela fingia não perceber. –
Também seria divertido.
Zoe esperava que ele dissesse algo
assim.
– Não para mim. – Ela o encarou.
Direta e prática. E sabia que estava
colocando um fim naquela conversa, de
uma vez por todas.
Porque Zoe nunca teve um cliente que
viesse até ela e não recuasse quando ela
lhe lançava uma versão desse discurso.
Disse a si mesma que aquele sentimento
agudo em seu peito era café demais, não
a frustração sufocante de que Hunter era
apenas mais um na multidão. Idiotas
intercambiáveis, todos eles, como as
frotas de táxis amarelos percorrendo a
Nona
Avenida,
completamente
indistinguíveis uns dos outros.
Que foi o motivo pelo qual ela o
escolheu, lembrou a si mesma. Porque
ele era como o restante. Como os piores.
– Eu não estava brincando quando
disse que prefiro estar no comando. –
Zoe observou o rosto dele conforme as
palavras iam penetrando-o. – Pode ser
bonito, sr. Grant, mas não quero você,
nem ninguém, a menos que rasteje. E
isso não é uma metáfora.
Tudo ficou quieto.
Dolorosamente quieto.
Os inteligentes olhos azuis de Hunter
estavam muito ardentes, e Zoe sentiu um
aperto esquisito, como se algo duro e
forte estivesse enrolado em suas
costelas; onde uma parte louca e rebelde
sua desejava que as mãos dele
estivessem.
Passaram-se alguns minutos, e Hunter
não fez nenhuma das coisas habituais e
esperadas. Ele não zombou. Não
argumentou. Não se vangloriou, nem
rechaçou ou teceu insultos.
Ficou
apenas
observando-a.
Estudando-a. Fazendo com que ela
percebesse,
com
seu
silêncio
intencional, que subestimara aquele
homem. Isso era inquietante. Zoe
começava a achar Hunter inquietante, e
não entendia como ele conseguira
convencer o mundo de que não passava
de um atleta.
E, então, ele sorriu, quebrando o
momento e fazendo o coração dela saltar
o peito.
– Ok – disse ele.
Zoe estava tão trêmula que quase
gaguejou ao responder, e nunca teria se
perdoado por isso. Respirou fundo,
lutando para se controlar. O que diabos
estava acontecendo com ela? O que
viria depois? Lágrimas? Um gritinho
infantil? Ela percebia a atração dos
dois.
– Não entendo o que isso quer dizer –
ela comentou, quando conseguiu falar
direito.
– Quer dizer ok.
O que era aquela coisa sombria e
faminta no olhar dele que Zoe sentia
atravessá-la, deixando-a tensa e
nervosa,
com
aquela
sensação
concentrada no estômago? O que era
isso? Nesse ponto, qualquer outro
homem que já insistisse assim teria tido
um ataque de birra – provando de uma
vez por todas que o que eles queriam era
que ela cedesse, por mais que
conseguissem.
Mas não ela. Zoe jamais.
Não entendia Hunter. Ele a deixara
nervosa, em partes que ela achava que
nada tocaria, todas as áreas escuras e
escondidas que achou que estivessem
lacradas para sempre.
– Ok? – repetiu Zoe. – Está mesmo
me dizendo que você, Hunter Talbot
Grant III, o John McEnroe do futebol e a
celebridade mais detestável de nosso
tempo, secretamente abriga fantasias de
submissão? Você, o garoto do pôster
para machos alfas idiotas?
Ele sorriu, voraz de novo, cada
centímetro dele um predador perigoso,
ardente demais, faminto demais. E se ela
não estivesse com os dois pés no chão,
juraria que todo o escritório rodava ao
seu redor em espirais irregulares.
– Certo – ele afirmou, com aquele
toque arrogante nos lábios e um brilho
conquistador nos olhos azuis. – Não
gosto de rótulos, srta. Brook. Gosto de
vencer. Isso me torna submisso?
Ela nunca vira uma criatura menos
submissa na vida.
Não havia como esse homem, que
exalava masculinidade pelos poros, que
tinha feito um espetáculo de si mesmo e
sua incapacidade de obedecer, fosse
quem fosse que estivesse mandando,
mesmo quando era seu trabalho fazer o
que os treinadores lhe pediam, ser capaz
de render-se.
Hunter achava que era um jogo. Ele
achava que tudo era um jogo. Mas não
significava que ganhara.
– Certo, então. – Ela sentiu o clamor
no peito, o pulsar de todo aquele calor
embaixo, mas concentrada em pagar
para ver, porque era tudo o que
importava. – O que está esperando,
então? A porta do escritório está
fechada. Seu segredo está em segurança
comigo. De todo jeito, seja um beta.
Ele só a observava, quieta e
concentrada,
descontroladamente
masculino e intensamente exigente, sem
dizer uma palavra. Não precisava nem
falar. Ele emanava comando e controle
rígidos de cada um daqueles músculos
suaves e suculentos tão bem talhados.
De seus olhos azuis, de seu maxilar
duro. Até mesmo a maneira como ficava
na frente dela, formidavelmente atraente
e ainda próximo demais, sussurrava à
região feminina e delicada dentro de
Zoe que ela pensava que Jason Treffen
matara anos atrás.
Hunter a fazia sentir-se suave, e isso
era imperdoável.
Assim, Zoe estalou os dedos e
apontou para o chão.
– Seja um bom garoto, Hunter.
Rasteje.
E a maneira com que ele riu foi como
acender um palito de fósforo em um
rastro de gasolina, catapultando os dois
em um inferno intenso que Zoe, com uma
onda de pânico, temia poder consumilos ali mesmo. Ressoou através dela,
tocando cada parte sua com ardor,
admiração e um tipo de medo. Fez com
que tremesse e querer cancelar tudo,
antes que ficasse ainda pior.
Mas ela não se movia. Não conseguia
falar. Não conseguia retroceder. Não
poderia deixar que Hunter a visse
considerando isso.
Hunter inclinou a cabeça de leve,
quase regiamente, mantendo o olhar no
dela.
Sabendo. Exigindo.
Puro desafio masculino disfarçado
naquele azul intenso.
– Pedi e recebereis – disse ele em
uma voz que foi direto para a cabeça
dela e por entre suas pernas, e estava
longe de ser submissa.
Porque ele era tão submisso quanto
um lobo alfa.
E então, Hunter abriu os braços em
uma simulação de rendição, tão fingida,
camuflada pela curva zombeteira de
seus lábios perfeitos, deu um passo para
trás e caiu de joelhos – bem ali, no meio
do escritório dela.
CAPÍTULO 4
A
de Zoe a abandonou
rápido, e voltou forte demais, depressa
demais.
Seu corpo parecia de outra pessoa,
como se seu coração batesse tão forte e
descompassado por vontade própria,
como se quisesse rasgar seu peito.
Pulsava insistente em sua garganta, em
seu estômago. Em seus seios, que
pareciam agora pesados, e naquele calor
chocante e abundante entre as pernas.
Ela se sentia como se tivesse levado
RESPIRAÇÃO
um soco. Uma parte dela desejava que
tivesse. Mal percebeu que baixara as
mãos ao lado do corpo e agarrava a
borda da mesa com tampo de vidro.
Forte, como se estivesse com medo
do que poderia acontecer se soltasse.
Como se já soubesse exatamente o
que aconteceria.
Porque a única coisa que conseguia
ver era Hunter. A luz brilhante do
inverno já se desvanecia, e Nova York
deixava de existir através de suas
janelas. O negócio acertado e a vingança
que ela estava determinada a
desempenhar sumiram como fumaça.
Não havia nada além de Hunter ali.
De joelhos diante dela, grande e
másculo, e aquele olhar sensual e
preguiçoso em seus lindos olhos, que
sua posição tecnicamente submissa não
fazia nada para atenuar.
Era um homem grande cuja cabeça,
mesmo estando ele de joelhos, chegava
quase ao nível do peito dela. E os bicos
de seus seios ficaram dolorosamente
duros à imagem do que Hunter poderia
fazer com eles.
O que ela queria que ele fizesse, mas
não fez. Zoe não podia desejar isso,
podia? Não era do tipo de mulher que
desejava. Não tinha certeza de que sabia
como. Essa era apenas uma entre as
coisas que perdera. Que tiraram dela.
A lembrança de seu passado sórdido
e horroroso deveria tê-la feito tomar
uma atitude, no mínimo defender-se
melhor, mas Zoe não conseguia se
mexer.
Hunter olhou-a como se fosse
inclinar-se e saboreá-la, tomá-la,
simplesmente porque ele era Hunter, não
importava
que
ela
estivesse
teoricamente parada em uma posição de
poder. Literalmente olhando-o de cima.
Isso deveria ter feito alguma
diferença. Deveria ter destruído um
homem como ele, acabado com todo o
poder do macho alfa.
Era
óbvio
que
não
estava
funcionando.
Talvez Zoe se sentisse mais como
uma presa agora do que quando ele
pairava sobre ela, antes, tomando conta
de todo o espaço, tornando-a incapaz de
diferenciar entre a respiração dele a
própria.
Ah, sim. Estava com problemas.
E ainda não conseguia controlar a
respiração.
– Seu desejo é uma ordem, Zoe –
disse ele, com um tom divertido na voz
baixa, os olhos fixos nos dela.
As mãos traidoras de Zoe coçavam
para diminuir a distância entre os dois;
para enterrarem-se naquele cabelo loiro,
e aquele anseio que beirava a urgência
chegou muito perto de sufocá-la.
Não entendia o que estava
acontecendo. Com certeza ela não queria
isso.
– Por favor, diga que esses sapatos
que você está usando estão envolvidos
nas fantasias dominatrix que gostaria de
colocar em prática. Prometo que ficarei
feliz em ser seu escravo sexual.
– Isso é ridículo. – A voz dela soou
como um silvo. Zoe conseguia se ouvir,
e esperava que ele não percebesse o
quão desesperada estava. – Você está
fazendo joguinhos.
– Pode ficar por cima, se quiser –
Hunter afirmou, com aquele jeito
arrastado e pecaminoso que a fazia
estremecer e dificultava sentar-se quieta
na beira da mesa. Ou em qualquer lugar,
pois o olhar dele queimava o dela. –
Não me importo. O que excitar você.
Ela não queria pensar no que a
excitava. Isso nunca surgiu antes, não
dessa forma. Era como se Hunter
soubesse mais sobre o corpo dela, seus
desejos e necessidades do que ela
própria. Como se ele estivesse
deliberadamente provocando-a, como se
soubesse muito bem que não precisaria
de muito esforço para fazê-la arder em
chamas.
– Você tem de parar com isso – disse
Zoe duramente; ou ao menos tentou. – É
isso o que me excita. Você de pé, a uma
distância
adequada
de
mim,
comportando-se.
Mas Hunter se moveu, então. Inclinou
seu glorioso corpo para a frente e
segurou-a pelos quadris com suas mãos
firmes, e tudo pareceu explodir. Ou era
só ela, uma grande implosão
incandescente virando-a do avesso.
Havia calor demais.
Vindo das mãos fortes e elegantes
dele. Da aparência firme e máscula de
seu rosto. Dela, de dentro dela. Zoe
tinha certeza de que cada parte sua se
dividiria em milhares de pedacinhos se
ele não a segurasse firme, fazendo-a
corar da cabeça aos pés, ruborizada,
fogosa e apavorada.
E foi quando Hunter se inclinou,
tomou a bainha da saia em suas mãos
muito ágeis, firmes e cheias de
calosidades, e começou subi-la,
desnudando suas pernas.
– Não pode… o que está… – Zoe
estava gaguejando, e a pior parte era que
ela não se importava mais, como alguns
instantes atrás. Esse era o menor de seus
problemas.
– ... adorando você. – Hunter falava
rouco e baixo, o que fez a pele dela
latejar, o cabelo da nuca ficar de pé e
todas as partes do seu corpo que ficaram
coradas agora formigarem. – Todas as
boas rendições começam com um ato de
adoração, Zoe. Todo o mundo sabe
disso.
E, por um momento, ela só conseguia
encará-lo, atônita. Paralisada. Sem ação,
enquanto esse homem subia cada vez
mais sua saia, mantendo o olhar fixo no
dela.
Por um momento, eles apenas se
encararam.
Hunter, então, deslizou a mão ao
redor da coxa direita de Zoe, segurando-
a, enquanto o resto dela estremecia.
Manteve o olhar por mais um
interminável momento e inclinou-se,
pousando os lábios na carne dela e
sugando. Com força.
Doeu. Era como um ferrão de fogo,
perfurando-a, desde sua coxa até a
umidade quente acima, em seguida
exalando desejo por ela toda,
entregando o controle de seu corpo para
ele. Não era nada parecido com o que já
sentira.
Era, percebeu Zoe, de uma distância
onde o cérebro dela ainda funcionava,
apesar do turbilhão de tudo isso, um
maldito chupão.
Hunter se afastou, as mãos ainda em
lugares perigosos, a boca formando uma
curva presunçosa, e aquela dor aguda.
Ele a marcara.
E agora ele erguia o olhar para ela
mais uma vez, impertinente e
determinado, suas mãos subindo mais
uma vez, calculadas e lentas. Sua
próxima meta era óbvia.
Tão óbvia, pensou Zoe, que ela
poderia extinguir o próprio fogo.
Tão deliciosamente e ardentemente
óbvio que Zoe sabia que se deixasse
continuar por mais um segundo, ele a
possuiria. Ela estaria perdida para
sempre, e Hunter saberia que com uma
simples ação como essa teria o que
quisesse dela.
Foi assim que aconteceu.
Zoe deslocou-se da mesa, bem
consciente de que Hunter deixara que
ela afastasse as mãos dele de sua saia,
interrompesse aqueles toques que eram
como um sussurro de sua pele macia
acima dos joelhos, que ela disse a si
mesma que não significavam nada.
Afastou-se dele com uma pressa
humilhante, quase tropeçando no próprio
pé, indo para trás da mesa, o que ela
esperava parecesse mau humor.
Porque ela não sabia o que faria se
ele visse a profundidade de seu pânico.
Se soubesse como chegara perto de
destruí-la, e pior ainda, como estivera
próxima de deixar isso acontecer.
Ela não tinha certeza de que ele não
percebera.
– Pode ficar de joelhos, sr. Grant.
Combina com você. Talvez aprenda um
pouco sobre humildade aqui.
– É improvável. – Ele se ergueu com
aquela graça inata e atlética que
lembrava as proezas de força que seria
capaz de realizar, se assim desejasse.
Hunter era um tipo de belo guerreiro,
suave apesar dos seus ombros largos e
sólidos e do poder que ele impunha tão
facilmente.
Quando deixara de achá-lo repulsivo?
– Se tocar em mim de novo... – Zoe
mantinha o olhar firme nele, para que
não houvesse nenhum erro, nenhum malentendido, e esperava que essa postura
estivesse mais clara do que sua cabeça.
– ... não só lançarei uma campanha para
arruiná-lo ainda mais como ficarei
tentada a denunciá-lo às autoridades
competentes.
Hunter riu, e essa risada propagou-se
como um novo fogo, engolindo tudo em
seu caminho.
– Nada como uma reação exagerada
para provar que você não é tão fria
quanto quer que eu pense que é, Zoe.
–
Você foi
rude.
Isso é
constrangimento.
– Deveria ter me pedido para parar,
então. – O olhar dele machucava, era
ardente demais. – E você não pediu.
E, pela primeira vez em muito tempo,
Zoe não conseguiu encontrar uma
resposta que o colocasse em seu lugar.
Ficou ali parada, com a cidade por trás
e a vida que ela construíra ao seu redor
como cenário, encarando o homem que
era para ser uma ferramenta para ela, e
não isso. Não um caminho certo para a
própria destruição.
Ela percebia isso. Podia sentir a
marca que Hunter deixara no seu corpo,
como um doce queimado.
Como uma vergonha.
– Se não disser por que me quer, terei
de deduzir que seja uma campanha muito
criativa para me levar para a cama. –
Hunter cruzou os braços no peito,
parecendo
ainda
mais
másculo,
arrogante e convencido.
Presunçoso, pensou ela.
– E eu gosto de sexo, Zoe. Muito.
Portanto, ficaria felicíssimo em rastejar
no chão se fosse esse o caso. O que
importa? Se eu fizer isso, você vai
precisar admitir que me deseja tanto
assim. Que isso tudo é uma manobra
complicada para ficar nua comigo.
– Não quero. – Foi automático. E
rápido demais. – E isso não é uma
manobra.
Ele a analisou.
– Ou eu posso simplesmente fazer o
que costumo fazer. Você vai espernear e
me chamar de todos os nomes.
Neandertal, cretino, imbecil, qualquer
um.
– Acredito que a palavra que esteja
procurando seja misógino.
– Também. Não que seja verdade.
Não que você ache que seja verdade,
mas longe de mim me intrometer na sua
ilusão. Terminaremos no mesmo lugar,
de qualquer forma.
Ele baixou o olhar, traçando seu
rosto, sua boca. Descendo mais,
espalhando aquele terrível calor onde a
tocasse, tão forte quanto se estivesse
usando as mãos. Os lugares por onde
seus dedos roçaram na pele dele, por
todo interior de sua coxa, se
incendiaram. E ela ficou feliz por ter a
mesa ampla entre eles.
Percebeu, então, que não sabia se o
afastaria se Hunter se aproximasse de
novo, e isso era a percepção mais
apavorante que tivera até agora.
– Isso não é “espernear”, sr. Grant –
disse Zoe da forma mais gélida que
conseguiu. – A verdade é que não acho
esses seus espetáculos nem um pouco
atraentes.
Hunter encarou-a por um longo, tenso,
sombrio e perigoso momento, até que
não houvesse como negar que o rosto de
Zoe estava ainda mais vermelho que
antes, ou que ele não conseguia perceber
a evidência bem ali na sua frente, como
um sinalizador.
Mostrando a mentirosa que ela era.
Zoe agradecia aos céus por Hunter
não conseguir sentir a mordida dele do
jeito que ela sentia, latejante e viva,
dizendo-lhe milhares de coisas que ela
não queria saber, e todas elas contavam
uma
história
de
sua
própria
estarrecedora fraqueza.
– Sim, Zoe – ele murmurou, numa
entonação zombeteira que ecoou dentro
dela como um terrível tremor, sua ruína
bem ali no brilho daqueles olhos muito
azuis, a curva perigosa de sua boca. –
Acredito que você ache.
– ENTÃO VOCÊ o odeia. – Daniel, colega
de Zoe, olhava de cara feia do outro
lado da quitinete confortável do
escritório, após ouvir o discurso
desorientado e mal-humorado de Zoe
sobre o tópico de Hunter e seus muitos
problemas de imagem.
Para não mencionar os problemas
pessoais dele. Nem os problemas
pessoais dela, embora Zoe deixasse essa
parte de lado. Bem como a marca que
ele deixou nela, como evidência.
– Eu o odeio demais. O mundo todo o
odeia, Zoe. Acredito que o próprio time
queimou a imagem dele no Super Bowl
durante o show. Então, por que, se posso
perguntar, você está assumindo-o como
cliente?
Você, observou Zoe. Não usou o nós
como costumava fazer. Daniel estava
certo.
– Não gosto dele – disse Zoe, com
cuidado, tentando, tarde demais, mudar
o tom e esconder o pânico –, mas não é
nada pessoal. Só não aprecio futebol
americano. – Deixou escapar uma risada
e decidiu que não precisava de café,
afinal de contas. – Isso nem é verdade,
tecnicamente falando; eu não sei nada de
futebol.
Muito embora o avô dela tratasse o
esporte como religião, a ponto de ter
transformado sua casa em um templo de
adoração; e ai de quem desviasse sua
atenção da tela da TV durante uma
temporada interminável de futebol.
– Dei um jeito de deixar os esportes
de fora da minha vida adulta.
– Precisamos desse tipo de desafio? –
perguntou Daniel com firmeza. Seu olhar
era acusador e desagradável. – A
empresa tem uma nova missão? Pegar os
seres humanos mais repreensíveis e ver
se pode torná-los mais suaves e
adoráveis, mais adequados para o
consumo público?
– Ele tem problemas com o humor e
com o controle de impulsos – respondeu
Zoe, furiosa porque Daniel estava
provocando-a em defesa de Hunter
Grant. Mais furiosa ainda do que o
costume. – Ele foi despedido de seu
trabalho devido a alguns problemas de
gerenciamento de fúria. Isso o torna
menos repreensível do que, digamos,
molestadores de crianças? Terroristas?
Não acha?
Daniel ficou apenas encarando-a, o
queixo erguido. Um brilho que ela não
queria reconhecer em seu olhar.
– Algum problema? – perguntou ela
com a maior calma possível.
– Não gosto da maneira como ele olha
para você – afirmou Daniel. Rápido
demais, como se tivesse querido dizer
isso desde que entrara para discutir a
logística de uma campanha com os dois
no escritório de Zoe, mais cedo.
Embora Zoe tivesse ficado ali
sentada, fingindo ser profissional com
um maldito chupão na coxa e Hunter não
houvesse feito nada, a não ser forçar um
sorriso.
– E não gosto do fato de que você não
parece se importar com a maneira com
que ele a olha.
Isso era culpa dela. Ela entrara nisso.
Zoe reprimiu um suspiro quando ele a
fitou, deslizando a mão direita no ombro
esquerdo e massageando para aliviar a
tensão ali, que deixava seu pescoço duro
como pedra.
Daniel fora sua primeira contratação
quando começou sua própria empresa
quatro anos atrás, uma escolha fácil de
fazer, depois de conhecê-lo desde seus
primeiros dias como relações-públicas.
Mas Daniel era mais do que isso.
Fora o primeiro homem em quem se
permitira confiar depois de escapar de
Jason Treffen.
E uma noite em Park City, Utah,
enquanto organizava uma reapresentação
pós-reabilitação do vício em cocaína de
um diretor no Sundance Film Festival,
Zoe deixou que o fato de gostar e confiar
nele cruzasse uma linha a que ela
deveria ter resistido.
Isso foi um ano antes, e Zoe ainda
pagava pelo erro de várias maneiras
desde então. Pelo visto, essa tarde seria
mais uma forma de pagamento.
– Preciso que você seja meu sócio,
Daniel – disse ela com suavidade,
mantendo o olhar dele, embora não
quisesse fazer isso. Mas achava que
devia isso a ele. – Meu parceiro de
trabalho. Não um namorado ciumento.
– Não sou seu namorado. – Ele não
disfarçava mais a amargura. Sua boca
parecia furiosa e frágil, tudo de uma vez,
e seu corpo esguio e alto estava tenso. –
Foi um beijo. Você terminou, não eu…
– É exatamente por isso – proferiu
ela, cortante como uma faca, e certeira.
Os olhos verdes de Daniel arderam
de fúria e de algo mais que ela não
queria enfrentar, mas em seguida ele
desviou o olhar e suspirou.
Zoe pressionou com mais força os
dedos no lado do pescoço, um pouco
massagem, um pouco punição, e deixou
o fato de ser uma mentirosa envolvê-la
como uma capa. Como uma vergonha, de
novo.
Como aquela queimadura reveladora,
aquela marca na sua coxa.
Não
foi
um
sentido
de
responsabilidade como chefe de Daniel
que fez com que o afastasse naquela
noite em Sundance. Não era medo do
que a relação de trabalho deles poderia
virar se permitisse que aquele beijo
fosse para onde ele queria que fosse.
Ela queria que tivesse sido. Zoe deixou
que Daniel pensasse assim, porque
qualquer uma dessas coisas teria de ser
melhor do que a verdade.
Que era essa: ela não sentia nada.
Zoe achava que o que lhe acontecera,
o que fizera porque tivera de fazer,
deixara-a frígida. Incapaz de sentir o
que quer que fosse, mesmo quando um
homem bonito, de que ela gostava, que
considerava um de seus poucos amigos
neste mundo, a desejava. Quando achou
que também o queria.
Daniel a adorava, Zoe já sabia disso
havia anos. Ele era bom, gentil. Perfeito
para ela; e ela não sentia nada. Achava
que isso seria outra parte do que fazia
muito já vinha pagando, o preço pelo
pecado capital de ter sido uma idiota
ingênua aos vinte e dois anos.
Achava que estava destroçada no
nível mais básico. Impossível de reparo
ou de salvação. Arruinada por completo.
Até hoje.
– Nem tudo era uma piada – Zoe
falara pelas costas de Hunter em seu
escritório, após ele tê-la deixado lá
parada, atônita e caminhado até o sofá,
jogando-se nele como se nada tivesse
acontecido.
Quando
ela
estava
devastada. Em frangalhos.
Ele a estudara por um momento,
aquele belo rosto sombrio. Nenhuma
piada.
– Diga o que quer de mim – Hunter
pedira, calmamente. – Ou do que tem
medo. Você escolhe.
E Zoe ainda não sabia como lidar
com o fato de Hunter Grant ser a única
pessoa que ela conhecera em anos que
percebia a verdade. Que via o que ela
escondia por baixo daquela carcaça
firme e determinada. Que poderia ter
levado vantagem hoje, mas não levou.
E tampouco entendia isso. E isso não
era algo que poderia discutir com
Daniel, que talvez a amasse, ela sabia,
mas que nunca a enxergara. Não da
maneira como Hunter enxergara. Não
por inteiro.
Zoe sabia que a tempestade passara
entre eles, quando Daniel deu uma
risada.
– Certo – murmurou Daniel. –
Entendi.
Zoe olhou para ele, aquela
consciência masculina que ela não
queria ver superada pela preocupação.
Ele era diferente de Hunter em todos os
sentidos. Daniel poderia não enxergá-la,
mas se importava com ela. Por que isso
não bastava?
Mas ela sabia.
De certa maneira, até fazia sentido.
Estava maculada, manchada pelas coisas
que tinha feito, e sabia disso. Aceitara
essa realidade fazia muito tempo.
Lógico que, de uma maneira horrível, o
único homem que poderia fazê-la sentir
algo fora feito de uma seleção de seus
medos mais sombrios. Era o tipo de
homem que ela mais odiava. O tipo de
homem que revelaria esse tipo de poder
sobre ela, sem dúvida. Ele apenas
começara.
Essa marca na coxa parecia brilhar, e
então, doer.
– Não gosto disso, Zoe – disse
Daniel, lembrando-a de onde ela estava
e com quem. – Acho que é perigoso.
– É claro que ele é perigoso. – Zoe
conseguiu rir, fingindo que não doía.
Que nada disso machucava. – É por esse
motivo que nosso trabalho é transformálo em um gatinho mimoso.
O primeiro passo começaria no dia
seguinte e iria exigir muito mais de estar
sozinha com aquele homem. A última
coisa que Zoe queria.
Porém, ela conseguiria, sabia disso.
Porque não tinha escolha. Porque sua
vingança era mais importante do que
tudo o mais, incluindo os próprios
sentimentos, e ela faria dar certo.
Afinal, não tinha escolha.
HUNTER DIRIGIUna cidade deprimente
por umas duas horas saindo de
Manhattan, para onde Zoe o conduzira,
perplexo e incomodado.
Tudo ao seu redor eram prédios de
tijolos desmoronando, o ar sufocante do
desespero já profundamente saturado;
todas as ruínas habituais do que fora um
dia uma cidade de moinhos.
Havia locais similares por toda a
costa leste, ele sabia, e nenhum deles
era mais convidativo desde o último
suspiro da indústria têxtil anos atrás.
Esse foi o máximo de tempo que já
passou em um deles e já queria ir
embora.
– Parece um lugar adorável para se
morar. – Hunter olhava pela janela, para
a pequena fileira de casas com uma
aparência desoladora que se alinhavam
na rua, parecendo abandonadas sob a luz
fraca da tarde de inverno, embora ele
suspeitasse que não estivessem. – Tão
convidativo...
– Vamos parar no corretor na saída. –
Zoe emitiu um som baixo que era muito
agudo para ser uma risada. – Você pode
comprar uma casa ou duas com os
trocados que carrega no bolso.
– O que estamos fazendo? – Hunter
quis saber, sem a mesma suavidade da
primeira vez, logo após apanhá-la na
frente do escritório durante a tarde. Nem
da quinta vez, quando pegaram a I-95 na
ponte George Washington e seguiram
para o norte. – Por que estamos aqui?
– Terá de esperar para ver – disse
ela, seu tom frio perfeitamente
equilibrado, como se fosse assim o
tempo todo. Sua atenção estava no
BlackBerry, seus polegares batendo no
teclado. – Vai precisar confiar em mim.
– Olhou para ele, e seus lábios se
curvaram de leve. – Vire à direita no
semáforo.
Hunter não confiava nela. Não
confiava nem em si mesmo. Mas ele a
saboreara. Sentira o doce calor suave de
sua pele sob as mãos. Sentira o perfume
inebriante e feminino de lavanda, quente
e apurado. E queria mais.
Também queria respostas. Mas ele a
queria mais.
Hunter virou à direita no semáforo e
seguiu as indicações dela até o
estacionamento do prédio de uma antiga
escola do outro lado da cidade.
Edgarton High, dizia a placa desgastada
na parede.
Hunter estacionou com o que ele
podia admitir ser uma cantada de pneus
meio exibicionista, embora não tivesse
surtido nenhum efeito em Zoe. Acenou
para que ela saísse do carro, mas,
naturalmente, Zoe não o fez de pronto.
Ela virou-se para olhar para ele,
estudá-lo como se Hunter fosse um
quadro na parede de alguma galeria de
arte de segunda e ela não o entendesse.
Hunter sentiu a força do olhar dela de
novo, a eletricidade, e isso o deixou
furioso.
Se isso tinha a ver com sexo, a
maneira como ele queria que fosse, eles
já teriam ido para a cama. E muito. E
Hunter não desejava pensar no que mais
podia ser, porque Zoe não parecia
inclinada a responder, e ele não tinha
certeza de querer saber.
Ela ficou ali sentada, elegante e
indiferente, suas longas pernas cruzadas
e as mãos juntas sobre o colo. Apenas
seus olhos pareciam aquecidos;
ardentes, na verdade, e muito calculistas
quando se moveram sobre ele. Julgandoo, dispensando-o e certificando-se de
que Hunter tinha plena consciência disso
enquanto ela agia assim.
– Você conhece o conceito de uma
transa de ódio? – perguntou ele.
Claro que Zoe esboçou um sorriso
forçado, embora Hunter tenha se gabado
de que, talvez, houvesse um leve rubor
nas suas bochechas quando ela o fez. O
que significava o fato de ele querer
acreditar nisso? Com uma urgência que
beirava o desespero?
– Que embaraçoso – disse Zoe,
embora não soasse nada embaraçada. –
Eu não o odeio, sr. Grant. Isso se chama
indiferença.
– Não se preocupe – disse ele
brevemente, sem se incomodar em
disfarçar o mau humor, se é que era isso.
Parecia que tinha cacos de vidro em sua
garganta, em suas entranhas. Até mais
embaixo, como se ele ainda fosse um
idiota de quinze anos. – Eu a odeio por
nós dois.
– Você não me odeia. – Zoe estava
notavelmente confiante e imperturbável,
o que ele de fato não achava excitante;
até agora. – Você não entende por que
não estou vibrando em reverência nem
admirando o grande presente de ter sua
atenção, e a única maneira de um cara
como você interpretar isso é com o
seu… – Olhou para a área em questão, o
que não ajudou a melhorar a situação, e,
então subiu o olhar para os olhos dele.
O dela parecia um mar de inverno e
sorridente demais. – Bem... Direi que
não, obrigada, e deixarei assim.
– Está bem – resmungou Hunter. –
Tenho a sensação de que você seria uma
chorona conturbada. E, sim, elas
geralmente choram. Lágrimas de alegria
e admiração. É o meu dom.
– Eu não me gabaria de você beijar as
meninas e fazê-las chorar, sr. Grant –
respondeu ela, a única pessoa que ele
conhecera que era imune a seu charme.
Hunter disse a si mesmo que isso
tudo, esse conflito interno a destruí-lo
de dentro para fora, o fazia se sentir
feliz. Muitíssimo feliz.
– Existem palavras para homens
assim, e algumas delas chegam com a
prisão.
– Vamos ficar sentados aqui o dia
todo? – ele tornou a resmungar.
Zoe achou graça e começou a abrir a
porta, permitindo que Hunter desviasse
a atenção da sua boca presunçosa e
saísse do carro rebaixado antes que
fizesse outra coisa que pudesse se
arrepender.
Zoe saiu ainda com mais graça,
parecendo imperturbável pelo fato de
estar de botas pretas lustrosas de salto
alto e o estacionamento ter mais gelo do
que asfalto. E caminhou na direção dele.
Não havia outra palavra para isso. Ela
era uma ameaça, Hunter era difícil e
estava aborrecidíssimo com toda essa
situação. Consigo mesmo.
Isso era mesmo uma melhoria ao
entorpecimento?
– Por que os homens grandes insistem
em dirigir esses carros minúsculos? –
perguntou ela.
Ele já estava perdendo as estribeiras,
ao passo que essa mulher enfurecedora
ficava falando como se estivesse em um
coquetel aborrecido e decidira cerrar os
dentes e ser educada com ele.
– É preciso quase deitar-se para
entrar nele. Decerto, com todo o
dinheiro que você tem, poderia
encontrar um veículo esportivo em que
caiba de verdade.
– Gosto de carros rápidos. E quanto
mais rápidos eles são, menores ficam. É
uma questão de aerodinâmica.
Em um minuto ele estaria batendo no
peito como um gorila. Ou fazendo
exatamente o que desejava, o que a
alertara que poderia fazer, que era
arrastá-la à caverna mais próxima com
suas mãos enterradas no balançar
brilhante do cabelo escuro dela.
E depois... E depois...
Mas Zoe estava rindo dele. Brejeira.
Indiferente. E mesmo assim Hunter a
desejava.
– Siga-me, por favor – Zoe pediu,
com toda aquela calma irritante. – E
tente não tropeçar em nada enquanto
estiver ocupado demais desprezando a
forma como esse pessoal simples vive.
– Podemos apenas… entrar? – ele
demandou, quando ela abria a porta
pesada da escola e o convidava a entrar
com um aceno de cabeça. – Não deveria
haver guardas ou algo assim?
– Este não é o tipo de lugar em que a
comunidade se reúne e exige medidas de
segurança nas escolas – disse ela e seu
tom estava um pouco mais gélido do que
antes. – Está mais para aqueles antros
em que o uso de anfetaminas cresce,
todos bebem para esquecer em bares
deprimentes, e a única coisa que pode
ser feita pela sobrevivência é ir embora.
Mas poucas pessoas conseguem fazer
isso.
– Obrigado por me trazer aqui – disse
ele sem nem mesmo tentar esconder a
irritação. – Não tem nada que eu aprecie
mais do que…
– Foi daqui que Sarah saiu – disse
Zoe, a voz cortante como uma faca.
Hunter pensou ter se transformado em
pedra, ou quem sabe apenas desejasse
ter virado uma. O olhar frio de Zoe
procurou o dele, e havia uma espécie de
calor sombrio que Hunter não
reconheceu, mas que ela dissipou. Em
seguida, tratou-o com ansiedade,
exigindo um sorriso.
– Esta é a escola onde ela estudou.
Sarah foi a oradora da turma. Foi assim
que entrou para Harvard. Sabia disso?
Hunter sabia alguma coisa. Mas havia
esse terrível pressentimento agarrandoo, como dedos em sua garganta, e ele
não queria ter essa conversa. Não queria
nada daquilo. Não queria saber mais do
que já sabia.
– Não, srta. Brook, não sabia. –
Porque isso era quase verdade.
– Quanto tempo ficaram juntos?
– Poderia ao menos tentar disfarçar
esse tom de julgamento?
Ela riu, um som vazio.
– Eu estava tentando.
– Tente mais, então. – Hunter olhou-a
por um minuto. – Ou encontre um
fantasma diferente para jogar na minha
cara. – Ele não entendia a multidão de
sombras que via passar pelo rosto dela.
Não queria entender, assim como não
desejava fazer a próxima pergunta. Mas
fez: – Vai me contar como a conheceu?
Zoe não respondeu, e o covarde
dentro dele se sentiu aliviado. Ela
começou a caminhar, e ele desejava ir
embora, naquele momento.
Hunter não queria nada com essa
mulher ansiosa que escondia a fundo sua
suavidade, muito menos aquelas coisas
sombrias que vira naqueles olhos
inquietos. Nada a respeito dela – nada a
respeito disso – o levaria de volta ao
torpor, e essa era a única coisa que ele
sabia como fazer. A única coisa que ele
queria.
Mas Hunter acabou por segui-la.
A escola era uma bagunça. Paredes
sujas, pintura descascando. Sem
instalações, para falar a verdade, nem
nada que tivesse visto dias de glória por
muito tempo.
Era muito destoante da escola
preparatória exclusiva que Hunter
cursara fora de Boston. Esse era um
lugar
onde
os
sonhos
eram
transformados em pó e, depois, negados.
A apatia estava impregnada nas paredes,
ecoava pelos corredores com pouca luz,
penetrava pela pele de Hunter e fazia
com que se sentisse culpado a cada
passo. Mais culpado.
Sarah caminhou por ali. Sobreviveu a
isso e, de alguma maneira, quando
Hunter a conheceu em Harvard, ela era
uma pessoa muito ativa. Não era
deprimida. Nem oprimida. Sarah se
empolgava com todos os sonhos que
planejara realizar e insistia que todos ao
seu redor fizessem o mesmo.
Se não fosse por Sarah, ele teria pego
o caminho de menor resistência direto
para o fundo e a cobertura que seu pai
administrava em Boston, um caminho
que seu irmão mais novo seguiu sem
pestanejar.
Teria vivido a vida que Zoe Brook
expusera para ele naquela boate de strip,
todo o dinheiro do Monopoly e o sangue
azul do Mayflower, como sua irmã,
Nora, e sua esnobe arte para caridade
que seus pais ficavam felizes em
subsidiar, porque era isso o que era
esperado dele.
Hunter era um Grant, e os Grant eram
financistas. Homens de negócios.
Filantropos ocasionais, mas não atletas
profissionais. Essas exibições vulgares
estavam abaixo deles, como sua mãe
parara de lembrá-lo depois de seu
terceiro ou quarto escândalo publicado.
Fora Sarah quem disse a Hunter que
deveria fazer o que quisesse, e não o
que a família esperava dele. E quem
poderia dizer como poderia ter sido sua
vida se ele tivesse lidado de forma
diferente com tudo dez anos atrás?
Talvez tivesse salvado Sarah de seu
pesadelo. Talvez houvesse se orgulhado
do sonho que ela o encorajara a realizar
e feito algo em vez de desperdiçá-lo.
Mas ele nunca saberia.
Hunter parou ao ver Zoe parar, e se
deu conta de que eles estavam do lado
de fora de um ginásio vazio e da
lamentável sala de musculação com as
venezianas quebradas nas laterais. Ele
franziu a testa, e levou um momento até
que entendesse que não estava com
raiva, apesar da sensação de algo muito
parecido com esse sentimento em seu
sangue. Talvez estivesse na defensiva.
Estava tão tenso que chegava a doer.
– Esse é o time de futebol da escola –
Zoe informou. – Tal como é.
Hunter olhou para as crianças do
outro lado da janela. Elas não pareciam
em nada com um time de futebol. Eram
esqueléticas. Não havia um atleta natural
no grupo, algo que ficava muito
evidente, mesmo com um olhar
superficial.
O pressentimento começava a sufocálo de novo, e mais forte dessa vez.
Hunter passou as mãos pelo cabelo,
agitado. Queria se mexer. Fazer alguma
coisa. Essa inquietação era sua ruína.
Sempre fora. Fazia com que brigasse, ou
transasse, independentemente do que seu
cérebro pedisse para fazer. Duvidava
que Zoe fosse apreciar.
Ela estava muito calma ao lado dele.
Muito calma. Isso acionou todos os tipos
de alarmes nele, mas Hunter não
entendia o motivo, e gostava disso tanto
quanto gostava dessa inquietação dentro
de si, que ainda pulsava.
Ela apontou para o jovem professor
no canto, falando intensamente com um
dos seus alunos.
– Aquele é Jack – disse ela. – Ele
ensina matemática, e tenho certeza de
que a única coisa que sabe sobre futebol
aprendeu vendo no YouTube. Jack
comprou a maioria dos pesos ali e
inventou que encontrou o dinheiro em
algum lugar nos orçamentos de
programas para atletas; o que, sejamos
francos, não existe.
– Isso tem a ver com caridade? –
perguntou ele depois de um tempo. –
Porque eu não precisaria dirigir duas
horas para o interior para ouviu outra
história triste. Poderia ter feito um
cheque no seu escritório ontem.
– Isso não é caridade.
– É o que, então? Por que estou aqui?
Zoe o encarou, séria, quando Hunter
se virou para ela, e havia uma
turbulência que ele não compreendia em
seu olhar, tornando-o sombrio, nublado.
Fazendo-o ter desejos, mas isso era
ridículo. Insano. Se ele a tocasse,
provavelmente ela amputaria sua mão
com um simples olhar.
– Para seu conhecimento, uma dessas
crianças é o próximo… – Fez uma
pausa. – Não faço ideia do que constitui
um prodígio no futebol. Você? Talvez
um deles seja o próximo você.
Hunter não desejava isso para
ninguém, muito menos um garoto que já
não tinha nada.
– Não há prodígios nessa fala – disse
categoricamente. – Esse time de futebol
é uma porcaria. E, sim, essa é uma
avaliação que posso fazer com
tranquilidade sem tê-los visto jogar uma
bola.
Os olhos dela estavam escuros
demais.
– Que sorte, então, que eles têm um
dos melhores jogadores da história do
futebol à disposição. Você pode ensinálos a como jogar uma bola.
– Não. – Hunter parecia distante, até
para si mesmo. – Não posso.
– Você vai.
Ele deixou escapar um som desolado
demais para ser uma risada.
– Também assisti Friday Night
Lights. Todos amam o treinador Taylor,
Zoe. Mas isso não significa que quero
ser ele.
– Ninguém aqui vai confundi-lo com o
treinador Taylor – respondeu Zoe,
mordaz, e, embora seu olhar ainda
estivesse sombrio, a voz soava normal.
Suave. Fria.
Um desafio que ele sentiu como se as
mãos dela estivessem em sua pele, em
seu membro.
– O treinador Taylor é uma figura
adorada que ninguém quer acreditar que
seja ficção. Sem mencionar que é um
bom homem.
– É isso o que quero dizer – disse ele
por entre os dentes. – A última coisa que
essas crianças precisam é de mim.
Hunter achou tê-la visto sorver o ar,
vigorosa e rapidamente, e ocorreu-lhe
que talvez Zoe não fosse tão gélida
quanto aparentava.
Era patético o quanto ele queria que
isso fosse verdade.
– Isso é chamado de controle de
danos, Sr. Grant. O equivalente à vida
real de um garoto mau em um filme
fazendo carinho em um cãozinho fofinho.
Precisamos humanizá-lo. Você é rico
demais e odiado demais.
– Os paparazzi vão me encontrar. –
Ele não sabia por que estava tão furioso,
por que se sentia tão bruto. Tão atacado.
Tão indiferente a isso, em todos os
sentidos. – Eles sempre encontram. Já
posso ver as manchetes. Minha tentativa
cínica de mudar a opinião pública.
Minha manobra calculada para ganhar
meus fãs de volta. E assim por diante.
Não existe a menor possibilidade de eu
ficar parecendo um imbecil dissimulado.
– Deixe que eu me preocupe com
isso.
– Não quero tal coisa. – Hunter se
virou para ela. – Estou bastante
entediado para deixar meu pai me levar
para a costa leste, mas não fingirei ser
algum tipo de influência positiva para
um grupo de garotos. A hipocrisia
poderia me matar. Você terá de
encontrar outra pessoa para fazer seus
joguinhos, Zoe.
– Não!
Era alarme o que ele via no rosto
dela? Ou queria que fosse?
– Preciso de você.
– Que pena.
– Esse é o primeiro passo – disse ela
rapidamente, e ele teve a sensação de
que Zoe queria tocá-lo no braço, mas
não o fez.
Porque sabiam o que acontecia
quando se tocavam.
E ele era bruto o bastante para deixar
que o indício de que ela estava tomada
pelo desejo como ele o amolecesse.
Zoe se manteve em silêncio por um
longo tempo, embora Hunter pudesse
senti-la
ao
seu
lado,
aquela
irritabilidade dela parecendo vibrar,
chacoalhar o ar ao redor deles. E
também se esgueirar em direção a ele
como se ela estivesse penetrando em sua
pele, quando isso era a última coisa que
ele queria.
Hunter teve de lutar para não passar o
braço ao redor do corpo esguio dela e
puxá-la para perto, como se precisasse
ou quisesse seu calor. Ele nem mesmo
sabia de onde vinha essa ânsia. Fora
carinhoso com uma única pessoa durante
toda a sua vida, e ainda estava lidando
com os destroços. Não cometeria o
mesmo erro de novo.
– Faça isso – Zoe falou, por fim, com
a voz baixa, bem quando ele começava a
pensar que ela não falaria nada. – Faça
isso e observe do que sou capaz quando
eu deixar vazar; a rapidez com que as
opiniões a seu respeito mudarão. Eu sou
muito boa.
– E esse é o seu grande plano? Está
desperdiçando seu tempo. Porque não
me importo com o que dizem sobre mim,
Zoe. Sou imune.
– Não acredito em você – ela afirmou
com tanta suavidade que pareceu um
sussurro.
E Hunter não tinha como responder a
isso. Não ali. Não com o fantasma de
Sarah pairando sobre ele e os segredos
de Zoe como sombras negras aos seus
pés. Não com aquelas crianças que
mereciam uma melhor visão dele através
do vidro, que já o reconheciam.
Hunter ainda queria estar dentro dela
mais do que a sabedoria permitia. Mais
do que o limite do saudável. Mais do
que poderia ignorar. Assim, disse a si
mesmo que esse era o motivo por estar
fazendo isso. Porque era a única
explicação que fazia sentido.
– Como isso funciona? – perguntou
ele, e sua voz soou mais rouca do que
deveria.
– Venha aqui todos os dias – disselhe categoricamente, como se soubesse o
que ele estava pensando, e Hunter
acreditava que Zoe tinha poder para
isso. – Faça o que puder. Encontre-se
com minha equipe na quinta-feira para
uma atualização do progresso.
Seus olhares se cruzaram, e ele
desejou ser um homem diferente.
Melhor. Um homem bom.
– E não mencione o ódio nunca mais.
Faça o que é pedido, sr. Grant, e nós
ficaremos bem.
CAPÍTULO 5
ELA ESTAVA brincando com fogo.
Mas nas semanas que se seguiram,
Zoe convenceu-se de que sabia o que
estava fazendo. Que era um incêndio
controlado. Que tinha tudo sob controle.
Que aquelas coisas estranhas que
pairaram entre eles, sombrias e
radiantes ao mesmo tempo, mesmo no
corredor da escola, eram fruto de sua
imaginação. E, de qualquer maneira, não
eram nada com que tivesse de se
preocupar.
O que era uma coisa boa, porque já
bastava ter Hunter com que se
preocupar. Até mesmo, principalmente,
quando ele se “comportava”.
Zoe passara muito tempo pesquisando
o que os tabloides chamavam de Efeito
Hunter. Agora ela precisava observar
isso na prática enquanto ele colocava
em ação de uma forma mais ou menos
contida no circuito social de Manhattan,
exatamente conforme o planejado.
– Precisa sorrir dessa maneira para
toda mulher que olhar para você? –
perguntou Zoe, tentando conter o
azedume diante das dezenas de
admiradoras que ficavam balbuciantes
ao vê-lo caminhar orgulhoso vestido a
rigor no baile anual da Viennese Opera
em benefício ao Carnegie Hall, no
elegante Waldorf Astoria.
Em
um
mar
de
criaturas
resplandecentes, Hunter parecia brilhar
ainda um pouco mais; sua notoriedade
que se danasse.
– É assim que eu sorrio, Zoe.
– Seu sorriso tem vários níveis de
ameaça, e se você não usar um mais
gerenciável, causará um tumulto.
– Gosto de tumultos.
– Que surpresa! Mas esta noite será
elegante,
contido
e
passará
despercebido. Sei que requer um
esforço.
Hunter virou-se com aquele sorriso
exuberante para ela. Era anestesiante e
de tirar o fôlego. Seus olhos azuis
indolentes, a curva de sua boca
confiante, e aquele físico estonteante
vestido tão elegantemente que quase fez
os fotógrafos chorarem ao tirar inúmeras
fotos. Zoe fingia que esse tremor interno,
forte e longo, era apenas fome.
Esquecera-se de jantar.
– Acabe com ele – disse ela, e deu um
longo suspiro, como se Hunter a
aborrecesse.
Ela queria que fosse assim. Mais a
cada dia.
No entanto, mesmo quando Hunter não
estava sorrindo de maneira tão sedutora,
ele era formidável. Tinha força de
personalidade e presença, e por mais
que fosse doloroso admitir, era de tirar
fôlego vê-lo em ação.
Zoe arrastou-o a um hospital para
ajudar pacientes terminais, onde Hunter
passou duas horas lendo para alguns
garotos que o olhavam como se ele fosse
melhor a cada palavra. Levou-o a um
almoço beneficente em prol das
bibliotecas,
onde
ele
encantou
completamente
os
bibliotecários
sisudos, no geral senhoras, que Hunter
fez corar e depois dar risadinhas, como
as garotas que estavam com ele na
academia naquela noite em que ela o
encontrara seminu.
– Ele é um homem mau, muito mau –
disse uma delas a Zoe, em voz baixa,
abanando-se teatralmente.
– Isso é bem verdade – respondeu
Zoe, com irritação. E sorriu, na
esperança de que isso pudesse eliminar
seu show impróprio de ressentimento.
– É o brilho nos olhos dele... –
confidenciou a bibliotecária. – Como
não perdoá-lo por tudo?
Como mesmo?
Isso levantou uma questão: como
Hunter conseguiu fazer todo um país se
virar contra ele? Porque quanto mais
tempo Zoe passava com Hunter, mais
compreendia que sua terrível reputação,
seus acessos de raiva e seus escândalos
deviam ter sido todos de propósito.
Ela mesma disse isso em uma tarde de
neve no Prospect Park no Brooklyn,
onde Hunter decidiu “do nada” fazer um
boneco de neve com um grupo
fotogênico de crianças.
– Você consegue encantar todos que
conhece sem o menor esforço – ela
afirmou sem rodeios, enquanto eles
caminhavam com dificuldade de volta
ao campo e suas botas trituravam a
camada de gelo escondida sob a neve
fofa. – Por que todo esse trabalho de se
tornar tão odiado por toda parte?
– Comprometimento total – disse ele,
daquele jeito malicioso. – É como eu
jogo.
– Estou falando sério.
Hunter estava usando um chapéu de lã
que caía na testa e um cachecol ao redor
do pescoço, e ainda não era o bastante
para suavizar o impacto de seu olhar
radiante. Que a queimava, aquecendo-a
por dentro, fazendo com que se
esquecesse do frio, da neve, da longa
caminhada. Fazendo com que se
esquecesse de um longo e perturbado
momento em que precisou conter esse
fogo ou ele poderia destruir o que
restara dela.
Lembrando-a de que muito do que
vira era uma atuação, e esse Hunter, dos
olhos azuis e diretos e da boca
surpreendentemente sombria, era mais
provável de ser o real.
Que Deus a ajudasse.
– Uma pergunta melhor, já que sou tão
desprezado, seria: como você acha que
essas fotos minhas cheias de vida em
poses planejadas com centenas de
querubins de bochechas rosadas vai
funcionar?
– De forma casual – respondeu ela, e
disse a si mesma que não estava
aborrecida com todo esse foco
repentino.
– Não sei o que isso significa.
– Saberá. A boa notícia é que eu sei
muito bem o que significa.
Ele a fitou de novo por um longo
tempo, e ela ficou se perguntando como
não se reduzira a cinzas ali mesmo; e
quem se importava com o frio que
estava fazendo?
Achou que ele pudesse dizer alguma
coisa mais e se preparou. Não sabia por
quê. Havia algo no raspar sombrio dos
galhos das árvores nuas atrás dele, o céu
cinzento, a neve caindo ao redor de
Hunter como uma mensagem. Como algo
que ela não quisesse analisar muito de
perto. Mas Hunter apenas enfiou as
mãos nos bolsos do casaco, inclinou a
cabeça contra o vento e continuou
caminhando.
Zoe falou a si mesma que isso era
algo bom. Porque era. É claro que era.
– Quero que você passeie de
carruagem no Central Park – anunciou
ela certa manhã bem cedo em uma das
reuniões no desjejum que ela marcava.
Hunter
a
encarou,
parecendo
sonolento
e
mal-humorado,
e
absurdamente sexy vestindo jeans e um
blusão de gola alta, com a barba por
fazer.
– Deixe-me adivinhar. Eu começo a
cantar no primeiro poste de luz e todos
viramos uma animação que se
transforma em um vídeo viral no
YouTube. – Olhou para ela com o cenho
franzido, e, depois, para o café. – Não,
obrigado.
– Não seria um encontro amoroso –
continuou Zoe como se ele não tivesse
falado. Estava sentada na frente dele
junto a uma mesinha de madeira muito
pequena e que estava bamba.
Zoe pegou seu BlackBerry e fez pose
olhando para ele, como se não estivesse
tão consciente assim de quanto espaço
Hunter ocupava naquele canto da
cafeteria, do quanto ele era grande. De
como era atraente, mesmo quando não
estava tentando ser nada disso. Talvez
mais ainda nessa situação. Ela manteve
o tom animado:
– Precisa levar sua mãe.
Hunter deu uma risada curta e
surpresa.
– Alison Blodgett Grant não andaria
em uma carruagem alugada como uma
turista comum mais do que daria
cambalhotas nua em plena Broadway –
disse Hunter com ironia. – Além disso,
ela não atende mais às minhas ligações.
Minha mãe as transfere para a
secretária, que as analisa para ver se
não têm nada de perturbador antes de
transmiti-las.
Zoe parou de fingir que estava
interessada no BlackBerry.
– Sua mãe tem uma secretária? Achei
que ela não trabalhasse.
– Ela tem uma secretária para seus
assuntos sociais; e não, ela não trabalha.
Não da maneira como você imagina.
– Mas com certeza ela…
– Zoe.
Ela nunca tinha ouvido esse tom na
voz dele, que a fez se sentar mais ereta e
ficar quieta.
– Minha mãe queria um senador.
Prestígio, poder e um bom uso para
todos aqueles séculos de criação
aristocrata. Ela acha que esportes são
para as crianças, não para adultos. E
fica horrorizada pelo fato de que seus
outros filhos apareceram nos jornais
muito menos do que eu. Sem falar nos
muitos escândalos embaraçosos que me
levaram a eles, todos vistos por ela
como uma ofensa pessoal. – O sorriso
que se rompeu em seus lábios fez o
coração de Zoe se apertar. – Minha mãe
não vai despencar para Nova York para
me salvar de mim mesmo. Posso
assegurar.
Não havia nenhum motivo para que
ela lutasse contra o desejo de confortá-
lo. De colocar as mãos nas dele, tocá-lo,
fazer alguma coisa sobre como Hunter
estava sentado ali, sozinho e resignado,
nem mesmo atento; ele parecia
terrivelmente triste.
Recomponha-se, vociferou para si
mesma. Essa era a encenação dele.
Tudo é encenação.
Mas ela não acreditava nisso.
Zoe limpou a garganta e sugeriu:
– Sua irmã, então.
– Nora?
– Tem mais de uma? – Ela sabia que
não.
– Nora tem coisas melhores para
fazer. – Ele baixou o olhar sério para o
café e levou um tempo até que olhasse
para Zoe de novo. – Ou eu acho que sim.
Ela é uma socialite atarefada.
– Sua irmã administra uma instituição
artística bem impressionante no SoHo,
na verdade. – Ela franziu a testa quando
ele pareceu surpreso. – Não sabia?
– Sabia. – Hunter roçou a mão no
maxilar com a barba por fazer.
Era estranho que Zoe quisesse fazer
isso ela mesma. Que as palmas de suas
mãos na verdade estivessem coçando
para fazê-lo. Ela agarrou sua caneca
quente de café, como punição, e não
largou-a quando sentiu dor.
– Ela é praticamente uma criança.
– Tem vinte e quatro anos.
– Exatamente.
Zoe suspirou.
– Já se deu conta de que todas aquelas
strippers que estavam ao seu redor
naquela manhã eram da idade da sua
irmã, se não mais jovens? Dois pesos e
duas medidas, sr. Grant?
Ele tomou um longo gole de café e
colocou a caneca na mesa, com muito
cuidado. E, quando seu olhar se
encontrou com o dela, tinha uma fúria
moderada, e Zoe não devia ter gostado.
– Deixe minha irmã fora disso. Ela já
tem muito com que se preocupar como o
depósito ativo para todas as fantasias
dinásticas da minha mãe. E quanto às
strippers… – Hunter se inclinou para a
frente, e Zoe percebeu que estava
prendendo a respiração. – Para alguém
que passa grande parte do tempo
manipulando a percepção para servir
aos clientes, você acredita em tudo o
que vê com muita facilidade. – A voz
dele era sombria e áspera, assim como a
maneira com que a olhava. – É bom que
você seja sexy, Zoe. Ou você não
passaria de um aborrecimento.
Zoe se concentrou na última parte, a
parte ofensiva, porque não queria saber
o que ele queria dizer. Não queria sentir
nada que não fosse uma leve piedade e
um pouco mais de aversão quando
Hunter a olhava.
Mas ela não sentia nenhuma dessas
duas coisas fazia tempos. E foi preciso
apenas uma ligação naquela tarde para
descobrir que Hunter não passara a noite
naquela boate de striptease em que o
encontrou. Fora seu ex-companheiro de
time, casado, que passara a noite na
festa.
Hunter recebeu uma ligação da mulher
dele quando o homem continuava firme e
forte na manhã seguinte, segundo o
gerente da boate. Ele pegou o amigo,
colocou-o no carro e pagou por tudo,
inclusive pelo tempo das strippers. Com
uma generosa gorjeta.
Quase como se ele não fosse quem ela
achava era.
Daniel, é claro, discordara com
veemência.
O resto da equipe achava as reuniões
com Hunter – de que Zoe parou de
participar após aquele último café,
porque não podia se permitir desviar-se
de suas metas, e todo aquele tempo com
ele parecia levar direto para a cegueira
– nem mais nem menos chocantes do que
aquelas em que tinham de lidar com o
resto de seus clientes ricos e arrogantes.
Mas não Daniel.
– Ele é um boçal – disse Daniel, com
rispidez.
Ele parou furioso diante da mesa
dela, com tanta raiva que Zoe não ousou
revelar seu pequeno pensamento – que o
achava um boçal quando o conhecera,
mas que mudara de opinião fazia algum
tempo.
E, honestamente, não gostava de ouvilo ser chamado assim agora.
– Ele é um cliente – ela afirmou,
porém.
Daniel não precisava saber que
Hunter não procurara por ela, e,
portanto, não estava pagando pelos
serviços. Ninguém precisava saber
disso.
– Um cliente muito rico, Daniel. O
que importa se é um boçal?
– Pode dizer ao seu cliente que se ele
me chamar de fraco e frágil de novo,
daquela maneira tosca dele, eu vou
largá-lo de mão.
Zoe sabia que não podia rir. Manteve
o rosto completamente isento de
diversão.
– Por que Hunter o chamaria de fraco
e frágil? – perguntou ela, com cautela.
Ele estaria ameaçando?
– O sujeito é metido a valentão –
vociferou Daniel. – É isso o que os
valentões fazem. E o fato de ele ficar
bajulando você não significa que
funcione com os outros, Zoe. Grant é
candidato ao desastre. Por que você não
enxerga isso?
– Sei o que estou fazendo, Daniel –
revidou ela, um pouco mais irritada do
que deveria.
Daniel pareceu ter levado uma
bofetada dela, e Zoe não se sentiu
culpada como deveria.
– Ouça – disse ela, voz mais calma –,
você precisa confiar em mim. Sempre
confiou antes.
– E confio – Daniel murmurou,
embora ela pudesse ver que ele
continuava com raiva.
Mas o problema era que Zoe não tinha
certeza se confiava em si mesma.
Porque quando estava com Hunter,
esquecia-se de que o propósito disso
tudo era vingança.
HUNTER TOCOU a campainha do bar
privativo em Chelsea naquela noite,
precisamente às nove e meia como
combinado, e deixou que o recepcionista
o guiasse pelo seu interior luxuoso.
Era um espaço sexy e elegante de
veludo e madeira, conforto sofisticado
acentuado por coquetéis ambiciosos e
pouca luz. Hunter foi levado a uma área
privativa
cercada
de
cortinas
transparentes e românticas, através das
quais pôde vislumbrar apenas uma leve
sugestão do que ele deduzia que fosse
Zoe.
– Quando pediu que a encontrasse
aqui eu não me dei conta de que era um
bordel – disse ele abrindo caminho
através da barreira cintilante como um
touro em uma loja de porcelana. – Eu
teria me vestido de maneira mais
apropriada. Com minha roupa de dança
do ventre, por exemplo. Talvez não
saiba, Zoe, mas eu faço a dança dos sete
véus.
E, então, Hunter parou, dando uma
boa olhada pela primeira vez nela sem
aquelas cortinas no caminho. Era como
ser dispensado de forma decisiva por
toda uma linha de defesa.
– Não fique tão empolgado – disse
Zoe, fria, erguendo o queixo.
Ele não conseguiu evitar. Ela usava
uma espécie de vestido brilhoso em um
de seus tons cinza-escuros favoritos, que
aderia a cada curva e cavidade,
superfície e extensão de seu corpo
perfeitamente tonificado. Fez sua boca
ficar seca e sua cabeça girar, todo seu
sangue seguindo para a parte mais
irreverente e incontrolável de seu corpo.
– Não estou empolgado – afirmou ele
com voz arrastada, numa aproximação
de seu eu descuidado, o cara que se
entediava com tudo. Hunter se lembrava
desse cara. Era ele cinco minutos atrás.
– Esqueceu? Sou rico, lindo e famoso.
As pessoas costumam se empolgar ao
me ver.
– Se você diz – respondeu ela,
previsivelmente indiferente, o que,
também previsivelmente, fez com que
ele a desejasse ainda mais. – Atenção
positiva não é o mesmo que atenção
negativa, sabe disso. A menos que você
seja uma prostituta de atenção.
– Sou o tipo de prostituta que você
quiser que eu seja, Zoe. – E ele abriu um
sorriso quando os lábios dela se
estreitaram. – Já reconsiderou sua
posição em uma boa transa de ódio, bem
pervertida e relaxante? Porque eu não.
Só para constar.
O olhar gélido e acinzentado dela era
repreensivo, mas, bem lá no fundo,
Hunter imaginou ter visto um lampejo de
calor.
– Tive uma reunião antes que exigia
um traje formal. Não me vesti para você.
– Ela parecia muito agitada, e ele se
parabenizou por ter conseguido ao
menos uma pequena rachadura na
armadura de Zoe Brook. – Está olhando
para mim como se estivéssemos em um
encontro. Não estamos.
– Você é uma destruidora de sonhos,
Zoe. Uma estraga-prazeres de marca
maior. Sente prazer em arruinar tudo
aquilo que toca?
– Além disso – continuou ela,
olhando-o com aquele seu jeito superior,
um olhar afetado apenas pelo leve
tremor dos lábios –, não serviria para
nenhum propósito estratégico ser visto
em um encontro comigo. Precisamos
encontrar uma assistente social para
você. Talvez uma professora de
maternal. Alguém que seja doce,
saudável e boa.
– Parece emocionante. Sinceramente.
– O amor virtuoso dela fará de você
um homem melhor.
– Duvido muito.
– Essa é a questão da virtude. Pode
ser aproveitada e utilizada. Todos
acreditam que o amor, sobretudo o amor
virtuoso e saudável, inspira mudanças.
Assim como a religião, mas essa é mais
difícil de vender e requer que você
continue com a prática em locais
públicos. O amor que reabilita é
imaculado.
– Não percebi que você tinha uma
agência de encontros – ele manteve a
voz calma. – Não preciso preencher um
questionário
detalhado,
discutindo
minhas diversas preferências sexuais?
Para começar, gosto de mulheres
obedientes e aventureiras.
– Essas coisas andam juntas?
– Quer que eu lhe mostre? – Ele
sorriu quando ela virou os olhos. – Que
pena... Mas tenho certeza de que há
professoras selvagens e ardentes de préescola, cheias de virtude e ansiando por
um cara como eu para orientá-las, não
é?
Mas Hunter não estava pensando
muito nas vidas secretas e pervertidas
das professoras, por estar preso na
extensão das esculturais pernas de Zoe,
na maneira com que se mexia na
banqueta, cruzando-as e fazendo com
que ele esquecesse o próprio nome.
Toda aquela pele audaciosamente nua
com o inverno rigoroso, um creme cor
de marfim descendo até chegar a um par
de sapatos com os quais era impossível
se caminhar, aquelas ankle boots
audaciosas que lembravam punk rock e
o tipo de sexo exigente e instigante que
arrasava com vidas inteiras.
O tipo que faria com Zoe, mais cedo
ou mais tarde. Ou ele morreria
desejando-a dessa maneira.
E, então, havia o restante de seu
corpo sexy e elegante, naquela
escandalosa superfície cinza, com
apenas um único, quase penetrante,
diamante no pescoço, o cabelo preto
preso no alto em um visual que parecia
complicado e gracioso, e que fez com
que ele desejasse afundar as mãos e os
dentes nele – nela…
Talvez não fosse bela. Talvez fosse
ainda mais intensa do que isso. Talvez a
beleza fosse algo insípido ao lado de
Zoe Brook e o que ela conseguia fazer
com um simples vestido justo e sem
alças.
O que ela estava fazendo com ele.
Nesse momento.
– Sente-se, sr. Grant – ordenou Zoe, o
cenho franzido demonstrando mais
incômodo do que aborrecimento, o que
ele entendia que era mais um golpe para
colocá-lo em seu lugar.
Hunter gostava disso.
– Pare de me chamar assim, Zoe. Isso
me faz querer demonstrar que estamos
em uma posição muito menos formal, ou
ao menos deveríamos. É o que você
quer?
Os lábios dela se apertaram. Hunter
não se enganara: havia um lampejo de
diversão nos olhos azul-acinzentados
dela. Zoe apenas acenou de leve, depois
de um momento, dando o ponto para ele.
Mas uma vitória era uma vitória. E,
embora pequena, tomou conta dele como
uma chama. Como uísque.
Como sexo.
– Fale.
– Como?
– Fale – Hunter repetiu, com mais
aspereza. – Meu nome.
Ele não conseguia ler a expressão que
via no rosto dela. O brilho em seus
olhos perigosos e distantes. Mas podia
sentir a tensão em seu próprio corpo, e
sabia que isso era muito mais importante
para ele do que deveria. Muito disso –
como Zoe – era mais do que apenas uma
mulher
sexy com um vestido
escandaloso.
Ela era a única coisa que o mantinha
vivo. A única coisa que tinha esse
poder.
Ele não queria pensar nisso. Queria
seu nome na boca de Zoe. Queria ouvir.
– Se eu disser seu nome, vai parar de
me rondar? – Ela parecia zangada e
exasperada, mas ele via algo mais
naqueles olhos tempestuosos e frios.
Talvez fosse o que queria ver. Talvez
fosse a verdade. – Está me deixando
ansiosa.
– Se disser meu nome, eu lhe darei
tudo o que quiser.
– Certo. – Mas ela se conteve por um
momento, depois outro. Engoliu em
seco. E rendeu-se: – Hunter.
– Foi assim tão difícil? – perguntou
ele, divertido. – Você não se
desintegrou. É só um nome.
Hunter sentou-se muito calmo,
saboreando o momento. Primeiro, tirou
o casaco, jogando-o de lado com
displicência, sem tirar os olhos dela. Em
seguida, acomodou-se muito próximo a
Zoe, quase por cima dela, abrindo um
sorriso quando ela suspirou, irritada.
Zoe se manteve rígida e ereta, e ele,
relaxado, esticando o braço por cima da
cadeira, ficando muito próximo de
abraçá-la.
– Você realmente gosta de invadir o
espaço dos outros, não é? – perguntou
ela, com uma sobrancelha erguida. Mas
não se moveu.
– Sou muito grande. – Hunter aspirou
o perfume caro e elegante que ela usava,
que não era nem de perto tão fascinante
quanto o aroma de lavanda que sentiu
em sua pele, em outra ocasião. – Não
posso fazer nada se preciso de muito
espaço.
– Você usa seu corpo como arma.
Ele ficou um tempo observando-a.
Memorizando, como se não tivesse
certeza de que chegaria perto assim dela
de novo. Do arco perfeito das
sobrancelhas escuras. Da boca teimosa e
esperta, brilhante na luz trêmula e parca
dessa noite.
Hunter podia ver seu pulso através da
pele macia de seu pescoço, dizendo-lhe
exatamente como era custoso para ela
ficar próxima a ele. E, mesmo assim,
Zoe não tentou afastá-lo, nem mesmo
quando o olhar dele foi baixando, até
esquecer-se por completo no vão
tentador entre seus seios.
Ele ansiava por prová-la agora mais
do que ansiava pela própria respiração.
Não fazia ideia de como se conteve, a
não ser pelo fato de que queria que Zoe
o desejasse, também. Queria que ela se
sentisse fora da própria pele, como ele
se sentia. Como que aniquilado por essa
atração.
Essa… coisa que estava aos poucos
tomando conta dele. Do que sobrara
dele.
Hunter acenou em direção ao pecado
acinzentado que era o vestido dela.
– Roto – disse ele, e em seguida
indicou a si mesmo com um movimento
da mão. – Esfarrapado.
Zoe encarou-o por um longo
momento, com aquele misto inebriante
de consciência e cautela em seu olhar.
– Não entendi.
– É uma coincidência, então, que você
esteja usando um vestido que parece ter
sido pintado direto em sua pele esta
noite. Para sua “reunião” neste ambiente
obviamente não corporativo, com um
cliente que chantageou para que
trabalhasse com você. Um cliente que
sabe como suas coxas se sentem sob as
mãos dele. Sem mencionar o sabor. –
Ele riu. – Tenho certeza de que o fato de
você parecer apetitosa não teve nada a
ver com sua decisão de vesti-lo esta
noite.
– Não é para você!
– Não pode usar seu corpo da
maneira como faz e depois reclamar
quando os outros fazem o mesmo, Zoe.
– Não sou um homem grande, cheio
de músculos e com a força de um touro,
deixando rastros pelo mundo como um
bandido desprevenido.
– Nem eu. – Hunter se surpreendeu ao
perceber que sorria. – Meus pés têm um
arco adorável. Todos dizem isso. Quer
ver?
– Você é impossível – Zoe
resmungou, mas ele pensou ter visto um
leve lampejo de humor no canto de sua
boca, como uma risada freada antes de
traí-la. – E não quero falar sobre suas
inumeráveis falhas corporais. Quero
falar sobre seu comportamento com
meus associados.
– Estou ainda menos interessado
nessa conversa.
– Você não pode bater de frente com
Daniel – Zoe afirmou com severidade. –
Pode não ter percebido, mas você
precisa dele. Xingá-lo não é muito
inteligente.
– David é um punk – disse Hunter,
com desdém.
– O nome dele é Daniel.
– Não me importa o nome dele. –
Embora Hunter soubesse, é claro. Ele a
encarava. – O sujeito é apaixonado por
você.
Ela não negou.
– Isso é mais uma coisa que não é da
sua conta.
– Você não está saindo com ele, ou o
defenderia e me mandaria para longe.
– Talvez eu faça isso de qualquer
jeito. Não importa com quem eu esteja
saindo. – Zoe mostrou a ele aquele
sorriso malicioso, e Hunter sentiu-o em
sua virilha, como se ela tivesse se
inclinado e lambido toda sua extensão,
ali mesmo.
Sentiu-se ficar rijo como uma pedra.
Ardente.
Mas ela ainda estava falando:
– Não sei o que há com você que traz
à tona esse desejo intenso de fazer-lhe
mal. Mas tenho certeza de que você
passa por isso tempo todo.
– Sou um gosto adquirido.
– Que as pessoas cospem fora? –
Aquela sobrancelha arqueada, aquele
torcer da boca...
– Prefiro quando engolem – disse ele,
o olhar naqueles lábios brilhantes. –
Mas não vou mentir, Zoe. Não sou muito
exigente.
Ela voltou a cabeça para trás, com
certeza para dizer mais alguma coisa
sobre ele, e Hunter se descobriu pronto
para isso; toda a adrenalina e o foco que
usara no campo agora estava sobre ela.
Porém, Zoe apenas riu.
Em seguida, encostou-se no assento e
colocou as mãos na boca como se
quisesse mandar de volta aquele som
infantil. Seus olhos encontraram os dele
em um misto de espanto e horror.
Ele adorou isso.
– Está vendo? – Seu sorriso largo
ocupava todo seu rosto, trazendo a ele
um brilho como da luz do sol. – Você
gosta de mim.
Zoe balançou a cabeça com uma firme
negativa, mas as mãos ainda cobriamlhe a boca como se, do contrário, fosse
trair a si mesma.
E Hunter não reconheceu aquele
sentimento de alegria que começou a
crescer dentro dele. Leve e reluzente.
Brilhante.
– Por alguma razão, ninguém acredita
nisso – confidenciou ele –, mas sou uma
pessoa agradável.
Zoe deixou as mãos caírem, mas
sorria, como se não conseguisse evitar,
e isso acabou com ele. Atravessou-o
como uma lança. Derrubou as paredes
que Hunter erguera tempos atrás, cujo
motivo não tinha mais certeza, e mais
daquela luz solar penetrou-o, invadiu-o,
fez com que esquecesse, por um
momento, quem ele era. O que ele era.
Que sombras se espreitavam nele.
O que tinha feito. E o que não tinha.
Zoe tossiu.
– Tenho certeza de que eu estava
rindo…
– Dando risadinhas, para ser mais
preciso.
– … de você, Hunter. Não com você.
– Acho que não.
E ele estava rindo, também, se dando
conta de como se encontrava próximo a
ela, como a cabeça dela foi para trás e
seu cabelo roçou nele.
Os olhos acinzentados de Zoe ficaram
mais azulados do que Hunter já
presenciara, e aquilo foi se somando
dentro dele, formando um nó em seu
estômago, e aquelas sombras que
ocupavam
seus
espaços
vazios
pareceram mais suaves, de alguma
maneira. Ele não sabia o que isso
significava.
Traçou um padrão vago pela lateral
do adorável rosto de Zoe com o dedo,
acompanhando aquela boca afiada e
perigosa que só fazia com que ele a
desejasse ainda mais. E sentiu de novo
aquela chama incandescente entre os
dois, mais forte dessa vez. Mais tensa.
Içando-os juntos, machucando.
– Quem mais sabe que a impetuosa
Zoe Brook bufa um pouquinho quando
dá risadinhas como uma colegial? –
perguntou ele, com suavidade. – Imagino
que seja informação confidencial. Não
se preocupe, não contarei a ninguém.
Quero isso só para mim.
Hunter a observou prender a
respiração como se sua vida dependesse
disso. Ou como se fosse o poder dele,
isso e o calor no olhar dela, brilhante e
inconfundível. Acendeu-o de novo, as
labaredas tomando conta. As paredes
virando cinzas.
– Desde quando você é doce? – ela
sussurrou, com a voz rouca.
A necessidade condenando os dois.
– Nunca. – Mas seus dedos ainda
desenhavam símbolos na pele acetinada
de seu rosto e de seu pescoço.
– Isso é doce – Zoe falou mais forte e
quase como uma acusação. Havia aquela
seriedade em seu semblante, entalhada
entre as sobrancelhas. – Não pode negar
isso.
– Se estou fazendo – disse ele, que
podia ouvir o fogo na própria voz, o
desejo –, não pode ser nada doce. Por
definição. Pode perguntar aos oito
milhões de inimigos que tenho. Ou ler
em seus depoimentos.
– Doçura é inaceitável.
– Apenas espere alguns minutos.
Tenho certeza de que voltarei a ser um
imbecil. Não posso evitar. – Hunter
observava, fascinado, enquanto as
emoções que não conseguia entender
iam aflorando e cruzando as feições
dela, em geral tão frias.
Ele só reconheceu o lampejo de
pânico, seguido logo por um tipo de
resignação, que fez com que seu peito
doesse.
– Só sei quebrar as coisas – Hunter
afirmou, ríspido, de repente, e viu a
reação dela a isso, como se a tivesse
machucado. – Zoe, eu não quero…
Ela não deixou que terminasse. Seus
olhos cinza se tornaram sombrios,
sombrios demais, e, então, ela avançou,
um toque de seu corpo perfeito, suas
mãos subindo para emoldurar-lhe o
rosto. Para segurá-lo, como se ela
tivesse o poder de imobilizá-lo assim
facilmente.
Mas, então, Hunter percebeu, com
alguma surpresa, ali sentado, suas
próprias mãos ao redor dos punhos dela.
Ele tentou de novo:
– Zoe…
– Cale a boca – ela ordenou.
Hunter ouviu o fogo e o pânico, a
loucura e a necessidade, e sentiu tudo
isso dentro de si, crescendo como a
maré.
– Pelo amor de Deus, Hunter, cale-se.
E, a seguir, Zoe acabou com aquele
espaço elétrico entre os dois e tomou a
boca dele com a sua.
CAPÍTULO 6
ZOE
BEIJOU-O
como se sua vida
dependesse disso.
Todo aquele fogo. Todo aquele
perigo, aquela necessidade impossível.
Todas as coisas que ela sentia que não
devia, que até então achava que não
poderia
sentir.
Aquele
fogo
incontrolado, queimando dentro dela,
dentro dele, fazendo-a tremer junto a
ele, enquanto saboreava daquela boca,
repetidas vezes.
Porque Zoe achava que talvez sua
vida realmente dependesse disso.
Zoe já tinha mostrado demais a
Hunter. Não entendia como isso
aconteceu. Isso não era para ser
complicado. Ele não era.
Mas ela por fim se deu conta de que
havia apenas uma maneira de lidar com
Hunter Grant.
Ele achava que a desejava? Então, ele
a teria, mas nos termos dela. Zoe
acreditava que havia certa poesia em
pegar de volta desse homem o que
outros homens haviam tirado dela.
Ele disse que se arrastaria. Ela
garantiria isso.
Mas, primeiro, ela o beijara. Assumiu
o controle e pegou o que queria daquela
boca talentosa que não deveria tê-la
atraído, muito menos a encantado.
Zoe passou por cima dele, erguendo
as laterais do vestido até a altura da
coxa para que pudesse sentar-se em seu
colo. Hunter emitiu um som gutural que
deveria ter sido uma rendição, mas que
ecoou nela como um grito de guerra.
Porque era.
Zoe lutava por sua vida com todos os
deslizares de sua boca perfeita sobre a
dele, cada movimento de seu atraente
corpo atlético sob o dela. Ela
pressionava seu corpo contra o de
Hunter, virando a cabeça para prová-lo
mais fundo, mais úmido, mais ardente.
Encontrou a rigidez compacta de sua
necessidade, e montou nela.
Zoe tomaria posse. Pegaria o que
queria e o deixaria para trás quando
tivesse terminado. Conquistaria essa
coisa. Sairia vencedora, por fim.
Mas ele ter o sabor do fogo não
ajudava.
Hunter a beijava como se ela fosse
uma revelação, e ele, um conhecedor
que traficava essas coisas. Ele a lambia,
saboreava e seduzia na mesma medida,
fazendo as chamas dançarem, o fogo
ficar ainda mais ardente, selvagem e
impossível. Estava duro entre as pernas
dela, seu músculo repleto e todas
aquelas delícias do poder masculino,
mas Hunter não usava nada disso contra
ela.
Isso tudo a fazia tremer. Isso tudo a
fazia desejar. Isso tudo a fazia se
esquecer do que estava fazendo…
Foi ele quem recuou, e ela odiou isso.
Odiou que ele tivesse presença de
espírito quando ela ainda estava
perdida. Odiou que Hunter a olhou por
um longo e ofegante momento, ainda rijo
contra ela, os olhos brilhantes
parecendo penetrá-la. Odiou que tudo o
que queria, com todo o bater de seu
coração, com toda sua respiração
dissonante, era a boca dele na sua mais
uma vez.
– Você é deliciosa – murmurou ele,
uma de suas mãos se movendo, o
polegar roçando os lábios dela,
marcando-o com um simples toque.
Zoe podia sentir em seus seios,
pesado contra o corpete apertado do
vestido. Sentia fundo nela, faminto e
pulsante, pressionado contra ela.
Os olhos muito azuis. Como se fosse
um tipo de sol, iluminando-os, embora
ela soubesse que isso era impossível.
Ele estava muito degenerado, e ela,
muito arruinada. Nada disso era real.
Nada disso podia estar acontecendo.
No entanto, Hunter se mexeu debaixo
dela, uma de suas grandes mãos
envolvendo seu quadril e segurando-a
junto a si; e Zoe parou de dizer a si
mesma o que era e o que não era real.
Porque ela podia senti-lo por todo lugar.
– Como pode ser assim tão deliciosa?
– A voz dele não passava de um
murmúrio, como se estivesse cantando
para ela.
E Zoe queria dizer-lhe que ele estava
errado, que ela estava manchada por
dentro e arruinada havia anos, já, mas
ele não esperou por sua resposta.
Hunter se aprumou e capturou-lhe a
boca de novo, virando-a do avesso.
E Zoe derreteu-se. E esqueceu.
Esqueceu-se do que passara, de a que
sobrevivera.
De quem se tornara. De quem criara
dos destroços de seu antigo eu.
Era como se ele beijasse a Zoe que
ela poderia ter sido, ansiosa e mágica, e
todos aqueles futuros ousados e
brilhantes. Um turbilhão de cores. Uma
cacofonia de possibilidades.
E todo esse calor delicioso e
entorpecente.
E, por um momento, Zoe cedeu a essa
insanidade, como se atravessando a
parte de trás de um guarda-roupa ou
descendo pelo buraco de um coelho. Ela
se deixou levar.
Deixou que ele a saboreasse.
Tentasse. Como se fossem outras
pessoas. Como se pudessem fazer tudo
isso sem ter de pagar mais tarde quando
ela soubesse muito bem que não
poderiam.
Sempre havia um preço.
Mas por um momento, com a boca
dele como um abrasador, inflamando-a,
ela fingiu o contrário. Fingiu que não
sabia. Fingiu que não havia mais nada, a
não ser ele. Esse beijo. Esse calor
desvairado, a maneira como se roçava
nele e fazia os dois suspirarem. O fogo
que não deveria ter existido, para
começar.
Absolutamente nada, a não ser Hunter.
Que Deus a ajudasse, mas não
conseguia se deter.
– Sua casa – disse ela, então, soltando
sua boca da dele.
Hunter piscou, as mãos agarrando
seus quadris, segurando-a de uma forma
que podia mandar os dois para a prisão
caso um funcionário enfiasse a cabeça
através da cortina de seu pequeno
refúgio.
– O quê? – Sua voz era densa.
– Você quer transar comigo, não
quer? – A garganta de Zoe estava áspera
com todo esse anseio e sua
determinação de não derramar lágrimas
por toda sua necessidade.
Ela podia controlar isso. E
controlaria.
Hunter piscou, e seus olhos claros se
tornaram ilegíveis outra vez.
– Essa é uma pergunta capciosa?
– Prefiro não atrair a atenção da
polícia – disse ela friamente, indo para
trás e para cima em um único
movimento. Manteve o olhar no dele
enquanto ajeitava o vestido. – Então...
Sua casa?
Era apenas sexo. E era a única
maneira de quebrar o feitiço.
Zoe não podia arriscar deixá-lo
persegui-la mais. Ele era intuitivo
demais, por incrível que parecesse. Via
demais. Zoe tinha que parar de se
surpreender e começar a dar os passos
necessários para contornar isso.
Tudo o que tinha de fazer era deixá-lo
tê-la. Hunter ficaria entediado antes de
afastar-se, assim como ficava com suas
aspirantes a estrelas e suas modelosbarra-atrizes
que
os
jornais
contabilizavam todos os anos. E essa
dancinha tensa dos dois chegaria ao fim.
Ela poderia se esconder de novo e
continuar escondida. E, então, poderia
usá-lo como planejava para acabar com
Jason Treffen, sem esse calor
irrelevante.
Tudo o que tinha de fazer era
sobreviver a essa noite.
– Bem? – perguntou ela. Era uma
provocação. Uma ousadia. – Não me
diga que, depois disso tudo, você não
passa de um provocador. Ficarei
devastada.
– Ah... – disse ele suavemente, um
tom sensual em sua voz – Não sou um
provocador.
– Não é romântico o bastante para
você? – Ela sorriu, maliciosa. – Precisa
de um cartão? Flores?
Ela não entendeu o sorriso dele,
excitante e intenso. Assim como não
compreendeu a maneira com que
prendeu a respiração quando ele se
ergueu.
– Nunca é demais – ele afirmou,
baixo, como se estivesse falando com
outra pessoa. Como se fosse um verso
ou dois de uma poesia que ele recitasse
para ganhar um favor dela. – Gosto de
gardênias. E às vezes de girassol, mas
com moderação. São muito vistosos.
A maneira com que olhava para ela,
para seus seios e sua barriga, suas
pernas e subia de novo, a atingia. Tudo a
atingia. Zoe se sentia em carne viva.
Aniquilada.
Mas sabia que tinha de fazer isso.
Assim, quando Hunter estendeu a mão
com uma espécie de tensão em seus
olhos e certa ferocidade em sua
expressão ao encará-la, como se ele
estivesse se contendo para não tomá-la
ali mesmo onde estavam, Zoe disse a si
mesma que essa era a única maneira, e
aproveitou-a.
ZOE ENTROU no imenso apartamento de
Hunter olhando ao redor como se não
estivesse nem um pouco impressionada
pelos seus três andares bem acima da
Wall Street, suas escadas espirais,
paredes incrivelmente altas e brancas,
vistas estonteantes mostrando o sul de
Manhattan em todas as direções.
Ela parou no meio do espaço estéril e
fundo, girando devagar, desabotoando o
casaco grosso que usara devido ao frio
invernal. Viu a enorme TV em uma das
paredes, os cantos do moderno sofá em
L que poderia comportar todo o antigo
time de futebol de Hunter e a total falta
de qualquer coisa que desse uma dica da
personalidade dele.
Nenhuma fotografia. Nenhum livro.
Nenhuma arte para amenizar o branco
das paredes. Nem mesmo a coleção de
troféus e lembranças esportivas que Zoe
imaginava
que
devessem
estar
espalhados por todo canto, para um
homem com o currículo dele.
Nenhuma pulsação. Um robô poderia
viver ali. Talvez esse fosse o
verdadeiro Hunter, disse a si mesma:
vazio e árido. Nada além de uma concha
muito cara e fria.
Ela não sabia por que tudo dentro de
si se rebelava a esse pensamento, mas
estava na hora de livrar-se de devaneios
inúteis e fazer o que deveria ser feito.
– Parece que você vive em um
necrotério. – Zoe jogou o casaco no
sofá.
Seu casaco azul-escuro era a única
cor em toda a cobertura, e fez com que
ela se sentisse tensa. Meio impaciente,
como se esse simples fato, como se tudo
isso, significasse o que ela não queria
olhar mais de perto.
– Você deveria pensar em dar um
toque mais vivo – continuou Zoe,
quando ele não disse nada. – Nada muito
doido, veja bem. Talvez um quadro
único para amenizar essa atmosfera de
hospital?
Ela olhou para Hunter, e seu coração
saltou e começou a bater forte no peito.
Ele ainda não dissera nada. Só a
observava, seus olhos azuis mais
escuros do que o habitual, mais escuros
do que era possível, tão brilhantes que
Zoe quase se esqueceu das cores das
outras coisas.
Ele tirou o casaco, deixou-o cair no
chão, embora não parecesse descuido
aos olhos dela. Isso chamou a atenção.
Hunter não tirava aqueles olhos
elétricos de cima dela. Zoe nem sequer
tinha certeza se ele piscava.
Isso era inquietante.
Mexia com ela, por dentro, como uma
onda quase dolorosa de calor.
– Ou, talvez, seja o que você goste –
disse ela, como se nada a respeito dele
penetrasse sua pele. Como se estivesse
completamente à vontade ali parada, as
mãos nos quadris e a cabeça inclinada
de forma arrogante, encarando-o de
volta. Como se isso não fosse um
conflito que precisasse vencer, não
importando o que tivesse de fazer. –
Gosta de brincar de médico, Hunter? É
isso? Um estilo de sala de operações
para fazê-lo se sentir sexy?
Os lábios esculpidos dele se
moveram em algo intenso demais para
ser um sorriso, e ela lutou com um
tremor, lembrando-se do sabor deles
sobre os seus.
Zoe achou que ele diria algo, mas
apenas indicou a escada em espiral
perto dela, com um aceno daquele
maxilar de aço.
– Achei que você nunca se calasse em
um bar – Zoe continuou com frieza,
tentando aliviar a tensão que continha,
antes que a partisse em duas –, e agora
você está em total silêncio? Não sei se
fico alegre ou alarmada.
– Nenhum dos dois funciona comigo.
Era um som másculo, que arranhou
sua pele, insinuando-se através de seu
sangue, de cada batida de seu coração.
O ar no apartamento cavernoso ficou
rarefeito. Depois, agitou-se.
Assim como Zoe.
Ela decidiu que não havia nada a
fazer a não ser continuar com seu papel
e esperar que funcionasse. Porque tinha
de funcionar.
Porque ela nunca mais se arriscaria
assim de novo.
Cruzou a sala devagar, forçando um
rebolado, cuidando para que cada parte
de seu corpo se movesse.
Um convite. Um desafio. A fantasia
masculina perfeita.
Sensual e poderosa ao mesmo tempo,
como queria que acontecesse, como
queria que fosse. Zoe observou os olhos
azuis dele se estreitarem, a pele de seu
rosto friamente belo ficar tensa.
Desejo. Necessidade.
Zoe disse a si mesma que não
importava que sua garganta estivesse
seca, ou que seu coração estivesse
descompassado no peito, em um
sentimento de pânico. Não importava
que pudesse sentir a maneira com que
ele olhava para seu calor úmido entre as
pernas, para o rubor que cobria sua
pele, para a rigidez de seus mamilos,
para a respiração irregular que ela
tentava manter silenciosa. O que
importava era que fizesse Hunter perder
o controle.
Ela conseguiria isso. Conseguiria.
Os olhos dele fitavam, brilhantes, os
dela, seu olhar era duro e, mais uma vez,
ele via o que não devia.
– Mudou de ideia?
Zoe forçou uma risada, dizendo a si
mesma que o embrulho no estômago não
era nada além de seus nervos. Hunter
podia tê-la feito sentir algo no escritório
dela naquele dia, no bar durante o beijo
selvagem, em todos os momentos
estranhos que passaram juntos nessas
curiosas semanas invernais, mas isso
passaria. E então, teria apenas de passar
a noite intacta, para poder assumir o
controle dele de novo, disso, da
vingança que ela esboçara antes mesmo
de escapar da Treffen, Smith e Howell.
– Você mudou? – ela devolveu a
pergunta.
– Isso não vai acontecer – Hunter
afirmou, e aquele sorriso ficou
selvagem.
Ele acenou para a escada de novo.
Zoe lutou contra o tremor, ao menos
onde ele pudesse ver, e forçou-se a se
virar para a espiral de metal que se
erguia elegante do chão até o topo dos
três níveis.
Calma e natural, disse a si mesma.
Seja casual, ainda está no controle.
Como se fizesse isso todo o tempo. Ou
nunca.
Zoe subiu as escadas lentamente,
ciente de Hunter vindo atrás, desde que
começara a subida, como uma parede de
calor. Uma fornalha de fogo masculino,
e ele nem mesmo a tocara. Zoe esperava
que ele não conseguisse perceber o
arrepio que percorria seus braços, seu
pescoço, mas ela o ouvia fazer o mínimo
som, profundo, baixo satisfeito, e sabia
que estava.
Ele sabia. Homens como ele sempre
sabem. Era o que o tornava um
predador, o tipo que Zoe sentia nos
ossos, como uma dor interna, como se
Hunter a estivesse usando contra si
mesma.
Quando chegou ao segundo andar,
olhou de leve por cima do ombro, e ele
sorriu, malicioso, para ela.
Ardente e confiante. Anjos caíram e
mil sinos tocaram naqueles olhos azuis,
e Zoe sentiu como se fossem um sopro.
Como uma língua de fogo saindo de seus
sapatos, percorrendo sua espinha,
queimando-a viva ali mesmo.
– Continue – disse ele com aquele
mesmo tom baixo, que fazia seu corpo
retesar e depois soltar com mais daquele
calor intenso.
Ele estava alguns degraus abaixo, uma
das mãos no corrimão e a outra no bolso
da calça, e ela teve a percepção
estonteante de que estava fazendo de
propósito para manter as mãos longe
dela.
Por enquanto.
Como se não pudesse garantir o
próprio controle.
Zoe virou-se para a frente e engoliu
em seco, contra seu pulsar intenso e sua
crescente incapacidade de respirar. Seus
membros estavam pesados com o mesmo
fogo, e ela só queria deixar-se arder por
inteiro.
Porém, continuou adiante. Chutou uma
bota, depois a outra, sorrindo ao som
voraz que ele emitiu.
– Todos gostam da fantasia da
Cinderela – Zoe murmurou. – Até
mesmo os homens mais odiados de
Nova York, ao que parece.
– Isso me torna…?
– O Príncipe Encantado? Difícil.
– Sou muito encantador. Nove entre
dez jornais concordam.
– Ainda não vi nenhuma evidência
que sustente isso.
– Gostaria que eu provasse o quanto
posso ser encantador?
A voz dele era suave e mais
envolvente do que deveria, a respiração
soprava na orelha e na a pele exposta do
pescoço de Zoe, e ela precisou lutar
para não tremer. Para não derreter. Para
não se render ali mesmo.
– Tudo o que precisa fazer é levar a
mão para trás e eu a encantarei por
inteiro.
Zoe riu, surpresa por ter soado tão
gutural, tão inteiro. Sexo e desejo, bem
ali, tão nua como se estivesse indefesa
sob ele, aberta para seu toque. Tão
poderoso como se ela soubesse o que
estava fazendo com isso, com ele, com
esse flerte intencional que só poderia
terminar de um jeito.
Era quase como se Zoe estivesse
fazendo isso só porque queria fazer.
Como se ela realmente o quisesse tanto
assim.
A novidade dessa louca percepção
fez com que Zoe balançasse, se
desequilibrasse, e ela continuou,
apoiando-se no corrimão enquanto se
virava para olhá-lo mais uma vez, agora
apenas um degrau abaixo. Grande,
sólido e bloqueando sua retirada.
A fraqueza era uma coisa ruim, disse
a si mesma, não importa que tipo. Não
deveria ser tão bom sentir-se tão
deliciosamente feminina, como se esse
tipo de falta de ar fosse uma coisa boa.
Ardente. Abrangente. Como se ela nunca
mais pudesse respirar direito de novo,
graças a Deus.
– Existem usos melhores para você do
que recuperação de sapato, eu acho. –
Zoe garantiu a si mesma que estava
tentando soar sexy e atraente. Isso não
era simplesmente como soava quando
Hunter estava assim próximo a ela,
fazendo com que todos os seus sentidos
se descontrolassem.
Ele sorriu, um sorriso com uma
intenção sombria que Zoe sentiu na pele,
sensual e completa, depois lá no fundo,
como uma dor forte e profunda.
O ar ao redor deles, entre eles, estava
denso. Sufocante. Úmido com essa
necessidade, com esse desejo pulsante,
que fazia com que se sentisse real.
Carne e osso, com desejos e capaz de
ansiar, como todo o mundo. Foi isso o
que ele fez com ela.
Que poderia ser o fim dela.
Então, mais uma vez, aquela parte
traiçoeira de Zoe sussurrou, morrer
poderia ser um preço pequeno a se
pagar. Hunter pode valer o risco.
Não importava o que sentia, lembrouse, furiosa, atônita consigo mesma.
Importava o que ele sentia, e ela teria de
estar preparada para manipular e lidar
com isso quando ele a esquecesse no
momento em que virasse para o lado
para dormir. Preparada para usar isso.
Era parte do plano.
– Abra o fecho – Zoe ordenou,
mostrando a ele o fecho escondido na
lateral ao erguer um braço sobre a
cabeça, bem lentamente, com uma graça
sinuosa criada para deixá-lo tão
selvagem quando ela se sentia.
Zoe achou que Hunter paralisara por
um segundo, mas devia ser imaginação,
porque, quando a tocou, suas mãos
estavam tão firmes quanto aquelas
promessas sombrias em seus profundos
olhos azuis.
A sensação das mãos dele tocando-a
era uma tortura, um presente. Zoe
forçou-se a não reagir quando seus
dedos roçaram gentilmente a pele que
ele expôs, enquanto abria o zíper até
seus quadris, embora, lá no fundo, ela
tenha ficado em frangalhos.
Em breve não restaria nada dela, além
de escombros.
Mas ele poderia esconder, sabia
disso. Poderia esconder qualquer coisa.
– Obrigada – disse Zoe, com uma
calma profunda que não sentia. –
Lembra quando prometeu ser meu
escravo de desejo? Esta é sua chance de
provar.
O sorriso dele se tornou faminto, e a
respiração dela parou na hora.
– Continue caminhando – disse ele –,
e provarei qualquer coisa.
Ela acreditou nele.
Zoe virou-se, o pânico se misturando
com a terrível excitação dentro dela.
Começou a subir as escadas de novo,
mas algo mudou. Tudo parecia delicado
agora. Tenso. Frágil. Ou ela estava
assim.
Ignorou tudo isso, cerrando os dentes
e deixando o vestido cair à medida que
subia. Foi tirando-o centímetro por
centímetro, revelando-se devagar para
ele, enquanto tomava a última curva da
espiral que a deixava direto na suíte que
tomava todo o andar superior da
cobertura.
De onde não poderia retroceder.
Parou bruscamente.
Era como uma capela. O quarto tinha
três lados envidraçados e uma enorme
torre de vidro acima, formando um arco
sobre o piso escuro e o altar central no
coração dele: sua cama. Ficava sobre
um estrado preto a um metro do chão,
maciço e imponente, reluzente e de
alguma
maneira
primitivamente
masculino, tudo junto.
Não havia mais nada. Apenas uma
cama carnal e a revigorante noite de
inverno por todo lado, ali do outro lado
do vidro, fazendo-a sentir quase uma
vertigem, como se estivesse na ponta
dos pés ao lado do mundo e fosse cair
em queda livre direto para o céu.
Zoe pensou nos homens das cavernas
e seus catres, lobos e seus covis, como
se Hunter a tivesse mesmo arrastado até
ali pelo cabelo, onde a única cor estava
na cama, uma pilha de marrons vivos e
vermelhos profundos que a fazia pensar
em peles. Em sexo e uma inabalável e
irrevogável posse. Do tipo que não
deixa marcas na pele, mas forma
cicatrizes do mesmo jeito. Em milhares
de coisas que ele não deveria querer –
não queria.
É claro que não queria.
Mas bem lá no fundo, Zoe sentiu um
calafrio e muito calor, certo tremor e
uma espécie de fraqueza. A urgência, a
necessidade, de simplesmente se
esparramar diante dele como em
sacrifício a uma deidade ancestral
misteriosa que comandasse esse quarto,
que compreendesse as coisas que se
passavam com ele.
Esse desejo de render-se e o anseio
de desistir, de submeter-se ao que ele
pudesse fazer a ela, embora Hunter
fizesse porque ela também queria. Esse
desejo sem precedentes de ceder, por
fim, como se isso significasse segurança
em vez de risco insuportável.
Ela não tinha medo dele, percebeu em
um lampejo ofuscante de uma visão
chocante e dolorosa. Tinha medo de si
mesma. Estava assustada com as coisas
que queria, que nunca soubera que
poderia querer até agora.
Mas isso não tinha a ver com querer.
Tinha a ver com vingança.
– Suas fãs devem adorar este quarto –
disse ela, para lembrar-se da realidade
de quem ele era, o que isso era.
Hunter deu risada, um ruído baixo que
ela sentiu como uma carícia.
– As fãs não passam do primeiro
piso. Tenho alguns padrões.
Zoe deixou o vestido cair aos seus
pés antes que pudesse pensar melhor
sobre tudo, e porque ela não queria
pensar nas implicações do que ele
dissera. Chutou o vestido para o lado,
movendo-se rapidamente em direção à
enorme cama masculina, fingindo com
toda a força que não a incomodava. Que
era apenas uma cama.
Que ele era apenas um homem.
É só uma noite, lembrou a si mesma.
Algumas horas, no máximo, mesmo que
Hunter não a tivesse beijado no bar
como um homem que ansiava por isso,
ou algo mais. Qualquer pessoa pode
lidar com uma noite.
Ela sabia disso melhor do que muita
gente.
– Suponho que isso sirva – disse ela,
então, a voz recortada. Tensa com toda
sua falsa coragem. Tentou retomar o
controle que tanto desejava, achando
que assim poderia causar menos danos.
– Deixe-me contar como isso funciona.
Acho que começaremos com você de
joelhos de novo, encarando…
– Zoe...
Ela não queria parar, mas parou. Não
queria virar-se para ele, mas virou-se.
Tinha de fazer isso. Tinha de provar que
ele não mexia com ela. Tinha de garantir
que Hunter entendesse muito bem como
isso pouco a afetava.
Mas quando olhou para ele, foi como
uma explosão. Forte e imediata.
Implacável. Zoe tonteou de novo e, por
um momento assustador, achou que
realmente cairia, mas conseguiu se
recompor.
Hunter olhava-a como um estranho.
Ou mais como ele mesmo, talvez, do que
fora esse tempo todo em que ela o
conhecia, o que fez com que sentisse
aquele terrível calafrio de novo, que se
espalhou e penetrou-lhe fundo.
Ele era tão poderoso, tão másculo.
Forte e seguro, concentrado nela com
aquele calor brilhante que consumia. A
cidade do outro lado do vidro, as luzes e
as pontes se estendendo em todas as
direções espiralavam e se tornaram
parte daquele fogo nos olhos dele,
estampado em seu rosto.
Ocorreu-lhe que já estava nua; pior
do que nua, na verdade. Sabia
exatamente como parecia, ali parada
com nada além de duas tiras de renda
preta provocante. O sutiã sem alças e o
caleçon eram tão femininos...
Hunter estava certo quando a acusou
de usar o corpo como arma. Ela o
aprimorava para ser sua alma letal de
propósito. Sabia muito bem como
combiná-lo, como mirá-lo, para
conseguir o que queria.
Se ele não estivesse olhando para ela,
como se tivesse toda munição.
– Eu quero.. – Zoe começou, mas tudo
estava quente demais por trás dos olhos
dela, naquele incontrolável tremor nos
joelhos, naquela febre que tomara conta
de seu ventre, enviando uma sensação
aos seus dedos, até que se fechassem
diante da necessidade de tocá-lo.
Hunter seguiu na sua direção,
másculo,
e
não
muito
dócil,
possivelmente a criatura mais gloriosa
que ela já contemplara. Ele não tirou os
olhos dela. Não parou.
E Zoe nunca se sentira tanto uma
presa como agora.
Ou mais bonita.
– Hunter... – ela sussurrou.
Sua boca parecia dura e exigente,
inclinada para um lado. E seu nome,
naquele espaço com ar quente demais
entre os dois, soou como uma invocação
ao deus terrível dele, que, ela sabia,
destruiria o que sobrara dela.
Zoe entendia que deveria cuidar
disso. Que isso teria feito com que
saísse correndo caso estivesse no
escritório naquele dia. Mas ela não se
moveu.
Hunter encurtou a distância entre eles
e agarrou-lhe os braços, puxando-a para
si. Não foi gentil e, apesar de si mesma,
apesar da parte desesperada dela que
sabia que não devia deixar que isso
acontecesse, isso a excitou.
Seus seios ficaram pressionados
contra a superfície de seu peito
esplêndido. Finalmente. Seu ventre era
macio contra a inconfundível saliência
de sua ereção. Enfim. E sua constituição
era tão grande, tão forte, todos aqueles
músculos, superfícies lisas e rijas, como
uma fantasia do homem perfeito que se
tornava realidade. Ele a cercou.
Ele está seduzindo você, sussurrou
aquela voz traiçoeira.
Zoe inclinou a cabeça para trás e
lembrou-se de que não poderia deixar
isso acontecer. Não desse jeito, não nos
termos dele. Que o preço que teria de
pagar não valia a pena pelos breves
momentos de fogo e reverência que ela
poderia…
– Tenho uma ideia – disse Hunter,
daquele jeito gutural que parecia um
soco, bem no meio de seu desejo.
Ondas
de
choque
vibravam,
provocando seus mamilos doloridos,
fazendo seus seios pesarem. Fazendo
sua pele formigar, muito quente, muito
apertado.
– Que tal você parar com esses
joguinhos estúpidos?
– Não estou jogando! – Nada disso
parecia nem um pouco brincadeira.
– Aprecio o nobre sacrifício de seu
corpo
exuberante
para
minhas
necessidades selvagens. – Embora
Hunter falasse baixo, ela ouviu aquela
diversão sombria, mesmo agora, se
acender nela. – Mas quero que você
também queira. Quero que seja real. –
Os dedos dele pressionando seus
ombros inundaram-na de chamas
dançantes e raios, e ela tremeu. Ele
acenou com a cabeça. – Quero isso.
– Não, não quer. – A voz dela soou
amarga, externando seu passado, e ela
não conseguiu fazer nada para impedir.
Hunter levou a mão ao rosto dela,
acariciando sua face de uma maneira
que ela chamaria de ternura, caso isso
fosse possível. Como não era, Zoe se
concentrou no calor. Na marca, na
queimadura. Em Hunter.
– Eu insisto – disse ele, suavemente.
– Os homens preferem a fantasia. A
qualquer custo. Não importa quais
contornos
de
realidade
sejam
necessários para fazer acontecer. – Zoe
se sentia fora de si. Áspera e sem
controle. – É a única coisa que vocês
sabem fazer.
– Zoe...
Ela teria lidado com qualquer outro
comando. Mas não seu nome, não desse
jeito, dito como uma prece. Como se
Hunter pudesse ouvir a aspereza por trás
das palavras dela, perceber as lágrimas
ardendo por trás de seus olhos. Como se
ele soubesse das coisas terríveis e
tristes que ela nunca compartilharia com
ninguém.
Se algo poderia tê-la feito correr para
a porta seria isso. E, mesmo assim, Zoe
permaneceu ali parada, as mãos dele
segurando seu rosto, seu corpo
espetacular pressionando o dela,
encarando-o como se isso fosse algo
mais do que um propósito.
– Vamos tirar a roupa – sugeriu ele,
aquele brilho nos olhos azuis
suavizando, incendiando-a, e ela não
conseguia lutar contra a profundidade
disso, com o perigo disso, com o
pensamento de que seria feita em
pedaços que ela não saberia como
consertar. – E ver o que acontece.
Hunter não esperou por uma resposta;
simplesmente pegou-a. Passou as pernas
dela ao redor de sua cintura e tomou sua
boca, uma das mãos atrás da cabeça
dela, a outra em seu traseiro.
Estava exigente. Selvagem.
E aquele choque de eletricidade e
uma espécie de reconhecimento
primitivo que Zoe não queria reconhecer
ressoaram dentro dela, tirando-a de seu
próprio pensamento e do passado, por
fim, e jogando-a direto no fogo.
No fogo dele.
E Zoe deixou-se queimar.
SIM, HUNTER pensou, e tomou-a.
A boca de Zoe, quente e doce, hábil e
vigorosa, e a sua, como o vinho mais
fino que já provara. Suas mãos no
cabelo dela, baixando a mecha negra
sedosa que escapara do coque elegante.
Aquele tempero selvagem do desejo de
Zoe contra sua língua, suas curvas
envoltas em seu corpo, incandescente e
viciante…
Sim.
Ele sentia como se a desejasse desde
sempre. Como se nunca tivesse desejado
outra coisa e nunca mais viesse a
desejar. Zoe, sua boca perversa
encontrando a dele, enfrentando-o,
desafiando-o.
E Hunter queria mais. Queria
saboreá-la mais, aproximar-se mais.
Finalmente, ele não paralisara. Não
estava entorpecido. Sentia tudo e queria
mais. Ele desejava.
Repetidas vezes, até que os dois
estivessem saciados.
Sim.
Ela riu, um som inflamado e rouco, e
ele percebeu que falara em voz alta.
Mas que penetrara como um punho
cerrado da necessidade que o mantinha
preso. Hunter colocou-a no chão, sorriu,
e Zoe pôde sentir a ânsia nele. Ele viu
os olhos cinza dela se abrirem de leve,
ouviu a respiração dela ficar mais
difícil.
Talvez um homem melhor não se
deleitasse com isso. Mas Hunter se
deleitou.
Foi em direção a ela, virando-a e
guiando-a para a cama gigantesca que
dominava o quarto. Zoe engoliu em
seco, de forma audível, mas foi.
Lentamente. Sem tirar os olhos dele.
Ele gostava disso.
Hunter tirou a camisa, impaciente com
o segundo que perdeu de olhá-la.
Desabotoou a calça, e esqueceu-se dela,
porque chegaram ao primeiro degrau
que levava à cama.
– Não tropece – disse ele, e sua voz
soou como a de um estranho no silêncio
pesado. Rouca e ardente.
– Não me deixe cair – ela replicou,
um lampejo do fogo dela subindo pelo
rosto, e Hunter sorriu.
Ela era dele. Por inteiro. Finalmente!
Sem máscaras. Apenas Zoe.
Hunter não achava que a deixaria ir.
– Eu a pegarei de volta – garantiu, e
isso devia tê-lo alarmado, pela
profundidade com que falou. Tão longe
que fora.
Mas os olhos dela eram como o mar
depois de uma chuva de inverno, e ele a
desejava.
– Prometo. – Hunter passou as mãos
ao redor dos quadris dela, pegando-a
com facilidade e colocando-a na beirada
de seu colchão.
Ele não se uniu a Zoe. Porém,
inclinou-se, ajoelhando-se e puxando as
longas pernas dela sobre seus ombros,
enquanto forçava caminho entre elas.
– Refresque minha memória, Zoe.
Como queria que eu me ajoelhasse?
Assim?
Ela murmurou algo que parecia uma
prece, ou talvez o nome dele.
– Não vou parar – alertou-a, e sentiua estremecer. – Vou mergulhar em você,
depois farei de novo. E de novo. Até
que esteja satisfeito.
Ela disse algo, ardente, baixo e
ininteligível. Zoe era como um banquete
sensual diante dele, seu cabelo negro
emaranhado, sua pele cremosa corada
de desejo, dois pedaços de renda erótica
preta emoldurando aquele corpo
perfeito; e tudo isso era dele.
– Estou avisando, Zoe. Pode demorar
um pouco. Sou um tremendo ganancioso.
Ela emitiu um som que mais parecia
um soluço. Hunter riu.
Ele deslizou as mãos em suas coxas
acetinadas, deleitando-se com cada
tremor, cada movimento de tensão dela
diante e ao redor de si.
A renda negra que ela usava estava
acabando com ele, tão sexy naquelas
curvas elegantes, naquela pele doce.
Hunter sentia o cheiro de lavanda de
novo, e isso o deixou ainda mais
excitado, beirando o desespero. Zoe se
movia junto a ele, junto à cama, ainda
emitindo aqueles sons que não eram
palavras. Carente e irracional, e ele só
estava começando.
Hunter queria que ela gritasse seu
nome. Ele a desejava tanto que parecia
que ia explodir. Não dava a mínima de
por que ela o tinha procurado, apenas
que o fizera.
– Você é minha – Hunter disse a ela,
firme e seguro.
Inclinou-se para a frente e apenas
pressionou a boca contra o centro do
ardor dela, renda negra e mulher, toda
Zoe, toda dele.
E deleitou-se.
CAPÍTULO 7
ERA COMO morrer.
Morrer e voltar à vida, vestida de
fogo, e Zoe já não conseguia mais
respirar. Era apenas Hunter e sua boca,
selvagem, exigente, contra o centro de
seu desejo. Ela se viu atirada como uma
bêbada, os braços sobre o rosto, arfando
desesperadamente contra o sal de sua
própria pele.
Ele simplesmente… a tomou. Beijoua com força e intensidade através da
renda de sua calcinha. Usou seus dentes,
seu maxilar duro, sua boca perfeita. Ela
se mexia em direção a ele e para longe
dele, sem saber o que queria ou o que
fazer com as sensações que a assolavam,
cada vez mais dominada…
– Pare de lutar comigo – ordenou ele.
E o sangue dela corria tão rápido nas
veias, cantando e gritando, que Zoe não
tinha certeza de tê-lo ouvido direito.
– Não sei como. – Mas Zoe relaxou
mesmo assim.
Então, Hunter pressionou sua boca
contra a dele, novamente, mais forte, um
dom e uma disciplina, e ela se partiu em
mil pedaços.
Zoe gemia algo incoerente, e mesmo
assim Hunter não parava. Ela perdeu a
boca dele, mas sentiu as mãos em seus
quadris outra vez, e uma lufada de ar
fresco contra todo aquele calor. Zoe
precisou de um longo momento para se
dar conta de que Hunter tirara sua
calcinha sem que percebesse.
Ocorreu-lhe que mesmo que o mundo
ainda estivesse girando, mesmo que não
tivesse mais certeza do próprio nome ou
se respiraria normalmente outra vez, ela
precisava fazer alguma coisa. Porque em
algum lugar debaixo de todo aquele
prazer trêmulo e desconcertante, que
ainda a invadia, havia um preço a pagar.
Sabia disso.
Muito bem.
Zoe lutava para se mover. Sentou-se,
mas descobriu que seus membros
ficaram pesados demais. Como se
estivessem sob o comando dele, e não
dela. Zoe só conseguia ficar ali deitada
e completamente destruída, e observá-lo
enquanto colocava suas pernas de volta
sobre os ombros dele, seus olhos azuis
brilhantes como diamantes, ardentes e
penetrantes, e aquele olhar de puro
deleite masculino e satisfação que fazia
seu peito doer e seu âmago inflar.
– Eu quero… – Estava muito difícil
de falar, e essa lassidão perigosa que
fazia suas pernas e seus braços se
sentirem tão guiados estava por todo
lugar agora, como se uma grande mão a
prendesse na cama, forçando-a a ficar
ali deitada diante dele com tamanho
abandono libertino. – Deixe-me...
– Não quero deixar você fazer nada,
Zoe. Quero mergulhar em você. Eu
disse.
Então, Hunter deslizou as mãos por
baixo dela, apoiando-a diante dele como
uma oferta, e ela compreendeu, com uma
parte distante do cérebro, a única que
ainda funcionava, que o som estranho de
lamúria que ouvira era dela mesma.
Mas não fazia sentido, e Hunter a
olhava por sobre o comprimento de seu
torso; a respiração dele, uma carícia
íntima contra a parte mais sensível de
seu corpo. E Zoe não conseguia parar de
tremer.
E havia muita segurança naqueles
olhos azuis, muito triunfo na curva de
sua boca, e tudo parecia se contrair ao
redor deles, dentro dela, até que Zoe
achou que os dois haviam sido
eletrocutados.
Só então ele baixou a cabeça
acariciou-a com a língua.
E tudo se apagou. E explodiu.
Era como ser atingida por um raio.
Golpeada por ele, dilacerada, e depois,
incendiada repetidas vezes.
Ele a provocava. Usava o fogo dela
contra ela mesma, gemendo em seu
âmago suculento enquanto a saboreava,
para que pudesse sentir o lobo dentro
dele, sentir ecoar em cada pedacinho
seu.
Hunter investia nela, adorava-a,
reverenciava e provocava, mantendo-a
bem ali onde queria, para que não
houvesse possibilidade de escapar,
como se estivesse preparado para forçar
o prazer nela se fosse necessário.
E Zoe simplesmente se rendeu à
tempestade.
A ele. A Hunter.
Como se confiasse nele.
E, quando ela se afastou, dessa vez,
pôde ouvir o som sombrio de sua risada,
o triunfo erótico e o deleite sensual,
como se estivesse se banhando nisso.
Mergulhando, e ela não se importava.
Ainda lutava com sua respiração
quando Hunter se moveu, aquele boca
maravilhosa subindo por seu quadril,
sua barriga. Indolente e conhecedora,
atiçando o fogo nela mais uma vez,
mesmo que ainda estivesse trêmula das
labaredas restantes do incêndio anterior.
Hunter traçou o caminho até o umbigo
com a língua, percorrendo seu corpo
como se estivesse enviando cada
centímetro, cada curva dela para sua
memória, mudando-a de lugar, rolando
os dois para o centro da sua cama
imensa.
Ele a ergueu de novo, retirando o
sutiã e adorando seus seios, pegando um
mamilo endurecido entre os dentes,
sugando-o,
chocando-a
com
a
intensidade da necessidade que a
assolava.
Impossível, pensou ela, e só percebeu
que falara em voz alta quando sentiu a
risada dele retumbar em seu corpo.
– Não só é possível – disse ele,
insuportável e delicioso ao mesmo
tempo – como necessário.
– Estou entediada – respondeu ela,
quando conseguiu formar as palavras,
arqueando-se para ele. – Vai demorar
muito?
Zoe não soube por que se sentia
compelida a provocá-lo até que sentiu
os dentes dele em sua carne mais uma
vez, o pequeno beliscão como punição e
recompensa ao mesmo tempo e, então,
ela sorriu.
– Você está certa. – A boca de Hunter
estava contra a suave lateral do seio
dela, suas mãos firmes espalhadas por
suas costas, mantendo-a arqueada diante
dele; ela era dele para se saboreada
como Hunter desejasse. – Uso meu
corpo como arma. E você gosta.
Zoe sentiu o sorriso dele contra sua
pele, e Hunter concentrou, então, sua
atenção no outro seio, indo de um para o
outro, com uma paciência delicada, até
que ela estivesse estremecendo debaixo
dele, desesperada e enlouquecida, como
se Hunter tivesse começado naquele
minuto. Como se já não a tivesse jogado
daquele penhasco duas vezes.
– Preciso prová-la em cada pedaço,
Zoe. Ainda não estou satisfeito.
Ela sentia o arranhar de dentes em seu
pescoço, a magia da língua dele.
Explorou seu peito com as mãos
trêmulas, a gloriosa força daqueles
ombros, cada risco daquele abdômen
maravilhoso que ela vira pela primeira
vez quando ele saiu da água, daquela
banheira, reluzente e quente.
Hunter cheirava a algo apimentado e
tinha sabor de sal e homem, e ela ainda
não estava satisfeita. Quando ele
avançou lentamente sobre ela e
posicionou-se entre suas pernas, duro e
grande, e tão perfeito, ela quase tombou
de novo, só pela doçura com que eles se
encaixavam.
Como se você fosse feita para isso,
entoou uma voz em sua cabeça. Para
ele.
Hunter apoiou-se sobre ela, levando
as mãos para cada lado da cabeça dela e
mantendo-as ali. Não havia nenhum sinal
de sorriso nele agora, nenhum traço de
sua risada. Havia apenas a estampa da
necessidade, uma ferocidade que ela
sentia dentro de si. Havia apenas aquele
olhar azul, penetrante, sério e decidido.
O coração de Zoe saltou, depois
passou para uma batida mais baixa, forte
e longa. Ela estava embalando o corpo
forte e rijo dele com o seu, que acabou
se liquefazendo, fundindo, quase em
ebulição.
– Quer estar no controle, não? –
perguntou ele, e tudo nele era perigoso,
perigoso demais.
Zoe sentia a pressão dele, prendendo-
a na cama, o mastro duro ainda dentro
da calça, mas intumescido contra o seu
calor. O seu desejo.
Zoe não tinha ideia de que era
possível sentir tanta paixão assim. Não
teria pensado que era capaz disso. E
mesmo assim isso a deixava em ponto
de ebulição. Tomava conta de todo seu
ser. Fazia com que se sentisse outra
pessoa. Alguém tão forte quanto ele, e
tão perigoso.
Inquebrável.
– Sempre – ela conseguiu dizer,
reunindo o que restara de sua bravura,
mas acabou soando quase nostálgica, e
ela percebeu que ele também sentiu isso.
Na maneira com que os olhos azuis
dele ficaram sombrios. Na maneira com
que Hunter mudou de posição, um
deslizar dos seus quadris que enviava
um delicioso raio de uma promessa
roubada, deixando-a com a respiração
irregular.
– Quero estar dentro de você – ele
afirmou. Como uma invocação. – Tão
fundo que você não vai conseguir dizer
quem é quem. Tão forte que, quando eu
gozar, você achará que é você.
O calor assolou-a, acumulando-se
entre suas pernas, fazendo-a se mexer,
qualquer coisa para sentir toda a
dimensão rija dele contra sua suavidade,
a melhor coisa.
– Zoe. – Era um comando. – Faça
acontecer. Agora.
Ela piscou, quase enlouquecida com o
desejo por ele. A compreensão demorou
para emergir, como se o cérebro dela
não quisesse funcionar.
– Você quer que eu seja cúmplice.
– Absolutamente nenhuma negação
plausível – ele concordou, seu olhar
ainda mais ardente, deixando-a inquieta
debaixo ele.
– E seu eu não fizer?
– Não acho que isso acontecerá.
O lobo estava em seus olhos, agora,
naquela curva de sua boca. Na maneira
como Hunter movia os quadris contra os
dela, fazendo-a prender a respiração,
enviando
mais
daqueles
raios,
inundando todos aqueles lugares escuros
que ela havia trancado.
– Mas se acontecer, você dormirá
vazia, solitária, com frio e sozinha. E
com total controle. É isso o que quer?
– E se eu não puder decidir? – Ela
moveu os quadris com ele, encontrandoo naquela dança antiga, passando as
pernas ao redor dele e entregando-se
àquela extensão de aço, pressionando
tão forte e rijo contra a parte ardente
dele. As chamas tomavam conta dela,
que estava ardente de luxúria. Ela
desejava. – E se isso já me bastar?
Hunter deu risada e, então, baixou a
cabeça e beijou-a.
Mas era mais do que um beijo.
Desnudou-a por completo. Era uma
tomada
carnal,
uma
dominação
brilhante, e Zoe estremecia a cada toque
da língua dele na sua, a cada roçar de
seus dentes. A ciência de que ele tinha o
tipo de força de vontade para mantê-los
assim juntos para sempre aos poucos se
desfazia dela. E ele faria isso, se fosse
preciso.
Hunter usava o corpo de Zoe contra
ela mesma, e ela descobriu que não se
importava. Também o desejava demais
para se preocupar com o que isso fazia
com ela.
Quando ele ergueu a cabeça, seus
olhos estavam tão azuis que chegava a
doer, e as mãos de Zoe, desajeitadas,
tentavam abrir o zíper da calça
desabotoada dele. Ela empurrou,
pressionou e por fim o libertou,
suspirando quando envolveu a rigidez
sedosa de Hunter com as mãos.
Mas eles estavam próximos demais
do clímax. Quando Hunter entregou a ela
uma camisinha, Zoe percebeu que estava
tremendo de novo e podia sentir os
leves tremores que o assolavam,
também, onde ele ainda se mantinha
imóvel sobre ela.
Hunter nunca desejara tanto alguma
coisa. Zoe cobriu-o cuidadosa e
rapidamente, e, então, guiou-o em sua
abertura.
– Diga meu nome – exigiu ele ardente,
como antes, com uma intensidade
curiosa e aquele olhar sério no rosto.
– Eu não quero dizer seu nome. – E
Zoe se moveu antes que Hunter pudesse
argumentar, deixando entrar toda a
extensão dele dentro de seu corpo.
Era escorregadio, terrível, perfeito.
Irreal.
– Por que não diz o meu? – Zoe
ofegou como se isso pudesse salvá-la.
Como se qualquer coisa pudesse.
Ela
compreendia
que
estava
condenada, e não se importava mais.
– Faça do seu jeito – sussurrou ele, a
boca no ouvido dela, que já estava
tremendo, consumida; já era dele. – Vou
fazê-la gritar, Zoe. Vou fazê-la implorar.
E, então, farei tudo de novo até que meu
nome seja a única coisa saiba.
– Promessas, promessas... – ela
sussurrou e riu do olhar sombrio no
rosto dele.
Mas, então, começou a se mexer.
ELA ERA intensa.
E era dele.
Hunter queria marcar sua pele, tatuá-
la na perfeição sedosa de sua carne. Ele
queria marcá-la, mais uma vez, para não
haver dúvidas.
Contentou-se com aquele simples
deslizar transformador dentro dela, o
aperto das coxas de Zoe, a dor aguda de
suas unhas nas costas dele. Aquele ritmo
complicado, aquela bela dança.
O animal nele queria a selvageria,
mas Hunter desejava saboreá-la, e assim
o fez.
Estabeleceu um ritmo calculadamente
confortável, atordoado pelo fogo que
rugia dentro dele, embriagado com todos
os barulhos que ela fazia, o movimento
de seus quadris, o perfume morno de
lavanda entre seus corpos, o sabor dela
e aquela sensação de posse, de
equidade, que surgiu dentro dele,
clamando-o a cada movimento.
Tornando-o o homem que deveria ter
sido, como se fosse um batismo, e ele
nunca mais fosse voltar a ser o mesmo
quando
tivesse
terminado.
Ele
acreditava nisso. Acreditava que
pudesse fazer qualquer coisa por essa
mulher. Queria isso tão intensamente
quanto queria Zoe.
Ela inclinou a cabeça para trás,
arqueou-se para ele, e seus olhos
ficaram mais escuros, com a mesma
paixão que Hunter podia sentir em si
mesmo. A mesma dimensão. Como se
não fosse sexo, mas sim, um sacramento.
– Por favor... – Ela arfou, e ele sorriu.
– Eu disse que você imploraria.
– Não é educado tripudiar.
Hunter não sabia como Zoe tinha
feito, como conseguira soar tão formal
mesmo agora, mesmo quando ele estava
dentro dela, bem fundo, e mantendo-a no
limite.
Quando o mundo parecia novo com
cada golpe ágil, com cada movimento
glorioso. Cada tremor, cada suspiro.
Não bastava. Nunca bastaria.
– Diga. – Hunter se perdeu no sabor
dos seios dela e brincou com seus
mamilos orgulhosos, sem perder o ritmo,
direto, proposital, mantendo-a naquele
tremor frenético sob ele, mas sem
nocauteá-la. – Diga meu nome, Zoe.
E ele sentiu-a derreter. O fogo
seguido pelo raio, macio, forte e dele, e
ela gritou, por fim. Para o vidro acima,
para a noite ao redor deles, para o céu e
para o mundo.
Repetidamente, até que soasse como
uma música. Como um voto.
Seu nome. Sua posse. Sua.
– Hunter! – ela gritou. – Vou matar
você se não…
– Não prometi servi-la? Confie!
– Então faça, pelo amor de Deus!
Ele achou graça, e levou a mão entre
eles para roçar seus dedos no pequeno
centro de prazer dela, puxando-a para si,
quando ela fez aquele som desesperado,
que ele sentiu em cada parte sua, antes
de Zoe se fragmentar ao redor dele.
E só então, quando Zoe estava em
frangalhos, e ele, mergulhando nela
como queria, da maneira que achava que
deveria fazer pelo resto da vida até que
isso acabasse com ele – e Hunter não
acreditava que se importaria caso isso
acontecesse –, deixou-se segui-la pelo
caminho do êxtase.
MAIS TARDE, Hunter acordou na quietude
da noite em um susto repentino, mas ela
ainda estava ali. Não havia saído
enquanto ele dormia, enquanto não
estava prestando atenção. Ela não
desaparecera. Não fora embora para
nunca mais vê-lo.
O coração dele batia forte, como se
tivesse corrido por quilômetros; e
algumas partes de Hunter achavam que
fora o que ele fizera, de uma maneira ou
de outra, nos últimos dez anos.
Não dessa vez, pensou Hunter, com
uma solenidade que poderia preocupá-lo
à luz do dia. Mas estava escuro na
caverna de seu quarto, e o dia demoraria
a chegar. Assim, ele podia fingir, por um
momento, que era o homem que queria
ser enquanto estava dentro dela.
Zoe se enroscava nele, como se
dormissem assim juntos por milhares de
noites, e Hunter adorou isso. Adorava o
perfume do cabelo dela e como ele
escorria pelos seus dedos, o peso suave
de seu corpo contra o dele na escuridão.
A cabeça dela pousada no braço dele e
a maneira com que a curva de seu
traseiro se encaixava tão aconchegada
nele no meio da cama enorme fazia tudo
parecer confortável.
Zoe era inteligente e irritada, linda e
sexy, e se encaixava como se tivesse
sido feita de acordo com as
especificações precisas dele. Ela não
era outra fã cujo nome Hunter não sabia.
Não tinha sido mais uma forma vazia de
exercício. Ele a desejara. Ainda
desejava.
Hunter a sentiu dentro dele, aquela
explosão voraz, algo como uma
surpresa, e ele tinha a estranha sensação
de que não sumiria com o amanhecer,
como tudo o mais.
Ele sentia uma imitação pálida deste
tipo de equidade muito tempo atrás,
quando era jovem e imaturo, a vida
ainda era dourada e Hunter não fazia a
menor ideia do que era perder algo
irreparável. No escuro, podia admitir
para si mesmo que isso era diferente.
Era melhor, talvez mais complicado.
Porque ainda não sabia qual era o
plano dela. Por que Zoe fora atrás dele
naquela boate de striptease e usara
Sarah para que fizesse o que ela queria
que fizesse? Ele ainda não sabia o que
ela queria dele.
Essa noite, Hunter não se importava.
Zoe tinha perfume de lavanda e sabor
de creme doce e quente, uma mulher
excitante, e Hunter não parecia reagir da
maneira como deveria. Não parecia
fazer nada, a não ser puxá-la para mais
perto, dar um beijo suave em sua
têmpora e segurá-la junto de si como
que para não deixá-la ir.
Ele se moveu por trás dela no escuro,
saboreando-a de novo na escuridão,
suas mãos explorando-a, adorando-a,
como se fosse a primeira vez, enquanto
a mantinha junto de si, na mesma
posição. Ele podia traçar seus seios sob
o braço erguido, beijar-lhe a parte
sensível atrás da orelha. Podia acarinhar
a lateral de seu corpo, sua coxa, seu
calor feminino e convidativo sob suas
mãos.
Pôde sentir quando ela passou do
sono para o alerta total, e também o
tremor delicioso que a assolou. Quando
Zoe voltou sua atenção para ele com um
gemidinho, pressionando o traseiro
contra ele, deixando-o ainda mais
excitado.
Quando ela sussurrou seu nome, ele
penetrou-a, fazendo os dois suspirarem.
Hunter rolou com ela, segurando-lhe a
mão na dele como se a prendesse no
colchão. Como um sonho. Quente e
sedoso. Doce.
E, então, ele os levou ao clímax
avassalador, lento e silencioso, quase
uma reverência. Como uma esperança,
pensou ele, perdendo-se nela.
Como uma promessa que Hunter
pretendia manter.
A LUZ da manhã acordou-a, penetrando
todo aquele vidro com a insistência
frenética do inverno, e Zoe sentou-se
num pulo. Por um longo momento, não
tinha ideia de onde estava ou por que
estava tão brilhante.
E, quando voltou a si, quando a longa
noite começou a passar em sua mente,
uma imagem ardente após a outra,
fazendo seu ventre se contorcer,
jogando-a no fogo de novo, ficou furiosa
consigo mesma.
Era melhor do que as coisas sombrias
que se escondiam sob aquele ímpeto de
moderação.
Acordar na cama dele não era o que
deveria ter acontecido. Com certeza não
fazia parte do que ela planejara na noite
passada, quando se viu beijando-o, e
precisou entender que tinha de lidar com
essa coisa entre os dois. Com ele.
Zoe deveria ter ido embora durante a
noite, como pretendera. Depois da
primeira vez. Antes que fizesse aquele
poço sombrio dentro de si abrir-se ainda
mais, até mesmo mais profundo. Até
mesmo mais traiçoeiro que antes.
Era uma tola.
Perdera a conta das vezes que se
uniram na escuridão, e ela não queria
pensar quantas fora ela quem buscara
por ele. Como rastejara sobre o corpo
de guerreiro atlético por sua própria
vontade, sem máscaras nem jogos.
Nenhum sinal de compulsão, apenas
vontade. Necessidade. Desejo.
Como provara de cada parte daquele
peito de dar água na boca, descobrindo
e memorizando cada pedacinho dele.
Como tomara seu membro rijo em sua
boca, lambendo-o da base à ponta e
voltando, depois o provocando nos
locais mais obscuros mais abaixo, até
que Hunter gemesse em rendição, as
mãos agarrando os lençóis.
Como montara nele, tomando-o
profundamente,
em um impulso
deslizante e exultante, que fez os dois
tremerem a ponto de ela precisar
segurar-se nele por um momento para
recuperar o fôlego, as mãos espalmadas
sobre o tórax de granito e aquela haste
de aço levando-a à loucura.
Zoe não queria pensar em como as
mãos dele agarraram seus quadris
quando começou a se mover sobre ele,
ou na maneira com que arqueava as
costas para dar-lhe livre acesso aos seus
seios, ao seu ventre, e não porque queria
assumir o controle, mas porque era
gostoso. Tão gostoso que só de lembrar
já começava a tremer.
E ela decerto não pretendia pensar
nesse tremor de êxtase que a assolava,
cada vez mais forte, fazendo com que se
perdesse por completo, enquanto ele a
colocava de costas e os levava direto
àquele impressionante e glorioso
esquecimento.
Hunter fora muito voraz, e ela se
igualara a ele. Tão freneticamente
possessivo, e ela respondera da mesma
forma. Quase como se…
Mas ela não podia se deixar levar.
Não importava o que acontecera na noite
passada.
Ele a possuíra. Estava acabado. Esse
era o plano.
Zoe olhou para o quarto ridículo, que
parecia maior e mais sério com todo
aquele sol de inverno penetrando, hostil
e inevitável. A cama larga ficava no
centro, um momento de orgulho para
uma longa noite da qual ela deveria se
arrepender. A escuridão vertiginosa nela
sussurrava
que
acabaria
se
arrependendo.
Ao menos Hunter não estava em
nenhum lugar visível, pelo que ela
agradecia.
Era isso o que sentia; era isso o que
essa coisa estranha que a consumia era,
que fazia seu pulso se agitar e enrijecer,
tudo junto: gratidão.
Sair daquela cama gigante, passar
pelos travesseiros que exalavam o
perfume de Hunter foi mais difícil do
que deveria. Olhar ao redor e ver seu
sutiã, sua calcinha, e infelizmente seu
vestido colante, que era a última coisa
que queria vestir, talvez nunca mais, já
que tudo o que pensava quando olhava
para ele era em Hunter. Nas mãos dele.
Na boca dele. Nas exigências dele.
Ela se sentia forte. Gloriosa. Como se
não estivesse devastada. Como se fosse
outra pessoa.
Foi então que, ao olhar para o vestido
em suas mãos, ela entendeu o que
significava aquela pressão boa e
perigosa em seu peito. Aquele calor que
a cegava. Aquele aperto na garganta que
não sentia fazia muito tempo.
Estava a ponto de surtar e chorar.
As mãos de Zoe se fecharam, e ela
olhou ao redor, pronta para socar
alguma coisa, quebrar alguma coisa,
gritar, até que viu a porta que levava a
uma lateral quase imperceptível na
parede.
Foi ali, passando por vários closets
que ela não deveria ter o menor
interesse de explorar porque não
deveria se importar, que encontrou o
banheiro gigante. Tinha uma banheira
que parecia uma piscina olímpica, e um
chuveiro que poderia abrigar multidões,
com pelo menos três duchas separadas.
– O melhor para atender a uma vida
de playboy e tudo o que ela implica –
murmurou, e a voz nem mesmo ecoou
naquele espaço luxuoso e exuberante.
As fãs não passavam do primeiro
andar, disse ele na noite anterior, e Zoe
odiou o quanto queria acreditar nisso
agora.
Ficou sob o jato quente por um longo
tempo. Até tomar posse de sua pele de
novo, como se encaixasse nela de novo,
da maneira como deveria ser. Até que
ela parasse com aquela tremedeira
inútil, como se estivesse lutando contra
uma febre. Até que saísse aquele peso
do seu peito e ela não tivesse mais medo
de se acabar em lágrimas.
Até que a água quente lavasse
qualquer evidência que algumas
lágrimas poderiam ter deixado contra
sua vontade.
Secou-se, feliz por ter embaçado
todos os espelhos para que não tivesse
que olhar para seu reflexo, porque temia
o que poderia ver. Muitas verdades nos
olhos que ela não queria reconhecer.
Muita coisa de que deveria ter mais
conhecimento em vez de se deixar sentir.
– Era apenas sexo – disse
severamente a si mesma enquanto
voltava para pegar suas roupas. Tinha
de parar com isso. – Vamos lá, Zoe.
Você já passou por coisas piores.
E embora ela soubesse ser verdade,
foi muito mais difícil do que deveria
descer aquelas escadas depois de
prender o cabelo em um coque e colocar
os sapatos.
Desceu a primeira curva da escada
em espiral e parou, sacudindo a cabeça.
Engoliu em seco e roçou a base da mão
contra o peito, para onde aquele peso
havia retornado com mais força, e
ficado insuportável.
O problema era que ela gostava dele.
E, enquanto ficava ali parada, usando
o vestido da noite anterior, seu corpo
todo ainda reclamava das horas sem
dormir que passara com Hunter
marcando cada pedacinho seu com
aquela boca perversa, com cada toque
daquelas mãos talentosas.
Zoe sentia como se estivesse em
carne viva. Como se toda aquela luz do
sol entrando pelo teto estivesse
atacando-a, atravessando-a, abrindo
portas, tremendo janelas, derrubando
paredes.
Estivera se escondendo.
Todo esse tempo se sentira tão
orgulhosa de si por seguir em frente, por
cuidar de seu bem-estar, por extrair uma
vida decente das cinzas do que
acontecera com ela, mas tudo o que
estivera fazendo fora se esconder.
Hibernando e sonhando uma vingança,
enquanto o mundo girava sem ela.
Jogando pela sobrevivência por todos
esses anos.
Mas sobreviver não era a mesma
coisa que viver. Não chegava nem perto.
Zoe olhava para si mesma naquele
vestido cinza, que era igual a todos os
outros vestidos cinza que usava. Cinza e
pretos, marrom-escuros e azul-marinho,
ela vestia as cores do luto. Passara toda
essa última década no próprio funeral.
Como nunca percebera isso antes?
Para onde olhasse ali parada, acesa e
brilhante depois de uma noite que não
deveria ter acontecido com um homem
como Hunter, que não deveria tê-la
atraído de maneira alguma, via que
Jason Treffen vencera. Que ele ganhava
desde que ela fugira da operação nojenta
dele e se estabelecera por conta própria.
De certa maneira, isso tudo fora um
jogo de faz de conta. A audácia dela, a
insistência pelo controle, a sua vida
toda.
A respiração de Zoe estava irregular.
Não deveria manter todas as cores
brilhantes que se permitira em seu
apartamento. Não deveria ter medo de
ser quem era, fosse lá quem quer que
fosse.
Ela queria sentir-se da maneira com
que Hunter a fez se sentir:
desestabilizada e viva. Selvagem e
livre, completamente solta. Mesmo que
tudo tenha sido apenas corriqueiro para
ele, seu charme de playboy, mas não da
parte dela.
Quando Hunter a beijou, Zoe se sentiu
inteira.
Isso era uma vitória. Recuperar quem
ela era, ou quem poderia ter sido. Nunca
mais se esconder. Nunca mais se trancar
do mundo, com medo. Zoe entendia
agora que Jason Treffen poderia
reaparecer a qualquer momento e dizer
ao mundo o que e quem ela realmente
era.
Como se fosse a função dele fazer
isso.
Não era de admirar que Zoe estivera
adiando colocar seus planos de vingança
em ação, mesmo agora que se achava tão
próxima do ato final. Não era de
admirar que levara tanto tempo. Ela
tivera medo.
Mas agora não mais. Sentia-se livre.
Quando recomeçou a descer as
escadas, Zoe sorria, pelo que parecia
ser a primeira vez. Talvez da vida toda.
Viu Hunter, ao fazer a última curva,
esparramado
naquele
sofá
imaculadamente branco, vestindo apenas
calça cujo cós ficava na altura dos
quadris.
Ele parecia sonolento e lindo, seu
cabelo loiro escuro estava desalinhado,
e um indício de barba aparecia em seu
queixo, fazendo com que parecesse
menos belo e mais perigoso, o que
acionou uma pequena sinfonia dentro
dela.
Ele a fazia sentir-se insaciável.
Gananciosa.
Bela e real.
Inteira.
Zoe caminhou calmamente na direção
dele, quase como se não pudesse parar,
e Hunter não ergueu o olhar quando ela
se
aproximou,
ocupado
demais
assistindo TV com uma intensidade que
Zoe não compreendia.
O volume estava tão baixo que ela
não conseguia ouvir a voz, até estar
atrás de Hunter, do outro lado do sofá.
Aquela voz. Jason Treffen.
A tela da TV de Hunter era tão grande
que Jason parecia maior do que a
parede. Maior do que a vida.
Certamente, grande o bastante para
destruir as vidas em que ele se
intrometia. Como a de Sarah. Como a
dela.
Ele se reclinava como o rei do mundo
em um sofá de algum programa matinal
de TV, sorrindo, alegre, parecendo o
homem honrado e confiável que Zoe uma
vez acreditou que fosse.
E Hunter estava sentado ali diante da
imagem, como o acólito que ela de
alguma maneira esquecera que ele fora.
Que diabos, talvez ainda fosse.
Foi por isso que o escolhera.
O fato de que gostava dele era apenas
sua própria perversidade.
Hunter virou-se para olhar para ela.
Seus olhos estreitaram-se astutos demais
quando sentou-se ereto, como se
pudesse ler todos os tipos de coisas
terríveis ali mesmo em seu rosto. Como
se ela não estivesse mais usando sua
máscara.
– Zoe?
Mas ela olhava para a TV, não para
ele.
– Zoe.
Era uma ordem, mas ela se achava tão
distante, tão longe, que levou um tempo
para tirar os olhos do aparelho e
direcioná-lo no primeiro homem que
deixou que a tocasse em quase uma
década. O primeiro homem que desejou
em muito tempo. O primeiro homem a
quem implorou. O primeiro homem de
quem gostou dessa maneira e que sabia
seria para sempre.
Zoe não entendia por que estava
surpresa por Jason Treffen ser uma
ameaça nesse momento, literalmente. O
que era surpreendente era que se deixara
esquecer que sabia muito bem quem era
Hunter. Que sempre soube.
– Diga – Hunter pediu, com algum
tipo de ferocidade que fazia o ar ao
redor deles pesar e ser difícil de
controlar. – Como conheceu Sarah?
Talvez ele também soubesse. Talvez
sempre tivesse sabido, da mesma forma
que ela.
Talvez esse não fosse mais do que
outro jogo doentio.
Mas Zoe estava cansada de todos os
outros vencendo. Estava cansada de se
esconder, não importava o que a tivesse
impelido a mostrar a cara. Estava
cansada do maldito Jason Treffen e dos
danos que ele causara.
Estava ali.
Zoe só percebeu que falava quando o
viu reagir a sua voz, levantando-se como
se ela o tivesse puxado e socado. Mas
era como se ela sumisse dentro de si,
desaparecendo naquele espaço que não
precisara acessar por muito tempo.
Podia ver como Hunter se mostrava
tenso, e seu rosto, sombrio, mas ela
sorriu; porque se sentia completamente
entorpecida, e assim era melhor. Muito
melhor.
– Eu me lembro de você, Hunter.
– Terá de ser mais específica.
Havia um tormento sombrio naquele
olhar, naquela tensão estranha no corpo
dele, na maneira como elevou a mão
para tocá-la e parou.
É claro que parou. Zoe suspeitava que
Hunter soubesse muito bem o que ela
iria dizer. E quem iria querer tocar em
alguém assim? Não podia culpá-lo.
Foi sorte ela ter desaparecido dentro
de si mesma, porque assim não doía.
– Sarah e eu nos conhecemos no
estágio na Treffen, Smith e Howell,
quando ainda achávamos que seríamos
assistentes legais – disse Zoe daquela
maneira remota e fria, como se não
estivesse de fato falando de si mesma.
E, em muitas coisas, não estava. Aquela
Zoe morrera havia muito tempo. – Ela
queria ser juíza. Eu queria dizer coisas
inteligentes nos tribunais. Almoçávamos
juntas todos os dias, embora quanto mais
o
tempo
passasse,
menos
conversássemos.
Naquela
última
semana, apenas ficamos ali sentadas;
afinal, o que havia para ser dito?
Hunter não desviou o olhar.
Talvez ele já soubesse de tudo isso.
– Sarah não foi a única que se matou,
sabe? Ela só fez isso de forma
impressionante.
Ele disse algo, e Zoe levou um tempo
para perceber que era seu nome.
– Sarah sempre falava que você era o
namorado ela – disse Zoe, porque ela
não se importava com o que ele dizia ou
como dizia. Como se fosse doloroso. –
Não me ocorreu até bem depois de você
já ser bem rico aos vinte e três anos.
Você era mesmo namorado dela? Ou
pagava mais para que ela agisse dessa
forma?
Hunter empalideceu, e foi como um
soco no estômago que uma parte dela
fosse responsável por isso.
– Eu não paguei a para Sarah fazer
nada – disse ele com uma voz estranha.
Como se quisesse ficar furioso por ela
ter sugerido isso, mas a dor fosse muito
forte.
– Ele o chantageou? – perguntou ela
com frieza, dizendo a si mesma que nada
disso importava. E não importava
mesmo. Hunter não importava; ele era
útil, apenas isso. – Porque é isso o que
ele faz. Não basta ter garotas de
programa em um escritório de advocacia
pomposo. Não para o santo Jason
Treffen.
– Eu não paguei a Sarah. – Ainda
aquele tom sombrio e horrível na voz. –
Não paguei a ninguém.
– Achei que você tivesse sido
despedido de seu time de futebol porque
deixou de pagar a Treffen. – Zoe
sustentou o olhar nele, e não era bravata
que se movia dentro dela. Era muito
mais pesado do que isso. Muito mais
venenoso. – Mas isso só funcionaria se
você fosse um dos clientes de seus
bordéis. Se ainda for.
– Não – a voz dele estava baixa e
alterada, como se estivesse arrastando
um banco de aço e deixando marcas no
chão. – Foi culpa minha. Fui expulso da
liga exclusivamente porque sou um
imbecil.
Jason Treffen estava pendurado na
parede, na tela da TV, emoldurando
Hunter da maneira com que emoldurou a
vida de Zoe; e ela desejava poder
concentrar a raiva que costumava
alimentá-la, a fúria profunda e contínua
que a estimulara por todos esses anos.
Jason ria, flertava com os dois
apresentadores do programa, encenava
seu maldito papel como sempre fazia, e
ela desejava ter acesso àquela raiva que
a mantivera aquecida, segura e viva por
toda a última década.
Mas Zoe tinha aquele o peso no peito,
pressionando por trás de seus olhos, e
não sentia nada a não ser tristeza. Uma
tristeza tão absurda que achava que
poderia
deformá-la.
Mudá-la.
Desfigurá-la até os ossos, tão fundo e
permanente que nunca caminharia do
mesmo jeito de novo.
Sempre houve um preço. Para tudo.
Ela sabia disso melhor do que ninguém.
Zoe achava que não deveria ter ficado
tão surpresa que, depois desse tempo
todo, depois de todas as maneiras com
que pagou, isso tudo pudesse machucar
tanto.
E mesmo assim, ali estava,
destroçando-a como se não estivesse tão
arruinada como imaginara. Como se
fosse sempre algo novo que pudesse ser
estabilizado. Destruído. Virado pó.
– Não formamos um belo par? – disse
ela, com a entonação sombria por todos
esses anos em desespero, negação e
fantasias de vingança para aliviar o
terrível custo de tudo isso.
Tudo o que fizera. Tudo o que
perdera. Todas as garotas que Jason
arruinara. Todos os meios como ele a
arruinou. Tudo isso. Porque era tudo o
que ela deixara.
Talvez Jason estivesse certo havia
muito tempo, e o que ele fez dela fosse
tudo o que ela seria. Talvez devesse ter
cedido a isso muito tempo atrás, da
maneira como os outros cederam. Da
maneira como Sarah cedeu.
Talvez devesse ter desistido. Teria
sido mais fácil.
Ela sorriu para Hunter e disse a si
mesma que era divertido.
– Você não é um cliente de bordel,
mas ao menos é um imbecil. Acho que
sou apenas mais uma prostituta.
CAPÍTULO 8
ELE SABIA.
De certa forma, Hunter tinha
consciência; ele suspeitava disso. Por
que mais ela jogaria o nome de Sarah no
seu rosto naquela primeira manhã?
Ele sabia, mas não queria saber a
história de sua vida maldita, e mesmo
assim não era o momento de mergulhar
no pântano confortável de sua própria
autocomiseração. Não quando Zoe tinha
sido tão fria, tão gélida.
E não era aquela frieza inteligente e
provocada que Hunter achava que não
era o bastante, que ele só queria
aproveitar. Era como se a Zoe que ele
conhecia tivesse desaparecido sob o
gelo do inverno e ele mal conseguisse
suportar.
Hunter odiava isso. Não permitiria.
Cruzou os braços no peito para não
tocá-la e recorreu a todos aqueles anos
de futebol tensos e partidas duras para
se acalmar. Para se concentrar. Isso tudo
não tinha a ver com ele, mas com Zoe.
Sua bela, corajosa e durona Zoe, que ele
se recusava a deixar desaparecer na
escuridão que a prendia. Profundamente.
– Era por isso que você me queria –
disse ele, fazendo um esforço para não
gritar. Para manter toda aquela fúria que
revolvia dentro dele, acumulada e
controlada, porque Hunter não queria
mirar nela. – Minha ligação com Sarah.
– Acenou com a cabeça em direção à
TV. – Com aquele imbecil.
– Você é a chave da minha vingança.
– Mas a voz dela soou gélida. Afiada e
zombeteira. Como uma bofetada.
Ele não queria bater de volta; queria
confortá-la, abraçá-la, ajudá-la. No
entanto, sabia que ela nunca deixaria.
Zoe não permitiria que chegasse perto
dela de novo; não sem brigar.
Hunter sempre entrava em uma briga.
Era bom nisso.
– Vingança – disse ele. – Dormindo
com tanto entusiasmo com um homem
que você acredita preferir a companhia
de garotas de programa. Como isso fere
Jason, exatamente?
– Isso era apenas para manipular
você. – Zoe arqueou uma de suas
sobrancelhas escuras. – Em especial o
entusiasmo.
Ele riu, embora sem sucesso.
– Aprecio seu sofrimento com tudo
isso. Bem ponderado. Você deveria
mesmo ter chegado com uma atitude
melhor para o dia seguinte.
Havia certa hesitação naqueles olhos
cinzentos, e ele achou que poderia ter
rompido algo, mas Zoe sorriu, aquele
mesmo sorrio vazio.
– Não acho que tenha de manipular
mais esta situação. – Zoe se mostrava
calma demais, como se não tivesse
passado por aquela cama; como se ele
não soubesse que ela havia calculado a
noite toda. – Você vai me ajudar porque
Jason Treffen é responsável pela morte
de sua namorada ou porque sabe que eu
sei que você é um dos clientes especiais
dele e não há de querer que isso venha à
tona. Não importa qual dos dois.
– É claro que importa. – Isso saiu
mais áspero do que deveria, revelando-
o demais, e ela sacudiu a cabeça como
se ele a tivesse atingido. Maldição. – Eu
disse que nunca fui cliente dele. Não
dessa forma. – Estudou-a por um
momento tenso, depois outro. – Está
lutando com todos os fantasmas da sala
ou está comigo, Zoe?
– Não sei dizer a diferença.
– Lute comigo, Zoe. Você pode me
atingir de verdade. Porque estou bem
aqui.
Ela se moveu, e Hunter achou que
fosse uma espécie de vitória, mesmo
quando tudo o que Zoe fez foi
distanciar-se e sentar-se, reclinada,
como se estivesse mais confortável do
que nunca. Mais calma do que nunca.
E ele achando que seu peito fosse de
abrir. Achou que isso poderia matá-lo.
Ainda mais quando Zoe lançou-lhe
aquele olhar nada amigável, como se,
depois de tudo isso, ele fosse o inimigo.
– Não estou lutando – ela afirmou, em
um tom que sugeria que ele era um
lunático em delírio.
Hunter esfregou as mãos no rosto e
sentou-se, não tão longe dela, mas com
certeza não tão próximo como desejava.
Estava em uma grande e perigosa
ebulição por dentro, e tudo isso era tão
doloroso, desequilibrado e extremo que
não sabia o que fazer.
– É claro que não está – resmungou e,
em vez de entregar-se à sua habitual
resposta do “dane-se” à adversidade da
maneira com que preferiria, ele apena a
encarou. – Por que não me conta sobre
seu plano? Acho que está na hora da
grande revelação, não acha?
Zoe ficou quieta por um momento, e
Hunter estava atento à maneira com que
seu coração batia forte, como sua
respiração parecia estar presa no peito.
Alto. Forçada.
Zoe mexeu-se de leve em seu assento,
e Hunter queria que fossem seus nervos.
Queria que ela se sentisse um pouco
como ele se sentia.
– O plano é você expor Jason Treffen.
Mostre ao mundo quem ele de fato é. –
Ela deu aquele sorriso mordaz de novo,
ainda sem a reação e o brilho da Zoe
que ele conhecia. – Pouco antes da
grande
entrevista
dele
que
o
estabelecerá para sempre como um santo
na imagem do público.
– Por que alguém me ouviria? –
Hunter estava orgulhoso de seu tom
calmo e racional. – Não sei se você
prestou atenção, mas não tenho sido
considerado o cara do ano pela verdade
e justiça, ultimamente.
– É por isso que você é perfeito. –
Zoe parecia relaxar um pouco, enquanto
enumerava as vantagens dele nos dedos,
uma após a outra. – Sua reputação já
está maculada, então, Jason não pode
ameaçá-lo com a perda dela. Você é
odiado, e o que importa se as pessoas o
odiarem ainda mais? Mas você conhece
bem o homem há mais de dez anos, o
que significa que se falar bastante e bem
alto, e nos ouvidos certos, que é onde eu
entro, você será ouvido. – Tornou a
sorrir. – E o fato de ter passado todo
esse tempo fazendo bons trabalhos em
silêncio no rastro de sua expulsão da
liga sem tentar se beneficiar de nada
disso vai pesar a seu favor.
– E eu aqui começando a achar que
você armou tudo isso durante esse
período.
Ela deu de ombros.
– Eu disse que sabia o que estava
fazendo.
Mas Hunter não podia deixar de
pensar sobre como Zoe teria dito essa
última parte se ela não estivesse tão
desligada e distante quanto agora, e isso
bateu dentro dele, a perda daquele
sorriso sarcástico e conhecedor.
Daquele brilho divertido no olhar
acinzentado.
Ele a queria de volta.
– Esperava que você fosse assim
determinada porque já tinha planos para
meu belo corpo. Acontece. Às vezes na
academia. Ou nas bibliotecas.
– Talvez não tenha me ouvido antes –
disse ela, suave demais, o olhar sombrio
e atormentado encarando-o. – Não
estava sendo metafórica. Eu era garota
de programa. Eu me vendia. Para os
homens. Por dinheiro. – Cada frase era
um tiro curto, cruel. – Por que
continuaria flertando comigo agora? É
aqui que geralmente sou paga. É isso o
que significa ser uma prostituta.
E Hunter reconheceu o que ele via
nela, então. O que ela estava fazendo.
Aquele quase riso em sua voz,
encorajando-o a unir-se naquela piada
horrível. Aquela ousadia áspera e
penetrante, jogando na mesa a pior coisa
em que Zoe podia pensar. E toda essa
angústia terrível por baixo.
Ah, sim. Ele conhecia essa rotina.
Tão bem que podia sentir o sabor da
bile em sua garganta.
Hunter conhecia a culpa quando a via.
Conhecia a autodepreciação e a
vergonha profunda e debilitante. Ele
conhecia esse jogo, pois o vinha
jogando havia anos e por muito menos
motivo.
Mas Hunter também conhecia Zoe.
– Como você quer ser paga? –
perguntou ele com indolência, e ela se
reclinou no sofá, a respiração tornandose acelerada e audível. – Dinheiro?
Cartão de crédito? Uma troca de
presentes e serviços?
Zoe a fitou como se ele e golpeasse
de novo, e dessa vez mais forte.
– Muito engraçado.
– Sejamos claros, Zoe. Não acho que
o que aconteceu desde que você desceu
essas escadas hoje de manhã seja
engraçado. Nem um pouco. Fiz uma
pergunta.
–
Sobre
pagamento.
–
Ela
empalideceu.
Hunter achava que isso significava
progresso, embora parecesse ter vidro
quebrado dentro de si, estraçalhando
com ele.
– Lógico. – Manteve seu olhar duro
no dela até que Zoe soltasse a
respiração de forma longa, trêmula,
zangada e em agonia, e ele sentisse
como se pregos atravessassem seu peito.
– Dê seu preço.
– Pare – disse, curta e certeira.
– Bem, parece querer jogar o que
aconteceu com você na minha cara,
então vamos lá. Vamos tornar isso o
pior possível. Dê seu preço. Sabe que
posso pagar. Sou mais rico que Deus.
– É claro que irá transformar isso em
você. Homens como você…
– Não existem homens como eu! –
esbravejou, toda a violência que vinha
contendo surgindo agora em sua voz. –
Não para você. Não agora. Dê seu
preço.
– Vá para o inferno! – Zoe ficou em
pé numa explosão cega de raiva, mas ele
já esperava por isso, queria isso.
Hunter foi até ela, sentindo uma
espécie de profunda satisfação quando
Zoe se virou para ele. Sentiu o punhos
dela baterem nele, mais forte do que
previra, e deixou que continuasse.
Nem mesmo ergueu os braços em
defesa.
– Bata mais forte – Hunter pediu,
observando a luz negra nos olhos dela,
aquele brilho austero cobrir-lhe o rosto.
– Machuque ou não terá valido.
Zoe oscilou, a respiração arfante, mas
os olhos cinzentos que se encontraram
com os dele pareciam uma tempestade
de inverno. A morte que pairava sobre
eles foi embora e, embora Hunter
soubesse que fora bom, também sabia
que haveria dor.
E ela ainda mantinha os punhos
fechados na sua frente como armas,
como se não tivesse ideia de como eram
pequenos. Ou como se isso não
importasse, pois brigaria de qualquer
maneira.
Sua Zoe. Completamente incapaz de
render-se.
– Machuque-me – disse ele de novo,
com mais intenção. – Não sabe como
isso funciona? A porcaria sempre rola
ladeira abaixo. Considere, então, isso
como sendo uma bem alta.
Zoe ainda respirava pesadamente.
Parecia desesperada, apavorada e feroz,
tudo ao mesmo tempo, e Hunter sabia
que se tentasse tocá-la, ela sairia de si.
Assim, ele se concentrou na dor
causada pelos socos em seu tórax, cada
um deles provando que ela não estava
tão perdida quanto parecia. Zoe não
desaparecera sob o gelo. Ainda estava
ali, não importava o quanto doesse nela.
Ou nele.
– Não quero machucá-lo – falou entre
os dentes, depois de um momento, como
se as palavras rasgassem sua garganta.
Hunter esperou até que Zoe o
encarasse de novo. E mantivesse o
olhar.
– Então não machuque.
– Não é assim tão simples.
– Sim. – Hunter se mostrava
implacável. Seguro. Quando ele não era
nenhuma dessas duas coisas em nada, a
não ser agora. – É.
Zoe virou a cabeça para o lado como
se pudesse esconder o modo como seu
rosto se achava transtornado, e ele tinha
de ficar ali parado vendo isso. Parado e
sem fazer nada, a não ser esperar
enquanto ela pressionava os punhos
cerrados nos lábios, como se pudesse
conter as lágrimas, caso necessário. Se
chegasse a isso.
– Vamos ferir a pessoa que merece –
convidou Hunter, muito calmo, e,
embora ela não o olhasse e ele visse
uma espécie de umidade nos cantos de
seus olhos e o punho dela na boca,
apertando até que os nós dos dedos
ficassem esbranquiçados, Zoe acenou
com a cabeça. Foi comovente e duro, e o
atingiu como se fosse sua própria dor,
mas era um aceno. – Tenho algumas
ideias.
HUNTER LIGOUpara Austin do carro ao
seguir para Edgarton naquela tarde,
como fazia todos os dias desde que Zoe
o levara lá. Primeiro porque ela
ordenara e ele decidira fazer. E, agora,
só em parte por isso, embora fosse mais
uma coisa em que não estivesse
preparado para pensar.
– Quem é? – Austin perguntou em vez
de cumprimentar. – Não reconheço o
número. Tenho certeza de que o
proprietário anterior me acusou de ser
um perseguidor.
– Precisamos nos encontrar – disse
Hunter, ignorando o sarcasmo.
– Definitivamente não reconheço essa
voz. Sabe que não pode ficar bancando
o avestruz se convoca reuniões, certo?
As pessoas podem ter uma impressão
errada e achar que você se importa com
alguma coisa.
– Amanhã à noite. Escolha o lugar.
Traga Alex.
– Alex já é homem adulto, Hunter,
com sua própria agenda, o que você
saberia se atendesse às ligações dele.
Não o guardo no meu bolso.
– Tem alguém que quero que vocês
conheçam – Hunter afirmou, impaciente,
e ele não sabia se foi o tom de sua voz
ou o fato de que só poderia haver um
motivo para que ele quisesse fazer
apresentações para os dois, mas Austin
ficou quieto por um momento.
– Quem?
Zoe dissera que estava bem com
relação a isso, que queria fazê-lo porque
se encaixava em seus planos, mas
Hunter ainda pretendia protegê-la, caso
mudasse de ideia. Porque poderia ser a
única vez em que ela o deixaria protegêla, pensou, sombrio, e a verdade era que
o mais provável fosse ela bater nele de
novo.
Hunter deixaria assim por um
momento, a constatação de que aceitaria
qualquer uma das duas coisas.
– Vai descobrir amanhã, Austin. A
menos que queira me doutrinar sobre
meus hábitos. Irá me comparar com uma
ostra novamente? Tenho certeza de que
pode me insultar melhor do que isso,
Austin. É como se nem estivesse
tentando.
– Hunter...
Ele esperou, e foi como se história e
memória se condensassem. Como se
estivessem fortemente
encaixadas,
lembrando-o de milhares de outras
conversas telefônicas, longas, de
madrugada, todas aquelas horas em que
passaram na companhia um do outro,
aprendendo a própria linguagem,
fazendo eles próprios seu formato de
família.
Lembrando-o mais uma vez do quanto
perderam.
–
Ouça
–
implorou
ele,
inadequadamente, porque era óbvio que
era tudo sua culpa. Fora ele quem
partira, quem nunca olhara para trás.
Quem fora tão determinado em fingir
que nada estava acontecendo, na época e
agora.
Mas Austin tornara a falar de novo,
guiando-o como se já soubesse aonde
isso levaria:
– É melhor que não seja uma maldita
florista – disse, e Hunter não teve como
não sorrir. – Não estou brincando.
O CAMPO de futebol da Edgarton High
tinha sessenta centímetros de neve
fresca, e provavelmente ficaria assim
por semanas, o que significava que as
práticas aconteciam dentro do ginásio.
Hunter odiava o ginásio.
Os pisos arranhados arqueados e
rangendo sob o golpear de tantos
sapatos adolescentes, o cheiro de
umidade ao redor deles como um
estrangulamento úmido e as pequenas
janelas altas eram distantes demais do
chão para deixar qualquer luz de inverno
entrar.
O lugar deprimente era todo um risco
de incêndio.
– Não despediram você? – Aaron, o
punk que queria ser um quarterback,
indagara no primeiro dia.
O garoto estava todo estufado e
fazendo cara feia como se achasse que
era um sujeito muito grande. Mas isso
não escondia o desejo atordoado em
seus olhos escuros, que deixava Hunter
ciente do quanto ele queria ser
convencido de que Hunter era o
problema. De que algo, qualquer coisa,
fosse o problema.
– Por que eu deveria ouvir o que você
diz?
– Porque sou uma maldita lenda –
respondera Hunter. – E você é um nada.
E, no entanto, desafiando toda a razão
e seu próprio temperamento incerto, seu
pequeno e triste grupo de garotos não só
continuava vindo para suas sessões de
musculação cada vez mais difíceis e os
seus treinos matadores – tudo mais
adequado para equipes que já estavam
no nível de campeonato do que uma com
a sua falta de habilidades, porque
Hunter achava que poderia muito bem
começar duro – como pareciam trazer
mais jogadores novos consigo cada vez
que vinham. Até que parecesse menos
como uma reflexão tardia na sala de
musculação, aquele triste ginásio antigo,
e mais como uma equipe real.
Hoje a visão dele deixou-o irritado.
Mais exigente. Porque Hunter se
recusava a falhar com mais alguém.
Recusava-se.
– Você, hã... está bem? – Jack, o
verdadeiro
treinador
de
futebol
americano, não que ele estivesse
exercendo esse cargo há semanas, ousou
perguntar.
Hunter colocou o time para correr
treinos de velocidade. Repetidas vezes,
por toda a extensão do velho ginásio,
fingindo que não conseguia ouvir a
rebeldia resmungando enquanto corriam.
– Eles precisam conseguir fazer isso
muito bem quando já estiverem exaustos
– disse Hunter com poucas palavras. –
Tem a ver com resistência mental.
– Sim – disse Jack com uma dessas
vozes
concordantes
demais
que
significavam que ele não queria discutir,
não que houvesse de fato concordado. –
Claro. Mas, hã… Você está…?
– Estou bem – proferiu, curto e
grosso.
Jack recuou, mas Hunter não
modificou a entonação. Nem quando
ficou mais furioso do que jamais
estivera e não conseguiu fazer nada a
respeito.
Não conseguia ajudar Zoe. Não
conseguia salvá-la. Não podia mudar
uma única coisa que acontecera com ela,
assim como não poderia salvar mais
ninguém. Sarah. Nem a ele mesmo.
Não poderia sequer tocá-la da
maneira que queria, porque não era isso
o que ela precisava. Zoe afirmou que
transformara isso numa coisa dele, e ele
se recusava a deixar isso acontecer.
Hunter acabaria com Jason Treffen com
as próprias mãos se fosse preciso.
Percebeu que estava com uma
expressão de raiva e que Jack o olhava.
– Por quê? – perguntou Hunter. Saiu
como um resmungo. – Não pareço bem?
Jack ergueu as mãos em rendição e
não perguntou mais.
– Vocês podem decidir que tipo de
perdedores querem ser – disse ele para
o grupo de garotos naquela mesma noite
fria e amarga.
Eles estavam arfantes, espalhados no
chão do ginásio, junto aos seus pés, com
o frio penetrando as paredes. Olhando
como se achassem que iriam morrer, ou
talvez já estivessem mortos. O que
significava que Hunter devia estar
fazendo alguma coisa certa.
– O tipo que dá ao melhor time
motivo para lutar ou o tipo que
desperdiça o tempo de todo o mundo. É
tudo com vocês, cavalheiros.
Veio uma espécie de silêncio longo,
cansado e raivoso. Hunter quase sorriu.
– Vocês decidem quem serão –
continuou ele, com os braços sobre o
peito, a expressão zangada e firme. –
Podem se levantar e continuar jogando
quando doer ou sair capengas do campo
e não voltar. Pouquíssimas escolhas
nessa vida podem ser assim tão simples.
Apreciem essa.
– Diz o cara que foi chutado para
longe antes do Super Bowl – resmungou
alguém.
– E está lutando contra uns vinte
processos – completou outro, com uma
risada.
– Queria ver alguns desses espíritos
espertinhos nesses treinos – devolveu
Hunter, e a risada morreu. – Entendam
de uma vez por todas: vocês são as
únicas pessoas no mundo todo que se
importam com o que acontece com
vocês. Talvez não gostem das minhas
escolhas, mas, independentemente de
serem boas ou ruins, são todas minhas.
Não as tornem suas. Levantem-se.
Vamos fazer mais um treino de corrida.
Foi difícil não sorrir com os
resmungos, e ele não tinha certeza de
que conseguira.
– Se não podem lidar com isso,
desistam agora – rosnou ele. – A
escolha é sua.
– O que você sabe sobre escolhas? –
Aaron, que aparentemente não era
bastante esperto para se intimidar por
todas as bravatas de Hunter, contestava,
enquanto se erguia. – Nada disso é mais
do que diversão para você. Ainda
estaremos aqui por muito tempo depois
que se cansar e voltar para a vida real.
– Está aqui para fazer amigos? –
Hunter olhou dentro dos olhos do garoto.
– Cantar músicas alegres e trançar o
cabelo uns dos outros? É por isso que
vem aqui, Aaron? Ou quer jogar um
futebol menos pior?
E ele viu, então, aquele traço de aço
no rosto do garoto. A maneira com que
ficou mais ereto, embora provavelmente
quisesse comer e dormir mais do que o
ar que respirava. Como se tivesse
decidido, aqui e agora, que queria esse
mais. Mesmo que fosse só para mostrar
a Hunter que ele podia.
Hunter sabia que era como tudo
começava. Lembrava-se disso, como se
fosse de uma vida diferente. Isso levava
a ser outra coisa. A ser melhor.
– Não se preocupe, cara. – Havia um
brilho nos olhos escuros de Aaron que
fez Hunter sentir-se muito orgulhoso. –
Ainda não estava escolhendo meu
vestido do baile de formatura. Pode se
acalmar.
– Enquanto não me der cinquenta
abdominais e se não aprender a falar
com respeito, vai ficar correndo a noite
toda. Cara.
E foi só durante a corrida, com Jack
gritando os comandos das laterais, como
se estivesse se sentindo como o próprio
treinador,
Aaron contando
seus
abdominais com um tom de voz
notadamente mais educado, que Hunter
se permitiu um sorriso.
ISSO ERA muito mais difícil do que
previra.
Zoe escapou do ar gelado entrando
em uma soleira um pouco adiante do bar
onde deveria se encontrar com Hunter, o
coração batendo tão forte contra as
costelas que ela achou que ficaria toda
roxa.
Uma coisa era Hunter saber sobre seu
passado. Algo horrível e profundamente
perturbador que ela passara o dia todo
tentando aceitar, porém sem sucesso.
Mas por que concordara em ir até um
local público e contar a mais duas
pessoas o segredo que escondera por
todos esses anos?
Ainda mais quando um deles era um
Treffen.
Por um momento assustador, ela não
conseguiu respirar.
Não sabia por quanto tempo estava
ali, lutando contra o pânico. Será que
simplesmente desabaria ali mesmo, na
rua? Era errado uma parte dela querer
isso, para que no mínimo pudesse falar a
respeito de novo?
Mas, lentamente, ela puxou ar para os
pulmões. Uma longa respiração, depois
outra. Por fim, conseguiu se recompor.
Calma. E, quando todo o barulho em sua
cabeça se aquietou, ela juntou-se ao
fluxo de pedestres mais uma vez, para
percorrer o restante de seu caminho,
como se estivesse bem.
Porque estava bem. Estava mesmo.
Tinha de estar, de uma maneira ou de
outra.
Porque como poderia esperar acabar
com o monstro que ainda espreitava
todos os seus pesadelos se não
conseguia ter uma simples conversa com
dois homens que, Hunter garantira,
odiavam Jason Treffen tanto quanto ela?
Hunter. Aquele nome em sua cabeça,
seu coração, como uma batida de
tambor. Imagens dele na cama, por cima
dela, dentro dela. O rosto, atormentado e
exausto, quando pediu que batesse nele
com mais força.
Zoe não aguentava o fato de que ele
sabia. Não conseguia suportar. Isso a
deixava instável, como se fosse se
dissolver a qualquer momento. Mas ela
não tinha escolha a não ser fingir que era
feita de pedra.
Nunca teve chance.
O bar em questão era um clube
privativo em um hotel. Precisava passar
por dois cordões de veludo e uma
sentinela com rosto sério antes de poder
entrar no espaço reservado.
A vista dava para a silenciosa rua
Lower East Side abaixo e uma
Manhattan iminente acima, cheia de uma
multidão elegante e recheada de estrelas
deleitando-se em sua exclusividade.
Era linda. Zoe conseguia respirar.
Estava bem.
– Zoe...
Ela endureceu, mais gelo do que
pedra, mas era Hunter, afastando-se da
parede perto da entrada para encontrála. E Zoe se odiava, porque deixara que
visse sua reação. Era como se ela não
fizesse mais parte daquele corpo. Fez
com que sentisse coisas que evitava
fazia muitos anos. Vulnerável. Pequena.
Ficou olhando para aqueles olhos
perscrutadores sabendo que viram
demais. Como sempre, maldito seja.
E ela odiou-o, porque ele não tentou
tocá-la. Ah, não. Nenhuma carícia em
seu rosto, nenhum toque em seu cabelo,
que deixara solto e caído nos ombros
essa noite.
Hunter enfiou as mãos nos bolsos da
calça e parou tão perto dela que Zoe
quase pôde sentir seu calor, mas não a
tocou da maneira que sabia que a tocaria
antes.
Antes de ela ter falado para ele a
verdade sobre si. Antes de ter
descoberto que ela não era aquela
criatura incandescente que aparecia
refletida em seu olhar quando ele se
moveu dentro dela.
Antes.
Já era esperado, mas isso não tornava
mais fácil. E Zoe detestava o fato de
estar doendo. Muito mais do que
deveria.
– Vamos em frente – proferiu, talvez
com um toque de agressão na voz.
Ele piscou.
– Não precisa fazer nada. – Sua voz
era calma demais. Uma alusão ao seu
falar arrastado, nenhum sinal de raiva,
dor ou calor. – Não precisa encontrar-se
com eles, Zoe. Pode dar a volta e ir
embora. Ainda farei tudo o que quiser
que eu faça para ajudá-la a acabar com
ele. Não precisa envolver mais ninguém,
se não quiser.
– Eu quero. – Seus lábios estavam
entorpecidos, mas isso não importava.
Assim como seu coração. Ela faria de
qualquer jeito. – Vamos.
Mas Hunter não se mexeu. Franziu a
testa, o olhar percorrendo seu rosto, e
ela não sentiu nada, apenas um vazio
interno. Porque, antes, ele desejara tanto
tocá-la que chegou a estremecer. E
agora que Hunter sabia como era suja,
profanada, mantinha as mãos afastadas
dela.
Zoe não imaginou que ele seria
diferente do restante do mundo, portanto,
não havia motivo para que se sentisse
como se tivesse levado um soco no
estômago. Como uma traição.
Nenhum motivo, mesmo.
Ela abriu o fecho do casaco com mais
força do que habilidade e tirou o
cachecol do pescoço, olhando para ele
com expressão nada amigável.
– Hunter, eu disse que quero fazer
isso, portanto, vamos lá.
– O que está vestindo?
Zoe sabia o que ele queria dizer, mas
havia toda uma fúria, dor de cabeça e
pânico pulsando em suas têmporas, em
suas veias, em cada respiração sua, e
ela quis muito atingi-lo. Ainda mais
forte. Com alguma coisa muito pesada,
como uma das mesas dali.
– Acredito que se chame roupa. – Zoe
olhou para ele, na esperança de que
parecesse de tão poucos amigos quanto
se sentia. Como gostaria de se sentir. –
Mas pode chamar do que quiser. Não me
importo.
Hunter piscou de novo e ela achou
que ficara tenso, mas quando ele tornou
a falar, a voz ainda estava perfeitamente
calma. Como uma sombra ainda mais
escura:
– Nunca vi você de jeans, antes. Nem
de vermelho.
– Tem sido uma grande semana. Por
que não refletir sobre o meu guardaroupa?
O olhar dele se moveu sobre o dela, e
Zoe odiava o fato de que seu corpo
respondia estremecendo ao calor dele,
deixando
que
aquela
maldita
necessidade florescesse em qualquer
lugar que aquele olhar azul tocasse.
– Eu gosto – disse ele.
– Essa era, obviamente, minha meta
pessoal.
A boca dele se curvou, como se
soubesse. Como se estivesse ali nessa
noite quando ela decidiu que era hora de
sair da toca da Rainha de Gelo das
roupas justas de luto.
Como se ele soubesse muito bem que
ela era incapaz de tirar aquele brilho
ardente nos olhos azuis dele de sua
cabeça quando escolheu vestir aquele
jeans skinny que abraçava suas pernas e
a blusa vermelha que envolvia seu torso,
deixando um profundo V aberto na
frente.
Como se Hunter soubesse o que ela
estivera pensando quando calçou
aqueles saltos matadores com estampa
de leopardo que exigiam atenção e que
faziam coisas perversas com seu
caminhar, sobretudo nas calçadas
invernais.
Como se ela estivesse completamente
transparente, depois de todos esses anos
se escondendo.
E esse mesmo fogo a assolava, a
lembrava. O ar entre os dois ficou tenso.
Zoe via aquela consciência em seus
olhos, o mesmo fogo ardente.
Mas Hunter ainda não fizera nenhum
movimento para tocá-la, e isso a
queimava como veneno, abafando todo o
resto, pesando no peito como as
lágrimas que se recusava a chorar. Não
ali. Não na frente dele. Não quando já
machucava demais.
Ela queria gritar, se aproximar,
explodir…
– Vamos – disse ele calmamente,
usando o queixo para indicar o caminho,
como se até mesmo o menor toque
pudesse ser corrosivo.
Como se ela estivesse infectada. Era
o seu pior pesadelo, e esse homem já
estivera dentro dela. Zoe se sentiu
enjoada e, depois, furiosa consigo
mesma por esperar algo diferente.
– Estão logo ali.
Zoe teria dito que seu coração fora
arrancado muitos anos atrás e que não
poderia mais ser despedaçado. Que isso
não poderia se partir desse jeito, se
estilhaçando em todos aqueles pedaços
que machucavam a cada respiração.
Mas ela caminhou para onde ele
apontava, porque era melhor do que
desmoronar. Teria que deixar isso para
mais tarde, quando tivesse terminado.
Quando Hunter não pudesse vê-la.
Quando pudesse ter certeza de que ele
nunca saberia. Que ninguém saberia.
Alex Diaz e Austin Treffen esperavam
a uma mesa privativa em um canto
distante, e os dois estavam em pé
quando ela apareceu, ambos tão belos e
poderosos quanto esperava que fossem.
Zoe disse a si mesma que eles eram
como qualquer outro cliente. Ricos,
realizados e provavelmente maus. Era
melhor deduzir isso para começar.
Menos surpresas, pensava.
Zoe supôs que isso dizia algo sobre
ela que o pensamento suavizava.
– Não preciso de apresentações. –
Assim, Zoe trouxe seu lado profissional
como um manto, forçando um sorriso,
surpresa quando veio tão fácil. Como se
nada houvesse mudado, mesmo que
sentisse que tudo estava diferente. – Sei
quem vocês são.
Ela apertou as mãos deles como
sempre fizera, enérgica e confiante,
como se realmente se sentisse assim.
– Alex. Austin. Sou Zoe Brook.
– A rainha de relações públicas de
Nova York. – Alex sorriu daquele jeito
afetado que, ela deduzia, os repórteres
sempre faziam.
E Zoe não estava surpresa de que ele
fosse tão bem-sucedido.
– É claro. É um prazer conhecê-la em
pessoa, embora sua reputação a preceda.
– Melhor do que uma florista, acho –
disse Austin, de modo bizarro. Mas ele
encarava Hunter. – Está preocupado
com sua reputação, Hunter? Porque acho
que seja uma causa perdida.
– Zoe tem uma afinidade especial com
São Judas, para dizer a verdade – disse
Hunter.
A referência fez Zoe ficar alerta. Ele
achava que ela era tóxica, e estava
atenuando a situação fazendo referência
a um mártir. Não tinha certeza de quem
odiava mais, a si mesma ou Hunter.
Ele, decidiu, quando Hunter passou
por ela, sentando-se no sofá com seus
amigos, deixando-a na outra ponta.
Estava com medo de que Zoe fosse
derramar a sujeira dela sobre seus
amigos? Deixá-los tão sujos quanto ela,
tão sujos quanto o deixara?
Bem lá dentro, algo se lamuriava. Um
som horroroso e lamentador, feito de
perda e de arrependimento, mas Zoe
ignorava. Não tinha razão nisso tudo.
Não havia como consertar nada. Tudo o
que existia era a vingança, e não
importava o que sentisse por Hunter
debaixo de todos aqueles escombros e
toxinas, e de todas as formas como fora
contaminada com o que fizera – ela
acreditava no que ele dissera. Aquela
vingança funcionaria melhor com Alex e
Austin envolvidos.
Deduzindo que fossem quem ele disse
que eram.
– O que fazemos aqui? – Austin olhou
para Zoe e sorriu de leve. – Desculpe
minha impaciência.
Ela sorriu de volta e ficou satisfeita
de que Hunter estava tenso, como se
soubesse o que viria.
– Detesto desperdiçar tempo – disse
ela. – É um defeito meu.
– Zoe... – Era Hunter, obviamente.
Mas ela voltou ao seu modo
profissional, e foi um alívio. Zoe era
impenetrável quando nessa versão sua.
Totalmente blindada. Conseguia até
mesmo relaxar contra o sofá como se
estivesse em uma festa ao ar livre para
discutir nada além de canapês. Um jogo
amigável de croqué. Ou qualquer outra
coisa sobre o que os ricos e entediados
conversavam quando cercados por todo
aquele privilégio.
– Seu pai é um cafetão – Zoe disse
friamente para Austin, e observou os
olhos dele ficarem inertes numa mistura
de resignação e fúria, mas ela não o
conhecia o bastante para conseguir
decifrar. Olhou para Alex, que ficara
imóvel. – E me lembro de vocês dois na
época em que eu era assistente legal na
Treffen, Smith e Howell, quando sua
amiga Sarah Michaels trabalhava lá. O
que, sim, significa exatamente o que
vocês acham que significa.
Zoe ouviu Hunter suspirar ao seu
lado, onde se sentou próximo, mas ainda
sem tocá-la. Ela sabia que nunca mais a
tocaria, e se recusava a lamentar por
isso. Quisera usar o sexo apenas para
aliviar a tensão entre os dois e torná-lo
mais maleável. Deveria ficar contente
por ter sido um sucesso.
Um grande sucesso, e o que ela
realmente odiava nele, pensou, era que
Hunter a fizera sentir-se inteira e nova,
apenas para se virar e deixar claro que
ela nunca seria outra coisa a não ser uma
arruinada. Era verdade, mas isso não
tornava a situação mais fácil de
suportar.
Inclinou-se para a frente e colocou os
cotovelos sobre a mesa, como se fosse
uma conversa casual entre amigos.
– Hunter me assegurou de que nunca
foi um dos clientes que Jason alcovitou
e depois chantageou – Zoe falava quase
com doçura. Ela sorriu e observou Alex
e Austin de perto. – E vocês dois?
CAPÍTULO 9
À MEDIDA que Zoe falava o ambiente ia
ficando tenso, exatamente como
pretendera, pensou Hunter.
Ela estava lá, sentada muito calma ao
seu lado como se discutisse prostituição,
chantagem e a perversidade humana
todas as noites. Como se ele não tivesse
visto as cicatrizes do passado, tão vivas
e brilhantes, tão bem estampadas no
rosto dela em sua própria sala de estar
no dia anterior. Como se tudo aquilo
tivesse acontecido com outra pessoa.
– Enfim, minha mãe está se
divorciando de meu pai – disse Austin
quando achou que Zoe estava mais
convencida de que ele e Alex não eram
monstros. – Fico feliz de dizer que eu a
ajudei a chegar a tal decisão e que a
estou representando. Se pudesse, eu
deixaria Jason arrebentado e sangrando
no chão do tribunal, mas me contentarei
em arrancar o máximo de dinheiro que
puder.
– Devemos escolher? – Zoe indagou,
afável.
Hunter nunca admirara tanto uma
pessoa.
– Você tem de contar essa história,
Zoe – Alex falou com intensidade,
inclinando-se para a frente. – As garotas
de programa. A chantagem de todos
aqueles clientes. O mundo tem de saber
a verdade sobre ele.
– Concordo – disse Zoe, calma e
racional como sempre. – Mas não posso
fazer isso.
– Você sabe tudo em primeira mão,
como testemunha, depoimento de vítima.
– Fui vítima por muito tempo – ela
afirmou de maneira tão suave que
demorou um pouco para se perceber a
raiva borbulhando por baixo de suas
palavras. – Não vou fazer isso
novamente.
Todos ficaram em silêncio por um
momento; uma quietude à mesa enquanto
o resto do clube fervilhava ao redor
deles.
A expressão de Austin estava mais
sombria do que o normal, apenas
observando Zoe, como se estivesse
procurando um jeito de penetrar aquele
muro de tranquilidade que ela era. Boa
sorte com isso, meu caro, pensou
Hunter, mas mesmo assim chegou mais
perto dela para o caso dele tentar.
– Eu entendo de onde você vem –
começou Alex como se estivesse
escolhendo
cuidadosamente
cada
palavra.
– Acha mesmo?
Dessa vez sua voz estava tão suave,
tão quase animada, que eles levaram um
minuto para entender que na verdade era
um soco no estômago.
– Eu gostaria de fazê-la entender… –
Alex reiniciou.
– Já chega – Hunter não se deu conta
de que ia falar até ouvir a própria voz.
Foi uma ordem implacável, gritada,
como se ele ainda fosse o quarterback
que esperava que suas ordens fossem
seguidas sem contestação.
Alex olhou para ele e depois para Zoe
novamente. Ele não parecia feliz, mas
concordou.
– Por que não montamos uma
estratégia? – perguntou Zoe, muito
serena.
Mas Hunter a conhecia melhor agora.
Ele a enxergava.
A veia em seu pescoço pulsava, suas
mãos apertadas, embaixo da mesa onde
só ele podia ver, e as pernas cruzadas
estavam completamente retesadas.
E Hunter se desesperou, porque
mesmo agora, mesmo ali, ele a desejava.
Se ele fosse um homem melhor, não
desejaria, com certeza. Não agora.
Apenas a protegeria como Zoe merecia
ter sido protegida desde o início. Se
pudesse, ele a teria protegido de vermes
como Jason Treffen. Ele a teria salvo.
Em vez disso, ele era parte do
problema. Sentia nojo de si mesmo.
Zoe explicava o mesmo plano que
contara a ele, naquele seu jeito conciso
de sempre. Hunter não tinha dúvida de
que funcionaria. Acreditava que ela era
tão boa quanto dissera ser. Mas ele não
queria a construção lenta, a palavra
certa sussurrada na orelha certa. Hunter
queria uma ação rápida, decisiva.
Ele queria Jason acabado. Agora.
– Não é o suficiente – ele afirmou
quando ela parou de falar.
Zoe respirou fundo antes de encarálo, e seu olhar estava sombrio, como se
Hunter a tivesse magoado.
Hunter não conseguiu se importar com
isso, e o que ele queria fazer seria
melhor, no final.
– Isso vai se transformar numa longa
batalha
pela
opinião
pública,
possivelmente permitindo que ele vença.
– Ele não vai vencer– disse Zoe com
certa frieza na voz.
– Talvez sim. Por que permitir que
isso aconteça?
– Porque agora, além de todas as suas
habilidades tão conhecidas, você
também é um especialista em relações
públicas? – perguntou ela naquele tom
cortante que ele descobriu ainda amar,
mesmo quando o dilacerava. – Ah, não...
Espere. Essa sou eu.
– Eu já lhe disse: é preciso muita
habilidade para subir todos os degraus,
como fiz, e cair de cada um deles.
– Continue chamando de habilidade,
se isso faz com que se sinta melhor.
– Você não conhece Jason tão bem
quanto eu. – Hunter tentava puxar os
outros de volta à conversa ao perceber
que observavam muito atentos o embate
entre eles, para o seu gosto.
– E você não o conhece como eu –
Zoe rebateu, selvagem e inexpressiva ao
mesmo tempo.
Hunter inclinou a cabeça, admitindo a
derrota.
– Mas acabar com a reputação dele
não é o suficiente. Graças a Austin,
Jason já perdeu a família. Alex está
tratando da sua ruína através da mídia.
Tem uma coisa melhor que você e eu
podemos fazer. Que só nós podemos
fazer.
Zoe girou na cadeira para que
pudesse olhar direto para ele, e Hunter
esqueceu-se de onde estavam. Quem
estava sentado com eles, vendo tudo
isso. Mas não se importava.
Não quando havia uma tempestade
naqueles olhos cinzentos dela, que viam
coisas nele que nunca pudera esconder.
Não dela.
– Isso tudo vindo de um homem que
encontrei num clube de striptease –Zoe
falou com suavidade. E dureza. Um tiro
fatal. – Que não queria fazer mais nada
além de ficar mergulhado na própria
autopiedade pelo resto da vida.
Austin soltou uma gargalhada. Alex se
retraiu. E Hunter, lento como sempre, só
então se deu conta de que ela estava
muito, muito brava com ele.
Hunter inspirou lentamente e em
seguida expirou mais lentamente ainda.
Como se estivesse de volta ao campo
de futebol, bloqueou todo o resto – o
golpe que Zoe desferiu com tanta
precisão, aquele olhar terrível, de quem
havia sido traída; o barulho do bar ao
redor deles, o tilintar dos copos caros e
o som abafado da alta sociedade de
Manhattan por todos os lados.
Hunter ignorou tudo isso e focou
unicamente num objetivo: Jason Treffen.
– Você quer ganhar esta discussão ou
quer vingança? – perguntou ele, sem
rodeios. – Porque terá de escolher.
Ele a observou engolir alguma coisa
que ia falar, depois piscar, como se
também tivesse esquecido onde estavam.
As mãos, ainda apertadas no colo.
Mais
tarde,
prometeu-lhe
silenciosamente. Hunter trataria disso
depois, o que quer que fosse. Quando
não tivessem uma audiência. Quando
pudesse ir mais fundo e ver o que estava
acontecendo
no
meio
daquela
tempestade de inverno que podia sentir
se desenrolar dentro dela.
Quando descobrisse uma maneira de
beijá-la sem que fosse mais uma coisa
da qual ela tivesse de se recuperar.
Zoe apertou os lábios, mas não falou
mais nada.
– Eu gosto – afirmou Alex, após
Hunter ter explicado seu plano em toda
sua rapidez e simplicidade.
Mas todos olharam para Zoe.
Que, é claro, os fez esperar. Um
momento, e mais outro. O punho cerrado
foi finalmente relaxado, e ela colocou as
mãos cruzadas sobre a mesa.
– Isso pode funcionar. – Austin deu
uma risadinha amarga. – Bom trabalho.
Ele nem vai se dar conta do que está
acontecendo.
– Estou apostando nisso. – Hunter fez
um esgar. – Nisso e no fato de que sua
vaidade não permitirá nenhuma outra
consequência.
– O que o coloca exatamente onde eu
quero. – Alex sorriu largo.
Ele olhou para Hunter e, pela
primeira vez em muitos anos, Hunter não
desviou o olhar primeiro. Não mudou de
assunto, contou uma piada ou
personificou Hunter Talbot Grant III,
bancando o palhaço. Não fez de conta
que Alex não o conhecia, o verdadeiro
Hunter, que havia pouco percebera que
fora enterrado junto com Sarah.
Alex sorriu mais largo ainda.
– Eu me lembro desse Hunter – ele
murmurou, levantando o copo e batendo
no de Hunter, num brinde. Olhou para
Zoe como se tivesse de agradecer por
isso a ela, depois fitou de novo Hunter,
como se sempre tivessem sido amigos
íntimos. – Eu gosto deste Hunter. Bemvindo de volta.
ELE A alcançou na esquina, quando Zoe
ia atravessar o cruzamento como se
quisesse se afastar dele o mais rápido
possível.
– Está fugindo de mim? – perguntou
ele abruptamente, esquecendo-se de que
tentava não incomodá-la.
O olhar que ela lhe deu provou que
não estava fazendo nada disso.
– Estou caminhando, não correndo –
respondeu ela, fria. – Vou até uma
avenida ao norte, onde pegarei um táxi.
Aí direi ao motorista para seguir para
bem longe de você.
– Certo.
Faltavam duas quadras até a Park
Avenue. Isso lhe dava certo tempo.
Hunter passou à frente dela, mas virouse para olhá-la.
– Perfeito – ela falou, sombria. – Só
para você saber, eu não desejo que bata
em algum poste e fique inconsciente,
mas também não vou fazer nada para
impedir isso.
– Você deveria se lembrar de como
ganhei a vida nos últimos dez anos. Eu
poderia caminhar de costas por toda
Manhattan sem bater em nada. Dizem
que sou muito hábil.
Ela parou de caminhar. Estava muito
frio, muito escuro naquela rua lateral
rodeada de edifícios de tijolos e montes
de neve retirada com pás na última
tempestade de neve, mas Zoe não se
importou. Hunter também não.
– Não é isso o que dizem de você.
– E o que é? – Hunter apertou as mãos
dentro dos bolsos, e foi um sacrifício
manter a voz baixa para continuar, ou
pelo menos parecer, calmo.
Zoe soltou a respiração com força, e
ele pôde ver o vapor se formando no ar
frio, enquanto alguma coisa acontecia
com ela. Ele podia ver isso. Era como
um terrível terremoto. Como se Zoe
estivesse se desintegrando de dentro
para fora.
Mas quando ela falou, foi apenas um
sussurro. Sem olhar para ele:
– É óbvio que você está enojado. Por
que não admite? Por que jogar esse
joguinho doentio, Hunter?
– Não estou jogando.
– Entendo. Há uma razão para eu não
querer divulgar meu passado sórdido.
– Espere. – Ele se inclinou para
poder olhá-la direto nos olhos. – Do que
você está falando?
– Não finja, Hunter – seu sussurro se
tornara áspero.– Não piore as coisas.
Tudo o que você vê quando olha para
mim é o que ele fez. O que eu fiz. A
mancha que isso deixou.
Hunter ficou paralisado pela surpresa,
e ela continuava falando sem se dar
conta das lágrimas escorrendo pelo
rosto, enquanto ele sentia cada uma
delas rasgar seu coração.
– Você não conseguia tirar as mãos de
mim até que descobriu.
– Que você era violentada! – Hunter a
interrompeu, fazendo-a pular de susto, e
nem se importou. Não quando era tão
importante que ela o ouvisse. – Acha
mesmo que eu podia tocar em você por
mais um minuto depois de ter me
contado uma coisa daquelas? Você acha
que minha resposta ao que me revelou
deveria ser baixar sua calça?
– Sim – disse ela, com a voz
trêmula.– Sim, droga!
Hunter a fitava, estupefato.
– Você acabou de dizer “sim”?
– Isso aconteceu há muito tempo –
disse bruscamente como se quisesse
feri-lo com cada palavra. – Eu não
morri. Estou bem aqui, e não estou em
pedaços.
Hunter entendeu que ela falava mais
para si mesma do que para ele.
– Você não pode realmente
acreditar…
– Não vou implorar, Hunter, não
importa o quanto você se sentisse
importante. Eu não deveria ter de provar
a você que sou a mesma pessoa de duas
noites atrás.
– Escute. – Era uma ordem, e ele
esperou que ela parasse de falar. Que
olhasse para ele. Que continuasse
olhando para ele. – Você gosta de
joguinhos de poder, e eu também. Eles
são divertidos. Mas isso não tem nada a
ver com esses jogos.
– Não se iluda. Tudo é jogo de poder.
Tudo.
– Eu… não… sou… ele.
Hunter não gritou; nem precisaria.
Aquelas quatro palavras tiveram o
mesmo efeito de uma ventania girando
ao redor dos dois e desaparecendo
dentro da noite.
Zoe recuou como se tivesse sido
atacada, cortada ao meio.
– Não me confunda com aquele
maldito degenerado outra vez – disse ele
no mesmo tom imperativo que não
admitia discusão. – Vamos deixar tudo
bem claro, você e eu, sobre
consentimento. Está me entendendo?
Sobre aquilo que você quer.
Zoe estremeceu, mas Hunter sabia que
desta vez não era por causa do frio.
Estava frágil, furiosa e Zoe, olhando
para ele do meio de um pesadelo que ela
mesma exterminara, e ele pensou que
nunca amara tanto uma pessoa em toda a
sua vida. E nunca amaria.
A verdade dessa constatação atingiu-
o fundo e mudou tudo.
Mas ele ainda esperava.
– Quero me sentir viva – disse ela
com os olhos brilhando. Sua voz estava
trêmula, mostrando o turbilhão de
emoções em que se encontrava. –
Inteira. Como se ele nunca tivesse me
destruído.
– Ele não conseguiria – sussurrou ele,
abalado.
– Então por que você não… – Ela não
terminou a frase, talvez porque não
conseguisse.
E desta vez Hunter não estava
pensando em sexo. Ele não se importava
com quem se achava no comando, nem
pensava em jogar jogo algum. Só se
importava com a expressão no rosto
dela, que combinava com o buraco em
seu
coração.
Estava
pensando
exclusivamente em Zoe.
Ele caiu de joelhos sobre a calçada
gelada, sem desviar o olhar dela, se
entregando por completo.
Se ela quisesse.
– Não quero que você implore –
Hunter afirmou, vendo o rosto dela se
contorcer com o esforço de conter os
soluços e as lágrimas que já a traíram
antes. – Mas eu imploro, se você quiser.
Pode ter o que quiser de mim, Zoe. A
única coisa que você precisa fazer é
pedir.
Ela não pediu. Em vez disso, deu um
passo à frente e o abraçou, afundando as
mãos no cabelo dele. E então o beijou.
Sal e doçura.
Como se ela já soubesse a resposta.
Como se ele fosse um herói, afinal.
ZOE O levou ao seu apartamento. O
santuário dela, onde ninguém podia
entrar.
Ele ficou parado no meio da sala,
completamente
viril,
inteiramente
Hunter. Parecia maior do que na rua,
consumindo todo o oxigênio sem fazer o
menor esforço. O ar em volta dele
parecia zumbir, vivo e elétrico como
sempre.
Ela se sentia muito brilhante, muito
exposta, na verdade trêmula pelo
esforço de não perder o controle,
mandá-lo embora ou, pior ainda, cair no
chão com um colapso nervoso. Em vez
disso, puxou-o para o sofá e subiu em
seu colo.
– Isso é consentimento – Zoe
sussurrou.
– Isso é tudo de que preciso –
replicou ele e, enfim, a tocou. Suas mãos
fortes e quentes no rosto dela, descendo
por suas costas até seus quadris. – Sua
boba.
– Não me chame…
– Zoe... – Hunter a puxou para mais
perto, e ela já estava se derretendo, toda
trêmula. – Fique quieta.
Quando ela silenciou, ele a tomou.
Hunter a fez se sentir mais do que
viva. Incandescente e ardente. Ele
mostrou com as mãos, com os lábios,
com a boca e o corpo, que Zoe qualquer
coisa, menos arruinada. Repetidas
vezes, até que ela se sentisse mole e ele
estivesse rouco, e só conseguissem se
abraçar, entorpecidos.
Depois que ele lhe provou mais uma
vez, com bastante ênfase, ela ficou
deitada sobre dele, pele nua contra pele
nua, a cabeça aconchegada em seu
pescoço, sentindo aquele cheiro fresco e
inebriante. Era o máximo que já havia
sentido de segurança em muito tempo, e
ela se permitiu fingir, na penumbra de
seu quarto, em seus braços, que coisas
assim podiam durar. Que isso tudo era
real, quando na verdade sabia que não
era.
Essa noite, ela fingiu.
– Você está bem? – perguntou ele, e
Zoe percebeu que devia ter feito algum
barulho.
Ela se aconchegou mais a Hunter,
como uma mulher nos braços do seu
amado. Como se isso fosse possível.
– Demônios exorcizados – ela
murmurou contra sua pele, e o engraçado
era que quase estava acreditando que
era verdade.
E foi então que Zoe se deu conta do
que acontecia com ela. O que já havia
acontecido. Não imaginara que isso
poderia acontecer, por isso nunca se
preocupara em se proteger.
Mas tudo tinha um sentido muito
louco.
Sua
atração
selvagem,
desgovernada por esse homem quando
por mais de dez anos ficara imune a
qualquer atração. O fato de ela tê-lo
deixado se aproximar do jeito que
fizera, virando o jogo em seu próprio
escritório. De ter deixado nela uma
marca, e ela não ter odiado. De ter
inventado uma razão porque devia
dormir com ele. De ela ter contado o
que lhe acontecera e só ter ficado
chateada por medo de ele não a querer
mais.
Não por ter contado seu segredo. Não
por ter ficado exposta. Mas sim por
Hunter poder considerá-la menos.
Ficara louca por Hunter Grant desde
que o vira pela primeira vez.
Como não se dera conta disso até
agora?
– Você passou a última década
mergulhado em autopiedade – disse ela,
as palavras saindo de sua boca antes que
pudesse pensar, afiadas, cheias de
acusação.
Mas ele era Hunter, por isso só deu
uma gargalhada.
– Fiquei mesmo – concordou ele, num
tom suave demais. – Como você já disse
isso um milhão de vezes.
Ela ergueu-se um pouco para poder
encará-lo.
– Toda aquela luta e o desfile de
mulheres fáceis; o que era aquilo?
– Minha punição – disse ele
lentamente, e seu olhar fez Zoe sentir um
aperto no coração. – E não foi nem a
metade do que eu merecia.
Ela não desviou o olhar. A distante
noite de dezembro surgiu entre os dois,
tão real que Zoe sentiu como se pudesse
tocá-la. No entanto, não tinha a menor
vontade de fazer isso.
Mas sabia muito bem como eram os
fantasmas. Como eles envenenavam o
espírito. Como cresciam.
– Você a amava? – Zoe não sabia bem
por que perguntara aquilo, nem se queria
saber a resposta.
Hunter respirou com força e, de
repente, parecia que não estavam
próximos o suficiente. Mas ela não
conseguia se mexer, e os braços dele ao
seu redor, apertados, mantinham-na
firme onde estava, grudada nele como se
fizesse parte de seu corpo.
– Eu tinha dezoito anos quando a
conheci – Hunter disse depois de um
tempo. – Vinte e três quando a perdi.
Nós nos separamos e voltamos uma
centena de vezes nesse período. Éramos
muito jovens. Se Sarah tivesse vivido,
se não tivesse se metido com Jason
Treffen… – Suspirou. – Ela era
gananciosa, ambiciosa, impetuosa, e eu
não era assim. Acredito que mais cedo
ou mais tarde Sarah me deixaria por
alguém que fosse igual a ela.
Ele deu um sorriso meio forçado,
silencioso.
– É – disse Hunter –, eu fiz isso. Fiz
mesmo. – Depois olhou para Zoe,
observando-a.
Zoe teve a estranha sensação de estar
caindo num redemoinho, como se tudo
estivesse girando ao seu redor, mas, em
vez de se sentir mal, queria ser levada
por ele.
Era a mesma sensação que tivera no
escritório, que parecia ser há tanto
tempo.
Pelo menos agora ela sabia por quê.
– Eu não sou Sarah.
Ela não queria ter dito aquilo daquele
jeito, tão rígida e irritada, mas não
conseguia esconder o pânico, a onda de
desespero que ameaçava arrastá-la para
a escuridão. Era como se estivesse se
desmanchando em pedaços ali em seus
braços, em cinzas e poeira que poderiam
ser levadas pelo vento.
– Eu sei – disse Hunter lentamente
sem desviar os olhos azuis dos dela.
– Você também não pode me salvar –
replicou, como se ele tivesse discutido
com ela.
Havia alguma coisa vermelha dentro
de Zoe, quente e perigosa, e pela
primeira vez em anos ela não tinha
nenhuma estratégia. Nenhum plano. Só
sentia a dor. Amava-o e sofria.
– Não preciso do seu cavalo branco,
ou da sua piedade ou qualquer coisa que
seja. Não posso ajudá-lo a trazê-la de
volta à vida. Está me entendendo?
Hunter se mexeu como se, de repente,
ela tivesse cravado alguma coisa
pontuda e mortal no seu corpo.
Zoe deixou que ele colocasse a mão
no seu rosto, sentindo o calor, a força
daquela mão, e, por Deus, nunca desejou
tanto que eles fossem pessoas diferentes.
– Não tenho mais como ser salva,
Hunter – disse ela com a voz
entrecortada, revelando tudo. Toda a
confusão dentro dela, os escombros, as
sombras e os arrependimentos, e a
terrível vergonha. – Não tem jeito.
– O fato é que eu tenho quase certeza
de que você já salvou a si mesma.
Sua pele contra a pele dela. Sua mão
tão gentil. Seus olhos tão azuis que
dominavam o mundo todo fazendo seu
coração parecer grande demais dentro
do peito, como se ele pudesse
transbordar, libertar-se, atravessar todo
o apartamento até a rua fria lá fora, e ela
sabia que isso não podia durar. Sabia
que não podia permitir. Mas aqui, agora,
Zoe não podia evitar.
Apoiou-se na mão dele e se permitiu
fingir.
– Ainda não – ela sussurrou.
AP ÓS ALGUNS dias de planejamento
intenso, eles foram levados à luxuosa
sala de conferências no andar mais alto
de Treffen, Smith e Howell por uma
jovem atenciosa cuja expressão
cuidadosamente inexpressiva fez o
estômago de Zoe doer. Porém, ao
mesmo tempo estimulou a raiva dentro
dela, fazendo com que lembrasse
exatamente por que estava fazendo isso,
por que tinha de fazê-lo.
Não valia a pena pensar na última vez
em que estivera nesse edifício, por isso,
ficou olhando pela janela, observando
Nova York brilhando lá embaixo ao
final da tarde, tão bonita e perfeita,
pintada de branco, como se fosse um
globo de neve, como se nada terrível
pudesse acontecer àquela beleza urbana.
Zoe nem tinha se dado conta de ter
produzido algum ruído até Hunter vir
para seu lado, passando-lhe sua força
sem ao menos tocá-la. Nesse momento
ela entendeu o quanto ia sentir falta dele,
de seu apoio, mas não podia pensar
nisso no momento.
– Tudo bem? – perguntou ele.
Ela escolhera a roupa para parecer
mais do que bem. Vestira-se para
arrasar, curvas acentuadas e azul-royal,
com a promessa de vingança em cada
linha. Nada submisso, ou subordinado,
ou amedrontado. Nada de roupa fúnebre
para ela, mas sim um traje que fazia com
que parecesse o anjo vingador em que se
transformara.
– Não. – Zoe o fitou rapidamente, se
sentindo confortada com o azul de seus
olhos, como sempre. – Mas vou ficar.
Estava tão perto agora. Tão perto. Sua
vingança se achava a um passo, e, pela
primeira vez em todos aqueles anos, ela
pensou no que poderia estar a sua espera
no outro lado. O que vinha depois da
vingança?
Nesse momento, Zoe ouviu a porta da
sala de conferências se abrindo atrás
dela e empurrou o pensamento para
longe. Depois lidaria com isso.
– Mas que surpresa! – Era a mesma
voz de sempre: gentil, paterna e com
toda a maldade por baixo.
O som daquela voz provocou náuseas
em Zoe, como sempre, mas ela já
esperava por isso. Aguardou até que
seus joelhos se firmassem, que seu
estômago parasse de se contrair, que a
automática onda de viscosidade se
dissipasse, e só então virou-se para
encará-lo.
Jason Treffen estava parado entre as
portas de vidro da sala de conferências,
sorrindo para ela do mesmo jeito que
sempre fizera. A mesma figura atlética,
elegante, usando um terno italiano. A
mesma colônia cítrica que fazia com que
Zoe se sentisse enjoada. Os mesmos
olhos apagados, frios, que lembravam os
de um réptil.
Em seguida ele virou-se para Hunter
como se Zoe fosse insignificante.
Invisível.
Mas ela também já esperava por isso.
Não conseguia evitar a já conhecida
onda de autodepreciação que isso
sempre lhe provocava. Com certeza, ele
agira de propósito, o desgraçado. Mas
ela sabia que isso ia acontecer, fato que
a ajudou a manter o sorriso frio.
– Hunter! – disse Jason, caloroso. –
Estou muito feliz por você aparecer
aqui. Faz muito tempo. Só tenho alguns
minutos esta noite, mas se você vier até
minha casa…
– Como nos velhos tempos? –
perguntou Hunter brandamente. Muito
brandamente. – Vamos jogar um pouco
de sinuca, beber uísque e rir muito
enquanto você me fala como minha vida
poderia ser se eu seguisse seu
maravilhoso exemplo?
Zoe observava Jason absorver aquilo.
A ironia e a ferocidade escondidas na
entonação de Hunter, contrastando com
o jeito dele parado perto dela, com o
ombro encostado na parede como se
estivesse perfeitamente à vontade.
– À exceção disso, você é bem-vindo
a marcar um encontro comigo aqui.
Sempre tenho tempo para você, Hunter.
– Ele continuava gentil, educado.
A sutil ênfase na palavra você, como
se fosse embaraçoso que Hunter tivesse
trazido uma criatura tão vil quanto Zoe,
mas Jason era educado demais para
mencionar isso.
Era um mestre nesses jogos. Sempre
fora. De certa maneira Zoe aprendera
mais com ele do que se permitia admitir.
E o benefício trazido por isso era que
Jason, sem querer, ensinara tudo que ela
precisava para derrotá-lo.
Como ele estava para descobrir.
– Hunter deve marcar esse encontro
com Iris? – perguntou Zoe, muito
tranquila, como se não notasse toda a
tensão que corria entre os dois homens.
– Não é esse o nome da garota que nos
trouxe aqui? Eu tenho certeza de que o
vi com ela numa festa não muito tempo
atrás, Jason. Você lembra?
Havia um brilho nos olhos de lagarto
de Jason, uma irritabilidade diferente
naquele sorriso, e Zoe soube que o
surpreendera, porque ela o chamava de
sr. Treffen quando ele era seu dono; e
também por ser a primeira vez em muito
tempo que ela iniciava uma conversa
com ele.
Mas Jason olhou para Hunter quando
respondeu:
– Iris é uma assistente legal, não uma
secretária. Ela não agenda meus
compromissos.
Assistente legal, pensou Zoe. Um
título tão presunçoso para um buraco tão
profundo, tão escuro e pernicioso.
– Quem o faz? – perguntou Hunter
naquele tom ilusoriamente suave.
Ele parecia muito grande e perigoso,
mesmo em um de seus ternos caríssimos
feitos para fazê-lo parecer jovial em vez
de mortal. Hunter parecia um animal
fora da jaula fingindo ser domesticado,
com Nova York atrás dele como se
fosse uma capa poderosa e gloriosa.
Zoe sabia que nada disso passava
despercebido a Jason.
– Quero dizer, quem agenda seus
compromissos?
Jason inclinou a cabeça de leve para
o lado, como se estivesse vendo Hunter
pela primeira vez.
– Você veio mesmo me ver depois de
todos esses anos para discutir sobre
minha equipe de apoio?
– Isso depende do tipo de apoio de
que você acha que estamos falando. Vou
dar uma pista: não é clerical.
Jason o olhou por um longo e tenso
momento, depois fitou Zoe com aqueles
olhos de réptil. Ela se forçou a respirar,
a realmente sustentar o olhar daquele
homem depravado.
Não o salvador que ela pensara que
fosse quando o conhecera. Não o
monstro terrível em que ele se
transformara. Não o atormentador que
fora por todos aqueles anos, aparecendo
quando ela menos esperava, magoandoa, ameaçando-a e aterrorizando-a ao seu
bel-prazer,
para
seu
próprio
entretenimento doentio.
Hoje, Zoe escolhera vir ali. Ele não
tinha com que ameaçá-la. Era apenas
mais um homem. Um homem terrível,
ainda embriagado pelo seu próprio
poder, mas só um homem.
E ela estava diferente das outras
vezes em que Jason dera um jeito de
encontrá-la.
Ela
se
sentia
fundamentalmente diferente, porque
agora que a náusea passara, ele
parecia... menor, mais velho, e,
comparado a um homem do tamanho de
Hunter, frágil e quebradiço.
Então ela encontrou seu olhar sem
piscar e sorriu.
– O que é isto? –perguntou Jason,
voltando a fitar Hunter, bem devagar. –
Não o vejo há mais ou menos uma
década, e isto esta parecendo muito com
um ataque. Ainda mais levando-se em
conta a companhia na qual você está.
– Isto não é um ataque – disse Hunter
naquele mesmo jeito macio e perigoso. –
Acredite, você saberia se eu o estivesse
atacando.
– Espero esse tipo de ataque de
Austin – disse Jason. – Ele sempre foi
uma grande decepção, como tantos
filhos são para seus pais. Assim como
você deve ter sido para o seu durante
suas inúmeras escapadas. Isso é um
terrível clichê. Mas confesso que
esperava mais de você.
– Não imagino o motivo. – Hunter
sorriu dessa vez, porque eles também
tinham
planejado
isso:
Austin
praticamente dissera, palavra por
palavra, o que seu pai diria. – Fiz de
tudo para que não gostassem de mim.
Todo
aquele
comportamento
antiesportivo, os ataques de raiva na
frente de todos... Minha completa falta
de caráter é minha aquisição especial de
adulto.
– Não se espera que homens como
você tenham muito caráter – concordou
Zoe naquele seu jeito que deixava os
clientes inquietos e, pelo visto, tinha o
mesmo efeito sobre Jason.
– Eu não preciso mesmo de caráter,
preciso? – Hunter sorriu para ela.
O sorriso dele fez com que Zoe
lembrasse de que não estava sozinha.
Que tudo isso era parte da estratégia.
Que entre eles, e com a ajuda de Austin
e Alex, tinham antecipado cada
movimento do Jason.
– Eu posso deixar o futebol falar.
Meu braço arremessador sempre foi
muito eloquente.
– E essa é a beleza disso – replicou
Zoe, e virou-se para Jason. – Imagine se
Hunter tivesse entrado sem querer num
cenário de construção de caráter. Se
tivesse se tornado um novo homem aos
olhos do mundo. Visto a luz, se você
preferir, e assim se aliviado do peso da
vida terrível que levara até então.
– Minha própria estrada para
Damasco – completou Hunter, porque
amava seus santos, e Zoe teve de conter
uma risada.
Jason suspirou.
– Zoe é um aborrecimento, Hunter.
Garotas assim servem para serem
usadas, não para desfilarem carregando
você numa... digamos... coleira. – Jason
sacudiu a cabeça como se estivesse com
pena de Hunter, como se Zoe fosse
radioativa. – Isso é embaraçoso.
– Ainda não – ela afirmou.
Será que ele estava ciente de que
Hunter mudara ao lado dela? Que
parecia estar prestes a atirar Jason pela
janela? Ou queria provocar tal
violência?
Ela entendeu que era o que ele queria.
É claro que queria. Aí Jason poderia se
fazer de vítima e processar.
– Nós ainda nem chegamos à parte
boa.
Jason deu-lhe um sorriso mortal.
– O que você acha que pode fazer
comigo,
sua
cadelinha?–
Jason
perguntou com voz calma, cordial, e
com aquela ameaça velada por trás. –
Pensa que pode me ameaçar? A mim?
Você deve ter esquecido tudo que lhe
ensinei.
– Ao contrário – disse ela,
suavemente. – Esta sou eu usando cada
uma das suas lições.
– Chame-a de cadela novamente –
disse Hunter sociavelmente, mas tão
tenso e furioso por trás daquele
semblante calmo que os cabelos da nuca
de Zoe se arrepiaram –, e eu quebro
cada osso no seu corpo.
Mas Jason apenas riu, ainda com o
mesmo jeito paternal e simpático de
sempre, o que fez com que o que disse a
seguir soasse ainda pior:
– Se você fosse outro tipo de homem,
talvez sua namorada não tivesse de se
prostituir e depois se matar para poder
se afastar de você, dez anos atrás.
Devemos falar sobre isso?
Zoe teve ímpetos de matá-lo. Hunter
não reagiu, mas ela sentiu a agressão
daquele golpe; a ferroada e o desejo de
sentir o sangue de Jason Treffen
explodiu dentro dela, elétrico e meio
aterrorizante.
Estava na hora de acabar com aquilo.
De acabar com ele.
– Você não vai falar mais nada, Jason
– ela afirmou com uma satisfação que
demorara dez anos para acontecer, e
sentiu como se Sarah e todas as outras
garotas que ele desgraçara estivessem
ali com ela; cada uma delas sendo uma
parte disso. – Você já fez bastante. O
que você vai fazer é deixar esta firma.
Seus dias como advogado estão
terminados. Você está acabado.
Fez-se um silêncio intenso, mas curto.
Em seguida, Jason soltou uma
gargalhada maior que antes, e sem
cordialidade alguma. Virou-se em
direção à porta dispensando-a como se
fosse algo que ele nem notava. Abaixo
de qualquer crítica.
Zoe esperou até ele botar a mão na
maçaneta da porta.
– E se não for por vontade própria –
avisou sem fazer nenhum esforço para
esconder seu contentamento –, vai me
obrigar a chutá-lo para fora daqui.
Suas palavras tiveram a resposta que
ela esperava. Outra gargalhada, e então
Jason virou-se para encará-la, frio e
divertido. Nada além de desafio naquele
olhar vazio.
– Eu gostaria de vê-la tentar.
CAPÍTULO 10
JASON
chegou a dizer a palavra
“cadela”, mas ela ficou no ar, cruel,
maldosa, se conectando ao reservatório
de vergonha dentro de Zoe como um
chute no estômago.
Ela respirou tentando se acalmar e
esconder de Jason que ele a atingira.
– Eu estava esperando que você
dissesse isso – disse Hunter,
endireitando o corpo e olhando
ostensivamente para seu relógio
caríssimo. – Tenho uma reunião com
NÃO
sócios participantes da empresa em
quinze minutos. Dado o número de
processos que já enfrento, como tenho
certeza de que você sabe, sou meio que
considerado a galinha dos ovos de ouro.
Eles gostam de me deixar feliz. Todas
aquelas horas faturáveis e a fortuna que
pago para eles.
– Você está ameaçando me
processar? – Jason girou os olhos como
se tudo aquilo o deixasse entediado. –
Não pode simplesmente sacudir a mão e
criar um processo do nada, Hunter! As
cortes judiciais tendem a torcer o nariz
para isso.
– Eu sei que sou apenas um bobalhão
– Hunter replicou com o sorriso
magnético que usara milhares de vezes,
em várias conferências com a imprensa,
e Zoe o amava, profunda e
aterradoramente –, mas ainda sei ler.
Você se lembra dos termos que redigiu
no contrato de sociedade, não é? É
preciso certo número de sócios
participantes para retirar um dos seus
pares. Eu li tudo sozinho.
Jason já não mais sorria.
– Isso nunca vai acontecer.
– Ah, vai! – Zoe sorriu – Acredito
que os sócios aqui estão bem cientes de
sua pequena empresa paralela. Garanto
que nenhum deles gostaria que Hunter
fizesse desta empresa a pedra
fundamental da sua reabilitação, assim
como discutir sobre suas atividades
como cafetão não deixará a associação
de advogados satisfeita. Isso sem falar
nos clientes que não gostarão de ter seu
relacionamento com um cafetão
comentado na imprensa. Estou apenas
supondo.
– Quem você acha que vai acreditar
em você?– Jason já não estava mais
fingindo.
A verdade sobre quem ele era de fato
se estampava agora no seu rosto
contorcido, furioso, feio, e ele deu um
passo na direção de Zoe como se ainda
estivessem na década passada e pudesse
usar as mãos se quisesse.
Uma parte dela queria que ele fizesse
isso, pois descobriria que as coisas
tinham mudado.
– Caso tenha esquecido, Zoe, você
não passa de uma prostituta, o que, aliás,
eu vou ficar muito feliz de contar para o
mundo todo.
Hunter tornou a ficar tenso, e seu
olhar azul era homicida. Mas Zoe deu
um passo à frente, porque tudo se
resumia a esse momento. Fantasiara
sobre ele durante anos. Fizera planos e
esquemas em sua imaginação um milhão
de vezes. Até mais.
E estava muito melhor do que ela
esperava.
– Não tenho mais medo de você –
disse ela ao arquiteto de sua vergonha
mais profunda e sombria, o monstro
embaixo da cama, esse homenzinho
diminuto que se alimentava dos fracos
como uma ave de rapina. No entanto,
Zoe não era mais fraca. – Não sou eu
quem está para receber um prêmio pelo
conjunto da carreira. Não sou eu quem
construiu uma brilhante reputação
baseada inteiramente na percepção de
que sou boa, gentil e profundamente
voltada à caridade. Posso fazer Hunter
contar ao mundo toda sua história
sórdida, e o que isso significará para
mim? Ninguém me conectará a isso,
mas, mesmo que o façam, você ainda
ficará manchado. – Inclinou-se de leve
para adiante. – Maculado. Para sempre.
– Ninguém prestará atenção a uma
palavra sua. – Jason não se mostrava
mais calmo como antes, e muito menos
divertido.
– Mas devem ouvir a mim – disse
Hunter com o mesmo jeito que
costumava falar para as câmeras. – O
fato é que estou mudando minha vida.
Enxerguei a luz. Não sou mais um astro
do futebol. Deixei minha família mal e
traí todos os meus fãs. Sou o tipo de
cara que é bom só em uma coisa, e é por
isso que decidi ser o treinador de
futebol do Edgarton High. De graça, até
ganharmos um campeonato.
Jason estreitou os olhos e Zoe ficou
exultante ao ver gotas de suor na sua
testa.
– Você já ouviu falar de Edgarton,
não é? – Hunter perguntou. – Não é um
grande local ou um grande time, para
dizer a verdade. Se não me engano
faltam poucos anos para o campeonato
estadual. E, é claro, Sarah era de lá.
Mas tenho certeza de que você sabe
disso.
– Sarah Michaels era uma
desclassificada – Jason afirmou,
agressivo. – Veio de uma família inteira
de perdedores. Eu lhe fiz um favor. Pelo
menos o tipo de prostituição que ela fez
para mim lhe rendeu dinheiro. Sarah
teria feito bem pior, e por muito menos,
se tivesse ficado naquele lugar imundo.
– Aposto que esses foram seus
últimos pensamentos – disse Zoe com a
entonação
deliberadamente
suave
contrastando com a tensão na sala e
mantendo o olhar no inimigo. Quase lá.
Quase. – Gratidão por toda a sua ajuda.
Zoe ficou imaginando se Sarah
saberia de alguma maneira, se ela
estaria por ali em algum lugar vendo o
que a amiga estava fazendo.
Sarah, que foi sua primeira amiga em
Nova York. Sarah, que esteve ao seu
lado quando as coisas ficaram tão
sinistras. Sarah, que amara Hunter tanto
a ponto de deixá-lo fora de sua
corrupção. Ela achava que Sarah a teria
apoiado.
Zoe observou que Jason respirava
mais pesadamente, ajustava a gravata e
alisava o paletó.
Nervos, ela pensou com grande
satisfação. Até que enfim Jason estava
se mostrando de verdade.
– Você tem dez minutos para decidir
se irá se aposentar, ou levar um pontapé
e ser jogado para fora – informou Zoe,
rompendo o silêncio tenso. – E preciso
dizer uma coisa: não importa a sua
escolha. Eu vou ganhar de qualquer
maneira.
Jason a encarou, e ela sustentou seu
olhar. Quase valeram a pena todos
aqueles anos de sofrimento só para ver
aquela centelha de desconforto nos
olhos dele. Uma centelha muito próxima
do medo.
– Eu gosto de vencer, Jason.
Congratule-se. Foi você quem me
ensinou como fazer.
Jason estava parado feito uma estátua,
e Zoe quase podia ouvir sua mente
fervilhando, procurando uma maneira de
virar o jogo, uma estratégia que o
fizesse sair o vencedor.
Zoe deu uma olhada rápida para
Hunter, que balançou a cabeça quase
imperceptivelmente em apoio, mas ela
sentiu o calor explodir dentro de si,
como se fosse um dos seus sorrisos.
– Acabou o tempo – avisou Hunter,
muito calmo após dez longos e amargos
minutos de silêncio. – Tenho uma
reunião.
Jason ficou quieto por um momento, e
Zoe pensou se não tinham julgado mal,
se não teriam calculado errado.
– Eu deixo a firma – Jason acabou
dizendo, com a voz carregada de ódio
em cada sílaba, o rosto contorcido, seus
olhos, parecendo olhos de pesadelo.
Mas Zoe tivera esse mesmo pesadelo
durante anos. E o superara.
– Mas eu vou dizer à mídia as minhas
próprias razões para fazer isto.
– Não me importa o que você dirá. –
Zoe não fazia o menor esforço para
esconder sua satisfação. Seu triunfo. –
Desde que deixe esta firma e todas as
suas vítimas para trás. Pois, que fique
bem claro: seus dias de cafetão
terminaram. Você sairá desta firma e
dirá adeus ao seu círculo. Vai perder
tudo, exceto seu bom nome. Assim como
todas nós perdemos no dia em que você
“se interessou” por nós.
Jason olhou para ela com desprezo, e
Zoe conhecia aquela expressão.
Conhecia
aquele
homem.
Esse
homenzinho nojento que era tão vaidoso
que acreditava que eles iriam deixá-lo
com alguma coisa. Espere para ver,
pensou ela.
– Se eu fosse você ainda não abriria o
champanhe, Zoe – ele afirmou, com um
ódio mortal na voz. – É preciso mais
que isso para ser melhor que eu. Sou
adorado pela cidade inteira. Pelo país.
Esses joguinhos de vocês não vão mudar
isso.
Porém, Zoe já contava com isso.
Todos eles contavam com isso.
– Está na hora de falar com seus
sócios. – E esboçou um enorme sorriso
de satisfação, porque estava acabado.
Ela estava livre.
LIVRE! E isso a deixava boba,
sentimental e leve.
Ou talvez fosse por causa de Hunter.
Naquela primeira noite ela não
conseguia se controlar. Jason saiu da
firma de advocacia como tinham dito
que ele fizesse, e ela e Hunter se foram,
caminhando juntos, daquele edifício
detestável. Deslumbrados. Vitoriosos.
Antes de ela se dar conta, estavam
dentro de um táxi, e Hunter a puxou para
o colo, beijando-a repetidas vezes,
como se ela fosse uma maravilha.
Como poderia Zoe resistir a esse
homem que a ajudara durante todo o
processo até o dia de hoje? Como
poderia não desfrutar dele?
Só mais essa última vez, Zoe disse a
si mesma enquanto o táxi seguia para o
sul.
Hunter a beijava profunda, lenta e
longamente, como se não quisesse fazer
mais nada. Como se não existisse mais
nada além da sua boca sobre a dela, da
dança de línguas, dentes e desejo, suas
mãos segurando a cabeça dela e o corpo
forte dele embaixo dela, ao seu redor.
Era como se isso nunca fosse acabar,
mas Zoe sabia que não era assim.
E na manhã seguinte, Jason Treffen se
encontrava em todas as notícias, com
seu ar magnânimo, falando como
decidira que estava hora de deixar a
prática da advocacia de lado para se
dedicar melhor à caridade.
Nas entrelinhas era possível ler:
“Não sou o homem mais maravilhoso do
mundo?”
– Não era bem isso que eu imaginei
durante esses últimos dez anos –
comentou Zoe, em pé na cozinha que
parecia nunca ter sido usada por Hunter,
roubando pedacinhos da rosca dele.
Ela vestia apenas uma das camisetas
de Hunter, que batia na metade de suas
coxas, fazendo com que parecesse
pequena e querida, como uma namorada
amada, mas Zoe sabia que não era bem
assim. Sabia que não era bem esse o
tipo de intimidade que isso sugeria, ou a
maneira como ele sorriu quando deu
uma batida em sua mão como se fossem
pessoas normais.
Mas aquela parte sentimental e
doentia dela queria sentir como era ser
normal. Não importava o quanto fosse
doer depois.
– Ele vai ter o que merece – disse
Hunter parado em toda sua gloriosa
elegância na ilha central, tomando um
gole de café e depois apontando a
caneca na direção dela. – Prometo. Alex
espera há anos a oportunidade de acabar
com Jason. Você não viu aquele repórter
perguntar se havia problemas no
paraíso? O divórcio, deixar a firma,
mudar toda a sua vida em tão pouco
tempo...
– Eu vi Jason descartar tudo aquilo
fingindo que tudo tinha sido ideia
própria – replicou Zoe, sombria. –
Principalmente porque ele é tão bom,
amável, moral e correto. E os vi engolir
tudo o que ele disse, como sempre
fazem.
– Há brechas em todos os lugares
para onde Jason olha, Zoe. É só uma
questão de tempo. Você o destruiu. Não
vai demorar muito e a fachada que ele
construiu vai ruir.
E Hunter era tão aberto, tão brilhante
que a culpa tomou conta de Zoe. E ele
percebeu. Ele enxergava tudo. Por um
segundo aquele brilho azul de seus olhos
a deixou sem ar.
– Você vai me dizer o que está
errado, Zoe?
Sorrir estava mais difícil do que
deveria, assim como empurrar para
longe aquela onda de sofrimento e
forçar-se a se sentir como deveria
depois da noite que tiveram. Depois do
que fizeram.
Pelo menos, feliz, o que quer que isso
fosse.
– O que poderia haver de errado? –
perguntou ela, mas viu que seu tom
suave não o convencera.
Nesse momento o porteiro ligou
avisando que tinha uma entrega para
Hunter, o que a salvou de ter de
continuar fingindo.
Austin mandara flores para Hunter.
Flores épicas. Delicadas tulipas e
todos os tipos de lírios, orquídeas,
cactos e crisântemos rechonchudos. Uma
explosão de hortênsias azuis, roxas, rosa
e brancas.
Quando o desfile colorido enfim
terminou, o apartamento de Hunter
estava lotado de flores. Eles ficaram
parados na sala de estar, que era estéril
e agora explodia com tantos matizes que
era quase estonteante, sem falar nos
perfumes se misturando.
– Será que ele pensa que perdeu seu
funeral? – perguntou Zoe.
Hunter deu uma gargalhada. Uma
verdadeira gargalhada, contente e
inebriante. E Zoe viu, de repente, quem
ele poderia ter sido. Quem ele seria de
novo assim que tudo isso ficasse para
trás.
Se Sarah Michaels tivesse ido para
uma firma diferente depois da faculdade.
Se ele houvesse passado a última
década fazendo outra coisa que não
lamentar-se em público, deixando todos
perceberem e odiá-lo da mesma forma
que ele odiava a si mesmo. Se ela nunca
o tivesse perseguido e arrastado para
dentro de seu círculo, para dentro dessa
confusão terrível...
Sarah o amara o suficiente para
deixá-lo partir. Como Zoe poderia agir
diferente?
Mas mesmo agora que via claramente
o que tinha de fazer, não conseguia,
porque Hunter a ergueu e colocou suas
pernas ao redor de sua cintura, e quando
a largou de novo, Zoe já esquecera tudo
que não fosse o prazer ardente das mãos
dele no seu corpo. O seu torso
deslizando contra o dela.
Hunter beijou sua boca, sua face, suas
pálpebras, como se ela fosse a
comemoração. Sua boca perfeita deu um
sorriso arrebatador que fez o sangue
dela parecer lento e ardente em suas
veias. Zoe, então, se apoiou nos dedos
dos pés, passou os braços ao redor de
seus ombros largos e beijou-o também.
Repetidas vezes, até que não ser mais
possível dizer quem estava beijando
quem, era apenas calor, desejo e eles.
Uma última vez.
Zoe
o
explorou
lentamente.
Memorizando-o nas pontas de seus
dedos, em seus lábios. Demorou-se ali,
para que tivesse o que lembrar.
Arrancou-lhe as roupas, saboreando
cada pedacinho de pele dura e suave ao
mesmo tempo.
E ela não se importava de estar
descalça e toda amarrotada, o cabelo
despenteado, porque ele a deitou no seu
sofá branco e mexeu-se sobre ela como
se fosse a mulher mais linda do mundo.
E mesmo sabendo que não, Zoe se
deixou acreditar nisso. Só por agora.
Demonstrou isso em seu beijo e deixou
que ele visse em seu rosto.
Era como se não conseguisse evitar.
Hunter mordiscou seu lábio inferior
no momento em que sua rigidez tocava
seu centro, insistente e exigente, onde
ela era macia e derretida, provocando-a.
Fazendo os dois estremecerem.
Falou o nome dela e penetrou-a, firme
e profundo. Depois, rolaram, e ela ficou
por cima. Ele também sentou-se,
colocou as mãos na cintura dela, e foi a
vez de Zoe se mover, cavalgá-lo,
provocá-lo, guiá-lo fundo nela e recuar,
se contorcer e dançarem os dois até o
êxtase.
– Eu te amo – Hunter se declarou,
enquanto a levava direto para dentro
daquele fogo.
E Zoe se partiu inteira, em tantos
pedaços que sabia que nunca mais seria
a mesma, sobretudo quando ele falou
novamente quando a seguiu.
Porém, quando ela conseguiu voltar a
respirar, as palavras dele ainda
ecoavam dentro dela, como um desejo,
como uma prece, e Zoe soube que
chegara a hora.
Já havia passado da hora.
– Vamos – disse Hunter com a boca
em seu pescoço e aquelas mãos
possessivas ainda segurando-a contra
ele. Ele ainda estava dentro dela, e Zoe
se sentia tão infeliz que parecia estar
sendo rasgada por dentro, como se
algum órgão estivesse falhando. –
Preciso de um banho.
Zoe afastou-se dele, e sentar-se no
sofá foi muito mais difícil do que
deveria ser. Afastar-se dele. Sair do
sofá. Fazer essas coisas que ela não
queria, mas era obrigada. Não tinha
escolha.
Ela nunca tivera a menor chance.
– Estou indo – disse Zoe com
dificuldade e rápido, porque não tinha
certeza de conseguir dizer isso de outra
forma. – Preciso ir.
Hunter era a coisa mais tentadora que
já vira, esticado no sofá branco que
destacava ainda mais o espécime
perfeito que ele era. Como se tivesse
sido esculpido em mármore, coberto de
bronze. Seus olhos eram mais azuis que
qualquer dia na Califórnia, e olhavam
preguiçosamente para ela agora.
Indulgentes.
– Certo. –Ele não entendera. – Aonde
você vai? E... você está nua.
– Está acabado. – Zoe sabia que
soava muito rígida. Muito esquisita. –
Desejei vingança por mais de uma
década, e conseguimos. Mas não há
razão para continuar com isso.
Zoe não sabia como chamar aquilo, e
ele estava se levantando do sofá com
aquele olhar estreitado, e ela sentia
como se não conseguisse respirar.
– Eu quero lhe agradecer, é claro.
– Não.
– Não agradecer?
– Não faça isso.
Zoe percebeu que Hunter entendera
pelo olhar que lhe lançou, como se ela o
estivesse matando. Pela sua voz, que
saiu sombria e rouca.
– Além disso – disse ela tentando se
mostrar animada, mas achando que
soava psicótica –, você tem a
capacidade de concentração de um
mosquito. Todos sabem disso. Você
merece uma ou duas atrizes depois de
seu trabalho duro, não acha?
– E não finja que isso tem a ver
comigo.
Zoe não conseguia mais encará-lo.
Encontrou seu vestido azul-royal
amontoado embaixo da escada espiral e
sentiu-se melhor quando o vestiu.
Derrubara um monstro com aquele
vestido.
Poderia sobreviver a essa batalha
também.
– Eu te amo – Hunter repetiu.
Mas isso era impossível.
– Não – disse ela, categórica –, não
ama.
Zoe não vira Hunter se mover, e agora
ele estava lá, parado a sua frente, bravo
e magoado, e ela odiou vê-lo assim.
Odiou não poder fazer nada como
gostaria de fazer. Não podia ter isso.
Não podia ter Hunter.
Zoe estava furiosa consigo mesma por
ter fingido quando sabia a verdade.
Sempre soubera.
– Pode sair nua daqui, se quiser –
disse Hunter entredentes. – Não a
impedirei. Não a obrigarei a fazer algo
que não queira, Zoe. Nunca. – Sua
expressão era feroz, e isso a fez
amolecer e estremecer por dentro. –
Mas você não vai me dizer o que eu
sinto, droga!
– Você não sabe o que ele fez comigo,
Hunter. Não faz ideia do que ele fez.
Quantas vezes eu fiz isso. O que
aconteceu comigo.
– Você fez o que tinha de fazer para
sobreviver – Hunter afirmou, sem
rodeios. – Acha mesmo que eu vou
culpá-la por isso?
– Talvez não agora. Mas irá. É
inevitável.
– Não há nada que você possa me
contar que me faria querê-la menos –
disse Hunter com a voz rouca e aqueles
olhos azuis fixos nos dela. – Nada.
– As pessoas dizem isso, mas aí
escutam coisas que não podem deixar
passar.
– Com quem você está falando? –
censurou-a, gentil. – Você sabe de
algumas coisas que eu fiz. Havia vários
tabloides dedicados a elas.
– Foi sua escolha fazer o que fez.
– O que faz de mim um idiota. E faz
de você uma…
– Vítima? Sobrevivente? Prostituta? É
tudo a mesma coisa. Marcada e
modificada, diferente de todo o mundo.
Destruída.
– Linda – contradisse ele de maneira
suave e enfática. O jeito como Hunter a
fitava era como se a estivesse tocando
com os olhos. Nas maçãs do rosto, nas
sobrancelhas.
–
Forte.
Sexy.
Deslumbrante. – A testa. A boca. – Você
não está destruída, Zoe. Mesmo que
tentasse, não seria destruída.
– Hunter! – Ela o amava. Era por isso
que tinha de ir embora antes que ele
visse as coisas que tanto queria
esconder, especialmente dele. – Não
posso fazer isso.
– Não pode ou não quer?
Zoe viu a vulnerabilidade nele, e isso
a rasgou por dentro.
– Ambos.
Hunter pôs as mãos nos quadris e
respirou profundamente como se
estivesse sem fôlego. Zoe queria tocá-lo
outra vez. Queria abraçá-lo; mas se não
fosse embora agora, sabia que desabaria
na frente dele, e não podia fazer isso.
Devia isso a Hunter. Um adeus no qual
ele pudesse acreditar para não ir atrás.
Como Sarah fizera uma década antes.
Dessa maneira Hunter poderia viver
sem a sombra de Jason Treffen. Zoe
podia ter conseguido sua vingança, mas
mesmo assim ele a destruíra. Não havia
como mudar isso. Hunter ficaria livre
daquilo tudo, por fim. Queria isto para
ele. Para um dos dois.
Começou a caminhar em direção à
porta, mas não pôde deixar de parar
quando ele a chamou, como se seu corpo
estivesse conspirando contra ela.
– Eu amo você – Hunter tornou a
repetir, mais forte e dolorido do que
antes, como se estivesse se destruído
por dentro. – Isso não vai mudar só
porque você não quer acreditar. Isso
nunca vai mudar.
– Você ama um fantasma. – Zoe se
virou para ele e se odiou quando
estremeceu ao ver a expressão em seus
belos olhos, em seu rosto perfeito. – Ela
morreu há dez anos, Hunter, e eu não sou
sua substituta.
– Posso ver a diferença.
Havia raiva misturada com mágoa em
suas palavras, e assim estava melhor.
Zoe disse a si mesma que tinha de ser
melhor.
– Sarah desistiu. Você não. Você
lutou. Você não é nada parecida com
ela.
Zoe apontou com a cabeça as flores
que os rodeavam, que os cercavam com
seu perfume. Como o seu próprio
despertar.
– Seus amigos também a perderam.
Você deveria lhes dar uma chance.
– Isto não tem nada a ver com a
Sarah, nem com eles – retrucou ele. –
Acha que sou estúpido?
Aquilo a feriu.
– Evidente que não, Hunter.
– Então pare de me tratar como se eu
fosse um abobado. Sei o que você sente
por mim. E sei o quanto isso deve
aterrorizá-la.
Zoe via o quanto ele lutava consigo
mesmo, as mãos fechadas em punhos ao
lado do corpo. Sabia muito bem o
quanto era difícil para Hunter não vir até
ela,
porque
sentia
o
mesmo.
Necessidade e desejo corriam por
dentro dela, exigindo que não fizesse
isso.
Mas o medo era pior. E sabia que não
conseguiria fazer isso de novo, não
podia confiar em si mesma. Se amasse,
se confiasse, acabaria se enganando
sempre. Foi o que aprendera com seus
avós. Com Jason. Hunter merecia mais
que isso. Mais do que ela.
Zoe sabia que não importava o que
ele dissesse, ela estava tão destruída
que não tinha como se recuperar.
Destruída no que era essencial.
Hunter não ia querer isso. Ele queria
a garota que tinha amado muito tempo
atrás, que o abandonara antes que ele
descobrisse o que ela era, e não tinha
vivido para permitir que a escuridão a
transformasse... nisso.
– Você o nocauteou – Hunter
murmurou, mas tão intensamente que ela
sentiu um baque por dentro. – Não
permita que ele tire isso.
Porém, esse era o ponto, não era? Era
tarde demais. Sempre fora. Jason
Treffen arrancara o melhor dela uma
década atrás. O que Zoe deixara era
bom, e era dela, mas não era o que ela
deveria ser, não era o que Hunter
merecia.
Ela o amava o bastante para ver isso.
Zoe sorriu para Hunter, mas foi um
sorriso ácido que ele sentiu como se
fosse um soco direto no estômago. Zoe
viu que ele se encolheu e sentiu ainda
mais ódio de si mesma.
– Isto é a coisa certa a ser feita.
– Você está tentando convencer a mim
ou a si mesma? – retrucou ele.
E então, Zoe fez a única coisa que
podia fazer: foi embora.
NO DIA seguinte, Hunter dirigiu até
Edgarton horas antes do horário habitual
para o seu treinamento temporário.
Esperou até que as aulas tivessem
iniciado e só então entrou na escola para
evitar qualquer comoção. Não queria
que ninguém o visse antes de ele fazer o
que pretendia.
Sem segurança nenhum à vista, como
sempre na Escola Edgarton, Hunter
simplesmente
caminhou
pelos
corredores até encontrar a sala de Jack,
que parecia muito diferente parado em
frente ao quadro: mais alto e encantador.
Deve ser porque ele sabe que entende
tudo de matemática, pensou Hunter.
Assim como sabia quem era com uma
bola de futebol nas mãos. Era o que ele
sabia fazer, aquilo em que era bom.
Hunter podia estar andando sem
coração desde que Zoe o arrancara de
seu peito e o esmagara, mas ainda sabia
jogar. Sentia como se futebol fosse uma
coisa mágica e, já que desperdiçara boa
parte da sua vida sentindo pena de si
mesmo, decidiu usá-lo.
Hunter ficou no corredor até Jack vê-
lo, e fez um sinal com a cabeça pedindo
que saísse para falar com ele. Jack ficou
surpreso. Hunter ouviu-o erguer a voz
com a suprema confiança de um homem
que esperava ser obedecido em seu
domínio, e os alunos pararam de
conversar na mesma hora.
Jack fechou a porta da sala
suavemente e pigarreou várias vezes ao
se aproximar de Hunter. Olhou em volta
como se estivesse surpreso de Hunter
estar sozinho; ou, refletiu Hunter, talvez
apenas não se sentisse confortável em
olhá-lo nos olhos.
Isso fez com que Hunter se sentisse
um animal. Então, esforçou-se para
melhorar a postura, para deixar de lado
o grau de agressividade que achava
estar demonstrando automaticamente.
Talvez sempre tivesse demonstrado.
Talvez seja por isso que ela partiu,
pensou Hunter, e na mesma hora parou.
Sabia que não fora isso. Da mesma
forma que sabia que precisava deixá-la
fazer sua escolha. Ele prometera a Zoe
que nunca a forçaria a nada. Não podia
anular a promessa só porque as coisas
não saíram como queria. Ele não seria
melhor que Jason se agisse assim.
Mas Jack não relaxou, como se o
homem que comandava a sala de aula
tão facilmente fosse apenas um
personagem que ele interpretava.
E de repente Hunter se deu conta de
onde vira isso antes. Em si mesmo. Na
personagem
estúpida
que
ele
interpretara para os seus amigos mais
intelectuais, para o mundo todo, até lá
atrás, com a tremendamente esperta
Sarah, que ele acreditara que o estivesse
traindo com o homem mais inteligente
que conheciam: Jason. Hunter vinha
interpretando esse palhaço desde então.
E Zoe fora a única que não acreditara
no personagem.
Entender isso o deixou tão perplexo
que por um momento nem soube onde
estava.
– Eu sabia que esse dia iria chegar –
disse Jack, e seu jeito entristecido fez
Hunter voltar a si. – Está tudo bem. Vou
pensar em alguma coisa para dizer a
eles.
Hunter apenas olhou para ele, e Jack
pigarreou outra vez, mudando de um pé
de apoio para o outro.
–
Estou
deixando
você
desconfortável? – perguntou Hunter.
Jack pareceu surpreso, mas em
seguida sorriu.
– Só porque você tem a compleição
física de um tanque e poderia me
quebrar com uma mão só? Talvez dois
dedos? Mas não diria que isso me deixa
desconfortável. Cauteloso, sem dúvida.
Hunter achou que Jack continha um
sorriso.
– Precaução é bom.
– Eles não vão lhe agradecer, então
eu vou – disse Jack depois de um
minuto, com seu sorriso desaparecendo.
Ele se esticou, ajeitou os ombros
estreitos. – O que você conseguiu aqui
fez a diferença. Sei que tipo de
perspectivas têm esses garotos, e eles
também sabem. Eles levarão consigo o
que você fez por muito tempo.
Jack fez uma pausa e olhou
diretamente para Hunter.
– A única coisa que vão pensar sobre
você aqui em Edgarton é que você é um
herói, Hunter. É isso o que você é. Não
aquela história que saiu no SportsCenter
arrancada
de
velhos
colegas
decepcionados e invejosos. Espero que
saiba disso.
Demorou um bom tempo até que
Hunter recuperasse o fôlego preso pela
súbita pressão em seu peito, por aquele
punho poderoso ao redor de sua cabeça
que o fazia pensar que explodiria,
fazendo-o trair-se.
– Não sou um herói – afirmou, rouco,
quando achou que poderia falar. – Nem
de longe. Pode perguntar a qualquer um.
– Pergunte a Zoe, a quem não pude
salvar de si mesma. Ou a Sarah, a
quem nunca tentei salvar. – Só vim
aqui para criar uma boa imagem de mim.
Foi uma manipulação cínica desde o
início.
Jack não desviou os olhos de Hunter.
– Talvez tenha sido esse o motivo de
ter vindo, na primeira vez. Mas não foi
por esse motivo que você continuou.
Hunter não soube como lidar com
esse momento, tão simples e direto.
Apenas concordou com a cabeça e disse
a si mesmo que isso era suficiente.
– Eu me despeço por você. – Jack
engoliu em seco, enquanto voltava para
sua sala de aula. – Cuide-se, Hunter.
Foi aí que Hunter se deu conta do que
estava acontecendo.
– Jack! – Hunter chamou, antes que
abrisse a porta, antes que pudesse
pensar muito no que poderia ou não
dizer. – Por que acha que eu vim aqui?
Jack virou-se para encará-lo.
– Bem… está indo embora, não é?
Fiquei lisonjeado por você ter vindo
pessoalmente, de verdade.
– Não estou indo embora – Hunter
falou alto, meio agressivo, por ter medo
de que se falasse de outro jeito pudesse
estragar tudo. – Eu quero o seu emprego.
Foi a vez de Jack encará-lo.
– Meu...? – Jack meio que se virou
para a sala de aula, mas aí parou e
balançou a cabeça. E então sorriu largo.
– Você não está se referindo a minhas
aulas de matemática.
– Não. – E dessa vez o sorriso de
Hunter era diferente, como se fosse
novo. Como se pertencesse ao homem
que Jack descrevera e que Hunter não
reconhecia como sendo ele.
Mas após todos aqueles anos ele
queria ser aquele homem, muito mais do
que queria admitir. Para aqueles
garotos. Para Zoe, se ela conseguisse
achar um caminho de volta para ele.
Talvez até para si mesmo.
– Não estava me referindo à
matemática.
HUNTER SEdirigia à saída da escola um
tempo depois, quando ouviu barulho de
alguém correndo sobre o linóleo gasto
do chão, atrás dele. Virou-se e
percebeu, quando identificou a figura em
desabalada carreira em sua direção, que
deveria ter esperado por isso.
– Escute, garoto – ele começou a
falar, mas Aaron estava vibrando e
descontrolado.
Perturbado,
Hunter
percebeu, e totalmente afobado.
– Não ligo a mínima para o que você
faz – o garoto jogou na cara de Hunter,
que estava contorcida de emoção.
Perda,
pensou
Hunter, e
desapontamento. Já vira isso inúmeras
vezes na expressão das pessoas que
olhavam para ele. Conhecia bem.
– Não é que eu fosse seu fã antes de
vir para cá, sabe? Acabou que você é
um perdedor maior do que eu pensava
que era.
– Aaron... – Hunter ordenou a si
mesmo para ser gentil. Afável.
Coisas em que ele nunca fora bom, é
claro, ou então teria sido alguém
diferente.
– A verdade é que você é um idiota –
falou o garoto entredentes, e Hunter
reconheceu que era mesmo, também. A
dor por baixo das palavras agressivas,
que falava de outros abandonos piores
ainda. De perdas mais profundas, do
tipo que nunca passa. – Nós não
precisávamos que você aparecesse por
aqui só para tentar se sentir melhor com
a sua droga de vida, dirigindo seu
carrão por aí e agindo como se fosse
melhor que todo o mundo.
– Está falando de futebol? Porque na
verdade eu sou melhor que qualquer
outro, pelo menos em Edgarton. Não é o
meu ego, garoto. Isso é um fato.
– Vá para o inferno!
– Eu estive lá. – Hunter observava o
rosto afogueado de Aaron, suas mão
apertadas ao lado do corpo, a expressão
arrasada em seus olhos escuros.
Era como olhar num espelho
distorcido, e isso lhe confirmou que
tomara a decisão certa ao vir ali. Que
não importava o que acontecesse com
todo o resto das coisas que tinha em
andamento, que essa era a atitude certa a
tomar. Esse garoto, tão desesperado
para ser um homem e tão incerto sobre
como fazer isso, era a razão. Ele
importava. Isso importava.
– E não recomendo.
Aaron disse algo ainda mais
agressivo, e Hunter soltou uma
gargalhada. Gentileza e amabilidade não
teriam funcionado com ele durante a sua
derrocada, e Hunter se erguera com uma
dieta leve de privilégios e apoio
financeiro. Por que tentar então com um
garoto como Aaron, que na certa acharia
que era um truque? Além do mais, ele
não poderia fazer isso. Não saberia
como.
– Aaron, cale a boca.
Aaron o encarou, desafiador. A fúria
e determinação como que saíam de sua
pele, turvando o ar ao redor dos dois
como uma nuvem de testosterona, mas
Hunter viu o que havia por baixo.
– Eu sou seu novo treinador.
Oficialmente.
O diretor quase desmaiara ao saber
da notícia, assegurando a Hunter que
podiam expedir sua contratação através
do Conselho Escolar de Edgarton,
sobretudo porque Hunter estava
perfeitamente feliz não só em receber o
mais baixo salário que eles podiam
oferecer pela lei, mas também iria doar
três vezes esse valor para o sistema
escolar, para o novíssimo orçamento do
atletismo.
Como isso acontecera com ele depois
de Zoe tê-lo abandonado, podia fazer o
que dissera a Jason que faria; não só
para mexer com a cabeça dele, para
empurrá-lo para onde ele precisava que
Jason fosse. Hunter se deu conta de que
mais que tudo ele queria fazer isso. Que
talvez até fosse bom nisso.
Mas não compartilhou suas ideias
com Aaron. Ele só ficou olhando para o
garoto enquanto sua respiração mudava,
tornando-se mais tranquila.
– Nos próximos dias eu não vou
participar dos treinos – continuou
Hunter.
Porque tinha de se acostumar
primeiro com o buraco que a partida de
Zoe deixara dentro dele antes que
pudesse trabalhar com os garotos. E
também porque decidira dirigir até
Boston e se desculpar com seus pais,
que sofriam havia tanto tempo enquanto
ele estava se sentindo tão benevolente e
machucado.
– Mas você deve participar, Aaron. E
acredite quando digo que quando eu
voltar você terá de mudar essa sua
atitude.
Cem por
cento.
Está
entendendo?
Aaron agora estava realmente
parecendo com o menino que era,
encostado na parede, e o peito de Hunter
se sentiu um pouco apertado. Talvez
mais que um pouco.
Era como se ele tivesse sido
congelado, também, todos aqueles anos,
e Zoe houvesse derretido todo o gelo.
– Eu entendo – disse Aaron depois de
um minuto, e Hunter concordou com a
cabeça.
– Do contrário, vai ter de fazer muitas
flexões e corridas extras – disse de
maneira sinistra. – Pode contar com
isso.
Hunter hesitou um momento, e então
ergueu a mão e bateu no ombro dele,
sentindo que o rapaz soltou a respiração
de repente. Aí, virou-se e caminhou em
direção ao seu carro, para Nova York e
todas as outras coisas que precisava
fazer.
Mas não antes de ver Aaron sorrir
largo, e um tanto emocionado, olhando
direto para o chão aos seus pés, como se
tivesse medo de que alguém o visse
sorrindo.
No entanto, não com muito medo. Não
o suficiente para parar.
CAPÍTULO 11
ZOE
que o planeta não
deixava de girar só porque o seu mundo
saíra dos eixos.
Ainda havia o seu trabalho, de que ela
dizia a si mesma que nunca gostara
tanto. Solucionou o escândalo de um
político
envolvido
com
fotos
comprometedoras via celular, instruiu
uma debutante sobre como acabar com a
sua reputação de desmiolada para poder
angariar fundos para a caridade, e
começou as negociações com uma banda
DESCOBRIU
que queria estourar com o seu primeiro
álbum em muito tempo.
Vivera mais de trinta anos sem Hunter
Talbot Grant III. Por que uma semana
sem ele parecia tão vazia? Essa é uma
boa vida, dizia a si mesma. Um dia
depois do outro e ela perfeitamente bem.
Era assim que era quando Jason Treffen
se achava neutralizado e ela podia
simplesmente… viver.
Porém, Hunter se recusava a
desaparecer, como pensara que ele
faria.
Poucos dias depois da terrível cena
em seu apartamento, ele apareceu para a
costumeira reunião, deixando-a chocada.
Não estava pronta para vê-lo. Não
estava preparada para ver seu andar
vagaroso, ou o olhar analítico daqueles
olhos azuis. Ele entrara em seu
escritório como se fosse o dono, e se
atirou no sofá dela com toda a
despreocupação do mundo.
Zoe não imaginava o quanto isso
ainda podia doer. Doía tanto que teve de
se sentar na beira da mesa, com medo de
que suas pernas se dobrassem.
– O que está fazendo aqui? –
perguntou ela, sem conseguir manter o
tom profissional.
– É terça-feira – disse ele, como se
fosse uma explicação. – Tenho reunião
todas as terças-feiras. Preciso dessa
consulta sobre a minha imagem, já que
ela está tão danificada. Você mesma
disse isso.
– Jason saiu da firma de advocacia –
Zoe afirmou, sem defesa.
Alguma coisa atravessou-a quando
ele a olhou com rancor e mágoa.
– Eu sei. Eu estava aqui.
Houve um brilho naqueles olhos azuis
que a fez se sentir vazia. Crua.
– Pareço uma pessoa reabilitada para
você, Zoe? – Hunter perguntou-lhe, mais
perigoso do que nunca.
Foi então que ela admitiu para si
mesma que não queria que ele a
procurasse para reabilitar sua imagem.
Que tinha erguido a cabeça, visto Hunter
na porta e desejado ardentemente que
ele tivesse decidido não levar um “não”
como resposta.
Mas Hunter prometera que não faria
isso.
Ela se desapontara consigo mesma
por querer que ele o fizesse mesmo
assim. Desapontada com a triste verdade
de que ela ainda era muito fraca.
E o pior é que tinha certeza de que
Hunter sabia disso.
– Vou chamar Daniel. Ele cuidará da
sua conta.
– É claro que sim. Com o coração
cantando de alegria, sem dúvida.
– Se você tem problemas com isso –
ela disse, firme –, há várias outras
firmas de relações públicas na cidade
que eu ficarei feliz em recomendar.
Mas Hunter apenas sorriu.
E Zoe teve de engolir essa, porque se
ela fizesse a cena que queria fazer,
ficaria muito exposta, e tinha certeza de
que Hunter sabia disso. Assim, teve de
levar isso consigo para casa, para seu
apartamento, que sempre fora tão
confortável e agora parecia vazio.
Como se ele tivesse deixado buracos
atrás de si quando ela o deixara. Em
tudo.
E então Daniel, que não sabia nada
sobre Jason Treffen ou a maneira
deliberada com que tinham deixado a
mudança de imagem de Hunter atrelada
para forçá-lo a ficar na berlinda, onde
eles queriam que ficasse, entrou na sala
e tratou Hunter como qualquer outro
cliente.
O que significava que agora Zoe o via
em todos os lugares. Nos tabloides, que
gritaram sobre seu novo romance com
alguém no Central Park numa charrete
puxada a cavalo, para em seguida se
retratarem envergonhados dizendo que a
nova mulher na vida Hunter Grant era
sua irmãzinha, Nora. Nos jornais, que o
mostravam em eventos de arte e de
caridade, sorrindo e quase se
escondendo das câmeras.
Ele vinha fazendo cada coisa que Zoe
tinha lhe dito para fazer, mas se
recusava a deixar que isso acendesse
nela algo como esperança. Hunter fazia
isso porque ela era boa no seu trabalho,
e o que Zoe sugerira estava funcionando.
Só isso.
Zoe disse a si mesma que não poderia
ser nada além. Que ela não queria que
fosse algo mais.
– Pensei que você odiasse Hunter
Grant – disse Zoe certo dia enquanto ela
e Daniel examinavam alguns papéis, e
ele não falou mal de Hunter nenhuma
vez; nem mesmo algum comentário
maldoso. – Contudo, parece que você
está superando isso.
– Acontece que ele não é tão ruim. –
E Daniel sorriu. – Estou tão surpreso
quanto você, mas eu meio que gosto do
cara.
Zoe disse a si mesma, quando Daniel
saiu do escritório, que não tinha o
direito de ver aquilo como uma traição
pessoal.
Daniel escolheu um programa cômico
muito popular que focava nas notícias
sobre a imagem nova em folha de
Hunter, deixando-o ir ao show para
permitir que fizessem troça dele. Não
perdoavam nada, como era sua marca
registrada.
Hunter até participou das piadas.
E então, em certo ponto ele sorriu
como se estivesse encabulado e esfregou
a mão na cabeça, dizendo quase
timidamente que era na verdade uma
honra para ele ver se conseguia ensinar
aos seus alunos o amor pelo jogo e, se
Deus quisesse, boas maneiras.
– Quer dizer que você é do tipo que
“faça o que eu digo, mas não faça o que
eu faço”? – perguntou o anfitrião.
Hunter deu de ombros, e então soltou
uma gargalhada. De si mesmo.
– Acho que sou mais o tipo que diz
“se você não puder ser um bom
exemplo, então servirá como um aviso
horrível”. E acho que deixei bem claro
que está fora de questão ser um bom
exemplo.
O jeito como ele gargalhou, longa e
profundamente, como um chuveiro de luz
que a envolveu em luminosidade, ali,
sentada sozinha no quarto, fez Zoe
perceber que tomara a decisão certa ao
abandoná-lo; por todas as razões que
dera e por aquelas que não falara
também.
Mas isso a estava matando.
Zoe disse a si mesma que já estava
morta fazia muito tempo. Era hora de
viver, não importava o quanto custasse.
De parar de se esconder como se
prometera fazer, sem se preocupar com
as consequências.
Fazer alguma coisa, porque achava
que não poderia mais fingir que estava
bem quando duvidava que um dia
pudesse se sentir bem de novo, enquanto
vivesse.
Enquanto ele vivesse.
ZOE NÃO se permitiu pensar muito
depois de ter decidido o que faria.
Era fácil descobrir a programação de
Hunter através do calendário de Daniel,
e mais fácil ainda passar pelos porteiros
ao entrar na festa beneficente numa
cavernosa galeria de arte no Soho.
O difícil era caminhar até Hunter após
tê-lo visto parado junto ao bar, num
grupo de pessoas bem-vestidas,
incluindo sua irmã e Zair, seu antigo
cliente, o único dos seus clientes cujos
acordos confidenciais tinham deixado
seu advogado estonteado.
Se conseguiu derrotar Jason Treffen
no mesmo escritório onde ele a destruíra
tantos anos antes, Zoe afirmou para si
mesma olhando o grupo de pessoas,
Hunter o mais brilhante entre eles,
conseguiria fazer isso.
Mas ele ergueu a cabeça e a viu. Seu
olhar a queimou como se estivesse
esperando por Zoe, e foram os passos
mais longos e difíceis que ela já dera.
– Zoe! – murmurou Zair com seu
sotaque britânico que era tão sinistro e
perigoso quanto ele, quando ela se
aproximou. – Que prazer...
Austin cumprimentou-a com um
sorriso, os braços ao redor de uma
garota que parecia familiar. Alex sorriu
como se todos fossem amigos. Zoe
pensou isso também, que eles eram
amigos de Hunter, e ela era só um
problema que deveria ser mantido longe
disso. E dele.
Mas ela não era capaz. Zoe não
conseguia mais fazer isso. E embora
soubesse o que aquilo a tornava, não iria
parar.
– Eu não sabia que você participaria
dessa festa – disse Hunter, quando
percebeu que ela não iria dizer nada
para ele.
E seu olhar azul e sábio quase a fez
cair de joelhos. Zoe quase permitiu isso.
– Conhece minha irmã? Nora, esta é
Zoe Brook. Ela gerencia minhas
relações públicas.
Zoe sorriu, apertou a mão da bela e
inocente irmã de Hunter, que não tinha a
menor ideia de quem a cumprimentava, e
teve vontade de morrer.
– Posso falar com você? – perguntou
a Hunter com uma urgência que não
conseguia disfarçar.
Hunter arqueou uma sobrancelha.
– Aqui? Mas a dança mal começou, e
não quero abandonar minha irmã nas
mãos desses urubus.
Ele a estava provocando, decidiu
Zoe. Isso estava dilacerando-a por
dentro, tornando tudo mais difícil do que
imaginara que seria, e ele a estava
provocando.
– Deixe Nora comigo – disse Zair
com uma galanteria meio sombria que
teria chamado o interesse de Zoe se ela
tivesse sido capaz de coisas assim no
momento.
– Nora é um ser humano perfeitamente
capaz, obrigada – a própria Nora
respondeu.
Mas Zoe não conseguia tirar os olhos
de Hunter, e ele apenas sorriu.
E daí em diante tudo virou um borrão.
Ele a guiou através do salão, desviandose de todas as pessoas que queriam fazêlo parar e trocar algumas palavras.
Hunter sorria e gargalhava como se
estivesse se divertindo muito.
Até que a empurrou através de uma
porta até uma sala menor, bloqueada do
salão principal por telas presas contra a
parede.
E quando ele olhou para ela, Zoe
percebeu que ele não estava feliz, nem
relaxado.
O azul de seus olhos a queimava.
Seus lábios estavam apertados naquela
maneira que Zoe lembrava muito bem, e
olhava para ela como se as palavras que
queria dizer-lhe quisessem pular de sua
boca.
Mas Hunter não disse nada, apenas
esperou.
– Parece que você tem passado muito
tempo com sua irmã ultimamente – Zoe
disse, em pânico, porque não sabia
como agir.
– Alguém comentou uma vez que ela
é, de fato, bastante impressionante para
alguém de vinte e quatro anos. – E ele
continuou a não fazer nada além de olhar
para ela.
Hunter estava muito bem, parecendo
ele mesmo. Vestia um elegante terno
preto e exalava poder. E segurança. E o
jeito como a olhava fazia o coração dela
disparar.
Hunter merecia tanto mais, e ela não
tinha certeza de se importar com isso.
– Você pagou a firma por nosso…
pelos serviços de Daniel.
– É por isso que você está aqui? Para
discutir nossa conta?
– Eu disse que era pro bono – Zoe
afirmou, entredentes.
– Eu pago minhas contas, Zoe.
Sempre. Você pode entender isso como
uma metáfora significativa se quiser.
Ela pensou que Hunter falaria algo
mais, mas ele meramente ficou parado,
grande e severo. Esperando.
Hunter enfiou as mãos nos bolsos da
calça, e seus olhos azuis olharam direto
para ela, e Zoe soube que tinha de fazer
isso.
Antes que se convencesse a não fazer
nada. Antes de perder a coragem.
Era o ato mais egoísta da sua vida, e
Hunter a fitava como se soubesse. E ela
compreendeu que se fosse pelo menos
uma boa pessoa ou já tivesse querido
ser, se realmente se importasse com
Hunter, viraria as costas e iria embora.
Que ter feito isso antes fora a atitude
correta a tomar. Ela sabia.
Mas não conseguia se mover.
– Hunter... – sussurrou, trêmula como
se estivesse morrendo de frio e
assustada como nunca antes. – Acho que
cometi um erro terrível.
Ele não se abalou. Nem mesmo se
inclinou.
– Você acha ou sabe? E de que erro
estamos falando, Zoe? Preciso de
detalhes.
ELA
ESTREMECEU como
se ele tivesse
batido nela, e Hunter não queria nada
além de ir até Zoe, puxá-la para perto,
sentir sua pressão junto ao seu corpo,
garantir a si mesmo que ela estava ali e
era real. Que estava segura, e não tinha
nada de ficar parada em frente a ele com
todo aquele medo estampado em seu
belo rosto, como se Hunter a
apavorasse.
Ele entendia, mas não podia fazer
nada por Zoe. Não podia ajudá-la. Ela
teria de fazer isso sozinha.
– Isso não é fácil...
Sua bela Zoe, tão corajosa, com
pesadelos nos olhos.
– Diga-me uma coisa que seja –
Hunter sugeriu, como se não desse a
menor importância. – Algo que importe
e que seja um pouco fácil pelo menos.
– Faz diferença? – ela perguntou com
toda a vulnerabilidade aparecendo em
sua voz.
Mas ele não podia fazer nada.
Não se quisesse tudo dela. E Hunter
queria. Era por isso que tanto esperara.
– Não tenho tempo para esse tipo de
jogo, qualquer que seja, Zoe.
– Não é um jogo.
– Então pare de jogar. Eu disse que te
amava, e mesmo assim você me
abandonou. Não fique pescando para
descobrir meus sentimentos. Diga o que
você quer. Peça, Zoe, e talvez consiga o
que deseja.
Era como um eco daquela noite da
rua, e o rosto dela ficou corado. De
vergonha, calor ou arrependimento,
Hunter não sabia o que, mas foi melhor
do que a expressão horrível em seu
rosto no dia em que o deixara. Melhor
do que a maneira gelada como Zoe o
fitava desde então. Melhor do que os
olhos azul-acinzentados cheios de
pesadelos.
E ela estava parada ali na sua frente,
presa em alguma emoção intensa. Assim
estava melhor, não importava o que
acontecesse depois.
– Você merece o melhor – Zoe falou,
suavemente e meio magoada. Nada
parecida com nenhuma versão da Zoe
que ele conhecia. – Sarah o amava o
suficiente para abandoná-lo, e eu tentei
fazer o mesmo, Hunter. Você pode se
livrar disso, e deveria mesmo. Da
mancha do que Jason fez com ela e
comigo. O que nós fizemos para
sobreviver… ou não.
Hunter teve medo de falar e se trair,
por isso esperou, observando-a.
Seus olhos estavam nublados, e seu
rosto, contraído. Zoe apertava as mãos
em frente do corpo, como uma figura
submissa de um livro de fantasia, e as
mãos dele se fecharam em punhos,
porque isso não era ela.
Hunter não sabia que diabos era
aquilo, o que tomava conta de Zoe e
fazia com que agisse daquela maneira,
mas não era a Zoe que ele conhecia. Não
havia fogo. Não havia poder. Não havia
Zoe.
Ela engoliu em seco.
– Sinto muito, Hunter, mas parece que
não consigo ficar longe de você, mesmo
sabendo que deveria. Embora eu saiba
que seja a melhor coisa para você.
– Então você veio aqui para o quê? –
ele exigiu, mal reconhecendo a própria
voz.
Zoe franziu a testa como se pensasse
que ele iria mordê-la, e não de uma
maneira divertida. Como se Hunter
tivesse presas e ela houvesse sido
mordida antes. Essa reação o aborreceu.
– Você disse que me faria implorar,
Hunter. Esta sou eu implorando. – E Zoe
caiu de joelhos, bem em frente a ele,
graciosa e frágil, apesar do belo vestido
que usava e colava-se a ela como uma
sombra escura de verde, fazendo suas
curvas se destacarem mais que o normal.
Porém, tudo o que Hunter conseguia
ver era sua cabeça baixa, sua rigidez
nada natural, seu comportamento
completamente diferente do normal. O
que era aquilo? Isso o deixou ainda mais
chateado.
– Eu lhe devo pelo menos isso – ela
falou baixinho, quase recatada.
E de repente ele entendeu.
– Você acha que gosto de santas? É
isso? – perguntou, seco, e gostou quando
sentiu que ela ficou tensa com o tom de
sua voz. – Pensou que viria bancar a
mártir para mim?
Zoe ergueu o rosto, e ele visualizou
uma centelha em seus olhos que
reconheceu, e se sentiu como deveria ter
sentido com o beijo de outra mulher. Sua
Zoe. Sua, por baixo dessa atitude
esquisita dela que agora ele entendia,
mesmo que partisse seu coração.
Hunter a queria de volta, inteira, não
importava qual coração tivesse de ser
partido para isso.
– Não sei o que você quer dizer. –
Zoe tornou a baixar a cabeça, e isso era
péssimo.
Hunter gostava de jogos de poder com
mulheres que não fossem capachos. Com
essa em particular, porque sabia que
essa era ardente: a Zoe que ele conhecia
não era dócil, nem servil. A Zoe que
conhecia o desejava com a mesma
ferocidade que ele a desejava. Essa
atitude era provocada por coisas
tenebrosas dentro da cabeça dela, e
Hunter não queria nada com isso.
– Eu odeio capachos, Zoe. Desculpe.
Você pode rastejar por aí, se quiser.
Quem sabe? Talvez isso me faça mudar
de ideia.
– Isso é sério. Estou falando sério.
– Então, levante-se, sua idiota! –
Hunter rosnou, e ela ergueu a cabeça
rápido, a boca aberta de surpresa. –
Você me ouviu.
A cor voltou ao rosto dela, e Zoe se
apoiou nos saltos dos sapatos, ergueu-se
numa explosão controlada que era muito
mais a sua atitude normal do que tudo
que ela fizera até ali. Hunter lembrou-se
da noite em que Zoe batera nele, e ele
queria isso de volta. Ele a queria de
volta.
– É óbvio que cometi um erro muito
maior vindo aqui do que o de deixar
você – disse ela com firmeza, mas pelo
menos esse era um tom que ele
reconhecia nela. – Desculpe.
– Ah, não! Você não vai se livrar com
tanta facilidade. O que pensou que
aconteceria aqui? Que eu ia gostar de
vê-la se sacrificando por minha causa?
Que isso é mesmo que remotamente o
que quero de você?
– Não tenho ideia do que você quer.
– Você! – vociferou ele, e ficou feliz
quando ela teve um leve sobressalto,
quando conseguiu sentir a palavra
quicando na parede e voltando até ele. –
Quero você, não essa droga de rendição.
Não acho que você esteja derrotada,
Zoe. Não acho que esteja maculada ou
algo assim. Você é que acha isso.
Ela deu um leve gemido, como se
tivesse sido ferida, mas Hunter
continuou, e só se deu conta de que ia de
encontro a Zoe quando ela pôs a mão em
seu peito para detê-lo.
Ele parou, mas ela não tirou a mão, e
Hunter sentiu aquele toque; a palma
queimando sobre a camisa como se
fosse ferro incandescente, sentiu o toque
até a ponta dos pés.
– Seja a mulher que me desafiou a
deixar uma vida inteira de autopiedade –
disse ele com amor, fúria e necessidade
misturados em sua voz, na maneira como
olhou para ela, no autocontrole que teve
de ter para não tocá-la, beijá-la,
encontrá-la de novo mais diretamente do
que através dessas palavras. Mas ele
não podia.
– Hunter... – Zoe clamou, mas ele a
ignorou.
– Seja minha igual, seja a mulher que
sabe que se estiver danificada, então,
meu Deus, eu também estou! Faça valer
a pena sentir toda essa nojeira, Zoe. –
Hunter podia sentir a ferocidade em seus
próprios lábios, como sangue. – Eu
quero você, não o que quer que seja isso
que você esconde quando fica difícil.
Você não é uma mártir, e eu não sou um
herói. Vamos ser quem nós somos.
A respiração dele estava pesada,
como se estivesse correndo, e ela
também. E ele não soube dizer quando o
turbilhão que vira nos olhos dela, no seu
rosto, se transformou em lágrimas.
Hunter não conseguiu evitar limpar as
lágrimas dela com o dedo, fazendo-a
estremecer.
– Eu quero tudo, Zoe. Dê-me isso, ou
não me dê nada.
Ele viu a luta dentro dela, a batalha, a
escuridão e o medo, mas Zoe era tão
corajosa... Tão profundamente corajosa
que ele achou que poderia quebrar por
dentro, e quando as mãos dela pegaram
as suas, que envolviam seu rosto, algo
dentro dele se acalmou.
– Eu não sei como, Hunter. Não sei se
algum dia terei tudo. Não sei como
começar.
– Isto é começar – afirmou ele. – É o
que parece. Se fosse fácil, todo o mundo
seria bem mais feliz.
– Você acha que é possível? –
perguntou ela, e ele soube que essa era
uma pergunta séria, talvez a mais séria
que ela podia fazer.
Então ele a beijou, longa e
docemente, uma promessa e um desejo.
– Para nós? – perguntou ele quando se
afastou. – Eu acho que é inevitável.
– E se eu o desapontar? E se você
acordar certa manhã e não puder mais
viver com o que eu sou? – perguntou ela
séria, apesar de se agarrar a ele. – E não
me diga que isso não vai acontecer.
Poderia. Deveria.
– Zoe, nós matamos monstros. É isso
o que fazemos. Mesmo que esses
monstros sejam os nossos.
Ela o observou pelo momento mais
longo da vida de Hunter. O momento
mais importante, e aí o rosto dela
clareou, e ela sorriu.
Foi a coisa mais linda que ele já vira.
– Eu amo você, Hunter. Não pensava
que poderia. Eu não pensei…
– Eu sei. Mas não se preocupe. Sei
muito bem como fazer você se
acostumar comigo. Prepare-se, Zoe. Vai
ser uma jornada longa e árdua. Pode
levar anos.
Aquele sorriso dela batia de longe
aquele sorriso forçado e perigoso,
nervoso, que Hunter amava mais que
tudo, e que explodiu dentro dele, quente
e sexy.
– Posso provar isso em cinco
segundos, se você trancar aquela porta.
– Anos – ele repetiu. – Longos anos.
E com pedidos que não envolvem
martírio de tipo algum. E eu falei sério
sobre o rastejar.
– Que bom! Um desafio. Passe para
três segundos. – Ela tomou-lhe a boca,
ou ele a dela, e por um momento não
havia nada além do fogo deles, aquele
glorioso calor.
Eles, finalmente.
Então Zoe se afastou, dando uma
última mordiscada no lábio inferior, a
curva daquela boca enlouquecendo-o, e
Zoe o olhou como se fosse um milagre.
– Então? – Zoe perguntou,
provocando-o, amando-o. – Você fecha
aquela porta ou vou eu?
ZOE NÃO conseguia dormir. Estava
deitada na enorme cama de Hunter, com
as luzes da cidade brilhando como se
fossem a sua própria Capela Sistina.
Ela se sentia até feliz, embora não se
atrevesse a chamar de felicidade. O que
Hunter conseguia fazer com ela usando
suas mãos espertas, talentosas, deveria
ser considerado fora da lei. Zoe não
tinha muita certeza se importava, desde
que ele continuasse a tocá-la.
Não que tudo girasse ao redor de
sexo. Havia o jeito com que ele a olhava
como se realmente se importasse com
ela, do jeito que Zoe tinha pensado que
ele se importava naquela manhã na
cozinha.
Havia aquela semente de esperança
dentro dela que ficava maior a cada dia
e que a fazia sorrir mais abertamente,
curti-lo, curtir isso. Que a fazia se
importar menos com as coisas que ela
achava não ter e se preocupar mais em
como eles se completavam.
Como se eles tivessem esperado um
pelo outro durante todos aqueles anos
negros.
Como se o amanhecer tivesse chegado
para os dois.
Hunter se virou, puxando-a mais para
perto, deitando sua cabeça no ombro e
afastando se cabelo do rosto.
– O que foi? – perguntou com a voz
rouca, na escuridão. – Você ainda está
vibrando, e sem querer parecer muito
convencido, acho que nós dois sabemos
que isso é impossível.
Ela sorriu.
– Não sei. Talvez você esteja
falhando...
Hunter soltou um longo suspiro como
se estivesse sofrendo.
– Certo. – disse ele como se
estivessem discutindo por horas. – O
que a deixará feliz? Quer pintar todas as
paredes desta cobertura para que ela não
pareça… como é que você disse?
– Um abatedouro refinado? –
perguntou preguiçosamente, sorrindo ao
lembrar-se do olhar de ultraje dele
quando ela dissera isso.
E a resposta dele fora apoiar as mãos
de Zoe na janela da sala de estar, e ele,
quente e duro atrás dela, depois
profundamente dentro dela.
– Vou parar de lutar contra o
inevitável – disse Hunter. – Só me
prometa que não serão tons pastel.
Ela girou para encará-lo.
– Não é uma má ideia – afirmou,
como se ele estivesse falando sério. –
Você não está mais no purgatório,
Hunter. Você não morreu dez anos atrás.
Merece viver.
O rosto dele estava assombreado pela
escuridão, mas mesmo assim Zoe sentiu
o impacto daquele olhar azul. Ela sentiu
sua mão grande apertar seu ombro,
depois
voltar
a
acariciar
preguiçosamente as suas costas.
– Você também – disse ele, rouco.
Zoe pensou em tudo o que ele dissera
repetidas vezes durante aqueles dias
lindos que ela mal conseguia acreditar
tivessem sido verdadeiros. Que eles
podiam trocar lembranças terríveis por
novas e melhores fantasias. E tudo
entrou nos eixos. Assim de repente.
Talvez sempre tivesse sido inevitável.
Talvez ela estivesse esperando por
isso, por essa… felicidade, se era isso
de fato. Ainda era novo, mas não
parecia frágil. Zoe não achava que
nenhuma palavra errada, ou momento, ou
briga pudesse acabar com isso.
Não achava que coisa alguma
pudesse. Parecia certo.
Hunter não a via como uma
responsabilidade desagradável, como
seus avós diziam. Zoe sabia que Hunter
não se voltaria contra ela, nem a
maltrataria como Jason Treffen fizera.
Ele não provara isso quando ela se
ajoelhara na frente dele e se negara a
aceitar aquilo?
Hunter não queria ser seu dono. Ele
queria amá-la.
E isto mudava tudo. Isto a libertava,
de todas as formas que não
compreendera que podia, quando tirara
Jason Treffen da firma. Porque agora, o
medo não a faria parar. Agora, sabia que
podia contar com Hunter para ajudá-la.
– Acho que tenho de fazer isso – Zoe
disse de supetão, e sentiu Hunter ficar
tenso sob ela. Colocou as mãos
espalmadas sobre seu peito. – Não que
alguém espere isso de mim, ou porque
Alex acha que é uma boa ideia ter uma
das testemunhas fazendo parte da
entrevista. Mas porque tenho de fazer
isso por mim. Porque eu quero.
Hunter permanecia quieto, mas ela
sabia que ele estava tão focado nela
quanto quando dentro dela, quando tudo
o que importava era o calor, o fogo,
aquela dança linda que pertencia
somente a eles. Mais ainda, talvez.
– Você não precisa tomar parte nisso,
Hunter. Vou entender se não quiser.
– Zoe...
– É provável que a coisa fique feia –
continuou, obstinada, porque ainda
queria protegê-lo.
Ele
começara
um
novo
relacionamento com a família. Estava
treinando aqueles meninos. Hunter era
mesmo um bom homem agora, um novo
homem, e Zoe ainda era um escândalo.
Dos grandes, se Alex fizesse as coisas
do seu jeito.
– Eu vou ser chamada de vários
nomes. Você também. As pessoas não
gostam quando seus heróis são
arrancados do pedestal, sobretudo
quando quem o derruba é uma prostituta.
E eu serei uma.
– Por favor, cale a boca. Não vou
falar sobre isso. E não vou a lugar
algum. Já disse. – Ele segurou o queixo
dela enquanto acariciava seus lábios, de
forma possessiva e ao mesmo tempo
confortadora. – Nunca deixarei de
querer você, Zoe. Isto já está
sacramentado.
Depois de alguns segundos ele a
soltou, e Zoe se permitiu respirar.
– Em poucos meses, talvez três, eu
vou propor – disse ele na quietude que
os rodeava e ela podia ouvir seu sorriso
no escuro. Tão claramente como uma
luz. – Estou contando agora para que
você possa ir se preparando.
– Propor o quê? Escapadas sexuais?
Nós já fazemos isso, não é?
Hunter lhe deu um tapinha no traseiro,
causando-lhe uma risada.
– Casamento, Zoe. Acredito que você
recusará umas três vezes. Medo,
descrença, algum pensamento bobo de
que eu não devo me amarrar a alguém
como você. Vou oferecer um acordo
pré-nupcial, o que irá enfurecê-la, e
você aceitará minha proposta adorável
fazendo algo insano, como me dar um
soco, provavelmente em público. Mal
posso esperar.
– Idiota... – Zoe resmungou, embora
sorrisse.
Ela
subiu
no
peito
perfeitamente escultural dele e o beijou.
E de novo, do jeito que ela planejava
continuar fazendo pelo resto de suas
vidas.
– Já se passaram três meses? – Hunter
indagou, quando se afastou um pouco.
– Ainda não. Você não deveria dizer
muitas coisas doidas esta noite, Hunter.
Poderia arruinar tudo, me apavorar.
Ele ergueu uma das mãos, enfiou-a em
seu cabelo, e ela estremeceu, desejandoo tão desesperadamente como sempre.
Mais ainda, porque a cada dia que
passava tinha mais confiança nele.
E quanto mais confiava nele, mais
confiava em si mesma.
– Então é melhor praticarmos –
murmurou ele beijando-lhe os lábios, e
ela logo estava acesa mais uma vez;
faminta. – Assim estaremos prontos
quando chegar a hora.
ELES FORAM juntos.
– Quer entrar sozinha? – perguntou
Hunter, do lado de fora do escritório
onde, Zoe sabia, Alex os aguardava.
Onde deveria contar sua história em
todos os seus detalhes sórdidos, e
transformar-se num dos pregos do
caixão de Jason Treffen.
Ela sentiu o pânico voltando. Engoliu
em seco, examinando a expressão de
Hunter.
– Não quero…
– Eu juro por Deus – disse ele com
impaciência, contrastando com a
bondade em seus olhos azuis, tão gentis
que ela sentiu um nó na garganta – que
se me disser qualquer coisa sobre o que
você acha que não quero ouvir…
– Você não vai querer ouvir – falou,
impetuosa.
– Não, não vou querer. Porque amo
você, Zoe, e vou me casar com você,
não importa quantas vezes você entre em
pânico por causa disso. E vou odiar
cada segundo disso porque eu odeio o
fato de que teve de vivenciar isso. Mas
olhe para você. A mulher mais
encantadora que já conheci. Se você
pode sentar e contar sua história, se
pode falar em rede nacional e acusar
Jason na cara dele, então eu posso me
sentar com você e ouvi-la. Posso dividir
o fardo. – Sua linda boca se curvou. –
Ou tentar. Eu gostaria de tentar.
Zoe estava estupefata. Lágrimas quase
escorriam-lhe pelo rosto, e ela nem se
importava se elas caíssem.
– Eu também amo você – ela
sussurrou.
O sorriso dele ficou maior, arrogante.
Como se soubesse o tempo todo que iria
terminar assim, que ele venceria. Mas
talvez ela também tivesse de fazer isso.
Os dois tinham de fazer.
Talvez esse fosse o ponto central.
Hunter arrumou uma mecha do cabelo
dela para trás da orelha, e esperou.
Zoe olhou para a porta de Alex e
respirou fundo. Para marcar esse
momento
tão
importante,
sua
participação como uma “garotas de
Jason”, Zoe se vestira de branco. Jeans
branco e um top vaporoso na cor creme.
Casta e pura. Vira o sorriso de Hunter
quando saíra do quarto de manhã, e viu
que ele compreendera o simbolismo.
Porque ela estava a ponto de contar a
história mais difícil que conhecia para
um homem que a usaria como arma na
destruição do monstro que a torturara
por mais de uma década, mas ainda
sabia sobre relações públicas. Ela podia
inverter qualquer coisa. Até mesmo isso.
Sempre quisera se vingar de Jason
Treffen, mas isso era melhor. Isso seria
justiça.
– Estou pronta – Zoe afirmou.
Hunter ficou ao seu lado como se
fosse um guarda-costas. O muro entre
ela e o mundo, que não precisaria mais
carregar dentro de si, porque ele o faria
por ela. Hunter seria seu escudo, assim
como Zoe seria o dele.
Eles mereciam um futuro livre do
passado. Livre de fantasmas. Livre.
E só havia uma maneira de fazer
funcionar.
– Isso pode ficar meio doido – Zoe
tornou a avisá-lo, pela última vez.
Hunter apenas sorriu, e então pegou a
mão dela, entrecruzando seus dedos.
Como se eles fossem uma unidade, um
pensamento. Um.
– Vamos – disse ele do jeito que ela
sabia que faria, como se estivesse
desejando uma bela briga.
E na verdade ela também se sentia
assim.
E Zoe abriu a porta. Mas eles
passaram por ela juntos.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE
LIVROS, RJ
Crews, Caitlin
C945q Quero que você me use [recurso
eletrônico] / Caitlin Crews; tradução
Leila Krommers. - 1. ed. - Rio de
Janeiro: Harlequin, 2014.
recurso digital
Tradução de: Scandalize me
Formato: ePub
Requisitos do sistema: Adobe Digital
Editions
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-85-398-1652-1 (recurso
eletrônico)
1. Romance americano. I. Krommers,
Leila. II. Título.
14-16490
CDD: 813
CDU: 821.134.3(81)-3
PUBLICADO MEDIANTE ACORDO COM
HARLEQUIN BOOKS S.A.
Todos os direitos reservados. Proibidos a
reprodução, o armazenamento ou a
transmissão, no todo ou em parte.
Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou
mortas é mera coincidência.
Título original: SCANDALIZE ME
Copyright © 2014 by Harlequin Books S.A.
Originalmente publicado em 2014 por
Harlequin Presents Trade
Arte-final de capa:
Isabelle Paiva
Produção do arquivo ePub: Ranna Studio
Editora HR Ltda.
Rua Argentina, 171, 4º andar
São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921380
Contato:
[email protected]
Capa
Texto de capa
Rosto
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Créditos
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Quero que você me use - Segredos da Quinta Avenida Ed.2