Mandado de Injunção 6.520 – DF
Relator:
Ministro Luiz Fux
Impetrante: ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais
da Previdência Social
Impetrados: Presidente da República e outros
MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. SERVIDORES PÚBLICOS COM DEFICIÊNCIA.
1 – É necessário analisar, no momento do julgamento do
mandado de injunção, eventual perda superveniente do
objeto, diante da existência de projetos de lei, em trâmite
no Congresso Nacional, com o objetivo específico de regulamentar o § 4º do art. 40 da Constituição Federal.
2 – Foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, desde
o julgamento do MI 721, a omissão legislativa em regulamentar a aposentadoria especial dos servidores públicos que
exercem atividade insalubre, determinando-se a aplicação
do art. 57 da Lei 8.213/1991 para suprimento da mora.
3 – Em se tratando de servidores com deficiência, a mora
legislativa deve ser suprida com a determinação da aplicação
analógica da Lei Complementar Federal 142/2013, referente à aposentadoria da pessoa com deficiência segurada
do Regime Geral de Previdência Social, até que sobrevenha
a regulamentação específica do inciso I do § 4 º do art. 40
da Constituição da República.
4 – Parecer pela procedência parcial do pedido.
Trata-se de mandado de injunção impetrado pela Associação
Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social – ANFIP em
face dos Presidentes da República, do Senado Federal e da Câmara
dos Deputados, com o objetivo de ver regulamentado o inciso I
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Nº 116635/2015 – ASJCIV/SAJ/PGR
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do § 4º do art. 40 da Constituição Federal, que trata da
aposentadoria especial dos servidores com deficiência.
A impetrante propõe a presente ação na qualidade de representante de seus associados, bem como de todos os ocupantes do
cargo de auditor-fiscal da Receita Federal, objetivando o reconhecimento da mora legislativa quanto à proposição de Projeto de Lei
Complementar que regulamente a aposentadoria especial dos servidores públicos portadores de deficiência, conforme o que preceitua o art. 40, § 4º, inciso I, do texto constitucional.
Sustenta que, não obstante o disposto no referido dispositivo
constitucional, os pedidos de aposentadoria especial de seus associados, portadores de deficiência, não têm sido concedidos pela autoridade administrativa sob a alegação de que ausente lei regulamentadora da matéria.
Argumenta que a ausência de lei reguladora se traduz em violação aos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, além de evidenciar a necessidade de integração normativa pela
aplicação da Lei Complementar 142/2013 que regulamenta a
questão no Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Requer seja o mandado de injunção julgado procedente para,
reconhecendo-se a mora legislativa, seja garantido aos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil portadores de deficiência –
ou aos associados da ANFIP – o direito de ter o seu pedido de
aposentadoria especial analisado pela autoridade administrativa
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competente, observando-se, para tanto, a aplicação do existente no
Regime Geral da Previdência (especialmente os termos constantes
na Lei Complementar 142/2013 ou em norma posterior que regulamente a matéria), efetivando-se, dessa forma, o garantido pelo
disposto no art. 40, §4°, inciso I, da Constituição Federal.
Prestadas as informações, vieram os autos à ProcuradoriaGeral da República para parecer.
Esses, em síntese, os fatos de interesse.
Inicialmente, convém destacar a existência de projetos de lei,
em trâmite no Congresso Nacional, com o objetivo específico de
regulamentar o § 4º do art. 40 da Constituição Federal1. Desse
modo, é necessário analisar, no momento do julgamento do presente mandado de injunção, eventual perda superveniente do objeto, em atenção ao entendimento jurisprudencial perfilhado pelo
Supremo Tribunal Federal no seguinte julgado:
MANDADO
DE INJUNÇÃO.
PERDA
DE OBJETO.
IMPLEMENTAÇÃO
DA
MEDIDA OBJETIVADA PELO IMPETRANTE.
Tendo o Presidente da República enviado ao Congresso
Nacional projeto de lei acerca da revisão geral de remuneração dos servidores da União, medida pleiteada no writ, evidente o esvaziamento da impetração, que resta prejudicada.
Agravo regimental desprovido.
(MI 641 AgR, Relator Ministro ILMAR GALVÃO, Tribunal
Pleno, DJ de 5 abr. 2002).
1 Câmara dos Deputados: PLP 269/2001, PLP 275/2001 e PLP 372/2006;
Senado Federal: PLS 68/2003, PLS 250/2005 e PLS 8/2006.
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Reconhecida a permanência do interesse processual, o
pedido deverá ser julgado parcialmente procedente.
Com a alteração promovida pela Emenda Constitucional
47/2005, não há mais dúvida acerca da efetiva existência do direito dos servidores com deficiência, dos que exercem atividades de
risco ou dos que trabalham sob condições insalubres a requisitos e
critérios diferenciados para alcançar a aposentadoria. Contudo, diante da falta da norma regulamentadora desse direito, a solução a
ser dada pelo Judiciário deve atender às peculiaridades de cada
caso.
Em se tratando de servidores que trabalham em condições
insalubres, com a evolução interpretativa quanto aos efeitos do
mandado de injunção, inteiramente adequada no entender da Procuradoria-Geral da República, o Supremo Tribunal Federal vem
determinando que a autoridade administrativa competente proceda à análise da situação fática dos servidores, para fins de concessão
do benefício previdenciário, à luz do art. 57 da Lei 8.213/1991.
Essa solução não se aplica, todavia, à presente hipótese. Não
se pode fazer incidir a Lei 8.213/91, uma vez que esta, embora se
refira aos segurados que se sujeitam a condições especiais que prejudicam a saúde ou a integridade física, não se refere aos trabalhadores com deficiência.
Ressalte-se que a proteção social adequada dos deficientes
está prevista no art. 28 da Convenção Internacional sobre os Di-
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reitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, incorporados ao ordenamento jurídico interno com status de Emenda Constitucional, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição. Eis
o teor do dispositivo indicado:
Artigo 28 - Padrão de vida e proteção social adequados
1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com
deficiência a um padrão adequado de vida para si e para suas
famílias, inclusive alimentação, vestuário e moradia adequados, bem como à melhoria contínua de suas condições de
vida, e tomarão as providências necessárias para salvaguardar e promover a realização desse direito sem discriminação baseada na deficiência.
2. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com
deficiência à proteção social e ao exercício desse direito sem
discriminação baseada na deficiência, e tomarão as medidas
apropriadas para salvaguardar e promover a realização desse direito,
tais como:
[…]
e) assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a programas e
benefícios de aposentadoria (destaques acrescidos).
Urge, portanto, que o Brasil, em cumprimento às normas
constitucionais, promova a plena realização dos direitos das pessoas
com deficiência em sua integralidade, o que implica a necessidade
premente de edição da norma regulamentar do art. 40, § 4º, da
CF/88 pelo Congresso Nacional.
Todavia, enquanto isso não acontece, existindo outro meio
realmente análogo para o suprimento da norma, o Supremo Tribunal Federal pode e deve determinar a sua aplicação aos servido-
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res públicos com deficiência, sem que isso implique indevida ingerência na atuação dos Poderes Executivo ou Legislativo.
Assim, embora persista a mora legislativa em relação ao direito constitucional dos servidores públicos com deficiência, diante
da publicação, em 8 de maio de 2013, da Lei Complementar Federal 142, que regulamenta a aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social, esta deve
ser aplicada, por analogia, aos pedidos realizados por servidores públicos com deficiência, enquanto não sobrevenha regulamentação
específica do direito vindicado. Nesse sentido: MI 5.892, Relator
Ministro DIAS TOFFOLI, DJe, 28 mai. 2014 e MI 6.396, Relatora
Ministra CÁRMEN LÚCIA, DJe, 30 out. 2014.
Para o deferimento da aposentadoria é necessária a análise,
caso a caso, do preenchimento dos requisitos a que faz alusão a Lei
Complementar Federal 142/2013. Essa análise, todavia, por se tratar de tarefa administrativa, não deve ser realizada nos autos do
próprio mandado de injunção.
Convém ressaltar que, em 17 de fevereiro de 2014, foi publicada a Instrução Normativa 2/2014 da Secretaria de Políticas de
Previdência Social, que estabelece instruções para o reconhecimento, pelos Regimes Próprios de Previdência Social da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, do direito dos servidores públicos com
deficiência, amparados por ordem concedida em Mandado de Injunção, à
aposentadoria com requisitos e critérios diferenciados de que trata o § 4º,
inciso I, do art. 40 da Constituição Federal.
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Destarte, o papel do Judiciário na controvérsia em questão
está integralmente cumprido com a determinação de incidência
da legislação referida enquanto pendente de regulamentação adequada o § 4º do art. 40 da Constituição da República.
Ante o exposto, o parecer é pela procedência parcial do pedido, de modo que se reconheça o direito dos representados pela
impetrante de terem sua situação analisada pela autoridade administrativa competente à luz do art. 3º da Lei Complementar
142/2013.
Brasília (DF), 22 de junho de 2015.
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
JCCR/VCM
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