TEMAS POLÊMICOS SOB A ÓTICA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
“FRAUDE NA EXECUÇÃO”
RODRIGO GIACOMELI NUNES MASSUD
Pós-Graduado em Direito Processual Civil
pela PUC-SP/COGEAE. Pós-Graduando em
Direito Tributário pela PUC-SP/COGEAE.
Advogado.
I – INTRODUÇÃO
Comentaremos no presente trabalho, decisão recentemente
proferida pelo Superior Tribunal de Justiça sobre tema por demais relevante e de grande
repercussão prática, concernente à fraude na execução, enquadrando-se, assim, no escopo do
debate sobre “Temas polêmicos sob a ótica dos Tribunais Superiores”.
Diante das recentes e exparsas modificações introduzidas no
Código de Processo Civil, sobretudo no Livro II, que trata do Processo de Execução,
instaurou-se diversas discussões na doutrina pátria, não havendo, ainda, definições emanadas
dos nossos tribunais superiores.
Nesse contexto, entendemos que o acompanhamento das
manifestações proferidas especialmente pelo Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável
pela pacificação da jurisprudência e guarda da ordem infraconstitucional, nunca foi tão
importante num cenário de grandes e importantes modificações no Código de Processo Civil,
as quais têm gerado relevantes discussões e extrema divergência em todo país.
II – A DECISÃO
Após esta breve introdução, cumpre destacar que a decisão
adiante abordada, e que nos parece de grande importância prática, foi proferida pelo Superior
2
Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial n.º 867.502-SP, julgado em 09.08.07, sob
a relatoria da Ministra Nancy Andrighi.
No caso em tela, trata-se de ação de execução contra devedor
solvente prosta pelo Banco Nossa Caixa S/A, tendo como título executivo um contrato de
empréstimo de que resultaria um saldo devedor no valor de R$ 7.240,97.
Citados para a execução, os devedores indicaram à penhora bens
móveis para garantir o pretenso crédito do banco. Entretanto, segundo consta nos autos, tais
bens foram recusados e o Banco Nossa Caixa S/A indicou dois veículos, os quais, entretanto,
não foram localizados pelo oficial de justiça.
Desta feita, o exeqüente requereu a declaração de fraude à
execução, de modo a possibilitar a penhora dos mencionados veículos, sendo que tal pleito foi
indeferido por meio de decisão interlocutória.
Inconformado com o indeferimento do seu pleito, o exeqüente
interpôs Agravo de Instrumento ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sendo, então,
dado provimento ao recurso sob o argumento de que cabia ao devedor a produção da prova
negativa de sua insolvência, do que não teria se desincumbido, caracterizando-se, por
conseguinte, fraude à execução.
Posteriormente, os executados interpuseram o competente
Recurso Especial, distribuído no Superior Tribunal de Justiça sob o n.º 867.502, sendo que
quando do seu julgamento, a Ministra Relatora Nancy Andrighi concluiu que a decisão do
tribunal estadual, ao apurar a configuração da fraude à execução, deixou de analisar a
existência, que deve estar cumulada, dos pressupostos para a sua caracterização, notadamente
no que concerne à indispensabilidade da prova da insolvência do devedor a cargo do credor,
posto que ainda não realizada a penhora, motivo pelo qual deu integral provimento ao
recurso, reestabelecendo a decisão de primeiro grau que indeferiu o pedido de declaração de
fraude à execução.
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Por oportuno, cumpre transcrever a ementa da decisão em
comento para melhor compreensão da matéria, in verbis:
“EMENTA. Direito processual civil. Execução de título extrajudicial.
Fraude de execução. Pressupostos. Análise. Penhora não efetivada. Prova
da insolvência do devedor. Ônus do credor.
- Para que a alienação ou oneração de bens seja considerada em fraude de
execução, quando ainda não realizada a penhora, é necessário que o credor
faça a prova da insolvência de fato do devedor.
- Não há de se falar em presunção de insolvência do devedor em favor do
credor, portanto, quando ainda não efetivado o ato de constrição sobre os
bens alienados. Isso porque a dispensabilidade da prova da insolvência do
devedor decorre exatamente da alienação ou oneração de bens que já se
encontram sob constrição judicial.
Recurso especial provido”
(grifos nossos)
Situado o contexto do julgado, passemos ao debate jurídico
sobre o instituto da fraude à execução, analisando suas hipóteses de ocorrência, especialmente
aquela debatida no Recurso Especial sob enfoque, para, ao final, chegarmos a uma conclusão
sobre o assunto.
III – DA FRAUDE À EXECUÇÃO
O instituto da fraude à execução está previsto, como regra geral,
no artigo 593 do Código de Processo Civil que assim dispõe, in verbis:
“Art. 593 – Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração
de bens:
I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real;
II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor
demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;
III – nos demais casos expressos em lei.”
Como sabido, as hipóteses de ocorrência da fraude à execução
devem constar expressamente em lei. Neste sentido, além das situações previstas nos incisos I
e II do artigo 593, acima transcrito, o seu inciso III prevê a possibilidade de ocorrência de
outras situações previstas em lei como sendo causas de configuração de fraude à execução,
motivo pelo qual o rol do dispositivo em comento não é exaustivo.
4
Desta feita, a título exemplificativo, podemos citar também
como situações caracterizadoras da fraude à execução aquelas previstas no artigo 672,
parágrafo 3º, do Código de Processo Civil, e, mais recentemente, com o advento da Lei n.º
11.382/06, aquela prevista no artigo 615-A, parágrafo 3º, do mesmo diploma legal, que assim
dispõem, in verbis:
“Art. 672 – A penhora de crédito, representada por letra de câmbio, nota
promissória, duplicata, cheque ou outros títulos, far-se-à pela apreensão do
documento, esteja ou não em poder do devedor.
(...)
§ 3º - Se o terceiro negar o débito em conluio com o devedor, a quitação,
que este lhe der, considerar-se-à em fraude de execução. (...)”
(grifos nossos)
“Art. 615-A – O exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão
comprobatória do ajuizamento da execução, com a identificação das partes
e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de
veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.
(...)
§ 3º - Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens
efetuada após a averbação (art. 593). (...)”
(grifos nossos)
Diante desse quadro, diversas discussões se abrem na doutrina e
jurisprudência pátrias sobre o instituto em comento, como, por exemplo, acerca da
possibilidade de haver presunção de fraude à execução, e, se sim, em que situações; se é
absoluta; a distinção da fraude contra credores; o rito processual, a natureza e os efeitos da
decisão que reconhece a fraude à execução; etc.
Não obstante as muitas variantes que envolvem o tema sobre
fraude à execução e a sua ampla gama de discussões, para o fim específico deste trabalho,
vamos nos limitar à análise da questão recentemente julgada pelo Superior Tribunal de Justiça
no Recurso Especial n.º 867.502/SP, adiante explorada, cuja repercussão prática é de grande
relevência diante das novas modificações introduzidas no Código de Processo Civil.
IV – O DEBATE JURÍDICO
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Dentro do escopo do presente trabalho, a celeuma instaurada no
julgado sob análise diz respeito ao entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de
Justiça, de que quando não efetivada a penhora, o ônus da prova, na fraude à execução, é do
credor/exeqüente.
Pois bem, como é sabido, uma das principais diferenças
existentes entre a fraude contra credores e a fraude à execução é exatamente a de que, nesta
última, diferentemente da primeira, o ônus de provar a insolvência do devedor não é do
credor, mas do próprio devedor.
Vale dizer que, na fraude à execução, o ônus de provar a não
ocorrência da insolvência, como forma de afastar o reconhecimento da fraude, é do próprio
devedor, cabendo ao credor, apenas, demonstrar os indícios que indicam a ocorrência da
alegada fraude.
Neste sentido, vejamos as lições de ANTONIO NOTARIANO
JUNIOR e GILBERTO GOMES BRUSCHI1 sobre o assunto, in verbis:
“Na fraude de execução, diferentemente do que ocorre na fraude contra
credores, o ônus de provar a insolvência do devedor não é do exeqüente,
isto significa dizer que na fraude de execução é o adquirente, nos embargos
de terceiro, ou o alienante, na própria execução, que deve provar que a
alienação reputada como fraudulenta não acarretou na sua insolvência.”
(grifos nossos)
Esse foi o entendimento manifestado, inclusive, no acórdão
objeto do Recurso Especial em análise, assim ementado, in verbis:
“FRAUDE DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL.
INDEFERIMENTO EM PRIMEIRO GRAU. DECISÃO REFORMADA.
FRAUDE CONFIGURADA. VENDAS OCORRIDAS APÓS A CITAÇÃO
DO RÉU. INSOLVÊNCIA PRESUMIDA PELA AUSÊNCIA DE
OUTROS BENS PENHORÁVEIS. ÔNUS DA PROVA A CARGO DO
DEVEDOR. DESNECESSIDADE DE PROVA DA INTENÇÃO
FRAUDULENTA. RECURSO PROVIDO, COM OBSERVAÇÃO.”
1
Execução Civil e cumprimento de sentença, Coordenação de Gilberto Gomes Bruschi e Sérgio Shimura, v. 2,
Editora Método, São Paulo, 2007, p. 27.
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(grifos nossos)
Entretanto, como visto, em sentido diametralmente oposto é a
decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, que relacionou uma exceção a essa regra
do ônus da prova, onde, naquelas situações em que ainda não houve a realização de penhora, a
prova da insolvência será do credor/exeqüente.
A questão posta em discussão, então, gira em torno do ônus da
prova sobre a insolvência do devedor para a decretação da fraude à execução.
Neste diapasão, a Ministra Relatora Nancy Andrighi fundamenta
sua decisão nos seguintes termos: “a jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de que
„para caracterização da fraude de execução prevista no art. 593, inc. II, do CPC, ressalvadas
as hipóteses de constrição legal, necessária a demonstração de dois requisitos: (i) que ao
tempo da alienação/oneração esteja em curso uma ação, com citação válida; (ii) que a
alienação/oneração no curso da demanda seja capaz de reduzir o devedor à insolvência’
(Resp 862.123/AL, de minha relatoria, julgado em 7/5/2007).” (grifos nossos)
Extrai-se, assim, que segundo a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, quando já houver a constrição judicial do bem, desnecessária se faz a
prova da insonvência do devedor a cargo do credor, posto que há presunção; do contrário,
caso ainda não haja a constrição judicial do bem, necessária se faz a prova da insolvência do
devedor pelo credor.
Finalizando o seu Voto, a Ministra Relatora aduz que “não há,
pois, de se falar em presunção de insolvência daquele em favor deste, quando ainda não
efetivado o ato de constrição sobre os bens alienados. Isso porque a dispensabilidade da
prova da insolvência do devedor decorre exatamente da alienação ou oneração de bens que
já se encontram sob constrição judicial. Assim sendo, ausente um dos requisitos necessários
à caracterização da fraude de execução, em contraposição ao que dispõe o art. 593, inc. II,
do CPC, deve ser reformado o acórdão reorrido” (grifos nossos).
7
Em que pese o entendimento esposado pela Ministra Relatora,
ao nosso ver, não se mostra plausível a transferência do ônus da prova da insolvência do
devedor ao credor, pois provoca as dificuldades inerentes à prova negativa.
Vale dizer que, a simples ausência de bens penhoráveis,
certificada por oficial de justiça detentor de fé-pública, pressupõe a insolvência do devedor,
sendo por demais exagerado exigir que o credor prove a alegada insolvência.
Essa não nos parece ser a gênese do inciso II, do artigo 593, do
Código de Processo Civil, sobretudo diante das novas reformas promovidas dentro do
Processo de Execução.
Por oportuno, e neste mesmo sentido, veja-se as lições do
eminente Professor ARAKEN DE ASSIS2 sobre o assunto, in verbis:
“A cognição judicial, no exame do elemento insolvência para fins de fraude
contra o processo executivo, se torna sumária, portanto, e é realizada no
próprio processo em que a denúncia do credor se materializa. Exigir que o
credor prove a inexistência de bens penhoráveis constitui exagero
flagrante, provocando as dificuldades inerentes à prova negativa, a
despeito de lhe tocar o ônus da prova. Cabe invocar a presunção de
insolvência, decorrente da falta de bens livres para nomear à penhora
(art. 750, I). Em outras palavras, basta a devolução do mandado
executivo, acompanhada da certidão do oficial de justiça de que não
localizou bens penhoráveis (art. 659, § 3º). Ao alegar existirem bens livres,
o ônus toca ao executado (art. 600, IV), principalmente quanto à
titularidade de bens móveis, ou imóveis situados fora do juízo da
execução.”
(grifos nossos)
Note-se que a situação de fraude à execução prevista no inciso
II, do artigo 593, do Código de Processo Civil, exige a prova de alienação ou oneração de
bens “quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz
de reduzí-lo à insolvência”.
2
Manual da Execução, 9ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2005, p. 235/236.
8
Portanto, se o devedor já tinha conhecimento da existência de
demanda capaz de reduzí-lo à insolvência, o que se deu, no caso em análise, com a sua citação
para os termos da execução de título extrajudicial proposta contra si pelo Banco Nossa Caixa
S/A, o mesmo não pode, posteriormente, alegar que a prova da insolvência, uma vez não
realizada a penhora de seus bens, caberia ao credor.
Cumpre destacar que se a penhora não se realizou sobre os bens
em contenda, tal fato se deu em razão, única e exclusivamente, da fraude à execução
perpetrada pelo devedor/executado, não podendo o mesmo alegar, em seu próprio benefício,
que ao credor caberia comprovar o seu estado de insolvência.
Neste ponto, como bem relembrado pelo eminente Professor
Araken de Assis, cumpre transcrever o disposto no artigo 750, inciso I, do CPC:
“Art. 750 – Presume-se a insolvência quando:
I – o devedor não possuir outros bens livres e desembaraçados para
nomear à penhora;
(...)”
Por oportuno, importa novamente transcrever as sempre
esclarecedoras lições de ARAKEN DE ASSIS3 sobre o assunto, in verbis:
“O termo inicial dos atos ineficazes flui da citação do obrigado, em
„demanda capaz de reduzí-lo à insolvência‟ (art. 593, II), ou seja, bem antes
da penhora, o que revela a insensatez da controvérsia sobre o registro da
penhora. Quer dizer, há ineficácia relativa, ou seja, fraude contra a
execução, porque, alienando o bem penhorado, seqüestrado ou arrestado, o
obrigado se reduziu à insolvência após a citação, jamais porque o bem é
objeto de constrição judicial. O marco da ineficácia situa-se bem antes da
penhora. (...) No sistema jurídico pátrio, portanto, a realização de atos
constritivos – penhora, arresto ou seqüestro – acentuam a ineficácia que,
relativamente aos atos de disposição do executado, aparece em momento
anterior.”
(grifos nossos)
3
Manual da Execução, 9ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2005, p. 236/237.
9
Note-se, ourossim, que as atuais reformas do Processo de
Execução, promovidas pelas Leis n.ºs 11.232/05 e 11.382/06, tendem a conferir maior
efetividade ao provimento executivo, de forma a aumentar as chances de êxito do credor no
recebimento do seu crédito, o qual, na antiga sistemática processual, na maioria dos casos era
fadado ao insucesso.
Com isso, em razão da pertinência com o caso sob análise, foi
introduzido o artigo 615-A no Código de Processo Civil, o qual, em seu parágrafo 3º, assim
dispõe, in verbis:
“Art. 615-A – O exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão
comprobatória do ajuizamento da execução, com a identificação das partes
e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de
veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.
(...)
§ 3º - Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens
efetuadas após a averbação (art. 593).
(...)”
(grifos nossos)
De modo que, pela nova sistemática da execução de título
extrajudicial, o executado que alienar ou onerar seus bens após a averbação realizada pelo
exeqüente nos termos do artigo 615-A, presumir-se-à em fraude à execução.
Ou seja, independentemente de realização de penhora ou
mesmo da existência de demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência, posto que
ainda sequer foi realizada a citação, haverá uma presunção de fraude à execução, sendo que
a contra-prova desta presunção ficará a cargo do executado, nunca do exeqüente.
Sobre o novo artigo 615-A do CPC, estas são as considerações
de GLAUCO GUMERATO RAMOS4, in verbis:
“No mais, o novo art. 615-A criou uma importante faculdade ao exeqüente,
apta a viabilizar um duplo resultado na dinâmica da execução (realização)
4
Execução Civil e cumprimento de sentença, Coordenação de Gilberto Gomes Bruschi e Sérgio Shimura, v. 2,
Editora Método, São Paulo, 2007, p. 253/254.
10
de títulos judiciais e extrajudiciais. De um lado, o exeqüente reforça, em seu
benefício, a publicidade quanto ao início da execução (realização) dirigida
em face do executado; por outro, colabora para que eventuais terceiros de
boa-fé não venham a adquirir um bem sob fraude à execução (CPC, art.
593, II), o que enaltece – ao menos assim me parece – o escopo social do
processo, de modo a colaborar com a manutenção, em sentido abrangente,
da paz social.”
Vale, também, colacionar as considerações de NELSON
RODRIGUES NETTO5 sobre o tema, in verbis:
“Os incisos I e II do art. 593 exigem litispendência para que possa surgir a
fraude à execução. Em que pese litispendência significar a pendência de
uma ação, quer de conhecimento, quer de execução, ou, ainda, quer
cautelar, o STJ reputa como configurada a litispendência somente com a
realização de citação válida.
O art. 615-A vem superar este entendimento, uma vez que permite ao
exeqüente que obtenha, no ato da distribuição, certidão comprobatória do
ajuizamento da execução, para fins de averbação junto aos registros
públicos.
Presume-se em fraude à execução, portanto, a alienação ou oneração de
bens em cujos órgãos registradores há a averbação da pendência da ação
(art. 615-A, § 3º), antes mesmos de o devedor ter sido citado.”
(grifos nossos)
Insta observar que o julgamento do Recuro Especial n.º
867.502/SP ocorreu já na vigência do artigo 615-A do Código de Processo Civil, sendo que,
caso o entendimento ali manifestado seja de fato consolidado pelo Superior Tribunal de
Justiça, estar-se-à aniquilando com a função do mencionado novo dispositivo, nulificando os
benefícios que a sua ampla divulgação e aplicação poderiam trazer ao processo.
Isto porque, ao se consolidar tal entendimento, nada se estaria
mudando, mas sim regredindo, impedindo com que as atuais reformas atinjam os fins para os
quais foram criadas, dentre os quais, o de permitir uma maior efetividade dos provimentos
jurisdicionais.
5
Execução Civil e cumprimento de sentença, Coordenação de Gilberto Gomes Bruschi e Sérgio Shimura, v. 2,
Editora Método, São Paulo, 2007, p. 451.
11
Não há dúvidas, assim, de que é desnecessária a realização de
penhora dos bens do executado, quando estes tenham sido alienados ou onerados ao tempo de
demanda capaz de reduzí-lo à insolvência, para que haja presunção nesse sentido apta a
possibilitar a decretação de fraude à execução, não cabendo, assim, a inversão do ônus da
prova promovido pelo acórdão analisado, sob pena de desvirtuamento do processo executivo e
frustação do direito do credor.
Nunca é demais ressaltar que a tendência do processo executivo
brasileiro é de conferir cada vez mais efetividade ao provimento jurisdicional, especialmente
ao processo executivo, sendo que assim deve ser vista as atuais reformas, as quais devem ser
devidamente acompanhadas pela jurisprudência pátria.
No contexto dessa onda reformadora, importa transcrever as
lições de GLAUCO GUMERATO RAMOS6, que esclarece: “apenas pretendo chamar a
atenção dos que lidam com o processo civil – seja o processualista pessimista com a
Reforma, seja, em especial, o ator do foro – para que voltem suas energias a interpretar e
aplicar o Código de Processo Civil reformado de modo a fazer com que as aspirações
democráticas do legislador reformista sejam concretizadas, o que em última análise fará
com que o processo civil naturalmente se encaminhe à fase utilitarista, exatamente na
perspectiva da terceira onda renovatória do direito processual que é o enfoque de acesso à
justiça.” (grifos nossos).
V - CONCLUSÃO
Por todo o exposto, verificamos que o Superior Tribunal de
Justiça, já na vigência da Lei n.º 11.382/06 e de todas as demais reformas promovidas no
Código de Processo Civil, tendentes a conferir maior efetividade aos provimentos
jurisdicionais, por meio do julgamento do Recurso Especial n.º 867.502/SP, manifestou o
entendimento de que quando não efetivada a penhora, o ônus da prova, na fraude à execução,
é do credor, subvertendo o entendimento da doutrina sobre o assunto.
6
Execução Civil e cumprimento de sentença, Coordenação de Gilberto Gomes Bruschi e Sérgio Shimura, v. 2,
Editora Método, São Paulo, 2007, p. 246.
12
Tal posicionamento, ao nosso sentir, vai de encontro aos
princípios que regem o processo executivo e à onda reformadora iniciada com a promulgação
da Emenda Constitucional n.º 45/04 (Reforma do Judiciário), consubstanciando, assim, um
evidente retrocesso processual.
13
BIBLIOGRAFIA
- ASSIS, Araken de. Manual da Execução, 9ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São
Paulo, 2005.
- BRUSCHI, Gilberto Gomes. Execução Civil e cumprimento de sentença, Coordenação de
Gilberto Gomes Bruschi e Sérgio Shimura, vol. 2, Editora Método, São Paulo, 2007.
- JUNIOR, Antonio Notariano. Execução Civil e cumprimento de sentença, Coordenação de
Gilberto Gomes Bruschi e Sérgio Shimura, vol. 2, Editora Método, São Paulo, 2007.
- Jurisprudência Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: http://www.stj.gov.br.
- NETTO, Nelson Rodrigues. Execução Civil e cumprimento de sentença, Coordenação de
Gilberto Gomes Bruschi e Sérgio Shimura, vol. 2, Editora Método, São Paulo, 2007.
- RAMOS, Glauco Gumerato. Execução Civil e cumprimento de sentença, Coordenação de
Gilberto Gomes Bruschi e Sérgio Shimura, vol. 2, Editora Método, São Paulo, 2007.
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