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A visita dos índios brasileiros a Toronto – Parte I
Por: Rita Simone
Ainda ecoam por Toronto o canto, a sabedoria e o carisma dos três indígenas
brasileiros que estiveram na cidade de 19 a 27 de junho. Os Pataxós, Itxai e Yamani e o
Pankararu Toê, vieram a convite do Centro de Estudos em Segurança Alimentar da
Ryerson University. Eles são da aldeia Cinta Vermelha – Jundiba, no município de
Araçuaí/Minas Gerais, a 716 Km de Belo Horizonte. Embarcou com eles a pedagoga e
pesquisadora mineira, Geralda Soares, do Centro de Documentação Eloy Ferreira da
Silva (www.cedefes.org.br).
Esta foi a primeira vez que uma universidade canadense recebeu povos indígenas
brasileiros para discutir identidade e segurança alimentar e nutricional (SAN). “Eu
sempre tive a intenção de realizar um projeto nesta área entre o Canadá e o Brasil”,
comenta a professora da Ryerson Cecília Rocha. “O ano passado, quando visitamos
Araçuaí, cidade em que já desenvolvemos o projeto Construindo Capacidades em SAN
e fomos apresentados às famílias dessa aldeia, o projeto de intercâmbio com os povos
Pataxó e Pankararu começou a se solidificar. Na oportunidade, outra professora da
Ryerson - Cyndy Baskin que é Mi’kmaq, estava conosco, e os primeiros passos dessa
jornada foram desenhados quando ainda estávamos em terras brasileiras”.
Os indígenas enfrentaram alguns desafios nesta viagem, pois eles nunca haviam
viajado de avião. “Não sei se vou embarcar. Vou até Belo Horizonte, se eu sentir que
não consigo, eu volto para a Aldeia”, disse o Cacique Toê aos assistentes de pesquisa
da Ryerson por telefone, quando eles ainda estavam em Araçuaí, às vésperas de
voarem para Toronto. No entanto, quando foi recebido no Pearson Airport, Tôe declarou
com seu largo sorriso que viajar de avião era bom demais. “Agora que eu já sei, não
quero outra vida”.
Seguramente foi esse estado positivo de espírito, que chamou a atenção de inúmeros
canadenses. Em seu artigo na Now Magazine (http://www.nowtoronto.com/issues/200706-28/news_story15.php), Wayne Roberts escreveu sobre o “sorriso de orelha a orelha”
do Cacique e seus projetos, estruturados com otimismo e perseverança.
Foi com esse espírito que eles seguiram cumprindo uma concorrida agenda. Visitaram
em Toronto o Council Fire, Anishnawbe Holistic Health Centre/ Youth Program; Native
Canadian Centre, o Pow Wow e conheceram a reserva Six Nations, que fica a cerca de
100 Km de Toronto. Além disso, participaram do Seminário Jovens Indígenas
Explorando Identidades através de Segurança Alimentar e Nutricional, na Ryerson
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University.
A caminhada no Aboriginal Day, realizada dia 21 de Junho em Toronto, foi um capítulo
à parte. Valendo-se de seus cocares, rostos pintados e muita agilidade com os maracás
e suas canções ancestrais, eles deram entrevista ao repórter Marzio da Omni TV , e
fizeram todo o percurso do Buffalo Jump (Toronto City Hall até Trinity-Bellwoods Park)
como se já estivessem há muito tempo em contato com os Indígenas canadenses. “Nós
temos muito em comum com nossos parentes. Para nós, não existe distinção, somos
um povo só”, disse Toê referindo-se aos povos daqui.
“Nossas músicas são parecidas com as deles”, disse a Pataxó Yamany, afirmando que
viu outros pontos em comum entre a cultura das indígenas daqui e as do Brasil. Citou
como exemplo a lua. “Quando a gente visitou aquela reserva (Six Nations), a tradição
que ouvi da lua foi igual a nossa. Tanto aqui como no Brasil, a lua é nossa avó. Temos
o costume de pedir ajuda à Vovó Lua, quando nossas crianças estão perto de andar”.
E criança é assunto muito sério para essa Pataxó, professora na Escola da Aldeia.
“Ministramos o curso regular para nossos doze alunos, mas também temos disciplinas
relacionadas com nossa própria cultura. Nos preocupamos em preservar nossa língua e
enconrajarmos nossas crianças a praticá-la. Hoje, sabemos que existem mais de 150
línguas indígenas faladas no Brasil. O povo Maxakali, por exemplo, que vive em Minas
Gerais, não fala português até hoje, explicou Yamany”.
Em Pataxó, ela deixou uma mensagem para as indígenas canadenses: "Arna tokere
amod", (nós, as mães do Brasil indígena, cuidamos muito de nossas crianças). Além de
trabalhar como professora ela é estudante de um programa na Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), que foi especialmente desenhado para atender a demanda dos
povos indígenas.
“Esse curso foi conseguido com muita luta pelos mais velhos e hoje estamos
entusiasmados com o que estamos tendo a oportunidade de aprender”, disse Itxai
Pataxó, que é técnico agrícola e também está estudando na UFMG. Por certo, Itxai
despertou a atenção do grupo canadense - professores e indígenas, quando
apresentou seu Projeto de Permacultura no seminário da Ryerson.
Segundo o Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Santa Catarina
(www.cca.ufsc.br/permacultura/) a idéia da permacultura nasceu para criar sistemas de
florestas produtivas para substituir as monoculturas de trigo e soja, responsáveis pelo
desmatamento mundial. Observando e imitando as formas de florestas naturais do
lugar, revelou-se possível a criação de sistemas altamente produtivos, estáveis e
recuperadores dos ecossistemas locais.
Itxai acredita que esse sistema já era usado por seus antepassados, “não com essa
nomenclatura, mas com o mesmo princípio”. Passo a passo, este Pataxó desenhou
com detalhes no quadro branco da sala de conferência do Graduate Studies da
Ryerson University, todo seu projeto. “A gente está preocupado com a alimentação do
nosso povo, pois a alimentação saudável sem os agrotóxicos é muito importante, já que
a química utilizada em alguns processos prejudica a saúde. Queremos trabalhar pela
natureza não contra ela. Nossa preocupação é o cuidado com as pessoas, com o
planeta”.
A nossa vida está dentro desse projeto, disse o Cacique Toê. “Nós somos dois grupos,
Pataxó e Pankaruru cada qual tem os costumes diferentes, mas hoje nós temos um
sonho só que é a Permacultura, a construção de nossa aldeia e a preservação de
nossa identidade”. O tempo parece estar favorável para Toê e sua gente, diante dos
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resultados já alcançados.
Apesar de estarem somente há dois anos no Vale do Jequitinhona, uma das regiões
mais pobres e secas do país, eles já começaram a transformar a terra. “No começo,
quando nos mudamos para lá fomos muito criticados, porque as pessoas não
acreditavam que poderíamos sobreviver com nossa própria agricultura. As pessoas
diziam esses índios são loucos de irem morar em um lugar que só tem pedras, não tem
mata, não tem caça, não tem água. E ainda tem os que chamam a gente de
preguiçosos. Esses nos criticam por não criarmos gado, só plantarmos mato".
No entanto, comenta Toê, nosso projeto de vida é cuidar do meio-ambiente. “Agora a
terra está reagindo e está muito diferente de quando chegamos. Onde se costumava
plantar somente pasto para gado, já temos árvores grandes. Hoje, já contamos até com
árvores frutíferas e nossa pequena plantação de legumes. Moramos à beira de um rio
que está poluído, mas estamos buscando alternativas para fazermos a terra que foi
destruída renascer”.
Sobre o período que ficou no Canadá, o Cacique disse que parecia um sonho. “Foi
muito bom mesmo”. Por certo, tanto Toê Pankararu(Fogo), quanto Itxai Pataxó (Grande
Estrela) e Yamany Pataxó (Rainha das Águas) reuniram os elementos necessários para
encher a todos que tiveram contato com eles de profundo entusiasmo.
A assistente de pesquisa da Ryerson, Bernadete Nóbrega, que trabalhou como
tradutora do grupo disse que para ela um dos momentos mais marcantes desse projeto
foi quando eles participaram da caminhada Buffalo Jump. “Meu coração batia forte,
ritmado pelos tambores e pelo canto deles. Especialmente, quando houve o encontro
com as outras comunidades Indígenas do Canadá e do mundo, foi muito bonito. Eles se
identificaram com as lutas, ou melhor, com o desafio pacífico em busca dos sonhos
comuns, como a valorização da Terra e do alimento”.
Enquanto eu traduzia, eles iam se identificando mais e mais, como se fossem uma
grande família, com parentesco e afinidades, disse Bernadete. “As pessoas se
aproximavam dos povos Pataxó e Pankaruru saudando e exaltando o parentesco que
os ligavam, apesar da distância geográfica. No momento em que compartilhou o
alimento, fechou-se o ciclo de parentesco, numa atitude totalmente altruísta e
incondicional”, comentou a tradutora.
Toê, Itxai e Yamani retornaram ao Brasil. Por certo, ainda vão ficar por muito tempo na
memória de todos que aqui tiveram contato com tamanho carisma, conhecimento e
atitudes positivas diante da vida.
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