EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF Nós, caciques e lideranças dos Povos Pataxó, Tupinambá, Pataxó Hãhãhãe e Tumbalalá, representando as comunidades indígenas do Norte, Sul e Extremo Sul da Bahia, vimos até Vossa Excelência, respeitosamente, requerer o que segue e de acordo com os fundamentos que passamos a apresentar: DÍVIDA HSTÓRICA E REPARAÇÃO É notaria a dívida histórica que o Estado brasileiro possui com os Povos Indígenas. Este Estado que é o reflexo da cultura do branco, do europeu, do colonizador e que por centenas de anos legitimou a invasão das terras indígenas, a destruição da natureza e a violência contra os povos originários, a partir da Constituição de 1988, enfim, cessou fogo e reconheceu que “o índio” é cidadão, sujeito de direitos e obrigações. Infelizmente, fica impossível calcular o prejuízo econômico gerado pela ganância do branco nesses 488 anos de usurpação legal das riquezas dos povos mais atingidos, como por exemplo aqueles que viviam e vivem mais próximos do litoral. Essas invasões e destruições do passado nos impedem hoje de viver de forma plenamente autônoma e independente, principalmente porque nem mesmo conseguimos de volta os nossos territórios. As leis, então, tentam prever compensações, que muitas vezes ficam apenas no papel, como por exemplo o dever que o Estado brasileiro assumiu para si em 1973, quando no artigo 65 do Estatuto do Índio se obrigou a demarcar as terras indígenas em 5 anos. Passados 10 anos do prazo final, e nenhum avanço nesta questão, a Constituição de 1988 veio, mais uma vez, reafirmar o compromisso do Estado brasileiro com a demarcação. Hoje, 42 anos depois apenas um terço das Terras Indígenas está demarcada e não são as terras dos nossos povos. OMISSÃO ESTATAL GERA VIOLÊNCIA CONTRA NOSSOS POVOS Se a demarcação das terras foi a forma que o Estado brasileiro encontrou de compensar os indígenas, e até o presente momento não houve de fato a regularização de todos os territórios, nos perguntamos por que, além de não termos recebido o quê de direito, ainda temos que sofrer mais e mais prejuízos? A não demarcação significa para nós dor e perdas constantes. Sem nossas terras perdemos a nossa dignidade garantida na Constituição. Sem as nossas terras falta o alimento, o teto, e juntar os parentes para o ritual fica cada dia mais dfíci. Sem nossas terras, o Estado permite e continua a legitimar a destruição das nossas riquezas, a invasão dos brancos, o assassinato das nossas lideranças. A violação de direitos contra nossos povos virou rotina e por isso, cotidianamente estamos procurando as autoridades para denunciar, e, pedindo socorro à Funai, ao MPF, as Secretaras de Direitos Humanos. O Estado brasileiro esta ciente faz muitas décadas do que passamos por não termos as nossas terras, mas, mesmo assim, a impunidade dos nossos agressores é absoluta e a demarcação nunca que se conclui. Estamos muito preocupados com a interpretação que alguns magistrados têm feito da nossa Carta Maior, um exemplo são as decisões judiciais que determinam a retiradas dos indígenas de suas terras, pois para estes, se a terra não está demarcada, ela então pertence legalmente àquele que possui um título de propriedade, o que entendemos ser duplamente equivocado, primeiro porque representa uma afronta a Constituição de 1988, e segundo porque demonstra parcialidade política que visa proteger o invasor, que em muitos casos, é também quem ameaça e mata nossos parentes. Outra situação que muito nos preocupa e nos indigna é a tese do “marco temporal”. Estamos atentos às decisões desta respeitável Corte, e nos manteremos solidários aos nossos parentes Guarani-‐Kaiowá, Terena e Canela-‐ Apãniekra. Anular os longos e complexos processos de demarcação das terras indígenas, desconsiderando as décadas e, muitas vezes, centenas de anos de luta pela terra, desconsiderando ainda, que muitas vezes foi o próprio Estado brasileiro que expulsou e realocou os indígenas, para nós é a maior e mais cruel violência que poderia ser cometida, pois significa a morte dos povos e das culturas indígenas. Não há vida sem a terra, e a vida é o bem jurídico maior, portanto não há constitucionalidade nessa tese do marco temporal. Sabemos que esta Corte possui uma nobre tarefa de dizer o que é o direito, de interpretar os artigos Constitucionais a luz da dignidade humana, a luz dos objetivos e fundamentos do Estado Democrático de Direitos, por isso pedimos que se aplique e se dê eficácia ao reconhecimento dos diretos originários dos Povos Indígenas as suas terras tradicionais, aquelas que ocupamos, que utilizamos para nossas atividades produtivas, que são imprescindíveis à preservação da natureza, que garantirá não só o nosso bem estar, mas o bem estar de todos os brasileiros, e por fim, que se garanta as terras necessárias para que nossos povos possam voltar a crescer, sendo possível nossa cultura, costumes e tradições ser passados para nossos filhos e netos. Assim, terminamos reafirmando nosso desejo de que o Poder Executivo revogue a Portaria 303, que o Poder Legislativo não aprove a PEC 215, nem nenhuma outra medida que tenha por objetivo retirar direitos dos povos indígenas, e que, Vossa Excelência nos ajude, intervindo no Poder Judiciário, contra qualquer decisão que desrespeite a Constituição, ou que viole os nossos direitos enquanto povos originários deste país. Brasília-‐DF, 08 de julho de 2015. Caciques e lideranças dos Povos: Pataxó, Pataxó Hãhãhãe, Tupinambá e Tumbalalá.