Variação linguística: língua portuguesa e o preconceito na mídia
Tania Regina Montanha Toledo SCOPARO 1
Eliane Aparecida MIQUELETTI 2
Resumo
Considerando a importância da variação linguística no ensino de Língua Portuguesa,
este trabalho realiza uma revisão bibliográfica sobre a temática e faz análise de duas
capas da revista Veja, com o objetivo de mostrar que a mídia incute a visão de certo e
errado ao falar dos usos da Língua Portuguesa e ao enfatizar o domínio da norma culta à
ascensão social, sem considerar as outras formas de uso da língua, pode auxiliar na
propagação do preconceito linguístico. A base teórica principal é a Sociolinguística,
mas também conta com as contribuições da Semiótica greimasiana.
Palavras-chave: Variação linguística; Mídia; Preconceito linguístico.
Abstract
Considering the importance of linguistic variation in the teaching of the Portuguese
language, this paper reviews the literature on the subject and makes analysis of two
cases of Veja magazine, in order to show that the media instills the vision of right and
wrong when talking about the uses Portuguese Language and emphasize the field of
cultural norms for social mobility, without considering other forms of language use, can
assist in the spread of linguistic prejudice. The theoretical basis is the main
sociolinguistics, but also relies on the contributions of semiotics greimasian.
Keywords: Linguistic variation; media; Linguistic Prejudice.
1
Professora na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Doutoranda na Universidade
Estadual de Londrina. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Rod. Celso Garcia Cid, Pr
445 - km 380. Caixa Postal 10.011. Londrina – PR. CEP: 86057-970. Email: [email protected]
2
Doutoranda na Universidade Estadual de Londrina. Programa de Pós-Graduação em Estudos da
Linguagem. Rod. Celso Garcia Cid, Pr 445 - km 380. Caixa Postal 10.011. Londrina – PR. CEP: 86057970. Bolsista CAPES. Email:[email protected].
Introdução
A história já provou que a língua é instrumento de poder em diversos aspectos,
entre outros exemplos, temos desde a bíblica história da Torre de Babel, na qual, para
mostrar seu poder, Deus mistura os idiomas para que os povos não mais se entendessem
impossibilitando a construção da torre. Na história das colonizações, como a do Brasil,
aos povos dominados é imposta a língua do dominador, em resumo, as línguas humanas
são mais do que instrumentos de comunicação, são, além disso, “reflexo da cultura de
um povo”, “mecanismos de identidade” (SCHERRE, 2005, p. 10).
Diante disso, as variações ocorrem seguindo, também, o curso das modificações
sociais. Em frente a essa perspectiva, nota-se que a mídia, enquanto veículo de
comunicação e, porque não, instrumento de poder, revela-se como importante
veiculador de valores e ideologias linguísticas, incutindo na sociedade afirmações que
nem sempre condizem com a realidade linguística, mas com vistas a objetivos
socioeconomicamente determinados.
Dessa forma, o objetivo deste trabalho é mostrar que a mídia incute a visão de
certo e errado ao falar dos usos da Língua Portuguesa, toma como certo absoluto a
“norma padrão” e erradas as variações que fogem a ela. Ademais, generaliza ao aliar o
domínio da norma padrão à ascensão social.
Partimos das seguintes hipóteses: a variação linguística e o uso de variedades mais
próximas da culta são direcionadas pela mídia de acordo com o que convém. As
variedades que fogem ao padrão culto continuam sendo usadas como mote para piadas,
atos pejorativos. O domínio dessa é reconhecido como a correta e necessária para a
ascensão social, desconsiderando as outras variedades existentes.
Para isso, realizamos um trabalho de revisão bibliográfica sobre a temática e
análise do corpus constituído de duas capas das revistas Veja, edições de 12/09/2007 e
11/08/2010.
Cabe destacar que a base teórica assenta-se nas prerrogativas da Sociolinguística
aliada à Semiótica Greimasiana, para a construção da análise das capas da revista Veja,
via metodologia do “percurso gerativo de sentido”, como auxiliar na verificação da
prova das hipóteses levantadas.
O tópico a seguir realiza algumas considerações teóricas em torno da
Sociolinguística e das prerrogativas que embasam as discussões sobre norma e
variações linguísticas; noções de certo e errado. O que se refere às bases teóricas da
Semiótica Greimasiana e a seu modelo metodológico, o percurso gerativo de sentido,
que fundamenta a análise das capas da revista Veja, estará na própria análise.
1. A Sociolinguística: algumas bases
Sociedade e linguagem estão desde sempre inter-relacionadas e a variação é algo
inerente a ambas, resultado da dinâmica comunicativa que as sustenta. Nessa
perspectiva enquadra-se a Sociolinguística, essa se preocupa com o uso da língua na
sociedade. Cabe assinalar, rapidamente, que apesar da Linguística ter se consolidado
como ciência a partir dos estudos saussureanos publicados no livro Curso de Linguística
Geral, em 1916, ao definir a língua (langue), sob um ângulo social, como objeto central
de seu estudo linguístico, em oposição à fala (parole), algo individual, a língua ainda
era vista como um sistema de regras, sistema estático, homogêneo, regular, ou seja,
privilegiava-se o caráter formal e estrutural do fenômeno linguístico (ALKMIM, 2001,
p. 23), o falante e os diversos modos como a língua se apresenta não eram considerados.
A Sociolinguística surge a partir da importância dada à fala, sua preocupação é
com o fenômeno linguístico em sua abrangência dialetal e variacional, observando
como a língua funciona em um contexto de fala, e quais os fatores que influenciam para
que as mudanças linguísticas aconteçam. Seus estudos foram consolidados depois de
1964 com a realização de um congresso na Universidade da Califórnia, no estado de
Los Ângeles, Estados Unidos, organizado por William Bright, e contou com a
participação de importantes figuras nos estudos da Sociolinguística mundial: William
Labov, Dell Hymes e John Gumperz (SOUSA, 2005, p.153).
Outros estudiosos como F. Boas (1911), Edward Sapir (1921) e Ben Jamin L.
Whof (1941), assim como, Antoine Meillet, Mikhail Bakhtin, Marcel Cohen, Émile
Benveniste e Roman Jakobson, que valorizavam a relação interdisciplinar entre
linguagem, cultura e sociedade, também contribuíram para a formação da
Sociolinguística atual (SOUSA, 2005, p. 154).
De maneira geral, essa área de estudo preocupa-se em estudar a língua em uso na
comunidade de fala, sendo assim, considera a língua como algo social, pertencente a
todos os indivíduos de uma comunidade, estrutura viva, nesse ponto integra seu caráter
heterogêneo, onde se situa as variações linguísticas. Bortoni-Ricardo (2005, p.20)
lembra que a Sociolinguística ocupa-se, sobretudo, “[...] das diversidades nos
repertórios lingüísticos das diferentes comunidades conferindo às funções sociais que a
linguagem desempenha a mesma relevância que até então se atribuía tão-somente aos
aspectos formais da língua”.
Ainda que rapidamente, cabe observar que entre os principais autores que
fundamentam as bases da Teoria da Variação e Mudança Linguística, sobretudo no que
se refere à interferência dos aspectos da estrutura social na mudança ao longo do tempo,
sincrônica, são eles Weinreich, Labov e Herzog ([1975] 2006), eles estabelecem como
ponto essencial de investigação histórica localizar o fenômeno tanto no contexto
estrutural (interno) quanto no contexto social (externo). De maneira geral, estuda a
variação e a mudança da língua no contexto social da comunidade de fala. A língua não
é propriedade do indivíduo, mas da comunidade (é social). Nesse sentido, o conceito de
mudança é visto como “um processo contínuo e o subproduto inevitável da interação
linguística” (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 2006 [1975], p. 87 e 139), ou seja, a
dinâmica interna da língua produz mudança linguística.
Diante disso, a heterogeneidade linguística é vista na relação com o social e
frente a sua própria subjetividade, o sujeito é livre para escolher e adequar-se as várias
situações de uso da língua. As diversidades, coletivas ou individuais, são formas de
identificação dos “membros de uma nação, ligados por traços socioculturais,
econômicos e políticos, tradicionalmente firmados, identificam-se e distinguem-se dos
membros de outra pelo seu instrumento de comunicação” (CAMACHO, 1988, p.29).
Sendo assim, não há língua sem variação, no contato entre línguas, ou entre falantes elas
se individualizam, modificam e variam. Além disso, historicamente as línguas sofrem
alterações, já que “uma língua é um objeto histórico, enquanto saber transmitido,
estando, portanto, sujeita às eventualidades próprias de tal tipo de objeto. Isso significa
que se transforma no tempo e se diversifica no espaço” (CAMACHO, 1988, p.29).
No entanto, não são somente as diferenças entre os idiomas que marcam a
diversidade linguística, a mesma língua sofre influência ao longo do tempo, fatores
diversos modificam-na, para além de aspectos temporal e espacial. Nesse bojo,
Camacho (1988) aponta para aspectos sociais (idade, sexo, classe social, escolaridade
etc.) e estilísticas (estilo formal, informal, coloquial, culto etc.). Esses integram as
quatro modalidades de variações linguísticas: histórica, geográfica, social e estilística.
A variação histórica acontece ao longo de determinado período do tempo. A
mudança é gradual, uma variante inicialmente passa a ser usada por um grupo restrito
de falantes e só é substituída quando “ao se propagar, é adotada por um grupo
socioeconomicamente expressivo” (CAMACHO, 1988, p.30) e então é fixada pelo uso
na modalidade escrita.
Em relação à variação geográfica, estão relacionadas à espacialidade, as
mudanças de pronúncia, vocabulário e estrutura sintática que ocorrem em comunidades
linguísticas maiores que falam o mesmo idioma, como ocorre entre os falantes do sul e
do nordeste do Brasil.
A variação social está ligada à capacidade verbal que membros de mesmo grupo
sociocultural da comunidade vão assemelhando de acordo com fatores como: o nível
socioeconômico do indivíduo, o grau de educação, a idade e o sexo, fatores que podem
ocorrer isolados ou relacionados. Cabe observar que a variação social não prejudica a
compreensão entre indivíduos, o que pode acontecer na variação regional. Ademais, o
uso de certas variantes pode indicar o nível socioeconômico e cultural das pessoas, no
entanto, nada impede que o indivíduo de um grupo menos favorecido atinja o padrão de
prestígio de acordo com as relações culturais e profissionais, por exemplo, “o
intercâmbio cultural e profissional entre indivíduos de meio diverso possibilita a
adaptação das formas de expressão de um para outro grupo” (CAMACHO, 1988, p.33).
A última variação abordada é a estilística, está relacionada ao uso individual, ou
seja, as variações do estilo linguístico que cada indivíduo utiliza dependendo das
variações das situações de comunicação, a linguagem é adequada de acordo com
determinada finalidade, dessa forma tem-se: a relação familiar, a profissional, o grau de
intimidade, o tipo de assunto tratado, os receptores. “Tal adequação decorre de uma
seleção dentre o conjunto de formas que constitui o saber linguístico individual, de um
modo mais ou menos consciente” (CAMACHO, 1988, p.34).
É importante ressaltar, ainda, que as variações linguísticas se inter-relacionam,
por isso é comum que um mesmo falante apresente mais de uma delas, além disso, para
que a mudança ocorra, em determinado momento, ambas, a substituta e a substituída,
coexistirão, apenas com o reconhecimento pela maioria dos membros da comunidade de
prestígio a substituta passa a ser considerada.
Em síntese, é preciso considerar que as variações podem ocorrer nas diversas
manifestações da língua, é uma característica inerente das línguas naturais. Constitui um
fenômeno regular, sistemático, motivado por regras do sistema linguístico, cada uma
delas possui suas regras próprias e não aleatórias. No entanto, como corrobora Camacho
(1988) é comum a imposição da norma linguística do grupo dominante, considerando-a
como a correta, inculcando a distinção entre “correto” e “incorreto”, visão conservadora
de língua e elitista, em detrimento das variações estigmatizadas. De maneira geral, com
essa forma de tratamento da língua, muitas vezes também propagada pela escola, ajudase a criar uma forma de discriminação social.
Faraco (2008) ao falar sobre as mudanças que a escola sofreu ao longo do
tempo no que se refere ao tratamento dado ao ensino da norma culta e comum, afirma:
O
senso
comum
também
não
distingue
a
norma
culta/comum/standard falada da norma escrita. Em conseqüência, não
é rara a crença de que se deve falar como se escreve.
Por fim, o senso comum não distingue a norma culta – isto é, a
variedade efetivamente praticada pelos falantes letrados nas situações
mais monitorada de fala ou escrita - e a norma curta - isto é, os
preceitos conforme estipulados pela tradição gramatical normativa
conservadora (FARACO, 2008, p.190).
De forma geral, segundo o estudioso, a escola não dá conta de uma pedagogia
para trabalhar as variações linguísticas e acaba fortalecendo o preconceito linguístico;
e, por conseguinte, ajuda na manutenção de poder da classe dominante, como bem
lembra Labov: “a causa primária do fracasso educacional não são as diferenças
linguísticas, mas o racismo institucional” (LABOV, 1984, apud MONTEIRO, 2002, p.
149). Em torno dessas questões gira o tópico a seguir.
1.1 Entre certo e errado, a supremacia da norma culta
Apesar do surgimento e desenvolvimento dos estudos da Sociolinguística, boa
parte da sociedade ainda crê que há uma variedade mais certa do que outras. O
problema do “certo”/”errado” reside na pouca compreensão de que a variação está
inscrita na língua, é própria dela, como apontamos no tópico anterior. De maneira geral,
é possível verificar que há mudanças que advém da própria língua, lógica interna, e
outra diante das condições sócio-históricas em que vive.
Faraco, no artigo “Norma-padrão brasileira” (2002), explica que a raiz do
preconceito linguístico na cultura brasileira e das atitudes puristas e normativistas que
veem erros em toda parte e condenam qualquer uso de formas que fuja ao estipulado
pelos compêndios gramaticais mais conservadores, está na distância que se colocou,
desde o início, entre a norma culta e o “padrão artificialmente forjado”.
Nesse contexto, Mattos e Silva (2004) lembra que há aspectos históricos sociais
ligados à realidade linguística e a política educacional brasileira que imprimira a visão
social nessa direção. Em resumo, afirma que na segunda metade do século XVIII,
quando, por conta da política linguística-cultural de Marquês de Pombal, a Língua
Portuguesa é imposta aos indígenas, que falavam, sobretudo, uma língua de base tupi,
sem deixar de lembrar que antes disso ocorria no país outros contatos linguísticos, além
das línguas indígenas, línguas de origem africana, com destaque para o banto. Entre os
séculos XVI e XVII, o Brasil é culturalizado pela Companhia de Jesus e a formação
cultural era reservada a pequena parcela da elite que já dominava e deveria aprimorar a
norma culta. No início do século XIX, 1808, a corte portuguesa vem para o Brasil,
ocorre o aumento de letrados, apesar de o ideal homogeneizador do padrão prestigiado
não se configurar. Nesse momento destaca a implantação da clivagem resultante da
“diglossia” atual, em síntese, a oposição entre os dois polos do nosso continuum
linguístico: os que portavam o padrão linguístico lusitanizante (padrão culto brasileiro
no sec. XX) e os iletrados, grande maioria. Entra em cena, a “normatização linguística
explicitada, coercitiva” (MATTOS e SILVA, 2004, p. 134), o policiamento gramatical
preocupava a elite, fato que é perceptível até os dias de hoje.
De maneira geral, a partir da década de 1970 nota-se, segundo a estudiosa,
crescente consciência de linguísticas e professores de Língua Portuguesa no que se
refere à divergência entre o que prega as orientações oficiais e o que se verifica na
realidade escolar, segundo ela, há implícito a necessidade social de dar apoio
pedagógico-linguístico adequado para integrar as variantes dos estudantes aos padrões
prestigiados socialmente mostrando que esse é necessário para ascensão social. Dessa
forma, como bem aborda a autora, que imbricado ao prestígio de uma variante sobre as
outras, está o forte aspecto sócio ideológico e não há como negar que o domínio de
determinada variante prestigiada facilita o acesso ao poder.
Bortoni (2006, p. 272), numa análise comparativa entre oral e escrita, aponta que
as distinções envolvem o “estatuto do chamado erro”. Na fala não se enxergam erros,
mas inadequações; a variação lhe é inerente, marca de identidade dos falantes, de seu
papel social e sua relação com o interlocutor, pode ser escolhida de acordo com a
adequação a cada contexto de uso. Por outro lado, na escrita, o erro, apesar de também
estar ligado à avaliação social, corresponde a “transgressão de um código
convencionado e prescrito pela ortografia” (BORTONI, 2006, p.273); a variação não é
prevista nas línguas já estabilizadas historicamente, a uniformidade garante a
funcionalidade da ortografia. Diante dessas distinções a Sociolinguística atribui a noção
de erro apenas às transgressões ortográficas.
No que se refere ao conceito de “norma”, cabe destacar, as reflexões realizadas
por Coseriu (1979), um dos principais teóricos a esse respeito. Este estudioso tenta
conceituar norma ligado aos conceitos de fala e sistema. Em resumo, no sistema estão
os elementos virtuais, mesmo que não consagrados pela norma. A norma é menos geral
que o sistema e representa a realização natural, ou seja, a forma mais comum de uso da
língua. E a fala é uma realização concreta, individual, mas baseada nos modelos
observados dentro da comunidade linguística que faz parte. Para o autor, é necessário
compreender o funcionamento do sistema linguístico. Para isso cabe uma investigação
do uso linguístico, do ato de fala e suas variações, das diversas normas articuladas ao
sistema e à fala; enfim da constituição da “gramática” do sistema. Como afirma:
[...] o indivíduo cria sua expressão numa língua, fala uma língua,
realiza concretamente em seu falar moldes, estruturas da língua de sua
comunidade. Num primeiro grau de formalização, essas estruturas são
simplesmente normais e tradicionais na comunidade, constitui o que
chamamos norma; mas, num plano de abstração mais alto, depreendese delas mesmas uma série de elementos essenciais e indispensáveis
de oposições funcionais: o que chamamos sistema. Mas norma e
sistema não são conceitos arbitrários que aplicamos ao falar, mas
formas que se manifestam no próprio falar [...]. (COSERIU, 1979, p.
72).
Cabe observar que Faraco (2008, p. 35) afirma que pode-se conceituar norma de
um modo técnico, ou seja, “como determinado conjunto de fenômenos linguísticos fonológicos, morfológicos, sintáticos e lexicais - que são correntes, costumeiros,
habituais numa dada comunidade de fala”, dessa forma, a norma é entendida dentro do
sentido do que comum no interior de uma comunidade linguística.
Nesse sentido, Castilho (2002) afirma haver um conceito amplo como fator de
coesão social. Nesse caso, observam-se as atitudes da própria comunidade linguística ao
corrigir quando algum membro comete um desvio da norma, movido pela pressão
social, essa pretende a unificação dos traços culturais, a permanência da identidade do
grupo. Há, ainda, segundo ele, um conceito estrito, no qual a norma relaciona-se aos
usos e aspirações da classe social de prestígio, as „regras do uso bom‟. Em síntese
existe: a norma objetiva, explícita ou padrão (praticada pela classe social de prestígio); a
norma subjetiva, implícita ou padrão ideal (atitude do falante diante da norma objetiva,
o que a comunidade espera do indivíduo de grupo); a norma prescritiva (combinação da
objetiva e da subjetiva, o ensino dos usos linguísticos da classe prestigiosa como os
mais adequados).
Em relação à norma prescritiva, o autor dá considerável atenção para deixar
claro que ela também sofre influências da variabilidade linguística, apesar de essa
influência variar de comunidade para comunidade. As preocupações e atitudes mudam
ao longo do tempo, por isso, não há como estabelecer um modelo de norma comum ao
longo dos tempos. Tendo em vista a extensão territorial do Brasil e a rápida
urbanização, há uma pluralidade de normas, além disso, as diferenças regionais afetam
mais a norma oral e seus níveis fonológico e lexical, nos quais se notam maiores
variações e, consequentemente, problemas. Quanto ao espaço social, liga-se à variante
culta e compõem-se dos dois registros: a norma coloquial e a refletida.
Adotamos, para o presente trabalho, a premissa de que a norma padrão é ideal,
ou seja, é um modelo abstrato, preconizado pela gramática normativa; enquanto a norma
culta, na verdade são normas cultas, porque vai de acordo com cada comunidade, mas é
a mais próxima do padrão. A norma culta é considerada real, porque é praticada por
uma parte da comunidade mais letrada, com maior grau de instrução, a praticada pelas
pessoas com curso superior completo, por exemplo.
Enfim, diante das discussões teóricas, constata-se que: “Todas as variedades, do
ponto de vista estrutural linguístico, são perfeitas e completas entre si. O que as
diferencia são os valores sociais que seus membros têm na sociedade.” (CAGLIARI,
1999, p. 81). A variação “correta”, de prestígio, é a variedade normalmente usada pelos
grupos socioeconomicamente mais privilegiados e que detêm o poder econômico ou
cultural, a norma culta, por consequência o preconceito linguístico em relação aos que
não a dominam torna-se comum, e a mídia tem papel fundamental na permanência dessa
visão.
2. Análise
A variação linguística e o uso de variedades mais próximas da norma culta são
direcionados pela mídia de acordo com o que lhe convém. Há várias situações em que
observamos que a mídia, de forma mais ou menos explícita, corrobora para diversas
situações de preconceito linguístico. As variedades que fogem a culta são por ela
estigmatizadas e, muitas vezes, mote para piadas pejorativas.
Na mídia televisiva, por exemplo, normalmente os personagens de nível
socioeconômico cultural baixo são desempenhados por sujeitos que não dominam a
norma culta, o que nem sempre condiz com o real. Em programas de entretenimento, a
variedade linguística menos prestigiada é motivo de piada a exemplo do que ocorre com
o personagem Nerso da Capitinga, Adelaide, no programa Zorra Total, entre tantos
outros.
Essas variações aparecem em situações humorísticas, motivadas por falantes
estigmatizados. É tendência, na mídia, principalmente a televisiva, criar imagem
pejorativa de variedades do interior de certas regiões do Brasil, como falantes
nordestinos, mineiros, paulistas, cariocas, paraibanos, entre outros, e principalmente de
regiões rurais. Essa postura influencia o preconceito que os telespectadores
desenvolvem sobre as variedades estigmatizadas, possibilitando a manifestação de
avaliações negativas em relação a essas variações.
Observamos também que na mídia impressa o preconceito linguístico manifestase em notas sobre “gafes” linguísticas cometidas por celeridades, além disso, mais do
que nunca gramáticos renomados tem sido requisitados, por jornais e revistas, para
“solucionar” problemas de desvio a norma e, cada vez mais impor uma imagem de
“erros” a outras formas de usos da língua.
Nesse contexto, destaca-se, neste trabalho, outra tendência midiática ligada à
supremacia da norma culta, esta aliada à ascensão social, certamente o domínio dessa
norma pode favorecer o crescimento social tendo em vista a exigência de seu uso em
algumas esferas da vida pública, sobretudo em empregos de alto poder aquisitivo, no
entanto ao deixar de considerar a existência de outras formas de uso da língua pode
levar, implicitamente, ao preconceito, ou seja, “quem não domina a norma culta e a
padrão é considerado ignorante”.
Tendo em vista demonstrar essa tendência, analisamos duas capas da revista
Veja, uma de 2007 e outra de 2010, em que reportagens sobre o domínio da norma culta
são destaque, quando necessário retomaremos parte das matérias que estão no interior
da revista, apenas para confirmar algumas reflexões realizadas. A revista Veja, suporte
do corpus a ser analisado, é uma revista semanal e de circulação nacional, publicada
pela Editora Abril. Foi criada em 1968, pelos jornalistas Victor Civita e Mino Carta. É a
revista de maior circulação no Brasil, com uma tiragem superior a um milhão de
exemplares, dessa forma, nota-se a influência que pode exercer sobre a opinião do
público leitor enquanto veículo de comunicação que é.
Assinala-se, ainda, que a escolha pela análise da capa da revista justifica-se por
este espaço constituir-se na primeira impressão que o público leitor tem da matéria
enfatizada, é a partir desse recurso que o leitor é “fisgado” a ler /comprar ou não a
revista. Scalzo (2003, p. 62) afirma que “uma boa revista precisa de uma capa que a
ajude a conquistar leitores e os convença a levá-la para casa”. A mídia, normalmente,
direciona algum tema relevante a ser discutido nas reportagens no interior do veículo
midiático e, a partir desta, constrói uma imagem visando a influenciar seus leitores.
O poder do discurso veiculado por jornais e revistas impressas não pode ser
ignorado. Apontaremos como a linguagem pode ser trabalhada no sentido de apresentar
a ideologia que se manifesta em seu discurso por estratégias da linguagem verbal e não
verbal. Para isso, a construção assinalada pela semiótica greimasiana contribui para o
sentido do texto e corrobora a assertiva da sociolinguística exposta no início deste
artigo. Vejamos as capas analisadas3.
Fig. 01 - Capa Veja 2007
3
Fig. 02 - Capa Veja 2010
A matéria, na íntegra, pode ser encontrada nas revistas impressas, edição 2025 – ano 40 – n° 36 – 2007 e
edição 2177 – ano 43 – n° 32 – 2010. E, também, no site da revista: www.veja.com.
Cabe informar que a matéria da revista Veja de 12 de setembro de 2007 (fig. 01),
“Falar e escrever certo” discorre sobre a mudança ortográfica e vários especialistas
falam sobre o assunto. No artigo da revista Veja o jornalista faz uma “chamada” com o
seguinte subtítulo “Ascensão pelo vocabulário” e afirma que “o bom uso da língua
influi na carreira (...) a chance de ascensão profissional está diretamente ligada ao
vocabulário que a pessoa domina. Quanto maior seu repertório, mais competência e
segurança ela terá para absorver novas ideias e falar em público” (p. 88). Na
reportagem, fica evidente que a “riqueza da língua” é ferramenta fundamental na
carreira profissional e no crescimento pessoal.
No texto da revista Veja que representa a capa de 11 de agosto de 2010 (fig. 02),
novamente o assunto foi o enriquecimento do vocabulário para que o brasileiro evite
“erros” e possa falar e escrever melhor para avançar na vida. O título “Falar e escrever
bem: rumo à vitória” trata da importância de se saber falar e escrever bem de acordo
com a norma culta da língua portuguesa. No conteúdo da matéria, no início, há a
seguinte “chamada” “Do ponto de vista da clareza e da gramática, o primeiro debate dos
candidatos deixou a desejar. Mas, para os brasileiros interessados em dominar o
português, novas obras de referência podem ajudar a enriquecer o idioma cotidiano”. (p.
94). O jornalista assim se posiciona sobre a linguagem usada pelos principais candidatos
– Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva – em seus pronunciamentos “na maior
parte, o debate foi simplesmente ininteligível. Os candidatos (...) afundaram-se em
anacolutos, solecismos, frases inconclusas e erros gramaticais (...) falharam todos, em
maior ou menor medida, no uso de uma ferramenta básica: a linguagem” (p. 94). O
debate foi um mote para o jornalista demonstrar que falar e escrever bem são essenciais
para ter êxito na vida pessoal e profissional. Discorre também sobre o lançamento de
novas obras destinadas ao leitor que anseia por aprimorar sua expressão verbal,
acrescentando, ainda, no interior da matéria os “10 erros de português que acabam com
qualquer entrevista de emprego” (p. 98-99).
Antes de proceder à análise, via pressupostos metodológicos da Semiótica, é
necessário realizar uma visão geral do que se visualiza nas duas capas. Na figura 01
verifica-se a presença de uma escada, no contorno da primeira letra do alfabeto, sendo
“subida” por uma mulher, possivelmente executiva, pelos trajes. A figura 2 apresenta a
imagem de um grande teclado, em formato de uma pirâmide, ao fundo, no final dela,
um homem, em uma tribuna, que parece discursar. Cabe lembrar que o objeto de estudo
da Semiótica Greimasiana é o texto, descreve os processos de formação do sentido
desses textos, a sua significação, oferecendo um instrumento metodológico para a
leitura, a interpretação, a desconstrução e a exploração de diversos níveis de seu sentido.
Dessa forma, cabe entender que texto, para essa teoria, compreende uma relação
entre um plano de conteúdo (significado do texto) e um plano de expressão. O plano de
expressão constitui-se na forma de apresentação do conteúdo. A manifestação do
conteúdo em um sistema de significação pode ser verbal, não verbal ou sincrético como
são as capas das revistas analisadas. Discini (2005, p. 57) observa que “No plano de
conteúdo estão as vozes em diálogo, está o discurso. No plano da expressão está a
manifestação do sentido imanente, feita por meio da linguagem sincrética, que integra o
visual e o verbal sob uma única enunciação”. Greimas e Courtés, principais
sistematizadores da teoria, explicam a semiótica sincrética como aquela que “como a
ópera ou o cinema – acionam várias linguagens de manifestação; da mesma forma, a
comunicação verbal não é somente de tipo lingüístico: inclui igualmente
paralingüísticos (como a gestualidade ou a proxêmica), sociolingüísticos, etc.” (s/d, p.
426).
Diante disso, Greimas concebe o sentido como um processo gerativo,
formalizado no modelo teórico do percurso gerativo do sentido, para onde convergem
três níveis de análise e a partir dos quais é possível observar o enriquecimento textual,
partido de um patamar mais simples e abstrato se busca categorias sob as quais o texto
foi construído, passa para outro um pouco mais concreto no qual se nota as relações
entre sujeitos e os valores advindos da base, até chegar ao nível mais complexo e
concreto, parte mais visível da elaboração do texto, campo da enunciação, o qual se
situam as ideologias, respectivamente, são eles os níveis: fundamental, narrativo e
discursivo.
Não sendo nosso objetivo neste trabalho delongar nessas definições por motivos
de espaço para o artigo proposto, passamos à análise, sobretudo se atendo a alguns
aspectos do nível discursivo do percurso gerativo de sentido, mais precisamente a
semântica discursiva, pois autenticará a validade da proposição da sociolinguística.
Comentários teóricos serão realizados ao longo da análise, quando necessários.
O elemento que nos chama a atenção no texto verbal é o título, cujo objetivo é
resumir a informação principal da reportagem especial da edição e, de certa forma,
direcionar, logo a primeira vista, interpretações sobre a matéria inserida no interior da
revista: “Falar e escrever certo” (fig. 01), e “Falar e escrever bem: rumo à vitória” (fig.
02). O discurso verbal que observamos nos dois títulos é realizado na forma de um
enunciado que é produzido por uma enunciação, instância de produção do discurso. Para
que esta enunciação seja produzida há uma relação entre um enunciador e um
enunciatário. Os verbos “falar e escrever” no infinitivo são realizações discursivas que
produzem um efeito de ação contínua e que tem como elemento semântico comum o
tema pressuposto ascensão social “Falar e escrever certo” e “Falar e escrever bem: rumo
à vitória”, figuras 01 e 02 respectivamente, são ações que supõem um enunciador, no
caso, a revista Veja, que realiza um fazer persuasivo.
Se há um enunciador, supõe-se também que há um destinatário, este é coletivo,
pois são os leitores da revista. O enunciador procura fazer com que o destinatário aceite
o que diz e ao mesmo tempo realize um fazer interpretativo. Os enunciadores e os
destinatários estão implícitos nos enunciados dos dois textos, pois não há nenhuma
marca pessoal que se refira a eles, como um “eu” ou um “ele” ou “você”, ou um verbo
na 1ª ou 3ª pessoas. No entanto, mesmo implícitos, os enunciadores estão presentes e ao
elaborarem os títulos provocam uma interferência intersemiótica: sua presença
determina a leitura do texto jornalístico e estabelece antecipadamente seu universo de
significados, orientando os leitores para uma compreensão do tema proposto.
O tema ascensão social (e por pressuposição lógica: preconceito linguístico) é
reforçado nas “chamadas”, ou enunciado-resumo ou microtexto, que acompanham os
títulos. Na capa da Veja (fig. 01), de 2007, lemos “a) Como o domínio da língua
impulsiona a carreira; b) Os 10 erros de português que arruínam suas chances”; c) A
ansiedade com a nova reforma ortográfica”. Já na capa de 2010 (fig. 02), apresenta o
seguinte texto “Expressar-se com clareza e elegância é essencial para avançar na vida. A
boa notícia é que há mais ferramentas para o aprendizado”. Esses discursos recebem
revestimentos semânticos figurativos. “As figuras são elementos do discurso que criam
a ilusão de um mundo possível por produzir uma referencialização ao mundo natural
(PIETROFORTE, 2010, p. 21). Assim, falar, escrever, certo, domínio, língua,
impulsiona, carreira, erros, português, arruínam, chances (fig. 01); falar, escrever, bem,
vitória, clareza, elegância, avançar, vida, ferramentas, aprendizado (fig. 02), são figuras
do discurso. Essas figuras concretizam o tema e ajudam na leitura, construção e
interpretação dos textos. Segundo Fiorin (1999, p. 70) “Ler um texto não é apreender
figuras isoladas, mas perceber relações entre elas, avaliando a trama que constituem. A
esse encadeamento de figuras, a essa rede relacional reserva-se o nome de percurso
figurativo”. Assim, o conjunto de figuras lexemáticas relacionadas no texto das revistas
compõe um percurso figurativo. Vejamos no quadro a seguir como o conjunto das
figuras concretizaram o tema proposto:
Quadro 01: Representação do percurso figurativo
Figuras
Fig.
01
Fig.
02
Percurso Figurativo
falar, escrever, certo, domínio,
língua, impulsiona,
carreira,
erros,
português,
arruínam,
chances
falar, escrever, bem, vitória,
clareza, elegância, avançar, vida,
ferramentas, aprendizado
Tema
Domínio da língua
Crescimento pessoal
e profissional
Ascensão
social
(por
pressuposição
lógica:
preconceito linguístico)
Domínio da língua
Crescimento pessoal
e profissional
Ascensão
social
(por
pressuposição
lógica:
preconceito linguístico)
Como demonstramos no quadro, a escolha de figuras na organização da capa
comprova que a ascensão social (e por pressuposição o preconceito linguístico)
constitui, portanto, o tema central abordado nos dois textos verbais das respectivas
reportagens da Veja.
Do ponto de vista da Linguística e da Sociolinguística, todos os falantes de
língua portuguesa dominam a oralidade, pois crescem e falam a língua desde muito
cedo, quando ainda criança, seja por histórias que ouvem, por diálogos em casa e na
comunidade que os cercam, ou por rádio, televisão e mídia em geral. Conforme Scherre
(2005, p.9), “Falar é como andar. Acontece naturalmente, da mesma forma, nas mesmas
faixas etárias, em qualquer parte do planeta terra, independente de raça, de cultura, de
cor, de gênero e de ensino formal. Basta que sejamos seres humanos”. Sendo assim, nos
títulos das duas capas da Veja, houve a apresentação da hegemonia da norma culta,
desconsiderando fatores que geram a diversidade linguística, como já foi apontado
anteriormente:
localização
geográfica,
faixa
etária,
situação
socioeconômica,
escolaridade.
O plano de conteúdo dessas capas se relaciona com um plano de expressão, a
imagem, e marca o sincretismo, estabelecendo o que a Semiótica chama de
semissimbolismo que reforça o que foi explanado acima. Nas capas das revistas, o plano
de expressão ajuda na construção do sentido veiculado pelos títulos e pelos microtextos.
Nesse contexto, retomando Pietroforte (2004, p.21), o semissimbólico, conceito
desenvolvido por J. M. Floch, aparece quando o plano de expressão deixa de ser apenas
uma forma de veicular o conteúdo e passa a “fazer sentido” a partir da articulação entre
a forma de expressão e a forma de conteúdo. Para analisar as imagens dessas capas é
necessário entender dois princípios básicos utilizados por Algirdas Julien Greimas e
Jean-Marie Floch para os quais no plano de expressão possam ser reconhecidos: os
formantes figurativos (elementos que criam efeitos de realidade, como pessoas, objetos,
etc) e os formantes plásticos (categorias que dão sentido ao texto e podem, de acordo
com trabalhos de Greimas, Floch e Thürlemann, ser divididas em: topológica (ligada à
posição), eidética (ligada às formas) e cromática (ligada às cores).
As imagens escolhidas para editar as revistas da Veja não foram aleatórias, há
uma intenção que no contexto da enunciação representa um sentido, uma significação.
Nas duas capas vemos como as figuras do texto verbal que concretizam o tema da
ascensão social, por pressuposição lógica, também faz parte da imagem. Nesse sentido,
no tocante ao formante figurativo tem-se a imagem, na fig. 01, de uma pessoa vestida de
blazer feminino, saia e pasta de couro na mão (no imaginário popular, na junção desses
elementos, predomina o símbolo de ascensão e de poder e corrobora o que diz o texto
verbal “o domínio da língua impulsiona a carreira) subindo uma escada, encostada a
uma letra do alfabeto, em referência à escrita, a “falar e escrever certo”, no alto da
escada a pessoa se mistura às nuvens do céu (também um símbolo de ascensão: estar no
topo).
No que se refere à figura 02, outra pessoa, no topo de um teclado de computador
com as letras do alfabeto (em alusão a novas ferramentas para o aprendizado, como diz
o texto verbal; e vestida de terno e gravata, em posição de discurso, também em menção
ao texto verbal: “expressar-se com clareza e elegância é essencial para avançar na
vida”). É importante destacar que a imagem do teclado lembra uma pirâmide social,
portanto, as duas pessoas do texto não verbal se encontram no alto, estão bem vestidas,
são elitizadas, evidenciam que a relação entre domínio da língua, ascensão social e
crescimento pessoal pelo viés do conhecimento da língua portuguesa, norma culta, fica
fortemente marcada nos dois textos, verbal e não verbal. Isso induz no acreditar que só
quem sabe falar e escrever “certo”/ “bem” podem ter sucesso e ascensão social. As
outras formas são empobrecedoras, desviantes, indignas de uma “língua bem falada” e
formas normalmente usadas em maior número por pessoas de classe social sem
prestígio, uma vez que nas imagens, os dois indivíduos, que incorporam “a língua bem
falada” e que estão no topo, passam a imagem de pessoas elitizadas (terno, gravata,
blazer, pasta de couro). Não podemos deixar de lembrar que também as pessoas de
classe mais favorecidas produzem as formas consideradas “erradas”, só que,
normalmente, em menor quantidade, e nem por isso são estigmatizadas.
Em relação ao formante plástico, as cores predominantes são o azul (figs 01 e
02), o branco (fig. 01), e o amarelo (fig. 02). Segundo o Dicionário de Símbolos, o
branco é a cor “daquele que vai mudar de condição (...) daquele que se reergue e que
renasce, ao sair vitorioso (...) símbolo de afirmação, de responsabilidades assumidas, de
poderes tomados e reconhecidos, de renascimento realizado, de consagração”
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2005, p. 141-143). A cor azul “é o caminho do
infinito, onde o real se transforma em imaginário. (...) Entrar no azul é um fazer como
Alice, a do País das Maravilhas: passar para o outro lado do espelho .... o caminho do
sonho” (Idem, p. 107). Já o amarelo “é intenso, violento, agudo até a estridência (...)
veículo do vigor” (Idem, p. 40). Nos dois textos não verbais a simbologia dessas cores
ratifica o que já foi analisado, ou seja, as figuras branco, azul e amarelo representam a
subida, a ascensão, a vitória; passar para o outro lado; ter vigor. Nesse sentido, todo o
arranjo reproduz a significação subjetiva do crescimento pessoal representada nas
figuras das duas pessoas no topo.
No sincretismo das capas analisadas, imagem e palavra estão separadas, ou seja,
há o espaço da imagem, no centro da capa, e os espaços das palavras. Nos textos em
questão,
portanto,
há
a
categoria
topológica
de
expressão
vertical/subida/superior/ascensão (simbolizada pela escada na imagem) vs horizontal
(palavras) a organizar a disposição dos dois sistemas semióticos sincretizados. Dessa
forma, as palavras confirmam a categoria plástica cromática e topológica. Enfim, no
texto sincrético das capas, os conteúdos da ascensão social, crescimento pessoal,
domínio da língua materna (da norma culta) são manifestados no sistema semiótico
verbal e plástico e encaminha para a leitura das matérias no interior da revista.
Vertical/subida/superior/
Asceção social (domínio da norma culta)
______________________ =
_________________________
Horizontal/Inferior /descida/
Desprestígio social (não domínio da norma culta)
Nessa análise usamos a semiótica greimasiana para reforçar que a mídia veicula
a imagem de que o domínio da variedade culta é reconhecido como “correto” e
necessário para se ter prestígio e ascensão social na sociedade contemporânea,
desconsiderando os grupos sociais com os quais os destinatários interagem,
independente do ensino formal, e sua necessidade de se identificarem com o grupo que
os cerca, como muito bem explana Scherre (2005, p.43) “Em nome da boa língua
pratica-se a injustiça social, muitas vezes humilhando o ser humano por meio da nãoaceitação de um de seus bens culturais mais divinos: o domínio inconsciente e pleno de
um sistema de comunicação próprio da comunidade ao seu redor”.
Scherre (2005) apresenta reflexões em torno de exemplos de preconceito
linguístico na mídia impressa brasileira entre 1993 e 2003. Afirma ela que:
[...] Estudos linguísticos de fenômenos estigmatizados podem ter,
portanto, como consequência imediata, a possibilidade de evidenciar
que o certo considerado inerente, em termos de linguagem, não tem
razão de ser (por mais óbvio que isto possa parecer). Certo é tudo o
que está conforme as regras ou princípios de um determinado grupo
dentro dos limites do próprio grupo [...] (SCHERRE, 2005, p.18).
E, certamente, na relação entre língua e sociedade: “[...] uma variedade
linguística „vale‟ o que „valem‟ na sociedade os seus falantes, isto é, como reflexo do
poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais” (GNERRE, 1985,
p. 4), certos usos marcam as variantes de prestígio ou padrão, diferindo da variante não
padrão ou estigmatizada.
Corroborando essa questão, Camacho, ao falar da relação entre as variedades
linguísticas e a norma pedagógica, afirma que “A aquisição pelo adolescente de uma
amplitude de estilos, coerentes em si mesmos, adequados a todo e qualquer contexto
extralinguístico é um dos fatores de mobilidade social ascendente” (CAMACHO, 1988,
p. 41). Ele fala em amplitude de estilos, para a mobilidade social ascendente e não a
supremacia de um deles.
Dessa forma, voltando nossa atenção para o ensino, Castilho (2002), diante do
exposto, recomenda como mais adequado o sensibilizar o aluno para a variedade
linguística a partir do trabalho ligado às situações em que é usada, o que implica sair de
uma visão “conteudista” de ensino da Língua Portuguesa e conduzir a observações de
fatos da língua, tendo em vista que o aluno evite preconceitos e saiba lidar com a língua
em diferentes situações. Paralelo a essa sensibilização, o estudioso não descarta o
trabalho com a descrição da variedade de maior prestígio, a norma padrão, objetivo
primordial da escola. Nesse momento, cabe lembrar outros estudiosos da
sociolinguística que também apontam para esse fato, entre eles, Bortoni-Ricardo (1986,
2004) e Camacho (1988).
Para finalizar, cabe considerar que ainda perpassa grande discussão em torno da
prevalência de uma variante padrão sobre as outras, Faraco (2002, p. 42), embarcando
nessa questão, é bem enfático ao afirmar que “O padrão não conseguirá jamais suplantar
a diversidade, porque, para isso, seria preciso o impossível (e o indesejável,
obviamente): homogeneizar a sociedade e a cultura e estancar o movimento e a
história.” Certamente a questão não é fácil, sobretudo quando pensamos no trabalho que
é preciso ser realizado fora do âmbito cientifico, mas é necessário e como destaca esse
autor “Em outros termos, as mudanças redesenham a gramática, mas jamais afetam a
plenitude estrutural da língua e, consequentemente, sua funcionalidade social”
(FARACO, 2002, p. 50) e é pensando nessa funcionalidade social e mais, na adequação
situacional de usos da língua que as problemáticas abordadas neste texto precisam ser
refletidas com vistas ao ensino de qualidade e que faça sentido para o aluno.
Considerações finais
O leitor é peça fundamental na imagem construída pela mídia. É ele quem vai se
autoidentificar com o que se anuncia na imagem, seja pelo viés da cultura, da história,
da linguagem, entre outras. Na análise das capas da revista Veja, que foi objeto deste
trabalho, observamos que se constitui num sujeito semiótico que possui confiança e
credibilidade e os seus leitores são sujeitos destinatários que a aceitam como tal e se
“deixam” ou não manipular. Daí a importância dos conteúdos veiculados por ela e pela
mídia em geral. O leitor da Veja, normalmente, tem poder socioeconômico melhor que
leitores de outros meios de comunicação. Ele consegue discernir entre o que é bom e o
que é ruim nos conteúdos veiculados. No entanto, a maioria dos leitores brasileiros não
possui esse discernimento. Como é o caso de grande parte dos alunos que frequentam a
escola pública.
Camacho (1988) salienta que a deficiência no ensino resulta da visão da
supremacia da norma padrão culta, deixa-se de aproveitar o trabalho com as variantes de
forma a ajudar o aluno a escolher o grau de formalidade de acordo com a situação, por
exemplo. Como lembra o autor, a escola, assim como a família, o grupo de amigos e o
trabalho, é “uma agência de socialização” e tem sua importância no papel de oferecer ao
aluno, sobretudo às classes desfavorecidas, um instrumento linguístico com as
alternativas adequadas para as situações de uso do ato verbal que necessitará. Para isso,
é preciso que a escola evite a relação entre capacidade verbal e classe socioeconômica.
Nesse sentido, o estudioso cita duas atitudes fundamentais no trato com as
variações em sala de aula: a eliminação no vocabulário do professor a dicotomia
correto/incorreto para formal /informal, e a tolerância e o respeito ao padrão linguístico
do aluno. Dessa maneira será possível o trabalho com as diversas situações de
comunicação possibilitando a mobilidade social ao aluno.
Sírio Possenti (2002) acredita que seria necessário o governo tomar decisões
coerentes para aumentar a eficácia das escolas. Sob tal enfoque, os documentos oficiais
estão se adequando a novas teorias, a novas metodologias. Vários autores fundamentam
o ensino de língua portuguesa voltado para o texto verbal e não verbal: o aluno precisa
compreender o que é um bom texto, como é organizado, como os elementos visuais e
textuais se relacionam, entre tantos outros recursos para entendê-los. Tudo isso aliado
ao respeito à heterogeneidade linguística do aluno.
O que a sociedade considera “erro” na linguagem, na verdade está contribuindo
para a difusão da noção de erro em forma de preconceito. Para desmitificar essa noção é
necessário combatê-lo, estudar as diferenças e divulgá-las adequadamente, redefinindo
novos padrões de conduta, principalmente, no âmbito socioeducacional.
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