Variação linguística: língua portuguesa e o preconceito na mídia Tania Regina Montanha Toledo SCOPARO 1 Eliane Aparecida MIQUELETTI 2 Resumo Considerando a importância da variação linguística no ensino de Língua Portuguesa, este trabalho realiza uma revisão bibliográfica sobre a temática e faz análise de duas capas da revista Veja, com o objetivo de mostrar que a mídia incute a visão de certo e errado ao falar dos usos da Língua Portuguesa e ao enfatizar o domínio da norma culta à ascensão social, sem considerar as outras formas de uso da língua, pode auxiliar na propagação do preconceito linguístico. A base teórica principal é a Sociolinguística, mas também conta com as contribuições da Semiótica greimasiana. Palavras-chave: Variação linguística; Mídia; Preconceito linguístico. Abstract Considering the importance of linguistic variation in the teaching of the Portuguese language, this paper reviews the literature on the subject and makes analysis of two cases of Veja magazine, in order to show that the media instills the vision of right and wrong when talking about the uses Portuguese Language and emphasize the field of cultural norms for social mobility, without considering other forms of language use, can assist in the spread of linguistic prejudice. The theoretical basis is the main sociolinguistics, but also relies on the contributions of semiotics greimasian. Keywords: Linguistic variation; media; Linguistic Prejudice. 1 Professora na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Doutoranda na Universidade Estadual de Londrina. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Rod. Celso Garcia Cid, Pr 445 - km 380. Caixa Postal 10.011. Londrina – PR. CEP: 86057-970. Email: [email protected] 2 Doutoranda na Universidade Estadual de Londrina. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Rod. Celso Garcia Cid, Pr 445 - km 380. Caixa Postal 10.011. Londrina – PR. CEP: 86057970. Bolsista CAPES. Email:[email protected]. Introdução A história já provou que a língua é instrumento de poder em diversos aspectos, entre outros exemplos, temos desde a bíblica história da Torre de Babel, na qual, para mostrar seu poder, Deus mistura os idiomas para que os povos não mais se entendessem impossibilitando a construção da torre. Na história das colonizações, como a do Brasil, aos povos dominados é imposta a língua do dominador, em resumo, as línguas humanas são mais do que instrumentos de comunicação, são, além disso, “reflexo da cultura de um povo”, “mecanismos de identidade” (SCHERRE, 2005, p. 10). Diante disso, as variações ocorrem seguindo, também, o curso das modificações sociais. Em frente a essa perspectiva, nota-se que a mídia, enquanto veículo de comunicação e, porque não, instrumento de poder, revela-se como importante veiculador de valores e ideologias linguísticas, incutindo na sociedade afirmações que nem sempre condizem com a realidade linguística, mas com vistas a objetivos socioeconomicamente determinados. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é mostrar que a mídia incute a visão de certo e errado ao falar dos usos da Língua Portuguesa, toma como certo absoluto a “norma padrão” e erradas as variações que fogem a ela. Ademais, generaliza ao aliar o domínio da norma padrão à ascensão social. Partimos das seguintes hipóteses: a variação linguística e o uso de variedades mais próximas da culta são direcionadas pela mídia de acordo com o que convém. As variedades que fogem ao padrão culto continuam sendo usadas como mote para piadas, atos pejorativos. O domínio dessa é reconhecido como a correta e necessária para a ascensão social, desconsiderando as outras variedades existentes. Para isso, realizamos um trabalho de revisão bibliográfica sobre a temática e análise do corpus constituído de duas capas das revistas Veja, edições de 12/09/2007 e 11/08/2010. Cabe destacar que a base teórica assenta-se nas prerrogativas da Sociolinguística aliada à Semiótica Greimasiana, para a construção da análise das capas da revista Veja, via metodologia do “percurso gerativo de sentido”, como auxiliar na verificação da prova das hipóteses levantadas. O tópico a seguir realiza algumas considerações teóricas em torno da Sociolinguística e das prerrogativas que embasam as discussões sobre norma e variações linguísticas; noções de certo e errado. O que se refere às bases teóricas da Semiótica Greimasiana e a seu modelo metodológico, o percurso gerativo de sentido, que fundamenta a análise das capas da revista Veja, estará na própria análise. 1. A Sociolinguística: algumas bases Sociedade e linguagem estão desde sempre inter-relacionadas e a variação é algo inerente a ambas, resultado da dinâmica comunicativa que as sustenta. Nessa perspectiva enquadra-se a Sociolinguística, essa se preocupa com o uso da língua na sociedade. Cabe assinalar, rapidamente, que apesar da Linguística ter se consolidado como ciência a partir dos estudos saussureanos publicados no livro Curso de Linguística Geral, em 1916, ao definir a língua (langue), sob um ângulo social, como objeto central de seu estudo linguístico, em oposição à fala (parole), algo individual, a língua ainda era vista como um sistema de regras, sistema estático, homogêneo, regular, ou seja, privilegiava-se o caráter formal e estrutural do fenômeno linguístico (ALKMIM, 2001, p. 23), o falante e os diversos modos como a língua se apresenta não eram considerados. A Sociolinguística surge a partir da importância dada à fala, sua preocupação é com o fenômeno linguístico em sua abrangência dialetal e variacional, observando como a língua funciona em um contexto de fala, e quais os fatores que influenciam para que as mudanças linguísticas aconteçam. Seus estudos foram consolidados depois de 1964 com a realização de um congresso na Universidade da Califórnia, no estado de Los Ângeles, Estados Unidos, organizado por William Bright, e contou com a participação de importantes figuras nos estudos da Sociolinguística mundial: William Labov, Dell Hymes e John Gumperz (SOUSA, 2005, p.153). Outros estudiosos como F. Boas (1911), Edward Sapir (1921) e Ben Jamin L. Whof (1941), assim como, Antoine Meillet, Mikhail Bakhtin, Marcel Cohen, Émile Benveniste e Roman Jakobson, que valorizavam a relação interdisciplinar entre linguagem, cultura e sociedade, também contribuíram para a formação da Sociolinguística atual (SOUSA, 2005, p. 154). De maneira geral, essa área de estudo preocupa-se em estudar a língua em uso na comunidade de fala, sendo assim, considera a língua como algo social, pertencente a todos os indivíduos de uma comunidade, estrutura viva, nesse ponto integra seu caráter heterogêneo, onde se situa as variações linguísticas. Bortoni-Ricardo (2005, p.20) lembra que a Sociolinguística ocupa-se, sobretudo, “[...] das diversidades nos repertórios lingüísticos das diferentes comunidades conferindo às funções sociais que a linguagem desempenha a mesma relevância que até então se atribuía tão-somente aos aspectos formais da língua”. Ainda que rapidamente, cabe observar que entre os principais autores que fundamentam as bases da Teoria da Variação e Mudança Linguística, sobretudo no que se refere à interferência dos aspectos da estrutura social na mudança ao longo do tempo, sincrônica, são eles Weinreich, Labov e Herzog ([1975] 2006), eles estabelecem como ponto essencial de investigação histórica localizar o fenômeno tanto no contexto estrutural (interno) quanto no contexto social (externo). De maneira geral, estuda a variação e a mudança da língua no contexto social da comunidade de fala. A língua não é propriedade do indivíduo, mas da comunidade (é social). Nesse sentido, o conceito de mudança é visto como “um processo contínuo e o subproduto inevitável da interação linguística” (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 2006 [1975], p. 87 e 139), ou seja, a dinâmica interna da língua produz mudança linguística. Diante disso, a heterogeneidade linguística é vista na relação com o social e frente a sua própria subjetividade, o sujeito é livre para escolher e adequar-se as várias situações de uso da língua. As diversidades, coletivas ou individuais, são formas de identificação dos “membros de uma nação, ligados por traços socioculturais, econômicos e políticos, tradicionalmente firmados, identificam-se e distinguem-se dos membros de outra pelo seu instrumento de comunicação” (CAMACHO, 1988, p.29). Sendo assim, não há língua sem variação, no contato entre línguas, ou entre falantes elas se individualizam, modificam e variam. Além disso, historicamente as línguas sofrem alterações, já que “uma língua é um objeto histórico, enquanto saber transmitido, estando, portanto, sujeita às eventualidades próprias de tal tipo de objeto. Isso significa que se transforma no tempo e se diversifica no espaço” (CAMACHO, 1988, p.29). No entanto, não são somente as diferenças entre os idiomas que marcam a diversidade linguística, a mesma língua sofre influência ao longo do tempo, fatores diversos modificam-na, para além de aspectos temporal e espacial. Nesse bojo, Camacho (1988) aponta para aspectos sociais (idade, sexo, classe social, escolaridade etc.) e estilísticas (estilo formal, informal, coloquial, culto etc.). Esses integram as quatro modalidades de variações linguísticas: histórica, geográfica, social e estilística. A variação histórica acontece ao longo de determinado período do tempo. A mudança é gradual, uma variante inicialmente passa a ser usada por um grupo restrito de falantes e só é substituída quando “ao se propagar, é adotada por um grupo socioeconomicamente expressivo” (CAMACHO, 1988, p.30) e então é fixada pelo uso na modalidade escrita. Em relação à variação geográfica, estão relacionadas à espacialidade, as mudanças de pronúncia, vocabulário e estrutura sintática que ocorrem em comunidades linguísticas maiores que falam o mesmo idioma, como ocorre entre os falantes do sul e do nordeste do Brasil. A variação social está ligada à capacidade verbal que membros de mesmo grupo sociocultural da comunidade vão assemelhando de acordo com fatores como: o nível socioeconômico do indivíduo, o grau de educação, a idade e o sexo, fatores que podem ocorrer isolados ou relacionados. Cabe observar que a variação social não prejudica a compreensão entre indivíduos, o que pode acontecer na variação regional. Ademais, o uso de certas variantes pode indicar o nível socioeconômico e cultural das pessoas, no entanto, nada impede que o indivíduo de um grupo menos favorecido atinja o padrão de prestígio de acordo com as relações culturais e profissionais, por exemplo, “o intercâmbio cultural e profissional entre indivíduos de meio diverso possibilita a adaptação das formas de expressão de um para outro grupo” (CAMACHO, 1988, p.33). A última variação abordada é a estilística, está relacionada ao uso individual, ou seja, as variações do estilo linguístico que cada indivíduo utiliza dependendo das variações das situações de comunicação, a linguagem é adequada de acordo com determinada finalidade, dessa forma tem-se: a relação familiar, a profissional, o grau de intimidade, o tipo de assunto tratado, os receptores. “Tal adequação decorre de uma seleção dentre o conjunto de formas que constitui o saber linguístico individual, de um modo mais ou menos consciente” (CAMACHO, 1988, p.34). É importante ressaltar, ainda, que as variações linguísticas se inter-relacionam, por isso é comum que um mesmo falante apresente mais de uma delas, além disso, para que a mudança ocorra, em determinado momento, ambas, a substituta e a substituída, coexistirão, apenas com o reconhecimento pela maioria dos membros da comunidade de prestígio a substituta passa a ser considerada. Em síntese, é preciso considerar que as variações podem ocorrer nas diversas manifestações da língua, é uma característica inerente das línguas naturais. Constitui um fenômeno regular, sistemático, motivado por regras do sistema linguístico, cada uma delas possui suas regras próprias e não aleatórias. No entanto, como corrobora Camacho (1988) é comum a imposição da norma linguística do grupo dominante, considerando-a como a correta, inculcando a distinção entre “correto” e “incorreto”, visão conservadora de língua e elitista, em detrimento das variações estigmatizadas. De maneira geral, com essa forma de tratamento da língua, muitas vezes também propagada pela escola, ajudase a criar uma forma de discriminação social. Faraco (2008) ao falar sobre as mudanças que a escola sofreu ao longo do tempo no que se refere ao tratamento dado ao ensino da norma culta e comum, afirma: O senso comum também não distingue a norma culta/comum/standard falada da norma escrita. Em conseqüência, não é rara a crença de que se deve falar como se escreve. Por fim, o senso comum não distingue a norma culta – isto é, a variedade efetivamente praticada pelos falantes letrados nas situações mais monitorada de fala ou escrita - e a norma curta - isto é, os preceitos conforme estipulados pela tradição gramatical normativa conservadora (FARACO, 2008, p.190). De forma geral, segundo o estudioso, a escola não dá conta de uma pedagogia para trabalhar as variações linguísticas e acaba fortalecendo o preconceito linguístico; e, por conseguinte, ajuda na manutenção de poder da classe dominante, como bem lembra Labov: “a causa primária do fracasso educacional não são as diferenças linguísticas, mas o racismo institucional” (LABOV, 1984, apud MONTEIRO, 2002, p. 149). Em torno dessas questões gira o tópico a seguir. 1.1 Entre certo e errado, a supremacia da norma culta Apesar do surgimento e desenvolvimento dos estudos da Sociolinguística, boa parte da sociedade ainda crê que há uma variedade mais certa do que outras. O problema do “certo”/”errado” reside na pouca compreensão de que a variação está inscrita na língua, é própria dela, como apontamos no tópico anterior. De maneira geral, é possível verificar que há mudanças que advém da própria língua, lógica interna, e outra diante das condições sócio-históricas em que vive. Faraco, no artigo “Norma-padrão brasileira” (2002), explica que a raiz do preconceito linguístico na cultura brasileira e das atitudes puristas e normativistas que veem erros em toda parte e condenam qualquer uso de formas que fuja ao estipulado pelos compêndios gramaticais mais conservadores, está na distância que se colocou, desde o início, entre a norma culta e o “padrão artificialmente forjado”. Nesse contexto, Mattos e Silva (2004) lembra que há aspectos históricos sociais ligados à realidade linguística e a política educacional brasileira que imprimira a visão social nessa direção. Em resumo, afirma que na segunda metade do século XVIII, quando, por conta da política linguística-cultural de Marquês de Pombal, a Língua Portuguesa é imposta aos indígenas, que falavam, sobretudo, uma língua de base tupi, sem deixar de lembrar que antes disso ocorria no país outros contatos linguísticos, além das línguas indígenas, línguas de origem africana, com destaque para o banto. Entre os séculos XVI e XVII, o Brasil é culturalizado pela Companhia de Jesus e a formação cultural era reservada a pequena parcela da elite que já dominava e deveria aprimorar a norma culta. No início do século XIX, 1808, a corte portuguesa vem para o Brasil, ocorre o aumento de letrados, apesar de o ideal homogeneizador do padrão prestigiado não se configurar. Nesse momento destaca a implantação da clivagem resultante da “diglossia” atual, em síntese, a oposição entre os dois polos do nosso continuum linguístico: os que portavam o padrão linguístico lusitanizante (padrão culto brasileiro no sec. XX) e os iletrados, grande maioria. Entra em cena, a “normatização linguística explicitada, coercitiva” (MATTOS e SILVA, 2004, p. 134), o policiamento gramatical preocupava a elite, fato que é perceptível até os dias de hoje. De maneira geral, a partir da década de 1970 nota-se, segundo a estudiosa, crescente consciência de linguísticas e professores de Língua Portuguesa no que se refere à divergência entre o que prega as orientações oficiais e o que se verifica na realidade escolar, segundo ela, há implícito a necessidade social de dar apoio pedagógico-linguístico adequado para integrar as variantes dos estudantes aos padrões prestigiados socialmente mostrando que esse é necessário para ascensão social. Dessa forma, como bem aborda a autora, que imbricado ao prestígio de uma variante sobre as outras, está o forte aspecto sócio ideológico e não há como negar que o domínio de determinada variante prestigiada facilita o acesso ao poder. Bortoni (2006, p. 272), numa análise comparativa entre oral e escrita, aponta que as distinções envolvem o “estatuto do chamado erro”. Na fala não se enxergam erros, mas inadequações; a variação lhe é inerente, marca de identidade dos falantes, de seu papel social e sua relação com o interlocutor, pode ser escolhida de acordo com a adequação a cada contexto de uso. Por outro lado, na escrita, o erro, apesar de também estar ligado à avaliação social, corresponde a “transgressão de um código convencionado e prescrito pela ortografia” (BORTONI, 2006, p.273); a variação não é prevista nas línguas já estabilizadas historicamente, a uniformidade garante a funcionalidade da ortografia. Diante dessas distinções a Sociolinguística atribui a noção de erro apenas às transgressões ortográficas. No que se refere ao conceito de “norma”, cabe destacar, as reflexões realizadas por Coseriu (1979), um dos principais teóricos a esse respeito. Este estudioso tenta conceituar norma ligado aos conceitos de fala e sistema. Em resumo, no sistema estão os elementos virtuais, mesmo que não consagrados pela norma. A norma é menos geral que o sistema e representa a realização natural, ou seja, a forma mais comum de uso da língua. E a fala é uma realização concreta, individual, mas baseada nos modelos observados dentro da comunidade linguística que faz parte. Para o autor, é necessário compreender o funcionamento do sistema linguístico. Para isso cabe uma investigação do uso linguístico, do ato de fala e suas variações, das diversas normas articuladas ao sistema e à fala; enfim da constituição da “gramática” do sistema. Como afirma: [...] o indivíduo cria sua expressão numa língua, fala uma língua, realiza concretamente em seu falar moldes, estruturas da língua de sua comunidade. Num primeiro grau de formalização, essas estruturas são simplesmente normais e tradicionais na comunidade, constitui o que chamamos norma; mas, num plano de abstração mais alto, depreendese delas mesmas uma série de elementos essenciais e indispensáveis de oposições funcionais: o que chamamos sistema. Mas norma e sistema não são conceitos arbitrários que aplicamos ao falar, mas formas que se manifestam no próprio falar [...]. (COSERIU, 1979, p. 72). Cabe observar que Faraco (2008, p. 35) afirma que pode-se conceituar norma de um modo técnico, ou seja, “como determinado conjunto de fenômenos linguísticos fonológicos, morfológicos, sintáticos e lexicais - que são correntes, costumeiros, habituais numa dada comunidade de fala”, dessa forma, a norma é entendida dentro do sentido do que comum no interior de uma comunidade linguística. Nesse sentido, Castilho (2002) afirma haver um conceito amplo como fator de coesão social. Nesse caso, observam-se as atitudes da própria comunidade linguística ao corrigir quando algum membro comete um desvio da norma, movido pela pressão social, essa pretende a unificação dos traços culturais, a permanência da identidade do grupo. Há, ainda, segundo ele, um conceito estrito, no qual a norma relaciona-se aos usos e aspirações da classe social de prestígio, as „regras do uso bom‟. Em síntese existe: a norma objetiva, explícita ou padrão (praticada pela classe social de prestígio); a norma subjetiva, implícita ou padrão ideal (atitude do falante diante da norma objetiva, o que a comunidade espera do indivíduo de grupo); a norma prescritiva (combinação da objetiva e da subjetiva, o ensino dos usos linguísticos da classe prestigiosa como os mais adequados). Em relação à norma prescritiva, o autor dá considerável atenção para deixar claro que ela também sofre influências da variabilidade linguística, apesar de essa influência variar de comunidade para comunidade. As preocupações e atitudes mudam ao longo do tempo, por isso, não há como estabelecer um modelo de norma comum ao longo dos tempos. Tendo em vista a extensão territorial do Brasil e a rápida urbanização, há uma pluralidade de normas, além disso, as diferenças regionais afetam mais a norma oral e seus níveis fonológico e lexical, nos quais se notam maiores variações e, consequentemente, problemas. Quanto ao espaço social, liga-se à variante culta e compõem-se dos dois registros: a norma coloquial e a refletida. Adotamos, para o presente trabalho, a premissa de que a norma padrão é ideal, ou seja, é um modelo abstrato, preconizado pela gramática normativa; enquanto a norma culta, na verdade são normas cultas, porque vai de acordo com cada comunidade, mas é a mais próxima do padrão. A norma culta é considerada real, porque é praticada por uma parte da comunidade mais letrada, com maior grau de instrução, a praticada pelas pessoas com curso superior completo, por exemplo. Enfim, diante das discussões teóricas, constata-se que: “Todas as variedades, do ponto de vista estrutural linguístico, são perfeitas e completas entre si. O que as diferencia são os valores sociais que seus membros têm na sociedade.” (CAGLIARI, 1999, p. 81). A variação “correta”, de prestígio, é a variedade normalmente usada pelos grupos socioeconomicamente mais privilegiados e que detêm o poder econômico ou cultural, a norma culta, por consequência o preconceito linguístico em relação aos que não a dominam torna-se comum, e a mídia tem papel fundamental na permanência dessa visão. 2. Análise A variação linguística e o uso de variedades mais próximas da norma culta são direcionados pela mídia de acordo com o que lhe convém. Há várias situações em que observamos que a mídia, de forma mais ou menos explícita, corrobora para diversas situações de preconceito linguístico. As variedades que fogem a culta são por ela estigmatizadas e, muitas vezes, mote para piadas pejorativas. Na mídia televisiva, por exemplo, normalmente os personagens de nível socioeconômico cultural baixo são desempenhados por sujeitos que não dominam a norma culta, o que nem sempre condiz com o real. Em programas de entretenimento, a variedade linguística menos prestigiada é motivo de piada a exemplo do que ocorre com o personagem Nerso da Capitinga, Adelaide, no programa Zorra Total, entre tantos outros. Essas variações aparecem em situações humorísticas, motivadas por falantes estigmatizados. É tendência, na mídia, principalmente a televisiva, criar imagem pejorativa de variedades do interior de certas regiões do Brasil, como falantes nordestinos, mineiros, paulistas, cariocas, paraibanos, entre outros, e principalmente de regiões rurais. Essa postura influencia o preconceito que os telespectadores desenvolvem sobre as variedades estigmatizadas, possibilitando a manifestação de avaliações negativas em relação a essas variações. Observamos também que na mídia impressa o preconceito linguístico manifestase em notas sobre “gafes” linguísticas cometidas por celeridades, além disso, mais do que nunca gramáticos renomados tem sido requisitados, por jornais e revistas, para “solucionar” problemas de desvio a norma e, cada vez mais impor uma imagem de “erros” a outras formas de usos da língua. Nesse contexto, destaca-se, neste trabalho, outra tendência midiática ligada à supremacia da norma culta, esta aliada à ascensão social, certamente o domínio dessa norma pode favorecer o crescimento social tendo em vista a exigência de seu uso em algumas esferas da vida pública, sobretudo em empregos de alto poder aquisitivo, no entanto ao deixar de considerar a existência de outras formas de uso da língua pode levar, implicitamente, ao preconceito, ou seja, “quem não domina a norma culta e a padrão é considerado ignorante”. Tendo em vista demonstrar essa tendência, analisamos duas capas da revista Veja, uma de 2007 e outra de 2010, em que reportagens sobre o domínio da norma culta são destaque, quando necessário retomaremos parte das matérias que estão no interior da revista, apenas para confirmar algumas reflexões realizadas. A revista Veja, suporte do corpus a ser analisado, é uma revista semanal e de circulação nacional, publicada pela Editora Abril. Foi criada em 1968, pelos jornalistas Victor Civita e Mino Carta. É a revista de maior circulação no Brasil, com uma tiragem superior a um milhão de exemplares, dessa forma, nota-se a influência que pode exercer sobre a opinião do público leitor enquanto veículo de comunicação que é. Assinala-se, ainda, que a escolha pela análise da capa da revista justifica-se por este espaço constituir-se na primeira impressão que o público leitor tem da matéria enfatizada, é a partir desse recurso que o leitor é “fisgado” a ler /comprar ou não a revista. Scalzo (2003, p. 62) afirma que “uma boa revista precisa de uma capa que a ajude a conquistar leitores e os convença a levá-la para casa”. A mídia, normalmente, direciona algum tema relevante a ser discutido nas reportagens no interior do veículo midiático e, a partir desta, constrói uma imagem visando a influenciar seus leitores. O poder do discurso veiculado por jornais e revistas impressas não pode ser ignorado. Apontaremos como a linguagem pode ser trabalhada no sentido de apresentar a ideologia que se manifesta em seu discurso por estratégias da linguagem verbal e não verbal. Para isso, a construção assinalada pela semiótica greimasiana contribui para o sentido do texto e corrobora a assertiva da sociolinguística exposta no início deste artigo. Vejamos as capas analisadas3. Fig. 01 - Capa Veja 2007 3 Fig. 02 - Capa Veja 2010 A matéria, na íntegra, pode ser encontrada nas revistas impressas, edição 2025 – ano 40 – n° 36 – 2007 e edição 2177 – ano 43 – n° 32 – 2010. E, também, no site da revista: www.veja.com. Cabe informar que a matéria da revista Veja de 12 de setembro de 2007 (fig. 01), “Falar e escrever certo” discorre sobre a mudança ortográfica e vários especialistas falam sobre o assunto. No artigo da revista Veja o jornalista faz uma “chamada” com o seguinte subtítulo “Ascensão pelo vocabulário” e afirma que “o bom uso da língua influi na carreira (...) a chance de ascensão profissional está diretamente ligada ao vocabulário que a pessoa domina. Quanto maior seu repertório, mais competência e segurança ela terá para absorver novas ideias e falar em público” (p. 88). Na reportagem, fica evidente que a “riqueza da língua” é ferramenta fundamental na carreira profissional e no crescimento pessoal. No texto da revista Veja que representa a capa de 11 de agosto de 2010 (fig. 02), novamente o assunto foi o enriquecimento do vocabulário para que o brasileiro evite “erros” e possa falar e escrever melhor para avançar na vida. O título “Falar e escrever bem: rumo à vitória” trata da importância de se saber falar e escrever bem de acordo com a norma culta da língua portuguesa. No conteúdo da matéria, no início, há a seguinte “chamada” “Do ponto de vista da clareza e da gramática, o primeiro debate dos candidatos deixou a desejar. Mas, para os brasileiros interessados em dominar o português, novas obras de referência podem ajudar a enriquecer o idioma cotidiano”. (p. 94). O jornalista assim se posiciona sobre a linguagem usada pelos principais candidatos – Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva – em seus pronunciamentos “na maior parte, o debate foi simplesmente ininteligível. Os candidatos (...) afundaram-se em anacolutos, solecismos, frases inconclusas e erros gramaticais (...) falharam todos, em maior ou menor medida, no uso de uma ferramenta básica: a linguagem” (p. 94). O debate foi um mote para o jornalista demonstrar que falar e escrever bem são essenciais para ter êxito na vida pessoal e profissional. Discorre também sobre o lançamento de novas obras destinadas ao leitor que anseia por aprimorar sua expressão verbal, acrescentando, ainda, no interior da matéria os “10 erros de português que acabam com qualquer entrevista de emprego” (p. 98-99). Antes de proceder à análise, via pressupostos metodológicos da Semiótica, é necessário realizar uma visão geral do que se visualiza nas duas capas. Na figura 01 verifica-se a presença de uma escada, no contorno da primeira letra do alfabeto, sendo “subida” por uma mulher, possivelmente executiva, pelos trajes. A figura 2 apresenta a imagem de um grande teclado, em formato de uma pirâmide, ao fundo, no final dela, um homem, em uma tribuna, que parece discursar. Cabe lembrar que o objeto de estudo da Semiótica Greimasiana é o texto, descreve os processos de formação do sentido desses textos, a sua significação, oferecendo um instrumento metodológico para a leitura, a interpretação, a desconstrução e a exploração de diversos níveis de seu sentido. Dessa forma, cabe entender que texto, para essa teoria, compreende uma relação entre um plano de conteúdo (significado do texto) e um plano de expressão. O plano de expressão constitui-se na forma de apresentação do conteúdo. A manifestação do conteúdo em um sistema de significação pode ser verbal, não verbal ou sincrético como são as capas das revistas analisadas. Discini (2005, p. 57) observa que “No plano de conteúdo estão as vozes em diálogo, está o discurso. No plano da expressão está a manifestação do sentido imanente, feita por meio da linguagem sincrética, que integra o visual e o verbal sob uma única enunciação”. Greimas e Courtés, principais sistematizadores da teoria, explicam a semiótica sincrética como aquela que “como a ópera ou o cinema – acionam várias linguagens de manifestação; da mesma forma, a comunicação verbal não é somente de tipo lingüístico: inclui igualmente paralingüísticos (como a gestualidade ou a proxêmica), sociolingüísticos, etc.” (s/d, p. 426). Diante disso, Greimas concebe o sentido como um processo gerativo, formalizado no modelo teórico do percurso gerativo do sentido, para onde convergem três níveis de análise e a partir dos quais é possível observar o enriquecimento textual, partido de um patamar mais simples e abstrato se busca categorias sob as quais o texto foi construído, passa para outro um pouco mais concreto no qual se nota as relações entre sujeitos e os valores advindos da base, até chegar ao nível mais complexo e concreto, parte mais visível da elaboração do texto, campo da enunciação, o qual se situam as ideologias, respectivamente, são eles os níveis: fundamental, narrativo e discursivo. Não sendo nosso objetivo neste trabalho delongar nessas definições por motivos de espaço para o artigo proposto, passamos à análise, sobretudo se atendo a alguns aspectos do nível discursivo do percurso gerativo de sentido, mais precisamente a semântica discursiva, pois autenticará a validade da proposição da sociolinguística. Comentários teóricos serão realizados ao longo da análise, quando necessários. O elemento que nos chama a atenção no texto verbal é o título, cujo objetivo é resumir a informação principal da reportagem especial da edição e, de certa forma, direcionar, logo a primeira vista, interpretações sobre a matéria inserida no interior da revista: “Falar e escrever certo” (fig. 01), e “Falar e escrever bem: rumo à vitória” (fig. 02). O discurso verbal que observamos nos dois títulos é realizado na forma de um enunciado que é produzido por uma enunciação, instância de produção do discurso. Para que esta enunciação seja produzida há uma relação entre um enunciador e um enunciatário. Os verbos “falar e escrever” no infinitivo são realizações discursivas que produzem um efeito de ação contínua e que tem como elemento semântico comum o tema pressuposto ascensão social “Falar e escrever certo” e “Falar e escrever bem: rumo à vitória”, figuras 01 e 02 respectivamente, são ações que supõem um enunciador, no caso, a revista Veja, que realiza um fazer persuasivo. Se há um enunciador, supõe-se também que há um destinatário, este é coletivo, pois são os leitores da revista. O enunciador procura fazer com que o destinatário aceite o que diz e ao mesmo tempo realize um fazer interpretativo. Os enunciadores e os destinatários estão implícitos nos enunciados dos dois textos, pois não há nenhuma marca pessoal que se refira a eles, como um “eu” ou um “ele” ou “você”, ou um verbo na 1ª ou 3ª pessoas. No entanto, mesmo implícitos, os enunciadores estão presentes e ao elaborarem os títulos provocam uma interferência intersemiótica: sua presença determina a leitura do texto jornalístico e estabelece antecipadamente seu universo de significados, orientando os leitores para uma compreensão do tema proposto. O tema ascensão social (e por pressuposição lógica: preconceito linguístico) é reforçado nas “chamadas”, ou enunciado-resumo ou microtexto, que acompanham os títulos. Na capa da Veja (fig. 01), de 2007, lemos “a) Como o domínio da língua impulsiona a carreira; b) Os 10 erros de português que arruínam suas chances”; c) A ansiedade com a nova reforma ortográfica”. Já na capa de 2010 (fig. 02), apresenta o seguinte texto “Expressar-se com clareza e elegância é essencial para avançar na vida. A boa notícia é que há mais ferramentas para o aprendizado”. Esses discursos recebem revestimentos semânticos figurativos. “As figuras são elementos do discurso que criam a ilusão de um mundo possível por produzir uma referencialização ao mundo natural (PIETROFORTE, 2010, p. 21). Assim, falar, escrever, certo, domínio, língua, impulsiona, carreira, erros, português, arruínam, chances (fig. 01); falar, escrever, bem, vitória, clareza, elegância, avançar, vida, ferramentas, aprendizado (fig. 02), são figuras do discurso. Essas figuras concretizam o tema e ajudam na leitura, construção e interpretação dos textos. Segundo Fiorin (1999, p. 70) “Ler um texto não é apreender figuras isoladas, mas perceber relações entre elas, avaliando a trama que constituem. A esse encadeamento de figuras, a essa rede relacional reserva-se o nome de percurso figurativo”. Assim, o conjunto de figuras lexemáticas relacionadas no texto das revistas compõe um percurso figurativo. Vejamos no quadro a seguir como o conjunto das figuras concretizaram o tema proposto: Quadro 01: Representação do percurso figurativo Figuras Fig. 01 Fig. 02 Percurso Figurativo falar, escrever, certo, domínio, língua, impulsiona, carreira, erros, português, arruínam, chances falar, escrever, bem, vitória, clareza, elegância, avançar, vida, ferramentas, aprendizado Tema Domínio da língua Crescimento pessoal e profissional Ascensão social (por pressuposição lógica: preconceito linguístico) Domínio da língua Crescimento pessoal e profissional Ascensão social (por pressuposição lógica: preconceito linguístico) Como demonstramos no quadro, a escolha de figuras na organização da capa comprova que a ascensão social (e por pressuposição o preconceito linguístico) constitui, portanto, o tema central abordado nos dois textos verbais das respectivas reportagens da Veja. Do ponto de vista da Linguística e da Sociolinguística, todos os falantes de língua portuguesa dominam a oralidade, pois crescem e falam a língua desde muito cedo, quando ainda criança, seja por histórias que ouvem, por diálogos em casa e na comunidade que os cercam, ou por rádio, televisão e mídia em geral. Conforme Scherre (2005, p.9), “Falar é como andar. Acontece naturalmente, da mesma forma, nas mesmas faixas etárias, em qualquer parte do planeta terra, independente de raça, de cultura, de cor, de gênero e de ensino formal. Basta que sejamos seres humanos”. Sendo assim, nos títulos das duas capas da Veja, houve a apresentação da hegemonia da norma culta, desconsiderando fatores que geram a diversidade linguística, como já foi apontado anteriormente: localização geográfica, faixa etária, situação socioeconômica, escolaridade. O plano de conteúdo dessas capas se relaciona com um plano de expressão, a imagem, e marca o sincretismo, estabelecendo o que a Semiótica chama de semissimbolismo que reforça o que foi explanado acima. Nas capas das revistas, o plano de expressão ajuda na construção do sentido veiculado pelos títulos e pelos microtextos. Nesse contexto, retomando Pietroforte (2004, p.21), o semissimbólico, conceito desenvolvido por J. M. Floch, aparece quando o plano de expressão deixa de ser apenas uma forma de veicular o conteúdo e passa a “fazer sentido” a partir da articulação entre a forma de expressão e a forma de conteúdo. Para analisar as imagens dessas capas é necessário entender dois princípios básicos utilizados por Algirdas Julien Greimas e Jean-Marie Floch para os quais no plano de expressão possam ser reconhecidos: os formantes figurativos (elementos que criam efeitos de realidade, como pessoas, objetos, etc) e os formantes plásticos (categorias que dão sentido ao texto e podem, de acordo com trabalhos de Greimas, Floch e Thürlemann, ser divididas em: topológica (ligada à posição), eidética (ligada às formas) e cromática (ligada às cores). As imagens escolhidas para editar as revistas da Veja não foram aleatórias, há uma intenção que no contexto da enunciação representa um sentido, uma significação. Nas duas capas vemos como as figuras do texto verbal que concretizam o tema da ascensão social, por pressuposição lógica, também faz parte da imagem. Nesse sentido, no tocante ao formante figurativo tem-se a imagem, na fig. 01, de uma pessoa vestida de blazer feminino, saia e pasta de couro na mão (no imaginário popular, na junção desses elementos, predomina o símbolo de ascensão e de poder e corrobora o que diz o texto verbal “o domínio da língua impulsiona a carreira) subindo uma escada, encostada a uma letra do alfabeto, em referência à escrita, a “falar e escrever certo”, no alto da escada a pessoa se mistura às nuvens do céu (também um símbolo de ascensão: estar no topo). No que se refere à figura 02, outra pessoa, no topo de um teclado de computador com as letras do alfabeto (em alusão a novas ferramentas para o aprendizado, como diz o texto verbal; e vestida de terno e gravata, em posição de discurso, também em menção ao texto verbal: “expressar-se com clareza e elegância é essencial para avançar na vida”). É importante destacar que a imagem do teclado lembra uma pirâmide social, portanto, as duas pessoas do texto não verbal se encontram no alto, estão bem vestidas, são elitizadas, evidenciam que a relação entre domínio da língua, ascensão social e crescimento pessoal pelo viés do conhecimento da língua portuguesa, norma culta, fica fortemente marcada nos dois textos, verbal e não verbal. Isso induz no acreditar que só quem sabe falar e escrever “certo”/ “bem” podem ter sucesso e ascensão social. As outras formas são empobrecedoras, desviantes, indignas de uma “língua bem falada” e formas normalmente usadas em maior número por pessoas de classe social sem prestígio, uma vez que nas imagens, os dois indivíduos, que incorporam “a língua bem falada” e que estão no topo, passam a imagem de pessoas elitizadas (terno, gravata, blazer, pasta de couro). Não podemos deixar de lembrar que também as pessoas de classe mais favorecidas produzem as formas consideradas “erradas”, só que, normalmente, em menor quantidade, e nem por isso são estigmatizadas. Em relação ao formante plástico, as cores predominantes são o azul (figs 01 e 02), o branco (fig. 01), e o amarelo (fig. 02). Segundo o Dicionário de Símbolos, o branco é a cor “daquele que vai mudar de condição (...) daquele que se reergue e que renasce, ao sair vitorioso (...) símbolo de afirmação, de responsabilidades assumidas, de poderes tomados e reconhecidos, de renascimento realizado, de consagração” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2005, p. 141-143). A cor azul “é o caminho do infinito, onde o real se transforma em imaginário. (...) Entrar no azul é um fazer como Alice, a do País das Maravilhas: passar para o outro lado do espelho .... o caminho do sonho” (Idem, p. 107). Já o amarelo “é intenso, violento, agudo até a estridência (...) veículo do vigor” (Idem, p. 40). Nos dois textos não verbais a simbologia dessas cores ratifica o que já foi analisado, ou seja, as figuras branco, azul e amarelo representam a subida, a ascensão, a vitória; passar para o outro lado; ter vigor. Nesse sentido, todo o arranjo reproduz a significação subjetiva do crescimento pessoal representada nas figuras das duas pessoas no topo. No sincretismo das capas analisadas, imagem e palavra estão separadas, ou seja, há o espaço da imagem, no centro da capa, e os espaços das palavras. Nos textos em questão, portanto, há a categoria topológica de expressão vertical/subida/superior/ascensão (simbolizada pela escada na imagem) vs horizontal (palavras) a organizar a disposição dos dois sistemas semióticos sincretizados. Dessa forma, as palavras confirmam a categoria plástica cromática e topológica. Enfim, no texto sincrético das capas, os conteúdos da ascensão social, crescimento pessoal, domínio da língua materna (da norma culta) são manifestados no sistema semiótico verbal e plástico e encaminha para a leitura das matérias no interior da revista. Vertical/subida/superior/ Asceção social (domínio da norma culta) ______________________ = _________________________ Horizontal/Inferior /descida/ Desprestígio social (não domínio da norma culta) Nessa análise usamos a semiótica greimasiana para reforçar que a mídia veicula a imagem de que o domínio da variedade culta é reconhecido como “correto” e necessário para se ter prestígio e ascensão social na sociedade contemporânea, desconsiderando os grupos sociais com os quais os destinatários interagem, independente do ensino formal, e sua necessidade de se identificarem com o grupo que os cerca, como muito bem explana Scherre (2005, p.43) “Em nome da boa língua pratica-se a injustiça social, muitas vezes humilhando o ser humano por meio da nãoaceitação de um de seus bens culturais mais divinos: o domínio inconsciente e pleno de um sistema de comunicação próprio da comunidade ao seu redor”. Scherre (2005) apresenta reflexões em torno de exemplos de preconceito linguístico na mídia impressa brasileira entre 1993 e 2003. Afirma ela que: [...] Estudos linguísticos de fenômenos estigmatizados podem ter, portanto, como consequência imediata, a possibilidade de evidenciar que o certo considerado inerente, em termos de linguagem, não tem razão de ser (por mais óbvio que isto possa parecer). Certo é tudo o que está conforme as regras ou princípios de um determinado grupo dentro dos limites do próprio grupo [...] (SCHERRE, 2005, p.18). E, certamente, na relação entre língua e sociedade: “[...] uma variedade linguística „vale‟ o que „valem‟ na sociedade os seus falantes, isto é, como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais” (GNERRE, 1985, p. 4), certos usos marcam as variantes de prestígio ou padrão, diferindo da variante não padrão ou estigmatizada. Corroborando essa questão, Camacho, ao falar da relação entre as variedades linguísticas e a norma pedagógica, afirma que “A aquisição pelo adolescente de uma amplitude de estilos, coerentes em si mesmos, adequados a todo e qualquer contexto extralinguístico é um dos fatores de mobilidade social ascendente” (CAMACHO, 1988, p. 41). Ele fala em amplitude de estilos, para a mobilidade social ascendente e não a supremacia de um deles. Dessa forma, voltando nossa atenção para o ensino, Castilho (2002), diante do exposto, recomenda como mais adequado o sensibilizar o aluno para a variedade linguística a partir do trabalho ligado às situações em que é usada, o que implica sair de uma visão “conteudista” de ensino da Língua Portuguesa e conduzir a observações de fatos da língua, tendo em vista que o aluno evite preconceitos e saiba lidar com a língua em diferentes situações. Paralelo a essa sensibilização, o estudioso não descarta o trabalho com a descrição da variedade de maior prestígio, a norma padrão, objetivo primordial da escola. Nesse momento, cabe lembrar outros estudiosos da sociolinguística que também apontam para esse fato, entre eles, Bortoni-Ricardo (1986, 2004) e Camacho (1988). Para finalizar, cabe considerar que ainda perpassa grande discussão em torno da prevalência de uma variante padrão sobre as outras, Faraco (2002, p. 42), embarcando nessa questão, é bem enfático ao afirmar que “O padrão não conseguirá jamais suplantar a diversidade, porque, para isso, seria preciso o impossível (e o indesejável, obviamente): homogeneizar a sociedade e a cultura e estancar o movimento e a história.” Certamente a questão não é fácil, sobretudo quando pensamos no trabalho que é preciso ser realizado fora do âmbito cientifico, mas é necessário e como destaca esse autor “Em outros termos, as mudanças redesenham a gramática, mas jamais afetam a plenitude estrutural da língua e, consequentemente, sua funcionalidade social” (FARACO, 2002, p. 50) e é pensando nessa funcionalidade social e mais, na adequação situacional de usos da língua que as problemáticas abordadas neste texto precisam ser refletidas com vistas ao ensino de qualidade e que faça sentido para o aluno. Considerações finais O leitor é peça fundamental na imagem construída pela mídia. É ele quem vai se autoidentificar com o que se anuncia na imagem, seja pelo viés da cultura, da história, da linguagem, entre outras. Na análise das capas da revista Veja, que foi objeto deste trabalho, observamos que se constitui num sujeito semiótico que possui confiança e credibilidade e os seus leitores são sujeitos destinatários que a aceitam como tal e se “deixam” ou não manipular. Daí a importância dos conteúdos veiculados por ela e pela mídia em geral. O leitor da Veja, normalmente, tem poder socioeconômico melhor que leitores de outros meios de comunicação. Ele consegue discernir entre o que é bom e o que é ruim nos conteúdos veiculados. No entanto, a maioria dos leitores brasileiros não possui esse discernimento. Como é o caso de grande parte dos alunos que frequentam a escola pública. Camacho (1988) salienta que a deficiência no ensino resulta da visão da supremacia da norma padrão culta, deixa-se de aproveitar o trabalho com as variantes de forma a ajudar o aluno a escolher o grau de formalidade de acordo com a situação, por exemplo. Como lembra o autor, a escola, assim como a família, o grupo de amigos e o trabalho, é “uma agência de socialização” e tem sua importância no papel de oferecer ao aluno, sobretudo às classes desfavorecidas, um instrumento linguístico com as alternativas adequadas para as situações de uso do ato verbal que necessitará. Para isso, é preciso que a escola evite a relação entre capacidade verbal e classe socioeconômica. Nesse sentido, o estudioso cita duas atitudes fundamentais no trato com as variações em sala de aula: a eliminação no vocabulário do professor a dicotomia correto/incorreto para formal /informal, e a tolerância e o respeito ao padrão linguístico do aluno. Dessa maneira será possível o trabalho com as diversas situações de comunicação possibilitando a mobilidade social ao aluno. Sírio Possenti (2002) acredita que seria necessário o governo tomar decisões coerentes para aumentar a eficácia das escolas. Sob tal enfoque, os documentos oficiais estão se adequando a novas teorias, a novas metodologias. Vários autores fundamentam o ensino de língua portuguesa voltado para o texto verbal e não verbal: o aluno precisa compreender o que é um bom texto, como é organizado, como os elementos visuais e textuais se relacionam, entre tantos outros recursos para entendê-los. Tudo isso aliado ao respeito à heterogeneidade linguística do aluno. O que a sociedade considera “erro” na linguagem, na verdade está contribuindo para a difusão da noção de erro em forma de preconceito. Para desmitificar essa noção é necessário combatê-lo, estudar as diferenças e divulgá-las adequadamente, redefinindo novos padrões de conduta, principalmente, no âmbito socioeducacional. Referências bibliográficas ALKMIN, T. Sociolingüística. In: MUSSALIN, F; BENTES, A. C. (orgs). Introdução à lingüística I: domínios e fronteiras. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. BORTONI-RICARDO, S. M. Problemas de comunicação interdialetal. In: Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 53-54, p. 9-31, jul/dez. 1986. _____.Nós cheguemu na escola, e agora? São Paulo: Parábola, 2005. _____.O estatuto do erro na língua oral e na língua escrita. In: GORSKI, M. E; COELHO, I. L. (orgs). Sociolinguísticas e ensino: contribuições para a formação do professor de língua. Florianópolis: Ed da UFSC, 2006, p. 267-275. CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. São Paulo: Scipione, 1999. CAMACHO, R., G. A variação linguística. In: Subsídios à proposta curricular de Língua Portuguesa para o 1º e 2º graus. 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