Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano III, Nº 7, agosto de 2013 Resumo de pesquisa: Modo de vida de Comunidades de Fundo de Pasto e sua relação com componentes naturais de caatinga no município de Sobradinho, BA1 Maria Aparecida Conceição NUNES2 [email protected] e Salvador Dal Pozzo TREVIZAN3 [email protected] Resumo: Este artigo resume uma pesquisa etnometodológica sobre um tipo de comunidade tradicional, o Fundo de Pasto, realizada em São Gonçalo da Serra, Canaã, município de Sobradinho, Bahia. O artigo conclui que o modo de vida adotado nessas comunidades, utilizando-se de áreas comuns de pastoreio para a caprinovinocultura, possibilita a conservação das espécies endêmicas, principalmente da avifauna e flora: 28 espécies de aves, 16 de mamíferos, 11 de répteis, 14 de peixes e 48 espécies da flora arbórea e arbustiva foram citadas pelos membros da comunidade durante a pesquisa. Este trabalho visou contribuir para a implementação de uma política de manejo sustentável. (Assista também ao vídeo, na seção Galeria de Imagens desta edição da Revista Vitas) Palavras-chave: Fundo de Pasto, modo de vida, sustentabilidade, caatinga, gestão ambiental. Abstract: This paper outlines main aspects of an etnomethodological research about “Fundo de Pasto”, a kind of traditional rural community in the outback of the state of Bahia (Brazil), and its way of life based on the commons. It is argued that their kind of living is very important to the environment. Keywords: the commons; communities, sustainability, caatinga, Bahia, Brazil Este artigo, em sua versão integral, foi publicado pela ISDA 2010, Montpellier (FR), as seção Innovation and Sustainable Development”, com o título “Way of life in pasture background pastures communities and its relation with the natural components of Caatinga in the Municipalty of Sobradinho /BA”. Disponível em Este http://hal.archives-ouvertes.fr/hal-00533449/fr/ Bióloga, mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Estadual de Santa Cruz (BA), é também artista plástica e documentarista com trabalhos expostos no Salão Regional de artes Plásticas da Bahia. No momento, desenvolve um trabalho de educocomunicação com o Povo indígena Truká em Sobradinho BA, dentro da disciplina Identidade e Cultura. 2 3 Professor da Universidade de Santa Cruz/UESC (BA). Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano III, Nº 7, agosto de 2013 Introdução As comunidades do Vale do São Francisco originaram-se a partir do período colonial, com os antigos currais de Garcia D’Ávila, desenvolvendo, nas áreas junto aos mesmos, criação de pequenos animais e cultivo de subsistência, destinado aos plantios de feijão, milho, cana de açúcar, mandioca e algodão. Os moradores destas comunidades podiam caçar, pescar e coletar outros alimentos, principalmente frutos, contribuindo para formação de uma sociedade extrativista por excelência (CAR, 1985 apud MMA, 2004). Surgindo a formação das primeiras comunidades tradicionais no vale do São Francisco, denominadas “fundo de pasto”, a partir da década de 1980. Os povos e comunidades tradicionais, como os indígenas, quilombolas, faxinais, fundo de pasto e outros estão amparados no âmbito do território nacional pela Constituição Federal, pelo Decreto Federal n. 6.040/07 e pela Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais, no âmbito internacional, coma convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, ratificada pelo Decreto Presidencial n. 5.051/04. No âmbito estadual, os fundos de pasto estão contemplados na Constituição da Bahia de 1989, art. 178. O sistema comunal utilizado pelas comunidades de fundo de pasto sofre grande risco de desaparecimento como já ocorreu em comunidades congêneres na Inglaterra através dos “enclosures”, (PEDRO e COULON, 2008). Registros também registrados junto aos geraizeiros na região do Alto Jequitinhonha em Minas Gerais, em que Agroindústrias de celulose estão isolando as comunidades, limitando suas áreas coletivas (RIBEIRO, 2005). Em relação às comunidades de fundo de pasto, os riscos podem ser provocados pelo superpastoreio do rebanho de caprinos, ovinos e bovinos nas áreas comuns, com base nos estudos de Hardin (1968). O estudo foi desenvolvido nas comunidades de fundo de pasto de São Gonçalo da Serra, Canaã, município de Sobradinho, BA, tendo como base para coleta dos dados as unidades familiares, localizado na região norte do Estado, a 554 km de Salvador, bacia hidrográfica do rio São Francisco. A escolha destas comunidades ocorreu por sua Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano III, Nº 7, agosto de 2013 localização geográfica dentro do município, origem/formação histórica, atividade produtiva (caprinovinocultura), organização social, por meio de associação de fundo de pasto, e significativa presença de biodiversidade nas áreas comuns destas comunidades. A pesquisa foi desenvolvida com base na etnometodologia (COULON, 1995), que “valoriza as descrições que os atores/autores fazem dos fatos sociais que os cercam, valoriza exatamente essas interpretações que passa ser objeto essencial da pesquisa” (SILVA, 1998). A pesquisa trabalhou com todas as unidades familiares das comunidades escolhidas para o estudo (universo da pesquisa). Focou nos aspectos sociais, ambiental e econômico tendo como instrumentos de coleta a observação, aplicação de questionário por meio de entrevistas, registros fotográficos e audiovisual, dados secundários e para análises dos dados foi utilizado análises de conversação a partir das filmagens e interpretações dos dados coletados com a aplicação de questionário. Resultados e conclusões Foi possível verificar que o modo de vida adotado nessas comunidades, utilizando-se de áreas de pastoreio comuns a partir da caprinovinocultura, possibilita a conservação de espécies endêmicas principalmente da avifauna. Foi possível fazer um inventário preliminar das espécies nativas, construído a partir das informações repassadas diretamente pelos entrevistados sendo: 28 espécies de Aves, 16 de mamíferos, 11 de répteis, 14 de peixes, 48 espécies da flora (árborea e arbustos), demonstrando que mesmo com a atividade produtiva da caprinovinocultura, considerada degradadora, mantém-se áreas naturais ainda conservadas, pois a prática do pastoreio não se baseia no desmatamento de áreas naturais e sim na dependência dos recursos naturais. As áreas de Fundo Pasto utilizadas como reserva nutricional para o rebanho, que representa 87% em um total de 1.549,37ha CDA, (2009) na comunidade de Canaã e 85% na comunidade de São Gonçalo da Serra, numa área aproximadamente de 1.762ha (dados da pesquisa), utilizadas para práticas diversas (pastoreio, extrativismo, uso de aguadas) demonstrando potencial para ampliação de práticas sustentáveis com a Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano III, Nº 7, agosto de 2013 intenção de agregar renda e melhor qualidade de vida a essas comunidades e garantia à conservação dos recursos naturais. O número do rebanho de caprino e ovino das comunidades totalizam 3.341 cabeças, em uma densidade de 0,69% na comunidade de São Gonçalo da Serra e 0,66% na comunidade de Canaã atendendo a capacidade de suporte estabelecida pelos órgãos oficiais de 1 a 3 cab/ha, demonstrando que há possibilidade de aumento do rebanho, mas foi registrado pelos entrevistados a necessidade do manejo voltado ao pasto rotativo, enriquecimento da caatinga e plantio de forrageira. O rebanho da comunidade Canaã e São Gonçalo da Serra respectivamente representam 17,07% e 7,18% de todo o rebanho do município, e segundo dados do IBGE (2009) 60% do rebanho de caprino e ovino do Nordeste esta na Bahia e 40% destes, está em municípios que tem Fundo de Pasto. Demonstrando que esta atividade esta em intenso desenvolvimento em áreas de Fundo de Pasto, com uma gestão descentralizada focada no uso sustentável dos recursos naturais poderão obter condições de autonomia produtiva. Ao analisar os dados da pesquisa frente à renda da unidade familiar, sendo: Comercialização do rebanho, aposentadoria e outras fontes. Foi constatado que a renda proveniente da aposentadoria é um fator determinante da economia familiar na comunidade de São Gonçalo da Serra (SGS) que equivale a 41,69% contrapondo a comercialização do rebanho em 11,32%. Já na comunidade Canaã a aposentadoria representa 28,18%, demonstrando um equilíbrio com a renda proveniente da comercialização do rebanho de caprino/ovino que representa 26,88%. A pesquisa concentrou os dados de outras fontes em: venda de subproduto da caprinovinocultura (esterco), venda de ovos, galinhas, porcos e trabalho externo, que representa 46,98% na comunidade São Gonçalo da Serra e 44,92% na comunidade Canaã. Os referidos dados demonstram preocupações frente à sustentabilidade econômica destas famílias e para a própria comunidade como um todo, devido à migração por procura de sua sobrevivência, acesso aos serviços básicos, ocasionando numa perda de identidade e dos espaços tradicionais. Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano III, Nº 7, agosto de 2013 Partindo da constatação que as comunidades possuem potencial para aumento de plantel (caprinos e ovinos) frente à capacidade de suporte estabelecida pelos órgãos competentes, faz com que estas comunidades detenham de possibilidades reais para uma autonomia econômica mediante incremento do plantel e manejo adequado com planejamento para uma gestão estratégica direcionada à sustentabilidade. A pesquisa apresenta contribuições para programas de gestão, educação e políticas para proteção do patrimônio cultural destas comunidades, se propõe na instituição de um Organismo Executor da Política Municipal de Povos e Comunidades Tradicionais (PMPCT), no âmbito da esfera municipal, em consonância com a Política Nacional e Estadual. Levando à criação da Comissão Municipal dos Povos e Comunidades Tradicionais (CMPCT), levando em consideração que o município de Sobradinho, possui em seu território cinco (5) categorias de Povos e Comunidades Tradicionais (PCT) reconhecidas pelo Decreto Federal n. 6.040/07 sendo: Indígenas (Povo Truká), Fundo de Pasto (14 associações), Pescadores artesanais (2.200 organizados na colônia Z 26), Comunidades de terreiros (03 terreiros), Ciganos (01grupo). A implementação de uma política de manejo sustentável com repasse de subsídios com intenção de desenvolver o manejo das áreas coletivas, com subdivisões das áreas comuns para uso de pasto rotativo. Gestão das áreas comuns para atendimento das exigências legais ambientais, garantindo uma gestão diferenciada preservando o princípio e identidade do sistema comunal. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Alfredo Wagner B. de [Coord.]. Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil – Fundos de Pasto: nosso jeito de viver no sertão. Lago do Sobradinho, Bahia. Manaus: PPGSCA-UFAM, 2006. ALMEIDA, Alfredo Wagner B. de. Terras de quilombo, terras indígenas, “Babaçuais livres”, “Castanhais do povo”, Faxinais e Fundo de Pasto:Terras tradicionalmente Ocupadas. Manaus: Universidade do amazonas, 2006. Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 2238-1627, Ano III, Nº 7, agosto de 2013 BAHIA. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DA BAHIA, Anais da Constituinte. Salvador, 1989. BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Biodiversidade da caatinga: áreas prioritárias para conservação. Brasília, DF: Universidade Federal de Pernambuco, 2004. 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