DAS POSSIBILIDADES DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL A DISTÂNCIA: UM ESTUDO NA PERSPECTIVA DA TEORIA DA ATIVIDADE Taís Fim Alberti (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS) Sérgio R. Kieling Franco (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS) Esse artigo tem por objetivo apresentar as primeiras reflexões em torno de uma pesquisa que busca investigar as atividades de estudo e as ações que constituem e potencializam o processo de ensino-aprendizagem na Educação a Distância (EAD). Para tal, é preciso compreender a formação dos processos psicológicos através da análise da atividade mediada por instrumentos e signos, ou seja, analisar os sujeitos em atividade. Para que a atividade de estudo seja considerada como desenvolvimental é preciso determinar o motivo, ou seja, um objeto que é um motivo real que lhe determine uma direção e mais além do objeto está a necessidade. Ao considerar as atividades desenvolvidas na EAD, precisamos determinar os elementos constituintes da atividade: a necessidade e o objeto/motivo que constituem o primeiro nível e, a ação e objetivo que formam o segundo nível. Nessa perspectiva, o enfoque desta análise é descrever e explicar o processo de ensino-aprendizagem em um curso a distância, identificando as situações de estudo realizadas que tem a potencialidade de desencadear motivos para o desenvolvimento de novas atividades profissionais. Palavras-chave: Educação a Distância, Teoria da Atividade, Formação Profissional de Professores 2 INTRODUÇÃO A proposta para implementar a Educação a Distância (EAD), surge como uma iniciativa de abrangência ao acesso ao ensino superior para que um número considerável de alunos em busca de formação, seja ela inicial ou continuada tenham essa oportunidade. Assim, essas iniciativas proporcionarão que milhares de pessoas, que antes não tinham acesso à escolaridade, possam ter, agora mediados por tecnologias. A educação a distância especialmente, através de Ambientes Virtuais de EnsinoAprendizagem (AVEA) está transformando o espaço escolar e proporcionando um acesso a formação cada vez mais abrangente. No entanto, não podemos pensar apenas em termos quantitativos sobre essa nova modalidade de ensino, nem continuar a fazer as mesmas coisas, acreditando que estamos inovando. Pois, inovar não é só trocar o quadro verde pela tela do computador. A tecnologia por si só não garante essas inovações. Sabemos que a EAD é uma realidade e vem sendo difundida cada vez mais. Como ela pode ajudar nesse processo de transformações tanto do sujeito como do mundo em que ele está inserido? A Teoria da Atividade é uma perspectiva teórica que destaca o ensino e a educação como os principais constituintes do desenvolvimento psíquico dos alunos; nelas se expressam as colaborações entre professores e alunos orientadas para que eles se apropriem das riquezas da cultura material e espiritual elaboradas pela humanidade. Pesquisar a atividade de estudo a distância requer a análise de sua estrutura e das relações entre seus componentes, requer descobrir qual é o motivo que leva os alunos a realizar a atividade mediada por tecnologias e quais são as condições para tal. Segundo Leontiev (1978b), discriminar quais são as unidades constitutivas da atividade e que função estão desempenhando é de fundamental importância para a pesquisa e estudo do psiquismo. Considerando que as atividades escolares são constitutivas do desenvolvimento psíquico e intelectual, esse trabalho tem como objetivo identificar quais atividades de estudo tornam-se mais eficazes nas atividades escolares mediadas por tecnologias, buscando compreender o que motiva (potencializa) a atividade discente e qual é o sentido atribuído a essa atividade, identificando se ela gera mudanças na sua prática pedagógica. 3 TEORIA DA ATIVIDADE E SUA ESTRUTURA Na concepção histórico-cultural, a atividade é um conceito explicativo do processo de mediação. A atividade mediatiza a relação entre sujeito e a realidade objetiva. O ser humano não reage mecanicamente aos estímulos do meio mas sim, pela sua atividade, em contato com os objetos e fenômenos do meio em que está inserido. Assim age sobre eles, transforma-os e transforma a si mesmo. A atividade possibilita a relação do homem com a sociedade, relação esta que apresenta a espiral dialética e que vai do interno ao externo a partir do surgimento da imagem, que passaria ser convertida em imagem ideal (GOLDER, 2004). Leontiev (1978b), ao falar da atividade, coloca que estamos simultaneamente, envolvidos em torno de várias atividades principais às quais as outras são subordinadas. No entanto, como se expressa psicologicamente esta subordinação, esta hierarquia de atividades? O autor coloca que para considerar uma atividade como desenvolvimental a atividade está envolvida em um processo que é eliciado e dirigido por um motivo. Ou seja, para haver uma atividade precisa existir uma relação entre motivos. Leontiev coloca que na psicologia contemporânea, o termo "motivo" (motivação, fatores motivadores) pode dizer respeito a fenômenos completamente diferentes. Porém, não são esses diferentes fenômenos que o interessam e sim, entender às relações entre motivos e necessidades pois, a necessidade real é sempre uma necessidade de alguma coisa. Portanto, quando surgem novos motivos (ou quando uma ação transforma-se em atividade), cria-se uma nova atividade, chamada de atividade dominante. A atividade é um sistema coletivo derivado de um objeto e de um motivo. No entanto, até o momento de sua primeira satisfação, a necessidade “não conhece” seu objeto; ele ainda precisa ser revelado. “Só como resultado dessa revelação, é que a necessidade adquire sua objetividade e o objeto percebido (representado, imaginado) vem a adquirir sua atividade provocativa e diretiva como função, isto é, torna-se um motivo” (LEONTIEV, 1978b, p. 14). O que impulsiona a direção da atividade é o motivo. Mas o que leva o sujeito a passar de uma atividade a uma outra atividade dominante? Para responder essa questão, Leontiev (1978a) coloca que é preciso definir dois conceitos para entender essa passagem. Os conceitos de atividade e ação. Segundo ele: Nem todo o processo é uma atividade. Nós designamos apenas por este termo os processos que, realizando tal ou tal relação do homem com o mundo, respondem a uma necessidade particular que lhes é própria. Assim, os processos de memorização 4 não são, propriamente falando, uma atividade, pois não realizam, regra geral, qualquer relação autônoma com o mundo e não respondem a qualquer exigência particular (p. 296) Dessa forma, por atividade, designamos “os processos que são psicologicamente caracterizados pelo fato daquilo para que tendem no seu conjunto (o seu objeto) coincidir sempre com o elemento objetivo que incita o sujeito a uma dada atividade, isto é, com o motivo” (ibidem) A decomposição de uma ação supõe que o “sujeito que age tem a possibilidade de refletir psiquicamente a relação que existe entre o motivo objetivo da ação e o seu objeto. Se não a ação é impossível, é vazia de sentido para o sujeito” (1978a, p. 79). Com a ação (que é entendida como a unidade principal da atividade humana), surge assim a “unidade” fundamental, social por natureza, do psiquismo humano, o sentido racional para o ser humano daquilo para que a sua atividade se orienta. Nessa relação o sujeito precisa ter presente a ligação que existe entre o objeto de uma ação (seu fim) e o gerador da atividade (o seu motivo). Assim, a atividade é distinta daquilo designado por ação. Segundo Leontiev, (1978a), “uma ação é um processo cujo motivo não coincide com o seu objeto (isto é, com aquilo que visa), pois pertence à atividade em que entra a ação considerada” (p. 297-298). Essa ação está ligada a certa necessidade. É a carência de algo que experimenta o sujeito. A necessidade provoca sua tendência a busca, motiva o sujeito a agir por meio de diferentes ações, quer no plano material, quer no plano ideal, utilizando-se de vários instrumentos que são estratégias de ação, operacionalizando-as através da manipulação de instrumentos para satisfazer a necessidade inicial. Na realização de uma determinada ação, é possível desencadear outras ações em seu processo. As condições objetivas de realização da atividade vão determinar quais são os instrumentos a serem utilizados, bem como, as operações que o sujeito realizará nesse processo de objetivação de um resultado ideal. O conceito de atividade de Leontiev (1978b), requer que sejam realizadas ações e operações direcionadas a um fim as quais visam a produção de instrumentos que possibilitam, estabelecer relação entre motivo e objetivo da atividade em si. Assim, Leontiev sugeriu o seguinte desdobramento da atividade: atividade corresponde a um motivo, ação corresponde a um objetivo e operação depende das condições para sua realização. Apesar de diferentes, eles estão em constante movimento, dependendo de como se constitui, na atividade, o motivo que a direciona. 5 Portanto, os elementos estruturais da atividade são: atividade-ação-operação e suas correlativas são motivo-objetivo-condição. A unidade central da análise da sua teoria é a atividade. E esta subentende três dimensões: motivos-fins, ações-procedimentos e objetos, meios e fins. Assim, a realização de uma atividade envolve: sujeito, objeto e ferramentas. A estrutura atividade-ação-operação não é estanque. A ação pode transformar-se em atividade, ou seja, uma ação que em principio era realizada apenas como parte de uma atividade passa a ter para o sujeito um motivo em si. Assim, segundo Sforni (2003) essa idéia de movimento é uma grande contribuição para o ensino pois, é um movimento contínuo de desenvolvimento do sujeito. Então, nos perguntamos: Que espécies de situações de estudo realizadas num curso a distância têm a potencialidade de desencadear motivos para o desenvolvimento de novas atividades de estudo e profissionais? Que atividades-ações-operações constituem e potencializam o processo de ensino-aprendizagem na EAD? FORMAÇÃO PROFISSIONAL A DISTÂNCIA: CONSTRUINDO POSSIBILIDADES ATRAVÉS DE ATIVIDADES DE ESTUDO Na busca da compreensão da atividade de estudo que envolve os sujeitos no processo de ensino-aprendizagem mediado por tecnologias e tendo como referencial teórico a Teoria da Atividade, alguns elementos tornam-se fundamentais na organização da atividade de ensinoaprendizagem. Podemos citar a necessidade, os motivos, a atividade, as ações, operações e as condições ou instrumentos para que esse processo se viabilize. A partir desses elementos, Leontiev (1978b) propõe uma estrutura geral para atividade e aponta que essa estrutura é a mesma tanto na atividade interna quanto na atividade prática externa. Davidov (1988) que também trata do conceito de atividade, mais especificamente atividades de estudo, coloca que, o termo “atividade de estudo” indica um dos tipos de atividade reprodutiva crítica dos alunos e não quer dizer que seja a única maneira de aprender, pois se aprende nas formas mais diversas de atividades. No entanto, o que diferencia uma atividade de estudo de outras atividades é que a mesma tem um conteúdo e uma estrutura especial, ou seja, ela necessariamente exige um planejamento definido com finalidades a serem alcançadas. Nessa perspectiva, a atividade de estudo precisa ser diretiva e a principal nas atividades dos alunos para que, a partir da realização das atividades escolares, os alunos 6 desenvolvem a capacidade de organização para outras. Resumindo e unindo as concepções de cada autor, consideramos que, a aprendizagem escolar além de promover a aquisição dos conteúdos ou habilidades específicas, consiste também numa via de desenvolvimento psíquico. Para Davidov, esse desenvolvimento é promovido através das atividades de estudo. Atividade de estudo é um conjunto de ações (finalidade) e operações (práticas e intelectuais) que levam a formação do pensamento teórico, assentado na reflexão, análise e planejamento mental. Sobre sua base surgem nos escolares as necessidades e motivos de estudo. Isso significa dizer, que os conteúdos da atividade de estudo são os conhecimentos teóricos. (DAVIDOV, 1988). Para Libâneo (2004), um dos requisitos de um programa de formação de professores é a motivação dos alunos, considerando-se a estrutura da atividade nesse nível de formação, em que se combina a atividade profissional e a atividade de estudo. Sendo que, a base do ensino desenvolvimental é a estrutura psicológica da atividade, na qual são criadas tarefas para melhor promover a aprendizagem, será importante estabelecer as características entre as atividades de estudo e as profissionais dos professores-alunos. A teoria da atividade traz contribuições para a configuração de elementos necessários à atividade profissional dos professores tendo como base a atividade de aprendizagem pois, o tornar-se professor é uma atividade de aprendizagem e, para isso, são requeridas capacidades e habilidades específicas. “A atividade de aprendizagem estaria ligada aos fazeres que seriam o suporte do desenvolvimento do pensamento teórico” (LIBÂNEO, 2004, p. 137). O professor aprende o saber fazer em atividades que satisfazem a necessidade. Leontiev (1978a) mostra que tanto a atividade profissional quanto a atividade cognitiva implicam o desenvolvimento de ações e operações específicas. Isso nos remete a compreender a atividade docente sendo construída e fazendo parte das atividades de estudo. A forma como as ações serão desenvolvidas durante a formação vão inspirar um sentido na atuação (LIBÂNEO, 2004). Sentido, é compreendido por Leontiev (1978a) como sendo “uma relação que se cria na vida, na atividade do sujeito” (p. 97). É o sentido que faz a relação do motivo ao fim. Desta forma, certos motivos que induzem a atividade também lhe dão sentido pessoal. A estes, Leontiev chama de motivos formadores de sentido. O sentido pessoal é criado pelas relações objetivas, refletidas na consciência humana, entre o que motiva a atividade e os resultados da ação (ASBAHAR, 2005). Ou, segundo Leontiev (1978b), o sentido expressa a relação do motivo da atividade e o objetivo direto da ação. 7 Além do sentido pessoal, a atividade pedagógica também tem um significado social. Para Bernardes (2006, p. 12) “a significação social da atividade pedagógica realizada pelo professor é proporcionar condições de ensino que possibilitem aos alunos se engajarem em atividade de aprendizagem, garantindo aos mesmos a apropriação do conhecimento teórico”. Quando não ocorre essa correspondência entre o significado social e o sentido pessoal das ações pedagógicas, a mesma pode assumir-se como uma atividade de sentido mecânica e sem características desenvolvimentais, ou seja, tornam-se operações automatizadas (ASBAHAR, 2005). Ou ainda, de acordo com Bernardes (2006, p. 13), “um conjunto de ações que visam a ocupação do tempo designado ao processo de ensino-aprendizagem” e portanto, essas ações não se concretizam em atividades de estudo desenvolvimentais. Para Davidov (1988) nem ações mecânicas nem ações de memorização se configuram em atividades de estudo. A sistematização das atividades de estudo propostas por Davidov (1988) compreende a conexão entre a atividade de ensino do professor e a atividade de aprendizagem do aluno, para que as ações que envolvem ambos propicie a aquisição de conhecimentos teóricos (ou o desenvolvimento do pensamento teórico) levando assim ao desenvolvimento psicointelectual dos alunos. Portanto, a formação de professores em nível superior mediados por tecnologias deverá ser compreendido como desenvolvimento psicointelectual e, é essencial para fazer a diferença na outra ponta, onde esses professores alunos vão atuar promovendo atividades de estudo que desenvolva seus alunos nesse mesmo sentido. Além de criar essas condições para que o aluno se aproprie dos conhecimentos teóricos e de proporcionar situações que promovam o desenvolvimento psíquico, cabe também uma formação critica do aluno para que o mesmo sujeito se desenvolva participativo-ativo-critico e constitua-se como tal na atividade de ensino-aprendizagem, sendo dessa forma desenvolvimental (ASBAHAR, 2005). Para que não sejam desenvolvidas atividades vazias e sem sentido Davidov (1988) argumenta que é necessário criar condições para assegurar o significado pessoal. Segundo ele: “É necessário averiguar e criar condições que permitirão a atividade adquirir significado pessoal, a se tornar uma fonte de auto-desenvolvimento da pessoa, e do desenvolvimento compreensivo da sua personalidade, é uma condição para sua entrada na prática social” (DAVIDOV e MARKOVA apud RENSHAW, 1999, p. 43). Cunha (1999) coloca que a ação de ensino não pode se isolar do espaço/tempo onde se realiza pois, está ligada de maneira intensa a determinações que gravitam em torno dela. 8 Dessa forma, o professor não representa mais o tradicional transmissor de informações e conhecimentos, ação, segundo a autora, quase em extinção em função da revolução tecnológica. Assume, portanto “uma nova profissionalidade de caráter interpretativo, sendo uma ponte entre o conhecimento sistematizado, os saberes da prática profissional e a cultura onde acontece o ato educativo, incluindo as estruturas sócio-cognitivas do aluno” (p. 218 e 219). Para essa autora “é preciso recuperar no professor a dimensão do desejo, a firmeza de que seu trabalho vale a pena, que é preciso mudar” (p. 219). Como transformar esse professor através da formação em um curso superior de pedagogia a distância? O reconfiguração do trabalho docente requer uma simbiose entre o contingente que produz a ciência e cultiva erudição e os que interagem na interpretação do conhecimento já produzido, acrescendo essas duas vertentes de outras habilidades/conhecimentos/saberes que provoquem no estudante o protagonismo de seu próprio saber (CUNHA, 1999). Nesse sentido, a autora traz como referência da profissionalidade a fala de Sacristán (1993, p. 54) que trata-a como “a expressão da especificidade da atuação dos professores na prática, isto é, o conjunto de atuações, destrezas, conhecimentos, atitudes e valores ligados a elas que constituem o específico de ser professor”. Portanto, o exercício da docência nunca é estático e permanente, é sempre processo, é mudança, é movimento, é arte; são novas caras, novas experiências, novo contexto, novo tempo, novo lugar, novas informações, novos sentimentos, novas interações (CUNHA, p. 216). Isso significa que a prática docente está sempre em movimento e nos desafiando e criar estratégias de ensino-aprendizagem em situações muitas vezes inusitadas. Para Guerrero (1996, p. 173) “o ensino em nosso presente sistema educativo se estratifica em dois tipos de organizações ocupacionais: a universidade que se organiza e se constitui como uma profissão científica e erudita, que produz e aplica seu próprio conhecimento; e o ensino básico e secundário que se organiza e se constitui como uma profissão prática, que aplica na prática esse conhecimento convenientemente contextualizado por instâncias políticas e sociais. Dessa forma, cabe ressaltar uma passagem de Bernardes (2006, p. 112) sobre esse devir professor: Concebe-se portanto, que, além dos conhecimentos que o educador deva ter apropriado a cerca dos fundamentos teóricos metodológicos que definem as ações os quais proporcionam transformações no psiquismo dos estudantes, e além dos conhecimentos que necessariamente precisa ter para ensinar os conteúdos escolares, o educador também se forme no movimento de organização do ensino. 9 O educador transforma-se, modifica-se, em virtude da necessidade de definir ações e operações na atividade pedagógica que possibilitem a concretização da aprendizagem por parte de seus alunos. É por tudo isso que o exercício da docência está sempre em movimento. E o professor-aluno do curso de pedagogia que transita entre a universidade (atividades de estudo) e a escola de ensino básico (atividade profissional) como expressa a sua atuação? Análises e Resultados O trabalho de pesquisa está sendo realizado com alunos do curso de licenciatura em pedagogia a distância, que estão atuando em sala de aula, mas que ainda não tinham formação de nível superior. Realizamos entrevista semi-estruturada com 15 (quinze) professores-alunos desse curso, acessamos o Ambiente Virtual de Ensino-Aprendizagem para conhecer cada disciplina trabalhada e também para nos familiarizarmos com as situações de estudo que foram propostas no decorrer da formação. Com isso, pretendemos classificar as atividades de estudo procurando características comuns ou mesmo diferenciadoras das tarefas de estudo propostas pelo curso que indiquem a potencialidade das mesmas serem vivenciadas pelos alunos como atividades de estudo, ou seja, atividades que geram uma aprendizagem desenvolvimental. Solicitamos aos professores-alunos que nomeassem pelo menos três situações de estudo vivenciadas no curso que geraram algum tipo de consequência em sua prática pedagógica. A partir de suas descrições, estamos elencando os motivos, objetivos e condições de cada situação de estudo citada e estabelecendo as relações com a teoria da atividade para dizer se a mesma se constitui em uma atividade de estudo desenvolvimental, ou seja, se o resultado final gerou não apenas aquisição dos conhecimentos teóricos mas, uma transformação do próprio sujeito atuante. Nossa hipótese é de que a aquisição dos conhecimentos teóricos referentes a formação do professor, deem subsídio a ele para desencadear ações inovadoras em torno do processo de ensino-aprendizagem pois, as atividades de estudo desenvolvem as capacidades surgidas historicamente que estão na base da consciência e do pensamento teórico, ou seja, a reflexão, a análise e o experimento mental. Se essas questões se configurarem, podemos dizer que existe desenvolvimento psíquico e intelectual. Para esse trabalho, traremos duas situações de estudo em que foi possível verificar uma atividade de estudo desenvolvimental. 1 Situação de estudo 1: Situação de Estudo realizada no curso de Graduação a Distância – elaborar um planejamento de aula Necessidade: professor do curso cobrou um planejamento de uma aula. A necessidade foi gerada de uma atividade solicitada Motivo: * nem precisa aplicar (era só para planejar), mas percebeu que não sabia o que era sistematização, que no dia-a-dia não faz planejamento, que é possível fazer registros que vão contribuir mais tarde na avaliação processual do aluno; Ações * estudo da parte teórica; * planejar a aula; * fazer anotações no diário de classe; * avaliar cada aula; * observar; Qual a finalidade dessas ações? * coletar mais dados para a avaliação geral; * perceber a caminhada do aluno; * fazer a folha do aluno e anotar tudo; * avaliar com mais precisão o nível do aluno - sua aprendizagem; * economia de tempo ao final dos trabalhos para elaborar os pareceres avaliativos de cada aluno; Operações * registros, * trabalho em sala de aula com os seus alunos, Condições * a própria situação de aprendizagem deu as condições para essa caminhada Nessa situação de estudo, a professora-aluna percebeu um novo sentido para a avaliação pois, ela ficava mais centrada na prova final, na avaliação final para comprovar o que seus alunos sabiam e, dessa forma não percebia o desenvolvimento do aluno em termos de coordenação, percepção e outras coisas que também fazem parte e compõem o processo de aprendizagem nessa faixa etária (séries iniciais). Segundo ela: “percebi que eu deixava muita coisa para traz, muitas coisas que a criança revelou durante uma atividade, comentários que fez que realmente demonstram a aprendizagem e que para mim não eram relevantes naquele momento”. Comenta que guardava seus planejamentos e seguia os mesmos no ano seguinte, só que agora percebe que mesmo guardando “pilhas e pilhas de atividades” não consegue usar as mesmas coisas por que as “turmas tem interesses diferentes, os alunos são diferentes, o momento é outro”. Seus planejamentos contemplam a interdisciplina: “Procuro colocar tudo nas atividades” (...) “Algumas disciplinas despertaram a gente para ver essas 1 possibilidades”. Ensinou seus alunos fazerem uma análise crítica, aprender a solucionar problemas e segundo ela “isso eu aprendi no curso”(...)“eu vi nos meus alunos um crescimento maior, eu acho eles agora extremamente críticos”(...)“antes eu dava a resposta, depois que comecei a fazer o curso, não”. Percebemos nessa professora uma mudança de postura pois, antes não deixava os alunos falarem pois senão, “não vou conseguir dar minha aula”. No entanto, “agora eu me surpreendo com a forma como eles pensam” (...) “estou conhecendo a opinião deles, eles estão aprendendo e eu estou aprendendo”. Perceber essa mudança na sua prática e reconhecer a mudança que isso traz para os seus alunos e para a sua profissão consiste numa atividade que tem um novo sentido para essa professora. Enfim, que melhorar a sua prática vale a pena. Situação de estudo 2: Situação de Estudo realizada no curso de Graduação a Distância – atividades interdisciplinares de música, teatro, artes visuais, contar histórias Necessidade: desenvolver projetos de aprendizagem interdisciplinar Motivo: Ações * mudar a sua prática pedagógica na forma como trabalhava os projetos * possibilidade de renovação e atualização, * não se acomodar naquilo que a escola “obriga” * estudo da parte teórica; leituras, pesquisas, planejamento, Qual a finalidade dessas ações? * desenvolver atividades para os alunos partindo do interesse deles; * desacomodar um pouco a sua prática que estava cristalizada em trabalhar as mesmas atividades todos os anos; Operações * criar atividades que contemplassem música, teatro, dramatizações de forma interdisciplinar * registros, * trabalho em sala de aula com os seus alunos, Condições * a própria situação de aprendizagem deu as condições para essa caminhada Essa professora-aluna citou como situações que geraram mudanças em sua prática tarefas que propunham trabalhos interdisciplinares nas disciplinas envolvendo música, teatro, história, artes visuais. Essas possibilidades foram vivenciadas em cada uma das disciplinas citadas acima e assim percebeu que poderia fazer um trabalho interdisciplinar independente do conteúdo que estava sendo trabalhado com sua turma de sala de aula na forma de projetos de aprendizagem. Usa músicas e dramatizações para contemplar o que está sendo trabalhado de forma mais prazerosa e incorporou um trabalho de matemática que parte de atividades 1 concretas com materiais concretos acrescentados de cantigas, histórias, desenhos...o que mais mexeu com a prática dessa professora-aluna foi perceber as possibilidades do trabalho interdisciplinar e as riquezas que isso traz para a aprendizagem dos seus alunos. “Seguir igual a todos é mais fácil e menos trabalhoso”. No entanto, ela percebeu que no curso de graduação estavam sempre falando em partir do interesse do aluno, investigar com ele e discutir as possibilidades de trabalho: “se eu estou aprendendo tanta coisa diferente, por que eu vou trabalhar sempre com a mesma atividade?” E continua, “eu não gostava de fazer igual, mas acabava fazendo igual”. A partir dos conhecimentos adquiridos no curso, das atividades propostas e das reflexões constantes sobre a prática essa professora mudou sua postura perante o grupo de trabalho na sua escola. Hoje tem argumentos para defender sua posição e o medo foi substituído pela segurança. “quanto menos eu souber, menos eu vou fazer”. A segurança é estabelecida através dos conhecimentos teóricos trabalhados no curso, que dão a base para essa reflexão e os argumentos para sustentar a forma como está trabalhando a sua prática pedagógica. O repertório de atividades práticas oferecidas pelo curso motivaram essa professora a ampliar o seu leque, criar e adaptar as atividades conforme as turmas. Assim, ela não se contenta mais em fazer a mesma atividade todos os anos pois sabe da existência de outras possibilidades que podem melhorar ainda mais a aprendizagem de seus alunos. O interesse dos alunos pelas suas atividades e pela sua aula também geram a necessidade dela estar sempre criando novas coisas. Isso ajuda muito na sua auto-estima como professora pois, relata que seus alunos não gostam de feriados e nem do final de semana sendo que, isso faz com que demore para eles terem aula novamente. Percebe que, com suas atividades os alunos também gostam muito de participar de suas aulas. Relata também, que não sabia fazer projetos e por isso acabava fazendo igual aos demais professores de sua escola. Sua prática pedagógica tem um novo sentido, pois percebe o quanto suas ações podem fazer a diferença na aprendizagem de seus alunos. As atividades de estudo por meio dos recursos disponíveis pelas tecnologias de informação e comunicação podem promover mudanças e oferecer novas possibilidades na formação profissional dos professores? A formação do professor, segundo Nevado (2004), “precisa ser realizada a partir de sua experiência de vida profissional, para que ele possa conservar tudo o que lhe parece válido e passe a incorporar a inovação buscando transformar sua prática de modo significativo [...] O uso da tecnologia deve preparar o próprio professor para viver a experiência de mudanças no ensino que ele irá proporcionar a seus alunos” (p. 1 79). Fazendo essas relações, as atividades de estudo desenvolvidas em um curso de formação de professores pode potencializar motivos que geram sentido para a atividade profissional. Foram esses os motivos mais relacionadas com o desenvolvimento da situação de estudo: quando a situação solicitava reflexão sobre a prática pedagógica. A partir dessas situações de estudo, elencamos algumas ações que fazem parte do curso de graduação a distância que potencializam a construção da atividade não como uma mera habilidade mas sim, como uma construção de atividade que signifique que o sujeito vai estar apto a enfrentar situações novas, não previsíveis e para tal, vai desenvolver uma atuação profissional condizente. Instigar os alunos a novas pesquisas, buscar novas aprendizagens e novos caminhos isso significa que existe um planejamento para as aulas, mas ele não é fechado nem formatado em caixas pretas. Existe direcionamento por parte de professores e tutores, mas oferece a possibilidade do aluno construir seus próprios caminhos também; Demonstrar ao aluno que você se importa com a aprendizagem dele - isso faz com que o aluno sinta que ele é importante e que a sua aprendizagem é fundamental para o sucesso de todos; Firmeza do professor - provoca novos conhecimentos mas também é cúmplice da caminhada de seu aluno – dessa forma, o aluno não se sente sozinho, pelo contrário, coloca que ao sentar para trabalhar em frente ao seu computador, é como se de um lado estivesse sentado com ele o professor e do outro o tutor – acompanhamento de perto é fundamental para que o aluno fique engajado com a formação; Desperte um sentido pessoal no aluno - Professores e tutores fazem com que o aluno através de suas reflexões criticas percebam a importância de levar a formação até ao final, através das relações estabelecidas entre teoria e prática, além disso, um astral positivo e um olhar de importamento com o aluno levam-no a querer permanecer; Atividades interdisciplinares - nada é aleatório - uma atividade de uma disciplina se encaixa com as outras - isso dá sentido para a mesma e faz com que percebam as relações entre os conhecimentos teóricos trabalhados no curso; Conhecimento teórico aprofundado – alunos trabalham as obras principais com um aprofundamento crítico sobre as teorias pedagógicas, epistemológicas e psicológicas e a partir disso exprimem suas reflexões a cerca da sua prática e também da sua aprendizagem; 1 O conhecimento teórico dá o embasamento necessário para agir em situações inusitadas durante a sua prática docente pois, com o conhecimento sentem-se mais seguros para tomar certas decisões e agir; se permitir por em prática aquilo que aprenderam assumindo os riscos, as possibilidades e os avanços na aprendizagem de seus alunos perante a comunidade escolar; Reflexão e auto-critica semanal sobre atividades significativas desenvolvidas no curso de graduação ou em sua sala de aula. Percebe-se até o momento que as atividades desenvolvidas exigem deles uma relação de autonomia (autonomia no sentido de tomar decisões, saber coordenar diferentes perspectivas sociais com o pressuposto do respeito recíproco) e que geralmente elas atendem uma exigência particular, ou seja, o motivo está relacionado com a prática pedagógica. Isso faz com que a situação de estudo dada como um pré-requisito para a necessidade se torne uma atividade desenvolvimental pois não se torna apenas uma aplicação de tarefas que o professor leva para a sua sala de aula. A situação de estudo traz consigo ações de leitura, interpretação, reflexões, análises que fazem com que os professores-alunos tenham motivos para desenvolver não só a situação de estudo dada, mas repensar a sua própria prática e ver as possibilidades de mudança, de saber agir em novas situações e reconhecer que a sua mudança influencia diretamente na aprendizagem de seus alunos. Ou seja, a maioria das atividades buscam fazer as relações com a prática profissional do professor, refletir sobre a sua ação pedagógica proporcionando novas formas de intervenção na aprendizagem dos seus alunos. Dessa forma, as ações que compõem essas atividades de estudo tem um sentido racional para o sujeito compreender para que a sua atividade se orienta – (motivo de realizála). Os professores aprendem o saber fazer em atividades que satisfazem as suas necessidades. Percebemos também que os professores-alunos dão um significado social para a atividade pedagógica, ou seja, criam condições de ensino que possibilitam aos seus alunos se engajarem em atividades de estudo – garantindo aos mesmos a apropriação do conhecimento através de recursos informatizados. Um exemplo disso, foi a proposta de um dos professores aos seus alunos do ensino fundamental (4° ano) para desenvolverem um Portfólio de Aprendizagem na sala de aula. O trabalho no laboratório de informática na construção do PA teve outro significado para os alunos desse professor, que consideravam a Internet apenas 1 com um lugar para jogos. Ao final, os alunos relataram que a sala de informática era uma biblioteca sem livros (no papel) mas, que oferecia uma grande possibilidade de pesquisa. Ao entender o caráter dessas ações, seus objetivos e condições podemos compreender melhor o trabalho do professor e sua formação profissional, uma vez que aborda a natureza e a estrutura da atividade humana, a relação entre atividade de estudo, atividade de ensinoaprendizagem e desenvolvimento humano. Possibilita compreender a formação profissional a partir de suas ações e operações no contexto das atividades de estudo, compreender quais são seus motivos e necessidades e como isso está interferindo em sua atuação, no seu quefazer docente e na inovação de sua prática. Conforme, Imbernón (apud CUNHA, 1999, p. 217), “a inovação na prática se dá quando a pessoa que a executa reflete e interioriza o processo como próprio, extrai conclusões sólidas, planeja ação e é capaz de de levá-la a cabo estabelecendo elementos de nova reflexão e inovação”. As atividades de estudo mediadas pelo AVEA na formação desses professores está possibilitando esse tipo de inovação pois, inovar não é só trocar o quadro verde pela tela do computador. De acordo com a teoria da atividade, quando não ocorre a correspondência entre sentido pessoal e significado social as ações pedagógicas tornam-se sem sentido, acabam em operações automatizadas que ocupam o tempo designado ao processo de ensinoaprendizagem. Portanto, criar condições para assegurar o significado pessoal nas atividades de estudo para que elas se tornem fonte de auto-desenvolvimento psíquico e intelectual, da sua personalidade e formas de participação ativo-critica pode criar um novo rumo no quefazer pedagógico e recuperar a dimensão do desejo e da firmeza que o seu trabalho enquanto professor vale a pena. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASBAHR, Flávia da Silva Ferreira. A pesquisa sobre a atividade pedagógica: contribuições da teoria da atividade. Revista Brasileira de educação. n. 29, p. 108-118, 2005. Disponível em< www.scielo.br/pdf/rbedu/n29/n29a09.pdf> Acesso em: 08 de jul 2009. BERNARDES, Maria Eliza Mattosinho. Mediações Simbólicas na Atividade Pedagógica: Contribuições do enfoque Histórico-Cultural para o Ensino e a Aprendizagem. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. CUNHA, Maria Isabel. Trabalho Docente e Ensino Superior. In: Trabalho pedagógico: Realidades e Perspectivas. 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