APONTAMENTOS SOBRE DUAS RELEVANTES INOVAÇÕES NO PROJETO DE UM NOVO CPC Sérgio Gilberto Porto SUMÁRIO: 1 O projeto de um novo CPC: expectativas e tramitação; 2 Vetores do projeto; 3 Sobre o devido processo civil constitucional; 4 Sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas. 1 O PROJETO DE UM NOVO CPC: EXPECTATIVAS E TRAMITAÇÃO Tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei que tem por propósito instituir um novo Código de Processo Civil. A iniciativa tem por fundamento, entre outros, o enfrentamento da chamada morosidade da prestação jurisdicional. Sabe-se, entretanto, de antemão, que um novo CPC, por si só, não será capaz de resolver de modo definitivo tão grave problema das sociedades contemporâneas, na medida em que não é a forma de processamento das demandas judiciais a única causa que contribui decisivamente para a demora na solução dos litígios judiciais. Existem, à evidência, outras causas concorrentes de natureza conjuntural, humanas e, quiçá, aqui ou ali, de conveniência ideológica. Efetivamente, a modelagem judiciária brasileira, está visto, não é capaz - com as exigências constitucionais atuais - de oferecer solução definitiva à morosidade, face, por exemplo, à multiplicidade de graus de jurisdição oferecidos à sociedade e decorrentes da ideia de Federação com uniformidade de pensamento jurídico, ainda que existam acentuadas diferenças culturais nas regiões do Brasil. 1 Os homens que compõem as estruturas judiciárias, de sua parte, não alcançam a mesma produtividade, daí a razão pela qual, em alguns setores, o serviço público é eficiente e em outros, com situação assemelhada, é ineficiente. Isso decorre, simplesmente, das idiossincrasias inerentes ao ser humano. Como se vê, existem particularidades concorrentes à morosidade que são estranhas ao processo e que, por decorrência, permanecerão presentes, muito embora a reforma pretendida. Desse modo, não há como imaginar que a instituição de um novo Código de Processo Civil seja capaz de resolver o problema. Na realidade, a tentativa de melhorar o desempenho temporal da solução dos conflitos judiciais se constitui apenas em um segmento do problema. Existem outros que também devem ser enfrentados, portanto não é correto criar a expectativa de que estamos diante de uma solução única e definitiva, isto por que, na verdade, estamos enfrentando apenas, e tão somente, um segmento do problema e é assim que deve ser compreendida a iniciativa de instituir um novo Código de Processo Civil. É, apenas, uma das várias contribuições que são necessárias à melhora do desempenho do setor judiciário. Posto isto, oportuno esclarecer que o projeto de um novo Código de Processo Civil tramita, no momento, no cumprimento do devido processo legislativo e nesse passo recebeu substitutivo da lavra do Senador Valter Pereira (PMDB-MS), o qual foi recentemente aprovado. O projeto original da lavra de uma Comissão de Juristas Presidida pelo Ministro Luiz Fux e que teve na relatoria a ilustre Professora Tereza Arruda Alvim Wambier (PL 106/2010) contava com 970 artigos. Já o substitutivo contém, agora, mais de 1000 dispositivos em razão da aceitação de uma série de propostas apresentadas em sede legislativa. 2 Segue agora para apreciação da Câmara dos Deputados, onde, por certo, também receberá sugestões de aperfeiçoamento, com alterações de redação, inclusões e supressões como é da essência do debate legislativo. 2 VETORES DO PROJETO O projeto elaborado pela comissão de juristas e agora revisto pelo Senado estabelece, claramente, os propósitos que persegue no sentido de dar cumprimento a alguns objetivos identificados como adequados à ordem jurídica processual contemporânea, tendo como pano de fundo, evidentemente, a celeridade. Entre esses, pode-se claramente identificar o propósito de: a) Incentivar a conciliação, como se vê pela instituição de audiência prévia ao debate judicial, em reconhecimento à eficiência e à conveniência da composição dos litígios; b) Inibir os recursos, por meio da chamada sucumbência recursal, na tentativa de estabelecer critérios de maior razoabilidade aos apelos; c) Prestigiar posições consolidadas, na tentativa de instituir uma espécie de efeito "commonlawlizante" à civil law brasileira, por meio da busca da previsibilidade das decisões jurisdicionais, no sentido de oferecer maior segurança jurídica. É exemplo eloquente deste desiderato exatamente a força vinculante que se pretende outorgar à decisão proferida em incidente de resolução de demandas de índole coletiva, em contraste à absoluta e irrestrita autonomia jurisdicional hoje existente; d) Evitar decisões conflitantes, com a instituição do incidente coletivização; 3 de e) Formalizar a ideia da existência do devido processo civil constitucional, por meio da inserção expressa de princípios e garantias contempladas originalmente na Constituição Federal; f) Buscar celeridade, por meio, por exemplo, da supressão de recursos, tais como embargos infringentes e agravo retido; Todos estes vetores, por certo, merecem exame e reflexão. Porém, dois deles, maxima venia, ensejam atenção especial, face ao impacto que, por certo, produzirão no sistema, quais sejam: (i) a instituição de um processo civil expressamente constitucionalizado e (ii) a inserção do incidente de resolução de demandas repetitivas. 3 SOBRE O DEVIDO PROCESSO CIVIL CONSTITUCIONAL Hoje, mais do que ontem, fala-se com ênfase na instituição de um devido processo civil constitucional. Ontem, assim não se procedia, especialmente no Brasil, em razão do desprestígio da ordem constitucional decorrente da Carta de 1967 e da Emenda de 1969, pois se constituíam em ordens constitucionais outorgadas e não construídas no seio do debate democrático. Aquele momento, por evidente, ainda que superado pela edição da Constituição de 1988, deixou cicatrizes na consciência jurídica brasileira e, por decorrência, gerou reflexos no comportamento dos juristas em geral que sempre resistiram bravamente à ausência do Estado de Direito. Como relação à realidade de então, pouco se prestigiava a ordem jurídica constitucional positiva e, nessa linha, ainda que implicitamente, havia bloco de resistência à influência "constitucional" no Direito, pois esta 4 era considerada ilegítima. As reflexões mais atentavam para outros desdobramentos jurídicos do que para a possibilidade da Constituição presidir a compreensão do direito de então. Houve, em realidade, verdadeira dieta constitucional. A Constituição de 1988, entretanto, reestabeleceu o Estado de Direito, encerrando, pois, a dieta constitucional imposta pelo período de chumbo. A partir deste momento, é possível identificar um movimento de constitucionalização do direito e, inclusive, do direito privado. O direito passa a ser compreendido, portando, por meio de sua moldura constitucional, passa a ser lido com os óculos da Constituição. O processo civil, por evidente, não poderia restar alheio ao movimento de constitucionalização do direito. Tanto é assim, que a Carta Constitucional é pródiga em temas processuais, circunstância que, por decorrência, naturalmente empresta conteúdo processual à Constituição Federal e faz nascer um verdadeiro direito processual fundamental, haja vista que de sede constitucional. Sabe-se que a Constituição Federal é o ponto de partida para a interpretação do direito e para a argumentação jurídica, pois, hoje, mais do que uma simples Carta Política, face a sua reconhecida força normativa, permeia toda ordem jurídica. Com efeito, a Carta, nesta linha, além de seu papel organizacional assegura direitos, entre os quais os de natureza processual. Contempla, por igual, instrumentos e disciplina temas vinculados ao exercício da jurisdição. 5 São instrumentos oferecidos pela Constituição Federal, portanto de natureza processual: o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção, a ação popular e a ação civil pública, por exemplo. Já na jurisdição constitucional, existem os mecanismos de controle de constitucionalidade declaratória de representados pelos inconstitucionalidade, constitucionalidade, pela arguição de pela instrumentos ação da ação declaratória descumprimento de de preceito fundamental e pelo incidente de constitucionalidade. No que toca à sede recursal, estão instituídos os recursos de natureza extraordinária. Afora isso, a Constituição Federal também rege matéria referente à competência do STF (CF, art. 102) e do STJ (CF, art. 105), dos Tribunais Regionais Federais (CF, art. 108), dos Juízes Federais (CF, art. 109) e da Justiça do Trabalho (CF, art. 114). Disciplina a legitimidade para propositura de ADIn e ADC (CF, art. 103), bem assim rege a atuação judicial do Ministério Público (CF, art. 129) e da Defensoria Pública (CF, art. 134). Consagra, ainda, direitos de aplicação genérica ao contemplar garantias de natureza constitucional-processual. Estas, de sua parte, formam um verdadeiro direito processual fundamental e principiológico, na macrocompreensão do sistema, vez que representam primados constitucionais incidentes em todos os ramos processuais especializados (civil, penal, trabalhista, etc.). Ou seja, são parâmetros constitucionais ditados para a ordem processual. 6 Não se trata, nesse último aspecto, de segmento do direito processual de regras, mas do direito processual de princípios, daí a razão pela qual também ser identificado em doutrina a ideia da existência de princípios processuais na Constituição Federal. Assim, pois, o conteúdo processual da Constituição Federal vem expressado por um conjunto de direitos oferecidos ao cidadão. Estes, ora vêm configurados como o direito propriamente dito - por constituírem direitos erigidos pela Constituição ao patamar de fundamentais -, ora vêm formatados como instrumentos, caracterizando direito-meio - por definirem a forma como se exerce judicialmente determinado direito -, ora se apresentam como disciplina de distribuição de funções ou atribuições. 3.1 A incidência do sistema processual-constitucional sobre os segmentos processuais A ideia matriz desse tópico do ensaio consagra o propósito de demonstrar que a Constituição Federal possui claro conteúdo processual e que - por óbvio - este permeia os sistemas vigentes e, como decorrência, estabelece a existência de um verdadeiro sistema processual matriz a reger todos os segmentos do direito processual, ou seja, fixa a incidência de primados constitucionais em todas as disciplinas processuais especializadas. Além, à evidência, de contemplar instrumentos de sede constitucional e disciplinar matérias nitidamente de índole processual, tais quais o sistema recursal e os instrumentos de atuação na jurisdição constitucional. Assim, como já registrado, o processo civil é composto de regras processuais próprias do microssistema que representa, tal qual o direito processual penal, o direito processual do trabalho ou o processo endógeno pertinente à disciplina dos instrumentos constitucionais de realização do 7 direito, representados por leis especiais e pertinentes a cada qual dos institutos, em que se inclui a regência do mandado de segurança, da ação popular e outros que tais, bem como de primados (constitucionais) que são balizas maiores e que disciplinam a aplicação das regras. Desse modo, também se pode afirmar que, muito embora as particularidades de cada ramo do direito processual, existem, além e antes destas peculiaridades, princípios (ou garantias!) de ordem constitucional fundamental que iluminam a compreensão das regras processuais. Vale dizer: se irradiam sobre todos os ramos do direito processual. Dessa maneira, pouco importa em que área de incidência e qual a disciplina processual presente, aos demandantes deve ser assegurado o gozo de certos direitos inerentes ao devido processo do Estado Democrático de Direito, tais como a ampla defesa, o contraditório, o direito à produção de prova lícita, o exercício do duplo grau de jurisdição, etc. Esses, uma vez contemplados pela Carta Magna, constituem um verdadeiro sistema processual matriz que regula todos os microssistemas processuais e, por decorrência, sobre estes incide e faz valer seus comandos, ou seja, no processo civil, por exemplo, de nada vale deferir prazo de resposta ao réu se a seguir lhe é negado direito à plenitude do contraditório, vez que o direito de resposta deve, acima de tudo, amoldarse exatamente aos propósitos do contraditório, garantia constitucionalprocessual fundamental. Dito de outro modo, o macrossistema processual que é representado pelo direito processual fundamental entretém relações com os demais microssistemas processuais existentes, vez que estes devem se amoldar àquele, pena de - se assim não for - gerarem vícios de ordem constitucional-processual fundamental, face à violação direta 8 à Constituição e, por consequência, invalidades na forma de prestar a adequada jurisdição. Assim, pode se inferir que existem relações estreitas e energizadas entre Constituição e Processo. Mais do que isso: existe subordinação da microdisciplina processual à macrodisciplina constitucional-processual. Há, portanto, um grande sistema de índole processual-constitucional voltado para o processo judicial e instituído, obviamente, pela Constituição Federal. Este rege todos microssistemas processuais que devem a ele estar adequados, sob pena de violação da grande cláusula do Devido Processo do Estado Democrático de Direito, chamado pela Constituição de Devido Processo Legal, também podendo ser denominado Devido Processo Constitucional. 3.2 A opção ideológico-constitucional do projeto de um novo CPC O artigo primeiro do projeto do novo CPC, sensível à realidade doutrinária antes exposta, com clareza invulgar, estabelece que o processo civil contemporâneo deverá ser compreendido a partir de determinados primados constitucionais e que estes, mais do que antes, devem presidir claramente os destinos do futuro processo civil brasileiro. Ao assim se posicionar, longe de dúvida, o projeto aparece também como instrumento de realização dos propósitos constitucionais e não mais apenas como infraconstitucional. instrumento Há, pois, de no realização projeto, clara do direito opção material ideológica e indiscutível norte fixado em favor da ideia de intensa constitucionalização do processo civil coevo. 9 Isso equivale a dizer que devemos, uma vez transformado em lei o projeto, proceder a leitura do sistema processual sob a óptica da Constituição. Verdadeiramente emoldurar o processo civil coetâneo à Constituição Federal. Para aqueles que acompanham atentos a evolução do direito processual esta opção do projeto não se constitui em novidade e sequer necessitaria constar expressamente, haja vista que já de alguns anos para cá se percebe esta clara tendência no direito brasileiro e chega a se apontar existência de um movimento de "constitucionalização do direito", como se o direito brasileiro pudesse ser compreendido de outro modo que não alinhado com a Constituição. No que tange ao direito processual civil, entretanto, agora, mais do que antes, onde se percebiam somente movimentos doutrinários e jurisprudenciais necessária nesse vinculação sentido, do o processo projeto civil expressamente aos propósitos aponta do a Estado constitucional. Máxima vênia, não poderia ser diferente! Com efeito, há um sistema constitucional na base do direito brasileiro e, por decorrência, os demais segmentos devem a esta base se amoldar, pena de restar caracterizada fratura insuperável na operação da ordem jurídica. Assim, segundo se percebe, o projeto de um novo CPC, atento a esta realidade, busca, agora, de modo expresso, definir este quadro e, como decorrência, entre outros resultados, deverá repercutir de maneira significativa nas ideias da ciência processual, impondo uma verdadeira (re)compreensão dos operadores, mormente no hábito de instituir reformas mais direcionadas a superar a ineficiência do Estado do que a preservar o Estado de Direito. 10 Iniciativas nitidamente procedimentais, mais que as processuais, por igual, com mais intensidade ainda deverão se submeter à disciplina constitucional, inibindo, portanto, propostas legislativas ou iniciativas jurisdicionais voltadas apenas para atenuar as mazelas operacionais da máquina judiciária, em vez de readequarem os fundamentos processuais aptos a, com segurança jurídica, equalizar a operação do processo à realidade. Há, pois, claro norte estabelecendo que a realização do direito, por meio do processo judicial, deverá amoldar-se ao conjunto de garantias asseguradas ao cidadão pela Constituição Federal, não havendo, por decorrência, decisão válida se o processo desconhecer os vetores constitucionais do processo. Será este, mais do que nunca, instrumento de realização dos propósitos daquela! Assim, é possível afirmar que uma das opções ideológicas do projeto de um novo CPC é a de reconhecer, expressamente, a existência de um direito processual matriz e que este macrodireito processual tem assento na Constituição Federal, o qual regerá - agora com mais intensidade - a aplicação do direito processual civil contemporâneo. 3.4 A formalização do devido processo civil-constitucional A garantia do due process of law, como já destacado por muitos, encontra inspiração na Magna Carta de João Sem Terra, datada de 1215, e representa, verdadeiramente, o fundamento para todas as demais garantias que são oferecidas às partes ou, dito de outro modo, o gênero de cujas as demais garantias são espécie. Assim, possível afirmar que as garantias processuais, necessariamente, integram o devido processo legal que, em ultima ratio, 11 visa a assegurar às partes um processo e uma sentença adequada à causa submetida a exame. Dessa forma, o legislador constituinte, atento, acima de tudo, ao Estado Democrático de Direito, tratou de - expressamente - insculpir tal princípio no ordenamento nacional e o fez por meio da afirmativa peremptória de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF). Oportuno registrar para boa compreensão e alcance da cláusula do devido processo legal que a expressão legal, integrante da designação constitucional da garantia, na realidade não deve receber a compreensão estrita atribuída ao termo no sistema brasileiro, na medida em que o melhor sentido a ser atribuído à compreensão da ideia de devido processo legal é que isto significa que se assegura ao cidadão o devido processo do Estado de direito, englobando, portanto, a compreensão de que vai para além da lei em sentido estrito, ou seja, embutindo em si a ideia de devido processo da ordem jurídica integral. Ciente e consciente da compreensão a ser atribuída à ideia de devido processo da ordem jurídica, o projeto de um novo CPC, ao expressamente fazer referência que incorpora primados constitucionais à sua compreensão, opta por apontar o vetor essencial do processo civil coetâneo e, como dito, por decorrência de tal proceder, institui a faceta do devido processo civil-constitucional. O conteúdo desse devido processo civil-constitucional é representado por um conjunto de direitos formativos aptos a permitir o exercício da cidadania por meio de direitos de natureza paraprocessual e/ou endoprocessual. 12 Com efeito, é e será ainda mais acentuadamente assegurado ao cidadão em razão do processo, ou durante o processo judicial, o gozo de um conjunto de garantias da essência do Estado de Direito e sem a concreção deste não se construirá processo válido e eficaz. Esses direitos formativos estão representados pelas chamadas garantias constitucional-processuais, expressas ou implícitas, cuja existência decorre de sua inserção na Constituição Federal. Assim, para bem compreender a fórmula proposta pelo sistema que se pretende implantar, é necessário identificar a existência de um conjunto de valores constitucionais que, necessariamente, balizará a aplicação dos institutos processuais. 3.5 As garantias e os princípios expressos no projeto Além da fórmula genérica assentada no artigo primeiro do projeto do novo CPC, há referências expressas a uma série de garantias e princípios no Livro I, Título I, Capítulo I. Realmente, prevê o projeto a regência do processo civil pela presença expressa das garantias da (a) inafastabilidade do controle jurisdicional dos conflitos (art. 3º); (b) duração razoável do processo (art. 4º); (c) isonomia processual (art. 7º); (f) contraditório (art. 7º); (g) publicidade (art. 11) e (h) motivação (art. 11) e, ainda, os princípios da dignidade da pessoa humana, razoabilidade, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 6º) e da cooperação (art. 5º). Como se vê, com eventuais variações, aqui ou ali, o projeto reproduz, expressamente, parcela do que consta da Constituição Federal e, por conseguinte, mais uma vez reafirma o desejo de estabelecer sintonia fina com o Estado constitucional, deixando claro que não há como 13 compreender o processo contemporâneo senão pela incidência de valores constitucionais. 3.6 A inserção das garantias implícitas O artigo primeiro do projeto incorpora, para além das garantias expressadas nos artigos subsequentes, todas as garantias integrantes do Estado de Direito, na medida em que aduz claramente que "o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil". Isso quer dizer que direitos implícitos que tenham caráter paraprocessual e/ou endoprocessual são incorporados à nova ordem jurídico-processual, haja vista decorrerem da compreensão sistemática desta. Portanto, resta claramente fixada à supremacia dos valores constitucionais na aplicação, compreensão e interpretação do processo civil coevo, sejam estes expressos ou não. Isso, por derradeiro, registre-se que em nada afeta a autonomia do direito processual civil, mas apenas e tão somente estabelece a linha de compreensão que deve ser seguida, o que, aliás, como registrado, vem sendo sinalizado com ênfase pela doutrina moderna. 14 4 SOBRE O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Inicialmente cabe, em sede de primeiras impressões, conceituar o chamado incidente de resolução de demandas repetitivas, contemplado no Projeto do novo Código de Processo Civil. Nessa linha, é possível afirmar que é providência facultativa que pode ser adotada por iniciativa do juiz ou do relator da causa, em ofício dirigido ao Presidente do Tribunal a que estiver vinculado ou, ainda, por iniciativa, através de petição, das partes, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, também ao Presidente do Tribunal a que a demanda encontre-se subordinada, cujo propósito é dar eficácia ultra partes à decisão, tornando vinculativa à tese jurídica adotada. Com a introdução de tal instituto, cujo propósito nítido é o de ampliar a zona de eficácia da decisão para dar maior eficiência à atuação jurisdicional, estar-se-á de modo direito combatendo a galopante inflação processual existente nas cortes, em que, longe de dúvidas, as questões massivas contribuem para o acúmulo invencível de processos a espera de decisão. Quando o projeto fala, expressamente, que a tese jurídica decidida será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito está, na realidade, no que diz respeito a tais limites, a outorgar eficácia ultra partes à decisão, pois todas àquelas partes que integram o grupo de titulares de direito idêntico estarão subordinadas à decisão proferida no incidente e seu respectivo entendimento em torno da matéria jurídica apreciada. Não se trata, pois, de eficácia erga omnes, mas sim de eficácia ultra partes, vez que apenas os integrantes do grupo dos titulares do direito apreciado é que será atingido pela decisão. 15 A adoção da providência certamente ensejará algum desembaraço no estoque processual e, por decorrência, contribuirá para uma resposta jurisdicional mais sintonizada com a dinâmica da sociedade contemporânea. 4.1 Requisitos Para o nascimento da possibilidade jurídica de provocar o incidente de resolução de demandas repetitivas, é necessário o atendimento objetivo de alguns requisitos. A saber: a) identificação na causa de potencial multiplicação de processos. Não é esclarecido, pelo projeto, o número necessário, portanto estamos diante de conceito aberto que desafia o bom senso dos operadores e que, certamente, a jurisprudência se encarregará de definir; b) idêntica questão de direito. Este requisito estabelece o desafio do juízo em fixar a necessária sintonia fina para diferenciar as semelhanças das dessemelhanças e as dessemelhanças das semelhanças, afastando questões parecidas, porém não idênticas. O juiz brasileiro terá que fixar proceder similar à construção dos stare decisis, ou seja, o precedente da common law norte americana. Cumpre registrar que para instauração do incidente exige-se apenas idêntica questão de direito, isolando-se, portanto, a tese jurídica, da complexidade fática de cada causa. Não há, por conseguinte, a necessidade de exame analítico do suporte fático, mas sim e apenas identidade de tese jurídica. Nessa linha, vale lembrar que são esses os limites do incidente: conhecer e apreciar a tese jurídica, sem revolver matéria fática, na medida em que esta é própria de cada causa. 16 Uma vez definida a compreensão e o alcance da tese jurídica pela decisão proferida no incidente esta tornar-se vinculativa para todas as demais causas, face sua eficácia ultra partes, cabendo ao juiz singular fazer a filtragem para definir em que medida esta incidirá no processo individual. c) identificação da grave insegurança jurídica, face à coexistência de decisões conflitantes. A ideia é de atenuar a insegurança jurídica pela falta de previsibilidade da decisão judiciária brasileira. 4.2 Procedimento O procedimento fixado pelo projeto se desdobra nos seguintes passos: a) Ofício ou petição ao Presidente do Tribunal, instruído com documentos aptos a demonstrar a necessidade do incidente; b) Recebimento e distribuição; c) Registro CNJ e divulgação eletrônica; d) Pedido de informações, se o relator entender que é o caso; e) Vista ao Ministério Público, pois há intervenção obrigatória deste órgão face à possibilidade de substituição do requerente; f) Apreciação da admissibilidade, com prévia sustentação oral dos interessados (partes, Ministério Público, amicus curiae...), por até 30 minutos; 17 g) Admitido o incidente suspendem-se os processos idênticos, podendo, inclusive ser dado efeito expansivo à suspensão; h) i) Julgamento da questão de direito; Fase recursal, com recurso especial e extraordinário. 4.3 Efeitos a) proferida decisão em que foi apreciada a questão de direito posta no incidente esta adquire efeito vinculante, subordinando a tese jurídica à compreensão exarada; b) não acatado o efeito vinculante, abre-se oportunidade para reclamação; Essas, são as primeiras impressões do novel instituto que, por certo, agitará o comportamento dos operadores nas questões massivas, face sua larga área de eficácia, fazendo com que nos processos em que se encontre instaurado o incidente haja profusão da intervenção interessados na solução da tese jurídica. 18 de