POR QUE O JURO É TÃO ALTO E O CRESCIMENTO TÃO BAIXO? Notas para um colóquio no CBPF 27 de maio 2008 Edmar L. Bacha IEPE/CdG • Juro alto e crescimento baixo são dois temas interrelacionados. Vamos começar pelos juros. Primeiro, precisando o de que estamos falando. Medir juros implica destacar três dimensões: devedor, prazo e deflator. o Devedor normalmente é o Tesouro nacional, que é de longe o principal tomador de recursos no mercado financeiro. No prazo de 1 dia, trata-se da taxa “overnight”, cuja meta é fixada a cada 45 dias pelo BC. Muito ligada à taxa “over” é a taxa DI – de depósitos interfinanceiros – que é uma média das taxas às quais os bancos emprestam dinheiro entre si por 1 dia, sem garantias. o Prazo é um algum ponto na curva de juros (overnight, 1 mês, 3 meses, 6 meses, 1 ano, 2 anos, 10 anos). No Brasil, a referência mais tradicional é o chamado swap DI de 1 ano, que ontem (26/05/08) estava cotado em 13,95 por cento ao ano. Trata-se aproximadamente do valor médio que o mercado estima para a taxa DI nos próximos 12 meses. 1 o Deflator é a taxa de inflação que se retira da taxa de juros para computar o “juro real”; normalmente a expectativa dos analistas de mercado para os próximos 12 meses do IPCA – índice de preços ao consumidor amplo do IBGE. Esta expectativa está em 4,73 por cento. • Isso quer dizer que a taxa real de juros de 1 ano no Brasil é: (1 + 0,1395)/(1+ 0,0473) – 1 = 8.8% ao ano. Certamente, uma das taxas de juros mais altas do mundo. Por quê? o Cabem inicialmente duas observações. Essa taxa já foi muito mais alta, desde o início do Plano Real até a crise cambial de 1999, cerca de 20% ao ano. o Em 2º. lugar, até o começo do ano, antes de o Banco Central sinalizar que ia começar a subir os juros, esta taxa estava bem mais baixa, em torno de 6,5% ao ano. • Então, o que era um problema (por que os juros são tão altos?) se desdobra em mais dois (por que foram ainda mais altos? e por que subiram ainda recentemente?) o A 2ª. pergunta é mais fácil de responder. Em parte porque a economia está muito aquecida, em parte por causa da “inflação mundial de alimentos”, a taxa de inflação superou recentemente os 5% e as projeções de 12 meses apontam para uma taxa parecida. Como isto está acima do “centro” da meta de inflação que o governo persegue – 4,5 por cento – o BC começou a subir os juros e o mercado prevê que vá continuar a fazer isso, até conseguir trazer a inflação esperada de volta para o centro da meta. 2 o A 1ª. questão – por que os juros foram ainda mais altos na 1ª. fase do Real - é mais complicada, mas essencialmente é explicada pelo fato de que, para manter baixa a inflação, depois de o Plano Real tê-la trazido de cerca de 3,000 para 10% ao ano de uma só tacada, foi preciso praticar juros inicialmente muito elevados. Posteriormente, num contexto de câmbio administrado e dívida externa em elevação, as crises mexicana de 1995, asiática de 199 e russa de 1988 tornaram as contas externas brasileiras muito frágeis, e os juros continuaram altos de forma a atrair capitais e financiar o déficit externo do país. Essa situação só foi rompida – dramaticamente -- com a crise cambial de janeiro de 1999, a partir da qual se introduziram o câmbio flutuante e o regime de metas inflacionárias. o Desde 1999, os juros reais, com alguns altos e baixos, vêm caindo progressivamente, dos 20% da fase inicial do Real para 7,3% em 2007, e que agora subiram em função do surto inflacionário por que estamos passando. o É minha convicção que, mantidas as políticas atuais, uma vez superado o atual surto inflacionário estaremos novamente contemplando taxas reais de juros para 2010 da ordem de 6,5% conforme no começo do ano. Ainda assim, esses são juros elevados na comparação internacional. • Finalmente chegamos à pergunta principal – por que juros tão altos? o Uma das respostas tradicionais dos economistas é expressa em inglês: “crowding out”, ou expulsão, no caso, do setor privado 3 pelo aumento da demanda do setor público por bens e serviços. A idéia é singela, dada a quantidade de bens e serviços que um país pode produzir, quanto mais o governo deles demandar, menos sobrará para o setor privado. Para fazer o setor privado se contentar com o que lhe sobra, os juros precisam subir (para reduzir o consumo, especialmente de bens duráveis, e o investimento). Entretanto, embora sendo certo que o tamanho do setor público no Brasil é elevado para padrões internacionais, ele é mais baixo do que na Europa, por exemplo. E na Europa, os juros são bem menores. Portanto, não pode ser só “crowding out”. o A segunda resposta tradicional dos economistas para juros reais elevados é o risco de diluição e de expropriação da riqueza financeira—geralmente associados a uma dívida pública elevada e crescente. Quanto mais altos forem esses riscos, maior a compensação que os investidores exigirão para colocar seus recursos para render juros e financiar a dívida pública. Diluição inflacionária da riqueza financeira é algo que experimentamos muito ao longo de nossa história antes de 1994, com acelerações inflacionárias súbitas não compensadas pela “correção monetária” da poupança e de outros instrumentos financeiros. Expropriação de riqueza financeira também experimentamos, com diversos planos de estabilização, desde o de Delfim Neto no início da década de 1980, os quais subitamente reduziam ou extinguiam por decreto a “correção monetária” das aplicações financeiras. A maior dessas expropriações foi o congelamento 4 dos ativos financeiros do Plano Collor em 1990, que espantou até mesmo Fidel Castro. o Ou seja, não há dúvida que no Brasil até 1994 era muito arriscado por dinheiro para render juros no mercado financeiro. A memória dos investidores não se apaga fácil. E o período que vai do plano Real até o 1º. mandato de Lula, pode ser visto como um período de alívio progressivo do medo da repetição dos pecados do passado. Ou seja, vimos passando por um longo processo de lenta recuperação da confiança dos investidores, nacionais e estrangeiros, conforme recentemente reconhecida pela Standard and Poor’s com a concessão ao país do “grau de investimento”. o Disse há pouco que confiava em que os juros reais voltarão a 6,5% ao ano após controlado o atual surto inflacionário. Esses são juros normais para países classificados como “grau especulativo de investimento” pelas agências classificadoras de risco, mas certamente são muito elevados para países com “grau de investimento”. A pergunta que fica em aberto é se, a partir do próximo governo, vamos conseguir trazer os juros reais para algo em torno de 4,5% ao ano, que caracterizam a situação de um país “normal” nos primeiros escaninhos do grau de investimento. • Isso nos remete à 2ª. questão: por que o Brasil não consegue crescer a taxas mais elevadas? Essa é também um pergunta que se desdobra em duas outras: por que desde 1980 o país deixou de crescer? E, em seguida, qual a taxa que podemos ambicionar 5 crescer a partir da retomada do crescimento que se observa a partir de 1999? • A primeira pergunta – por que o país parou de crescer -- é mais fácil de responder: a razão principal para a queda da taxa de crescimento do PIB desde 1980 reside num colapso da formação de capital, ou seja, do investimento em máquinas, equipamentos e construções. No período “geiseliano” da “marcha forçada”, de 1974 a 1979, a taxa média de crescimento do estoque de capital foi de 9,8% ao ano. A partir de então, e até recentemente, tem se situado na casa de 2,1%. A queda do crescimento do PIB acompanhou grosso modo esse colapso da formação de capital. • O colapso da formação de capital é explicado por duas crises conexas: a da dívida externa que se manifesta a partir da “parada súbita” da entrada de financiamentos externos em 1982; e a fiscal, que se apresenta com maior força a partir da redemocratização e da entrada em vigor da Constituição de 1988. • Nas contas nacionais, a crise da dívida externa se expressa por uma queda da poupança externa de 4,7% para -0,3% do PIB quando se compara 1974-80 com o período 2002-05. A crise fiscal se manifesta por uma queda da poupança das administrações públicas (setor público fora as estatais) de 5,2% para 0,9% do PIB entre os mesmos períodos. Ou seja, houve uma redução de 9,3% do PIB na taxa de poupança disponível para financiar a formação de capital, apenas ligeiramente compensada por uma pequena elevação da poupança do setor privado entre os dois períodos. No agregado, a poupança total e, portanto, o investimento na formação de capital 6 passaram de 22,6% do PIB em 1974-80 para apenas 15,9% do PIB em 2002-05. Esse colapso das fontes de financiamento explica o grosso da queda da taxa de crescimento do PIB entre os dois períodos. • Outros fatores que contribuíram para a queda do crescimento do PIB foram um aumento do preço relativo dos bens de investimento e uma menor relação produto-capital, isto é, uma menor produtividade do capital—ambos fatores, a meu ver, associados ao maior fechamento da economia brasileira em relação ao comércio exterior a partir do 2º. Plano Nacional de Desenvolvimento de 1974 (PND). • Com as privatizações iniciadas em 1991, a renegociação da dívida externa completada em 1993 e o fim da superinflação obtido em 1994, criaram-se as condições necessárias para reverter o colapso da formação de capital. Necessárias, mas não suficientes, pois o investimento público não se recuperou – expulso por um aumento dos gastos correntes e dos juros – e o investimento privado continuou patinando, detido pelo alto custo do capital, a falta de infraestrutura, e as sucessivas crises externas da 2ª. metade da década de 90. • A retomada do crescimento começa após o país se recuperar da crise cambial de 1999 e ganha força com a superação do “medo do Lula” após a posse do novo governo em 2003. • O país cresceu 5,4% em 2007 e deve crescer a uma taxa próxima a 5% em 2008. Simulações recentes de Regis Bonelli sugerem que 7 será possível manter uma taxa de crescimento do PIB de 5% ao ano, nos próximos 5 anos, se a formação de capital aumentar de 17% para 21% do PIB, e se a incorporação de progresso técnico, através das importações e das inovações internas, se mantiver nos patamares recentes. • Mantido nosso modelo tradicional de industrialização substitutiva de importações, taxas mais elevadas de crescimento parecem estar fora do alcance do país, pois não mais dispomos do “exército industrial de reserva” que veio dos campos para as cidades no passado, propiciando fortes saltos na produtividade—mão-de- obra rural cuja mobilização para a exportação de manufaturas, junto com elevada poupança interna, explica as altas taxas de crescimento que hoje se observam na China e na Índia. • A esperança de taxas mais elevadas de crescimento repousa na possibilidade de uma maior integração do país na economia mundial, através do comércio e do investimento — alavancada pelos agora tão valorizados recursos naturais de que o país dispõe na área agrícola e mineral e talvez também na de petróleo. A dificuldade nesse caso será bem administrar essas benesses, para seguir o exemplo de países como Austrália, Canadá e Noruega que souberam desenvolver-se a partir de seus recursos naturais, e evitando a desindustrialização que contaminou tantos países ricos em recursos naturais no 3º. mundo. FIM 8 Referências Pérsio Arida, Edmar L. Bacha, André Lara-Resende, “Credit, Interest, and Jurisdictional Uncertainty: Conjectures on the Case of Brazil”, em F. Giavazzi, I. Goldfajn e S. Herrera (orgs.), Inflation Targeting, Debt, and the Brazilian Experience, 1999 to 2003. MIT Press, 2003, pp. 265-94. Edmar L. Bacha, “Reflexões semi-quantitativas sobre a retomada do crescimento”. Apresentação na EESP-FGV, 4/3/08 (disponível em http://iepecdg.com/DISK%201/Arquivos/Leituras Sugeridas/REFLEXOES_SEMI-QUANTITATIVAS.pdf). Edmar L. Bacha e Regis Bonelli, “Uma interpretação das causas da desaceleração econômica do Brasil”, Revista de Economia Política, 25(3), julhosetembro, 2003, pp. 163-89. Edmar L. Bacha, Marcio Holland e Fernando M. Gonçalves, “Is Brazil Different? Risk, Dollarization, and Interest in Emerging Markets”, IMF Working Paper 07/294, dezembro 2007. Regis Bonelli, “O potencial de crescimento brasileiro (revisitado)”. Apresentação no IEPE/CdG, 25/4/08 (disponível em http://iepecdg.com/DISK%201/Arquivos/20080425/O_potencial_de_cre scimento_brasileiro_25-04-08.pdf). João M. S. Ferreira, “Evolução dos investimentos no Brasil: uma análise econométrica”. EESP-FGV: Dissertação de Mestrado, 2005. 9