Os pigs Muito do que era opaco tornou-se visível através da crise: Uma cortina rasgou-se e olhamos através das malhas de uma rede o mundo inabitável criado pelos pigs, que chafurdam, felizes, em merda e lama, devorando tudo o que podem com o seu focinho omnívoro. Os pigs são insaciáveis e vêm de todos os países, do norte e do sul, do leste e do oeste, dos países mais ricos aos mais pobres, incluindo do país natal de cada um de nós, onde crimes de gestão danosa são frequentes. Quase todos os pigs são homens, mas também há entre eles uma minoria de mulheres. Engordam com a crise, e por isso a impedem de chegar ao fim. Os pigs querem todo o dinheiro e poder para si próprios, como se o PIB e os impostos fossem propriedade sua, e recusam-se a ser iguais aos outros cidadãos. Têm leis só para eles e é secreto e tabu o seu salário, os seus bónus, os seus contratos blindados, os negócios viciados em que ganham sempre, protegendo-se uns aos outros atrás de uma cortina opaca. E recusam-se a repensar o mundo para não perder nenhum desses privilégios. Mas a crise rasgou a cortina e agora vemos. A cortina transformou-se numa rede. Que tentaria ainda aprisionar-nos, se uma outra rede, invisível e flexível, não tivesse entretanto coberto o mundo: através dos seus fios as pessoas comunicam e passam palavra. E, porque as palavras são livres, nada as pode parar. Nem mesmo os espiões, as ciladas e as armas mortíferas dos pigs, infiltrados na rede e fora dela. As pessoas abriram os olhos e os ouvidos e agora ouvem e vêem claro. E querem impôr aos pigs leis iguais às dos outros cidadãos, e estabelecer limites à sua voracidade insaciável. Querem varrer a sua merda e tornar o mundo mais limpo e habitável, com espaço para a arte, a justiça e a beleza. Um lugar digno da maior de todas as obras de arte: a vida. Com um mundo controlado pelos pigs os cidadãos recusam-se a colaborar. E as crianças não nascem. Em vez de crianças as famílias têm cães e gatos, hamsters e pássaros. E que nos importa? riem os pigs, sem parar de mastigar, de boca cheia. Mas depois dão conta de que cães e gatos, hamsters e pássaros não trabalham nem pagam impostos, e não se lhes pode emprestar dinheiro, com juros incomportáveis. E aí param de rir e começam a engolir em seco. E então são os cidadãos que começam a rir dos pigs. E o primeiro riso vem do lado das mulheres, habituadas como estão a lançar revoluções e a mudar tudo. Há muito que saíram de casa e enfrentaram o mundo onde é preciso lidar com o stress, as alterações de planos, injustiças de toda ordem, invejas e ataques, despromoções, despedimentos e baixas de salários, e no meio disso conseguem chegar a lugares de topo. E mesmo que tenham Krohn, cancro, reumatismo, hérnias discais ou mialgia caminham em frente e não descuram nenhum ponto da agenda. Já venceram muitas guerras e provaram a sua força. Não serão os pigs que as vão intimidar. Nem aos homens que as amam, e que elas amam: estão do mesmo lado, construindo barreiras e pegando em vassouras para varrer a sujidade. E enquanto lutam as mulheres e os homens sorriem, porque estão apaixonados: os homens são fortes e as mulheres são belas, têm cabelos brilhantes e um corpo flexível e perfeito, de cintura fina e ventre liso que depois vai ficar inchado e redondo como um pequeno mundo, que elas empurram para a frente caminhando com pernas ágeis, que depois se afastarão um pouco ao andar, inchadas do peso que carregam, mas elas não se importarão de parecer disformes, sentir-se-ão orgulhosa e felizes, como se trouxessem dentro uma estrela. E as crianças avançarão por dentro delas seja verão ou inverno, primavera ou outono, crescerão, suavemente enrodilhadas, até preencherem todo o lugar disponível e serem empurradas para o exterior através de uma passagem estreita, por onde se tem acesso ao mundo e ao tempo. E porque as mulheres são essa porta estreita por onde passam – ou não – as gerações, cabe-lhes tanto a elas como aos homens a responsabilidade de escolher que mundo querem, para si e para quem vem depois. E porque a mulher é dona do seu corpo é finalmente a ela que cabe a última palavra. A liberdade de aprovar, ou desaprovar, e de dizer ao mundo e à vida: sim ou não.