Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009.
ISBN: 978-85-288-0061-6
Biografia: a não-história renascentista de Giorgio Vasari
Raquel Pereira Alberto Nunes1
INTRODUÇÃO
Segundo a definição de Cícero, a história é mestra da vida, aquela que nos
ensina, através de seus fatos exemplares, a forma certa de agirmos perante os
acontecimentos, aprendendo com o passado para não errar no futuro (apud
KOSELLECK, 2007).
A história, durante o Renascimento, assim como o padrão do belo, teve seu
modelo copiado do modelo antigo. A inspiração grega permeou a época renascentista
como uma busca pela glória que havia sido perdida durante os anos sombrios da Idade
Média.
A concepção de história, tal qual exposta por Cícero na obra De Oratore,
envolve tanto o caráter retórico do discurso quanto seu compromisso com a verdade,
resultado principalmente do papel do historiador de testemunha ocular da história.
Além disso, para Cícero, somente um orador prudente poderia ser capaz de produzir
história, devido à complexidade de se redigir um texto que simultaneamente deleite e
produza em seus leitores e ouvintes lições de virtude (TEIXEIRA, 2008, 551).
Assim, tal qual na história de Cícero, a história renascentista tanto cumpria a
função de glorificar os heróis narrados das guerras e dos tratos políticos e religiosos,
descrevendo-lhes as ações afim de renderem ensinamentos de vida, quanto glorificar a
capacidade retórica dos historiadores.
Por isso, a historia magistra vitae exercia um papel pedagógico e moral, sendo
provedora de paradigmas e exemplos de conduta, tendo uma função pragmática na vida
social - até que o racionalismo ilumine essas questões e a história Lívia comece a ser
questionada por suas contradições internas.
Assim como a história, a biografia renascentista também teve suas origens na
antiguidade clássica. As primeiras biografias remontam ainda ao período helenístico,
porém destas não se tem notícias da autoria. A partir do século I, sabe-se das obras de
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, bolsista do CNPQ.
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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009.
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Suetônio - que escreveu a vida de escritores (De viris illustribus) e imperadores (De vita
caesarum) –, de Plutarco – que escreveu a vida de gregos e romanos ilustres (Bioi
paralleloi) – e Diógenes Laércio – que escreveu a vida de filósofos (Philosophoi Biol).
Em todas essas obras é possível notar um gosto pelo anedótico e um interesse pela vida
privada dos biografados.
Durante a Idade Média, mais comum do que as biografias de homens
importantes eram as biografias de santos, marcadas pelo caráter de exemplaridade e
divindade do biografado. Atanásio de Alexandria inaugurou esse género literário com a
Vida de Santo Antão do Deserto, que rapidamente se difundiu pelo Ocidente.
A biografia se perpetuaria no tempo e, durante o Renascimento, o historiador e
biógrafo Bartolomeo Fazio dizia ser a biografia trabalho mais fácil, para relaxar depois
de escrever livros de história. Suas biografias não tinham o mesmo peso que suas
histórias porque não alcançavam os propósitos retóricos. Segundo Eric Cochrane, o
propósito da biografia era decorativo e celebrativo, diferentemente da história, que
pretendia ensinar pelos acertos e erros do passado.
As biografias permitiam uma periodização baseada na cultura, não no político,
como uma válvula de escape da representação do social. Não é à toa que hoje nossa
História Cultural - que procura pensar a vida dos homens, em seu cotidiano e relações busca justamente essas fontes - na época oficialmente não-históricas – para suas
pesquisas.
A obra de Giorgio Vasari se inscreve no início da mudança dessa mentalidade.
Despontando nesse processo, podemos citar Francesco Guicciardini, historiador italiano
da renascença, e Maquiavel - dois homens das letras que iniciaram as mudanças nas
concepções da história política de até então.
Guicciardini, em Storia d’Italia, escrito entre 1537 e 1540, reconstrói a relação
entre o acaso e a história ao dar à fortuna a totalidade da história. Assim, ele percebe
que cada situação histórica é única e que os exemplos do passado não são aplicáveis ao
presente porque as situações são irreproduzíveis. A função da história, para ele, deixa de
ser exemplar e passa a ser prudencial (TEIXEIRA & JASMIN, 2004). O passado pode
servir apenas como orientação, ajuda, não como garantia.
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Maquiavel faz crítica ao monumento que era o homem antigo, questiona como o
homem personagem da história Lívia podia ser tão perfeito. Se era homem, assim como
ele, deveria ser constituído de defeitos e virtudes e não ser como um herói. Assim,
Maquiavel relativiza as fontes anteriores a ele, desmitificando figuras, ao mostrar que
elas também possuíam condutas moralmente condenáveis (mas, segundo ele,
necessárias). Também chama atenção para os floreios e a preocupação com a forma,
inerentes à retórica da história, em detrimento da preocupação com os fatos.
De uma maneira ou de outra, estão aqui colocadas em cheque as principais
questões da história de até então: a exemplaridade, a autoridade daquele que discursa e
seu poder retórico. Essas questões estarão inscritas também na obra de Giorgio Vasari,
vezes sendo afirmadas, vezes renegadas.
VASARI E LE VITE
Giorgio Vasari foi, além de biógrafo dos artistas do Renascimento, um artista
renascentista ele próprio. A pintura, a escultura e a arquitetura figuravam não somente
como partes de Le Vite de’ più Eccellenti Pittori, Scultori e Architettori2, mas também
como partes de sua própria vida. Por isso, Vasari dispôs de grande número de
informações “collected ‘as a hobby’, only later shaping it to history” (RUBIN, 1995:
120).
Para a organização de sua obra, Vasari provavelmente não contou apenas com
suas anotações. A feitura de sua obra inscreve-se na tradição das biografias antigas.
Herdou a preocupação com as artes e letras, em detrimento das atividades políticas; o
hábito da coleção de detalhes e as relações entre mestres, discípulos e escolas de
pensamento (principalmente de Laércio); o uso de anedotas para fins exemplares.
Vasari se utilizou desses modelos anteriores - muito adotados nas biografias de
grandes figuras políticas ou guerreiros e nas hagiografias – para escrever a vida dos
artistas, comprovando, através desse uso, o grande valor das artes visuais e o mérito de
seus praticantes na sociedade renascentista.
No preâmbulo de seu livro, o biógrafo expôs seus pensamentos sobre as artes e a
história - que serão fundamentais para a compreensão de suas narrativas biográficas. Por
esse motivo, é importante um esboço de algumas dessas idéias:
2
A primeira edição da obra foi de 1550, mas todas as traduções e posteriores reedições basearam-se na
segunda edição, ampliada e revisada por ele, em 1568.
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Percebendo que “a voracidade do tempo se manifesta reduzindo as obras e a
admiração alheia, apagando os nomes de todos”, Vasari se utiliza de sua escrita “... para
defender [os artistas] como posso dessa segunda morte [que é o ostracismo] e mantê-los
o mais possível na memória dos vivos” (VASARI, 1955: 303-304).
Dessa forma, Giorgio privava não só seus mestres e contemporâneos, mas a si
próprio, do esquecimento futuro. Mas ele não queria lembrar (nem ser lembrado) de
qualquer forma: Vasari trabalhou na escrita de seu livro,
“salientando os seus [dos artistas] ilustres feitos, [afim de] pagar-lhes em parte o
prazer que sinto diante das suas obras que me ensinaram o pouco que sei, e não
criticar as obras alheias, acusando-as e censurando-as” (VASARI, 1955: 319).
Desse trecho, podemos tirar o tom de elogio a que se prestavam essas biografias.
Também no preâmbulo, Giorgio afirmar que o Renascimento é a evolução maior
das artes, o momento culminante do desenvolvimento humano e que o papel do artista,
a partir da renascença, é espalhar para o resto do mundo (aumentar em quantidade)
aquilo que se conseguiu alcançar (o máximo da qualidade) em algumas poucas cidades
italianas.
Essa luz fora precedida das trevas da Idade Média que tiraram a beleza das artes
antigas, deixando-as morrerem. Sobre os motivos que levaram a essa escuridão, é
interessante destacar o aspecto da fortuna presente no discurso sobre a história das artes
de Vasari:
"como a sorte, quando conduz alguém ao ápice da vida, por brincadeira ou por
arrependimento o leva de novo, a maioria das vezes, para o fundo, sucedeu (...)
não somente o declínio de tão grande império como também a ruína do todo, e
sobretudo da própria Roma, com a qual desapareceram igualmente os grandes
artistas, escultores, pintores e arquitetos, soterrados, com as artes, pelos
escombros da famosa cidade" (VASARI, 1955: 444).
Outro aspecto relevante no que concerne à evolução da história da arte de Vasari
é o aspecto do dom natural e do engenho humano, sem o qual a Idade Média não teria
sido superada.
"não havendo mais vestígio nem indício de coisas excelentes, os homens que se
seguem, mais uma vez rudes e materiais, instigados pela natureza e aguçados
pelo ambiente, começaram a produzir, não seguindo as regras das artes (coisa
que não possuíam), mas segundo a sua própria engenhosidade"(VASARI, 1955:
447-448).
Sobre Michelangelo, Vasari escreve que
“podemos certamente afirmar que não erram os que o chamam divino, pois
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divinamente foi que ele uniu em si só as três artes mais engenhosas e lindas que
se encontram entre os mortais [quais sejam a pintura, a escultura e a
arquitetura], com elas nos servindo, como se fôra um Deus” (VASARI, 1955: 317).
O divino alcançado em sua plenitude com Michelangelo se esboça também, ao
longo do livro, em outros momentos. Desde a criação das artes, Vasari expõe uma visão
divinizada do processo histórico:
“o princípio foi a própria natureza, o modelo a belíssima estrutura do mundo, e
o mestre a luz divina infundida em nós pela graça divina, a qual não somente
nos fez superiores aos outros animais, como também semelhantes, se é lícito
dizê-lo, a Deus” (VASARI, 1955: 437).
Aspecto também recorrente e identificável ao longo da obra é a fala em primeira
pessoa que Vasari por vezes utiliza, dando opiniões ou explicações ao leitor, criando
relação direta com ele. Adiante essa característica será melhor entendida com exemplos.
GIOTTO
Uma das primeiras coisas que salta aos olhos ao lermos as biografias de Giorgio
Vasari, é o universo religioso circundante e referencial. A visão de Vasari sobre os
acontecimentos demonstra um caráter divino maior do que as pessoas, que é da ordem
da natureza.
Essa visão, na biografia de Giotto, vem muito atrelada ao papel, dado por Vasari
ao artista, de responsável pela passagem da escuridão das artes às luzes, como se Giotto
di Bondone tivesse nascido predestinado a quebrar aquele silêncio das artes. “It was
Giotto alone who, by God’s favor, rescued and restored the art” (VASARI, 1966: 57)
ou
“The ease, order, and proportion of Giotto’s painting, qualities which were
given him by nature but which he greatly improved by study and expressed
clearly in all he did. As well as being naturally talented, Giotto was extremely
studious; he was always going for new ideas to nature himself, and so he could
rightly claim to have had nature, rather than any human master, as his teacher”
(VASARI, 1966: 61).
Característica presente nas biografias desde a Antigüidade e também presente na
biografia de Giotto é o uso da narração de casos e anedotas como forma de
exemplificar, clarificar ou metaforizar a vida do indivíduo narrado. “Vasari frequently
adapted Pliny’s anecdotes, which he viewed as a form of authority about artist’s
behavior and its consequence” (RUBIN, 1995: 149-50).
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Na biografia de Giotto, Vasari conta três casos referentes ao artista: o primeiro
sobre o círculo perfeito desenhado com exímia destreza por Giotto para o rei, sem
mover a mão; o segundo a conversa entre Giotto e o rei [o rei fala a Giotto “If I were
you I would leave off painting for a while, now it’s so hot”, ao que Giotto responde “So
would I, if I were you” (VASARI, 1966: 69); e o terceiro referente ao seu mestre
Cimabue, que teria tentado afastar uma abelha que Giotto desenhara brincando no
quadro do mestre, de tão fiel à realidade que a imagem estava.
Essas histórias não são comprovadamente verdadeiras, pelo contrário, muitas são
confirmadamente anacrônicas e falsas. O que importava nelas era a lição, o que queriam
provar e comprovar, o caráter de verossimilhança, não de verdade dos fatos (BAZIN,
1989: 25).
Outra questão bem exemplificada na biografia de Giotto é a importância da
relação pupilo/mestre. Quando Vasari fala sobre os “sucessores” de Giotto, ele afirma
“I shall discuss these when I come to write their lives, merely recording here the fact
that they were taught by Giotto” (VASARI, 1966: 78).
Nessa passagem, um aspecto digno de ressalva é o uso da primeira pessoa, que
aproxima e personifica o texto. Outra frase presente nessa biografia que exemplifica
isso é “I shall say no more about them” (VASARI, 1966: 67).
Há nesta biografia um predicado interessante: Vasari reproduz, em citação, um
trecho3 de outra fonte, qual seja Three Hundred Novellas, de Franco Sachetti. Essa
preocupação com a demonstração de erudição não deve ser deixada de lado.
LEONARDO DA VINCI
O aspecto divino, que transcende a natureza estão presentes na apresentação
dessa biografia:
“In the normal course of the events many man and woman are born with
various remarkable qualities and talents; but occasionally, in a way that
transcend nature, a single person is marvelously endowed by heaven with
beauty, grace, and talent in such abundance that he leaves other men far
behind, all his actions seem inspired, and indeed everything he does clearly
comes from God rather than for art” (VASARI, 1966: 255).
3
“I think it is worth while recording some of these, using Franco’s own words, so that in reading one of
the phrases and modes of speech used in those days” (VASARI, 1966: 78-9).
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Esse dom natural transcendental se encontra presente ao longo de toda a biografia,
como nos trechos “his genious was wonderfully inspired by the grace of God” ou “he
was so favoured by nature that to whatever he turned his mind or thoughts the results
were always inspired and perfect” (VASARI, 1966: 256-57).
As anedotas e casos também fazem parte da biografia de Leonardo. Nessa,
Vasari conta, entre outras histórias, que o primeiro costumava comprar pássaro nas lojas
de animais para soltá-los; que Verrochio parou de pintar depois que Leonardo, ainda
novo, pintou um anjo no quadro dos dois muito melhor do que seu próprio; ou ainda que
ele costumava seguir pessoas que ele achava interessantes nas ruas, de forma que, ao
chegar em casa, pudesse desenhar a imagem de quem observou como se a pessoa
estivesse em sua frente (VASARI, 1966: 257-61).
Pode-se tirar da narração dessas histórias a intenção de Vasari de afirmar
características que ele considerava importantes, como o espírito livre de Leonardo, sua
destreza e luz desde pequeno e seu olhar indefectível e atento. Mas, como já dito, se
essas características podem até ser verdadeiras, muitas das histórias que as ilustram não
o são.
Encontramos um bom exemplo do aspecto pessoal imposto ao texto pelo autor
ao utilizar a já referida primeira pessoa, como no exemplo “I must mention another
habit of Leonardo’s (...)” (VASARI, 1966: 261).
Vasari propõe como chave de leitura da obra de Leonardo a idéia que da Vinci
tinha uma mente tão brilhante, ambiciosa e avançada que ele percebia a impossibilidade
da completude dos projetos imaginados, largando muitos pela metade (VASARI, 1966:
257). Exemplos clássicos são a estátua eqüestre gigante que Leonardo começou a fazer,
mas que alcançou proporções tão descomunais que ficou impossível de ser terminada
(VASARI, 1966: 264); ou o rosto de Cristo na Santa Ceia, deixado propositalmente pela
metade, convencido que estava da impossibilidade de dar a graça e divindade merecidas
pela imagem (VASARI, 1966: 262). Vasari se refere a essas obras inacabadas em outros
trechos, como em: “He was always setting himself to learn many things only to
abandon them almost immediately” (VASARI: 1966:255); ou “he worked on this
painting [Monalisa] for four years, and then left it still unfinished” (VASARI, 1966:
266).
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CONCLUSÃO
A partir das idéias expostas, pode-se então pensar a obra Le Vite de Vasari sobre
um prisma de afastamento ou aproximação com o que era História durante o
Renascimento.
É possível pensar aproximações entre as idéias de Vasari e as de um historiador
renascentista quando Vasari faz sua obra com intenção de elogio, de vangloriar a arte
contemporânea a ele, tornando suas biografias exemplares. Pensando que a sociedade
renascentista primava bastente pelas artes, é coerente pensar que os artistas eram ali
heroificados de alguma forma, tal qual os heróis políticos, militares e religiosos da
história mestra da vida.
Outra aproximação se refere ao caráter de utilidade pública e deleite que Vasari
buscou durante sua obra e explicitou isso em palavras no Preâmbulo do livro:
“desejando que o meu esforço seja tão útil quanto mo propus agradável, parece-me
necessário, antes de iniciarmos a história, uma breve introdução” (VASARI, 1955: 317).
A utilidade do texto deve-se ao caráter exemplar e o deleite da leitura vem através do
texto bem escrito e envolvente, aos moldes retóricos da história da época.
De acordo com Rubin, a proximidade com a história se faz presente nas próprias
palavras do autor que
“... says that he did not want to waste his efforts on 'a note' or 'an inventory'.
Following 'the writers of histories' he saw the past as a 'mirror of life'. Vasari
wished to give significant form to the history of the arts. The form he chose was
biography” (RUBIN, 1995: 5).
Vasari, por ser contemporâneo de muitos de seus biografados e, por isso,
conviver com eles, pode ser visto como testemulha ocular da história da arte da época.
Nesse aspecto, seu trabalho se aproxima ao de um historiador clássico, que narrava o
que vivera aos outros e, por esse motivo, seu fala adquiria maior credibilidade e
legitimidade.
A citação de uma outra fonte, existente na biografia de Giotto, também
corrobora essa preocupação de Giorgio em escrever história, uma vez que a citação é
algo típico do trabalho do historiador.
Ele se disse historiador e trabalhou com essa intensão, porém, - talvez por não o
ser de fato ou por realmente querer mostrar uma nova visão moderna da história -
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algumas vezes, declinou de seu cargo histórico, relatando temas não pertinentes à
história mestra da vida de então.
A recorrência das frases em primeira pessoa, personificando o texto, é uma das
características da obra de Vasari que divergem dessa história mestra. As anedotas, os
elogios em excesso, o caráter divino e a força do acaso são os outros elementos
fundamentais desse desacordo. Essas características fazem do texto de Vasari não
história, mas biografia.
Vasari pretendia mostrar um outro lado da vida que não a face política, religiosa
e bélica, uma vida mais cotidiana e privada, mostrando como “tão nobres artes, possui
[também] costumes honestos e leva vida exemplar” (VASARI, 1955: 318), direcionando
sua história não só para os grandes feitos, mas também para as coisas mais simples.
Nesse aspecto, Vasari se afasta do que era o padrão da história na época e nos
aponta, com sua biografia., o caminho de uma nova direção para a história, mais
cultural e social do que política. Como bem salientou Eric Cochrane,
“biography had much to contribute to historiography in the way of new theses,
new scheme of periodization (…) both of them observed the same distinction
between fiction and truth, and both of them prescribed the same means for
distinguishing the one from the other” (COCHRANE, 1981, p.411)
Winckelmann é outro autor que, no século XVIII, vê nos três prefácios de Le
Vite4 - em que Vasari discorre sobre suas concepções de arte, modernidade, história,
entre outras coisas - a moldura conceitual de sua História da Arte (POTTS, 1994: 40).
Hoje temos na obra de Vasari rica fonte primária para nossa História Cultural.
Estivéssemos nós no século XVI, nem de história a isso chamaríamos. Mas sua
importância, como documento, não se perdeu de vista em nenhum momento. Vasari
tinha consciência do importante trabalho que realizava e que o tornaria, segundo Paolo
Giovio, imortal.
BIBLIOGRAFIA
BAZIN, Germain. “O pai fundador” In História da história da arte: de Vasari
a nossos dias. São Paulo : Martins Fontes, 1989
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A obra é composta por três partes e um prefácio do livro como um todo. Cada uma dessas partes contém
um prefácio próprio.
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CANTÚ, Césare; VASARI, Giorgio & SAINTE-BEUVE, Charles Augustin.
Biografias de homens célebres: vida dos melhores pintores, escultores e arquitetos.
São Paulo: Editora das Américas, 1955
COCHRANE, Eric. “Biography” In: Historian and historiography in the
italian renaissence. Chicago & Londres: The University of Chicago Press, 1988
GILBERT, Felix. Machiavelli and Guicciardini: politics and history in
sixteenth-century Florence. Nova Iorque & Londres: W.W. Norton & Cia., 1984
KOSELLECK, Reihart. “Historia Magistra Vitae – sobre a dissolução do topos
na história moderna em movimento” In: Futuro Passado: contribuição à semântica
dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto e Editora PUC-Rio, 2007
POTTS, Alex. Flesh and the ideal: Winckelmann and the origins of art
history. New Haven & Londres: Yale University Press, 1994
RUBIN, Patricia. Giorgio Vasari: art and history. New Haven & Londres:
Yale University Press, 1995
TEIXEIRA, Felipe Charbel; JASMIN, Marcelo Gantus. A república bem
ordenada : Francesco Guicciardini e a arte do 'bom governo'. Dissertação
(Mestrado em História Social da Cultura)-Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2004
TEIXEIRA, Felipe Charbel. Uma construção de fatos e palavras: Cícero e a
concepção retórica da história, VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 24, nº 40:
p.551-568, jul/dez 2008
VASARI, Giorgio. “Giotto” & “Leonardo da Vinci” In: Lives of the Artists.
vol. 1. England: Penguin Book, 1966
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