CONJUGALIDADE DE PESSOAS QUE VIVEM COM FERIDAS CRÔNICAS Artigo apresentado à Atualiza Cursos, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Enfermagem em Enfermagem Dermatológica, sob a orientação da professora Jeane Rodella Assunção Salvador- BA 2015 CONJUGALIDADE DE PESSOAS QUE VIVEM COM FERIDAS CRÔNICAS1 Paula Patrícia Santana Rios2 Rafaela Sampaio Bandeira Xavier3 RESUMO O objetivo deste estudo foi contribuir para a área do conhecimento ampliando a literatura acerca do tema, podendo, ainda, auxiliar na conduta das (os) profissionais de enfermagem que lidam com pessoas que vivem com feridas crônicas. Foi realizada uma revisão de literatura de natureza narrativa que será necessário para explorar o tema. Analisou-se estudos publicados no Brasil, sobre o tema e as implicações no cotidiano destes indivíduos. A questão da conjugalidade tem sido considerada como um desafio para os casais que vivem com a ferida crônica há uma tensão em relação ao sexo, devido à ferida apresentar um odor fétido, a sua apresentação, a limitação motora, a dor entre outros obstáculos, influenciados pelos estereótipos sociais. Descritores: ferimentos e lesões, casamento. 1 Artigo apresentado a Atualiza Cursos, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Enfermagem Dermatológica, sob a orientação da professora a Jeane Rodella Assunção. Salvador-BA. 2015. 2 Enfermeira . E-mail: [email protected] 3 Enfermeira. E-mail: [email protected] 2 1 INTRODUÇÃO As feridas crônicas constituem problemas de saúde com sintomatologia ou incapacidades relacionadas que exigem tratamento de longo prazo e podem ser decorrentes de doenças, fatores genéticos ou lesões. Afetam indivíduos de todos os grupos socioeconômicos, étnicos, culturais e raciais e apresentam elevada frequência com o avanço da idade e em grupos específicos. Elas podem impedir ou dificultar aspectos básicos da vida como locomoção, a convivência, as relações interpessoais, entre outros. (CARVALHO, 2012) Conviver com uma ferida crônica implica várias dificuldades e mudanças para a vida do indivíduo, fazendo com que ele se adapte à nova condição. A presença de uma ferida crônica altera a vida do indivíduo que a experimenta pelo isolamento social que as características das lesões (necrose e odores) promovem, dificultando ou limitando os contatos pessoais e sociais e, em especial, a conjugalidade. A conjugalidade, como o termo sugere, é espécie singular de relação entre pessoas que se unem uma à outra, com vida mútua em comum, distinta da ordinária vida social ou da relação social a que se subordinam. Sendo assim, a pessoa com ferida crônica muitas vezes enxerga em seu companheiro um “porto seguro”, um apoio na nova caminhada. Todavia, a conjugalidade demanda mais do que apenas companhia e cumplicidade, mas também a intimidade e liberdade de cada indivíduo, momento em que falta flexibilidade em alguns casos. O indivíduo sente-se podado, tem que conviver com a dor, preconceito, dependência para as principais atividades diárias, receios, medos e ansiedade quanto ao prognóstico, além de ser marcado por um estigma de dor e sofrimento em relação ao seu corpo ferido crônico. Por isso, a colaboração e compreensão quanto a figura do cônjuge neste momento é de primordial importância. (ALVES, 2012) O aspecto de formação da conjugalidade deve ser visto como contínuo e não meramente envolvendo as fases iniciais de engajamento amoroso, pois são os padrões de relacionamento que mantém a conjugalidade e sua qualidade ao longo do tempo, permitindo que esta resista às diversas circunstâncias, às mudanças previsíveis e imprevisíveis (ALEXANDRE, 2010). O casamento é um intermediador entre o indivíduo e a sociedade,;é por meio do casamento que o indivíduo aprende a perceber o mundo, e a situar nele(REIS, 2001). É uma 3 relação criada entre seres humanos, e se constitui de diferentes formas para responder às necessidades sociais e afetivas. No cotidiano de pessoas com feridas crônicas, há presença de sofrimento, e isto acontece devido a dúvidas e angústias em relação ao tratamento e, principalmente, a ansiedade em ver a evolução da ferida para uma melhora. Dentro desta perspectiva, percebese que para estas pessoas uma ferida pode não ser apenas uma lesão física, mas algo que dói sem necessariamente precisar de estímulos sensoriais, uma marca, uma perda irreparável, ou seja, algo além de uma doença incuráfvel. Ela fragiliza e muitas vezes incapacita o ser humano para diversas atividades, em especial as laborativas. A ferida crônica é difícil de ser curada, podendo se arrastar por anos exigindo da pessoa um suporte e apoio psicológico. Para melhorar a qualidade de vida dessa pessoa é necessário amparo e estímulo, ajudando-o a superar as dificuldades. O fato de a ferida se alastrar por vários anos acaba colocando o indivíduo numa situação de apatia e desmotivação. Essa rotina diária faz com que ele se acomode e perca a sua capacidade de acreditar na possibilidade de cura. A patologia, portanto, é percebida como algo sem solução, e o tratamento, por conseguinte, sem objetivos estabelecidos, sem anseios, executados apenas como obrigações rotineiras. As ações de autocuidado constituem a prática de atividades que os indivíduos desempenham de forma deliberada em seu próprio benefício com o propósito de manter avida, a saúde e o bem estarem. O indivíduo que vive com ferida crônica precisa estar bem ancorado dentro do ambiente familiar, este cuidado tem importância ímpar nas condições de saúde. Esse cuidado ocorre através da convivência, nas reflexões e interpretações que surgem no processo de interação. Os membros da família definem suas próprias maneiras de agir, de acordo com a compreensão que tem da situação, esse processo interpretativo conduz a uma ação conjunta da vida e passou a viver em função de seu problema, abrindo mão das coisas que mais gostavam e das atividades que desempenhavam. As feridas crônicas afetam significativamente o estilo de vida do indivíduo, em decorrência da dor crônica ou desconforto, causando depressão, perda da autoestima, isolamento social, inabilidade para o trabalho e, frequentemente, hospitalizações ou visitas clínicas ambulatoriais. O estudo de Conjugalidade ao focar a dinâmica interacional, pode 4 contribuir para o desenvolvimento de teorias e práticas clínicas mais contextualizadas e fundamentadas (FÉRES-CARNEIRO e NETO, 2010) Este trabalho justifica-se, pois poderá contribuir para a área do conhecimento ampliando a literatura acerca do tema, podendo, ainda, auxiliar na conduta das (os) profissionais de enfermagem que lidam com pessoas que vivem com feridas crônicas. Para responder quais as repercussões na conjugalidade de um indivíduo que vive com a ferida crônica, este estudo visa contribuir para a área do conhecimento, ampliando a literatura acerca do tema, podendo ainda, auxiliar na conduta das (os) profissionais de enfermagem que lidam com pessoas que vivem com feridas crônicas, além disso, objetivou analisar os estudos publicados no Brasil sobre conjugalidade de pessoas com feridas crônicas e as implicações no cotidiano destes indivíduos. 2 METODOLOGIA A Metodologia empregada em um trabalho acadêmico deve levar em consideração os objetivos que foram traçados de modo que seja possível alcançar as informações necessárias para o bom desenvolvimento do trabalho. Os artigos de revisão narrativa são publicações amplas apropriadas para descrever e discutir o desenvolvimento ou o ‘estado da arte’ de um determinado assunto, sob ponto de vista teórico ou contextual. (ROTHER, 2007) Sendo assim, o presente estudo centralizará suas atividades na revisão de literatura de natureza narrativa que será necessário para explorar o tema, compreendendo como a doutrina se posiciona em relação ao fenômeno. Não se trata de realizar cópias dos textos e sim de explorar o tema com base no que já foi escrito por outros pesquisadores do assunto especifico, conforme preleciona Marconi e Lakatos: Não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras (MARCONI e LAKATOS, 2001, P.71). Para se chegar à finalidade pretendida, as técnicas de pesquisa empregadas serão a coleta de informações em bases de dados. Esta técnica se compatibiliza com a abordagem descrita acima, a revisão bibliográfica, já que não se almeja a possibilidade de levantar novas teorias sobre o tema, muito menos elaborações estatísticas. 5 Na base de dados Scielo, no mês de julho de 2015, foi utilizada a ferramenta de busca integrada em publicações no Brasil, em português de 2005 a 2015. Os critérios de inclusão foram artigos que continham um dos descritores no título ou no resumo do trabalho e que, além disso, abordasse a conjugalidade/casamento/relacionamento/família e o adoecimento. Para a seleção foi feita a leitura dos resumos. Os critérios de exclusão foram: textos não disponibilizados, incompletos, em duplicidade ou que não discutisse o tema ou tema relacionado. Foram escolhidos a partir de buscar no DECS os descritores: “ferimentos e lesões” e “casamento”. A restrição do uso dos descritores se deu por conta da restrição de palavras no banco do DECS. Estes foram os descritores encontrados no site que, juntos, mais se aproximavam da temática. Em busca avançada e usando o conectivo “and” usamos os dois descritores. Não foram encontramos trabalhos. Mudamos para o conectivo “or” e foram encontrados 156 artigos, desses 5 se enquadravam nos critérios de inclusão, destes, um foi excluído por se tratar de resumo de livro, restando 4 artigos. Os trabalhos foram lidos na íntegra e feita uma análise qualitativa e discussão. 3 DISCUSSÃO Entre os 4 artigos encontrados nenhum se refere especificamente ao tema conjugalidade e ferida crônica, permaneceram os tratavam do tema família/conjugalidade/casamento e adoecimento qualquer que fosse, isso porque muitos aspectos do comportamento e relações humanas se assemelham no processo do adoecimento, principalmente quando se trata de adoecimento crônico, independemente da patologia. Mantendo o rigor metodológico foram utilizados descritores presente no diretório de descritores da saúde DECs, o que acabou limitando a pesquisa a apenas dois descritores que foram considerados representativos para o tema e este estudo. Foram artigos de 2011, 2005, 2012 e 2015. Abordando violência contra a mulher, sexualidade e paraplegia, mulheres soropositivas, fatores de risco e divórcio em famílias com filhos com síndrome de Down e Rett. A maioria dos trabalhos são sobre a mulher, provavelmente pela associação ao “casamento” que utilizamos como descritor, além do fato de mais estudos sobre a saúde da mulher serem feitos. Nenhum trabalho abordou o conceito 6 de conjugalidade ou discutiu de forma aprofundada o tema, mas falaram de relações familiares, sexualidade, casamento e de que forma o adoecimento acaba interferindo também nesse aspecto da vida das pessoas. Não só o adoecimento do próprio indivíduo, mas também o adoecimento de algum familiar. Os estudos destacaram a importância do suporte familiar e como o adoecimento desestabiliza o equilíbrio relacional. Para Meneghel et al (2011), mesmo com limitações, familiares e amigos oferecem um espaço de proteção e podem ser, junto com outros serviços comunitários, o principal suporte para resistir às violências, que não se trata de uma patologia, mas gera adoecimento físico e psicológico. França e Chaves em 2005 ao estudar a sexualidade na paraplegia concluiram que a influência do mito adâmico na sexualidade dos sujeitos institui a culpabilização, quando da sensação de orgasmo, orienta a opção feminina pelo casamento monogâmico e endogâmico. Além disso, institui a fidelidade como condição essencial para a felicidade conjugal e a continuidade do casamento. Nos discursos analisados emergiram as barreiras atitudinais ditadas pelos limites e desvantagens impostos pela lesão medular, no que diz respeito a esfera sexual, pelo mito da beleza e pelo mito adâmico que controlam e disciplinam a sexualidade feminina. No estudo realizado por Silva e Reis em 2012 com mulheres soropositivas as autoras avaliaram que quando se elaboram representações de que o uso do preservativo masculino nas relações sexuais simboliza um mecanismo de prevenção ao HIV/Aids, pressupõe-se que essas mulheres possuem algum conhecimento sobre o tema lhes permita reduzir suas vulnerabilidades à enfermidade. No entanto, simultaneamente essas mesmas mulheres elaboram representações de que o casamento, o amor, a vida conjugal e o tempo de relacionamento são situações que garantem a imunidade à contaminação da doença. Isso se dá devido ao processo de socialização das mulheres que constrói um ideal de relacionamento e amor, o que gera frustrações e, como é o caso das entrevistas, até oferece riscos à saúde. Esse mesmo processo de socialização que diferencia homens e mulheres é responsável pelo fato descoberto em um outro estudo publicado em 2015 que avaliou o impacto do nascimento de crianças com síndrome de Down ou Rett na estabilidade e manutenção do casamento. O fato de todas as crianças de pais separados permanecerem com suas mães, apesar de toda a família ser afetada, o ônus de ter uma criança deficiente recai mais sobre a mãe, muitas vezes responsável por seus cuidados. (LEDERMAN et al, 2015). 7 4 CONCLUSÃO A experiência construída no processo de viver com a ferida crônica é marcada por mudanças, para se relacionar socialmente e ocasiona a necessidade de adaptação a uma rotina de cuidados. O tempo prolongado de tratamento e a dificuldade para deambular costumam ocasionar afastamentos de atividades profissionais e pessoais, comprometendo fora outras coisas a sua vida conjugal. A partir do estudos pudemos concluir a grande lacuna existente na literatura sobre o tema apontando para a necessidade da realização de pesquisas que se voltem à subjetividade dos indivíduos com feridas, conjugalidade e família. Como limitação para realização do trabalho encontramos o diretório DECs que se limita a descritores biologicistas, dificultando o desenvolvimento de revisões de literatura voltadas para o estudo subjetivo dos indivíduos em processo de adoencimento. Identificamos, assim, a importância de uma reformulação no DECS, já que é o que é exigido em pesquisa das ciências da saúde. Saúde envolve uma gama de áreas do conhecimento que vão das ciências humanas ás naturais. Além disso, muitos estudos acabam se perdendo por não utilizarem os descritores apropriados ao tema, nem descritores oficiais. O motivo pelo qual foram encontrados poucos trabalhos se deu também pelo fato de que poucos estudos na área da saúde se voltam a entender as dinâmicas subjetivas dos indivíduos. Dos poucos trabalhos que encontramos pode-se concluir como os estudos focam as mulheres e como a responsabilidade do cuidado da família ainda é colocado como responsabilidade das mães e esposas e como são escassos os estudos com homens, além disso, ao fazer pesquisas sobre conjugalidade, casamento e sexualidade reforçamos a necessidade de se conversar sobre e desmistificar ideias construídas socialmente que põe homens e mulheres em lados opostos e desiguais na sociedade. Faz-se importante identificar as múltiplas dimensões que são influenciadas ao conviver com a lesão, buscar estratégias para favorecer a adaptação à situação crônica e promover a qualidade de vida e um relacionamento a dois de forma harmoniosa. 8 MARITAL RELATIONSHIP OF PEOPLE LIVING WITH CHRONIC WOUNDS ABSTRACT The objective of this study was to contribute to the field of knowledge expanding literature on the subject, and may also assist in the conduct of (the) nursing professionals dealing with people living with chronic wounds .Wounds held a nature literature review narrative that will be needed to explore the theme Analyzed up studies published in Brazil on the issue and the implications in daily life of these individuals. The issue of conjugal has been regarded as a challenge for couples living with a chronic wound there is a tension about sex, because the wound presenting a foul odor, its presentation, limited dexterity, pain and other obstacles, influenced by social stereotypes. Key words: wounds and injuries, marriage REFERÊNCIAS CARVALHO, Evanilda Souza de Santana. Como cuidar de pessoas com feridas: Desafios para a prática multiprofissional. Salvador: Atualiza editora, 2012. FÉRES-CARNEIRO, Terezinha; NETO, Orestes Diniz. Construção e dissolução da Conjugalidade, padrões relacionais. Paidéia. Belo Horizonte. 2010 maio-ago; 20: 46 FRANÇA, Inacia Sátiro Xavier de CHAVES, Adriana de Freitas. Sexualidade e paraplegia: o dito, o explícito e o oculto. Acta Paul Enferm. 2005; 18(3):253-9. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Científica, 5ªed. São Paulo: Atlas, 2007. LEDERMAN, Vivian Renne Gerber; ALVES, Bianca dos Santos; MARIA, Juliana Negrão; SCHWARTZMAN, José Salomão; D’ANTINO, Maria Eloisa Famá; BRUNONI, Decio. Divórcio nas famílias com filhos com Síndrome de Down ou Síndrome de Rett. Ciência & Saúde Coletiva, , 2015. 20(5):1363-1369. 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