A arteterapia na reabilitação psicossocial de pessoas..., p. 255 - 265 A ARTETERAPIA NA REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL DE PESSOAS QUE VIVEM E CONVIVEM COM HIV/AIDS Alline de Paula Couto* Bonnie Matioli Tergolino* Fernanda Picinin Moreira* Lara Brum de Calais* Mafalda Luzia Coelho Madeira da Cruz** RESUMO A AIDS é uma doença que se caracteriza por trazer consigo, além de um grande comprometimento biológico, um forte impacto psicológico e social, tendo em vista que está cercada de preconceitos e estigmas que ainda hoje existem na sociedade. As pessoas portadoras de HIV/AIDS possuem direitos e não devem ser privadas de oportunidades em suas vidas em decorrência da doença. Portanto, a realização de oficinas, utilizando os recursos oferecidos pela Arteterapia e tendo a reabilitação psicossocial como foco, cria um espaço aberto para o diálogo, a troca de experiências e a produção artesanal. Dentro desta ótica, o trabalho realizado por meio de uma pesquisa de Iniciação Científica busca fomentar uma melhoria na qualidade de vida dessas pessoas e a humanização da assistência e cuidado com os mesmos e com seus familiares. Palavras-chave: AIDS. Arteterapia. Reabilitação psicossocial. Qualidade de vida. ABSTRACT The AIDS is a disease that brings along with a large commitment biological, psychological and social impact strong, with a view that is surrounded by prejudices and stigmas that still exist in society. Persons with HIV/AIDS have rights and should not be deprived of opportunities in their lives due to the disease. Therefore, the holding of workshops, using the resources offered by taking Arteterapia and social rehabilitation as a focus, create an open space for dialogue, exchange of experiences, and craft production. Within this perspective, the work done by a search for Scientific Initiation search encourage an improvement in quality of life of these people and humanization of the assistance and care with them and with their families. Keywords: SIDA. Rehabilitation psychosocial. Quality of life. * Alunas no curso de Psicologia do CES/JF e voluntárias do Projeto de Iniciação Científica. ** Orientadora do Projeto e Professora do curso de Psicologia do CES/JF. 255 Juiz de Fora, 2008 Alline de Paula Couto, Bonnie Matioli Tergolino, Fernanda Picinin Moreira... O surgimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, mais conhecida como AIDS (sigla em inglês de Acquired Immunodeficiency Syndrome), na década de 1980, é considerada uma epidemia única, por manifestar diversos sintomas e subepidemias, diminuindo a qualidade de vida do indivíduo, englobando também uma responsabilidade social e um forte impacto sobre o sistema de saúde. A AIDS é causada pelo vírus HIV e se caracteriza por um conjunto de sintomas e sinais, causando uma debilidade no sistema imunológico do organismo, dificultando o combate às doenças (REPPOLD et al., 2004). Partindo do panorama da doença encontrado no Brasil, foi realizada uma pesquisa a partir de um projeto aprovado no Programa de Iniciação Científica do Centro de Pesquisa do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – MG, abordando questões relacionadas à possibilidade de intervenção através da Arteterapia em oficinas terapêuticas, com enfoque na reabilitação psicossocial de pessoas que vivem e convivem com HIV (sigla em inglês de Human Immunodeficiency Virus) ou AIDS, em termos de uma instituição de apoio que atende a este público. O trabalho foi realizado em uma Organização Não Governametnal (ONG) de Juiz de Fora - MG voltada para o atendimento de pessoas portadoras de HIV/ AIDS, incluindo adultos e crianças. Atenta a este contexto, a pesquisa dedicouse a avaliar como trabalhos de apoio com a Arteterapia, oficinas e um espaço para diálogo e acompanhamento psicológico podem intervir positivamente na assistência e tratamento, dando oportunidade para a reabilitação psicossocial e melhoria da qualidade de vida destes indivíduos. O impacto causado pela doença não se dá somente no que se refere a aspectos biológicos, mas também afeta em grande extensão suas relações em seu ambiente social e o âmbito psicológico. Figueredo (2004 apud REPPOLD et al., 2004) aponta que, devido à fragilidade encontrada nos pacientes, são de fundamental importância as intervenções sócio-psicológicas. A família e o indivíduo se deparam com conflitos gerados pela doença e dificuldades como o temor frente à morte, as longas internações e a culpabilização. Segundo Rogone (1996), o confronto com a notícia da pessoa infectada pelo vírus da AIDS é um dos momentos mais críticos da doença, pois os infectados vêem a proximidade da morte e a realidade de ser não saudável. Um teste sorológico positivo para HIV, de acordo com Paiva (1992), leva ao pensamento da convivência com a idéia da morte, devido ao grande desconhecimento inicial a respeito da epidemia e falecimento freqüente de seus portadores. 256 CES Revista, v. 22 A arteterapia na reabilitação psicossocial de pessoas..., p. 255 - 265 Esta reabilitação psicossocial se caracteriza por aumentar os espaços de troca e de relação dentro da instituição, tendo em vista que o trabalho de reabilitação se relaciona intimamente com a humanização da assistência e com a transformação da instituição em habitat. (SARACENO, 2001). A reabilitação não é a substituição da desabilitação pela habilitação, mas um conjunto de estratégias orientadas a aumentar as oportunidades de troca de recursos e de afetos: é somente no interior de tal dinâmica das trocas que se cria um efeito “habilitador”. [...] é um processo que implica a abertura de espaços de negociação para o paciente, para sua família, para a comunidade circundante e para os serviços que se ocupam do paciente (SARACENO, 2001, p.112). É neste contexto ambíguo suscitado pela doença que a expressão através da arte também se apresenta como fonte de recursos para a melhoria no espaço de convivência, o estímulo ao auto-conhecimento e suporte para o resgate da auto-estima, viabilizados pelo trabalho com oficinas. De acordo com Valladares (2004), as oficinas que possibilitam a produção, enfocam a reabilitação social, propiciando trocas e fomentando a promoção da cidadania na reconstrução de identidades. Essa proposta valoriza e respeita a singularidade de cada sujeito, proporcionando, uma atitude diante do luto referente às várias perdas, tanto físicas, quanto sociais, que vêm embutidas na infecção pelo HIV. As oficinas terapêuticas, que possibilitam a produção de uma ligação entre o trabalho e a criação artística, surgiram como um modo de inserir o sujeito no social, sendo um “[...] espaço de criação e facilitação da comunicação e das relações interpessoais” (VALLADARES, 2004, p.108). Elas criam um espaço para que o indivíduo se expresse e se comunique, tornando-se agente ativo no mundo, deixando de ser submisso e passivo diante do tratamento. As oficinas serão terapêuticas ou funcionarão como vetores de existencialização caso consigam estabelecer outras e melhores conexões que as habitualmente existentes entre produção desejante e produção da vida material. Caso consigam conectar-se com o plano de imanência da vida, o mesmo plano com base no qual são engendradas a arte, a política e o amor. (RAUTER, 2000, p. 270). A arte tem papel de grande importância no âmbito das instituições, 257 Juiz de Fora, 2008 Alline de Paula Couto, Bonnie Matioli Tergolino, Fernanda Picinin Moreira... como por exemplo as ONG’s, sendo as oficinas uma atividade coletiva por fazer com que seus participantes, por meio da produção artística, sejam remetidos à convivência com o social (LOBOSQUE, 2001, p.100). A proposta de um ambiente voltado para as relações subjetivas, em que o indivíduo portador do vírus HIV/AIDS possa trocar experiências e produzir, proporciona uma amplitude de linguagens, de recursos e, através da possibilidade de construção de linguagens singulares, torna-se possível aliar a arte ao cuidado de pessoas que vivem e convivem com HIV/AIDS. Ciornai (2004) destaca a criatividade e as expressões artísticas como facilitadores do processo de resgate da qualidade de vida, apontando-as como um caminho para que o indivíduo amplie suas possibilidades de expressão, utilizando técnicas e materiais artísticos. A autora ainda focaliza a criatividade como um desenvolvimento do processo mental e emocional. As atividades propostas, utilizando processo artístico, encontram seu embasamento na Arteterapia, que aborda a arte como forma de expressão e manifestação do inconsciente, como no ato de brincar das crianças. Dessa forma, a arte fomenta o processo criativo que, por sua vez, possibilita o crescimento e fortalecimento interior, através de um maior auto-conhecimento e adaptação aos limites. Nesse contexto, foi objetivo da referente pesquisa criar possibilidades para a reabilitação psicossocial do indivíduo portador de HIV/AIDS diante de um espaço que fomente a convivência, a interação e o diálogo entre as pessoas que vivem e convivem com HIV. Por meio da expressão viabilizada pela arte e enfatizada pelas oficinas, criam-se ações facilitadoras do processo de resgate da auto-estima, devendo, ser valorizadas e incorporadas como estratégias de cuidado. Avaliar qualitativamente a realização das oficinas no desenvolvimento do potencial criativo, lúdico, artístico e o processo de auto-conhecimento, auxiliando esses sujeitos a lidar com suas próprias emoções e conhecer a importância desses recursos na melhora da qualidade de vida do indivíduo e seu tratamento, também é objetivo desta pesquisa. As pessoas portadoras do HIV/AIDS possuem direitos e não devem ser privadas de oportunidade em suas vidas em decorrência da doença. Por se tratar de uma epidemia que traz consigo a ocorrência de algumas limitações ao portador, podendo ser motoras, intelectuais, afetivas e/ou emocionais, elas afetam aspectos de seu comportamento, desenvolvimento e relações sociais 258 CES Revista, v. 22 A arteterapia na reabilitação psicossocial de pessoas..., p. 255 - 265 (ROGONE, 1996). Considerando o impacto biopsicossocial da doença, percebe-se que a convivência em grupo e a realização de oficinas propiciam um espaço valioso para a troca de experiências, construindo e respeitando os aspectos singulares de cada indivíduo. Oferecer o espaço é convocar, através da arte, os sujeitos a encontrar equilíbrio para lidar com suas emoções, esperança para encontrar novos caminhos perante as dificuldades e motivação para uma vida produtiva dentro das diversidades encontradas em nossa cultura. Para execução do trabalho, participaram quatro bolsistas, atendendo 10 crianças e 20 adultos. Os atendimentos foram realizados pela observação direta e intervenção através de técnicas da Arteterapia. As bolsistas também participaram de supervisão semanal com a orientadora do projeto e com a Psicóloga da instituição para uma melhor realização do trabalho. É válido ressaltar que a pesquisa foi executada em uma instituição cujas pessoas internadas são de um nível socioeconômico baixo, muitas vezes em situação de risco social e já com comprometimento avançado da doença. Neste contexto, as atividades que destinam sua atenção para as relações interpessoais e sociais dos indivíduos em questão enfocam a reabilitação psicossocial, não se preocupando simplesmente em reinserir esse indivíduo na sociedade, mas, proporcionando um espaço viabilizado pela arte, para que haja efetivamente um resgate da auto-estima, cidadania e dignidade do sujeito. De acordo com Valladares (2004), são várias as modalidades expressivas dentro da Arteterapia, estando incluídas as atividades gráficas, lúdicas, de produção artesanal, entre outras mais. Para a pesquisa, foram escolhidas as oficinas de Linguagem e Expressão e Bijuteria, nomeadas juntamente com os participantes. A primeira tem como foco a amplitude de linguagens, considerandas as limitações de cada sujeito, utilizando os vários vetores da arte como a música, o teatro, o desenho, a pintura, expressão corporal e um conteúdo lúdico principalmente no trabalho com as crianças. Já a segunda oficina se ateve à confecção de peças (colares, pulseiras, brincos), pautadas na criatividade e na expressão artística, valorizando a capacidade de produção de cada indivíduo. Por meio da oficina de bijuterias, o enfoque da reabilitação psicossocial, aliado à arte foi destacado, tendo em vista, como ressalta Rauter (2000), a importância da função do trabalho para que os sujeitos possam se tornar agentes ativos no mundo em que vivem. Como o trabalho se deu em uma ONG, houve a necessidade de 259 Juiz de Fora, 2008 Alline de Paula Couto, Bonnie Matioli Tergolino, Fernanda Picinin Moreira... adaptação a determinados fatores como o tempo de internação dos pacientes, a flutuação do público-alvo e as limitações físicas e psíquicas dos participantes. Por ter a execução do trabalho sido realizada em uma instituição, foi necessário flexibilidade frente às normas internas, considerando a diversidade de olhares e formas de cuidado. Como resultado, pode-se observar e ratificar a importância da Arteterapia, no decorrer das atividades, pois os pacientes tinham não só um espaço de criação, mas também um espaço onde poderiam expressar seus sentimentos, relatando fatos ocorridos e vivenciados em sua trajetória de vida. Segundo Rauter (2000), os pacientes, por vezes, podem ver a oficina como uma possibilidade de fazer algo, para não precisar pensar em nada, mas na maioria das vezes, é neste espaço que eles podem expressar-se e dizer de si. Torna-se importante estabelecer relações em que os participantes se sintam acolhidos e estimulados a transformar seu cotidiano, a fim de garantir uma melhor qualidade de vida. Relatos como “Quando estou aqui lembro coisas da minha vida, que já não lembrava há tempos” e “Quando a gente tá aqui dá pra distrair a cabeça. [sic]” se fizeram presentes. Rauter (2000, p. 276) ressalta que “[...] o trabalho com a arte tem essa função de inserção no mundo da coletividade, de rompimento do isolamento que caracteriza a vivência subjetiva contemporânea.” Nas oficinas de linguagem e expressão, através da música, filme, teatro, desenho, pintura os pacientes, podiam vivenciar o seu mundo de forma lúdica e criativa, deixando exteriorizar os diversos sentimentos acerca dos acontecimentos de suas vidas, perdas sofridas e perspectivas sobre o futuro. De acordo com as considerações observadas neste trabalho, a Arteterapia promove o desenvolvimento psíquico e emocional para os portadores do HIV/AIDS. No entanto, há de se considerar a especificidade da técnica que tais indivíduos necessitam, como importante recurso terapêutico. Visando um melhor entendimento, serão expostos, primeiramente, os resultados observados com as crianças e, logo depois, com os adultos. Pela sua especificidade, o trabalho com crianças se dá de forma mais lenta, respeitando o tempo de cada uma e com uma abordagem pautada no lúdico. Justamente por se tratar desse público, foi observada uma dificuldade na adaptação aos grupos quando não eram formados por afinidade, e sim, pré-estabelecidos, ou seja, as crianças demonstraram dificuldade em aceitar 260 CES Revista, v. 22 A arteterapia na reabilitação psicossocial de pessoas..., p. 255 - 265 a definição dos grupos de pesquisa, tendendo a querer ficar próximas de suas amizades. A partir disso, muitas vezes, algumas crianças se recusavam a participar das atividades, desorganizando a dinâmica do grupo, como, por exemplo, amassando o desenho do colega, dispersando a atenção dos outros, escondendo-se debaixo da mesa e espalhando as peças da oficina de bijuteria. Tais comportamentos foram acolhidos durante o processo, demandando muita atenção e paciência por parte das bolsistas, resultando ao final da pesquisa em uma maior identificação entre os participantes do grupo, interesse, concentração e um melhor desenvolvimento das atividades propostas. O espaço oferecido nas oficinas, utilizando a arteterapia como recurso, possibilitou que as crianças pudessem falar sobre questões pessoais e institucionais como, por exemplo, quando foi pedido por elas que se conversasse sobre sexualidade. Após uma atividade de recorte e colagem, foi percebido o interesse de alguns pelo assunto, tendo em vista que as figuras escolhidas eram de pessoas com poses sensuais ou com pouca roupa. A partir disso, surgiram perguntas relacionadas a namoro e sexo, apontando ser esse um assunto que despertava curiosidade em alguns, mas que não era falado por outros profissionais da instituição. Através da Arteterapia, também foi possível saber a história das crianças e ter acesso àquilo que sentiam em relação a ela, como podemos perceber no relato verbal sobre um desenho: “Essa é uma menina doente que vive em uma casa de telhado preto. É um lugar tenebroso! Quem cuida da menina é a irmã dela”. Para Coutinho (2007), o terapeuta deve ter como objetivo oferecer técnicas, materiais e suporte, que atuarão como facilitadores do acesso às próprias emoções, oferecendo uma gama de formas por onde elas possam se expressar e serem compreendidas. Visto isso, pode-se dizer que o espaço oferecido para as crianças servia para que elas pudessem externalizar aquilo que era preciso para elaborar situações difíceis de lidar. Coutinho (2007, p. 16) aponta que as “[...] grandes comunicações, as revelações mais importantes, em geral, não serão iniciadas verbalmente, e sim por essa atuação com todo o corpo, com todo o ser.” As oficinas também proporcionavam um espaço de troca de experiências e de assuntos que eram comuns entre os membros do grupo. Em uma das oficinas de Linguagem e Expressão, o grupo de crianças que convive com o vírus HIV discutiu sobre pessoas da família que também eram portadoras. Falaram 261 Juiz de Fora, 2008 Alline de Paula Couto, Bonnie Matioli Tergolino, Fernanda Picinin Moreira... sobre a doença, medicamentos e como viviam com isso, porém procuravam evitar nomear a doença. Já na oficina de bijuteria, inicialmente, as crianças se preocupavam apenas com a quantidade de peças produzidas. A partir do momento que as peças foram expostas para outras pessoas e avaliadas através de venda, as crianças ficaram atentas à parte estética das peças, preocupando com a qualidade e com o olhar do outro sobre elas. Com isso, ficaram mais motivadas a participarem da oficina e também buscarem novas idéias para a produção das peças. Houve então uma maior interação e cooperação entre o grupo. Percebeu-se que pediam ajuda um aos outros possibilitando um espaço de troca. Isso também despertou o potencial criativo das crianças, elevando a auto-estima delas, pois o que produziam era reconhecido por outras pessoas. “Minha mãe vai ficar tão orgulhosa de mim quando ver a pulseira que fiz.” De acordo com Coutinho (2007), dando a possibilidade e meios de criar para as crianças, alimenta-se ou resgata-se o seu potencial criativo, sendo a forma mais eficiente de se obter a saúde emocional. Pode-se então perceber que a Arteterapia serviu como reabilitação para as crianças, sendo um meio que oferecia espaço para discutir e elaborar suas situações de uma forma lúdica. Dentro da proposta da reabilitação psicossocial, as oficinas de linguagem e expressão e bijuteria foram pensadas como possibilidade de aliar a capacidade de produção através da arte com a melhora na qualidade de vida, propiciada por um espaço facilitador da convivência e interação. Neste ambiente, os participantes se deparam com outras pessoas que passaram por situações semelhantes às deles e encontraram diferentes formas de lidar com as perdas, tanto sociais como pessoais em suas vidas. Utilizando os vários recursos oferecidos pela Arteterapia, nas oficinas realizadas com os adultos, foi possibilitado que os participantes se expressassem livremente, trazendo, muitas vezes, detalhes de suas vidas pessoais, sentimentos relacionados a fatos passados, questões específicas de seu estado atual, angústias e projetos relacionados ao futuro. Uma relação de identidade com o espaço da oficina, também foi percebida, sendo válido ressaltar que a identificação e o vínculo criado com ela tornaram-se facilitadores do processo do tratamento e um espaço no qual depositavam confiança. Segundo Valladares (2004), seguindo a proposta da reabilitação psicossocial, a Arteterapia viabiliza e facilita a expressão de sentimentos, emoções e vivências singulares. 262 CES Revista, v. 22 A arteterapia na reabilitação psicossocial de pessoas..., p. 255 - 265 Em determinadas situações, foi possível perceber experiências pessoais e fatos marcantes sobre a vida dos participantes através da pintura, como por exemplo, no relato: “Eu pintei aqui a casa que eu morava [...] Nessa época eu tinha minha família perto.” Também foi percebida a dificuldade de compartilhar com o grupo questões vivenciadas, representadas ali por desenhos. Este fato foi levantado pelos participantes, colocando a oficina como “[...] um lugar onde se pode falar o que se pensa”. Vale ressaltar que, pela Arteterapia, recursos são encontrados para que o falar tome maiores proporções e a expressão, cada um à sua maneira, seja respeitada e valorizada. A questão da internação, que envolve diversos fatores desencadeadores de angústia, como o afastamento da família, a adaptação às regras e horários da instituição, a convivência nela e aspectos relacionados ao tratamento também foram questões muito citadas, principalmente em atividades que abriam espaço para discussão, colocando questões como: a angústia sobre a visita dos familiares, que muitas vezes não compareciam; a administração do dinheiro; os desejos que não poderiam ser cumpridos em virtude de condutas específicas da instituição. Tais aspectos relacionados à trajetória de vida dos participantes, seus sentimentos e questões relacionadas à instituição foram mais enfaticamente percebidos na oficina de Linguagem e Expressão, cujos temas eram suscitados com maior freqüência. Na oficina de bijuteria, a produção de peças e a possibilidade de contato com o social através das vendas e exposição dos materiais, alcançaram maior proporção. Os pacientes trabalhavam com correntes, peças em metal, sementes, peças em madeira de diferentes cores e tamanhos. Os participantes eram envolvidos na produção, desde a escolha da peça, modelos, a estética das bijuterias, até o preço e a venda. Percebeu-se que dentro da oficina os participantes deixavam a sua marca individual em cada peça produzida, fomentando a construção de uma identidade que não necessariamente estivesse reduzida à doença. Alguns se mostravam mais independentes, escolhiam sozinhos o modelo, a combinação das cores e o material a ser utilizado; outros já demandavam mais atenção das bolsistas. Era explícita a dedicação de cada um dos participantes que viam na oficina de bijuteria um espaço para aprender coisas novas, a geração de alguma renda mas também um lugar onde poderiam esquecer os problemas, trocar conhecimentos e experiências de vida, resgatando a possibilidade de uma reinserção social. De acordo com Rauter (2000, p. 271), o trabalho e a arte 263 Juiz de Fora, 2008 Alline de Paula Couto, Bonnie Matioli Tergolino, Fernanda Picinin Moreira... funcionam como “[...] catalisadores de construção de territórios existenciais, ou de ‘mundos’ nos quais os usuários possam reconquistar ou conquistar o seu cotidiano”. No desenvolvimento da pesquisa, o movimento gerado pelas oficinas começou a adquirir relevante importância para os pacientes, estimulando a participação ativa e conseqüentemente abrindo espaço para a reabilitação psicossocial. Partindo da ótica do trabalho com oficinas em instituições, Valladares (2004, p.71) aponta, a partir de sua experiência e observação, que “[...] era necessário algo além da rotina hospitalar, que cristalizava as ações das pessoas interadas e daqueles envolvidos em seu tratamento”, fato que se relaciona ao espaço ocupado pelas oficinas na instituição. Através da pesquisa realizada, conclui-se que de fato há uma marca de preconceito, estigmatização e dúvidas que envolvem o portador do HIV, acarretando uma limitação, não somente física, mas também psicológica e social. Porém o que se descobre nesse caminho é que essas pessoas têm sonhos, seus problemas muitas vezes ultrapassam a existência do vírus e elas se esforçam para encontrar um possível caminho a seguir. Pensando nisso, ressalta-se a reabilitação social, valorizando a singularidade de cada sujeito que participou da pesquisa e apostando na criatividade em busca da melhora na qualidade de vida. Nesse percurso, os participantes tiveram oportunidade de falar sobre questões como a angústia do afastamento da família, sobre atividades que realizavam antes da internação, atualmente não conseguiam executar, e sobre o processo de adoecimento. Ao mesmo tempo, foram capazes de construir novas perspectivas, voltando a atenção para o que ainda podem fazer, descobrindo qualidades e formas diferentes de lidar com o processo saúde/doença. Em relatos como “eu agora me sinto mais útil, sinto que posso fazer alguma coisa” e “Vocês vêm aqui e com paciência ajudam a gente a ocupar a cabeça e não pensar só em problemas [...]”, encontrou-se respaldo para mostrar a importância do trabalho e da validade da pesquisa, tendo como resultado pessoas que conseguiram vislumbrar novos caminhos e conquistar, de alguma forma, uma reabilitação para continuar vivendo em uma sociedade excludente e preconceituosa. Artigo recebido em: 09/09/2008 Aceito para publicação: 03/11/2008 264 CES Revista, v. 22 A arteterapia na reabilitação psicossocial de pessoas..., p. 255 - 265 REFERÊNCIAS CIORNAI, S. Percursos em arteterapia: arteterapia gestáltica, arte em psicoterapia, supervisão em arteterapia. São Paulo: Summus, 2004. COUTINHO, Vanessa. 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