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A ARTETERAPIA NA REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL DE
PESSOAS QUE VIVEM E CONVIVEM COM HIV/AIDS
Alline de Paula Couto*
Bonnie Matioli Tergolino*
Fernanda Picinin Moreira*
Lara Brum de Calais*
Mafalda Luzia Coelho Madeira da Cruz**
RESUMO
A AIDS é uma doença que se caracteriza por trazer consigo, além de um grande
comprometimento biológico, um forte impacto psicológico e social, tendo em
vista que está cercada de preconceitos e estigmas que ainda hoje existem na
sociedade. As pessoas portadoras de HIV/AIDS possuem direitos e não devem ser
privadas de oportunidades em suas vidas em decorrência da doença. Portanto, a
realização de oficinas, utilizando os recursos oferecidos pela Arteterapia e tendo
a reabilitação psicossocial como foco, cria um espaço aberto para o diálogo, a
troca de experiências e a produção artesanal. Dentro desta ótica, o trabalho
realizado por meio de uma pesquisa de Iniciação Científica busca fomentar uma
melhoria na qualidade de vida dessas pessoas e a humanização da assistência e
cuidado com os mesmos e com seus familiares.
Palavras-chave: AIDS. Arteterapia. Reabilitação psicossocial. Qualidade de
vida.
ABSTRACT
The AIDS is a disease that brings along with a large commitment biological,
psychological and social impact strong, with a view that is surrounded by
prejudices and stigmas that still exist in society. Persons with HIV/AIDS have rights
and should not be deprived of opportunities in their lives due to the disease.
Therefore, the holding of workshops, using the resources offered by taking
Arteterapia and social rehabilitation as a focus, create an open space for dialogue,
exchange of experiences, and craft production. Within this perspective, the work
done by a search for Scientific Initiation search encourage an improvement in
quality of life of these people and humanization of the assistance and care with
them and with their families.
Keywords: SIDA. Rehabilitation psychosocial. Quality of life.
* Alunas no curso de Psicologia do CES/JF e voluntárias do Projeto de Iniciação Científica.
** Orientadora do Projeto e Professora do curso de Psicologia do CES/JF.
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O surgimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, mais
conhecida como AIDS (sigla em inglês de Acquired Immunodeficiency Syndrome),
na década de 1980, é considerada uma epidemia única, por manifestar diversos
sintomas e subepidemias, diminuindo a qualidade de vida do indivíduo,
englobando também uma responsabilidade social e um forte impacto sobre o
sistema de saúde. A AIDS é causada pelo vírus HIV e se caracteriza por um
conjunto de sintomas e sinais, causando uma debilidade no sistema imunológico
do organismo, dificultando o combate às doenças (REPPOLD et al., 2004).
Partindo do panorama da doença encontrado no Brasil, foi realizada uma
pesquisa a partir de um projeto aprovado no Programa de Iniciação Científica do
Centro de Pesquisa do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – MG, abordando
questões relacionadas à possibilidade de intervenção através da Arteterapia em
oficinas terapêuticas, com enfoque na reabilitação psicossocial de pessoas que
vivem e convivem com HIV (sigla em inglês de Human Immunodeficiency Virus)
ou AIDS, em termos de uma instituição de apoio que atende a este público.
O trabalho foi realizado em uma Organização Não Governametnal (ONG)
de Juiz de Fora - MG voltada para o atendimento de pessoas portadoras de HIV/
AIDS, incluindo adultos e crianças. Atenta a este contexto, a pesquisa dedicouse a avaliar como trabalhos de apoio com a Arteterapia, oficinas e um espaço
para diálogo e acompanhamento psicológico podem intervir positivamente na
assistência e tratamento, dando oportunidade para a reabilitação psicossocial e
melhoria da qualidade de vida destes indivíduos.
O impacto causado pela doença não se dá somente no que se refere a
aspectos biológicos, mas também afeta em grande extensão suas relações em
seu ambiente social e o âmbito psicológico. Figueredo (2004 apud REPPOLD
et al., 2004) aponta que, devido à fragilidade encontrada nos pacientes, são
de fundamental importância as intervenções sócio-psicológicas. A família e o
indivíduo se deparam com conflitos gerados pela doença e dificuldades como o
temor frente à morte, as longas internações e a culpabilização.
Segundo Rogone (1996), o confronto com a notícia da pessoa infectada
pelo vírus da AIDS é um dos momentos mais críticos da doença, pois os infectados
vêem a proximidade da morte e a realidade de ser não saudável. Um teste
sorológico positivo para HIV, de acordo com Paiva (1992), leva ao pensamento
da convivência com a idéia da morte, devido ao grande desconhecimento inicial
a respeito da epidemia e falecimento freqüente de seus portadores.
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Esta reabilitação psicossocial se caracteriza por aumentar os espaços
de troca e de relação dentro da instituição, tendo em vista que o trabalho de
reabilitação se relaciona intimamente com a humanização da assistência e com
a transformação da instituição em habitat. (SARACENO, 2001).
A reabilitação não é a substituição da desabilitação pela habilitação, mas um conjunto de estratégias orientadas a aumentar as
oportunidades de troca de recursos e de afetos: é somente no
interior de tal dinâmica das trocas que se cria um efeito “habilitador”. [...] é um processo que implica a abertura de espaços de
negociação para o paciente, para sua família, para a comunidade
circundante e para os serviços que se ocupam do paciente (SARACENO, 2001, p.112).
É neste contexto ambíguo suscitado pela doença que a expressão através
da arte também se apresenta como fonte de recursos para a melhoria no espaço
de convivência, o estímulo ao auto-conhecimento e suporte para o resgate da
auto-estima, viabilizados pelo trabalho com oficinas. De acordo com Valladares
(2004), as oficinas que possibilitam a produção, enfocam a reabilitação social,
propiciando trocas e fomentando a promoção da cidadania na reconstrução de
identidades. Essa proposta valoriza e respeita a singularidade de cada sujeito,
proporcionando, uma atitude diante do luto referente às várias perdas, tanto
físicas, quanto sociais, que vêm embutidas na infecção pelo HIV.
As oficinas terapêuticas, que possibilitam a produção de uma ligação
entre o trabalho e a criação artística, surgiram como um modo de inserir o sujeito
no social, sendo um “[...] espaço de criação e facilitação da comunicação e
das relações interpessoais” (VALLADARES, 2004, p.108). Elas criam um espaço
para que o indivíduo se expresse e se comunique, tornando-se agente ativo no
mundo, deixando de ser submisso e passivo diante do tratamento.
As oficinas serão terapêuticas ou funcionarão como vetores de
existencialização caso consigam estabelecer outras e melhores conexões que as habitualmente existentes entre produção desejante
e produção da vida material. Caso consigam conectar-se com o
plano de imanência da vida, o mesmo plano com base no qual são
engendradas a arte, a política e o amor. (RAUTER, 2000, p. 270).
A arte tem papel de grande importância no âmbito das instituições,
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como por exemplo as ONG’s, sendo as oficinas uma atividade coletiva por fazer
com que seus participantes, por meio da produção artística, sejam remetidos à
convivência com o social (LOBOSQUE, 2001, p.100).
A proposta de um ambiente voltado para as relações subjetivas, em que
o indivíduo portador do vírus HIV/AIDS possa trocar experiências e produzir,
proporciona uma amplitude de linguagens, de recursos e, através da possibilidade
de construção de linguagens singulares, torna-se possível aliar a arte ao cuidado
de pessoas que vivem e convivem com HIV/AIDS.
Ciornai (2004) destaca a criatividade e as expressões artísticas como
facilitadores do processo de resgate da qualidade de vida, apontando-as como
um caminho para que o indivíduo amplie suas possibilidades de expressão,
utilizando técnicas e materiais artísticos. A autora ainda focaliza a criatividade
como um desenvolvimento do processo mental e emocional. As atividades
propostas, utilizando processo artístico, encontram seu embasamento na
Arteterapia, que aborda a arte como forma de expressão e manifestação do
inconsciente, como no ato de brincar das crianças. Dessa forma, a arte fomenta
o processo criativo que, por sua vez, possibilita o crescimento e fortalecimento
interior, através de um maior auto-conhecimento e adaptação aos limites.
Nesse contexto, foi objetivo da referente pesquisa criar possibilidades
para a reabilitação psicossocial do indivíduo portador de HIV/AIDS diante de
um espaço que fomente a convivência, a interação e o diálogo entre as pessoas
que vivem e convivem com HIV. Por meio da expressão viabilizada pela arte e
enfatizada pelas oficinas, criam-se ações facilitadoras do processo de resgate
da auto-estima, devendo, ser valorizadas e incorporadas como estratégias de
cuidado.
Avaliar qualitativamente a realização das oficinas no desenvolvimento
do potencial criativo, lúdico, artístico e o processo de auto-conhecimento,
auxiliando esses sujeitos a lidar com suas próprias emoções e conhecer a
importância desses recursos na melhora da qualidade de vida do indivíduo e seu
tratamento, também é objetivo desta pesquisa.
As pessoas portadoras do HIV/AIDS possuem direitos e não devem ser
privadas de oportunidade em suas vidas em decorrência da doença. Por se
tratar de uma epidemia que traz consigo a ocorrência de algumas limitações
ao portador, podendo ser motoras, intelectuais, afetivas e/ou emocionais, elas
afetam aspectos de seu comportamento, desenvolvimento e relações sociais
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(ROGONE, 1996).
Considerando o impacto biopsicossocial da doença, percebe-se que a
convivência em grupo e a realização de oficinas propiciam um espaço valioso
para a troca de experiências, construindo e respeitando os aspectos singulares
de cada indivíduo. Oferecer o espaço é convocar, através da arte, os sujeitos
a encontrar equilíbrio para lidar com suas emoções, esperança para encontrar
novos caminhos perante as dificuldades e motivação para uma vida produtiva
dentro das diversidades encontradas em nossa cultura.
Para execução do trabalho, participaram quatro bolsistas, atendendo 10
crianças e 20 adultos. Os atendimentos foram realizados pela observação direta e
intervenção através de técnicas da Arteterapia. As bolsistas também participaram
de supervisão semanal com a orientadora do projeto e com a Psicóloga da
instituição para uma melhor realização do trabalho.
É válido ressaltar que a pesquisa foi executada em uma instituição cujas
pessoas internadas são de um nível socioeconômico baixo, muitas vezes em
situação de risco social e já com comprometimento avançado da doença.
Neste contexto, as atividades que destinam sua atenção para as relações
interpessoais e sociais dos indivíduos em questão enfocam a reabilitação
psicossocial, não se preocupando simplesmente em reinserir esse indivíduo na
sociedade, mas, proporcionando um espaço viabilizado pela arte, para que haja
efetivamente um resgate da auto-estima, cidadania e dignidade do sujeito.
De acordo com Valladares (2004), são várias as modalidades expressivas
dentro da Arteterapia, estando incluídas as atividades gráficas, lúdicas, de produção
artesanal, entre outras mais. Para a pesquisa, foram escolhidas as oficinas de
Linguagem e Expressão e Bijuteria, nomeadas juntamente com os participantes. A
primeira tem como foco a amplitude de linguagens, considerandas as limitações
de cada sujeito, utilizando os vários vetores da arte como a música, o teatro, o
desenho, a pintura, expressão corporal e um conteúdo lúdico principalmente
no trabalho com as crianças. Já a segunda oficina se ateve à confecção de peças
(colares, pulseiras, brincos), pautadas na criatividade e na expressão artística,
valorizando a capacidade de produção de cada indivíduo. Por meio da oficina
de bijuterias, o enfoque da reabilitação psicossocial, aliado à arte foi destacado,
tendo em vista, como ressalta Rauter (2000), a importância da função do trabalho
para que os sujeitos possam se tornar agentes ativos no mundo em que vivem.
Como o trabalho se deu em uma ONG, houve a necessidade de
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adaptação a determinados fatores como o tempo de internação dos pacientes,
a flutuação do público-alvo e as limitações físicas e psíquicas dos participantes.
Por ter a execução do trabalho sido realizada em uma instituição, foi necessário
flexibilidade frente às normas internas, considerando a diversidade de olhares e
formas de cuidado.
Como resultado, pode-se observar e ratificar a importância da Arteterapia,
no decorrer das atividades, pois os pacientes tinham não só um espaço de
criação, mas também um espaço onde poderiam expressar seus sentimentos,
relatando fatos ocorridos e vivenciados em sua trajetória de vida. Segundo Rauter
(2000), os pacientes, por vezes, podem ver a oficina como uma possibilidade de
fazer algo, para não precisar pensar em nada, mas na maioria das vezes, é neste
espaço que eles podem expressar-se e dizer de si.
Torna-se importante estabelecer relações em que os participantes se
sintam acolhidos e estimulados a transformar seu cotidiano, a fim de garantir
uma melhor qualidade de vida. Relatos como “Quando estou aqui lembro coisas
da minha vida, que já não lembrava há tempos” e “Quando a gente tá aqui dá
pra distrair a cabeça. [sic]” se fizeram presentes. Rauter (2000, p. 276) ressalta
que “[...] o trabalho com a arte tem essa função de inserção no mundo da
coletividade, de rompimento do isolamento que caracteriza a vivência subjetiva
contemporânea.”
Nas oficinas de linguagem e expressão, através da música, filme, teatro,
desenho, pintura os pacientes, podiam vivenciar o seu mundo de forma
lúdica e criativa, deixando exteriorizar os diversos sentimentos acerca dos
acontecimentos de suas vidas, perdas sofridas e perspectivas sobre o futuro. De
acordo com as considerações observadas neste trabalho, a Arteterapia promove
o desenvolvimento psíquico e emocional para os portadores do HIV/AIDS. No
entanto, há de se considerar a especificidade da técnica que tais indivíduos
necessitam, como importante recurso terapêutico.
Visando um melhor entendimento, serão expostos, primeiramente, os
resultados observados com as crianças e, logo depois, com os adultos. Pela sua
especificidade, o trabalho com crianças se dá de forma mais lenta, respeitando o
tempo de cada uma e com uma abordagem pautada no lúdico.
Justamente por se tratar desse público, foi observada uma dificuldade
na adaptação aos grupos quando não eram formados por afinidade, e sim,
pré-estabelecidos, ou seja, as crianças demonstraram dificuldade em aceitar
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a definição dos grupos de pesquisa, tendendo a querer ficar próximas de
suas amizades. A partir disso, muitas vezes, algumas crianças se recusavam
a participar das atividades, desorganizando a dinâmica do grupo, como, por
exemplo, amassando o desenho do colega, dispersando a atenção dos outros,
escondendo-se debaixo da mesa e espalhando as peças da oficina de bijuteria.
Tais comportamentos foram acolhidos durante o processo, demandando
muita atenção e paciência por parte das bolsistas, resultando ao final da
pesquisa em uma maior identificação entre os participantes do grupo, interesse,
concentração e um melhor desenvolvimento das atividades propostas.
O espaço oferecido nas oficinas, utilizando a arteterapia como recurso,
possibilitou que as crianças pudessem falar sobre questões pessoais e institucionais
como, por exemplo, quando foi pedido por elas que se conversasse sobre
sexualidade. Após uma atividade de recorte e colagem, foi percebido o interesse
de alguns pelo assunto, tendo em vista que as figuras escolhidas eram de pessoas
com poses sensuais ou com pouca roupa. A partir disso, surgiram perguntas
relacionadas a namoro e sexo, apontando ser esse um assunto que despertava
curiosidade em alguns, mas que não era falado por outros profissionais da
instituição.
Através da Arteterapia, também foi possível saber a história das crianças
e ter acesso àquilo que sentiam em relação a ela, como podemos perceber
no relato verbal sobre um desenho: “Essa é uma menina doente que vive em
uma casa de telhado preto. É um lugar tenebroso! Quem cuida da menina é a
irmã dela”. Para Coutinho (2007), o terapeuta deve ter como objetivo oferecer
técnicas, materiais e suporte, que atuarão como facilitadores do acesso às
próprias emoções, oferecendo uma gama de formas por onde elas possam se
expressar e serem compreendidas.
Visto isso, pode-se dizer que o espaço oferecido para as crianças servia
para que elas pudessem externalizar aquilo que era preciso para elaborar
situações difíceis de lidar. Coutinho (2007, p. 16) aponta que as “[...] grandes
comunicações, as revelações mais importantes, em geral, não serão iniciadas
verbalmente, e sim por essa atuação com todo o corpo, com todo o ser.”
As oficinas também proporcionavam um espaço de troca de experiências
e de assuntos que eram comuns entre os membros do grupo. Em uma das
oficinas de Linguagem e Expressão, o grupo de crianças que convive com o vírus
HIV discutiu sobre pessoas da família que também eram portadoras. Falaram
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sobre a doença, medicamentos e como viviam com isso, porém procuravam
evitar nomear a doença.
Já na oficina de bijuteria, inicialmente, as crianças se preocupavam apenas
com a quantidade de peças produzidas. A partir do momento que as peças foram
expostas para outras pessoas e avaliadas através de venda, as crianças ficaram
atentas à parte estética das peças, preocupando com a qualidade e com o olhar
do outro sobre elas. Com isso, ficaram mais motivadas a participarem da oficina
e também buscarem novas idéias para a produção das peças. Houve então uma
maior interação e cooperação entre o grupo. Percebeu-se que pediam ajuda um
aos outros possibilitando um espaço de troca. Isso também despertou o potencial
criativo das crianças, elevando a auto-estima delas, pois o que produziam era
reconhecido por outras pessoas. “Minha mãe vai ficar tão orgulhosa de mim
quando ver a pulseira que fiz.”
De acordo com Coutinho (2007), dando a possibilidade e meios de criar
para as crianças, alimenta-se ou resgata-se o seu potencial criativo, sendo a
forma mais eficiente de se obter a saúde emocional. Pode-se então perceber
que a Arteterapia serviu como reabilitação para as crianças, sendo um meio que
oferecia espaço para discutir e elaborar suas situações de uma forma lúdica.
Dentro da proposta da reabilitação psicossocial, as oficinas de linguagem
e expressão e bijuteria foram pensadas como possibilidade de aliar a capacidade
de produção através da arte com a melhora na qualidade de vida, propiciada
por um espaço facilitador da convivência e interação. Neste ambiente, os
participantes se deparam com outras pessoas que passaram por situações
semelhantes às deles e encontraram diferentes formas de lidar com as perdas,
tanto sociais como pessoais em suas vidas.
Utilizando os vários recursos oferecidos pela Arteterapia, nas oficinas
realizadas com os adultos, foi possibilitado que os participantes se expressassem
livremente, trazendo, muitas vezes, detalhes de suas vidas pessoais, sentimentos
relacionados a fatos passados, questões específicas de seu estado atual, angústias
e projetos relacionados ao futuro. Uma relação de identidade com o espaço da
oficina, também foi percebida, sendo válido ressaltar que a identificação e o
vínculo criado com ela tornaram-se facilitadores do processo do tratamento e um
espaço no qual depositavam confiança. Segundo Valladares (2004), seguindo a
proposta da reabilitação psicossocial, a Arteterapia viabiliza e facilita a expressão
de sentimentos, emoções e vivências singulares.
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Em determinadas situações, foi possível perceber experiências pessoais
e fatos marcantes sobre a vida dos participantes através da pintura, como por
exemplo, no relato: “Eu pintei aqui a casa que eu morava [...] Nessa época eu
tinha minha família perto.” Também foi percebida a dificuldade de compartilhar
com o grupo questões vivenciadas, representadas ali por desenhos. Este fato foi
levantado pelos participantes, colocando a oficina como “[...] um lugar onde
se pode falar o que se pensa”. Vale ressaltar que, pela Arteterapia, recursos são
encontrados para que o falar tome maiores proporções e a expressão, cada um
à sua maneira, seja respeitada e valorizada.
A questão da internação, que envolve diversos fatores desencadeadores
de angústia, como o afastamento da família, a adaptação às regras e horários da
instituição, a convivência nela e aspectos relacionados ao tratamento também
foram questões muito citadas, principalmente em atividades que abriam espaço
para discussão, colocando questões como: a angústia sobre a visita dos familiares,
que muitas vezes não compareciam; a administração do dinheiro; os desejos que
não poderiam ser cumpridos em virtude de condutas específicas da instituição.
Tais aspectos relacionados à trajetória de vida dos participantes, seus
sentimentos e questões relacionadas à instituição foram mais enfaticamente
percebidos na oficina de Linguagem e Expressão, cujos temas eram suscitados com
maior freqüência. Na oficina de bijuteria, a produção de peças e a possibilidade
de contato com o social através das vendas e exposição dos materiais, alcançaram
maior proporção. Os pacientes trabalhavam com correntes, peças em metal,
sementes, peças em madeira de diferentes cores e tamanhos. Os participantes
eram envolvidos na produção, desde a escolha da peça, modelos, a estética das
bijuterias, até o preço e a venda.
Percebeu-se que dentro da oficina os participantes deixavam a sua marca
individual em cada peça produzida, fomentando a construção de uma identidade
que não necessariamente estivesse reduzida à doença. Alguns se mostravam
mais independentes, escolhiam sozinhos o modelo, a combinação das cores e o
material a ser utilizado; outros já demandavam mais atenção das bolsistas.
Era explícita a dedicação de cada um dos participantes que viam na
oficina de bijuteria um espaço para aprender coisas novas, a geração de alguma
renda mas também um lugar onde poderiam esquecer os problemas, trocar
conhecimentos e experiências de vida, resgatando a possibilidade de uma
reinserção social. De acordo com Rauter (2000, p. 271), o trabalho e a arte
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funcionam como “[...] catalisadores de construção de territórios existenciais, ou
de ‘mundos’ nos quais os usuários possam reconquistar ou conquistar o seu
cotidiano”.
No desenvolvimento da pesquisa, o movimento gerado pelas oficinas
começou a adquirir relevante importância para os pacientes, estimulando a
participação ativa e conseqüentemente abrindo espaço para a reabilitação
psicossocial. Partindo da ótica do trabalho com oficinas em instituições, Valladares
(2004, p.71) aponta, a partir de sua experiência e observação, que “[...] era
necessário algo além da rotina hospitalar, que cristalizava as ações das pessoas
interadas e daqueles envolvidos em seu tratamento”, fato que se relaciona ao
espaço ocupado pelas oficinas na instituição.
Através da pesquisa realizada, conclui-se que de fato há uma marca
de preconceito, estigmatização e dúvidas que envolvem o portador do HIV,
acarretando uma limitação, não somente física, mas também psicológica e social.
Porém o que se descobre nesse caminho é que essas pessoas têm sonhos, seus
problemas muitas vezes ultrapassam a existência do vírus e elas se esforçam para
encontrar um possível caminho a seguir. Pensando nisso, ressalta-se a reabilitação
social, valorizando a singularidade de cada sujeito que participou da pesquisa e
apostando na criatividade em busca da melhora na qualidade de vida.
Nesse percurso, os participantes tiveram oportunidade de falar sobre
questões como a angústia do afastamento da família, sobre atividades que
realizavam antes da internação, atualmente não conseguiam executar, e sobre o
processo de adoecimento. Ao mesmo tempo, foram capazes de construir novas
perspectivas, voltando a atenção para o que ainda podem fazer, descobrindo
qualidades e formas diferentes de lidar com o processo saúde/doença.
Em relatos como “eu agora me sinto mais útil, sinto que posso fazer
alguma coisa” e “Vocês vêm aqui e com paciência ajudam a gente a ocupar
a cabeça e não pensar só em problemas [...]”, encontrou-se respaldo para
mostrar a importância do trabalho e da validade da pesquisa, tendo como
resultado pessoas que conseguiram vislumbrar novos caminhos e conquistar,
de alguma forma, uma reabilitação para continuar vivendo em uma sociedade
excludente e preconceituosa.
Artigo recebido em: 09/09/2008
Aceito para publicação: 03/11/2008
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