INVERNO DEMOGRÁFICO
Começo por agradecer à Associação Portuguesa de Famílias Numerosas o
convite para participar neste seminário. Cumprimento todos os presentes, que
com a sua presença e participação entenderam manifestar a sua inquietação
por um tema de gravidade incontornável.
Penso que o documentário fala por si só, alertando para as gravíssimas
consequências na sociedade, a todos os níveis. Muito me tenho
questionado se não foram as famílias que perderam o gosto de o ser; se
os filhos se tornaram um peso, um estorvo, em vez de uma alegria, de
uma realização. Os tempos mudaram, alterando, ou mesmo destruindo,
alguns valores fundamentais para a vida harmoniosa em família, em
sociedade.
A época em que vivemos caracteriza-se por ser a era do trabalho. No
entanto as características do trabalho na sociedade contemporânea
alteraram-se profundamente devido à crescente tecnologia, que
provocou ainda uma redução do trabalho disponível e gerou desemprego
em todas as economias do mundo.
Por outro lado, as pessoas têm uma maior expectativa de vida graças ao
aos avanços da medicina, pelo que a população de idosos cresce cada
vez mais no mundo, com maior incidência nos países em
desenvolvimento, onde a taxa de crescimento da população de idosos é
três vezes mais alta do que nos países desenvolvidos.
As raízes sócio-culturais que podem estar directamente ligadas ao facto
da velhice se ter tornado um período angustiante da vida humana nas
sociedades ocidentais parecem remontar à Revolução Industrial, que
provocou profundas transformações sociais e estruturais, atingindo de
forma especial a família. Passou a viver-se a uma velocidade não
compatível com o Outono e o Inverno das vidas.
Também, o mercado de trabalho está cada vez mais fechado, não
simplesmente para os idosos, mas também para as pessoas na faixa dos
40 anos que vêem crescer os riscos de não encontrar novos empregos
quando perdem os antigos. Além disso, as pensões de reforma muitas
vezes exíguas representam uma despesa que normalmente é transferida
para o Estado, por via dos descontos efectuados ao longo da vida mas
que é suportada pelas contribuições da população activa, cada vez em
menor número.
Nos momentos conjunturais de crise, os empregados mais velhos são
logo os primeiros a ir para a reforma, seja de modo sumário, seja para
uma posterior recontratação por salários inferiores.
É indispensável que sejam adoptadas políticas que favoreçam a
intervenção activa das pessoas na sociedade, desde que tenham
condições físicas e mentais para o fazer.
Se as pessoas idosas puderem continuar a realizar actividades
produtivas, poderão continuar a participar na comunidade, e quiçá a sua
dependência financeira poderá de alguma forma ser reduzida se a
economia souber criar empregos para elas. No entanto, com frequência,
a capacidade de trabalho dos idosos é incompatível com aquilo que lhes
é exigido, o que provoca um mau aproveitamento de competências e
talentos, tensões, problemas de saúde e até doenças cardiovasculares,
suicídios e acidentes.
As pessoas com mais de 65 anos podem ser excelentes trabalhadores –
tenho essa prova diariamente – desde que as tarefas a desempenhar
estejam de acordo com suas aptidões e possibilidades, desde que a
sociedade esteja disposta a utilizar o potencial dos idosos.
A tendência para a institucionalização do idoso deve ser contrariada,
promovendo a participação na família e na comunidade, como uma
alternativa mais humana e eficaz.
O progresso das sociedades contemporâneas está marcado pelos
modelos económico-sociais que as orientam. A visão economicista não
influencia apenas as relações empresariais, mas também as relações
humanas. Vivem-se actualmente tempos muito difíceis sobretudo nas
grandes zonas urbanas. É nestas que se situam as principais bolsas de
pobreza, nas quais os idosos representam uma percentagem muito
elevada. As pessoas deixaram de ter tempo e disponibilidade para os
outros. Basta ver quantos os idosos abandonados pelas próprias
famílias, vítimas do egoísmo dos mais novos; quantos casos de pobreza
envergonhada. Os bairros mais antigos nos centros das cidades estão
desertos, os novos bairros de realojamento não dispõem de estruturas
sociais de apoio organizadas.
Durante anos acreditou-se que o Estado tinha capacidade para resolver
de forma centralizada todos os problemas; o Estado chegava a tudo,
resolvia tudo. Acreditava-se num “wellfare state”. Hoje está mais que
provado que é um modelo em falência. Reconhece-se hoje em dia, que é
imprescindível uma intervenção da sociedade civil. Com
empreendedores e soluções inovadoras também de um ponto de vista
social.
As Instituições particulares de solidariedade social assumem um papel
preponderante na área social pois são muitas vezes os únicos apoios
para determinadas situações. Ora estas instituições, dado que não
procuram o lucro, defrontam-se com dificuldades financeiras e dispõem
normalmente de fracos recursos para atingir os objectivos que se
propõem. É assim indispensável o recurso à sociedade civil e ao trabalho
voluntário disponibilizado por pessoas e empresas, muitas vezes no
âmbito de programas de responsabilidade social.
A responsabilidade social empresarial, por exemplo, que se estabeleceu,
creio, eu em definitivo na praxis, na preocupação e nas decisões de
gestão das empresas, pode e deve ser mais do que uma atitude muito
politicamente correcta: deve traduzir-se na prática numa melhoria
concreta para as nossas sociedades. Mais do que negócio, as empresas
têm ao seu alcance uma forma de intervir activamente na sociedade,
alterando-a para melhor. E é aqui que podem ter um papel
importantíssimo canalizando os seus trabalhadores mais velhos, com
toda a sua maturidade, sem a carga de competitividade que é normal nos
primeiros anos da vida activa para tornar essas instituições eficientes
numa
lógica
de
gestão
e
organização,
replicando
modelos
e
procedimentos que já deram provas em empresas.
Há que não perder a esperança: as soluções existem e estão ao nosso
alcance. Seminários como este agora organizado pela Associação
Portuguesa de Famílias Numerosas, fazem-nos pensar e alertam para a
urgência da inversão da tendência. Uma vez mais agradeço esta
iniciativa que a todos aproveita.
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INVERNO DEMOGRFICO - Associação Portuguesa de Famílias