1199600125 " "'" 1/1 li 1l1li11111 111'" I 11111111111 PRESSÃO EXTERNA E ABERTURA COMERCIAL NO BRASIL Banca Examinadora Prof Orientador Luiz Carlos Bresser Pereira Prof _ Prof _ FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE S~O PAULO MARIANNE NASSUNO PRESSÃO EXTERNA E ABERTURA COMERCIAL NO BRASIL FundaçãO Getulio Vill •.g~5 Escola de Adminisnç.aO de Empresas de Sêo Psulo Biblioteca ~ . \11'\\\\\1\11111\1\1111 1199600125 Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação da FGV IEAESP Área de Concentração: Economia e Finanças Públicas como requisito para obtenção do título de mestre em Administração Pública Orientador: Prof. Luiz Carlos Bresser Pereira SÃO PAULO 1995 NASSUNO, EAESPIFQV, Marianne. Pressão externa 1995. 90p. (Dissertação e abertura de Mestrado comercial no Brasil. São Paulo: apresentada ao Curso de Pós- Graduação da EAESPIFGV, Área de Concentração: Economia e Finanças Públicas). Resumo:Esta dissertação tenta analisar a influência da pressão externa sobre a abertura comercial brasileira. Define as condições nas quais a pressão externa se expressa, a partir da teoria da dependência e de autores de política internacional denominados "realistas". A pressão externa pode ser econômica ou ideológica. Em seguida, são apresentados eventos ocorridos no sistema internacional, como o declínio relativo da hegemonia norte-americana, a ascensão dos países recentemente industrializados (NICs), a globalização da economia mundial, a crise da dívida, que aumentaram o potencial de conflito do Brasil com os países desenvolvidos nos anos 80. Para verificar se a pressão externa foi efetiva, a vulnerabilidade econômica e ideológica do Brasil foram também analisadas. Palavras-Chaves: Dependência - Retaliações Comerciais - Condicionalidades - Declínio da Hegemonia Norte-Americana - Ascensão dos NICs - Vulnerabilidade Econômica - Crise da Divida Externa - Globalização •• .•. ii sUMÁRIO INTRODUÇÃO 1 CAPÍTULO 1 23 CAPÍTULO 2 59 CO~NTÁRIOS FINAIS ABSTRACT ~, REFERENCIAS BmLIOGRAFICAS 77 82 . 83 iii AGRADECIMENTOS A elaboração desta dissertação não teria sido um processo tão interessante e gratificante, se não tivesse contado com a contribuição e o estímulo de várias pessoas. Agradeço especialmente ao prof Luiz Carlos Bresser Pereira, meu orientador, que me incentivou a continuar a pesquisa, apesar de algumas discordâncias. Aos membros da banca de qualificação, profa. Lourdes Sola e prof Yoshiaki Nakano agradeço pelos comentários; e à profa. Regina Pacheco e aos colegas do curso de orientação monográfica pelo apoio moral. Agradeço aos meus pais pelo apoio e incentivo constante. Agradeço a Marcos Antonio de Macedo Cintra pelas sugestões bibliográficas e a Walter Simon pela ajuda na revisão e formatação. Agradeço à Coordenadoria de Intercâmbio Internacional, organizadora do programa com a Hochschule St. Gallen e à CAPES pelo financiamento do Mestrado. 1 INTRODUÇÃO o objetivo desta introdução é apresentar o tema da dissertação, a justificativa para sua escolha, e a metodologia utilizada para sua análise; assim como, a forma como o tema será tratado nos diversos capítulos. Na década de oitenta e no início da de noventa verificou-se um processo de redução das tarifas e eliminação das barreiras não-tarifárias no Brasil, que representou uma mudança na direção da política de importações adotada até então. Simultaneamente, no sistema internacional ocorreram e se consolidaram alterações na economia mundial, que levaram a um aumento da importância de políticas ligadas à redução da intervenção do Estado e à abertura dos mercados, que inclusive faziam parte do receituário das agências de financiamento internacional. A ocorrência desses eventos no Brasil e no exterior suscita algumas questões, entre outras: • em que medida o processo brasileiro está relacionado com a mudança na configuração do sistema internacional? Através de que canais eventos externos podem ter influenciado as políticas adotadas no Brasil? o presente trabalho pretende contribuir para a discussão de algumas dessas questões, mais especificamente, procura analisar a influência da pressão externa sobre o processo de abertura comercial no Brasil. o processo de abertura comercial tratado neste trabalho iniciou-se em 1988, quando Comissão de Política Aduaneira CCPA) realizou uma reforma com o objetivo de tornar a tarifa o instrumento principal da política de importações 1 . Essa reforma envolveu a redução das alíquotas de importação; a eliminação de regimes especiais de importação, com exceção dos vinculados a acordos internacionais, drawback, BEFIEX, desenvolvimento • regional, I A proposta da CPA se inseria no âmbito do Plano de Controle Macroeconômico. que complementava o assim denominado plano Bresser. Nesse plano era apresentada uma mudança na estratégia de industrialização com o reconhecimento da importância das exportações (Braga, 1987). Para a promoção das exportações era prevista, de um lado, a agilização da administração da sistemática de exportações e o acesso a insumos a preços internacionalmente competitivos. De outro lado, era prevista a racionalização da política de importações. As diretrizes básicas da política de racionalização compreendiam: a reforma tarifária. a diminuição das isenções e reduções tarifárias, a redução gradual das barreiras não-tarifárias e a utilização de instrumentos modernos de defesa contra as práticas desleais de comércio de outros países (Ministério da Fazenda, 1987: 69). .. - 2 compras do Tesouro Nacional e incentivo à exportação; e a incorporação nas tarifas do imposto sobre operações financeiras (IOF, que incidia sobre operações de contrato de câmbio), do adicional ao frete para renovação da marinha mercante (AFRMM) e da taxa para melhoria dos portos (TMPf Em 1989, o processo de revisão da política comercial prosseguiu, em função até de compromissos estabelecidos nas discussões da reforma anterior, quando deixou-se claro que novos estudos seriam realizados para aprimorar a tarifa. Essa nova reforma visava manter o espírito da anterior, de não promover uma desproteção generalizada, mas sim de garantir uma proteção adequada à indústria brasileira e reduzir o custo de produção. Devido à exiguidade do prazo para sua realização, foram priorizados setores estratégicos da economia brasileira como o metalmecânico, o químico, papel e celulose, construção civil, têxtil e calçados, e agroindústria. A nova revisão tarifária resultou numa redução da tarifa média e numa modificação da estrutura tarifária: 80% dos ítens passaram a ter alíquota igual ou inferior a 40%; anteriormente, esse grupo representava 54% dos ítens. Além disso, a reforma de 1989 promoveu reduções nas barreiras não-tarifárias, como a flexibilizaçãodos prazos mínimos de financiamento externo e a redução dos produtos inclusos na relação de produtos com guia de importação suspensa, o anexo C, criado em 1975 (Calmon Leme, 1989). Em março de 1990, com o início do governo Collor, foram extintos o anexo C (lista de produtos com importação suspensa), os programas de importação por empresa, a anuência prévia para importação"; foi reduzido e posteriormente extinto o AFRMM (Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante), foi extinto o Adicional de Tarifa Portuária (ATP, criado em 1988 em substituição à Taxa de Melhoria dos Portos); e foram revogados os regimes especiais de importação". A lista dos produtos de informática que necessitava de anuência prévia para importação foi reduzida'. A reforma proposta mantinha a redundância tarifária em níveis menores, apesar de resultar numa redução do custo de importação para todos os grupos de produtos. Kume e Patrício (1988), considerando urna amostra de 705 produtos, constataram urna redução da tarifa redundante de 41,2% para 17.8%. o que significava a manutenção da proteção existente. 3 Portaria 56 do Ministério da Economia. Fazenda e Planejamento. de 15/3/90. 4 Lei 8032. de 12/4/90. Foram mantidos apenas o drawback, programas para bens de informática. zonas de livre comércio e de processamento de importações. Essa lei regulamentou a Medida Provisória 158. de 15/3/90. 5 Decreto-lei 99541, de 21/9/90. 2 3 Em 1991, foi anunciado o cronograma inicial de redução gradual das tarifas de importação para o período 1991-19946. Nesse cronograma previa-se tarifas nulas para bens com evidente vantagem comparativa de custos ou sem similar nacional, tarifas de 10/15% para produtos ao longo das cadeias produtivas, tarifas de 20% para a maioria dos produtos, e tarifas na faixa de 30% a 40% para produtos como trigo, automóveis e bens de informática. A tarifa média reduzir-se-ia gradualmente passando de 32,2% em 1990 para 25,3% em 1991,21,2% em 1992, 17,1% em 1993 e 14,2% em 1994. O cronograma de redução das tarifas foi antecipado 7 : a redução prevista para janeiro de 1993 foi realizada em outubro de 1992 e a redução prevista para janeiro de 1994, em julho de 1993 (Lobo, 1993)8. A tabela 1 permite verificar a situação da tarifa nas diferentes reformas realizadas e as alterações realizadas pelo governo Collor. Tabela 1. Evolução da estrutura tarifária brasileira (1987-1993) Média Moda Amplitude 1987*1 51 30 0-105 1988 41 40 0-85 1989 35 40 0-85 1990 32,2 40 0-85 1991 25,3 20 0-105 1992",2 21,2 20 01110/92 17,1 20 01107/93 14,2 20 . Obs. 0-40 * .1 valores prevalecentes antes da reforma de 1988 previstos no Programa de Abertura Comercial. Os valores contidos na última coluna estavam previstos para vigorar a partir de 01/01/93 e 01/01/94, respectivamente, mas foram antecipados para as datas indicadas no Quadro. Fonte: Oliveira, 1993 *2 valores ,",' Portaria 58 do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, de 31/1/9l. Portaria 131 do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, de 18/2/92. 8 As medidas adotadas pelo governo Collor foram objeto de críticas no sentido de tinham eliminado os instrumentos do regime de comércio anterior, sem definir um novo modelo de política industrial e tecnológica. A política comercial estaria sendo utilizada apenas como instrumento da política de estabilização (Fritsch, 1991; Suzigan, 1991). A política do governo Collor foi criticada sobretudo pela forma como foi conduzida e não pela direção apontada. 6 7 •• 4 o processo descrito anteriormente representa a mudança ocorrida na política comercial brasileira que este trabalho pretende estudar. A forma de análise será discutida a seguir. A política comercial é um instrumento de intervenção do Estado que provoca alterações na alocação de recursos tanto intra países quanto entre países. Por essa razão, modificações na política comercial podem ser explicadas a partir da verificação de qual esfera foi beneficiada com a mudança: se a doméstica ou a internacional. Se a mudança da política comercial beneficiou a esfera doméstica, a análise enfocará fatores domésticos. Se a mudança na política comercial beneficiou o sistema internacional, a análise das relações com os outros países e com as organizações internacionais será a abordagem adotada. Como liberalização das importações pode beneficiar tanto o interesse nacional e os grupos domésticos, quanto os países estrangeiros, o critério de escolha - esfera favorecida com a mudança - não é suficiente para a definição do nível de análise a ser adotado para o estudo da abertura comercial. Assim, a escolha do nível de análise vai ser determinada por aquilo que se pretende analisar e não em função de características intrínsecas ao tema. Este trabalho vai analisar o papel do sistema internacional na mudança da política comercial. Com a escolha desse tema, não se está assumindo que fatores externos representam o único ou o principal determinante da mudança. A liberalização das importações ocorrida no Brasil pode ser explicada do ponto de vista doméstico, com o esgotamento do modelo de substituição de importações. A percepção do esgotamento do modelo de desenvolvimento anterior foi necessária para que novas políticas pudessem ser adotadas. A necessidade de mudança da política comercial com o esgotamento do modelo de substituição de importações foi analisada em vários aspectos. Para Camargos Moreira e Barbosa de Araújo (1984), o acúmulo de instrumentos na política de importações - tarifas, sobretaxas, regimes especiais de importação, barreiras não-tarifárias - inconsistentes e contraditórios, porque eram destinados a atender diferentes objetivos, geraram a necessidade de tomar a política comercial mais racional. Segundo Suzigan (1991), a manutenção do processo de substituição de importações durante a década de 80, apesar de seu esgotamento, fez com que a competitividade da indústria brasileira fosse baseada em &tores "espúrios", havendo a necessidade de adotar uma política para adequar a estrutura da indústria brasileira ao novo padrão industrial internacional. Fritsch e Franco (1990) criticaram o processo de substituição de importações adotado por ter gerado ineficiência e 5 por ser inadequado para a implantação de novas indústrias de alta tecnologia no país. Segundo Tavares de Araújo Jr. e outros (1990), a base industrial brasileira era competítiva'', havendo necessidade de rever a proteção generalizada. Bresser Pereira (1993d) afirma a existência de uma crise do Estado nos anos 80. Essa crise se expressou na regulamentação excessiva da atividade econômica, que passou a gerar ineficiência e na incapacidade de ação do Estado, decorrente de problemas de financiamento, tomando inviávela manutenção do modelo de desenvolvimentoadotado até então. Apesar de existirem fatores domésticos que explicam a mudança, a escolha por centrar o foco de análise da mudança no papel da pressão externa se justifica pelo fato de a importância de fatores externos ter aumentado durante a década de 80, sobretudo com a crise da dívida, que alterou a relação de poder entre os pJães devedores e credores. O peso das instituições financeiras internacionais e países credores nas decisões de política interna dos países devedores tomou-se maior. Adicionalmente, ocorreram ou se consolidaram outras mudanças na economia mundial, entre elas, a crescente internacionalização das economias nacionais, o declínio da hegemonia norte-americana e a ascensão dos países recentemente industrializados (NICs) e, além disso, a estrutura do sistema internacional e as instituições internacionais também estiveram em processo de modificação. Em 1985, a abertura comercial foi incorporada às condicionalidades para a concessão de empréstimos pelo Banco Mundial; em 1986, iniciou-se uma nova rodada de negociações no âmbito do GATT; em 1988, a legislação comercial norte-americana tomou-se mais rigorosa com parceiros comerciais que prejudicassem interesses dos EUA; e, durante a década de 80, consolidou-se o modelo neoliberal. Esses elementos mostram uma profunda alteração no contexto internacional no qual o Brasil se inseria. Apesar disso, as análises sobre as políticas adotadas nesse periodo enfatizaram o papel dos fatores domésticos. Nelson(1989), ainda que reconheça a existência de fatores externos, dá maior ênfase às especificidades internas de cada país, pois quer analisar as respostas individuais e diferenciadas dos países à crise. Considera, entre outros, os seguintes fatores: a percepção da crise pelos governos à luz da experiência passada; a capacidade técnica e administrativa dos governos; a estrutura das instituições políticas e regras do jogo político; os padrões de liderança, coalizões políticas e base de apoio do governo. 9 Com algumas exceções no complexo metalmecânico (naval), agroindústria (laticínios e álcool), têxtil e calçados (couro e peles), etc. .. - 6 Bresser Pereira (1993e), na análise do processo de ajuste dos países latino-americanos após a crise da dívida também considera variáveis domésticas. Inclui a existência de um grupo estável e capaz de técnicos no governo, a dimensão da crise, a existência de um consenso na sociedade sobre o ajuste, a existência de uma liderança no governo e o fortalecimento do governo pós-eleições. Sola (1993) reconhece a importância de fatores externos, sem entretanto analisá-los. Para explicar porque as reformas entraram para a agenda do governo Collor, o autor considera a hipótese da influência de quatro elementos: as condicionalidades das agências financeiras internacionais e países da OECD, a consciência dos novos desafios para a recuperação do crescimento, relacionada à exaustão do modelo anterior; o temor de uma crise hiperinflacionária; a legitimidade que as eleições diretas para a presidência conferiram a Collor" (Sola, 1993: 253). Alguns autores discutiram a influência externa nas mudanças das políticas adotadas pelos países devedores durante a década de 80, entretanto, sem destacar a existência da pressão externa. É em relação a esse tipo de visão que este trabalho procura se contrapor. Kahler (1992) considera que, apesar da mudança nas condições econômicas internacionais e do aumento da importância das instituições financeiras internacionais, sua capacidade de influenciar as políticas adotadas pelos países devedores através da condicionalidade não foi grande. O autor afirma que o papel das instituições internacionais não pode ser completamente compreendido com base na noção de que a concessão de empréstimos é um lever usado para forçar mudanças nas políticas adotadas pelos devedores. Segundo esse autor, a noção de empréstimo como lever é utilizada pelo "modelo de barganha". Nesse modelo, a principal questão é como fazer cumprir contratos estabelecidos entre bancos e devedores, que são países soberanos. Esses contratos são cumpridos pela 10 Segundo Sola (1993), o ingresso dos temas - liberalização comercial, desregulamentação e privatização na agenda governamental não foi resultado de uma nova correlação interna de forças favorável a essas mudanças, pois as reformas foram apoiadas por coalizões governamentais instáveis integradas por parlamentares e governadores que apresentavam pouca afinidade com o conteúdo liberalizante das políticas. Ao contrário, a mudança foi resultado de uma decisão das elites governamentais, em resposta às quais os grupos de interesse organizados tiveram que se adaptar. Essa idéia é confirmada por Barrionuevo (1995). Na análise sobre a atuação do setor empresarial brasileiro no processo de abertura comercial, o autor afirma que não havia entre os empresários uma expectativa consensual sobre a liberalização das importações após as reformas de 88 e 89, devido à existência da dívida externa e da necessidade de geração de excedentes cambiais; e que mesmo as associações que participaram da elaboração do programa pró-eleitoral de Collor não esperavam as reformas implementadas (Barrionuevo, 1995: 143). 7 existência de uma ameaça de rompimento da relação financeira e pela existência de cross- conditionality, através da qual a concessão de empréstimo por um credor é vinculada à concessão pelos demais. Segundo Kahler, não se pode explicar a influência da pressão financeira (condicionalidades do FMI e Banco Mundial) sobre as mudanças nas políticas adotadas pelos países devedores na década de 80 a partir desse modelo, porque as instituições financeiras internacionais não conseguiram de fato implementar a condicionalidade. Foram incapazes de fornecer um mix consistente de suporte financeiro e condicionalidade aceitável pelos países devedores, de controlar fontes alternativas de recurso e de monitorar do cumprimento do acordo pelos devedores. Constata que a influência das instituições financeiras foi melhor sucedida quando existia um compromisso do governo com a mudança, o que tomava desnecessário o uso das instituições financeiras internacionais como "bode expiatório". Assim, Kahler descarta a importância da condicionalidade explícita com base na ineficácia do próprio instrumento e na incapacidade dos credores de implementá-lo. Se considerarmos, entretanto, que a condicionalidade foi uma forma de influência que afetou todas as fontes de recursos externos disponíveis aos países devedores, configurando-se assim numa condicionalidade implícita 11, pode-se dizer que a condicionalidade constituiu um instrumento de influência de fato e importante. Este trabalho procura mostrar a existência da pressão financeira e argumentar que a explicação para sua influência reduzida sobre a mudança está na situação dos países devedores, pouco vulneráveis a ela. Considera-se que a condicionalidade não teve influência sobre a mudança não porque ela deixou de ser implementada, como afirma Kahler; mas sim, porque mesmo tendo ela sido implementada, os países devedores eram pouco vulneráveis. Apesar de considerar a condicionalidade pouco importante para determinar a mudança, Kahler não descarta a influência das instituições financeiras internacionais. Essa influência é exercida através do diálogo, da persuasão e solução conjunta de problemas entre membros das instituições financeiras internacionais e membros do governo dos países devedores, no qual é construída uma base comum de conhecimento. A influência das instituições internacionais ocorre no que o autor denomina aprendizado social. "If policy change can be 11 A influência da condicionalidade implícita pode ser constatada pela redução do influxo de recursos externos aos países na década de 80, conforme será comentado a seguir. 8 related to leaming, external actors, such as the IFIs12,may be able to influence or accelerate such leaming" (Kahler, 1992: 125). Kahler considera que o diálogo é, entretanto, insuficiente para induzir mudanças, na ausência de esforços para se aliar diretamente com aqueles agentes dos governos nacionais que estejam alinhados com as políticas preferidas pelas instituições financeiras internacionais. Esses aliados referem-se a tecnocratas que estudaram no exterior. Nesse ponto, o seu argumento aproxima-se ao dos autores que utilizaram a teoria da dependência, que também será comentada neste trabalho. No argumento de Kahler, a influência das instituições financeiras internacionais ocorre no nível das idéias. "The IFIs and other externaI agencies have a strong interest in shaping the process of leaming by national governments in directions that will lead to a greater alignment with externaI policy preferences. Consensual knowledge, agreement on the underlying features of the national economy and on the policy prescriptions best suited for adjustment may explain the likelihood of cooperative outcomes between national governments and the IFIs" (Kahler, 1992: 125). o argumento desenvolvido nesta dissertação também procura mostrar, entre outros, o papel das idéias do consenso neoliberal na mudança da política comercial. Entretanto, ao contrário de Kahler, que considera a difusão das idéias como um processo de aprendizado neutro, este trabalho considera uma forma de pressão na qual os atores se diferenciam na relação de poder e de dependência. E, além da crise da dívida e a resultante pressão financeira, outras mudanças ocorridas no sistema internacional e outras formas de pressão também são levadas em conta. A explicação de Kahler implica também em considerar que o novo modelo de desenvolvimento dos países devedores é o do consenso de Washington. Ainda que não seja o objeto deste trabalho, nele considera-se que esse novo modelo de desenvolvimento ainda está em formação. 12 Instituições financeiras internacionais. 9 ABORDAGEM TEÓRICA E DEFINIÇÕES PARA ANÁLISE DO TEMA o fato de a abertura comercial ser uma política que atende tanto a interesses domésticos quanto externos, implica a necessidade de se definir um método que permita enxergar a influência dos fatores externos em separado, pois os fatores domésticos estão atuando na mesma direção. Por isso, a discussão sobre a influência da pressão externa na mudança da política comercial brasileira deve incluir inicialmente a determinação das condições nas quais a pressão externa se expressa, que permitirão a apreensão isolada desse fator. A pressão externa pode ser definida como a capacidade de um país A de forçar um país B a fazer algo que não faria, sem a existência de pressão. Essa definição tem como pressuposto a idéia de que a pressão externa leva um determinado país a seguir uma direção contrária aos seus interesses, ou seja, a pressão externa e o interesse nacional são elementos opostos na determinação de políticas. Para analisar a influência da pressão externa isoladamente é preciso assumir assim que a pressão externa é o único determinante da mudança, mesmo no caso brasileiro onde a abertura comercial pode ser explicada por fatores domésticos. Entretanto, o fato de a abertura comercial atender a interesses domésticos não exclui a possibilidade de influência da pressão externa no processo. Esta parte apresenta uma discussão sobre o método utilizado na análise da influência externa sobre a mudança da política comercial. Para determinar as condições nas quais a pressão externa se expressa serão utilizadas duas abordagens externos: a assim chamada "teoria da dependência't" que consideram fatores e as análises de política internacional dos autores conhecidos como "realistas". Serão comentadas inicialmente análises de autores que utilizaram a teoria da dependência, incorporando fatores externos para explicação de políticas em países dependentes, que constituem o ponto de partida para a determinação das condições de expressão da pressão externa. Entretanto, a análise pela teoria da dependência não é suficiente para explicar todos 13 Além da teoria da dependência, a abordagem patron-client tem sido utilizada para explicar as relações entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. "Cliency is a mutually beneficiai, security-oriented relationship between the states of two countries known as the patron and the client, which differ greatIy in size, wealth, and military and políticaI power. (...) Cliency relationships are determined by conditons bearing on the security of the patron and the client, such as the existence of hostile neighbors and the protection of vitally-important resources" (Gasiorowski, 1986: 52). A abordagem patron-client dá maior ênfase a forças políticas internacionais e questões de segurança nacional para compreender a política dos países latino-americanos, enquanto que pela teoria da dependência, a análise de questões políticas deve ser iniciada com o estudo da posição do país na economia mundial. Este trabalho dá maior ênfase a fatores econômicos, e por essa razão, utiliza a abordagem da teoria da dependência. .. 10 os elementos envolvidos com a situação de pressão externa, como a nova situação de conflito no sistema internacional na década de 80 e o uso de instrumentos específicos de pressão. Para a análise desses fatores serão utilizados autores de política internacional "realistas". Stallings (1992) analisa a influência de fatores externos sobre as mudanças nas políticas de ajuste dos países endividados na década de 80 sob a perspectiva da teoria da dependência. Os fatores externos que explicam as mudanças ocorridas são as relações econômicas internacionais, a existência de idéias e interesses comuns entre as elites dos países desenvolvidos e em desenvolvimento (linkage) e a assimetria de poder entre os países no sistemainternacional (leverage). As relações econômicas internacionais dos países em desenvolvimento representam fatores de influênciaporque os países em desenvolvimento necessitam de recursos externos". Esses recursos externos podem ser obtidos através de empréstimos e investimentos dos países desenvolvidos, e através de exportações. Os países desenvolvidos representam a principal fonte de recursos financeiros e também o principal destino das exportações dos países em desenvolvimento. Os recursos externos, provenientes de receitas de exportação não dependem apenas das quantidades vendidas, mas também dos preços no mercado internacional,sendo os países em desenvolvimento "price-takers". A dependência econômica dos países em desenvolvimento se expressa pela influência dos países desenvolvidos às duas formas de obtenção de recursos financeiros externos: os empréstimos e investimentos, e as exportações. Além disso, a integração por intermédio da transferência de capitais externos restringe a autonomia do sistema econômico nacional e as decisões de políticas de desenvolvimento. IIOS mecanismos de controle da economia nacional escapam parcialmente do âmbito interno na medida em que certas normas universais do funcionamento de um sistema produtivo moderno, impostas pelo mercado universal, não permitem alternativas: a unificação dos sistemas produtivos leva à padronização dos mercados e a seu ordenamento supranacional11 (Cardoso e Faletto, 1970: 130). 14 Esses recursos dizem respeito tanto a recursos financeiros quanto tecnologia. A análise de Stallings restringe-se aos recursos financeiros. A questão tecnológica está incorporada no capítulo I, onde é comentada a globalização da economia mundial. 11 A teoria da dependência, mais do que incorporar fatores externos. na explicação, considerando os processos domésticos como um reflexo direto e imediato dos externos, está preocupada em caracterizar "o modo de relação entre os grupos sociais no plano nacional, que depende do modo de vinculação ao sistema econômico e aos blocos políticos internacionais" (Cardoso e Faletto, 1970: 21). A existência de grupos sociais domésticos que estão vinculados ao sistema internacional faz com que a situação de dependência tenha uma contrapartida interna, de forma que "os interesses externos radicam cada vez mais no setor de produção para o mercado interno (sem anular, por certo as formas anteriores de dominação) e, consequentemente, se alicerçam em alianças políticas que encontram apoio nas populações urbanas. Por outro lado, a formação de uma economia industrial na periferia do sistema capitalista internacional minimiza os efeitos da exploração tipicamente colonialista e busca solidariedade não só nas classes dominantes mas no conjunto dos grupos sociais ligados à produção capitalista moderna: assalariados, técnicos, empresários, burocratas, etc." (Cardoso e Faletto, 1970: 142). A existência de interesses desenvolvimento comuns é denominada entre grupos nos paises desenvolvidos e em linkage por Stallings (1992). Esses grupos incluem empresários, tecnocratas, militares e a classe média. Têm relações de interesse econômico complementadas por experiências educacionais comuns e viagens, de forma que incorporam o paradigma dominante no conhecimento específico relevante para a sua profissão, além dos padrões de vida e de consumo. No caso dos mais ricos, os interesses adicionalmente complementados comuns são com a propriedade de bens no exterior. Ambições de consumo e estilo de vida dos paises desenvolvidos são difundidos também através da mídia. Moon (1987) explica a semelhança da política externa dos paises dependentes com a dos EUA através dessas relações de interesse e visões de mundo comuns entre grupos nos dois paises. Afirma que a política externa dos paises dependentes coincide com a dos dominantes porque existe um consenso entre esses países. Esse consenso é criado pois, em primeiro lugar, o pais dependente é ligado por relações econômicas ao pais dominante, através das quais, eventos externos exercem sua influência. Em segundo lugar, as elites dos países dependentes e dominantes são vinculadas por relações econômicas de comércio e investimento e absorvem valores e percepções do mundo, através de educação no exterior. A educação e a transmissão de informações aumentam a possibilidade da criação do consenso. Os princípios de economia política e política internacional são transmitidos pelos sistemas educacionais dominados pelas idéias dos paises dominantes. Através de serviços de 12 informação, dados diários sobre os eventos mundiais são difundidos, de forma que "world as seen from dependent states is remarkable similar to the world seen by the North American population" (Moon, 1987: 308). O problema da análise de Moon é que não explica porque, apesar da existência de coincidência de interesses, o país dominante tem que usar instrumentos de pressão externa especificos, como a concessão de ajuda externa, para exercer influência. A partir do que foi dito até agora sobre a teoria da dependência, a mudança na política comercial pode ser explicada pela mudança nas condições vigentes na economia internacional, na década de 80, e pela formação do consenso neoliberal. Surge uma nova concepção para o papel do Estado e através da linkage ela é transportada para os países dependentes. Dessa forma, a mudança das políticas de ajuste estrutural pode ser explicada mais pela existência de um consenso de interesses entre os paises em desenvolvimento e os desenvolvidos.Esses elementos não explicam totalmente a existência da pressão externa. A situação de dependência nas nações subdesenvolvidas é, entretanto, mais complexa. Existem vinculos econômicos e de interesse entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento mas esses não são os únicos determinantes da situação econômica dos países dependentes. Constitui-se uma situação ambígua: "a situação de subdesenvolvimento nacional supõe um modo de ser que por sua vez depende de vinculações de subordinação ao exterior e da reorientação do comportamento social, político e econômico em função de interesses nacionais" (Cardoso e Faletto, 1970: 30, grifos meus). Dessa forma, coexistem nos países dependentes dois conjuntos de forças contraditórias mas interdependentes: os relativos a pressões e vinculações externas, e os relacionados ao interesse nacional. Existe a possibilidade de o interesse nacional de países dependentes não ser coincidente com o dos países dominantes. O conflito de interesses daí resultante, pode ser resolvido com o uso de recursos de poder. Isso é incorporado na análise de Stallings (1992) com a consideração de um terceiro fator externo, além das relações econômicas internacionais e da linkage, para explicar a mudança nas políticas adotadas nos países endividados: a assimetria de poder no sistema internacional (leverage). Leverage "involves the direct use of power, with a promise of reward (or a threat of punishment) for carrying out (or not) a desired policy. Leverage is most effective when resources are scarce, creditors are unified, and the incentives they offer are credible" (Stallings, 1992: 55). \ 'j -I 1 13 o fato de Stallings apontar condições nas quais a pressão é mais efetiva, indica que a circunstância de poder representa uma relação situação-específica. Isso explica porque a relação dos paises em desenvolvimento com os desenvolvidos mudou entre a década de 70 e a de 80, apesar dos paises em desenvolvimento serem dependentes nos dois periodos. Um dos elementos que caracteriza a dependência é a necessidade de recursos externos. Essa necessidade se verifica tanto nos anos 70 quanto nos 80; o que muda é a relação de poder. Segundo Stallings (1992), nos anos 70, as possibilidades de obter recursos externos pelos paises em desenvolvimento eram maiores. As elevadas taxas de crescimento dos países desenvolvidos ampliaram o mercado para exportações dos países em desenvolvimento, e, sobretudo, havia uma disponibilidade maior de empréstimos externos. A abundância de empréstimos externos nos anos 70 reduziu a influência das empresas multinacionais, os atores mais importantes segundo a teoria da dependência, e possibilitou que os governos dos países em desenvolvimento tomassem autonomamente decisões de investimento. Do J I lado da saída de recursos, as taxas de juros eram menores. Esses fatores compensaram a deterioração dos termos de troca. Nos anos 80, a queda do crescimento econômico nos países desenvolvidos, a redução dos empréstimos estrangeiros, a manutenção da deterioração dos termos de troca, de um lado, e, de outro, o aumento das taxas de juros internacionais, fizeram com que as restrições potenciais externas passassem a representar restrições de fato. Assim, se o capital é abundante e quem tem capital não tem instrumentos para exercer influência, a propriedade do capital não confere poder para influenciar políticas adotadas domesticamente. A década de 70 foi uma década de abundância de recursos na qual a propriedade de recursos não representou poder. Os principais fornecedores de recursos, os 1• bancos comerciais privados, não tinham interesse ou instrumentos para impor condições sobre políticas domésticas. "After reappearing on the scene in the 1970s as a major source of finance for the Third World, the private banks disbursed large amounts of loans and attached very few strings to them. In general they had neither the will nor the capacity to impose conditions. The goal was to turn their new petrodollars deposits into profits, not to reform Third World economies. In fact, they undermined the attempts of the Bank and the Fund to do so" (Stallings, 1992: 56). A propriedade de recursos toma-se poder apenas a partir da crise da dívida, quando os recursos tomam-se escassos e os bancos desenvolvem uma estratégia de ação conjunta com as instituições financeiras internacionais e os governos credores. 14 Apesar de considerar a importância da assimetria de poder no sistema. internacional e identificar uma circunstância específica em que é alterada nos anos 80 - a crise da dívida -, Stallings não determina a forma como a assimetria de poder no sistema internacional pode ser um determinante da mudança porque considera apenas um dos lados envolvido na relação de poder: o dos credores. Para que o poder explique a mudança é preciso verificar se do lado dos devedores (paises em desenvolvimento) havia vulnerabilidade. Além disso, a análise do autor concentra-se em elementos financeiros, não considerando explicitamente outras mudanças e situações de conflito no sistema internacional que ocorreram durante a década de 80. Mais especificamente, no escopo da teoria da dependência, não considera a nova estratégia das empresas multinacionais com a gIobalização da economia mundial. um elemento mais estreitamente relacionado com a necessidade de abertura comercial. Essa estratégia, que provocou um aumento no comércio intra-firma, impôs a necessidade de abertura comercial sob pena de os paises, que não a adotassem, ficarem excluídos desse processo. A globalização e a sua relação com o processo de abertura comercial serão tratadas no capítulo 1. Uma abordagem que tenta especificar melhor a relação entre assimetria de poder no sistema internacional, o uso de instrumentos específicos de pressão e mudanças nas políticas domésticas é a dos autores "realistas": a teoria da estabilidade hegemônica (Gilpin, 1981, 1987; Krasner, 1976; Keohane, 1984). Esses autores assumem como ator o Estado nacional, que age como ente autônomo para maximizar o interesse nacional. o foco da análise da teoria da estabilidade hegemônica é o sistema internacional: estudam o papel do poder e das instituições internacionais e como esses elementos influenciam as relações entre os Estados. Enfatizam, ainda, o uso de pressão externa para restrição de certas ações e a existência de compromissos. Os autores estão preocupados em explicar a cooperação no sistema internacional e identificam a cooperação com a ordem econômica liberal sob a hegemonia da Inglaterra no seco XIX e dos Estados Unidos no seco XX (Gilpin, 1987). Na anarquia do sistema internacional, políticas nacionalistas tendem a prevalecer, gerando conflito e perda de bem estar, porque o principal objetivo dos Estados diz respeito ao seu interesse próprio. Essa situação, em termos de comércio internacional, significa que do ponto de vista de cada Estado individualmente, a melhor opção de política é proteger a sua indústria e ter livre acesso aos mercados dos demais países. Como resultado da ação de Estados nacionais tentando maximizar o interesse nacional, os Estados passam a proteger o seu mercado, gerando uma situação que é prejudicial a todos. '''I 15 Os autores realistas divergem quanto a possibilidade de manutenção do livre comércio no sistema internacional. Para Gilpin (1981, 1987) é preciso que um país hegemônico crie as instituições e regras que garantam essa ordem e fiscalize e puna os países transgressores, através de incentivos positivos e negativos. Para outros autores (Keohane, 1984; Krasner, 1976), existem outras possibilidades: a fiscalização e punição dos transgressores realizada pelo conjunto de países interessado na sua manutenção, pode ser ou seja, existe possibilidade de manutenção do livre comércio "after hegemony". Segundo os autores realistas, o país hegemônico cria e mantém a ordem econômica liberal porque dela obtém beneficios líquidos, que são entretanto decrescentes. De um lado, o controle sobre o sistema internacional pelo país hegemônico aumenta o seu poder à medida que mais recursos tomam-se disponíveis e passam a existir ganhos proporcionados por economias de escala. De outro lado, manter a ordem internacional envolve o dispêndio de recursos em forças militares, financiamento de aliados, ajuda externa e outros custos associados com a manutenção dessa ordem. O uso desses recursos não é economicamente produtivo. Por isso, a dominação requer a existência contínua de um excedente econômico. No início, esse excedente cresce mais do que os custos da expansão, pois caso contrário, não haveria incentivo para expandir. Com o tempo, os custos aumentam e os recursos diminuem, limitando a continuação da expansão. Toma-se mais dificil gerar receitas suficientes para cobrir os custos de proteção e esses, aumentam com o tempo. Ainda que a ordem econômica liberal reflita basicamente os interesses do Estado hegemônico, ela proporciona oportunidades de crescimento e expansão a outros Estados. Num primeiro momento, denominado polarização, ela gera beneficios para o poder hegemônico; depois, na difusão, gera beneficios para os demais Estados (Gilpin, 1987: 94). o crescimento diferenciado de poder entre os Estados aumenta consideravelmente os beneficios potenciais ou diminui os custos potenciais para um ou mais Estados ascendentes procurarem mudar o sistema internacional. O poder dominante combate a ameaça de mudança pelo poder ascendente no sistema internacional alterando suas políticas para tentar recuperar o equilíbrio no sistema internacional. O poder dominante tem duas estratégias de ação possíveis para recuperar o equilíbrio do sistema: atuar sobre os recursos ou sobre os compromissos e os custos a eles associados (Gilpin, 1981). 16 Atuar sobre os recursos pode significar: (1) procurar gerar novos recursos diretamente através de aumento da tributação doméstica e extração de tributos de outros Estados; ou (2) utilizar meios indiretos, como, por exemplo, fazer uso de políticas inflacionáriase tentar manipular os termos de troca com outros Estados; (3) aumentar a eficiência no uso dos recursos existentes. Através de inovações organizacionais, tecnológicas e outras, o Estado pode economizar os recursos à sua disposição ou aumentar o montante total de recursos disponíveis. Atuar sobre os custos pode significar: (1) eliminar a causa dos aumentos dos custos. O poder declinante pode lançar uma guerra preventiva para destruir ou enfraquecer o Estado ascendente enquanto a vantagem militar ainda está ao seu favor. (2) Continuar o processo de expansão. O poder dominante espera reduzir os seus custos de longo prazo obtendo posições defensivas menos custosas. (3) Reduzir os compromissos de política externa, para o que existem três possibilidades: (3.1) abandono unilateral de alguns compromissos externos. (3.2) Formar alianças ou procurar aproximação com poderes médios. Isso .. significa fazer concessões a outro Estado e concordar em repartir os beneficios do status quo em troca da repartição dos custos de sua manutenção. (3.3) Fazer concessões ao poder ascendente. O poder hegemônico declinante deixa de manter a ordem liberal porque ela não mais atende seus interesses. Para recuperar a sua posição no sistema internacional, o Estado hegemônico pode adotar práticas predatórias: fazer uso de poder para atingir seus próprios interesses de forma prejudicial aos demais Estados. "It can become coercive and attempt to improve its own position through the use of optimum tariffs, currency manipulations, or other interferences in economic relations" (Young citado por Gilpin, 1987: 89). Os autores realistas concordam que o declínio do poder hegernônico provoca um aumento do conflito no sistema internacional, mas divergem no que diz respeito às consequências desse aumento do conflito. Para Gilpin, o declínio do poder hegemônico leva a um aumento do conflito no sistema internacional de forma que a cooperação fica comprometida. O equilíbrio no sistema será recuperado através de uma guerra hegemônica. Para Keohane e Krasner, a cooperação pode existir sem um país hegemônico, pois o aumento do conflito potencial faz com que os países tenham interesse em atuar coordenadamente. ,. 17 Para Keohane, o aumento do conflito no sistema internacional decorrente do declínio do poder hegemônico e da ascensão de outros países, é agravado com a crescente interdependência econômica. A interdependência leva os países a expandirem a atuação do Estado para proteger a economia nacional das flutuações da economia mundial. "When this state activity takes the form of seeking to force the costs of adjustment onto foreigners, international discord results" (Keohane, 1984: 6). E, com a ampliação do conflito internacional, aumenta o interesse dos Estados em ajustar suas ações para reduzi-lo. Por essa razão, o autor considera a cooperação possível. A situação no sistema internacional com o declínio do poder hegemônico, ascensão de novos poderes e crescente interdependência é diferente da harmonia. "Harmony refers to a situation in which actors' policies (pursued in their own self-interest without regard for others) automatically facilitate the attainment of others' goals" (Keohane, 1984: 51). Na inexistência de harmonia é necessário que os Estados individuais realizem ajustes nas suas políticas através de negociações para que os efeitos negativos da política de um Estado sobre os demais sejam evitadas, reduzidas ou contrabalançadas (Keohane, 1984: 51). No processo de negociação os Estados procuram induzir uns aos outros, através de pressão, a ajustar as políticas para permitir o alcance do seu interesse próprio. O uso de pressão externa para os Estados tentarem influenciar as políticas uns dos outros está ligado assim à existência de conflito. Segundo a teoria da estabilidade hegemônica, o uso de pressão externa para induzir mudanças nas políticas pode representar tanto a prática de um país hegemônico declinante, utilizando-se de instrumentos predatórios para maximizar o interesse próprio, quanto representar formas de induzir à cooperação num sistema internacional interdependente, onde ocorre aumento do conflito. A partir dos autores realistas, as condições nas qUaISa pressão externa se expressa envolvem a existência de conflitos entre países. Esses conflitos geram o interesse em pressionar. A pressão se efetiva caso um país tenha capacidade para exercer pressão e outro país, pressionado, seja vulnerável. Capacidade de pressão pode ser definida como um conjunto de instrumentos e instituições que permitem a realização de ações sobre outros países. Além disso, está ligada à organização da ação coletiva pelos agentes, que determina posições de poder. O interesse é 18 definido em termos de aumento de beneficios e/ou redução de custos. A vulnerabilidade é relativa. Na existência de uma relação de interdependência, mais vulnerável é a parte é mais prejudicada com o rompimento da relação. A vulnerabilidade à pressão é importante para explicar se a pressão tem ou não influência sobre a mudança. Mesmo que ocorram ações concretas, ou seja, que um país tenha capacidade e interesse em pressionar, se não houver vulnerabilidade, essas ações concretas não passarão de tentativas de influência. Para a análise do interesse e capacidade dos países desenvolvídos na abertura comercial brasileira serão considerados os elementos do sistema internacional que explicam porque o conflito no sistema internacional amplia na década de 80, aumentando assim o interesse dos desenvolvídos em pressionar. A utilização de pressão externa na área comercial pode surgir em diversas situações: quando um país perde competitividade; quando surgem novos competidores no sistema internacional; e quando as oportunidades dos produtos dos dois países se encontrarem (e disputarem) mercado aumentam. O interesse dos países desenvolvídos em pressionar os países em desenvolvímento para abrir os seus mercados está ligado assim ao declínio da economia norte-americana, recentemente industrializados) como exportadores à ascensão dos NICs (países de manufaturados, e ao processo de globalização da economia. A crise da dívída é outro elemento que aumentou a possibilidade de utilizar pressão externa. Nas negociações sobre a dívída externa, o poder ficou do lado dos credores, que com isso puderam exigir dos devedores a adoção das políticas por eles preferidas. Ainda que no início, os credores usassem pressão para a manutenção do pagamento do servíço da dívída que passou a ser realizado concretamente com a obtenção de superávítscomerciais, através do aumento das restrições às importações - à medida em que essa estratégia prejudicou interesses de exportadores e produtores domésticos dos países desenvolvídos que tiveram o acesso ao mercado dos devedores restrito, ou que enfrentaram a competição nos mercados domésticos, aumentou a importância da liberalização comercial". 15 Adicionalmente, a crise da dívida foi incluída neste trabalho porque ela representa uma situação de uso de pressão externa com duas finalidades diferentes: garantir a manutenção do pagamento do serviço da dívida pelos devedores e provocar mudança nas suas políticas domésticas. Como a mudança da política comercial brasileira pode ser explicada tanto por fatores domésticos como por externos, para avaliar-se a importância relativa desses dois fatores, é necessário ter uma referência de comparação na qual os mesmos fatores estejam envolvidos. A influência relativa da pressão externa no processo de abertura comercial brasileira vai ser avaliada em relação à sua influência relativa para o pagamento do serviço da dívida. / ... 19 Williamson (1989), no início do artigo que abre a coletânea de análises sobre as reformas adotadas pelos países devedores reconhece a relação entre a questão da dívida e as reformas. "No statement about how to deal with the debt crisis in Latin America would be complete without a call for the debtors to fulfill their part of the proposed bargain by setting their houses in order, conditionality"(Williamson, o undertaking policy reforms, or submitting to strong 1989: 7). interesse em pressionar se expressa através de instrumentos concretos de pressão em situações de conflito. Os instrumentos aqui analisados serão as retaliações comerciais e as condicionalidades. Serão consideradas as possibilidades de retaliação comercial previstas no Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), em caso de subsídios e dumping; na legislação comercial norte-americana; e o uso de condicionalidades com a crise da dívida. Esses instrumentos expressam a pressão econômica - comercial e financeira -, que só será efetiva se o país apresentar vulnerabilidade econômica. A pressão econômica não é, entretanto, a única forma de pressão. Existe também a pressão ideológica, discutida a seguir. A pressão ideológica, da mesma forma que a econômica, só é efetiva se for complementada pela existência de vulnerabilidade ideológica no país pressionado. Instrumentos de pressão econômica como retaliações comerciais e condicionalidades são, segundo Baldwin (1985), instrumentos de economic statecraft. Economic statecraft representa tentativas dos governos de influenciar outros atores no sistema internacional com o uso de instrumentos econômicos. A escolha por instrumentos econômicos para exercício da pressão é feita levando em consideração custos e beneficios a eles associados, e em relação aos beneficios líquidos associados a outros instrumentos para exercer influência, como a diplomacia e a intervenção militar. Baldwin considera a pressão econômica importante pela sua relação custo-beneficio. Usar instrumentos de pressão econômica é maís barato do que a intervenção militar e é mais efetivo do que a diplomacia. Com relação aos beneficios, afirma que é necessário considerar que a pressão econômica tem um objetivo maior além de causar um eventual prejuízo econômico. O prejuízo econômico é um objetivo intermediário na tentativa de influência. "Economic sanctions may I 20 have diplomatic, psychological, political, military, or other effects even when their economic effect is niIl" (Baldwin, 1985: 63). Para Baldwin, o principal beneficio a ser considerado para avaliar a pressão econômica é aquele relacionado com a mensagem que ela transmite. A pressão econômica tem um efeito simbólico importante. É instrumento para a transmissão de mensagens de advertência, de desacordo, da menor tolerância, ou de prescrição de determinadas políticas. "Economic instruments may be used to signal narrowly specific intentions or to project general foreign policy orientations" (Baldwin, 1985: 102). À medida em que entre os países com interesse em utilizar pressão externa surge um consenso sobre um conjunto de políticas a serem prescritas, a mensagem contida na pressão econômica assume o caráter de ideologia. A pressão econômica transforma-se assim, em um instrumento de pressão ideológica, identificada na análise de Baldwin, sem utilizar esse nome. Com o consenso neoliberal, uma série de medidas visando a redução da intervenção do Estado na economia, incluindo a liberalização comercial, passaram a ser consideradas "certas'i". A necessidade de redução da intervenção do Estado para um determinado padrão estava ligada à globalização. Para reduzir os efeitos de variáveis externas sobre a economia nacional ou aumentar os beneficios resultantes da ampliação do mercado mundial e da internacionalização do capital, os Estados poderiam adotar políticas para atrair capital e investimentos. Essas políticas aumentariam o bem-estar econômico do pais que as adotasse com a globalização, à custa dos demais e só seriam bem-sucedidas se o pais for o primeiro e/ou o único a adotá-las. A pressão ideológica pela redução da intervenção do Estado estava relacionada com a manutenção da estabilidade global, mas também com a maximização do interesse próprio de alguns poucos países, desincentivando os países a usar políticas que poderiam reduzir os beneficios dos demais países. 16 O assim denominado "consenso de Washington" incluía, além da liberalização das importações para reduzir o custo do insumo importado e para eliminar a ineficiência decorrente da proteção, as seguintes medidas: disciplina fiscal; redução dos gastos públicos, sobretudo dos subsídios; reforma fiscal, preferencialmente aumentando a base de tributação e mantendo as taxas marginais do imposto moderadas: definição da taxa de juro pelo mercado; manutenção de uma taxa de câmbio competitiva, consistente com o objetivo de permitir um aumento das exportações; privatização, com base na idéia de que a empresa privada é mais eficiente que a pública; desregulamentação; para aumentar a competição; proteção dos direitos de propriedade intelectual; permissão para o ingresso de investimentos estrangeiros diretos (Williamson, 1989). •.. 21 A pressão ideológica é subjacente à pressão econômica pois, conforme Baldwin (1985), os atos concretos de pressão externa são importantes para expressar uma mensagem de um país para outro. A mensagem contida nos atos de pressão econômica assume o caráter de ideologia quando consolida-se entre os países desenvolvidos um padrão para a atuação do Estado e a restrição da ação estatal a esse padrão atende aos interesses desses países. A mensagem concreta contida na condicionalidade dos organismos financeiros internacionaís incluía a liberalização comercial, a privatização e a desregulamentação. Na resolução de controvérsias do GATT, dizia respeito à redução de barreiras ao comércio; no código de subsídios e dumping, à redução das práticas desleais de comércio, à redução da penetração nos mercados externos e ao questionamento da política protecionista. A pressão externa analisada neste trabalho está assim relacionada com a existência de conflitos entre países e inclui a pressão econômica e a pressão ideológica. A pressão econômica pode ser subdividida em comercial e financeira, dependendo do instrumento utilizado para exercer a pressão, se retaliações comerciais ou se condicionalidades associadas a empréstimos. A pressão ideológica é subjacente à econômica, à medida em que representa uma das formas dos países transmitirem mensagens uns aos outros. A pressão ideológica não é, entretanto, exclusivamente associada à econômica, podendo assumir outras formas. Para verificar a ocorrência de pressão externa no caso brasileiro é necessário assim analisar, de um lado, elementos do sistema internacional que explicam o aumento do conflito com outros países e seu interesse na abertura comercial brasileira. Os instrumentos pelos quais esses interesses são colocados, referem-se às retaliações comerciais e às condicionalidades. De outro, para verificar a efetividade da pressão externa é preciso analisar a existência de vulnerabilidade no Brasil, tanto econômica quanto ideológica. A análise sobre a pressão externa na abertura comercial brasileira será dividida da seguinte forma. No capítulo I serão abordadas as principais mudanças ocorridas no sistema internacional, que provocaram aumento do conflito internacional, do interesse e da capacidade dos países desenvolvidos em utilizar a pressão externa. Essas mudanças referem-se ao declínio da hegemonia norte-americana, à ascensão dos NICs, à globalização da economia, à crise da dívida e à formação do consenso neoliberal. 22 No capítulo 2 serão analisados fatores domésticos para verificar se o uso dos instrumentos de pressão externa pelos países desenvolvidos representa pressão de fato. Esses fatores dizem respeito à vulnerabilidade econômica do Brasil - comercial e financeira - e à vulnerabilidade ideológica. Para análise da vulnerabilidade econômica foram levantados dados sobre as relações comerciais e financeiras do Brasil com os países desenvolvidos para avaliar qual o país que mais perderia com o rompimento da relação. Constata-se que havia vulnerabilidade comercial, mas não financeira. No caso da vulnerabilidade ideológica, serão apenas indicados os elementos que podem configurar tal situação, com base em análises de outros autores. Nas Considerações Finais serão retomados os principais elementos que explicam a influência da pressão externa sobre a mudança na política comercial brasileira. 'I 23 CAPÍTULO 1 Neste capítulo, eventos ocorridos no sistema internacional, que aumentaram o conflito com outros países durante a década de 80, serão tratados. Esses eventos provocaram tanto o aumento do interesse e da capacidade dos países desenvolvidos em pressionar, quanto alterações na economia mundial, que reduziram as alternativas à disposição dos países em desenvolvimento. o interesse representa, segundo os autores "realistas", a razão pela qual um país exerce pressão sobre o outro. Um país exerce pressão sobre outro para maximizar o interesse nacional e quando se encontra numa situação de conflito com outros países. O declínio relativo da hegemonia norte-americana, a ascensão dos NICs, a globalização da economia mundial, e a crise da dívida são os elementos que explicam o aumento do conflito no sistema internacional. Dado o caráter amplo dos eventos considerados neste capítulo, a análise aqui realizada vaí se ater apenas aos elementos que permitem a compreensão do tema discutido, qual seja, a pressão externa e a abertura comercial . .• 24 DECLÍNIO RELATIVO DA HEGEMONIA NORTE AMERICANA o declínio relativo da hegemonia norte-americana pode ser verificado na diminuição da sua participação no Pffi e nas exportações mundiais; no aumento do seu déficit comercial (Tabela 2). Tabela 2. EUA: Indicadores da situação econômica. Participação no Participação PIB mundial nas exportações (%) mundiais 1965 40,1 - 1966 1970 - 1981 Balanço comercial (US$ bilhões) (%) 16,8 - 15,4 - 29,2 14,3 (39,6) 1985 36,7 10,7 (148,5) 1986 32,3 9,7 (169,8) 1987 29,7 10,6 (169,8) 1988 28,5 12,0 (143,4) 1989 25,8 11,9 (144,6) . Fonte: Banco Mundial, Relatóno sobre o Desenvolvimento Mundial, cálculos próprios; Boletim do Banco Central. Esse declínio está ligado ao fato de que os compromissos externos, assumidos pelos EU A a partir da 2a. Guerra Mundial, quando se tomou o poder hegemônico do sistema internacional, tomaram-se maiores do que os recursos à disposição do pais para mantê-los. Os compromissos externos dos EUA foram assumidos ao longo do tempo e, na maioria dos casos, a razão da presença norte americana não diminuiu. Assim, os EUA tinham na década de 80 aproximadamente a mesma série de obrigações pelo mundo que há 25 anos atrás, entretanto, sua parcela do PNB mundial, da produção manufatureira, do dispêndio militar e com pessoal das forças armadas eram muito menores (Kennedy, 1989). BI81101'rr" i ~. ,,~.. ..' • ' •• ~f~r' ri ~ ':. -. -'. ~~" r:- ~! I 25 Segundo Gilpin (1987), o declínio é uma situação inerente à condição de país hegemônico. No caso dos Estados Urudos, ocorreu pela combinação de vários fatores. Os EUA aproveitaram o fato de que sua moeda era a principal divisa internacional, para financiar sua posição global. Criaram liquidez internacional através de déficits no balanço de pagamentos, financiados pela Europa Ocidental e pelo Japão. Em troca, os EUA toleravam não apenas a discriminação contra suas exportações pela CEE e pelo Japão, mas também suas estratégias agressivas de exportação. Entretanto, a persistência desse déficit no longo prazo acabou por minar a confiabilidade do dólar e o seu papel como divisa internacional. Resultou na aceleração da inflação, no desequilíbrio das taxas de câmbio, na perda de confiança no dólar e no aumento da especulação, redundando no fim do sistema de taxas fixas de câmbio. A mudança para o sistema de taxas de câmbio flexíveis e a integração dos mercados financeiros ampliou significativamente o impacto das políticas macroeconômicas norte- americanas sobre o resto do mundo. Nesse contexto, a política orçamentária adotada pelo governo Reagan realizou aumentos em grande escala com defesa e reduções consideráveis nos impostos, sem diminuir os gastos federais em outros setores, provocando um aumento do déficit público. Para financiá-lo, os EUA absorveram volumes elevados de capital externo, que provocaram a valorização do dólar e exerceram efeitos negativos sobre as exportações norte-americanas e sobre setores da indústria norte-americana. (Gilpin, 1987). O declínio da indústria do país não ocorreu apenas em setores tradicionais (têxteis, ferro, aço e construção naval), mas também em setores de alta tecnologia. Adicionalmente, surgiram novos concorrentes ao setor agrícola: a Comunidade Européia e em menor escala os países subdesenvolvidos. Como resultado, os preços mundiais caíram, assim como as exportações norte-americanas. A falta de competitividade dos produtos industriais norte- americanos no exterior e as exportações agrícolas decrescentes produziram o elevado déficit comercial. A piora na situação comercial provocou um aumento do sentimento protecionista. "Os defensores de uma maior proteção queixam-se de que práticas desleais pelos estrangeiros, de dumping de artigos a preços abaixo do custo no mercado norte-americano, e de enormes subsídios aos agricultores estrangeiros, o que, sustentam eles, só pode ser respondido com o abandono da política de laissez-faire no comércio exterior e a adoção de rígidas contramedidas" (Kennedy, 1989: 498). 26 Bhagwati (1993) afirma que a percepção do declínio da hegemonia americana é maior do que a realidade. Os EUA estão sofrendo da "síndrome do gigante diminuído" (diminished giant syndrome), que é reforçada pela existência dos déficits comercial e público e pela redução no crescimento do padrão de vida na década de 80. A percepção do declínio tem, entretanto, consequências reais sobre a política econômica internacional dos EUA. A política comercial e as concessões comerciais norte-americanas a seus parceiros comerciais são consideradas maiores do que as que recebeu em troca. Essa crença leva à posição de que os EUA precisam adotar uma política de demandar concessões unilaterais dos outros países. Assim, o declínio da hegemonia, provocou o aumento do conflito dos EUA com seus parceiros comerciais, seja sob acusação de práticas desleais (dumping, porque a troca de concessões entre os EUA e seus parceiros subsídios), seja não foi considerada equilibrada, passando a exigir reciprocidade nas trocas de concessão. O interesse nacional dos EUA declinante passou a ser atendido por práticas predatórias. Na área de comércio exterior isso significou: forçar a abertura de mercado de seus parceiros comerciais, ou seja, combater práticas protecionistas dos outros países mesmo que fizesse uso das mesmas práticas; e utilizar as regras existentes de comércio de forma distorcida, como o uso de medidas contra dumping e subsídios sob alegações falsas. Adicionalmente, com a expansão global do setor de serviços, especialmente financeiros e de telecomunicações e das indústrias de alta tecnologia, que constituíam os setores dinâmicos da economia norte-americana, os EUA passaram a demandar que os outros países abrissem suas economias para as empresas de serviço norte-americanas e garantissem os direitos de propriedade intelectual. Assim, durante a década de 80, com o aumento do conflito comercial decorrente declínio da hegemonia norte-americana, do aumentou o interesse dos EUA em utilizar os dispositivos de sua legislação comercial para realizar atos de pressão comercial. Durante esse período inclusive, ocorreu uma modificação na sua legislação comercial que ampliou a sua capacidade de pressão. A legislação comercial norte americana prevê seis casos para o governo realizar ações contra os parceiros comerciais (GATT, 1990). Três deles correspondem previstos no Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio: a instrumentos 27 - Salvaguardas (seção 201 do Trade Act de 1974, emendada), se as importações causarem dano material à indústria doméstica. Está prevista a realização de ações diretas sobre as importações (imposição de sobretaxas, restrições quantitativas; negociação de um acordo de restrição voluntária, etc.), bem como, a adoção de incentivos ao ajuste da indústria ou setor prejudicado pelas importações. O prazo de vigência máximo dessas medidas foi alterado pelo Omnibus Trade Act de 1988, de 5 para 8 anos. - Dumping (subtítulo B do título VII do Tariff Act de 1930, emendado), se os importados estiverem sendo comercializados a valor abaixo do valor justo e provocarem dano material à indústria doméstica ou dificultarem o estabelecimento de uma indústria. - Subsídios (subtítulo A do título VII do Tariff Act de 1930, emendado e seção 303 do Tariff Act de 1930), se a competitividade dos bens importados for decorrente de subsídio e causar dano material à indústria doméstica'". Com a modificação na legislação comercial norte-americana, em 1988, foram introduzidas várias emendas para facilitar a utilização de taxas anti-subsídios e amidumping. Os demais casos para a realização de ações contra os parceiros comerciais são específicos da legislação norte-americana. Incluem: - Práticas desleais de comércio (seção 301 do Trade Act de 1974, emendada). Esse caso autoriza e requer que o Executivo 18 tome medidas retaliatórias para ampliar o acesso de bens e investimentos norte-americanos em mercados estrangeiros, e para proteger direitos de propriedade intelectual. No Ato de 1988 foi introduzida a provisão "super 301" visando combater práticas de comércio através da identificação de práticas e países prioritários, com vigência até 1990. Os países incluídos nesse grupo teriam de eliminar ou compensar os EUA da prática prejudicial em até três anos, caso contrário, eram previstas retaliações. Foram também incluídas a provisão "special 301" para investigações contra violações nos direitos de propriedade intelectual e uma nova lei "Telecommunications Trade Act of 1988" para a negociação com países prioritários sobre comércio em telecomunicações. Nesses dois casos também estavam previstas retaliações. 17 No caso da seção 303, a tarifa anti-subsídio pode ser imposta mesmo se não houver dano material: vale para países não signatários do Código de Subsídios da Rodada de TÓQuio. 18 O Ornnibus Trade Act de 1988 transferiu a autoridade para determinação, tomada de decisão e implementação de medidas sob a seção 301 do presidente para a USTR. Com essa mudança, questões de política externa mais ampla tornaram-se menos importantes. As decisões passaram a ser tomadas com base preponderantemente em elementos comerciais. 28 - Práticas desleais de importação (seção 337 do Tariff Act de 1930). O uso dessa seção concentrou-se introduziu em casos de desrespeito a patentes. O Omnibus Trade Act de 1988 várias emendas incluindo a eliminação da necessidade de dano material, aumentou a abrangência da aplicação da seção para firmas estrangeiras atuando nos EUA e reduziu o prazo para o início da aplicação de penalidades para 90 dias após o início das investigações. - Ruptura de mercado (seção 406 do Trade Act de 1974) refere-se a procedimentos de salvaguarda contra importações de países comunistas. Segundo Finger (1991), com exceção da seção 201 os demais casos da legislação comercial norte-americana envolvem a alegação de práticas desleais de comércio e portanto podem ser usadas com fins protecionistas. Mecanismos Jair trade sempre existiram mas não foram utilizados até a década de 70 porque a política comercial dos EUA era tratada pelo governo como um instrumento diplomático, e se sustentava a idéia de que o livre comércio seria importante para a manutenção da paz mundial. Os EUA eram vistos como o "estabilizador" do sistema internacional. Durante a guerra fria com a URSS, a idéia foi ampliada: se os EUA não permitissem o acesso das exportações dos outros países ao seu mercado, eles adeririam ao bloco comunista. Adicionalmente, a manutenção da postura pró livre-comércio foi sustentada por fatores econômicos: nos anos 50 e 60 os EUA apresentaram crescentes e substantivos superávits comerciais. A revisão da legislação comercial norte-americana, em agosto de 1988, representou assim, uma reação dos EUA à diminuição de seu poder econômico no comércio internacional. A concepção que a fundamentou foi que esse declínio resultou de práticas comerciais injustas adotadas pelos seus parceiros comerciais. O uso da provisão "super 301" da lei de 1988 é denominado por Bhagwati de unilateralismo agressivo. Os EUA podem usar a provisão para forçar seus parceiros comerciais a abolir algumas práticas que prejudiquem reflects clout and concentrated interesses norte-americanos. "In particular, since it pressure, there is a strong likelihood that the targets of Section 301 actions will satisfy american demands by diverting trade from other countries (with small political clout) to the United States, satisfying the strong at the expense of the weak" (Bhagwati, 1991b: 55). A seção 301 visou e foi usada para defender os interesses dos exportadores norte-americanos. Dos 47 casos concluídos em 1988, 27 resultaram na eliminação de alguma restrição às importações no país acionado (Finger, 1991). 29 o declínio relativo da hegemonia norte-americana provocou assim um aumento no interesse e na capacidade dos Estados Unidos de utilizar pressão externa. A abertura do mercado dos parceiros comerciais, tanto no setor de bens, quanto no setor de serviços e investimento, passou a representar o principal interesse comercial norte-americano. Visando o seu alcance, legislação comercial foi alterada, ampliando a capacidade de pressão. ASCENSÃO DOS NICS Os NICs são um grupo de países que aumentou rapidamente sua participação na produção e exportação mundial de manufaturas na década de 70. Desse grupo faziam parte: Hong Kong, Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura, Brasil e México e quatro países do sul da Europa (Grécia, Portugal, Espanha e Iugoslávia). Entre 1963 a 1977, a participação dos NICs na produção industrial mundial aumentou de 5,4 para 9,3%, enquanto que entre os países desenvolvidos, com exceção do Japão, verificou-se um declínio na participação. Os EUA reduziram sua participação na produção industrial mundial de 40 para 37%; a Alemanha de ° 1 para 9%; a França de 6,3 para 6,1% e o Reino Unido de 6,5 para 4% (OECD, 1979). A participação dos NICs na exportação mundial de manufaturas aumentou de 2,5% em 1963 para 7,1% em 1976, superando o aumento da participação na produção de manufaturados. O Brasil, que exportava 0,05% das manufaturas mundiais em 1963, passou a exportar 0,51%, em 1976. Aumentos expressivos ocorreram na exportação de manufaturas pelos países do leste asiático. No mesmo período, Hong Kong aumentou sua participação nas exportações mundiais de manufaturas de 0,8 para 1,2%; a Coréia do Sul de 0,05 para 1,2%; Taiwan de 0,2 para 1,2% (OECD, 1979). A pauta de exportações desses países alterou-se: participação, enquanto que manufaturados transporte aumentaram (Tabela 3). os produtos primários reduziram sua elaborados como máquinas e material de 30 Tabela 3. Composição da pauta de exportações de NICs. (%) Produtos Máquinas e Outras primários material de manufaturas Têxtil e ' • vestuano 1 transporte 1965 1989 1965 1989 1965 1989 1965 1989 Brasil 92 48 2 20 7 32 1 3 HongKong 6 3 7 23 87 73 52 39 Coréia do Sul 40 7 3 38 56 55 27 23 Cingapura 65 27 10 47 24 26 6 5 1 , . , Têxteis e vestuano e um subgrupo de outras manufaturas Fonte: World Development Report, 1990 o A surgimento de novos atores no comércio internacional aumentou a competição nos mercados externos e ameaçou a posição de fornecedores tradicionais, gerando um aumento de demandas por proteção. "Trade tensions with longer-established countries have been exacerbated, leading to cries of unfair trading and calls for protection from the latter" (Murphy, 1990: 12).Nos anos 80, ocorreram inúmeros conflitos entre a Comunidade Européia e os EUA, de um lado, e os NICs, especialmente do leste asiático, de outro. Os EUA e a Comunidade Européia pressionaram para a estabilização do balanço bilateral através do aumento das importações. Em função disso, a necessidade de liberalizar importações e estimular a demanda doméstica ficou em evidência. O aumento da participação dos NICs na economia mundial, em especial, na exportação de produtos manufaturados, provocou aumento do conflito com os países desenvolvidos porque coincidiu com um periodo de baixa atividade econômica e com a alta dos preços do petróleo, que resultaram numa ampliação do protecionismo nos paises desenvolvidos. O protecionismo dos países desenvolvidos a partir da década de 70 diferenciou-se do vigente até a segunda guerra mundial, que era caracterizado pela utilização de tarifas. Essas tarifas, no caso de produtos industriais, foram reduzidas nas sucessivas rodadas de negociação realizadas no âmbito do GATT, com base no princípio da nação mais favorecida. 31 No assim chamado "novo protecionismo" foram utilizados novos instrumentos tarifários como os acordos voluntários de restrição às exportações não- e aplicados direitos antidumping e compensatórios (anti-subsídios) sob alegações falsas de comércio desleal. As negociações comerciais foram conduzidas sob a perspectiva de reciprocidade, da troca recíproca de concessões entre países. Novos temas como o setor de serviços, direitos de propriedade intelectual e investimentos passaram a ser objeto de disputas comerciais. Retaliações comerciais foram utilizadas para defender o interesse nacional dos países (acesso ao mercado de serviços, proteção de patentes), relativos a esses setores. Aumentou a utilização de políticas de incentivo setorial como subsídios à exportação indústria decadente. O "novo protecionismo" representou um e proteção à aumento do poder discricionário dos governos para influenciar padrões de comércio e a locação global das atividades econômicas. (Bhagwati, 1991a; Hauser, 1991; Gilpin, 1987). Não por acaso, os elementos do novo protecionismo constituíram os principais temas das discussões e negociações da Rodada Uruguai, iniciada em 1986. Com o desempenho exportador dos NICs, os países desenvolvidos passaram a questionar crescentemente sua manutenção no grupo dos países subdesenvolvidos com direito a tratamento especial nas regras do GATT19• Os NICs passaram a ser vistos como jree riders do sistema internacional de comércio, podendo beneficiar-se das concessões tarifárias negociadas entre países industrializados (pela cláusula da nação mais favorecida) sem ter que retribuir. A expansão das exportações de manufaturados dos países recentemente industrializados (NICs) e a impossibilidade de ter acesso a seus mercados - de bens e nos novos setores dinâmicos da economia mundial - fortemente protegidos, aumentaram o interesse dos países desenvolvidos na liberalização comercial e, com isso, a utilização de instrumentos de pressão comercial. O Brasil, segundo Soares de Lima (1990), passou a submeter-se crescentemente às regras do regime de comércio, em vista da pressão exercida pelos países desenvolvidos. A adoção de uma postura defensiva" pelo Brasil foi resultado do processo de industrialização 19 A parte IV do GATI isenta os países subdesenvolvidos da concessão de tratamento recíproco nas negociações com países desenvolvidos (GATI, 1986). 20 Por postura defensiva a autora entende a aceitação das regras do GATI pela pressão dos países desenvolvidos. "O país submeteu-se à regras emergentes do regime de comércio em vista da existência de instrumentos coercitivos manipulados pelos países mais fortes" (Soares de Lima, 1990: 20) .. 32 ocorrido no país, que capacitou-o a produzir e exportar produtos manufaturados; e da crescente pressão exercida pelos países industrializados como reação à emergência dos NICs. O processo de industrialização e a exportação de manufaturas pelo Brasil não provocaram apenas o aumento do conflito com os países desenvolvídos, mas também diminuirama coesão interna do grupo dos países subdesenvolvídos, no qual o Brasil exercia uma posição de liderança. O comportamento do Brasil assumiu o caráter defensivo pois, juntamente com os demais NICs foi considerado um carona do regime internacional de comércio. Esses países foram "os principais alvos de medidas que vísam condicionar os eventuais beneficios resultantes das negociações multilaterais à aceitação dos deveres e obrigações do regime de comércio. Tais iniciativas, englobadas na denominação genérica de políticas de graduação, implicam tanto a retirada de tratamento diferencial e preferencial aos semi-industrializados, quanto a condicionalidadedo acesso aos mercados industrializados à adoção de políticas comerciais consideradas apropriadas na perspectiva dos principais atores do regime de comércio'!" (Soares de Lima, 1990: 21). O Brasil submeteu-se às regras do regime de comércio para que o acesso de suas exportações aos mercados externos não fosse interrompido. O aumento do conflito comercial no sistema internacional decorrente do declínio da hegemonia norte-americana e da ascensão de novos países na exportação mundial de manufaturas se refletiram sobre o Brasil, com o aumento de pressões através de instrumentos comerciais dos países desenvolvídos, especialmente os EUA, para que o país modificasse suas políticas comerciais. Relações Brasil-EUA A política protecionista, implantada no Brasil após a 2a. Guerra Mundial foi tolerada pelos EUA porque o acesso ao mercado brasileiro através de investimentos era uma alternativa interessante. Mudanças econômicas ocorridas a partir da década de 70 refletiram em mudanças na inserção tanto do Brasil quanto dos EUA no sistema internacional. De um lado, a hegemonia norte-americana iniciou seu declínio, de outro, o Brasil, além de outros países recentemente industrializados, tomou-se competitivo em mercados até então não21 Mudanças no Trade and Tariff Act norte-americano ocorridas em 1984 representam um exemplo do processo de graduação. Entre os critérios para a revisão anual dos países e produtos beneficiários do Sistema Geral de Preferências, foram incluídos: a competitividade da economia, o nível de desenvolvimento, o acesso ao mercado, proteção à propriedade intelectual, práticas distorcidas em relação ao investimento, barreiras ao comércio de serviços, etc. 33 tradicionais para países subdesenvolvidos (primo Braga e Silber, 1986). Esse processo pode ser verificado na balança comercial entre os dois países (Tabela 4). Tabela 4. Balança comercial Brasil-EUA (US$ milhões) Exportações Brasil Importações Brasil Saldo Comercial 1970 676,1 918,1 (242,0) 1975 1.337,3 3.380,4 (2.043,1) 1980 3.496,2 4.626,4 (1.130,2) 1985 6.950,5 2.824,7 4.125,8 1986 5.776,1 3.414,6 2.361,5 1987 7.183,1 3.328,9 3.854,2 1988 8.376,6 3.229,6 5.147,0 1989 7.708,2 4.358,1 3.350,1 Fonte: UNSO Comtrade in GATT Trade Policies Review Mechanism TPRM, 1992 De 1970 a 1975, verificou-se um aumento do déficit comercial do Brasil com os EUA que alcançou, em 1975, o valor de US$ 2.043,1 milhões. A partir de então, essa tendência se alterou: as importações de produtos norte-americanos pelo Brasil se reduziram e as exportações brasileiras para os EUA se ampliaram. Na década de 80, o saldo da balança comercial Brasil-EUA tomou-se um superávit em favor do Brasil. o aumento das exportações brasileiras para os EU A foi acompanhado de uma modificação na sua composição. No início da década de 70, os produtos básicos correspondiam a mais da metade da pauta de exportações brasileiras para os EUA. Na década de 80, os produtos manufaturados que passaram a ser o principal item da pauta de exportação para os Estados Unidos (Tabela 5). 34 Tabela 5. Composição das exportações brasileiras para os EUA por tipo de produto (%) Básicos Semi-manufaturados Manufaturados 1972 62,5 7,5 29,3 1975 50,3 7,3 40,0 1977 41,8 9,8 48,0 1979 35,6 12,7 51,5 1980 40,0 12,3 47,6 1981 31,5 8,2 60,2 1983 20,1 8,0 71,6 1985 17,2 7,7 75,1 1986 15,7 11,8 72,5 1988 6,2 6,3 87,5 1989 3,8 5,9 90,3 Fonte: Dados de 1972 a 1985, CACEX in Primo Braga e Silber (l986)~ dados de 1986 a 1989, CACEX, cálculos próprios. A existência de um déficit comercial crescente dos EUA com o Brasil, causado em grande parte pela expansão das exportações de manufaturados brasileiros sem a contrapartida de aumento de importações brasileiras de produtos norte-americanos, fez com que aumentassem os conflitos comerciais entre Brasil e EUA. Esses conflitos justificaram pressões dos EUA para que o Brasil modificasse sua política comercial altamente restritiva às importações+, O conflito comercial do Brasil com os Estados Unidos não se restringiu apenas ao setor de bens. Com a crescente importância do setor de serviços e de alta tecnologia, os EUA passaram a pressionar pela abertura desses novos mercados e pela proteção dos direitos de propriedade intelectual. O Estados Unidos pressionaram o Brasil para a assinatura do Código de Subsídios na Rodada de Tóquio. "A posição do Brasil frente aos EUA no contexto puramente bilateral ficaria insustentável dada a pressão norte-americana a menos de uma flexibilização da Conforme será visto adiante, o crescente superávit comercial do Brasil com os EUA foi resultado também da política adotada pelo governo com a crise do balanço da pagamentos. Essa política, que incluía medidas de redução de importações e promoção de exportações, feriu interesses de exportadores produtores norteamericanos, que pressionaram o Congresso dos Estados Unidos para rever a estratégia de negociação da dívida. 22 35 posição brasileira. O Brasil concordou assim, em descontinuar os créditos-prêmio às exportações até o final de 1983 e com o congelamento dos níveis de subsídio" (paiva Abreu, 1994: 327, 328). A seção 301 da legislação comercial norte-americana foi utilizada como instrumento de pressão contra o Brasil, segundo Arslanian (1994). Com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos utilizaram crescentemente a seção 301 para garantir a formação de mercados leais e abertos a seus interesses. As ações dos EUA para maximizar o interesse nacional através de instrumentos unilaterais foi balizada pela capacidade do país-alvo de implementar medidas contra-retaliatórias ou de alternativas reaís para neutralizar o poder de força representado pelo recurso unilateral à seção 301. A presença dos grandes parceiros comerciaís dos EUA como Alemanha e Japão no mercado mundial representava uma ameaça maior aos interesses norte-americanos, mas eles detinham capacidade de contra-retaliar ou neutralizar as ações norte-americanas. Assim, os países mais expostos a ações unilaterais dos EUA foram aqueles, como o Brasil, para quem os EUA constituíam um mercado importante para as exportações e, que pela pequena importação de produtos norte-americanos, capazes de contra-retaliação. não eram "Em suma, embora dirigida a qualquer país cujas práticas constituam séria barreira às exportações dos Estados Unidos, os dispositivos da Seção 301 tiveram, ao menos à luz da experiência passada, efeitos tênues, quando não inexistentes, para parceiros - como a União Européia e o Japão - que são os verdadeiros responsáveis pelas tensões da política comercial norte-americana, porém danosos para aqueles - como o Brasil - que não pouparam esforços pelo entendimento no seu diálogo sobre comércio com o governo dos Estados Unidos" (Arslanian, 1994: 123). O Brasil foi objeto de 6 do total de 87 investigações iniciadas sob a seção 301, no periodo de 1975 a 1991. A partir de 1987, os dispositivos da seção 301 foram acionados contra o Brasil em decorrência das investigações abertas pelo USTR sobre a reserva de mercado de informática e a não-concessão de patentes farmacêuticas. O Brasil foi o único país em desenvolvimento a sofrer retaliações, em 1988 (GATT, 1992). Na primeira ação substantiva sob a seção 301 da lei de 1988, referente às telecomunicações, lista de observação pelo painel consultivo juntamente o Brasil foi colocado numa com a Itália, Holanda, Finlândia, Inglaterra, Espanha e Taiwan (Business Week, 1989). Em 1989, foi aberta ação "super 301" em razão de barreiras amplas contra exportações norte-americanas. Com o anúncio da nova regulamentação brasileira de comércio exterior, em março de 1990, que eliminou as restrições quantitativas às importações, a ação "super 301" foi encerrada. Adicionalmente, o 36 Brasil foi mantido entre 1989 e 1993 em lista de observação prioritária soba seção "special 301" e o governo norte-americano ameaçou com a imposição de sanções comerciais caso o Congresso Nacional não aprovasse o projeto de lei sobre propriedade industrial. As investigações realizadas pelos EU A contra o Brasil demonstram que o interesse norteamericano em modificações na legislação brasileira resultou na realização de ações concretas de pressão. o aumento da pressão externa sobre o Brasil verifica-se também com os processos abertos contra o país sobre o uso de dumping e subsídios. O uso de instrumentos para combater dumping e controlar os subsídios segue determinações do GATT (l986a, 1986b). Direitos compensatórios e taxas antidumping podem ser impostos por um país se, após uma investigação ficar comprovado que o subsídio ou o dumping provocou dano material a uma indústria estabelecida ou impediu o estabelecimento de uma indústria doméstica. Sobretaxas podem ser impostas temporariamente até o fim da investigação se forem apresentadas evidências que comprovem a acusação. Ao final da investigação, podem ser ou não efetivadas. Direitos compensatórios e taxas antidumping constituem o que Bhagwati (1991 b) denomina mecanismos Jair trade. Segundo ele, esses mecanismos devem fazer parte das regras que garantem uma estrutura de comércio aberta, porque os beneficios de um país praticar o livre comércio serão prejudicados, se os seus parceiros comerciais usarem medidas como subsídios ou dumping para ganhar mercado. Os mecanismos Jair trade permitem a utilização de tarifas retaliatórias para que um pais force o seu parceiro comercial a mudar suas políticas. Mecanismos Jair trade podem converter-se em instrumentos protecionistas se forem utilizados sob alegações falsas de comércio desleal (unJair trade), uma prática comum na década de 80. O uso de mecanismos Jair trade sob alegações falsas de comércio desleal ocorre pelo fato de no âmbito do GATT não haver penalidades para queixas improcedentes e pelo fato de a comprovação (ou não comprovação) da ocorrência de subsídio ou dumping e sua relação com o dano material a determinada indústria não ser clara (Bhagwati, 1988). O fato de mecanismos Jair trade poderem ser usados como instrumentos de proteção indica que a mensagem por eles transmitida não se refere apenas à indicação de uma prática 37 desleal, mas ao descontentamento com uma excessiva competição do produto importado no mercado do país que propõe a ação. Tavares de Araújo e Naidin (1989) afirmam que os mecanismos Jair frade foram usados contra o Brasil com objetivos protecionistas. Entre julho de 80 e junho de 87, as exportações brasileiras foram submetidas a 33 investigações de subsídios e 56 de dumping, abertas pelos EUA, Comunidade Européia, Canadá e Austrália, conforme pode ser verificado na tabela 6. Tabela 6. Dumping e subsídios: processos abertos contra o Brasil. (1980-1987) Dumping Subsídios Total EUA 23 23 46 Comunidade Européia 12 5 17 Canadá 12 3 15 9 2 11 56 33 89 Austrália Total .. Fonte: Conussão de Política Aduaneira in Tavares de Araújo Ir. e Naidin, 1989, p.33 No período entre 1980 e 1987, o Brasil foi o país que mais sofreu processos entre os países subdesenvolvidos e, em termos relativos (ponderado pelo valor médio de exportações), também sofreu mais processos do que os países desenvolvidos (Tavares de Araújo Jr. e Naidin, 1989). De julho de 1980 a maio de 1991, o Brasil foi objeto de 25 investigações de dumping pelos EUA, das quais 11 resultaram em sanções definitivas. Na lista de países que sofreram investigações de dumping norte-americanas, o Brasil ocupa a sexta posição, atrás do Japão, Alemanha, China, Taiwan e Coréia (lEDI, 1992). Segundo Tavares de Araújo Jr. e Naidin (1989), confirmando uma tendência internacional, apenas uma parte dos processos abertos contra o Brasil (19 de dumping e 10 de subsídios) foram concluídos com a aplicação de sobretaxas definitivas, até 1986. Tal fato representa para os autores evidência de que os códigos estão sendo usados como instrumentos de proteção. Reforçando essa impressão, constatam que as ações contra o Brasil estiveram concentradas em segmentos como produtos siderúrgicos, alimentos e calçados, que eram particularmente competitivos nos mercados dos países industrializados. 38 Os autores realizaram uma pesquisa que confirma a utilização de mecanismos fair trade contra o Brasil com fins protecionistas. Analisaram a evolução de 25 produtos submetidos a 44 processos durante o período 1976-1987, concluindo que o fato gerador do processo era o crescimento da parcela de mercado absorvida pelos produtos brasileiros, independentemente do comportamento dos preços. Os produtos foram submetidos a mais de um processo pelo país importador, seja simultaneamente ou após a conclusão desfavorável de um deles. No caso dos produtos siderúrgicos, os processos norteamericanos foram encerrados ou cessaram após concluído um acordo de restrições voluntárias às exportações. O uso de processos antidumping e anti-subsídios com intenções protecionistas pode ser resumido da seguinte forma: "ao perceber um crescimento inesperado de importações que estejam prejudicando o desempenho de alguma indústría local, o governo identifica, com auxílio dos produtores nacionais, os fornecedores externos responsáveis pelo desequilíbrioe abre uma investigação de dumping e/ou subsídios; se esta providência não for suficiente, abre um novo processo; quando houver um acúmulo de processos para socorrer um único setor, o governo os transforma em um VRA23 "(Tavares de Araújo e Naidin, 1989: 36). O fato de o Brasil ter-se tornado um exportador de manufaturados, juntamente com outros países em desenvolvimento, provocou uma reação nos países desenvolvidos no sentido de exigir mudanças nas políticas comerciaís. A reciprocidade na troca de concessões comerciais passou a ser a tônica das relações. Para conseguir essa reciprocidade foram utilizados diversos instrumentos como o unilateralismo agressivo norte-americano e os códigos de subsídios e dumping de forma distorcida. 23 Voluntary Restraint Arrangement: acordo voluntário para redução de exportações 39 GLOBALIZAÇÃO A globalização refere-se ao processo de integração dos mercados internacionais, que se acentuou na década de 80, e verificou-se nas áreas comercial, financeira e tecnológica. Kahler (1992) afirma que o processo de integração verificado no mercado de capitais e de bens não ocorreu no mercado de trabalho. Esse fato influenciou a estratégia das corporações transnacionais, que passaram a desenvolver fornecedores e ter instalações em várias partes do mundo. As empresas, explorando as oportunidades criadas com os avanços tecnológicos nas telecomunicações e microeletrônica e com a globalização financeira organizaram suas estratégias em relação às atividades de pesquisa e desenvolvimento, inovações, financiamento, produção, distribuição e vendas finais, segundo uma perspectiva global. A internacionalização das empresas foi acompanhada de um aumento do fluxo de investimentos diretos, que se verificou inclusive, embora em menor grau, nos países em desenvolvimento (Tabela 7). Tabela 7. Estoques de investimento direto (todos os setores). Dados para o fim do período. (US$ bilhões) para \de EUA CE Japão Países industrializados Países em desenvolvimento Mundo EUA Comunidade Européia Total* 198 21 1980 39 80 2 1990 240 321 8 1980 4 3 1990 100 40 - 1980 58 193 8 1990 404 687 33 1980 65 204 9 1990 431 722 35 157 338 162 685 12 167 387 1.422 410 1.493 61 222 114 456 48 212 92 789 15 27 63 230 137 530 297 1.735 144 560 331 1.850 1980 1990 80 6 - .. Países industrializados Japão - - Obs: * total inclui Investimentos dos países em desenvolvimento,não incluídos na tabela. Fonte: extraído de Laubier in IEDI, 1994: 45 o surgimento de uma rede de investimentos estrangeiros aliada à redução do custo dos transportes aumentou a competição no mercado doméstico e internacional. Este contexto incentivou conflitos comerciais. "[E]veryone tends now to be in everyone else's backyard, making import competition in one's own market and in third markets, even more fierce. In 40 this atmosphere (...) suspicions of unfair trade advantage accruing to one's rivals arise readily and fester"(Bhagwati, 1991b: 16). Com a realização de investimentos cruzados e fusões e aquisições de empresas domésticas e transnacionais, as empresas multinacionais perdem o seu caráter de multi domésticas, cuja estratégia visava mercados nacionais distintos e largamente independentes, que prevaleceu até meados da década de 70 (IEDI, 1993). A indústria global visa otimizar globalmente a locação das atividades, para aproveitar as vantagens de cada pais, procurando em escala mundial o suprimento de insumos à produção. Adicionalmente, com a evolução no setor tecnológico, como a microeletrônica, são definidos novos fatores de competitividade como o conhecimento e a redução dos custos de transação e de gestão. Surge um novo elemento para aumentar o potencial de conflito no sistema internacional, que não decorre de questões comerciais. A vantagem competitiva das nações deixa de ser representada pela dotação fixa de fatores de produção, e passa a poder ser construída pelos Estados (Thorstensen e outros, 1994). Em função da globalização, "pequenas diferenças nas ... práticas políticas ou institucionais, no regime fiscal e monetário, ou nos fatores de competitividade podem ter amplos efeitos nos fluxos de comércio e de investimento de um país. (...) Com a capacidade global das empresas multinacionais de transferirem ou diversificarem regionalmente as suas atividades, surgiu um novo tipo de competição entre os países, a competição locacional. Como a mobilidade locacional dos fatores de produção tem aumentado, ampliar a competitividade sistêmica, particularmente dos fatores de menor mobilidade, está se tomando prioridade estratégica dos governos nacionais 11 (Thorstensen e outros, 1994: 20, destaque dos autores). A nova estratégia das empresas multinacionais, que resulta no aumento do comércio intrafirma gera assim uma pressão externa para a liberalização comercial, que tem caráter estrutural. A abertura comercial passa a ser uma pré-condição para que os países se integrem ao processo de globalização e atraiam investimentos das empresas multinacionais. Sem dúvida, a abertura comercial, nesse contexto, permite o alcance do interesse nacional porque retira um impedimento para a atração de empresas multinacionais, mas, no que diz respeito à pressão externa, o que é relevante é que esse interesse nacional é definido a partir da mudança das condições internacionais. Mais especificamente, das características organizacionais e das decisões estratégicas específicas de um ator externo, as empresas multinacionais. 41 As diferentes respostas dos governos nacionais ao processo de globalização é analisado por Cooper (1986). O processo de globalização tem efeitos sobre a capacidade de intervenção do governo na economia: ela diminui a eficácia de políticas econômicas que dependem da fragmentação de mercados. Em vista disso, os governos podem adotar diferentes respostas para tentar neutralizar os efeitos da interdependência podem ser passivas (passive), de exploração sobre as economias nacionais, que (exploitattve), defensivas (defensive), agressivas (aggressive) e construtivas (constructive). Uma resposta passive significa aceitar a perda da autonomia econômica doméstica e abandonar qualquer tentativa de empreender ações independentes das determinadas pelos países aos quais o país está ligado por laços financeiros e comerciais. A resposta exploitattve significa tirar vantagem da crescente interdependência através de medidas que gerem ganhos apenas para os primeiros que as adotarem e se forem adotadas por poucos países. Apenas enquanto alguns países puderem oferecer condições favoráveis para alguns tipos de negócios, eles serão capazes de atraí-los. Se todos os países utilizarem essas medidas, não haverá influência sobre a localização da atividade econômica e os beneficios serão absorvidos pelas atividades favorecidas pela medida, à expensa de governos, consumidores e trabalhadores em geral. O sucesso com a resposta exploitative é alcançado apenas pelo país que começa o processo implementam também. A resposta e dura enquanto defensive envolve interdependência econômica preservando ou recuperando os demais países não a tentativas de reduzir a a autonomia dos mercados. A resposta aggressive procura ampliar o controle nacional sobre os fatores móveis onde quer que eles estejam, ao invés de reduzir a sua mobilidade. A resposta constructive representa a tentativa dos governos de estabelecer suas políticas conjuntamente de forma que a mobilidade dos recursos entre os países que cooperam deixa de representar uma forma de escapar da jurisdição governamental (Cooper, 1986: 9 passim). Como exemplo de ação exploitative na política comercial pode-se citar a política comercial estratégica. A política comercial estratégica parte da constatação de que em mercados de competição imperfeita dominados por oligopólios, a produção em larga escala, a experiência acumulada e a inovação tecnológica são os fatores que explicam o comércio, mais do que a clássica constelação de fatores. Com essa constatação, o argumento pró livre-comércio perde um pouco sua validade. "The rethinking of the basis of trade policy (...) suggests two ways in which an activist trade policy can benefit a country relative to free trade, perhaps at the expense of its competitors. The first is through the ability of 42 government to secure for a nation a larger share of rent; the second is through the ability of these policies to get the country more extemal economies" (Krugman, 1986: 12). Segundo Krugman (1986), em mercados imperfeitos existem "rents" - retornos mais elevados com o uso de um insumo em certas atividades do que em outro uso alternativo. Nesses mercados a "rent" é apropriada pelo primeiro que entra no mercado, desincentivando a entrada de novos competidores. Vantagens, por exemplo, como ganhos de escala fazem com que a entrada de um novo competidor no mercado não seja lucrativa. O governo pode atuar utilizando subsídios ou proteção para garantir que a empresa do país seja uma daquelas que participe desse mercado restrito. Uma resposta exploitative como a adoção de política comercial estratégica representa um aumento de potencial de conflito no sistema internacional. Como ela só gera ganhos de bem-estar para o primeiro país que a adota, pode gerar uma competição entre os países para adotá-la primeiro e um aumento da pressão para que não seja adotada pelos demais. Para o país que adota a política comercial estratégica, o ideal é que a resposta dos demais países seja passiva. Um exemplo de resposta passiva é a abertura comercial. A crescente interdependência aumenta a influência potencial que políticas domésticas de um país tem sobre os outros. A distinção entre política doméstica e política externa se torna mais tênue. Nas relações internacionais a tarefa principal passa a ser controlar as reações à crescente interdependência que sejam do tipo exploitative, defensive e aggressive, que se generalizadas restringem o processo de globalização. O protecionismo constitui uma política defensiva. A relação entre o processo de globalização da economia e aumento da pressão externa para abertura de mercados é identificada por Lawrence (1991). Esse autor acrescenta inclusive que o processo de globalização envolve não apenas demandas para a "integração fraca", como a referente a redução de tarifas e barreiras não-tarifárias, mas também a "integração profunda", visando a eliminação de políticas domésticas que possam discriminar involuntariamente os demais países. O autor analisa as consequências para os países em desenvolvimento de quatro cenários para a evolução do sistema de comércio que representam respostas possíveis para o processo de globalização da economia. Os quatro cenários são: (1) manutenção do regime de comércio baseado no GATT~ (2) desenvolvimento de blocos do comércio regional; (3) evolução de um sistema de comércio regulado; (4) aprofundamento do sistema do GATT com maior integração econômica -, 43 (Lawrence, 1991: 55). Nos diferentes cenários o acesso dos países em desenvolvimento ao mercado internacional será diferente, assim como serão diferentes as obrigações a serem cumpridas para esses países terem facilidade de acesso ao mercado internacional. Entretanto, o autor conclui que "con independencia dei escenario que prevalezca en el sistema de comercio mundial, las presiones que se van producir sobre los países en desarollo para que incrementen su integración global - y las consiguientes reducciones de soberania y deI grado de control- se incrementarán" (Lawrence, 1991:56). A globalização provoca um aumento no conflito internacional e no interesse dos países em influenciar as políticas uns dos outros em quatro aspectos. Em primeiro lugar, aumenta a competição entre produtos domésticos e importados porque amplia as possibilidades que eles se confrontem no mercado internacional. Em segundo lugar, em segmentos do comércio mundial com mercados altamente concentrados e dominados por oligopólios, em que há ganhos de escala, complementaridade entre empresas de um mesmo setor e diferenciação de produto, a utilização de pressão por um país visa garantir que os demais países adotem comportamentos passivos. Em terceiro lugar, em setores em que domina o comércio intra-firma, a pressão é de caráter estrutural: a estratégia das empresas multinacionais influencia as políticas adotadas pelos países. Finalmente, em quarto, o conflito potencial aumenta também porque crescem os pontos de contato entre as várias economias nacionais, de forma que políticas domésticas passam a ter implicações internacionais, havendo uma necessidade de pressão para padronização. CRISE DA DíVIDA A crise da dívida foi outro elemento que provocou o aumento da pressão externa porque resultou numa alteração da relação de poder entre países devedores e credores, ampliando a capacidade dos credores de impor condições aos devedores. A análise da crise da dívida aqui realizada vai ater-se à discussão do aumento da capacidade dos credores em impor condições. Outras questões referentes à crise da dívida como a adequação para os países devedores das estratégias adotadas e políticas prescritas não serão abordadas de forma mais abrangente neste trabalho. A crise da dívida representou uma situação de conflito entre devedores e credores, na qual a resposta individual racional de credores e devedores poderia levar a uma piora na situação • 44 de ambos. As negociações poderiam tomar quatro caminhos: (1) os bancos cessarem empréstimos e os devedores repudiarem as obrigações; (2) os devedores declararem a moratória e os bancos manterem o fluxo de recursos; (3) os devedores manterem o pagamento do serviço da dívida e os bancos interromperem o fornecimento de crédito; (4) os bancos fornecerem crédito e os devedores seguirem políticas prescritas para aumentar sua capacidade de pagamento. O conflito se estabeleceu à medida em que a preferência dos credores pelas estratégias foi diferente da dos devedores. Os credores preferiam em primeiro lugar a estratégia 3 e depois a 4; os devedores preferiam a 2 e depois a 4 (Aggarwal, 1987). Quando a crise da dívida tomou-se geral nos países da América Latina e África em 1982, existia um conjunto estabelecido de procedimentos para lidar com os poucos devedores, que no período anterior procederam à renegociação multilateral da dívida. Esses procedimentos, que tratavam principalmente de débito oficial, haviam sido determinados por um coletivo de credores para lidar com poucos devedores problemáticos, colocados nessa posição por fatores específicos (secas, queda no preço de exportações, etc.) ou por má administração. Esses países tinham poder de barganha reduzido e, como a maior parte do débito era oficial, a crise não colocava em risco o sistema financeiro internacional (Griffith-Jones, 1988). Ainda que o precedente e a iniciativa estivessem em favor dos interesses dos credores, quando a crise global da dívida ec1odiu, os devedores tinham mais poder do que os credores, aparentemente. "Banks could [not] coerce continued payments. They could not threaten to expropriate the assets ofa sovereign debtor, as they could for a private one. Nor were banks, acting individually,able to restrict the debtor's access to capital in the future. Repudiation by any major debtor would have forced the banks to write off their loans, thereby decimatingthe capital of some ofthe largest banks" (Aggarwal, 1987: cap.1). Os bancos, entretanto, desenvolveram uma estratégia de negociação que reverteu o poder para o seu lado, modificando alguns procedimentos em relação ao padrão anterior (GriffithJones, 1988). Foram formados comitês diretores pelos bancos privados para negociar com os governos devedores, compostos pelos maiores bancos dos países industrializados, que detinham maior parcela do débito. Os comitês coordenaram as ações dos vários bancos, representando-os nas negociações; conseguiram que novos créditos fossem concedidos e que o débito fosse restruturado. Nesse processo tiveram importância as organizações 45 oficiais internacionais e os bancos centrais dos paises credores. A pressão do FMI, dos bancos centrais dos países credores, e dos maiores bancos determinou o montante e forçou os bancos credores a concederem empréstimos involuntários. Esses empréstimos involuntários eram no interesse do coletivo dos credores, à medida em que impediram a interrupção dos pagamentos. Entretanto, o seu montante era inferior ao pago pelos devedores em serviço da dívida, o que gerou uma transferência de recursos negativa para os países devedores. Os comitês diretores foram funcionais para o interesse dos grandes bancos porque implicaram em coesão entre eles e subordinação das ações e interesses dos pequenos bancos aos deles. Conferiram unidade à posição negociadora dos bancos. Em contraste com a organização de um coletivo de credores, os devedores aceitaram ou foram forçados a negociações individuais, que deu vantagens aos credores. A cooperação entre os devedores foi impedida porque constituíam países soberanos, não havendo autoridade superior que forçasse a cooperação; eram países adversários competindo por fundos; enfrentavam internamente diferentes restrições políticas que impediam (ou não) a adoção de planos de ajuste; tinham entre si uma grande variação no tamanho da dívida; e os países pequenos, que eram os mais interessados na cooperação, não tinham recursos para implementá-la. Os bancos, governos credores e organizações internacionais trabalharam contra a formação de um cartel de devedores, oferecendo vantagens maiores aos países que negociassem individualmente (Aggarwal, 1987). Os representantes dos governos devedores não romperam com o padrão de negociação definido pelos credores apesar de terem discutido coletivamente o problema da dívida desde o início de 1984. Entre 1982 e 1986, a estratégia dos maiores devedores foi requerer dos credores a restruturação novos empréstimos ao invés de uma ação unilateral. Tussie (1988), da dívida e que analisa a coordenação da ação dos países devedores com a crise da dívida, afirma que durante o processo ocorreu um aumento da organização dos devedores que tentaram propor mudanças na estratégia definida pelos credores. Esse aumento da organização, entretanto, não mudou a relação de poder com os credores. Através da organização do cartel dos credores, os interesses das instituições financeiras e os seus critérios foram dominantes na administração da crise da dívida. A solução foi encaminhada para garantir que os devedores mantivessem o pagamento do serviço da dívida. A percepção da crise como um fenômeno financeiro temporário, que não implicava na necessidade de mudanças estruturais nas políticas de desenvolvimento adotadas, no sistema financeiro internacional e no contexto das negociações, condicionou a atuação dos 46 devedores: a melhor alternativa a seguir nessas circunstâncias era contrair temporariamente mais empréstimos e manter a sua credibilidade. "At the start of the debt crisis, debtor and creditor govemments were virtually unanimous in adopting the liquidity view of the problem and in their concern to prevent a crisis of confidence in the banking system" (Kenen, 1989: 78). Os credores consideraram necessário que os países devedores realizassem ajustes na sua economia para que o pagamento do serviço fosse mantido. Esse ajuste envolvia a redução da demanda doméstica, geralmente através de redução do gasto público ou aumento da tributação e desvalorização cambial, de forma a gerar os recursos para o pagamento. O FMI desempenhou um papel importante, concedendo pacotes de refinanciamento do serviço da dívida vinculados à adoção de programas de austeridade. Não apenas o financiamento para o ajuste concedido pelo FMI mas também a concessão de novos créditos pelos bancos credores eram vinculados a um programa de políticas prescrito pelo Fundo. O instrumento de atuação do FMI que vinculou a concessão de empréstimos à adoção de um determinado pacote de políticas é denominado condicionalidade. A vinculação empréstimos-prescrição de políticas existiu desde a criação do Fundo e tinha a finalidade de garantir que os países membros obedecessem às regras prescritas para manter a estabilidade monetária internacional". "The Fund's credit mechanism was designated to back up the observance by members of the Fund's code of behavior and to discourage them from resorting to measures destructive ofnational or internacional prosperity" (polak, 1988: 45). A estratégia visando garantir o pagamento do serviço com a concessão de empréstimos involuntários pelos bancos dependia da retomada rápida do crescimento nos países devedores de forma que a capacidade de pagar os empréstimos tomados se tomasse maior do que a dívida contraída com essa finalidade. Entretanto, a solução adotada para a crise da dívida fez com que ao invés de ocorrer restruturação involuntários, houvesse uma transferência da dívida com novos empréstimos líquida dos países da América Latina credores, que foi disfuncional ao crescimento e desenvolvimento aos dos países devedores", 24 Nem todos os empréstimos tomados do Fundo são submetidos à condicionalidade, apenas os referentes às três tranches de crédito superiores (upper credit tranches), a acordos stand-by e linhas de crédito especiais como a extendedfundfacility (EFF) e a structural adjustmentfaci/ity (SAF). O acesso à tranche de reserva e à primeira tranche de crédito é praticamente livre de condições. 25 Os efeitos negativos da estratégia de resolução da dívida para o Brasil serão tratados no próximo capítulo. 47 assim como prejudicou atores não-financeiros nos países desenvolvidos, como os exportadores, que se beneficiavamcom o crescimento na região. Baer e Coes (1989) afirmam que a resposta adotada para a crise da dívida dos países latinoamericanos - manutenção do pagamento dos juros pelos devedores - gerou conflitos internos nos EUA. De um lado, os setores internos, que competiam com importações provenientes da América Latina, passaram a demandar a eliminação de programas de incentivo às exportações nesses países; de outro, os setores exportadores queriam que os países latino-americanos liberalizemsua política de importação. Dada a relutância dos credores em emprestar, o pagamento dos juros nos países da América Latina foi proporcionado com a geração de superávits comerciaís. Num primeiro momento, esses superávits foram conseguidos por políticas de restrição às importações, por desvalorizações cambiais e queda na taxa de crescimento da economia. A América Latina constituía um importante mercado para as exportações norte-americanas, especialmente de .. manufaturas, e assim, as medidas adotadas pelos países devedores prejudicaram exportadores dos EUA. Num segundo momento, as políticas de promoção de exportação de bens manufaturados tomaram-se bem sucedidas, ameaçando produtores norteamericanos no seu próprio mercado, no caso de setores como o de aço, têxtil, de máquinas, vestuário, calçados e equipamentos de transporte. Os produtores domésticos que enfrentavam concorrência dos importados no mercado norte-americano passaram a apresentar queixas contra países latino-americanos sob alegação de práticas desleais de comércio. A estratégia de garantir o pagamento do serviço da dívida através da redução da absorção interna foi crescentemente questionada pelos países devedores e pelos agentes nos países desenvolvidos que se beneficiavam do crescimento da região. Passou-se a enfatizar a necessidade de empréstimos de longo prazo para estimular o crescimento econômico pelos organismos financeiros internacionais, ao invés de empréstimos associados ao ajuste do balanço de pagamentos. Essa nova concepção de solução para a crise da dívida foi ,. concretizada com o Plano Baker em 1985. o plano Baker foi anunciado no encontro anual do FMI e Banco Mundial, em outubro de 1985, sendo endossado pelos demais países industrializados na Conferência de Tóquio, em maio de 1986. O plano afirmava que a crise da dívida só poderia ser resolvida com - 48 crescimento nos países devedores. A ênfase na austeridade seria prejudicialno longo prazo. Convocou bancos privados e instituições multilateraís para aumentarem seus empréstimos aos países devedores'". O acesso dos devedores a esses recursos ficou condicionado à adoção de um conjunto de medidas. "Debtors will have to make firm commitments to further strengthen their economies by adopting additional market-oriented economic policies, relying more heavily on supply side actions such as tax and labour reforms, transfering ineficient state enterprises to the private sector, liberalizing trade practices and adopting policies designated to attract more foreign investment" (Bogdanowicz-Bindert, 1986:34). O plano foi criticado por não oferecer nada de novo e não ser capaz de aumentar os empréstimos para os países por ele considerados. "The plan amounted to no more than the hope that the existing strategy could be played out longer" (The Economist, 1991: 17). O incentivo ao crescimento assim como a política de austeridade propostos visavam produzir moeda estrangeira para pagar as obrigações com o serviço da dívida e não promover a recuperação econômica dos países devedores; e a promessa de novos créditos também fazia parte da estratégia anterior, através dos empréstimos involuntários. Adicionalmente, apesar do plano, os países devedores não tiveram acesso a novos recursos. Os bancos comerciais permaneceram relutantes em conceder novos empréstimos, e inclusive a exposição dos bancos norte-americanos aos 15 países diminuiu de US$ 90,5 bilhões para US$ 89,2 bilhões nos seis meses que seguiram o anúncio do plano. A transferência de recursos líquidos dos 15 países considerados pelo plano Baker continuou em 1986. Segundo estimativas do Overseas Development Council, esses paises transferiram no total US$ 27,7 bilhões, dos quais, US$ 26,9 bilhões para os bancos privados e US$ 1,2 bilhões para o FMI (Bogdanowicz-Bindert, 19 : 41,42). Segundo Bogdanowicz-Bindert (1986), o principal resultado do plano Baker foi desestimular a discussão sobre a formação de um cartel de devedores na América Latina. Apesar disso, o plano Baker teve novas implicações sobre o instrumento de pressão econômica dos organismos financeiros internacionais: as políticas prescritas passaram a incorporar não apenas as ligadas à estabilização mas também as ligadas ao ajuste estrutural 26 Os bancos comerciais foram solicitados a manter empréstimos aos 15 maiores devedores e a aumentar sua exposição a no mínimo 2,5% aoano. No sua contribuição total ao plano era de US$ 20 bilhões em três anos. O Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento deveriam aumentar seus empréstimos aos maiores devedores em 500/0, totalizando US$ 9 bilhões (Bogdanowicz-Bindert, 1986) 49 da economia, num conjunto de propostas que foi denominado o. "consenso de Washington?". Outra implicaçãofoi a de que, a partir do plano Baker, a atuação do Banco Mundial na concessão de empréstimos vinculados à condicionalidade, os Structural Adjustment Loans (SALs) e os Sectoral Adjustment Loans (SECALs) foi reforçada. Em maio de 1989, a gestão do problema da dívida externa sofreu uma ruptura em relação aos esquemas anteriores, passando a incorporar a possibilidade de redução da dívida, com o plano Brady". Para a inclusão da redução da dívida na estratégia foi importante a participação do Congresso norte-americano, que envolveu-se na discussão da crise da dívida com o aumento de queixas sobre a invasão de produtos latino-americanos no mercado dos EUA e os cortes nas importações desses paises decorrentes da estratégia adotada até então (Roett, 1989). Em meados de julho de 1987, o Congresso norteamericano aprovou resoluções solicitando ao Executivo implementar ações visando a redução da dívida dos países subdesenvolvidos altamente endividados (Bresser Pereira, 1994: 346). A incorporação da redução da dívida na estratégia para solução da crise também representou uma demanda dos devedores, que os credores, em função do fracasso da estratégia anterior, passaram a adotar>. Na nova estratégia, a ênfase na necessidade de políticas de ajuste estrutural permaneceu: ela passou a ser condição para os países devedores fossem candidatos a programas de redução da dívida. "[N]a proposta Brady ficava evidente que o processo de desvalorização estaria associado a um aprofundamento das condicionalidades dos organismos financeiros internacionais. As discussões no Congresso norte-americano sobre este aspecto concentraram-se na remoção dos obstáculos ao livre fluxo de comércio e investimentos e na eliminação de práticas protecionistas e discriminatórias ao capital estrangeiro. Também se fez menção explícita a reformas dos sistemas financeiros internos e à sustentação dos programas de conversão de dívidas em investimentos. A importância das condicionalidades A formação do consenso neoliberal e suas implicações sobre a atuação das instituições financeiras internacionais serão tratados a seguir. 28 A redução da dívida envolvia quatro elementos: a constituição de garantias com recursos oficiais para o principal e para o pagamento dos juros, que referiam-se sobretudo a débitos com os bancos privados; a possibilidade de suspensão por prazo determinado de cláusulas aplicadas em contratos de reescalonamento de dívidas com bancos privados, que limitavam a efetivação da desvalorização; a alteração da legislação bancária dos países credores e a concessão de incentivos fiscais para incentivar a desvalorização contábil dos ativos; e a desvinculação de desembolsos do FMI da normalização das relações entre países devedores e bancos credores Baer, 1993). 29 Sobre a iniciativa brasileira para a redução da dívida através de sua transformação em novos títulos, ver Bresser Pereira (1992a, 1994). 27 50 não se restringia, no entanto, à postura norte-americana, mas era um dos aspectos de maior insistência das autoridades alemãs e japonesas, entre outras" (Baer, 1993: 20). Independente da adequação ou não das estratégias de solução da crise da dívida com os planos Baker e Brady, para efeito deste trabalho, essas estratégias são importantes porque tiveram efeitos sobre a capacidade de pressão dos credores, à medida em que provocaram uma alteração no instrumento de pressão por eles adotado. Se considerarmos que a capacidade de persuasão de um instrumento de pressão é determinada pelo beneficio líquido em ceder à pressão, as mudanças com os planos Baker e Brady visaram tomar a condicionalidade mais persuasiva, pois aumentaram os beneficios potenciais de adotar as políticas prescritas (aumento de empréstimos e redução da dívida). Durante a década de 80, o Banco Mundial concedeu 3 empréstimos setoriais de ajuste ao Brasil. Dois na primeira metade da década, totalizando 655 milhões de dólares e um na segunda metade, no valor de 500 milhões de dólares. Os empréstimos de ajuste do Banco Mundial para o Brasil apresentaram um padrão diferente em relação a outros paises latinoamericanos: na segunda metade da década de 80 foram menores do que na primeira, enquanto que nos outros países o nível de empréstimo aumentou (Tabela 8). Tabela 8. Empréstimos de ajuste do Banco Mundial, 1980-89 (US$ milhões) 1980-85 Argentina 1985-1989 O 1.150 Brasil 655 500 Chile O 750 Colômbia O 850 25 180 352 3.315 Costa Rica México Fonte: Banco Mundial In Stalhngs, 1992, p.78 O fato de os empréstimos do Banco Mundial terem sido de ajuste setorial (e não de ajuste estrutural) e terem diminuído no decorrer da década pode dar a impressão de que o Brasil foi menos sujeito à condicionalidade que os outros países latino-americanos. Entretanto, a condicionalidade implicou num tipo de recompensa: os países que adotassem as políticas BOEOECl(ER 51 prescritas seriam recompensados com empréstimo, e os que não adotassem, .seriam punidos. O fato de o Brasil ter recebido menos empréstimos do Banco Mundial pode ser visto como uma punição por não adotar as políticas prescritas. Esse padrão de recompensa determinado pela condicionalidade foi aplicado não apenas pelos organismos financeiros internacionais, mas também pelos bancos credores e empresas dos países desenvolvidos. Stallings (1992) afirma que a condicionalidade não constituiu apenas um elemento explícito na negociação do Banco Mundial e do FMI mas sim um elemento implícito das negociações com os bancos privados, agências bilaterais de ajuda e corporações multinacionais. O fato de a condicionalidade ter determinado o padrão de negociação dos países em desenvolvimento com todas as fontes de recursos externos disponíveis, criou a situação singular em que condicionalidade: os países em desenvolvimento sempre ficaram à submetidos se conseguiam recursos, que envolvia a aplicação de condicionalidade explícita e se não conseguiam novos recursos, o que representava a aplicação de condicionalidade implícita. A aplicação da condicionalidade implícita sobre o Brasil pode ser verificada na evolução da conta de capitais do balanço de pagamentos. A conta de capitais engloba transferências oficiais, investimento direto, investimento em carteira, outros capitais, financiamento especial, além de erros e omissões. A partir de 1990, essa conta tomou-se positiva (Tabela 9). Assim, pode-se dizer que a redução de empréstimos e investimentos estrangeiros no Brasil, na década de 80, representou a aplicação sobre o Brasil de uma condicionalidade implícita. Tabela 9. Brasil. Balanço de Pagamentos: conta de capitais.(US$ bilhões) Ano Conta de capitais 1988 (2,92) 1989 (0,11 ) 1990 4,28 1991 1,07 1992 8,40 Fonte: FMIIBalance ofPayments Yearbook 52 A reversão da conta de capitais do Brasil, a partir de 1990, indica a aplicação durante a década de 80 da condicionalidadeimplícita. No ano em que o país iniciou a realização de reformas de ajuste estrutural, ocorreu a retomada do influxo de recursos externos. A retomada do influxo de recursos externos pode ser entendida como resultado da redução do risco do país para investimentos estrangeiros, para o que contribuíram tanto a adoção de reformas estruturais quanto a perspectiva próxima da finalização de um acordo da dívida externa (EI-Erian, 1992; Kuczynski, 1992). "Just as inappropriate economic policies, together with adverse exogenous developments, were major contributors to the emergence of debt problems, the sustained implementation of adjustment policies has been the critical factor in the restoration of voluntary access. In effect, appropriate macroeconomic and structural reform policies have reduced perceptions of country transfer risk" (EI-Erian, 1992: 184)30. Krugman (1995) confirma a importância da adoção de reformas de orientação de mercado para a retomada do influxo de recursos externos nos países devedores da década de 90. Esse autor identifica a relação entre um processo auto-alimentado ocorrido no mercado financeiro e a adoção das políticas de ajuste estrutural. Uma pequena recuperação das perspectivas das economias no final dos anos 80 possibilitou ganhos de capital aos que investiram nas bolsas dos países em desenvolvimento. Seu sucesso atraiu outros investidores, aumentando ainda mais os ganhos, de forma que, os fundos de mercados emergentes popularizaram-se nos anos subsequentes. Ao mesmo tempo em que esse processo auto-alimentado ocorria nos mercados financeiros, com a consolidação das idéias do consenso neoliberal, a adoção pelos governos dos países em desenvolvimento de políticas de ajuste estrutural passou a ser recompensada pelos mercados com o aumento do ingresso de recursos externos. "This was a political economy cycle, in which governments were persuaded to adopt Washington consensus policies because markets so spectacularly 30 Outro argumento que procura explicar a retomada do financiamento externo na década de 90 é o aumento do rendimento das aplicações nos países devedores. O financiamento externo na década de 90 retoma sob a forma de investimento de portfólio: venda de títulos no mercado internacional, dos quais 94% referem-se a títulos de renda fixa. Os principais investidores estrangeiros que adquirem títulos brasileiros de renda fixa são os institucionais e os administradores de grandes fortunas: 52% dos títulos emitidos pelo Brasil foram comprados por administradores de fortunas pessoais; 28% obtidos por fundos emergentes e fundos de alto rendimento; 17,5% tomados por investidores institucionais tradicionais (fundos de pensão, seguradoras e empresas de leasing) e 2,5% por outros investidores (Barros e Fernandes Mendes, 1994). Pelas características das instituições - private banks e investidores institucionais tradicionais - a redução do risco do país com a adoção de políticas de ajuste também foi um parâmetro importante na decisão de investimento, o que reforça a idéia da aplicação da condicionalidade implícita no período anterior. 53 rewarded them, and in which markets were willing to supply so much capital because they thought they sawan stoppable move toward policy reform" (Krugman, 1995: 34)31. A condicionalidade internacionais é justificada pelos argumentos produzem conhecimentos de que os organismos financeiros e informações, que constituem bens públicos internacionais; que os organismos financeiros internacionais sabem o que os devedores devem fazer; que a condicionalidade reduz o risco moral dos empréstimos. (Vaubel, 1991) o argumento da redução do risco moral afirma que a condicionalidade impede que os governos devedores desperdicem os recursos, obrigando-os a utilizar os recursos nas políticas "certas". A justificativa da prevenção do risco moral pressupõe, portanto, que os organismos financeiros internacionais sabem ou podem determinar as políticas "certas". Para determinadas políticas serem consideradas "certas", existe a necessidade da formação de um consenso sobre elas. Por isso, a capacidade de pressão do organismos financeiros internacionais está ligada ao surgimento do "consenso de Washington". A informação e o conhecimento produzidos pelos organismos financeiros internacionais são fundamentados pelo consenso sobre o que é considerado "certo". Com isso, os organismos financeiros internacionais passam a atuar como produtores e divulgadores de ideologia. "IMF programs often deviate from neutrality to the extent that they reflect the prevailing ideological beliefs ofthe U.S. administration in power" (Sachs, 1989: 117). Um exemplo dessa atuação é a inclusão da liberalização comercial no programa prescrito pelo Banco Mundial usando como exemplo a performance econômica dos países asiáticos. O tema da liberalização comercial foi incorporado pelo consenso neoliberal como um dos elementos da critica à intervenção do Estado na economia. Para essa incorporação ocorrer, teve papel importante Anne Krueger, que assumiu o papel de economista chefe do Banco Mundial no início dos anos 80. "She had a good argument - trade liberalization. To support it she adopted an ingenious rhetoric strategy. She and several other economists identified trade liberalization with export-orientation and market orientation, in this way coopting the extraordinary economic performance of the Asian tigers to the neoliberal ideas" (Bresser Pereira, 1993: 18). 31 Para Krugrnan (1985), esse movimento auto-alimentado era baseado em expectativas otimistas demais em relação às políticas adotadas. O autor não nega a necessidade da liberalização de comércio, mas afirma que a melhora do desempenho econômico dos países que a adotaram não foi pelos méritos da política em si, mas porque provocou um aumento na confiança dos investidores. 54 Assim, a capacidade de pressão das instituições financeiras internacionais, que aumenta após a crise da dívida com a formação do cartel de credores, é adicionalmente ampliada com a formação do consenso neoliberal. Pela existência de um conjunto de prescrições de política considerado "certo", cresce sua capacidade de atuar como criadores e divulgadores de ideologia. Consenso neoliberal A formação do consenso neoliberal na década de 80 pode ser entendida como a resposta à redução do crescimento econômico nos países desenvolvidos, à medida em que a crise econômica foi associada ao crescimento excessivo do Estado. Desta forma, a estagflação nos países desenvolvidos, associada aos excessos do Welfare State e à crise de autoridade dos regimes capitalistas, em função da constituição de novos direitos que extrapolavam a capacidade do Estado de atendê-los podem ser apontados como fatores que explicam o seu surgimento. Segundo Bresser Pereira (1993c, 1993e), a intervenção do Estado, que é necessária para a acumulação e distribuição, coordenação do sistema capitalista e para corrigir as distorções do mercado, tende a se tomar excessiva". atuando juntamente com o mecanismo de mercado Esse aumento da intervenção do Estado pode gerar distorções: na o crescimento dos gastos do governo tende a causar desequilíbrios fiscais e o crescimento da regulamentação pode resultar em aumento de custos, prejudicando a competitividade internacional do país; o que tem repercussões sobre a sua situação econômica. Nessas condições, a redução da intervenção estatal toma-se necessária. Bresser Pereira (1993c), baseado em Hirschman, afirma também que a mudança na direção conservadora pode ser explicada por fatores políticos. Após períodos em que as sociedades concentram-se no alcance do interesse público, seguem-se períodos nos quais é privilegiado o bem-estar individual e vice-versa. A mudança no objetivo perseguido pela sociedade resulta de desapontamento seja com o acúmulo de distorções provocadas pela intervenção do Estado, seja com a operação dos mecanismos de mercado, o que resultaria num ciclo •...• 32 Entre os fatores que explicam esse cresimento, o autor inclui: o aumento da complexidade das relações legais com o desenvolvimento da especialização e da divisão do trabalho; o aumento do conflito social com o processo de adensamento demográfico nas áreas urbanas; a insuficiência de poupança privada para financiar investimentos que requerem grandes aportes de capital; o aumento da demanda por investimentos na produção de bens públicos; a necessidade de regular monopólios privados; a pressão de grupos de interesse empresariais, de consumidores e da burocracia (Bresser Pereira, 1993c: 1341 passim). 55 político no qual se alternam "periods of intense preoccupation almost total concentration on individual improvement with public issues and of and private welfare goals" (Hirschman citado por Bresser Pereira, 1993: 1343). o renascimento da ideologia neoliberal foi mais acentuado nos paises mais afetados pela crise: os Estados Unidos e a Inglaterra. A idéia de excesso de Estado aliada à noção de sua crescente incapacidade formaram a identidade dos novos governos conservadores e fundamentaram as suas escolhas de política econômica. Nos EUA, o domínio das idéias de redução do Estado esteve ligado a características da administração Reagan. Segundo Gilpin (1987), em função da crescente influência das políticas fiscais e macroeconômicas sobre o sistema monetário internacional, que provocaram aumento da volatilidade das taxas de câmbio e da especulação, o governo Reagan adotou a postura de convergência política. Acreditava que os problemas da economia mundial eram derivados primordialmente de políticas inadequadas adotadas pelos demais países e por suas estruturas econômicas. A eliminação da regulamentação governamental, a privatização do setor público, a redução do intervencionismo econômico e o desmantelamento do Welfare State eram consideradas as políticas "corretas" para reduzir a inflação doméstica. Se outras economias adotassem políticas semelhantes, poderiam superar seus problemas. A solução assim era a conversão dos demais países às políticas adotadas nos EUA. Propunha o alinhamento das políticas econômicas nacionais para combater a inflação, a atuação do FMI para monitorar o cumprimento dessa meta, e a adoção pelos demais países de políticas expansionistas para reduzir o déficit comercial norte-americano ao invés de adotar medidas para a redução do déficit público. Salomon (1986) afirma que a imagem do governo Reagan para o público foi a dos idealistas do livre mercado, com a noção da supremacia do mercado e o Estado mínimo, embora a escolha por políticas econômicas fosse baseada em várias escolas de pensamento além dessa. Essa imagem coincidia com a ideologia do livre mercado que predominava nos EUA. "American characteristically view their own history as demonstrating the virtues of laissezfaire and economic openness. In this respect, American ideology reinforces the interest of the twentieth century United States in maintaining a liberal world economy" (Keohane citado por Raghavan, 1990). 56 o consenso neoliberal foi estendido para a discussão do subdesenvolvimento com o declínio da abordagem teórica que, até então, vinha sendo adotada para superá-lo: a economia do desenvolvimento. o declínio da economia do desenvolvimento é explicado por Hirschman (1981) pelo fato de que a abstração a partir da qual a teoria havia sido constituída - um país subdesenvolvido típico - deixa de existir com os processos diferenciados de desenvolvimento ocorridos nos países em desenvolvimento. "The concept recommendations for all underdeveloped of a unified body of analysis and policy countries, which contributed a great deal to the rise of the discipline, became in a sense a victim of the very success of development and of its uneveness" (Hirschman, 1981: 20). O segundo motivo do declínio está relacionado com o fato de que muitos teóricos da economia do desenvolvimento acreditavam que a melhora na situação econômica levaria automaticamente à melhora nos campos social, político e cultural. Essa visão foi duramente contestada pelos acontecimentos dos anos 60 nos países subdesenvolvidos, que experimentaram o retrocesso nas áreas de direitos humanos e civis paralelamente ao sucesso econômico. li O colapso da URSS e do leste europeu reforçaram a posição neoliberal a medida em que desacreditaram o planejamento central e a intervenção do Estado na economia. Assim, ao mesmo tempo em que. a alternativa à estratégia liberal se esgotou, a liberal se fortaleceu, tornando-se dominante na discussão. A existência do consenso neoliberal é importante para explicar o aumento da pressão para a liberalização comercial na década de 80. Até então, tendo sua atuação baseada na economia do desenvolvimento, o Banco Mundial era favorável à proteção da indústria nascente como forma de promover o desenvolvimento econômico. "When the Bank was founded, its mission was quite clear: to help the reconstruction of Europe and to promote growth in the rest of the world. The basic strategy was industrialization. The means to achieve it, foreign finance for infrastructure investments and the protection of infant industry" (Bresser Pereira, 1993a: 4). Com a formação do consenso neoliberal, o Banco muda a sua prescrição de políticas. "The very idea of a development strategy based on the combination of state action and private entrepreneurship (...) was replaced with an aggressive anti-state ideology in the First World, that in Washington, eventually culminated in the neo-liberal or quasi neo-liberal Washington consensus" (Bresser Pereira, 1993a: 6). 57 Com o surgimento do consenso neoliberal define-se um novo diagnóstico para a crise na América Latina: o populismo econômico, que se manifesta na indisciplina fiscal e intervenção estatal excessiva, relacionada ao protecionismo, à regulamentação excessiva e ao tamanho do Estado. A questão da dívida externa é desconsiderada: a crise é vista como tendo origens exclusivamente internas. As políticas prescritas para solucionar a crise passam a ser estabilização através de políticas fiscais e monetárias ortodoxas e redução intervenção do Estado na economia através de privatização, desregulamentação comercial (BresserPereira, e abertura 1993e: 19,20). Adicionalmente, a formação de um consenso sobre as políticas consideradas provocou da mudanças no comportamento dos investidores. corretas, Passaram a premiar com o aumento do influxo de recursos externos, aqueles países que adotaram essas políticas, o que representou um incentivo adicional para a implementação dessas políticas e contribuiu para a melhora na situação econômica desses países após a adoção das políticas (Krugman, 1995). A formação do consenso de Washington influenciou a capacidade de pressão porque ela forneceu uma direção única para a pressão ser exercida: para a redução da intervenção do Estado na economia. O poder dos países desenvolvidos utilizarem pressão para provocar mudanças nas políticas adotadas pelos em desenvolvimento na direção prescrita pelo consenso neoliberal aumentou com a crise da dívida na década de 80. Neste capítulo foi verificado que acontecimentos ocorridos ou consolidados no sistema internacional na década de 80 aumentaram a pressão externa sobre o Brasil para a adoção da abertura comercial. Em primeiro lugar, vinculado ao processo de globalização, a pressão externa se manifestou com uma modificação na organização e estratégia das empresas multinacionais, tomando necessário ao país realizar a abertura comercial sob pena de ficar excluído do fluxo de investimento dessas empresas. Esses acontecimentos resultaram também no aumento do interesse e da capacidade dos países desenvolvidos em exercerem pressão, pois, com o processo de globalização, surgiram oportunidades para a adoção de políticas que só seriam bem-sucedidas se os demais países permanecessem passivos. O declínio da hegemonia norte-americana provocou, de um lado, um aumento na disposição dos EUA em realizar ações sobre parceiros comerciais que utilizassem práticas desleais de 58 comércio, ocorrendo uma modificação na lei comercial norte-americana com esse sentido, em 1988. De outro lado, os EUA passaram a apresentar déficits comerciais crescentes com o Brasil, o que aumentou o interesse em que o país modificasse a sua política comercial. O fato de o Brasil não ter capacidade contra-retaliatória transformou-o num alvo preferencial da pressão. Num plano mais geral, a performance bem sucedida dos países em desenvolvimento, inclusive do Brasil, na exportação de manufaturas fez com que aumentassem as pressões dos países desenvolvidos para que eles se adequassem às regras do GATT e aumentaram as ações realizadas contra o Brasil sob alegação de comércio desleal. Em vista disso, a legislação comercial protecionista do Brasil passou a ser crescentemente questionada por tomar o país vulnerável a esse tipo de acusação. A crise da dívida tomou possível aos países credores desenvolvidos imporem condições porque provocou uma alteração na relação de poder em favor dos credores. Nesse contexto, o instrumento de pressão utilizado referiu-se à condicionalidade implícita; não apenas os empréstimos bancários mas também decisões de investimento dos países desenvolvidos passaram a ser condicionados à adoção pelo país devedor das políticas de ajuste prescritas pelas instituições financeiras internacionais. A formação do consenso neoliberal deu a direção na qual a condicionalidade passou a ser utilizada - para a redução do Estado na economia - e reforçou o papel das instituições internacionaiscomo produtoras de ideologia. No capítulo seguinte será verificada a situação do Brasil frente a essas modificações no sistema internacional. 59 CAPÍTULO 2 Neste capítulo serão tratados os fatores internos que permitem verificar se o aumento do conflito no sistema internacional e a decorrente utilização de instrumentos de pressão contra o Brasil representaram pressão de fato. Esses fatores referem-se à vulnerabilidade econômica - comercial e financeira - e à vulnerabilidade ideológica. A vulnerabilidade econômica é um conceito relativo. Na existência de uma relação de interdependência entre países, o país mais vulnerável é aquele que mais perde com o rompimento da relação. Para avaliar a vulnerabilidade comercial, é preciso analisar a participação do país no comércio internacional, a importância do comércio exterior para a economia do país e os principais mercados para seus produtos. A vulnerabilidade comercial pode também ser .. determinada em relação a um instrumento específico de pressão, como as ações antidumping e anti-subsídios . A vulnerabilidade financeira está relacionada à perda com o rompimento da relação financeira: o não-pagamento do serviço da dívida. Pode ser avaliada em termos dos custos e beneficios associados tanto com o pagamento quanto com o não-pagamento. Se o beneficio líquido do não-pagamento do serviço for maior do que o beneficio líquido do pagamento, não existe vulnerabilidade financeira. Com relação à vulnerabilidade ideológica, este capítulo apresenta apenas alguns elementos para a discussão, com base em análises de outros autores. O conceito de ideologia adotado permite identificar duas situações de vulnerabilidade: uma, de caráter estrutural, ligada à dependência ideológica, e outra, de caráter circunstancial ligada ao esgotamento do modelo de substituição de importações. A dependência ideológica resulta da existência de relações de interesse econômico entre - grupos nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento, que com isso, passam a compartilhar de visões de mundo, estilos de vida e idéias comuns. Além disso, a pressão externa ajuda a tomar explícita a irracionalidade presente em determinados tipos de instrumento de atuação do Estado, como a política comercial. Finalmente, o esgotamento da estratégia liderada pelo Estado contribui para que o modelo dominante nos países 60 desenvolvidos passe a ser aceito como uma alternativa viável de ação para a sociedade. É nesse sentido que pode-se falar em vulnerabilidade ideológica circunstancial. Ela está ligada à crescente incapacidade do Estado em atender as demandas da sociedade, que passa a aceitar a necessidade de sua redução. VULNERABILIDADE COMERCIAL o comércio exterior, em termos estáticos, desempenha um papel relativamente menos importante nos países latino-americanos do que nos países do leste asiático. Entre os latinoamericanos, o Brasil apresentou uma relação fluxo de comércio-PIB menor do que a Argentina e o México. Assim, a vulnerabilidade comercial do Brasil, em termos estáticos, é menor do que a da Argentina, do México e dos países do leste asiático (Tabela 10). Tabela 10. Brasil. Relação comércio exterior-PIB (%) 1982 1985 1986 1987 1988 1989 Brasil 15,9 20,6 17,6 13,8 14,9 16,5 Argentina 19,4 18,1 16,1 16,4 17,7 25,3 México 20,8 19,7 21,6 19,3 22,3 23,0 182,4 194,3 219,6 193,8 298,2 182,5 67,4 71,3 67,5 72,6 65,7 58,3 334,2 281,0 276,7 306,9 347,4 332,2 HongKong Coréia do Sul Cingapura Obs: comércio exterior=exportações + importações Fonte: Banco Mundial, Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial, cálculos próprios. Entretanto, o comércio exterior é importante para o Brasil pelo seu efeito dinamizador sobre a economia. Durante a década de 80, após a conclusão do 11 PND (1975-1979), a indústria brasileira deixou de gerar sua própria demanda e as possibilidades de crescimento a partir do mercado doméstico foram reduzidas pela crise. Com isso, a produção industrial passou a ser crescentemente direcionada para o mercado internacional. As exportações tomaram-se o motor do crescimento econômico. Na década de 80, os setores que se expandiram na indústria manufatureira foram os de bens intermediários (3,9%) e o de bens de consumo não duráveis (10,5%). No setor de bens intermediários, o aumento da 61 produção foi provocado pela exportação de polpa e papel, de produtos químicos e petroquímicos, de borracha e artefatos de borracha e de produtos metalúrgicos (Suzigan, 1993). Conforme podemos verificar na tabela 11, as exportações passaram a representar uma parcela crescente da produção em todos os setores, especialmente no setor industrial. Tabela 11. Brasil: Exportações em relação ao total da produção do setor (%) 1980 1988 Todos os setores 10,2 13,3 Mineração 46,0 68,0 9,4 11,9 - Metalurgia 4,7 32,6 - Roupas e calçados 6,8 26,0 - Material de transporte 10,0 17,8 - Papel e papel cartão 10,5 13,4 - Químicos 8,8 10,3 - Borracha 4,9 10,1 - Têxteis 6,3 10,0 Indústria Indústria - setores selecionados: Fonte: F.Sartl e Furtado In Suzigan, 1993 A vulnerabilidadecomercial do Brasil ocorreu pelo fato de as exportações terem constituído o motor do crescimento da economia na década de 80, e não em termos estáticos (relação comércio-PIB). Se as relações comerciais fossem rompidas, haveria uma reversão do desempenho econômico. Uma vez determinada a importância do comércio exterior para o Brasil é necessário verificar quais os principais parceiros comerciais. Os países e blocos de países desenvolvidos ocidentais mais importantes - EUA, Canadá, CE e EFTA - constituíram o principal destino das exportações brasileiras, representando, em média 58,5% do total das exportações brasileiras, de 1970 a 1990 (Tabela 12). 62 Tabela 12. Destino das exportações brasileiras (%) 1980 1985 1986 1987 1988 1989 1990 17,4 27,2 25,8 27,4 24,8 22,5 23,7 1,2 1,7 1,8 2,2 2,6 2,5 1,7 CE12 30,9 27,4 25,7 27,2 28,8 29,4 31,0 EFTA 2,9 2,6 4,2 2,7 2,5 2,4 2,0 Soma 52,4 58,9 57,5 59,5 58,7 56,8 58,4 EUA Canadá Fonte: UNSO Comtrade in GATT, TPRM, 1992 Nas importações, embora os países desenvolvidos ocidentais tenham deixado de ser, na década de 80, a principal origem, eles continuaram tendo uma participação importante (45,7% em média). Se considerarmos as importações provenientes do Japão, passaram a representar a principal fonte de importações. A soma das importações dos principais países desenvolvidos representou 55,4% do total das importações em 1989 (Tabela 13). Tabela 13. Origem das importações brasileiras (%) 1980 1985 1986 1987 1988 1989 18,5 19,7 22,0 20,1 20,1 22,7 3,9 3,1 3,2 3,0 3,2 2,7 CE12 16,8 15,3 22,7 22,4 22,1 20,9 EFTA 1,4 1,6 1,9 1,9 2,2 2,9 Soma 40,6 39,7 49,8 47,4 47,6 49,2 Japão 4,8 4,3 6,8 6,1 7,1 6,2 Soma 45,4 44,0 56,6 53,5 54,7 55,4 EUA Canadá Fonte: UNSO Comtrade in GATT, TPRM, 1992 O fato de os principais países desenvolvidos exportações serem os principais mercados para as brasileiras e importantes fornecedores para o Brasil indica que se o Brasil rompesse relações comerciais com esses países, seria prejudicado. Por outro lado, o Brasil - 63 tinha pouca importância nas relações comerciais dos países desenvolvidos. Como fornecedor de produtos sua participação era em tomo de 0,7% (Tabela 14). Os países desenvolvidos perderiam muito pouco com o rompimento das relações comerciais com o Brasil. Consequentemente, no comércio exterior, o Brasil era mais vulnerável que os paises desenvolvidos. Tabela 14. Participação do Brasil como fornecedor dos países desenvolvidos* (US$ bilhões) Total de Importações importações(A) do B/A Brasil(B) 1987 1.251,3 8,6 0,7% 1988 1.447,2 11,4 0,8% 1989 1.581,0 11,7 0,7% 1990 1.808,8 1,0 0,6% * Países de renda alta da OECD ,JJ Fonte: Banco Mundial, Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial Com os EUA, o Brasil tinha pequena expressão tanto como destino das exportações norteamericanas quanto como fornecedor, em relação a outros países; embora, em termos absolutos, o superávit do país com os EUA tenha aumentado durante a década de 80. O Brasil representou mercado para 2% das exportações norte-americanas em 1990, e foi responsável por 1,6% do total das importações norte-americanas. Se considerarmos que as exportações para os EUA representaram em média 20% do total das exportações brasileiras e as importações dos EUA tinham participação de 25% no total das importações brasileiras, verifica-se a vulnerabilidade do Brasil aos EUA no comércio exterior. O Brasil detinha reduzido poder de barganha para conter medidas restritivas às suas exportações, já que, os custos de oportunidade da interrupção do comércio com os países Áustria, Austrália, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido, EUA. 33 64 industrializados eram muito maiores para si, não podendo recorrer a retaliações em resposta a restrições às suas exportações. A vulnerabilidade comercial pode ser analisada também a partir de um instrumento específico, no caso, o uso dos códigos de subsídios e dumping contra o Brasil. o grau de exposição dos produtos brasileiros a penalidades amidumping e contra subsídios foi quatro vezes maior que o do Japão, primeiro colocado entre os países desenvolvidos e maior que a Coréia do Sul e México (Tabela 15). O grau de exposição às penalidades mede a frequência relativa com que os produtos brasileiros foram submetidos a investigações (Tavares de Araújo Jr. e Naidin, 1989). Tabela 15. Processos Antidumping e de Subsídios: principais economias afetadas (1980-87) Grau de exposição às penalidades Número de processos Japão 139 1,0 EUA 106 0,5 RFA 91 0,5 Brasil 89 4,0 Coréia do Sul 77 3,0 México 48 2,0 Fonte: Tavares de Araújo Jr. e Naidin, 1989, p.33 Esses processos atingiram 11% do total das exportações brasileiras em 1986 e concentraram-se no setor de alimentos, calçados e produtos siderúrgicos (Tabela 16). 65 Tabela 16. Exportações brasileiras afetadas por processos de dumping e subsídios (1980-86) (US$ milhões) Bens 1980 1982 1984 1986 Produtos siderúrgicos 24 129 320 241 Alimentos - 328 1.811 1.298 Calçados 250 431 954 885 5 18 19 104 279 906 3.104 2.528 20.140 20.173 27.002 22.348 1 4 11 11 Outros Total (A) Exportações total (B) A1B% .. Fonte: Comissão de Política Aduaneira in Tavares de Araújo Jr. e Naidin, 1989, p.35 e Banco Mundial, Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial, cálculos próprios. Para Tavares de Araújo Jr. e Naidin, embora a parcela das exportações processos afetada pelos não fosse muito elevada, o Brasil estava vulnerável à pressão via taxas antidumping e direitos compensatórios (subsídios) por causa da política comercial adotada. "A política comercial brasileira no período em análise tomou as exportações vulneráveis a processos antidumping do país e de subsídios. O governo brasileiro, ao estabelecer uma política de reserva de mercado para todos os setores incluindo os que são competitivos internacionalmente foi obrigado a manter um sistema desordenado de subsídios e incentivos fiscais ao lado de controles administrativos. Esta política provocou, entre outras, a distorção de forçar as indústrias exportadoras a trabalhar com duas políticas de preços, uma para o setor doméstico e outra para o setor externo, o que toma possível a alegação pelos outros países de que a competitividade dos produtos decorre de subsídios e da discriminação oligopolista de preços" (Tavares de Araújo Jr. e Naidin, 1989: 35). Além disso, o sistema de subsídios, incentivos fiscais e controles administrativos implementado para corrigir o viés anti-exportador da política comercial protecionista transparência da política comercial brasileira, dificultando a determinação reduziu a do comércio justo, criando um espaço de imprecisão para o uso de mecanismos Jair trade pelos parceiros comerciais do Brasil. O fato de mecanismos Jair trade terem sido utilizados contra o Brasil com finalidades protecionistas evidenciou a existência de uma vulnerabilidade institucional a esse 66 instrumento específico. O uso desse instrumento contra o Brasil foi, resultado da configuração da política comercial brasileira. Ainda que a vulnerabilidade econômica ao instrumento fosse relativamente pequena, o fato de a política comercial brasileira possibilitar o uso desse instrumento contra o Brasil, mostrou que o país era vulnerável a ele. O uso de mecanismos Jair trade contra o Brasil continha dois tipos de mensagem: a primeira dos parceiros comerciais do Brasil de descontentamento com a penetração das exportações brasileiras nos seus mercados. A segunda, lida pelos técnicos responsáveis pela administração da estrutura de proteção, sobre a distorção existente na política comercial então vigente. A crescente inconsistência dos instrumentos de política comercial tomou o Brasil vulnerável a ações retaliatórias dos outros países numa área em que o país perderia se rompesse as relações com esses parceiros. A reformulação desses instrumentos tomou-se necessária. A existência de um potencial de pressão externa aliado à vulnerabilidade comercial do Brasil, entre outros elementos, fez com que fosse crescentemente questionada a política comercial adotada até então. As pressões comerciais (reais ou potenciais) dos países desenvolvidos influenciaram a alteração do ambiente de tomada de decisão no qual foi definida a política comercial. A vulnerabilidade comercial do Brasil ocorreu porque as exportações passaram a ser o elemento dinâmico da economia brasileira e a política comercial tomou o país vulnerável a acusações de comércio desleal. Em contrapartida, a participação do Brasil como mercado de destino e como fornecedor dos países desenvolvidos era pequena, indicando que esses países perderiam pouco com o rompimento da relação comercial. VULNERABILIDADE FINANCEIRA A perda com o rompimento da relação financeira está relacionada beneficios associados com a interrupção do pagamento com os custos e do serviço da dívida e com a manutenção desse pagamento. A análise da crise da dívida aqui realizada entende a crise como um conflito e não como um problema. Nesse sentido, as ações de credores e devedores não representam soluções para o '"- 67 problema, mas estratégias com diferentes custos e beneficios que devem ser comparadas para determinação da vulnerabilidade. o custo associado com o não-pagamento do serviço da dívida diz respeito à interrupção do fluxo de recursos externos (empréstimos, investimentos, etc.) no presente e no futuro. A manutenção do pagamento seria, ao contrário, recompensada pelo aumento de recursos externos disponíveis ao país. o Brasil manteve o pagamento dos juros da dívida, entretanto, o correspondente influxo de recursos externos não ocorreu, devido à interrupção dos empréstimos voluntários de médio e longo prazo e diminuição das linhas de curto prazo a partir do segundo semestre de 1982. Tal fato, associado ao aumento das taxas de juro internacionais, à elasticidade relativa da oferta de empréstimos de fontes não bancárias (agências multilaterais, governos, fornecedores, etc.); às limitadas disponibilidades de "dinheironovo" involuntário dos bancos comerciais estrangeiros em 1983-84 e com a interrupção destes fluxos involuntários em 1985-86; e à redução dos investimentos diretos e ao aumento da remessa de lucros e dividendos; fez com que o Brasil, na década de 80, se tomasse um exportador líquido de recursos (Nogueira Batista Ir., 1987) (Tabela 17). Tabela 17. Brasil. Transferência de recursos financeiros ao exterior (1982-90) (em US$ milhões) 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 11.353 9.555 10.203 9.659 9.093 8.792 9.832 juros lucros e dividendos 585 909 1.539 758 796 1.056 1.237 outros serviços fatores 939 855 839 496 876 772 632 ingresso de capital estrangeiro 10.213 3.778 8.811 192 1.834 -2.926 -759 transferência de recursos financeiros 2.664 7.374 2.684 12.106 11.014 8.639 15.152 Fonte: Dados até 1985, Nogueira Batista Ir., 1987, p.14. Dados a partir de Central do Brasil, cálculos próprios. 1989 1990 9.633- 9.748 2.383 1.591 1.090 855 -146 4.262 13.252 7.932 1986, Banco 68 Verificou-se assim que os beneficios com a manutenção do pagamento do ,serviço não se concretizaram. O pagamento do serviço resultou apenas em custos: a própria transferência de recursos e outros custos a ela associados. Com a redução da entrada de recursos externos, o Brasil realizou a transferência de recursos ao exterior, que em 85 e 86, atingiu o equivalente a 5% do Pffi. Essa transferência teve efeitos negativos sobre a economia brasileira restringindo a capacidade de importar, comprometendo a capacidade de abastecer o mercado interno, agravando a situação financeira do setor público e reduzindo a disponibilidade de recursos para investimentos (Nogueira Batista Jr., 1987). O investimento, que tinha atingido entre 1974 e 1980 24% do Pffi caiu para 17,6% entre 1981 e 1990 (Suzigan, 1993). Essa redução do investimento representou para a economia um custo no longo prazo. Na inexistência de capacidade ociosa, o crescimento dependia da ampliação da capacidade produtiva via investimento. A manutenção do pagamento do serviço e o crescimento da economia foram incompatíveis (Nogueira Batista Jr., 1987). Outra consequência negativa da manutenção do pagamento da dívida, relacionada com o agravamento da situação financeira do setor público, foi a redução de iniciativas para desenvolvimento de ciência e tecnologia, já que o setor público era o principal fornecedor de recursos para esse setor. O Brasil, na década de 80 apresentou um gasto em pesquisa e desenvolvimento de 0,7% do Pffi, inferior ao gasto dos países desenvolvidos e dos NICs asiáticos (Tabela 18). Tabela 18. Investimento em pesquisa e desenvolvimento - P&D (década de 80) Brasill Países mediterrâneos' Países asiáticos' como%dopm 0,7 1,3 0,9 origem dos recursos (%): pública 92,0 35,6 46,4 privada 8,0 61,4 49,5 3,0 outros 4,1 1 dados de 1989 2 Espanha, Grécia, Portugal, Turquia e Iugoslávia 3 República da Coréia, Filipinas, Hong Kong, Cingapura, Tailândia 4 EUA, Canadá, Japão, Alemanha, França, Itália, Grã-Bretanha Fonte: Suzigan, 1993, p.131 - Grupo dos sete" 2,7 43,1 52,5 4,4 69 A não-realização de investimentos em pesquisa e desenvolvimento representou outro custo para o Brasil no longo prazo. Esse processo aumentou o desnível tecnológico entre o Brasil e os países industrializados, impedindo sua integração no novo paradigma tecnológico. A não-elevação do patamar tecnológico da indústria brasileira teve repercussões sobre a sua competitividade: baixos níveis de produtividade, custos elevados, pouca flexibilidade e baíxa qualidade do produto. Essa situação dificultaria a inserção do Brasil na economia internacional mesmo no seu papel tradicional de exportador de recursos naturais e produtos com uso intensivo de mão-de-obra barata, pois a tendência internacional era de que o progresso técnico também fosse incorporado nessas áreas (Suzigan, 1993). A manutenção do pagamento do serviço não proporcionou beneficios (aumento de recursos externos disponíveis), mas sim apenas custos. Esses custos diziam respeito à própria saída de recursos para o exterior, aos custos de redução do investimento e aos custos de nãorealização de pesquisa e desenvolvimento, decorrentes da saída de recursos. Se o Brasil rompesse a relação financeira, teria beneficios líquidos porque deixaria de ter esses custos e os bancos credores teriam perdas, com a interrupção da transferência de recursos. A vulnerabilidade financeira estava do lado dos bancos e não do Brasil34. Muitos alegam que essa estratégia - o rompimento com os bancos credores - implicava num custo no futuro maior que os beneficios, referente à perda do acesso do país ao mercado financeiro internacional. O cartel dos bancos credores, o Clube de Paris dos credores oficiais e o FMI disciplinariam o devedor que não pagasse, bloqueando a concessão de créditos adicionais. Esse custo foi denominado custo de credibilidade (reputatíonal cost) por Conybeare (1990), que afirma que era pouco provável de ocorrer. "Since the 1920s, there has been no correlation between reputation repayment and continued access to loans" (Lindert e Morton citados por Conybeare, 1990: 48). Existia a possibilidade dos bancos individualmente atuarem como free riders, concedendo empréstimos ao país devedor inadimplente e lucrando à custa dos demais que mantivessem o corte do crédito. Em vista dessa possibilidade de lucro, se todos os banco atuassem como free riders, o país devedor 34 A Conclusão sobre a vulnerabilidade financeira dos bancos em relação ao Brasil deste trabalho está de acordo com a que determina a vulnerabilidade dos bancos pelo seu grau de exposição. Entretanto, a exposição dos bancos credores foi reduzida no final da década de 80 com as medidas tomadas pelos governos dos países desenvolvidos. Por exemplo, para ajudar a reduzir a exposição dos bancos nos países menos desenvolvidos, o FED, em agosto de 1987, aumentou o nível autorizado de conversão a dívida em participações fora do sistema financeiro para até 100%. O nível anterior era inferior a 20% (Meyer e Marques, 1989). Com o conceito adotado neste trabalho, a vulnerabilidade dos bancos independe das ações dos governo, mas sim da díreção da transferência de recursos. 70 inadimplente não seria absolutamente penalizado. "The irony of collective punishment is that, from the perspective of any individual bank it does not matter what others banks do: if all others observe the prohibition on new lending to the defaulter, the free-rider can make gains being the only lender, with other banks indirectly enforcing repayment to the one freerider; if no other banks observe the prohibition, no individual bank will be better off observing the prohibition unilaterally" (Conybeare, 1990: 49). o interesse dos bancos individualmente atuarem como free riders pode ser explicado pela teoria da diversificação do portfólio, segundo a qual é racional equilibrar um portfólio de investimentos. com alguns ativos de alto risco e alta taxa de retorno, que poderiam ser representados pelos empréstimos aos países devedores da América Latina. o país devedor inadimplente não sofreria o custo de credibilidade se fosse percebido pelos bancos credores como um investimento de alto retorno. Nesse sentido, se o país devedor realizasse investimentos na capacidade produtiva e no desenvolvimento de ciência e tecnologia, as perspectivas de retorno do país iriam aumentar, aumentando a possibilidade de recuperar o crédito com os bancos. O rompimento da relação financeira iria proporcionar um beneficio futuro em termos de crescimento econômico e recuperação da produtividade da economia, e diminuiria o custo de credibilidade, à medida em que a melhora na situação econômica tornaria o país uma alternativa rentável de investimento. Conybeare afirma que os devedores foram mais sensíveis a sanções diretas como o corte de créditos comerciais. A idéia é que os devedores eram maís influenciados por sanções comerciais porque a sua vulnerabilidade comercial era elevada. A vulnerabilidade comercial era reforçada pelo fato de que eram os saldos comerciais que possibilitaram a menor vulnerabilidade financeira do Brasil. A partir de 1983, o Brasil apresentou superávits comerciais expressivos, que passaram a representar a principal fonte de recursos para o pagamento dos juros. De 1980 a 1982, o déficit do balanço de transações correntes, provocado pela conta de juros, estava sendo coberto pelo balanço de capitais. A partir de 1983, o balanço de capitais reduziu-se e, a partir de 1985, tornou-se crescentemente negativo (Tabela 19). 71 Tabela 19. Brasil. Balanço de pagamentos e Reservas (US$ bilhões) 1980 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 -2,8 6,5 13,1 12,4 8,3 11,2 19,1 16,1 -10,1 -13,4 -13,2 -12,9 -13,7 -12,7 -15,1 -15,3 Juros Balanço de Capitais -6,3 -9,6 -10,2 -9,6 9,3 -8,8 -9,8 -9,6 9,7 2,1 0,3 -2,5 -7,1 -7,0 -8,7 -11,4 Amortização Empréstimos! financiamentos Variação das reservas -5,0 -6,9 -6,5 -8,5 -11,5 -13,8 -17,1 -14,5 10,6 6,7 10,4 7,1 3,1 4,0 2,8 2,0 -2,8 0,6 7,4 -0,4 -4,8 0,7 1,7 0,5 Balanço Comercial Balanço de Serviços Fonte: Banco Central o .... fato de o país ter sido exportador líquido de recursos permitiu que ele não fosse vulnerável no setor financeiro. Entretanto, como essa transferência de recursos era financiada pelo saldo comercial, a situação de vulnerabilidade comercial foi reforçada, pois a relativamente menor vulnerabilidade financeira do Brasil foi possibilitada pela geração de expressivos saldos comerciais. VULNERABILIDADE o presente IDEOLÓGICA trabalho não pretende fazer uma análise detalhada da vulnerabilidade ideológica, mas apenas apresentar alguns elementos para sua discussão. Considera duas situações de vulnerabilidade ideológica, uma estrutural e outra circunstancial. o ponto de partida para o conceito de ideologia neste trabalho é a idéia de que lia ideologia é uma das formas da praxis social: aquela que, partindo da experiência imediata dos dados da vida social, constrói abstratamente um sistema de idéias ou representações - sobre a realidade" (Chauí, 1982: 106). Esse sistema de idéias ou representações sobre a realidade é o da classe dominante, mas para a dominação ser oculta, as idéias devem parecer universais. A ideologia é assim um instrumento de dominação de classe, e sua função é impedir que a dominação e a exploração sejam percebidas, ocultando as divisões sociais. Transforma as idéias particulares da classe dominante em idéias universais, válidas para toda a sociedade. 72 o conceito de ideologia tem assim um duplo caráter: o de conjunto de idéias ou representações sobre a realidade e o de instrumento de dominação. À concepção de ideologia como instrumento de dominação corresponde o conceito de dependência ideológica, que deriva da existência de relações de interesse econômico comuns entre as classes dominantes dos países dominantes e dos países dependentes. A dependência ideológica é intrinseca à dependência econômica e se concretiza existência de padrões de consumo, visões de mundo e representações na sobre a realidade semelhantes entre os grupos sociais dominantes nos países dependentes e dominantes. Os investimentos externos reproduzem nos países dependentes as condições e os padrões de produção e consumo existentes nos países dominantes. Como às relações de produção correspondem determinadas estruturas jurídicas, políticas e sistemas de idéias aparentemente universais que refletem os interesses da classe dominante, a incorporação dos padrões de produção dos países desenvolvidos implica também na incorporação dessas estruturas e idéias (Marx, 1958). Ramos (1958), afirma que o fato de as idéias serem importadas do exteríor é um reflexo do que ele denomina "situação colonial". "Tudo é colonial na colônia. (...) A situação colonial como um todo, e, portanto, a consciência ( ...) é essencialmente condicionada por fatores externos e secundariamente por fatores internos" (Ramos, 1958: 97)35. Num país em situação colonial, a assimilação de padrões estrangeiros resulta do "efeito de prestígio". "O conhecimento dos padrões de vida dos povos desenvolvidos leva a todas as classes sociais nos países subdesenvolvidos a pretenderem consumos relativamente altos, que dificultam a acumulação de capital. Nos países periféricos, a propensão modalidade equivalentes às dos países industrializados, a consumir, na escala e dificulta o seu desenvolvimento, pois desestimula a poupança, assumindo caráter predatório" (Ramos, 1958: 91). O "efeito de prestígio" verifica-se também, segundo esse autor, na assimilação de idéias estrangeiras. "Propõe-se aqui a expressão "efeito de prestígio" camadas letradas das regiões subdesenvolvidas. para explicar a vida intelectual das Esse efeito se verifica por força de um contato à distância entre as pessoas e os grupos, em que determinados modos de ser e de pensar, particulares a um povo, são idealizados e, graças ao prestígio desse povo, 35 Cabe ressaltar que o autor, no livro aqui citado, entendia que estava-se desenvolvendo no Brasil uma consciência critica, resultado da industrialização e suas consequências, da urbanização e de alterações no consumo popular. Entretanto, os seus comentários sobre a situação colonial podem ser usados para discussão da dependência ideológica. 73 propagados, como dogmas, aos outros povos" (Ramos, 1958: 91). Através do efeito de prestígio as idéias dos países dominantes, disseminadas nos países dependentes adquirem um caráter universal. A dependência ideológica é denominada linkage por Stallings (1992). Entre os grupos nos países dependentes que têm laços de interesse comuns com os países desenvolvidos, considera o dos empresários, o dos tecnocratas, o dos. militares e a classe média. O grupo dos empresários engloba os ocupantes de cargos direção em empresas multinacionais; os fornecedores dessas empresas, inclusive bancos; e os clientes. A relação de interesse econômico é acrescida de experiências educacionais comuns, de viagens e padrões de consumo semelhantes. Os técnicos do governo de alto escalão geralmente estudaram no exterior. Com isso, eles adquirem um estilo de vida internacional e passam a incorporar o paradigma dominante no conhecimento específico relevante para a sua profissão. Os militares representam outro grupo que geralmente é treinado no exterior. Os laços culturais com os países desenvolvidos são complementados com interesses comuns como a compra de equipamentos nesses países. Para a classe média, a relação com grupos internacionais ocorre através de ambições de consumo e estilo de vida. A divulgação através da mídia de novos produtos e a criação da necessidade de adquiri-los estabelece uma ligação poderosa com os países desenvolvidos. Para os mais ricos, os interesses comuns são adicionalmente complementados com a propriedade de bens no exterior e educação. Esses grupos podem constituir e dar suporte para coalizões políticas internacionalistas que vão apoiar políticas determinadas pelo consenso ideológico dominante nos paises desenvolvidos. Dependência ideológica significa que os países em desenvolvimento não têm padrões próprios: o conhecimento, o padrão de vida e a cultura são importados dos desenvolvidos. Se a dependência ideológica é absoluta, os interesses perseguidos nos países desenvolvidos e nos em desenvolvimento são os mesmos, e assim não há necessidade de pressão externa. Ou seja, a alternativa de ação preferida pelo país dominante aparece como a única estratégia de ação possível para o país dependente. Através da dependência ideológica, a pressão externa ocorre sem a existência de conflitos de interesse, já que a própria dependência ideológica faz com que os interesses do país dependente coincidam, pelo menos parcialmente, com os dos países dominantes. Pela dependência ideológica, a mudança pode ser explicada pela mudança das idéias nos países dominantes, com a formação do consenso neoliberal. As idéias neoliberais são absorvidas 74 pelos grupos nos países dependentes que partilham da mesma visão de mundo dos desenvolvidos. A partir da concepção de ideologia como um conjunto de idéias e representações sobre a realidade, a ideologia pode ser entendida como a base a partir da qual são tomadas as decisões do governo. Representa o modelo de desenvolvimento que define as políticas como sendo de interesse nacional, que define fatos econômicos como custos ou beneficios. "Economic policy cannot be legitimated without a model, acceptable as the social ideal, which economic ideology supplies. lt is this ideal that gives the polity the confidence to make policy: economics is an inexact science dealing with the unpredictable future, a set of relationships that allow different persons using the same data sometimes to arrive at different conclusions. A definite set of agreed-upon assumptions about how social economics functions and which social outcomes are desirable makes policy making easier (...)" (Rohrlich, 1987: 69). A partir desse conceito de ideologia, a pressão ideológica se expressa pela capacidade dos países desenvolvidos produzirem conhecimentos e informações. A vulnerabilidade ideológica refere-se à situação em que o tipo de informação que a ideologia contém - uma explicação para a realidade, um modelo para a tomada de decisões políticas -, está faltando. "Ideologies come most crucially into play in situations where the particular kind of information they contain is lacking, where institutionalized guides for behavior, thought and feeling are weak or absent" (Rohrlich, 1987: 69). Neste caso, a vulnerabilidade ideológica está ligada a uma circunstância específica, o esgotamento do modelo de desenvolvimento adotado anteriormente baseado na substituição de importações. A pressão externa pode influenciar a mudança, na medida em que a existência de um consenso nos países desenvolvidos facilita a aceitação de medidas tomadas na mesma direção. A vulnerabilidade ideológica vinculada à circunstância de esgotamento substituição provocou de importações do modelo de está associada à idéia de que a exaustão uma "desestruturação dos mapas conceituais emergência de fórmulas alternativas consistentes"(Sola, anteriores, desse modelo mais do que a 1993: 247). Para Sola (1993), esse processo não resulta apenas do esgotamento do modelo de substituição de importações", 36 O autor identifica esse esgotamento na mudança da percepção das elites a respeito dos novos desafios do desenvolvimento, no que diz respeito à questão tecnológica, à educacional, à integração internacional e à eficiência e à competitividade. (Sola, 1993: 247). 75 mas também da compreensão pelas elites dos efeitos negativos da crise da. dívida sobre a economia brasileira; e da continuidade do processo de democratização, que trouxe à tona novas demandas sociais. Com a crescente incapacidade de atuação do Estado dominante e divulgado pelos países desenvolvidos, em cnse, o modelo neoliberal que visa restringir a intervenção do Estado, passa a ser aceito como uma alternativa viável e necessária. Do ponto de vista da política comercial, a consolidação do consenso neoliberal resulta na prescrição de abertura comercial como a política "correta". Uma nova prescrição de política comercial é necessária apenas quando a anteriormente adotada se esgota. A vulnerabilidade ideológica circunstancial está assim vinculada ao esgotamento do modelo de substituição de importações, adotado até então. Neste capítulo foram verificados fatores domésticos que permitem avaliar se os eventos internacionais descritos no capítulo anterior instrumentos de pressão representaram e o uso pelos países desenvolvidos de pressão de fato. Conforme visto, a redução do influxo de recursos externos e a estratégia das empresas multinacionais com o processo de globalização representam pressão externa, à medida em que esses fatores implicam na necessidade de mudar as políticas para que os países em desenvolvimento pudessem se adequar às novas condições vigentes no sistema internacional. No que diz respeito ao uso de instrumentos de pressão pelos países desenvolvidos, verificase que, apesar do interesse e da capacidade dos países desenvolvidos em utilizar a pressão financeira, ela representou apenas uma tentativa de influência porque a vulnerabilidade financeira do Brasil era menor do que a dos credores. Dados os efeitos negativos do pagamento do serviço da dívida sobre a economia brasileira, em termos de redução do nível de investimento e deterioração das condições macroeconômicas, se fosse rompida a relação financeira, os credores para quem os recursos estavam sendo transferidos, seriam os mais prejudicados. Entretanto, o mesmo não pode ser dito a respeito da pressão comercial. De um lado, o fato de o país ter participação restrita como fornecedor desenvolvidos e, de outro, o fato das exportações e como mercado para os países constituírem o elemento dinâmico da economia brasileira durante a década de 80, mostram que o Brasil era vulnerável na área comercial. A existência de interesse e capacidade de pressão pelos países desenvolvidos, 76 materializada sob a forma do uso de forma distorcida de mecanismos antidumping e compensatórios e ameaças de acusação sob a seção 301, no caso dos EUA, representaram pressão externa de fato. No referente à pressão ideológica, da qual são portadores os instrumentos de pressão tanto comercial quanto financeira, mesmo que os últimos não tenham efeito econômico, a sua influência está ligada à existência de laços de interesse entre grupos nos países dominantes e no Brasil, que partilham da mesma visão de mundo. Adicionalmente, a pressão ideológica está ligada à circunstância de esgotamento do modelo de substituição de importações. A crescente incapacidade de ação do Estado leva a uma crescente aceitação da necessidade de sua redução, seguindo o exemplo ocorrido nos países desenvolvidos . ..•..' 77 COMENTÁRIOS FINAIS o objetivo deste trabalho, conforme dito na Introdução é verificar a influência da pressão externa na abertura comercial brasileira, sem que isso implique em considerar a pressão externa como o determinante mais importante, pois, uma mudança na política comercial como a liberalização das importações pode ser analisada tanto por fatores externos quanto internos. o método de análise adotado neste trabalho partiu de duas teorias, a da dependência e a dos autores de política internacional conhecidos como "realistas"; e o estudo da influência da pressão externa baseou-se na identificação de situações de conflito internacional. O conflito pode surgir quando um país perde a competitividade, quando outros países tornam-se mais competitivos e quando aumenta a possibilidade dos produtos desses países disputarem o mercado. Essas situações referem-se ao declínio da hegemonia norte-americana, à ascensão dos NICs e ao processo de globalização. Adicionalmente, o conflito pode aparecer quando os países tem estratégias de atuação opostas em determinada situação, como é o caso da posição dos países credores e devedores com a crise da dívida; e quando os países competem para atrair investimentos e/ou absorver ganhos de escala ou externalidades positivas. A existência dessas situações de conflito aumenta o interesse dos países em utilizar instrumentos de pressão, que incluem retaliações comerciais e condicionalidades vinculadas a empréstimos, respectivamente. mecanismos para realização da pressão comercial e financeira, Como instrumentos de pressão econômica são também meios para a transmissão de mensagens de um pais a outro. Assim, subjacente à pressão econômica, existe a pressão ideológica. Este trabalho considera os dois tipos de pressão externa: a econômica, que pode ser comercial ou financeira, e a ideológica. Entretanto, para a constatação da pressão externa não é suficiente analisar o interesse e a capacidade dos demais países em exercerem pressão sobre o Brasil. É necessário verificar se o país foi vulnerável à elas, pois, caso contrário, o uso de instrumentos representará de pressão apenas uma tentativa de influência. Da mesma forma que a pressão, vulnerabilidade divide-se em econômica e ideológica. a 78 Este trabalho procura dialogar especialmente com as análises de Stallings (1992) e Kahler (1992), que também estudaram as influências externas sobre a adoção de políticas como a abertura comercial nos países devedores. Stallings parte da teoria da dependência para explicar a influência dos países credores e instituições financeiras internacionais no contexto da crise da dívida. Neste trabalho considera-se que a influência externa para a abertura comercial envolveu outros eventos ocorridos no sistema internacional como o processo de globalização econômica, o declínio da hegemonia norte-americana e a ascensão dos NICs como competidores no sistema internacional, pois esses eventos provocaram o aumento do potencial de conflito. Além disso, entende-se que para analisar a pressão externa é necessário verificar também se situações domésticas permitiram que a pressão externa pudesse ter representado uma influência de fato. No caso da análise de Kahler (1992), valem os comentários acima sobre a necessidade de verificar a existência de outros fatores no sistema internacional e fatores internos. Adicionalmente, Kahler descarta a importância de um instrumento de pressão específico •... (condicionalidade) e explica a mudança por um processo de aprendizado neutro que ocorre entre técnicos do governo e técnicos das instituições financeiras internacionais. Este trabalho, ainda que leve em conta a importância das idéias, não as considera neutras mas partes componentes de um sistema de poder e dominação. Nesta dissertação, retaliações comerciais e condicionalidades são entendidos como instrumentos de economic statecraft, que podem ser utilizados alternativamente à diplomacia e à intervenção militar, para um país exercer influência sobre outro. Na análise dos eventos do sistema internacional ocorridos e consolidados na década de oitenta, verificaram-se situações de conflito que criaram interesse e capacidade dos países desenvolvidos em fazer com que os subdesenvolvidos industrializados adotassem a abertura comercial. Com a percepção do declínio econômico, os EUA deixaram de agir como um poder hegemônico "benevolente", passando a utilizar práticas predatórias para que seus parceiros comerciais modificassem suas políticas. Ainda que a principal ameaça aos interesses norte-americanos não fosse representada por países como o Brasil, o país tornouse um dos principais alvos dessas medidas porque os principaís competidores como o Japão e a Alemanha tinham capacidade de contra-retaliação. A ascensão dos NICs como competidores no sistema internacional de comércio gerou um outro tipo de conflito com os países desenvolvidos, referente ao crescente questionamento •... 79 do tratamento diferenciado que eles recebiam sob as regras vigentes do comércio. Esse processo foi denominado graduação. Aumentou a pressão para que modificassem suas políticas comerciais e se adequassem às regras vigentes. De outro lado, a industrialização desses países aumentou a heterogeneidade no bloco dos países subdesenvolvidos, reduzindo a sua coesão. A existência de um grupo relativamente homogêneo de países subdesenvolvidos havia permitido anteriormente que o Brasil exercesse uma posição de liderança. o uso de práticas predatórias pelos EUA e a pressão dos países desenvolvidos para que o Brasil se adequasse às regras vigentes no sistema internacional representaram pressão externa. Essa pressão envolveu o uso de instrumentos como a seção 301 da legislação comercial norte-americana, tomada mais agressiva em 1988 e ouso de mecanismos Jair trade como os códigos antidumping e anti-subsídio. Esses instrumentos puseram em xeque a manutenção de um conjunto de subsídios e incentivos utilizados para compensar o viés anti-exportador da política comercial, restritiva às importações. A existência dessas medidas na política comercial, tomou o pais vulnerável a ações de dumping e subsídios. o processo de globalização da economia internacional está ligado à pressão pela abertura comercial sob duas condições. A primeira relaciona-se com a existência de vínculos econômicos com o sistema internacional, através dos quais o pais sofre influência das estratégias dos principais atores. A segunda vincula-se à competição entre os paises para atraírem recursos externos e para se apropriarem de externalidades. No que diz respeito às estratégias dos atores do sistema internacional, a pressão externa refere-se ao fato de que as empresas multinacionais passaram a alocar a produção globalmente, tomando necessário que o país abrisse seus mercados para se inserir nesse processo. A influência externa se coloca porque a abertura comercial passou a atender o interesse nacional a partir de uma estratégia definida por atores estrangeiros. Em segundo lugar, no que diz respeito à competição entre países com a globalização, refere-se ao fato de que a intervenção do Estado pode construir competitividade em determinados setores, desde que o país seja o único a adotar essas políticas. A tentativa de convencer através de pressão ideológica que a abertura comercial é uma política "certa" pode ser entendida como uma forma de garantir que os demais países não adotem políticas visando a construção da competitividade ou a atração de investimentos nesses setores, que reduziriam os ganhos dos demais países com essas políticas. 80 A capacidade dos países desenvolvidos em imporem um modelo de intervenção do Estado aumentou com a crise da dívida e a formação do consenso neoliberal. Em primeiro lugar, porque a crise da dívida resultou numa interrupção do influxo de recursos externos ao país, que havia permitido a manutenção da estratégia de desenvolvimento baseada na substituição de importações. Assim, essa interrupção tomou explícito o esgotamento dessa estratégia. Em segundo lugar, porque a crise da dívida aumentou a assimetria de poder no sistema internacional, com a organização do cartel dos credores. Os credores puderam impor condições ao fornecimento de recursos. Com a formação do consenso neoliberal, todo fornecimento de recursos passou a ser condicionado pela adoção do mesmo pacote de políticas porque o "risco" do país passou a ser considerado em função da adoção (ou não) dessas medidas. A respeito da vulnerabilidade ideológica, este trabalho limitou-se a apresentar alguns elementos de discussão. Pelo fato de existirem relações de interesse entre grupos no Brasil e nos países desenvolvidos, as idéias e visões de mundo dominantes foram absorvidas, numa relação de dependência ideológica. A vulnerabilidade ideológica poderia estar ligada também à circunstância do esgotamento do modelo de substituição de importações, em função da qual, o modelo neoliberal passou a ser considerado viável. Com a existência do modelo neoliberal, a aceitação da abertura comercial tomou-se mais fácil. A partir das condições de expressão da pressão externa definidas neste trabalho, não foi constatada a pressão financeira para a abertura comercial. Apesar da utilização pelos países credores de instrumentos de pressão, que se materializaram na aplicação da condicionalidade implícita, não houve pressão financeira porque o país não era vulnerável financeiramente. Dado que o país realizou uma transferência líquida de recursos aos credores e essa transferência teve efeitos negativos sobre a capacidade de investimento e as condições macroeconômicas do Brasil, se a relação financeira fosse rompida, o país seria o menos prejudicado. Assim, a pressão financeira não ocorreu, não porque a condicionalidade deixou de ser aplicada, como afirma Kahler, mas porque tendo ela sido utilizada, o Brasil era pouco vulnerável. A existência de pressão comercial, ao contrário da financeira, foi constatada no caso brasileiro. A pressão comercial ocorreu porque foram utilizados instrumentos de pressão comercial contra o Brasil, mais especificamente a provisão "super 301" da legislação comercial norte-americana e iniciadas diversas investigações de dumping e de subsídios. 81 Essas ações colocaram em questão a permanência da política brasileira altamente restritiva a importações, que implicava na manutenção de regimes especiais para a realização de exportações, deixando a política comercial brasileira pouco transparente e vulnerável a acusações de comércio desleal. O Brasil era vulnerável na área comercial porque os países desenvolvidos constituíam os principais fornecedores e mercados para o Brasil e porque as exportações constituíram o elemento dinâmico da economia brasileira na década de 80. Assim, se as relações com os países desenvolvidos fossem rompidas, o Brasil seria o mais prejudicado, pois sua participação como mercado de destino e fornecedor para esses países era pequena. A vulnerabilidade comercial do Brasil foi reforçada pelo fato de que a sua menor vulnerabilidade financeira era possibilitada pela existência de elevados superávits comerciars. Finalmente, este trabalho permite subsidiariamente discutir a importância relativa de fatores domésticos e fatores externos na mudança, já que a abertura comercial pode ser explicada tanto pelo interesse nacional, associado ao esgotamento da substituição de importações, quanto pela pressão comercial. Para avaliar a importância relativa desses fatores no processo de abertura comercial, é necessário compará-la com uma outra situação, na qual eles também estejam envolvidos. A situação de referência para essa comparação é a manutenção do pagamento da dívida externa. Conforme visto anteriormente, o interesse nacional na crise da dívida era definido pela interrupção do pagamento, porque a transferência de recursos aos credores era prejudicial à economia brasileira em geral. A pressão externa era no sentido de que esse pagamento fosse realizado e esta foi a estratégia dominante, conforme pode ser verificado pela transferência líquida de recursos realizada pelo Brasil na década de oitenta. Assim, na situação do pagamento do serviço da dívida, a pressão externa teve um peso importante. Supondo que só existissem os dois determinantes para a definição de uma política - o interesse nacional e a pressão externa -, e que se pudesse classificar as políticas em função do maior peso relativo de um fator em relação ao outro, pode-se dizer que no caso do pagamento do serviço da dívida, a pressão externa teve mais importância do que o interesse nacional. No caso da abertura comercial, o peso da pressão externa foi menor, já que a abertura comercial estava também ligada a interesses nacionais. 82 ABSTRACT This dissertation intends to discuss the influence of externai pressure on the Brazilian trade liberalization processo Its first task is therefore to define the conditions under which externai pressure happens. This work is based on the dependency theory and on the approach of international politics authors known as "realists". The conditions under which externai pressure is considered in this paper are related to dependency and power relations, and externai pressure can be either economic or ideological. Events such as the decline of the American hegemony, the rise of newly industrialized countries, the globalization of the international economy, the debt crisis and the neo-liberal wave, which led to an increase in international conflict during the 1980's are analyzed, as well as, domestic factors like the economic and ideological vulnerability ofBrazil. 83 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aggarwal, V.K. (1987): Intemational Debt Threat. Institute of International Studies. University of California Arslanian, RP. (1994): Os países alvo do unilateralismo comercial norte-americano. Política Externa v.3, n.3 (Dezembro) Baer, M. (1993): O Financiamento Externo da Economia Brasileira diante das Mudanças no Contexto Internacional: uma Avaliação do Período Recente. Cadernos do IPRI, Edição Especial. Fundação Alexandre de Gusmão Baer, W. e D.V. Coes (1990): As políticas norte-americanas e a dívida e comércio da América Latina. 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