“No pain”
Apesar de comuns, as dores do ciclismo
podem estar associadas a uma má
postura, ajuste sua bike e elimine o
desconforto
Por Ana Paula de Oliveira
“N
o pain, no gain”. Nem sempre é necessário sentir dor
para alcançar a glória. O fato de o ciclismo ser um
esporte cuja posição já não é a mais confortável faz
com que muitos ciclistas se acostumem com dores em diversas
partes do corpo. O principal erro cometido, no entanto, é ignorar esses avisos do corpo e continuar a perpetrar enganos que
podem encurtar sua experiência como ciclista. E especialistas
são unânimes ao afirmar que o principal causador das dores
no ciclismo é o mau posicionamento na bike.
A seguir, a VO2 desmembra o corpo humano e lista as principais dores provenientes do esporte, qual sua possível causa
e como resolver o problema com ajustes na bicicleta e no equipamento. Vale lembrar que uma dor pode ter várias causas: do
posicionamento do taquinho na sapatilha ao guidão não adequado ao tamanho do ciclista. Isso porque a ergonomia sobre
duas rodas não é uma ciência exata – cada pessoa tem uma
compleição física singular. Por isso, as recomendações a seguir
não devem ser encaradas como verdades absolutas, são indicativas que oferecem dimensões de referência ao atleta.
Caso o desconforto e dores musculares persistam, entretanto,
recomenda-se consultar um profissional – seja mecânico de bicicletas, seja um ortopedista ou fisioterapeuta ligado ao esporte.
A bicicleta estará finamente
ajustada quando permitir:
•
•
•
•
Facilidade respiratória
Posição aerodinâmica
Unir força e flexibilidade no pedalar
Evitar qualquer dor muscular ou articular no pescoço e
nas regiões dorsal e lombar
• Uniforme distribuição do peso do ciclista sobre a
bicicleta – cerca de 45% sobre a roda dianteira e 55%
sobre a traseira
• Estabilidade
Fonte: “Ergonomia aplicada ao design de produtos: um estudo de caso sobre o design de
bicicletas”, de Suzi Mariño Pequini
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Com base na posição do selim, determina-se a altura do guidão;
A dor: cabeça e pescoço
Apenas a partir de 2004, e após muitas mortes por sua falta, é que o capacete passou a ser obrigatório nas
competições de ciclismo. Pode parecer
óbvio, mas não se proteger das lesões
traumáticas é um dos grandes erros
cometidos por ciclistas. Seja em uma
pedalada de fim de tarde ou um treino
de resistência, o capacete é indispensável. Uma queda boba pode levar a um
traumatismo craniano. Além de evitar
as dores de uma lesão, o capacete ainda
protege do calor do sol.
Para manter o tronco flexionado e
ainda continuar olhando para a fren-
te, o ciclista eleva a cabeça, forçando
a região cervical a uma postura antianatômica. O pescoço é vítima, normalmente, de um ajuste equivocado da
mesa ou do guidão. Utilizando a mesa
muito avançada, com uma postura muito abaixada, forçam-se em demasia a
parte superior da coluna e os músculos
do pescoço. Uma pegada muito aberta
no guidão também pode levar a dores.
Tente manter seus punhos na mesma
direção dos ombros.
O que fazer: O guidão deve estar ajustado para que o ciclista possa conforta-
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velmente alcançar todas as suas pegadas, seja na parte superior, nos manetes
ou na inferior. A curva do guidão de corrida possui diferentes polegadas. Elpídio Dutra, da Bike Elpídeo, recomenda
ao ciclista regular a distância dos manetes de acordo com sua preferência,
porém, sempre respeitando o fácil e rápido acesso aos comandos do câmbio e
principalmente aos dos freios.
Já a largura do guidão deve corresponder com a largura dos ombros. Se
for mais estreito, dificultará a respiração, se for mais largo, a eficiência será
menor, causando fadiga muscular.
A dor: pulsos, mãos
e braços
O posicionamento no guidão e a colocação dos manetes de freio em locais
errados provocam dores no pulso e nas
mãos. Com o tempo, o treinamento constante nessa posição equivocada pode
causar ainda inflamação nos tendões.
A síndrome do túnel do carpo – doença comum causada pela compressão
de um nervo da mão – também pode
Gabarito usado por
profissionais para
verificar as medidas do
ciclista
A dor: lombar
A postura aerodinâmica – inclinada
sobre a bicicleta – leva a uma sobrecarga na musculatura das costas e à
lombalgia. E o maior vilão dessa dor
é o posicionamento errado. Corrigindo a postura, essas lesões podem ser
evitadas. Assim como o trabalho de
equilíbrio muscular, realizado fora da
bicicleta, como musculação.
acometer ciclistas, segundo o neurocirurgião Nevair Gallani, do Hospital Samaritano de Campinas. A compressão
do punho leva a um estreitamento do
canal por onde passa o nervo mediano, causando inflamação e provocando
dormência e formigamento nas mãos.
O que fazer: Para evitar que a constante pegada errada no guidão gere
inflamação, mantenha suas mãos em
um ângulo mais ameno, com os pulsos
alinhados ao braço. Essa dica também
vale para evitar a síndrome do túnel do
carpo. Outra dica é caprichar nos exercícios de alongamento e flexibilidade.
O que fazer: preste atenção à posição
corporal não só quando pedala, mas
também no cotidiano. Técnicas como
RPG e pilates ajudam a corrigir vícios
posturais. Segundo o especialista em
medicina esportiva Paulo Zogaib, do
Cemafe (Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte, da Universidade
Federal de São Paulo), a acupuntura
pode melhorar as dores lombares.
O tamanho do quadro é o fator decisivo na compra de uma bicicleta. Quadro
irregular pode gerar uma pressão intradiscal – as vértebras pressionam os
discos –, causando lesões como hérnia
de disco e bico-de-papagaio, sem contar a baixa eficiência de pedalada.
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Não existe um procedimento-padrão
para se obter o tamanho ideal do quadro. Entretanto, o engenheiro Wilfried
Hüggi e Cyrille Guimard, um dos técnicos de Greg LeMond, criaram uma fórmula – publicada em “Greg LeMond’s
Complete Book of Bicycling”, em 1987
– que é a mais bem aceita e difundida
entre os ciclistas ultimamente: cavalo
(cm) x 0.67 = ao tamanho do quadro.
Para se obter o quadro ideal, o que
vale é a medida do cavalo do ciclista,
e não sua estatura, uma vez que o
comprimento das pernas pode variar
de pessoa para pessoa, independentemente de sua altura.
Para a obtenção do cavalo encostese na parede, sem sapatos, e pressione contra a região pélvica um bastão
(pode ser um cabo de vassoura na
horizontal), que deve estar paralelo ao
chão. Com uma fita métrica, mede-se
a distância entre o solo e o cabo. Eis a
medida do cavalo. Os quadros de bicicleta de estrada possuem medidas
em centímetros, diferentemente dos
de MTB, medidos em polegadas.
A dor: joelho
A repetição constante dos movimentos necessários para pedalar pode
levar à SIT (síndrome do trato iliotibial) – ou “joelho de corredor” –, um
dos problemas mais presentes entre ciclistas de estrada. A banda
iliotibial é um tendão que passa pela região lateral do joelho, vindo
desde a coxa. A fricção desse tendão no côndilo femoral lateral,
um osso que fica ao lado do joelho, causa um processo inflamatório, que, se não tratado, leva a uma lesão grave.
A síndrome pode ser evitada ou minimizada com uma correção postural, já que estudos mostram que essa fricção se
dá em maior intensidade quando o joelho fica flexionado a
cerca de 30º, exatamente o ponto em que trabalha quem
pedala em estrada. Selim mal-posicionado também pode
influenciar nas dores.
O que fazer: uma pequena peça como o taquinho, quando mal-posicionada, pode ser responsável por dores nos
joelhos e na panturrilha e, futuramente, lesão e inflamação em tendões e nas articulações.
Elpídio Dutra explica uma “técnica infalível” de encontrar o ponto do pé com o qual se regulam de maneira precisa os tacos da sapatilha. Descalço, apóie o
pé sobre um banquinho e levante o dedão do pé com o
dedo indicador da mão. “Olhando a parte interna do pé,
ficará claro o objetivo dessa operação: o ponto mais proeminente do osso do metatarso, de modo inconfundível,
será percebido.”
Com uma caneta, trace um X, como um alvo, posicionando o seu centro em correspondência ao ponto mais
externo do osso. O próximo passo, com o dedão do pé
agora abaixado, será o de fixar com uma fita adesiva uma
pequena esfera. Ao calçar a sapatilha, essa esfera será
perceptível pelo lado de fora. “Com uma caneta de tinta
lavável, faremos um sinal vertical sobre o lado externo
da sapatilha, passando exatamente sobre o ponto em que
percebemos a presença da esfera”, diz Elpídio. Essa é a
referência com a qual os tacos serão posicionados.
Após regular os tacos da sapatilha, é necessário
estabelecer o tamanho da pedivela. Quanto mais longa,
maior potência produzirá, por isso, atualmente, os ciclistas dão
preferência às pedivelas maiores, entretanto, é mais difícil manter uma alta cadência.
A dor: pé
É comum a sens ação de for migamento nos pés, pr incipalmente
após longas pedaladas, pois os pés
suam e dilatam, ficando comprimidos
dentro da sapatilha, resultando na
dormência. A constante pressão na
o taco deve estar posicionado perpendicular ao eixo
longitudinal da sapatilha
sola dos pés também pode causar o
formigamento.
O que fazer: para que seus dedos não
durmam, ao comprar uma sapatilha,
experimente-a com as mesmas meias
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que costuma pedalar e certifique-se
que há espaço para que os dedos se
mexam. Outra dica importante é não
prender demasiadamente as tiras do
calçado, o que certamente pressionarão o pé, gerando dormência.
A dor: glúteos e pernas
Segundo Paulo Zogaib, o constante atrito entre glúteos e
selim pode gerar dor, além de traumas – para isso, basta
usar um assento mais confortável e anatômico. Nem sempre
um selim grande significa conforto; os pequenos (estreitos)
podem ser bastante agradáveis – muitos modelos possuem
gel, que os deixa ainda mais macios. Já a parte posterior da
coxa não é tão exigida quanto o quadríceps e a tensão patelar,
que geram contraturas e câimbras.
O que fazer: para evitar os problemas ocasionados pelo
excesso de atividade, faça massagens e coloque compressas
de gelo nas pernas.
Drenagem linfática aumenta a circulação e, consequentemente, diminui as dores.
Sobre o ajuste, Bernard Hinault, em seu livro “Ciclismo
de Estrada”, de 1988, diz que o selim deve ser ajustado em
primeiro lugar. Ele é o principal apoio do ciclista, e a sua posição, relativamente à da transmissão central, determina as
condições ergonômicas do movimento das pernas.
Caso o selim esteja abaixo do ideal, o atleta passa a sobrecarregar seu joelho (região fêmuro-patelar) e ainda desenvolve uma pedalada insatisfatória por não gerar força suficiente.
Elpídeo Dutra recomenda, para regular a elevação do selim,
O recuo do selim pode ser medido em
relação ao movimento central
subtrair 10 cm do total do cavalo do ciclista. Por exemplo, se
essa extensão der 74 cm, a regulagem do selim será de 64 cm
em relação ao movimento central até o topo do selim.
Encontrada a altura ideal do canote, é preciso descobrir
o centro anatômico do selim, que é o ponto de maior contato entre o ciclista e o componente. Para determinar este
ponto, usa-se uma fita métrica e mede-se 12 cm partindo
da borda posterior do selim. “Naqueles selins que possuem
uma reentrância na parte posterior, a fita métrica deve ser
posicionada em uma espécie de borda posterior virtual”, diz
Elpídio, adiantando que “é importante não confundir como
centro anatômico o centro verdadeiro do selim. O maior erro
seria o de dividir todo o comprimento do selim ao meio”.
Por último, é necessário ajustar o selim nos trilhos. Esse
recuo possibilita às corretas angulações do trabalho das pernas. É, sobretudo, o fêmur que influencia o recuo do selim.
Sente-se confortavelmente sobre a bicicleta, rode os pedais até posicionar as pedivelas na posição horizontal – uma
para frente e outra para trás. Munido de um prumo, o ciclista
apoiará com um dedo o fio sobre o joelho, fazendo com que
fique perpendicular em direção ao chão, coincidindo exatamente com o movimento central. Assim, ajuste o recuo do
selim de modo que, com a pedivela na horizontal, o joelho do
ciclista esteja alinhado com o centro do eixo do pedal.
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Postura corporal
Nem sempre bastam ajustes na bicicleta para que o ciclista
pare de sentir dores e fadiga desnecessária. Uma boa postura
sobre a bicicleta é essencial para a harmonia entre a bike
e o praticante. A seguir, veja dicas que o técnico americano Chris Carmichael repassava ao seu mais ilustre atleta, o
heptacampeão do Tour de France, Lance Armstrong, sobre
posicionamento na bike.
A dor: dormência genital
Muitos ciclistas já passaram pela dormência genital, que
é causada pela pressão do selim sob os nervos dos órgãos
genitais externos. Normalmente, esse efeito é passageiro, como a simples dormência de um pé, porém deve ser
evitado o máximo possível, por trazer sérios problemas,
como dificuldade de ereção.
O que fazer: a altura do selim deve estar perfeitamente
ajustada ao ciclista. Evite selins velhos. Bermudas muito
usadas, com forro desgastado, também podem gerar a
dormência. O nariz do selim deve estar paralelo ao solo, e
não voltado para cima ou para baixo. Selins muito macios,
cobertos por uma grossa camada de espuma ou gel não
são a solução para o problema de dormência. Pelo contrário, exerce mais pressão nas genitálias. Por fim, varie a
posição constantemente. Em longas pedaladas, periodicamente você deve se levantar do selim e pedalar em pé por
um minuto – isso alivia a pressão e restaura a circulação.
Essa técnica se faz mais essencial se não houver montanhas no percurso, em que geralmente o ciclista pedala em
pé, ou se o ciclista usa guidões aerodinâmicos.
A dor: câimbra
Assim como pneus furados e dores nas costas, as câimbras também fazem parte do ciclismo. Mas é possível evitálas ao máximo com alguns cuidados extras. Se estiver se
preparando para uma competição ou para uma longa jornada, tente reproduzir nos treinos a intensidade, distância
e estilo de pedalada que enfrentará.
O que fazer: a hidratação é um fator decisivo para que
elas apareçam: é a desidratação um dos principais responsáveis pelo surgimento das câimbras, então, não espere a sede chegar para consumir líquidos. Aliás, bebidas
isotônicas são essenciais para repor níveis de magnésio,
potássio e sódio – a falta desses micronutrientes também
ocasiona as câimbras. Por fim, alongue-se com regularidade, antes e depois dos treinos. E não se esqueça da boa
e velha banana.
Cabeça e pescoço
Evite colocar a cabeça para baixo, principalmente se estiver
cansado; vire a cabeça de um lado para o outro de vez em
quando para alongar e relaxar os músculos do pescoço
Tórax e ombros
Quanto menos movimento, melhor. Imagine as calorias queimadas ao balançar de um lado para outro a cada pedalada em
uma volta de 50 km, por exemplo. Use essa energia para pedalar.
Cuidado também para não se prostrar para a frente do selim
e arquear as costas quando estiver cansado. Mude para uma
marcha mais alta e suba no pedal periodicamente para evitar o
enrijecimento nos quadris e nas costas durante a pedalada.
Braços
Cuidado com a rigidez. Mantenha os ombros dobrados e
relaxados para absorver os impactos e não desequilibrar ao
bater em um obstáculo. Mantenha os braços alinhados ao
corpo, e não para fora. Isso vai ajudá-lo a formar uma unidade
mais compacta e aerodinâmica.
Nádegas
Ao escorregar para frente e para trás sobre o selim, você
pode trabalhar diferentes grupos musculares. Isso pode ser
útil em uma subida longa. Para frente, enfatiza os quadríceps,
na frente da coxa, enquanto mover para trás acentua o oposto,
os tendões e glúteos.
Joelhos
Devem estar sempre paralelos à parte superior do tubo da
bicicleta, e não para fora, o que pode lesionar as articulações,
além de desperdiçar energia.
Mãos
Mude ã posição das mãos com frequência para prevenir o
adormecimento dos dedos e o enrijecimento da parte superior
do corpo. Segure o guidão firmemente, porém com suavidade.
Apertá-lo em demasia é desnecessário e produzirá um desperdício de energia da tensão do músculo pelos braços e ombros.
Segurar na parte de baixo do guidão (1) proporciona controle
máximo, além de facilitar a frenagem e as curvas. Use essa
parte do guidão também nas descidas e em alta velocidade.
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(1)
(2)
Segurar no topo do manete (2) combina os melhores elementos das outras
duas posições para equilibrar controle e
aerodinâmica. As mãos nos manetes são
excelentes para um melhor acesso nos
freios e também para subidas moderadas. Pedalar com as mãos nos manetes
também permite ao ciclista se levantar
do selim ao encontrar uma subida íngreme, por exemplo.
A parte superior, especialmente próxima do avanço do guidão, é uma das posições (3) de subidas favoritas de Lance
Armstrong, pois ajuda a abrir o peito,
isto é, permite uma melhor respiração,
e muda o ângulo de seus quadris para
melhor usar seus tendões, panturrilhas,
músculos lombares e braços.
Quando estiver levantado, segure no
apoio de freio suavemente (4) e balance
a bicicleta de um lado para outro em
sincronia com as pedaladas. Tenha
sempre cada polegar e um dedo fechados em volta do manete para não perder
o apoio caso se depare com um obstáculo inesperado.
(3)
(4)
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A bicicletA estArá fiNAmeNte AjustAdA quANdo permitir: