O 1998 by Arquivo Nacional Rua Azeredo Coutinho, 77 CEP 20230-170 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil Presidente da R e p ú b l i c a Fernando Henrique Cardoso Ministro da J u s t i ç a J o s é Renan Vasconcelos Calheiros Dlretor-Geral do Arquivo Nacional Jaime Antunes da Silva Editora Maria do Carmo T. Rainho Conselho Editorial Ingrid Beck. J o s é Ivan Calou Filho, Maria do Carmo T. Rainho, Maria Isabel F a l c ã o , Maria Izabel de Oliveira, Nilda Sampaio Barbosa, Sílvia Ninita de Moura E s t e v ã o , Verone G o n ç a l v e s Cauville Conselho Consultivo Ana Maria Camargo, Angela Maria de Castro Gomes, Boris Kossoy, Célia Maria Leite Costa, Elizabeth Carvalho, Francisco Falcon, Francisco Iglesias, Helena Ferrez, Helena C o r r ê a Machado, H e l o í s a Liberalli Belotto, limar Rohloff de Mattos, Jaime Spinelli, Joaquim Marcai Ferreira de Andrade, J o s é Carlos Avelar, J o s é S e b a s t i ã o Witter, L é a de Aquino, Lena Vânia Pinheiro, Margarida de Souza Neves, Maria Inez Turazzi, Marilena Leite Paes, Regina Maria M. P. Wanderley, Solange Z ú n i g a Projeto G r á f i c o A n d r é Villas Boas E d i t o r a ç ã o E l e t r ô n i c a , Capa e I l u s t r a ç ã o Qisele Teixeira de Souza Revisão Alba Gisele Qouget, J o s é C l á u d i o da Silveira Mattar, J o s é Ivan Calou Filho e T â n i a Maria Cuba Bittencourt Resumos Carlos Peixoto de Castro, Flávia Roncarati Gomes e J o s é C l á u d i o da Silveira Mattar ( v e r s ã o em i n g l ê s ) e Flávia Roncarati Gomes e Léa Porto de Abreu Novaes ( v e r s ã o em f r a n c ê s ) Reprodução Fotográfica Agnaldo Neves Santos, C í c e r o Bispo, Flavio Ferreira Lopes e Marcello Lago Secretaria Jeane D'Arc Cordeiro Acervo: revista do Arquivo nacional. — v. 10, n. 2 (jul./dez. 1997). — Rio de Janeiro: Arquivo nacional. 1998. v.; 26 cm Semestral Cada número possui um tema distinto ISSn 0102-700-X 1. Imigraçáo - Brasil - I. Arquivo nacional CDD 323-1 Ministério da J u s t i ç a Arquivo Nacional ACERVO R E V I S T A D O A R Q U I V O N A C I O N A L RIO DE JANEIRO, V.10, NÚMERO 02, JULHO/DEZEMBRO 1997 S U M Á R I O 01 Apresentação 03 Bastidores U m outro olhar sobre a i m i g r a ç ã o no R i o de Janeiro Lená Medeiros de Menezes 17 Camisas-Verdes O integralismo no S u l do Brasil • Carla Brandalise 37 O U n i v e r s o do T r a b a l h o do Imigrante em Itu - S P ( 1 8 7 6 - 1 9 3 0 ) Maria Antonieta de Toledo Ribeiro Bastos 53 "Proverbial H o s p i t a l i d a d e " ? A Revista Jc Imigração e Colonização c o discurso oficial sobre o imigrante ( 1 9 4 5 - 1955) Elena Pájaro Peres 71 "Inimigos M a s c a r a d o s com o T í t u l o de C i d a d ã o s " A v i g i l â n c i a c o controle sobre os portugueses no R i o de Janeiro do Primeiro Reinado Qladys Sabina Ribeiro 97 I m i g r a ç ã o Portuguesa e M o v i m e n t o O p e r á r i o no B r a s i l Fontes c arquivos de Lisboa Fernando Teixeira da Silva 109 Portugueses no B r a s i l I m a g i n á r i o social c t á t i c a s cotidianas ( 1 8 8 0 - 1 8 9 5 ) Maria Manuela R. de Sousa Silva 119 A ç o n a n o s e M a d eirenses no S u l do B r a s i l Walter F. Piazza 129 A C r i a ç ã o do E s t r a n h a m e n t o e a C o n s t r u ç ã o do E s p a ç o Público Os japoneses no Estado Novo Adriano Luiz Duarte 147 L i t e r a t u r a de I m i g r a ç ã o M e m ó r i a s dc uma diáspora Maria Luiza Tucci Carneiro 165 I m i g r a ç ã o A l e m ã e C o n s t r u ç ã o do E s t a d o N a c i o n a l Brasileiro R i o Grande do S u l , s é c u l o Helga Iracema Landgraf Piccolo 179 Breves R e f l e x õ e s Sohre o P r o h l e m a da I m i g r a ç ã o U r b a n a O caso dos e s p a n h ó i s no R i o dc Janeiro ( 1 8 8 0 - 1 9 1 4 ) Lúcia Maria Paschoal Q u i m a r ã e s 199 M u l t i p l i c i d a d e É t n i c a no l \ i o de J a n e i r o U m estudo sobre o 'Saara' Paula Ribeiro 213 Perfil Institucional M e m o r i a l do Imigrante Marco Antônio Xavier 219 Perfil Institucional M u seu e A r q u i v o H i s t ó r i c o M u n i c i p a l de C a x i a s do S u l Juventino Dal Bó 223 Fontes para E s t u d o s da E n t r a d a de Estrangeiros e de Imigrantes no B r a s i l 229 Bibliografia A P R E S E N T A Ç Ã O Como afirma Boris Fausto, a imigração Tentando contribuir para divulgar o que tardou a constituir um campo específico vem sendo produzido nas universidades da pesquisa a c a d ê m i c a . Durante muito e centros de pesquisa sobre imigração, tempo — podemos dizer, a t é meados da esse n ú m e r o da Acervo traz 13 artigos, d é c a d a de 1960 — era objeto apenas de além de dedicar a seção Perfil Institucional grandes i n t e r p r e t a ç õ e s s o c i o l ó g i c a s , a entidades que se destacam pela riqueza destacando-se as obras de Roger Bastide de seus acervos como o Memorial do e Florestan Fernandes. Imigrante e o Museu e Arquivo Histórico A partir dos trabalhos dos brazilianistas que, ainda segundo Fausto, se relacionam com o desenvolvimento de estudos sobre etnias nos Estados Unidos, o tema da Municipal de Caxias do Sul. Para finalizar, a p r e s e n t a u m r o t e i r o dos núcleos documentais custodiados pelo Arquivo nacional, de interesse para o tema. imigração passa a constituir-se em objeto Abre esse n ú m e r o , o texto da professora de análise não subordinado. Lená Medeiros de Menezes que utiliza os Dentre os estudos desenvolvidos por processos de expulsão de imigrantes para pesquisadores e s t u d a r as formas de i m p o s i ç ã o da brasileiros, chama a a t e n ç ã o o de J o s é de Souza Martins que, disciplina no e s p a ç o urbano do Rio de a partir da d é c a d a de 1970, toma a Janeiro, durante a Primeira República. imigração central, A seguir, C a r l a B r a n d a l i s e a n a l i s a a analisando n ã o apenas as r e l a ç õ e s de inserção do movimento integralista no Rio p r o d u ç ã o pós-escravistas, como t a m b é m Qrande do Sul na d é c a d a de 1930 e a sua os o b s t á c u l o s e i m p o s s i b i l i d a d e s de a t u a ç ã o nas á r e a s ocupadas por colonos a s c e n s ã o social dos imigrantes pobres. a l e m ã e s e italianos. Atualmente, como a objeto imigração é tema recorrente nos trabalhos de historiadores, a n t r o p ó l o g o s e sociólogos, que ampliam o e s p a ç o geográfico enfocado — o qual centrou-se, por muito tempo, em S ã o Paulo, Rio de Janeiro e Rio Qrande do Sul —, e incorporam novas abordagens como O artigo da geógrafa Maria Antonieta de Toledo Ribeiro Bastos traça um perfil dos trabalhadores imigrantes em Itu, entre 1876 e 1930, em particular os italianos que dedicaram-se, em grande parte, ao trabalho agrícola. as n o ç õ e s de etnicidade e pluralismo Elena cultural. regulamentação Pájaro Peres do analisa a movimento imigratório no Brasil, a partir da Revista eliminar de Imigração 'derrotistas'. e Colonização que circulou entre 1940 e 1955 e visava e s b o ç a r as características do imigrante desejável. y f i s i c a m e n t e os chamados A literatura de imigração, especialmente aquela produzida por imigrantes judeus T r ê s a r t i g o s e n f o c a m os i m i g r a n t e s que se refugiaram do nazismo no Brasil, portugueses no Brasil: o de Qladys Sabina nas d é c a d a s de 1930 e 1940, é o tema da Ribeiro analisa a vigilância e o controle professora Maria Luiza Tucci Carneiro que que sofreram durante o Primeiro Reinado; analisa o conteúdo dessas obras e o perfil o texto de Fernando Teixeira da Silva dos seus autores. aponta as possibilidades de pesquisa sobre a relação entre movimento operário e imigração portuguesa, nas três O processo de imigração alemã para o Rio Qrande do Sul durante o século XIX é o p r i m e i r a s d é c a d a s do s é c u l o XX, em tema de tlelga Iracema Landgraf Piccolo, Santos; e, finalmente, o artigo de Maria onde se destaca o pequeno proprietário Manuela R. de Sousa e Silva aborda as imigrante como fiel da balança, na relação t e n s õ e s existentes na r e l a ç ã o entre entre o governo imperial e os grandes brasileiros e portugueses a partir de senhores de terra, muitos deles escravistas. enfrentamentos cotidianos ocorridos no Os e s p a n h ó i s n ã o foram esquecidos pela Rio de Janeiro, no final do século XIX. Acervo e e s t ã o presentes no artigo de Walter Piazza trabalha a história da vinda Lúcia Maria Paschoal G u i m a r ã e s que, de imigrantes a ç o r i a n o s e madeirenses tendo como e s p a ç o o Rio de Janeiro na para o sul do Brasil no século XVIII, suas virada do século XIX, pretende demonstrar bases sociais e políticas, e os resultados que a emigração urbana se constituiu num desse movimento migratório. fator Os imigrantes japoneses durante o Estado Movo s ã o o objeto do texto de Adriano Luiz concorrente da mão-de-obra nacional, especialmente aquela que fora liberada pela abolição. Duarte. Esses imigrantes, com o fim da Fecha este n ú m e r o o texto de Paula Segunda Guerra, dividiram-se em dois Ribeiro que parte dos r e l a t o s dos grupos: aqueles que não acreditavam na imigrantes sírios e libaneses c r i s t ã o s , derrota japonesa e os que, conformados judeus sefaradim com a situação, desejavam esquecê-la. É para traçar um perfil desses homens que, interessante destacar os dados que o desde fins do século XIX, t ê m - s e dedicado autor apresenta sobre a ao comércio de armarinhos e de g ê n e r o s Shindô-Remmei, o r g a n i z a ç ã o que t i n h a por o b j e t i v o e seus descendentes, alimentícios. Maria do Carmo T. Rainho Editora Lená Medeiros de Menezes Professora Adjunta do Departamento de História da UERJ. Doutora em História Social. . . B a s t i d o r e s U m outro oUiar sotre a imigração no R i o cie J a n e i r o A pós residir 38 anos na bre a defesa da ordem e da segu- cidade do Rio de Janeiro, Manuel Real, portu- rança nacional, a prática da expulV g u ê s , analfabeto, solteiro, padeiro s ã o representou uma das faces da excludência implantada pelo regi- por profissão, mas sem residência fixa, foi me republicano: aquela que atingia os es- expulso do Brasil como mendigo incorri- trangeiros pobres, transformados em al- gível, regressando à terra natal, com 64 vos das políticas de higiene social e n t ã o anos, apenas com a roupa do corpo. Mui- desenvolvidas, numa cidade que conhe- to mais brasileiro que português, foi obri- cia um tempo de m u d a n ç a s visíveis no ser, gado a voltar à Europa, de onde saíra com no fazer, no sentir e no estar. Tempo mar- a idade de 26 anos, para enterrar, em cado por luzes e sombras, fugas e bus- outro solo que n ã o o brasileiro, a falên- cas, por distanciamentos profundos en- cia de seus sonhos, expectativas e espe- tre o discurso legal, que contemplava pos- ranças. 1 tulados liberais, e as práticas políticas au- História de vida como a de Manuel Real não foi um caso isolado na capital brasileira, ao longo de seu t ã o aclamado processo civilizatório. Além do discurso so- toritárias do cotidiano, enraizadas n u m a mentalidade escravista e latifundiária. lio processo de imigração em massa que Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 0 3 - 1 6 , Jul/dez 1997 - pág.3 marcou a virada do século, a proclama- tado, em muito, da r e p r e s e n t a ç ã o ideali- ção e a consolidação da república brasi- zada de m ã o - d e - o b r a superior, promoto- leira corresponderam à terceira^ onda dos ra do progresso, que compunha os dis- movimentos m i g r a t ó r i o s que do Velho cursos imigrantistas na é p o c a imperial. Mundo atingiram a América. Esta onda, Com pouco conhecimento dos códigos ur- diferente das anteriores, caracterizou-se banos, precária qualificação profissional pelo êxodo em massa das á r e a s agrícolas e ausência de laços familiares na nova ter- da Europa mediterrânea, que e n t ã o co- ra, muitos desses estrangeiros compuse- nhecia a acelerada d e s e s t r u t u r a ç ã o da ram um proletariado miserável, fornecen- comunidade camponesa tradicional, fia do grandes contingentes ao lumpesinato cidade do Rio de Janeiro, ela represen- existente na cidade. tou o afluxo predominante de indivíduos pobres provenientes dos campos do norte e noroeste de Portugal, com destaque para o Minho, Douro e Trás-os-Montes, seguindo-se as á r e a s rurais da Espanha, principalmente da Qaliza, e as províncias m e r i d i o n a i s de C o z e n z a , S a l e r n o e Potenza, na Itália. 2 Sobras do arranjo social nos países de origem, grande parte deles permaneceu à margem dos benefícios trazidos pelo progresso, numa cidade que conhecia a carestia, o déficit habitacional e um mercado de trabalho m a g m á t i c o , marcado pela superexploração, baixos salários, longas jornadas e desemprego recorrente. Essa De acordo com os registros existentes, o conjugação perversa tornou-os objetos pri- imigrante pobre que chegou ao Rio de Ja- vilegiados da ação disciplinar conduzida neiro, pobre tendeu a permanecer, afas- pelas elites; alvos destacados da vigilância Manuel Real em 1928. p á g . A, j u l / d e z 1997 Fotografias Integrantes d o seu processo de expulsão. Arquivo Nacional. o V Benaneti tinha 62 anos quando foi expul- policial e das leis de expulsão. Como em outras cidades do mundo influenciadas pela Europa, a história do Rio de Janeiro, début de siècle, foi marcada pela importação de produtos e bens, homens e mulheres, usos e costumes, fazeres e lazeres, crimes e c o n t r a v e n ç õ e s , so em 1929 como vadio. Era solteiro, analfabeto, carroceiro e havia entrado no país em 1922, j á com idade a v a n ç a d a . Segundo o depoimento por ele prestado, chegara ao Rio de Janeiro vindo de Santos, onde um acidente, ocorrido em 1925, o impossibilitara de continuar trabalhan- valores e visões de mundo. do, razão pela qual, sozinho e sem alterCivilizar a cidade, neste contexto de mudança, foi um processo que caminhou em dois sentidos principais. Em primeiro lugar, no da criação de um e s p a ç o moderno, racional e funcional, em que os negócios encontraram um lugar especializado e privilegiado para florescer, distanciado dos becos e ruelas tradicionais. Em segundo lugar, no sentido dó desencadeamento de uma proposta de a d a p t a ç ã o da p o p u l a ç ã o urbana aos c â n o n e s de um novo viver, através de sua s u b m i s s ã o a um código legal que, contraposto ao popular, criminalizou comportamentos tradicionais, atingindo fortemente os estrangeiros, num modelo- de república que passou a utilizar a alteridade como instrumento de construção artificial da identidade nacional, principalmente nos anos que precederam e se seguiram à Primeira Querra Mundial. nativas de trabalho, lançou-se à mendicância. 3 natural de uma pequena freguesia do distrito de Braga, A. Cardoso tinha 25 anos quando foi obrigado a voltar para Portugal, 12 anos depois de chegar ao Brasil, aos 13 anos de idade, junto com os pais. R e c é m - c h e g a d o , empregou-se em uma fábrica de louças no bairro de São Cristóvão, onde trabalhou por algum tempo, sendo colocado na rua logo depois da família ter retornado a Portugal. Só e desamparado, viu-se numa "situação financeira deplorável", segundo as declarações que prestou, no ano de 1922, com 17 anos, preso e processado, acusado de ferir um companheiro em a r r u a ç a s de rua, foi recolhido à Casa de Detenção. Influenciado pelos nouos amigos que lá conheceu, não mais procurou emprego ao deixar a prisão, passando a viver exclusi- Várias histórias de vida contadas nos pro- vamente do produto dos furtos que prati- cessos de expulsão exemplificam bem as cava. Processado várias outras vezes, foi dificuldades encontradas por centenas de c o n d e n a d o a d o i s anos em c o l ô n i a imigrantes pobres no Rio de Janeiro, ao correcional situada no interior do estado. tempo da Belle Époque, como as que Preso novamente, ao passar o conto-do- c o m p õ e m os processos de H. Benanan, uigário em um patrício, de quem furtou A. Cardoso, A. Santos e J . M. Melo: setecentos mil réis em moeda brasileira F r a n c ê s de T ú n i s , H. Benanan ou A. e oitocentos escudos portugueses, aca- Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 . j u l / d e z 1997 - pág.5 C A bou expulso como vadio incorrigível no ano de 1930. 4 são. Foi expulso com a idade de 27 anos, acusado de ser um dos responsáveis pela onda de e x p l o s õ e s ocorrida no ano de nascido na aldeia de Travanca, conselho de Vinhães, na província de Trás-os-Montes, seu c o n t e r r â n e o A. Santos contava 26 anos quando vislumbrou, pela última vez, os contornos majestosos dos morros que a b r a ç a m a cidade do Rio de Janeiro. Era solteiro, alfabetizado, e havia chegado ao país com 12 anos. Segundo suas declaraç õ e s , t ã o logo desembarcou na capital brasileira, foi residir com um tio, com quem permaneceu por cerca de dois anos. Em 1917, com 14 anos, s ó na vida, "deuse à vadiagem". Preso por ter furtado vinte mil réis de um alfaiate estabelecido no centro da cidade e recolhido, pela polícia, a um patronato, ali ficou a t é princípi- 1920. Segundo o depoimento por ele prestado, tão logo chegou ao Brasil empregou-se numa fábrica de tecidos, e, depois, em padarias, tendo-se filiado à Sociedade dos Padeiros. Acusado de ter colocado uma bomba numa padaria situada na rua V o l u n t á r i o s da Pátria, em Botafogo, foi preso em maio de 1920, passando a integrar a lista negra dos agitadores que circulava entre os empregadores, n ã o conseguindo mais nenhum tipo de emprego. Desesperado com a s i tuação, "pois não ganhava para comer", «1 não querendo mais "ter fama sem proveito", resolveu vingar-se dos p a t r õ e s , os de 1920, sendo desligado a p ó s ter con- passando a fabricar bombas e a colocá- cluído o curso de arado e de agricultura las em lugares considerados estratégicos. o f e r e c i d o pela i n s t i t u i ç ã o . Fora do A primeira bomba, fabricada com massa patronato, empregou-se por cerca de qua- de vidro, dinamite e pregos, n ã o explo- tro meses. Posto em liberdade, mergulhou diu por defeito de fabricação. Com a se- no jogo por "considerar-se fraco para o gunda, conseguiu seu intento, causando trabalho braçal" e ter verdadeira fascina- vários prejuízos numa padaria do bairro ção pelo jogo, "pelos lucros fáceis que de Vila Isabel. A terceira, finalmente, de- este proporcionava, lucros que lhe per- positada na residência do gerente da fá- mitiam luxos e prazeres" interditados à s brica de tecidos Minerva, na Tijuca, va- classes trabalhadoras, iniciando-se outra leu-lhe a expulsão, efetuada no ano de série de d e t e n ç õ e s e uma nova estada na 1920. Megando ser anarquista, J . M. Melo colônia Dois Rios Em 1926, foi remetido definiu-se como um sindicalista revolta- para Clevelândia, situada em zona de do com as condições de vida dos traba- fronteira. Voltando à cidade, e preso no- lhadores. vamente, foi Finalmente expulso. Corria o Parte significativa das sobras de um ar- ano de 1929. 5 6 ranjo social tecido por pactos de elites, homens como Benanan, Cardoso, Santos Português de Figueira, J . M. Melo era sol- e Melo compunham o grupo dos indese- teiro, alfabetizado e padeiro por profis- jáveis, ou seja, dos estrangeiros que, de p á g . e . Jul/dez 1997 O V R alguma forma, contestavam a ordem onde outros estrangeiros, com destaque estabelecida. Muma vertente deste pro- para os italianos e e s p a n h ó i s , colocaram- cesso, a da contestação política, alinha- se à frente do processo de organização vam-se trabalhadores envolvidos com a operária. constituição do operariado enquanto clas- Comparadas várias histórias de vida nar- se, com destaque aos anarquistas que, de radas nos processos de expulsão, algu- posse de um discurso e uma prática re- mas recorrências sobressaem significati- volucionárias, constituíram-se em perigo vamente no conjunto, proporcionando um permanente para o regime. exercício prosopográfico que, através de Ma outra dimensão, a do crime e da con- casos exemplares, mergulhados em som- travenção, somavam-se vadios, mendigos, bras e trevas, permite a reconstrução dos ladrões, gatunos, vigaristas, b ê b a d o s , j o - bastidores da imigração. gadores e cáftens. Com exceção dos últi- Em primeiro lugar, a pobreza mostrava- mos, agentes do crime internacional or- se companheira inseparável em suas v i - ganizado, os indesejáveis, regra geral, das. Os processados, geralmente, nada eram indivíduos pobres que, perdidos mais eram que homens pobres que che- seus sonhos de uma vida melhor ou de gados ao país retorno vitorioso à terra natal, voltavam- se ao longo da vida, posicionados como se, de várias formas, contra as condições m ã o - d e - o b r a barata em serviços antes de vida que lhes eram oferecidas, afas- realizados por escravos. Todos haviam tando-se, com sua atitude de desafio à or- emigrado buscando o paraíso do outro dem, do protótipo de imigrante deseja- lado do Atlântico. Muito raramente eram do: paciente, obediente, ordeiro e resignado. criminosos ou anarquistas radicais. Casos lios delitos que guardavam vínculos mais como o de J . Monteiro, que entrou no Bra- estreitos com a pobreza vivida na cidade, sil em 1911, fugido de Portugal por seu os portugueses destacaram-se do conjun- ativismo político, ou de L. Arena, que no to dos indesejáveis, reproduzindo as ten- ato da expulsão j á registrava prisões por dências gerais da imigração para a cidade. 7 na pobreza mantiveram- furto em Buenos Aires, s ã o absoluta exceção no conjunto dos indesejáveis que Os anarquistas constituíram-se a principal base da militância de origem estran- deixaram o registro de sua passagem pela capital federal." geira, principalmente no ramo das padarias e da construção civil, em que mais Quanto à procedência, a maior parte dos fortemente enraizou-se o sindicalismo re- processados havia nascido nos campos volucionário. A p r e s e n ç a marcante dos europeus. Mesta perspectiva, os proces- portugueses nos sindicatos, que encami- sos de expulsão refletem, com exatidão, nhavam o discurso revolucionário, distan- as t e n d ê n c i a s globais da imigração para ciou a capital de outras cidades do país. a cidade, no final do século XIX e nas pri- Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 . J u l / d e i 1997 - pág.7 meiras d é c a d a s do século XX, onde os num espírito de total aventura. Sem as portugueses, seguidos por italianos e es- s a n ç õ e s familiares ou qualquer p a d r ã o p a n h ó i s provenientes das á r e a s rurais, referencial da vida urbana, eles tornaram- constituíam a maioria dos que se desti- se uma importante d i m e n s ã o da imigra- navam ao Rio de Janeiro. A conjugação ção urbana. Verdadeiros agregados urba- de condicionantes estruturais relativas à nos, dormiam e faziam suas refeições nos posse e d i v i s ã o da terra com fatores locais de trabalho, cumprindo longas e conjunturais e com o exemplo dado pe- duras jornadas, que chegavam a se es- los 'brasileiros' de torna-viagem, envol- tender por 16 horas no comércio a vare- vidos no manto dos sucessos obtidos no jo. Mão raras vezes, optavam por fugir a l é m - m a r , principalmente em Portugal, devido à s duras condições de vida, ou en- pressionaram ou incentivaram a popula- tão eram despedidos e, privados de teto ção rural a emigrar. e comida, passavam a vagar pelas ruas, alternando períodos de reclusão em estabelecimentos penais com intervalos de liberdade, num circuito contínuo de reincidência. Distribuição dos Estrangeiros por Nacionalidade A grande presença de jovens desocupados nas ruas, a maioria constituída por estrangeiros, marcou a história da Belle Époque carioca. Personagens constantes nas crônicas sobre a capital, os jovens Fonte Brasil Ministério da Agricultura. Indústria e Comerão Diretoria Geral de Estatística Recenseamento de 1920 abandonados à própria sorte tornaram-se alvo das p r e o c u p a ç õ e s policiais, devido à facilidade com que tendiam a ingressar Com relação à idade dos imigrantes, grande parte dos processados havia entrado no mundo do crime ou a aquecer os motins e os quebra-quebras recorrentes. 9 no país durante a adolescência ou a infância. Este dado significativo, registrado Tomado o universo profissional como ob- no conjunto da d o c u m e n t a ç ã o , é encon- jeto central de análise, finalmente, mere- trado, t a m b é m , nos recenseamentos rea- ce destaque a pequena qualificação para lizados entre 1872 e 1920, que registram o trabalho registrada nas fontes, ao que um enorme contingente de jovens na fai- se acrescenta a alta incidência de analfa- xa dos 12 aos 18 anos no grupo dos es- betos, m a i s de 2 0 % d o t o t a l . Este trangeiros. Eram os caixeirinhos portu- despreparo para o mercado de trabalho gueses ou galegos desta faixa etária que tinha como conseqüência imediata a ab- chegavam ao Brasil, ao chamado de al- sorção dos estrangeiros pobres nas ativi- gum parente ou conhecido, ou mesmo dades desvalorizadas, com t e n d ê n c i a à p á g . 8 . Jul/dez 1 997 O V R superexploração e à pouca fixação no em- ços os salários eram baixos, os aciden- prego, em atendimento a demandas cir- tes de trabalho muito comuns e o de- cunstanciais do mercado de trabalho. É semprego uma possibilidade sempre bastante f r e q ü e n t e na d o c u m e n t a ç ã o presente, tornando enormes as possi- pesquisada, por exemplo, o registro de pro- bilidades do ingresso do imigrante no fissões sem quaisquer relações intrínsecas, mundo marginal do não-trabalho, como desenvolvidas por um mesmo indivíduo ao registra A noite no ano de 1914: longo da vida. J . S. Querra foi jardineiro e gerente de hotel; 10 outros foram sapatei- ros e pintores, ou condutores de bondes e trabalhadores em pedreiras, alternando, freqüentemente, empregos ocasionais com períodos de desemprego. Trata-se de um dos mais s é r i o s problemas do nosso proletariado. V ã o de m a n h ã cedo aos logradouros p ú b l i cos, correm o Passeio, a p r a ç a XV de liovembro, os diversos cais, o mercado velho e novo, a praia de Santa Lu- A pouca ou nenhuma qualificação profissio- zia, e depois dizem que dolorosa im- nal de grande parte dos imigrantes encon- p r e s s ã o trouxeram de lá. Mós vimos e tra-se apontada, t a m b é m , nos recensea- contamos cem o p e r á r i o s que dormi- mentos realizados no período. O de 1906 am ao relento. C o n v e r s a m o s totaliza 39.707 indivíduos sem qualificação, muitos deles. Todos contam a mesma e o de 1920 aponta a cifra de 13.619 com h i s t ó r i a : a fábrica, o trabalho, espe- profissão mal definida, 10.951 sem profis- r a n ç a de arranjar s e r v i ç o para o futu- s ã o declarada e 57.030 sem profissão, ro [...] Mão se trata, [sic] absolutamen- totalizando te, de vagabundos, trata-se [sic] 81.600 estrangeiros desqualificados para as ocupações urbanas, o que representa cerca de 35% do universo dos imigrantes residentes na cidade. com de operários." A descrição da lamentável situação feita pelo periódico encontra correspon- O desemprego recorrente e as p é s s i m a s dência direta em várias histórias de vida c o n d i ç õ e s de t r a b a l h o n u m m e r c a d o narradas nos processos analisados, magmático, no qual a oferta suplantava a como no de A. Sarmento, espanhol de demanda, tenderam a aquecer os movi- 40 anos, residente há 13 anos no país mentos contestatórios na cidade e a em- no momento de sua expulsão, que de- purrar muitos indivíduos para as atividades clarou, em seu depoimento, que fora ilícitas e a mendicância. sempre um trabalhador, n ã o lhe caben- O comércio, a construção civil, as docas, as pedreiras e os transportes foram os se- do culpa por estar desempregado no momento de sua p r i s ã o . 12 tores formais do mercado de trabalho que Consideradas as q u e s t õ e s destacadas, registraram a maior a b s o r ç ã o da m ã o - d e - impõe-se como conclusão que qualquer obra estrangeira. Justamente nestes espa- estudo sobre a imigração estará incom- Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 , Jul/dez 1997 - pag.9 pleto se contemplar apenas a história vis- arcar com os custos dos aluguéis, como ta de cima, ou seja, a história dos suces- narra com grande sensibilidade o Correio sos escritos sob as luzes da modernidade. da Manhã: Além das vitórias cantadas em prosa e verso pelos que voltaram ricos à terra natal, ou pelos que fixaram-se na nova terra como p r o p r i e t á r i o s , é n e c e s s á r i o que, virado o processo pelo avesso, seja contemplada uma história vista de baixo, capaz de dar visibilidade à pobreza dos bastidores, mergulhados nas sombras do silêncio e do esquecimento. Grande parte dessa gente, trabalhadores e o p e r á r i o s , sem casa, sem nenhum abrigo, sem p ã o e sem e s p e r a n ç a s , dorme ao relento sob a relva da avenida do Mangue ou fazendo cama com as ervas que crescem livremente nos terrenos devolutos, ou pernoita nos portais das casas desabitadas, se n ã o se lhes depara mais c o n f o r t á v e l retiro nas ruí- Muitos foram os condutores de bondes, nas de qualquer casa que o fogo ou o padeiros, calceteiros, pedreiros, caixeiros tempo d e s t r u í r a m . 1 3 e trabalhadores afeitos ao trabalho bra- Porém, muitos imigrantes, apesar das çal que amargaram difíceis condições de condições adversas, continuaram traba- existência, em sua luta permanente con- lhando duro, tecendo c o n d i ç õ e s de vida tra a carestia, trágica em algumas con- mais amenas para seus descendentes. junturas, morando na periferia pobre ou Outros buscaram, pela via revolucionária, dormindo ao relento, quando, desempre- alterar de imediato as condições adver- gados ou sub-empregados, não podiam sas, influenciados pelo ideário anarquis- \ S. 0 i ' • Embarque de emigrantes italianos para o Brasil. Reprodução de A Ilustração brasileira, 15 de fevereiro d e 1910. p á g . 10. J u l / d e z 1997 R O V ta que apontava a revolução como única marginalidade por motivos alheios a sua possibilidade de r e d e n ç ã o . A violência vontade, como R. V. Castro: casado, alfa- adotada por muitos expressava, de algu- betizado e sem residência, o p o r t u g u ê s ma forma, as frustrações acumuladas ao R. V. Castro tinha 26 anos quando foi pre- longo da vida, e o desejo de alcançar o so e expulso. Segundo suas declarações, paraíso na terra, ainda que fosse pela di- chegara ao Brasil com um tio, aos oito namite. anos de idade, tendo trabalhado no comércio a t é a idade adulta, quando, e n t ã o , Os vínculos existentes entre condições de vida e radicalização ideológica encontram-se presentes em alguns processos desempregado, caiu na marginalidade, terminando por ser expulso por vadiagem e furto. 15 de expulsão, principalmente naqueles movidos contra os padeiros, sujeitos a lon- Se em alguns casos a expulsão tinha jus- gas jornadas noturnas e a duras condi- tificativas, em outros ela definia-se como ç õ e s de trabalho, seguindo-se operários um ato e x t r e m a m e n t e não qualificados da construção civil. En- inconstitucional. tre os padeiros, é significativa a m e n ç ã o trangeiros que acabaram sendo expulsos, a u m a s o c i e d a d e s e c r e t a de nome muitos sofreram perseguição sem tréguas Carbonária Padeiral, que aparece no pro- por sua miséria ou luta contra as injustas cesso contra A. R. Santos, acusado de ser condições de trabalho e de vida, ou, ain- um dos dinamitadores por o c a s i ã o da da, por enganos ou perseguições circuns- onda de e x p l o s õ e s em padarias, cujos tanciais, embora estas últimas represen- panfletos s ã o de extrema r e v o l t a , tassem uma afronta violenta aos postula- explicitando muito do vale-tudo desespe- dos do direito internacional. Veja-se o rado assumido por imigrantes no jogo da relato de J . Madeira, encaminhado ao 1 m u d a n ç a revolucionária. * 16 arbitrário e Mo conjunto dos es- deputado Maurício de Lacerda que depois o enviou à Mesa da Câmara de Deputados: Considerada a outra vertente da desordem urbana, a das atividades, ilícitas, do Envolvido na onda m i g r a t ó r i a que em crime e da vadiagem, o comportamento 1912 desviante podia apresentar-se como de- Brasil, embarquei a 17 de fevereiro des- c o r r ê n c i a de uma primeira prisão, por se mesmo ano no porto de Lisboa e de- a r r u a ç a s de rua, com a c o n s e q ü e n t e pas- sembarquei no Rio a 2 de m a r ç o , inici- sagem pela verdadeira 'escola' que se ando uma vida de trabalho e economia constituía a Casa de Detenção, quanto por (...). Depois de pouco mais de dois motivos involuntários ou circunstanciais anos, a crise de trabalho que se deu como desemprego, acidentes de trabalho, nessa cidade e em toda a parte veio d o e n ç a s , velhice e embriaguez. Muitos fo- roubar-me as i l u s õ e s antes sonhadas ram os que romperam a fronteira da (...). Compareci a alguns c o m í c i o s p ú - se efetuava de Portugal para o Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. p p . 0 3 - 1 6 , Jul/dez 1997 - p á g . 1 1 C A blicos e, no dia 11 de maio, estando ros em território nacional. Estas traziam para assistir a um comício em Vila Isa- enumeradas como motivos explícitos para bel, vi prender três operários que sou- a expulsão, além daqueles concernentes be serem os oradores que iam falar ao que se pudesse constituir em a m e a ç a nesse comício: chegada a hora do iní- para o regime, a c o n d e n a ç ã o por tribu- cio do mesmo, dispus-me a explicar aos nais brasileiros de crimes ou delitos de operários o motivo por que não se rea- natureza comum, como a vagabundagem, lizava o comício (...)• a mendicidade e o lenocínio competentemente verificados, sendo relevante res- Desta data em diante passei a ser um saltar o fato do homicídio n ã o se consti- dos chamados 'oradores operários' (...)" tuir em motivo de expulsão, por ser um Transformado em "orador improvisado', J . crime de alcance individual que n ã o ame- Madeira tornou-se alvo da vigilância per- açava a ordem urbana. 18 manente das autoridades policiais, terminando por ser expulso no ano de 1920. Anarquistas, militantes operários, vadios, Anarquista "por força das circunstâncias", ladrões, gatunos, vigaristas, jogadores, se considerarmos verdadeiro o teor de sua ébrios, mendigos e cáftens eram vistos carta, ou anarquista por convicção, J . pelo discurso oficial, com o respaldo do Madeira, independente de sua opção ideo- discurso científico da época, como hós- lógica, era um trabalhador humilde dis- pedes perigosos, posto a lutar por um lugar ao sol. Muitos tecido social, principais responsáveis pela como ele, a partir da s u s p e i ç ã o e de uma desordem urbana. Dentre todos, os anar- primeira prisão, não raras vezes aciden- quistas mereceram uma a t e n ç ã o especial tal, tornaram-se personagens cativos das por parte das autoridades constituídas de- diligências policiais, transformados em vido à sua e x t r e m a anarquistas profissionais por força do dis- advinda do fato de serem definidos como curso repressivo. corruptores de n a ç õ e s inteiras, reprodu- vírus contaminados do perlculosidade, zindo, no cotidiano da prática política, as A c o m p r e e n s ã o ampla do que se configurava como (des)ordem permitiu que, no teorizações feitas por Lombroso acerca do crime político. 19 mesmo grupo dos indesejáveis, ao lado dos militantes operários, fossem englo- Considerado o conjunto dos imigrantes bados e que foram alvo das leis de expulsão, al- contraventores variados. Todos eles so- guns podiam ser de fato nocivos e peri- freram uma repressão ininterrupta no pro- gosos, tomados os valores em processo cesso de estabelecimento de disciplina de s e d i m e n t a ç ã o como referenciais. Ou- sobre o mundo do trabalho e as ruas, con- tros foram objeto dos desmandos produ- templados nas leis que regulamentavam zidos por um regime que priorizava a or- a entrada e a permanência dos estrangei- dem em vez da lei. A maior parte, p o r é m . criminosos p i g . 12. J u l / d e z 1997 comuns O V K era fruto direto das condições adversas cipalmente em relação ao caftismo, que no Rio de Janeiro. transformara a cidade em um dos pontos Messe contexto, a expulsão definiu-se, a l é m de um p r o c e s s o de s e l e ç ã o posteriori, a como uma estratégia privile- giada de limpeza urbana'. Conjugada à deportação, 20 ela possibilitou um melhor controle social, através do processo de eliminação de todo aquele que, conside- de chegada das rotas internacionais do tráfico de brancas. 22 Também era verda- deira a versão de que as idéias revolucionárias que seduziam a classe operária em formação eram importadas, com destaque para o comunismo-anárquico de Kropotkin. rado sobra do arranjo social, pudesse ser Mão correspondia à realidade, entretan- definido como elemento perigoso à or- to, a explicação oficial de que a desordem dem política, social ou moral. O ideal de reinante no Rio de Janeiro devia-se à sim- c o n s t r u ç ã o de uma cidade disciplinar ples importação de indivíduos viciosos e norteou práticas autoritárias, destinadas anarquistas profissionais; aues de arriba- ao esvaziamento político da capital, que ção chegadas na vasa da i m i g r a ç ã o , ver- atingiram tanto o mundo do trabalho s ã o que mascarava as contradições inter- quanto o do não-trabalho, separados por nas existentes que apanhavam os estran- fronteiras fluidas e móveis que tendiam a geiros pobres em suas malhas. desaparecer nos momentos de contestação ampla, marcados por quebra-quebras generalizados, nos quais os excluídos demonstravam toda a sua revolta e descontentamento. A a n á l i s e dos processos de e x p u l s ã o , excetuados aqueles movidos aos cáftens, não corrobora a consagrada tese da contaminação por agentes exógenos. A mai- oria dos cidadãos processados, principal- O medo de um levante global dos excluí- mente os portugueses, tinha uma longa e alimentado residência no país. Sua opção ideológica pelo i d e á r i o a n a r q u i s t a , que via no ou ingresso na marginalidade eram, em lumpesinato uma força revolucionária, última instância, uma decorrência das d i - tornou-se um fantasma permanente a ficuldades e embates travados na própria povoar a mente das elites. Esvaziar a ca- cidade; a expulsão, uma intervenção pital, portanto, livrando-a dos 'elementos' rúrgica capaz de eliminar parasitas e er- desordeiros, dentre os quais sobressaí- vas daninhas. dos, ensaiado em 1904 21 ram-se os estrangeiros, era uma necessidade a um s ó tempo r e p r e s s i v a e profilática, que visava transformar o Rio de Janeiro no cartão de visitas do Brasil. ci- Messe contexto de excludência, o período que vai de 1907 a 1930 marca, no plano das relações intersocietais, um capítulo de violência da nossa história. Aos ho- É certo que o Rio de Janeiro sofria a atu- mens que, expulsos, voltavam à Europa, a ç ã o de criminosos internacionais, prin- depois de anos vividos no Brasil, restava Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 0 3 - 1 6 , j u l / d e z 1997 - p á g . 13 C A a pobreza, a fadiga e o desalento. Pobre- rios matizes permitiram sua r o t u l a ç ã o za que com eles cruzava, mais uma vez, como nocivos e/ou perigosos, colocados o oceano. Fadiga e desalento por muitos barra a fora como indesejáveis, mesmo anos de frustrações e derrotas, j á que, em que a maior parte de suas vidas tivesse sua grande maioria, os estrangeiros que sido passada no Brasil, na maioria dos retornavam como indesejáveis não havi- casos, haviam cruzado os mares embala- am cruzado a estreita entrada da baía da dos pelo sonho de uma vida melhor, su- Guanabara como desordeiros ou crimino- portando, com resignação, as dificulda- sos. Mo momento de sua chegada, eram des da travessia oceânica. Muito diferen- tão somente camponeses pobres que, na te era a viagem de volta, sem utopias ou conjuntura de encurtamento das distân- sonhos para o futuro, embarcados para cias possibilitada pelo avanço técnico, p a í s e s que j á n ã o podiam considerar transformaram os portos num ponto de como pátrias, sem a certeza sequer de passagem no processo de busca de suas que poderiam desembarcar do outro lado utopias no além-mar. Dificuldades de vá- do Atlântico." N O T A s 7 1. Arquivo Nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ 169. 2. Este conceito era utilizado pelos chefes de polícia, na época estudada, para caracterizar os que se posicionavam à margem da sociedade organizada, cujos limites colocavam-se na fron- p á g . 14, J u l / d e z 1997 O V R teira entre o trabalho e o n ã o - t r a b a l h o . Meste mesmo aspecto, é c a r a c t e r í s t i c a a p r e o c u p a ç ã o constante das elites p o l í t i c a s e de parte significativa da elite intelectual em apartar os anarquistas, qualificados como agitadores profissionais infiltrados no conjunto da classe trabalhadora. 3. Arquivo nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ 7 156. Idem. Pacotilha IJJ 7 132. Idem. Pacotilha IJJ 7 136. 6. Idem. Pacotilha IJJ 7 163. 7. Esta q u a n t i f i c a ç ã o e s t á baseada em s e l e ç ã o feita na d o c u m e n t a ç ã o que c o m p õ e o m ó d u l o 101 do Arquivo nacional relativa a estrangeiros processados e residentes na capital, que totaliza 531 i n d i v í d u o s . Esta amostra foi a base principal de tese de doutoramento defendida na USP acerca dos i n d e s e j á v e i s , d i s t r i b u í d o s em vadios, mendigos, vigaristas, l a d r õ e s e gatunos, por n ó s englobados na categoria freqüentadores assíduos dos cárceres (248), c á f t e n s (194) e anarquistas e/ou comunistas (79), demonstrando que a e x p u l s ã o na capital brasileira posicionouse como instrumento global de limpeza social e n ã o simplesmente como p o l í t i c a direcionada para a p e r s e g u i ç ã o p o l í t i c o - i d e o l ó g i c a como tradicionalmente se supunha, neste conjunto, os portugueses representam 45,9% do primeiro grupo; 11,3% do segundo e 59% do terceiro. Ver L e n á Medeiros de Menezes, Indesejáveis desclassificados da modernidade: protesto, crime e e x p u l s ã o na capital federal (1890-1930), Rio de Janeiro, ESDUERJ, 1997. 8. Arquivo nacional. SPJ. M ó d u l o 101, pacotilha IJJ 9. Lima Barreto, Recordações 4. 5. do escrivão 7 163. /saias Caminha. S á o Paulo, Brasiliense, 1976, p. 166. 7 10. Arquivo nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ 163. 11. A noite, 2 de maio de 1914. 12. Arquivo nacional. SPJ. M ó d u l o 101, pacotilha IJJ 13. Correio da Manhã. 7 129. 18 de fevereiro de 1917. 14. Cf. Arquivo nacional. SPJ. Módulo 101, pacotilha IJJ 15. Idem. Pacotilha IJJ 7 7 168. 151. 16. A C o n s t i t u i ç ã o Federal, em seu artigo 72, garantia igualdade de direitos a nacionais e estrangeiros residentes. 17. Brasil, Anais da C â m a r a dos Deputados de 1920, s e s s ã o de 12 de agosto. Rio de Janeiro, Imprensa nacional, 1921, p. 504. 18. Decreto n ° 1.641, de 7 de janeiro de 1907. Brasil. C o l e ç ã o das Leis da R e p ú b l i c a , Rio de Janeiro, Imprensa nacional, 1908. 19. Sobre o tema, ver Cesare Lombroso e R. Laschi. Crime politique Librairie Félix Alcan, 1892. et les revoluttons. Paris, 20. Havia uma d i f e r e n c i a ç ã o entre e x p u l s ã o e d e p o r t a ç ã o . A primeira atingia os estrangeiros; a segunda, os nacionais enviados para c o l ô n i a s penais situadas em zonas de fronteira. Ambas conjugaram-se, p o r é m , como e s t r a t é g i a s c i r ú r g i c a s complementares no processo de limpeza urbana que acompanhou as reformas urbanas a partir da virada republicana e, mais especificamente, depois da a d m i n i s t r a ç ã o de Pereira Passos (1902-1906). 21. A r e f e r ê n c i a é a revolta popular contra o decreto de v a c i n a ç ã o o b r i g a t ó r i a ocorrida naquele ano. Sobre o tema, ver, entre outras obras, nicolau Sevcenko, A revolta da vacina: mentes insanas em corpos rebeldes, S á o Paulo, Brasiliense, 1984. [Tudo é História, 89]. 22. Sobre o tráfico de brancas no Rio de Janeiro, ver Lená M. de Menezes, Os estrangeiros e o comércio do prazer nas ruas do Rio. Rio de Janeiro, Arquivo nacional, 1992, P r ê m i o Arquivo nacional de Pesquisa, 2. 23. C o m r e l a ç ã o aos relatos acerca de todo o processual da e x p u l s ã o , ver Everardo Dias, " M e m ó rias de um exilado". E p i s ó d i o s da d e p o r t a ç ã o de Everardo Dias contados por ele mesmo à Voz do Povo, 20-24 de fevereiro de 1920. Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 0 3 - 1 6 , Jul/dez 1997 - p á g . 1 5 Carla Brandalise Professora do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Qrande do Sul. Camisas~\er<cles O iníegralisnio no S u l cio B r a s i l ""^ idéia corrente ter sido o Ri constante ação repressiva desencadeada J"^ Qrande do Sul uma região pelo poder público estadual. Vamos, 1 Si t\p desenvolvimento, por assim, analisar os fatores que propi- - excelência, da Ação Integralista Brasilei- ciaram este quadro peculiar. ra (AIB) — uma organização política de A organização oficial da AIB no Rio Qran- âmbito nacional da década de 1930, que de do Sul ocorreu de modo relativamen- Esta te tardio em relação a outras regiões do idéia enfrentou, antes, a forte competi- país. Somente em meados de 1934- é ção de um sistema partidário consolida- constituído do. A h i s t ó r i c a p r e s e n ç a de partidos "Triunvirato Provincial', base da adminis- oligárquicos baseados na lealdade e na tração integralista nos diversos estados. fidelidade à s lideranças autocráticas do Em sua reduzida composição urbana ini- estado limitou, consideravelmente, a di- cial j á se definia o público que preferen- fusão do integralismo. lio entanto, é in- cialmente optaria pelo integralismo. De discutível que naquelas á r e a s ocupadas modo geral, predominavam profissionais pelo processo ulterior de colonização ale- liberais, estudantes, bancários, emprega- mã e italiana, o apelo doutrinário da AIB dos do c o m é r c i o e alguns o p e r á r i o s . obteve ampla receptividade, apesar da Como ponto comum, estes segmentos apresentava um c a r á t e r fascista. 1 em Porto Alegre Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36. Jul/dez 1997 um - pág.17 A C E sociais médios partilhavam um sentimen- primórdios pelos litígios fronteiriços en- to de frustração política ensejada ora pela tre Espanha e Portugal. Tais lutas cons- percepção da marginalização político-par- tantes tidária, ora pela visão do fracasso e de- militarizada e autocrática, medida pela cadência dos partidos oligárquicos. Em hierarquia da força. Ao mesmo tempo, foi termos discursivos, a AIB pretendia orga- possível a esta p o p u l a ç ã o aproveitar eco- nizar-se no estado como uma alternativa n o m i c a m e n t e o gado s e l v a g e m político-ideológica ao tentar objetar as disseminara-se em larga escala na á r e a . formas partidárias vigentes em favor de Desta c o m b i n a ç ã o caracterizou-se um modo de participação radicalmente Campanha a figura do 'militar-estanciei- novo. A a t u a ç ã o dos indivíduos n ã o seria ro', que d o m i n a v a as a t i v i d a d e s e c o - mais mediada por políticos profissionais n ô m i c a s g a ú c h a s sob o regime e influências oligárquicas. Pelo contrário, grande p r o p r i e d a d e . geraram uma sociedade que na da iria constituir-se através do compromis- interesse do povo, e o voto ocasional e A secreto centro do país. A partir do início do s é c u - so e dedicação total ao movimento, porque a prática política tradicional obstaculizava a e x p r e s s ã o do verdadeiro implicava no reduzido envolvimento com o destino da nação. segunda formação social, de origem mais tardia, estabe- .leceu-se sem a aprovação dos estancieiros locais e por deliberação do lo XIX, foram introduzidos no estado os imigrantes a l e m ã e s e italianos. Eles cons- A partir de Porto Alegre, a AIB expandese pelo interior do estado. Porém, o movimento assume um caráter estacionário, salvo nas zonas de imigração italiana e alemã. A inserção do movimento integralista no Rio Qrande do Sul, com grande a c e i t a ç ã o em algumas á r e a s e quase nenhuma em outras, encontra suas origens no processo interno de formação sociopolítico. A o c u p a ç ã o territorial do estado fez surgir dois tipos básicos de sociedade, os quais, por muito tempo, conviveram lado a lado sem maiores interações e c o n ô m i c a s e culturais. 2 tituíram uma sociedade baseada nas pequenas e médias propriedades, na produção agropastoril diversificada e no trabalho familiar. A c o l o n i z a ç ã o ítalo- germânica expandiu-se nas serras do Sudeste e na Depressão Central. Entre as duas formações sociais houve, desde o início, um certo antagonismo. Os estancieiros n ã o apenas constrangiam a fixação dos colonos europeus em terras impróprias à prática da pecuária extensiva, como também procuravam desacelerar ou mesmo impedir o movimento migratório. Os imigrantes, por sua vez, manifestavam A primeira formação social desenvolveu- uma tendência ao isolamento, à circuns- se na região Sul, na denominada 'zona da crição a sua própria cultura, preservando Campanha', sendo condicionada em seus os valores da pátria de origem. p á g . 1 8. J u l / d e z 1 997 A C E mobilização constante, sua retórica anti- pios europeus ou por meio do domínio oligárquica e c o n d e n a t ó r i a do sistema direto da Alemanha ou Itália sobre o Bra- partidário republicano, encontra nesses sil, mas pela valorização a u t ô n o m a das indivíduos campo fértil a sua expansão. potencialidades e características nacio- Apesar das c o n d i ç õ e s s o c i o e c o n ô m i c a s favoráveis, o interesse pela AIB nas zonas coloniais n ã o pode ser explicado sem a variável étnico-cultural, sob o risco de descaracterizar a complexidade do problema. Se o contexto conjuntural da região propiciou certos requisitos básicos ao fomento do integralismo, a q u e s t ã o étnica sobredeterminou a sua aceitação. Tal especificidade deve ser analisada a partir da m o í í u a ç ã o que levou estes setores intermediários a aderir à AIB. nais. Os integralistas de descendência alemã ou italiana admiravam os movimentos considerados como correlatos em seus países de origem, p o r é m a n a ç ã o brasileira deveria engendrar a sua 'regen e r a ç ã o ' e 'transformação' de modo independente, com a exaltação das tradições e costumes do país. Mão havia, assim, a princípio, contradição entre o discurso nacionalista da AIB e a d e s c e n d ê n cia étnica desses adeptos. Messe sentido, as lideranças do integralismo no Rio Qrande do Sul prezavam de forma pública e Quanto aos simpatizantes de origem ita- aberta os movimentos europeus, contra- liana e a l e m ã , o movimento n ã o lhes riando a cúpula nacional que procurava atraía enquanto uma forma de resistên- geralmente cia à integração em sua nova pátria. Pelo c i a ç ã o direta. n ã o incorrer numa asso- contrário, o integralismo aparecia como a forma mais viável de se tornarem 'brasileiros de fato' através da participação na vida política do país. A q u e s t ã o por eles reconhecida de que a AIB apresentava s e m e l h a n ç a s visíveis com os movimentos fascistas da 'pátria-mãe' reforçava sobremaneira o interesse por esta força política que se introduzia no estado. Ma sua concepção, as realizações tidas como benéficas do fascismo italiano e do nazismo a l e m ã o , amplamente divulgadas por periódicos especializados, evidenciavam a viabilidade da construção de uma nova ordem mundial. O integralismo deveria concretizar no país esta ordem, n ã o através O conjunto desses fatores revela-se nos depoimentos prestados pelos adeptos do integralismo. Para o caso da zona a l e m ã ' s ã o representativas as reflexões do chefe municipal da AIB da cidade de Qramado, Alcides Arendt, para quem: O integralismo teve r e c e p ç ã o fácil na zona de c o l o n i z a ç ã o a l e m ã porque a Alemanha naquela é p o c a tinha o nazismo. Durante o integralismo eu via com simpatia o Hitler em muitas coisas, n ã o que q u e r í a m o s imitar, o nosso movimento surgiu como um movimento ind í g e n a , o objetivo de P l í n i o Salgado nunca foi imitar. A luta do integralismo da r e p r o d u ç ã o pura e simples dos princíera de formar, educar a juventude. O p á g . 20 . J u l / d e z 1 997 o V Hitler fez coisas boas, levantou a Ale- intra-oligárquica. Um dos momentos cul- manha organizando o trabalho.* minantes da prática coercitiva ocorreu em O projeto, de acordo com Arendt, era introduzir os pontos altos do nazismo, como o corporativismo, a valorização da autoridade e do trabalho, o combate ao liberalismo e ao comunismo, sem a interferência da Alemanha. Outros militantes creditavam confiabilidade à AIB pela identificação direta que faziam entre o movimento e o nazismo, reconhecendo a autonomia do integralismo. Este é o caso do professor Maximiliano Hahan, da cida- fevereiro de 1935 por ocasião de um grande encontro estadual de integralistas na cidade de São Sebastião do Cai, região de imigração alemã. Durante uma passeata, que contou com mais de trezentas pessoas, houve um tumulto, com troca de tiros entre a polícia e os militantes. O saldo foi a morte de dois policiais e de um ativista. O prefeito do Cai, Morais Forte (PRL), denunciou os integralistas por tumultuar a cidade e provocar o incidente, pois teriam comparecido ao desfile fortemente armados. Argumentava tratar-se de de de Canela, que revela: agitadores dirigidos por elementos es... falando a verdade, eu entrei na AIB trangeiros, representando uma a m e a ç a na por causa do nazismo. O integralismo medida em que atacavam o governo, o era da mesma ordem, a disciplina, as Exército e as instituições republicanas, rio m i l í c i a s , o corporativismo. E Hitler sal- seu relato a Flores da Cunha, o prefeito vou a Alemanha do caos. Hitler era ver- revela que prendera mais de cinqüenta dadeiramente um grande homem, mas pessoas, porque "... a concentração aqui eu preferia o Plínio. O Hitler era muito realizada tinha por fim menosprezar as violento. As i d é i a s do Plínio eram mui- autoridades locais devido a uma repres- to O são feita no interior do município num integralismo queria justamente o patri- núcleo integralista que estava atentando superiores otismo. ao nazismo. 6 contra a ordem". O chefe municipal da 5 Ao mesmo tempo, o visível crescimento da AIB nas á r e a s coloniais chama a atenção das autoridades públicas que logo desencadeiam uma onda de repressão ao m o v i m e n t o . Flores da C u n h a , e n t ã o interventor do estado e líder do partido governista, o Partido Republicano Liberal (PRL), n ã o p r e t e n d i a renunciar ao AIB, o médico Metzler, confirma em parte o objetivo da passeata. Ha sua versão, pretendia-se prestar solidariedade pacífica aos integralistas da vila de liova Petrópolis, pois estes teriam sofrido violência injustificada por parte das autoridades: Devido ao incremento tomado pelas enquadramento e ao rígido controle das nossas i d é i a s , o prefeito do m u n i c í p i o suas bases eleitorais nesta zona, cada vez começou mais indispensáveis na disputa política integralistas de Mova P e t r ó p o l i s . Em vis- a perseguir todos Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36. j u l / d e z 1997 os - pág.21 ta disso, a chefia provincial resolveu lia perspectiva da acirrada c o m p e t i ç ã o fazer um grande desfile no Cai para dar pelo e s p a ç o político na zona colonial que uma demonstração de apoio moral aos se estabeleceu entre a AIB e o PRL, o caso perseguidos. 7 de Nova Petrópolis revela-se interessan- Apesar dos esforços do chefe nacional, te. O subdistrito da cidade do Cai, uma Plínio Salgado, para que fosse mantida no pequena comunidade de imigração ale- Rio Qrande do Sul a liberdade de expres- mã voltada basicamente para a p r o d u ç ã o são, o interventor Flores da Cunha decla- rural, apresentava um elevado índice de ra ser a AIB perniciosa à s e g u r a n ç a inter- a d e s ã o ao integralismo. Dados oficiais do na do estado. Proíbe, desta maneira, o uso movimento contabilizavam 320 inscritos da camisa-verde' (símbolo do movimen- no subnúcleo local, resultado este obtido to), as passeatas, os comícios e as mani- pelos esforços do professor festações em lugares públicos. Pela reso- que propagava o integralismo enquanto Straatman, lução, as reuniões ficavam limitadas à s ensinava p o r t u g u ê s aos agricultores. sedes integralistas. Isto restringia a pro- Como elemento a incentivar o interesse paganda da AIB, que utilizava teatros e pelo novo partido, estava o fato de os co- cinemas para congregar o maior n ú m e r o lonos visualizarem a possibilidade de de pessoas. Sem a evolução das milícias romper com a exigência das autoridades organizadas, com seus tambores e hinos, estaduais quanto ao voto compulsório no tirava-se do integralismo o apelo visual, partido situacionista, no caso, o PRL. Em tão importante na divulgação da doutrina. época de eleição garantia-se o voto do pe- Plínlo S a l g a d o | c e n t r o | e Integralistas. P e t r ó p o l i s (RJ), m a r ç o d e 1935. Correio d a M a n h ã , A r q u i v o Nacional. p á g . 22 . J u l / d e z 1997 o V queno agricultor com práticas compensa- com relato de Elisabeth K. Evers: tórias ou repressivas. Após a votação, era Quando alguém náo queria mais oferecido o 'churrasco eleitoral', como des- acompanhar, sua ficha e sua camisa- creve Felipe Stahl, "quando a gente chega- verde eram queimadas sob maldição. va ao local de votação, recebia-se as cha- Os que saíam eram evitados pelos pas... Elas j á estavam prontas. Havia fis- outros. Os integralistas não pagavam cais mas tudo j á estava combinado. A gen- imposto algum, nem contribuição te votava e daí podia comer o churrasco". 8 para comunidade, nem taxas escola- Caso fosse descoberta uma ação contrária, res. Mas festas mais simples ou nos as autoridades policiais n ã o tardavam a cultos dominicais apareciam os cha- desencadear a r e p r e s s ã o , como atesta o mados camisas-verdes, fechados, em depoimento de Irmgard Schuch: uniformes, eles marchavam para den- A urna ficava num canto fechado com um tro e ficavam lá (...) notava-se clara- pano, a pessoa ia lá (...) em cima do só- mente como o partido aumentava em táo fizeram um furo e o cara deitado ali número aqui em nosso município e com o olho no furo, ele olhava que chapa estavam conscientes de sua força. o cara botava no envelope, se botava a chapa certa, ele saía, se o cara botava a chapa errada, deixava cair um pouco de farinha no chapéu ou na camisa, e aí quando o cara chegava na rua e tinha farinha de trigo, ele entrava no laço.' 10 Para efeito de c o m p a r a ç ã o , observa-se que este quadro conjuntural se manifesta em outra importante zona de imigração alemã, no estado de Santa Catarina. Em relatórios enviados a Roma, 11 o en- t ã o e m b a i x a d o r i t a l i a n o no B r a s i l , Tal estado de coisas, vigente na República Roberto Cantalupo, descreve o "parti- Velha, permaneceu como regra na década cular desenvolvimento" do integralismo de 1930. Com a chegada da AIB, ensaiou- naquele estado, onde nas eleições de se uma resistência, onde as 'chapas pron- 1935 o movimento teria vencido em oito tas' eram discretamente trocadas pela cha- municípios sobre 11, contando em suas pa dos i n t e g r a l i s t a s . A e x i s t ê n c i a do fileiras com maioria absoluta de descen- integralismo, no entanto, estava longe de dentes de a l e m ã e s . Segundo Cantalupo, ser um consenso entre esta mesma popu- vários eram os fatores que explicavam lação seja pelo assim considerado caráter esta rápida expansão, entre eles o de- de f a n a t i s m o , seja p e l a a s s o c i a ç ã o sejo desses militantes em implantar um c o m o m o v i m e n t o nazista. Straatman sistema social baseado na ordem, justi- e r a a c u s a d o de o r g a n i z a r a m i l í c i a ça e honestidade; o medo do comunis- integralista nos moldes da força de cho- mo que p o d e r i a fazer sua v i o l e n t a que do nazismo a l e m ã o e de cultuar a irrupção no país e a q u e s t ã o racial, onde i m a g e m de Hitler. E, ainda, de acordo "não seria uma q u e s t ã o de raça, mas an- Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36. Jul/dez 1997 - pág.23 , A C E tes uma q u e s t ã o de mentalidade com uma movimentos e u r o p e u s . lio natural simpatia pelos regimes fascista e parecia uma s a l v a ç ã o . Hitler tinha pres- nacional-socialista". Segundo sua análi- t í g i o no mundo inteiro, n ó s aqui s e n t í - se, os integrantes da AIB poderiam sem- amos esta i n f l u ê n c i a . A c h á v a m o s princípio que pre contar com o clero "que faz constan- um regime que era bom para um p a í s te e m e t ó d i c a obra de propaganda em que j á contava com mil anos de exis- favor do integralismo, protegendo os va- t ê n c i a , t a m b é m seria bom aqui. Mas lores da religião". For todas essas razões, n ã o se pode falar em simbiose entre a s e s s ã o catarinense da AIB representa- integralismo e nazismo. Havia certas ria "uma reserva moral" na influência dos afinidades. outros estados. A ênfase étnica e a identificação com o nazi-fascismo dada pelo embaixador confirma-se no depoimento dos militantes de Santa Catarina. Segundo o secretário de imprensa da AIB, Enrico Muller: C 13 omo c a r a c t e r í s t i c a s c o m u n s Ferreira da Silva aponta a tendência anti-semita, o corporativismo, a representação classista, a estrutura organizativa, o antiliberalismo, a indumentária, a estrutura paramilitar e, Havia em Blumenau certa t e n d ê n c i a de principalmente, afirma que "o nazismo e aceitar o integralismo pela semelhan- o integralismo eram espiritualistas". ç a com o nazismo. Quando um c i d a d ã o descende de uma outra r a ç a , de um outro pais, ele, se é uma pessoa de acordo, de exata c o n s c i ê n c i a , tem simpatia (...) a maioria tinha simpatia pela Alemanha, pelo Hitler, era natural." um movimento singular e a u t ô n o m o j á que a doutrina integralista seria "... puramente brasileira, com origens na nossa história, adaptada ao povo brasileiro, lião era um movimento estrangeiro, n ó s p r e g á v a m o s justamente a integração, ens i n á v a m o s aos o p e r á r i o s e aos colonos o hino nacional". As mesmas c o n c e p ç õ e s aparecem no depoimento de J o s é Ferreira da Silva, e n t ã o secretário de Educação e Cultura da AIB em Blumenau: p á g . 2 4 . Jul/dez 1997 foco de análise para as zonas de colonização italiana do Rio Qrande do Sul, é possível, mais uma vez, constatar uma coincidência de valores quanto à s motivações de a d e s ã o à AIB. Em relação ao ca- Todavia, t a m b é m para Muller, a AIB era O clima aqui era de simpatia com Deixando Santa Catarina e dirigindo o ráter de participação política alternativa oferecido pelo integralismo, um artigo do militante Luís Compagnoni, publicado em fevereiro de 1935 no jornal do movimento, O Bandeirante, em Caxias do Sul, revela o desagrado com a onipotência dos partidos tradicionais. Estes s ó se interessariam em quantificar votos em é p o c a s eleitorais, menosprezando os problemas da comunidade a p ó s a vitória nas urnas. A AIB, inversamente, permitiria a representação direta das demandas locais. Isto os porque a organização interna e os assun- V o tos prioritários para o movimento depen- dos. O integralismo poderia ter feito o deriam, antes, do consenso e da partici- mesmo pelo Brasil, tirar o povo da mi- pação de todos os seus membros e n ã o s é r i a , dar trabalho para todo mundo, apenas de a l g u n s poucos l í d e r e s . O naquela é p o c a o fascismo e o nazismo integralismo, por fim, representaria a estavam em grande ê x i t o no mundo, por t r a n s c e n d ê n c i a da simples politicagem isso n ã o havia argumento contra n ó s . regional: nossos a d v e r s á r i o s eram obrigados a ver isto. n ó s representamos 15 muito mais que a i m p l a n t a ç ã o de um regime p o l í t i c o . Um O processo de organização oficial da Ação camisa-verde que passa é uma consci- Integralista na área de imigração italiana ê n c i a reta e pura que serve de conde- efetuou-se a partir da principal cidade da n a ç ã o à imoralidade, à c o r r u p ç ã o . O região — Caxias do Sul, propagando-se povo v ê em n ó s o restabelecimento do rapidamente pela zona rural. Essa área e q u i l í b r i o e da harmonia na vida mo- concentrou o maior n ú m e r o de adeptos ral, e c o n ô m i c a e cultural. O povo sabe no estado e foi a base do movimento po- que n ã o estamos neste movimento para lítico de oposição por excelência devido, obter vantagem material (...) no atual entre outras coisas, à ausência de outro regime n i n g u é m deposita c o n f i a n ç a _e partido o p o s i c i o n i s t a c o m r e p r e s e n - dos homens que dele fazem parte pou- tatividade. A grande e x p a n s ã o cos se salvam. É a n ó s , exclusivamente integralismo entre os pequenos produto- do a n ó s , que cabe a tarefa de expurgar, res rurais dependeu n ã o somente de uma de varrer, de demolir, de construir, de atitude centrípeta maior em relação à cul- aprovar e de desaprovar." tura originária italiana, mas t a m b é m da Da mesma forma, a aproximação entre integralismo e fascismo justifica-se pelas conquistas j á empreendidas pelos movi- influência decisiva do clero católico, em particular da Congregação dos Capuchinhos. mentos europeus. Segundo o depoimen- O assentamento dos colonos italianos no to de um ativo militante local, Oswaldino Sul Ártico: direcionado à encosta superior do nordes- do p a í s , iniciado em 1875 e O integralismo é parecido com o fas- te, área de difícil acesso e coberta de in- cismo. Aqui todo mundo achava, as idéi- tensa vegetação, bem como o descaso das as, o uniforme, a o r g a n i z a ç ã o do movi- autoridades governamentais concorreram mento. Mussolini fez muita coisa pela para confinar os imigrantes a um quase Itália, tornou o p a í s moderno, tirou da total isolamento, condição esta reforçada m i s é r i a o povo italiano, antes eles ti- pela heterogeneidade do grupo. Vindos de nham que sair do p a í s , ir embora; de- diferentes regiões da Itália, com costu- pois tinha trabalho e riqueza para to- mes e dialetos próprios, os colonos nem Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36, Jul/dez 1997 - p á g . 2 5 A C E mesmo associavam-se entre si com faci- leitores era muito maior. Os que sabi- lidade. Assim, foi a religião comum, o am ler, liam para os que n ã o sabiam catolicismo, que acabou desempenhando ou contavam as n o t í c i a s . O jornal era o elo preponderante na interação socio- d i s t r i b u í d o a t é por o c a s i ã o da missa do- cultural. Tal papel, obviamente, conferiu minical, era levado a t é a igreja. à Igreja um poder ainda maior de persua s ã o sobre seus fiéis. O desenvolvimento da região colonial, com a abertura de estradas e o crescimento da indústria e do comércio, fez com que esta influência d i m i n u í s s e consideravelmente o fluxo de novos contatos culturais nos centros urbanos, lia área rural, no entanto, a instituição m a n t é m a sua importância originária, sendo os freis capuchinhos os mais atuantes. Além de manter núcleos de inst r u ç ã o religiosa, voltados basicamente 18 Influenciados pela a d e s ã o manifesta do clero da Itália ao regime de Mussolini, os capuchinhos não s ó acolheram este sistema político, como associaram-no ao integralismo, o qual representava, para os freis da Ordem, o fascismo brasileiro. A AIB pretenderia defender os mesmos princípios, ou seja, lutar pela grandeza da pátria e da família, e estruturar-se de acordo com as leis de Deus. Em janeiro de 1934, o Stafetta apresenta o novo movimento: para os filhos dos pequenos agricultores, a Ordem possuía um destacado ó r g ã o de A A ç ã o Integralista Brasileira tem suas imprensa, primeiras o Riograndense, periódico Stafetta publicado em italiano. O j o r n a l , s e g u n d o d e p o i m e n t o de frei m a n i f e s t a ç õ e s no estado, com a r e a l i z a ç ã o de um primeiro encontro em Porto Alegre (...) o integralismo é fascismo, mas um fas- Alberto, cismo com c a r á t e r nacional. O progra(...) era o p o r t a - v o z da c o l ô n i a . O jornal va- lia mais do que um co- mício. liavia naquela é p o c a entre ma do partido n á o apenas d á um lugar de honra à r e l i g i ã o , mas é nela que se inspira. 17 15 mil a 20 mil assinaturas, mas o n ú mero de Pelo testemunho de Carlos Fabris, podese observar que os pequenos produtores rurais endossaram. -jil-jil Porto A l e g r e em a g o s t o d e 1 9 3 5 . Correio d a M a n h a , A r q u i v o N a c i o n a l . p á g . 2 6 . Jul/dez 1997 V R andava de camisa gação daquela ideologia. Ma visão da Igre- preta, pregava no meu povoado em ja, o comunismo avançava sem t r é g u a s e Conceição. o para destruí-lo não bastava reprimir as integralismo e n ó s p e n s á v a m o s que era suas manifestações. Era preciso eliminar a o quaquer foco que pudesse favorecê-lo, integralismo, nosso, brasileiro e n t ã o , como a injustiça social e econômica. As Eu era fascista (...) mesma Mas, coisa então e com o Plínio Salgado. veio fomos para disposições gerais do integralismo eram 18 Ou ainda, a associação entre os dois movimentos é evidenciada no relato de frei Veronese: apontadas como a grande e s p e r a n ç a de transformação nacional. Tratava-se de um movimento que obedeceria o ideal da verdade, da liberdade, da disciplina e do A AIB foi muito aceita na zona italiana, nacionalismo. Num mundo subordinado com facilidade o c o l o n o recebeu o aos problemas de ordem material, onde integralismo, pois havia o exemplo do as correntes políticas agiam à luz de pro- fascismo italiano. Mussolini, enquanto blemas imediatistas e os princípios mo- n ã o desbordou de seu sentido, tinha rais eram relegados a segundo plano, os belas i d é i a s , fez muito pela Itália, de- postulados cristãos integralistas poderi- senvolveu a agricultura, o trigo. Depois am reconduzir a humanidade a seus al- desbordou... Havia muita simpatia por tos destinos, afastando-a, portanto, do Mussolini na zona italiana. 19 O apoio dado ao integralismo pela Ordem dos Capuchinhos e, de resto, por membros de todo o clero brasileiro deveu-se não s ó à simpatia com o fascismo italiano, mas t a m b é m a uma convergência de idéias. A análise da realidade brasileira e das possíveis s o l u ç õ e s aos problemas nacionais eram semelhantes. Da mesma forma que a AIB, a Igreja católica considerava serem responsáveis pela situação crítica do país o enfraquecimento do princípio de autoridade, a carência de leis constitucionais, a fraqueza da hierarquia ateísmo comunista. Combater as mazelas sociais, nessa perspectiva, significava t a m b é m incentivar a população a exercer seu poder de voto: O lugar dos c a t ó l i c o s e de todos os brasileiros que ainda amam a integridade da pátria é na batalha das urnas em defesa da nossa t r a d i ç ã o . . . A r e l i g i ã o n ã o impede nem i m p õ e a a d e s ã o dos c a t ó l i c o s ao integralismo (...) mas pode ser de grande alcance ao futuro do Brasil que ingressem no movimento os c a t ó l i c o s leigos que tenham v o c a ç ã o política. 20 e da ordem e a infiltração comunista. Sobretudo esse último fator, o suposto pe- Aos que acusassem os r e l i g i o s o s de rigo iminente do comunismo, alterava a extrapolar suas funções ao imiscuir-se em classe sacerdotal. Medidas urgentes de- atividades políticas, os freis capuchinhos veriam ser tomadas para evitar a propa- alegavam que o estágio a que chegara o Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 17-36, j u l / d e z 1997 - pág.27 C A E fascismo italiano fora alcançado principal- capuchinhos na zona rural. Quando os mente com a ajuda do clero. Este traba- integralistas da sede chegavam para alar- lhara junto ao povo, incentivando-o a dear a nova causa, encontravam invaria- melhorar seu sistema de cultura, instru- velmente grupos de pessoas predispos- indo-o e dando o exemplo direto. O go- tas à conversão imediata. Tratava-se, en- verno nacional deveria, portanto, seguir tão, de oficializar o trabalho de divulga- o exemplo e aproveitar a válida coopera- ção feito pelo clero. Referindo-se a essa ção dos padres. Por fim, o integralismo fase, o integralista cidadino Oswaldino encampava uma defesa cara à Igreja ca- Ártico comenta: tólica, a defesa do sistema corporativo, o N ó s p a s s á v a m o s os domingos envolvi- qual era considerado o modo ideal de dos com isto. í a m o s todos depois da organização política. As corporações esmissa falar e distribuir folhetos. D e i x á - tabeleceriam a paz e a justiça, diminuinvamos l i d e r a n ç a s locais encarregadas do os conflitos entre p a t r õ e s e empregade organizar o movimento. í a m o s em dos; objetivando a composição orgânica dois ou t r ê s c a m i n h õ e s cheios de 'ca- da sociedade, eliminariam as lutas de misas-verdes'. Era um movimento ca- classe. Frente a tal c o m u n h ã o de interest ó l i c o e aqui é r a m o s todos c a t ó l i c o s . A ses, a AIB aparecia como uma alternativa Igreja nos recebia muito bem, éramos viável na resolução dos impasses nacioum b a t a l h ã o de frente da Igreja. As i d é i - nais, como demonstra o depoimento de as nos empolgavam, a linguagem era frei Alberto: diferente, falava-se em modernidade, Quando surgiu o integralismo houve civismo... Em Garibaldi, o movimento grande receptividade... no clero secu- não lar ao Compagnoni fomos lá fazer propagan- integralismo, devido ao lema 'Deus, da, depois da missa d i s t r i b u í m o s folhe- Pátria e F a m í l i a ' . A t r a v é s do tos. a maioria era simpática Stafetta e n d o s s á v a m o s com grande e s p e r a n ç a estava organizado, eu e o Mas j á estavam todos esperando por n ó s , pelo movimento. 22 as i d é i a s do integralismo, pois acredit á v a m o s que seriam capazes de endireitar o Brasil, e n t ã o em crise. Isto n ã o era s ó exprimido em palavras, havia t a m b é m um certo ar de ufanismo. Havia a c o n v i c ç ã o , aqui no Rio Grande do Sul, de que o integralismo iria triunfar. 21 A relação estabelecida entre o fascismo italiano e o 'fascismo nacional' ajudou o integralismo na canalização das hostilidades latentes destes colonos a muitas d é cadas de descaso das autoridades municipais e estaduais. A AIB aparecia como o movimento político que lhes proporcio- lieste quadro favorável, os 'camisas-ver- n a r i a m e l h o r e s c o n d i ç õ e s de des' da cidade empenhavam-se em refor- ensejando, para tanto, a participação nas çar atividades partidárias da região. Os colo- a propaganda p á g . 28 . J u l / d e z 1997 já feita pelos vida, o V nos acreditavam ter encontrado na AIB AIB, a doutrina e o sentido político do uma forma de manifestação de seus di- novo movimento eram objeto de anima- reitos frente aos partidos tradicionais. do debate. Tais líderes, em geral empre- Com dificuldades nas técnicas de plantio, gados especializados do comércio e da in- problemas de escoamento da produção dústria, acreditavam que o integralismo conjugados com os baixos preços dos pro- prosseguia os ideais da Revolução de dutos agrícolas, os pequenos agriculto- 1930, dando ao episódio o seu verdadei- res desconfiavam da assim denominada ro significado. Decepcionados com os ru- 'política dos brasileiros' que pouco con- mos da política nacional na conjuntura do tribuía para a solução de seus problemas. pós-1930, classificavam uma outra revo- A d e s a t e n ç á o e a r e p r e s s ã o por parte das lução, a Constitucionalista de 1932, como autoridades governamentais diminuíra o o momento revelador da c a r ê n c i a de interesse político dos colonos. Sem fide- substrato ideológico das elites dirigentes lidades partidárias enraizadas e mesmo do país. Essas visualizariam na prática avessos aos partidos regionais, constitu- partidária apenas a o b t e n ç ã o de vanta- íam-se num público em disponibilidade gens e proveitos pessoais. Em meio a política, lias palavras de frei Dionísio busca de alguma manifestação política Veronese: que lhes atraísse, haviam, inclusive, flertado com o comunismo, julgado pelo gru- lio interior, na zona rural, n ã o havia po, em última análise, como por demais partido. O colono n ã o se ligava a ne- violento e materialista. J á as c o n c e p ç õ e s nhum partido. Mão tinha interesse na e os partidos liberais apareciam como 'an- p o l í t i c a do p a í s . Sua vida era cuidar da tigos', 'ultrapassados', destituídos de va- família, do trabalho. Para eles a políti- lor com seus 'políticos profissionais'. Sen- ca era c o n f u s ã o , n ã o queriam se meter do esses últimos responsáveis por todas em c o n f u s ã o . O pouco contato que ti- as mazelas e entraves nacionais, n ã o nham com a política nacional s ó decep- mereceriam confiança. Ao invés disso, o cionava os colonos. O fato era que o integralismo, conhecido através dos jor- colono sentia-se muito prejudicado pela nais, expressaria uma 'mudança de men- falta de c o n d i ç õ e s , de transportes, de talidade', um 'partido dotado de unidade conhecimentos. As melhorias n ã o che- de idéias' e, acima de tudo, o primeiro gavam na c o l ô n i a . A política partidária partido que surgia no mundo fundamen- em nada adiantava para o colono, fo- tado numa 'filosofia espiritualista'. Em ram muito mal tratados. Se tinham que contraposição ao agnosticismo comunis- votar, votavam e pronto. Havia muita ta, defendia a crença em Deus. Da mes- r e p r e s s ã o , perseguiam e matavam." ma forma, o grupo era receptivo quanto Por sua vez, entre o pequeno grupo urbano responsável pela organização local da à identificação entre a AIB e os movimentos europeus. Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 17-36. Jul/dez 1997 - p á g . 2 9 C A E Para Arthur Rech, militante do grupo, as eleições municipais de 1935. Como ban- ligações entre o integralismo e o fascis- deira eleitoral, a moralidade e o controle mo eram evidentes e positivas, pois mos- dos gastos públicos: combatiam o aumen- travam a universalidade de uma idéia, de to de impostos, a criação de novas tribu- uma doutrina que deveria vingar no mundo: tações e a proliferação de funcionários; Mesmo sendo os movimentos da mesma ordem, n ã o q u e r í a m o s uma identif i c a ç ã o direta, nossa m i s s ã o era com o Brasil. O verde simbolizava a terra brasileira. Queríamos ser pessoas marcadas na sociedade pelo exemplo: virtude, religiosidade, disciplina, amor pelo trabalho, isto o integralismo pregava. Q u e r í a m o s tudo nativo, é r a m o s brasileiros e n ã o italianos. Os imigrantes passaram a aderir à camisa-verde, deixaram de usar a camisa-parda. O nosso movimento era melhor, era mais democrático." defendiam a n ã o sobrecarga de impostos aos colonos agricultores e a política do equilíbrio orçamentário, com a compress ã o de todos os gastos. Para um partido que havia se organizado em apenas um ano na região, os resultados do pleito eleitoral foram extremamentes favoráveis, sendo os melhores que o partido obteve no estado. A AIB elegeu em Caxias do Sul três vereadores, Arthur Rech (representante comercial), Humberto Bassanesi (empregado do comércio) e Emílio Pezzi (comerciante), contra quatro vereadores do partido situacionista, o PRL, equiparando praticamente o público de eleito- O ponto focai de interesse do grupo re- res. Ha votação geral, os vereadores do pousava antes no que era percebido como PRL receberam 1.470 votos enquanto os um apurado sentido nacionalista da AIB, vereadores da AIB obtiveram 1.218. preocupada com assuntos de toda a na- A partir desse resultado e da atuação sem- ção e concebendo a idéia de partido na- pre cional', longe, portanto, das a m b i ç õ e s integralistas na c â m a r a municipal, a hos- restritivas e dos imediatismos dos parti- tilidade do partido governista, a t é e n t ã o dos regionais. O comunismo, mais uma relativamente contida em função da pre- vez, ia de encontro a esses princípios, sença do clero nas fileiras da AIB, tornou- mostrando-se 'internacionalista'. Assim, se ostensiva. As rivalidades latentes tor- dentro do quadro político da época, a AIB naram-se explícitas e o movimento teria se mostrado ao grupo como a op- integralista passou a ser alvo de ataques ção mais promissora. constantes que visavam d e s a c r e d i t á - l o , entusiasmados com a numerosa a d e s ã o pondo em dúvida suas atitudes e seu ca- ao movimento na zona rural, com o apoio ráter. O PRL procurava identificar a AIB de uma parcela do clero e com a sempre ao comunismo, explicando que, em am- crescente inserção na própria zona urba- bos os movimentos, o governo deixava de na, os integralistas articulam-se para as ser uma e x p r e s s ã o da vontade da maio- p á g . 3 0 . jul/dez 1997 contrastante dos 25 vereadores O V R ria. Passava, antes, a representar apenas os interesses de uma oligarquia, que impunha o seu poder através da violência e da força. Da mesma forma, a AIB é acusada de servir aos propósitos do fascismo italiano, preparando as condições à infiltração e s t r a n g e i r a no p a í s . Os integralistas seriam apenas versões mal acabadas dos fascistas europeus, conduzidos por um mitomaníaco disfarçado de salvador: Plínio Salgado, lia verdade, denunciavam, a AIB teria se afirmado com- da ingenuidade do clero: A Igreja aconselha a i m p l a n t a ç ã o integralismo no Brasil. Que a palavra Deus na do significará prática integralismo o dia em que ele do estiver no poder? Por ventura, Mussolini j á n á o ameaçou a Igreja? Os regimes m i n o r i t á r i o s jamais p o d e r ã o tolerar uma Igreja prestigiosa e popular, lia democracia nada tem a Igreja a temer. A legenda integralista 'Deus, Pátria e Família' é mais um e n g o d o . 28 batendo os operários, os negros, os j u deus, a democracia, a liberdade e a inte- Em editorial, O Momento aponta quais ligência. Era, portanto, um movimento seriam perigoso, destituído de respeitabilidade e integralismo. De acordo com sua visão, motivado por intenções escusas. Parecia, muitas pessoas eram atraídas ingenua- assim, i n c o m p r e e n s í v e l o apoio que a mente em função da novidade política, da Igreja oferecia à AIB. O jornal oficial do oportunidade de aparecer, da falácia dos PRL colocava nesses termos a considera- postulados morais. Porém, as lideranças as razões E x p o s i ç ã o anti-Integralista n o Teatro M u n i c i p a l . Rio de Janeiro, o u t u b r o d e 1957. Arquivo de adesão ao Correio da M a n h ã , Nacional. Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 17-36. Jul/dez 1997 - pág.31 C A E que difundiram o movimento na região cidamente I n ú t e i s , nada mais justo e seriam indivíduos condenados ao ostra- natural que sua e x t i n ç ã o . * cismo por evidente falta de qualidade política e moral. Segundo esse raciocínio, o jornal sentenciava com veemência os dirigentes do integralismo local, mas tentava eximir a massa de seus adeptos, os quais não passariam de "inocentes úteis". 2 nessa lógica, os membros da AIB negavam que sua organização fosse um partido político. Apenas se inscrevera como tal a fim de propagar legalmente suas idéias. A política ocupava somente uma seção do movimento, agora extinta. A AIB Em meio as a g r e s s õ e s constantes, os passava a ser, no novo sistema, uma as- integralistas tentam relativizar seus an- sociação de estudos, de e d u c a ç ã o moral tagonistas, argumentando que perturba- e esportiva. Por sua vez, o PRL conside- vam estes velhos políticos por não parti- rou a dissolução dos partidos políticos ciparem na "falsa vida política do país e uma prova cabal do espírito d e m o c r á t i c o lutarem para reerguer a nação do caos do governo Vargas. O fim do integralismo provocado pelo regime liberal": como partido foi comemorado como uma O alarme na família liberal é grande. medida ímpar. Os i n ú m e r o s incidentes Todos os meios de defesa e s t ã o sendo entre o governo federal e a AIB a p ó s a mobilizados. Os jornais da terra atacam d e c r e t a ç ã o do Estado Movo renovaram as os ' p e r i g o s í s s i m o s ' a c u s a ç õ e s ao integralismo na região: camisas-verdes, nunca pusemos em d ú v i d a estes políticos, apenas negamos a e f i c i ê n c i a de- les em meio aos partidos p o l í t i c o s que dividem e semeiam o ó d i o . Prossegue por todo o p a í s a campanha que o governo desenvolveu contra os adeptos do 'pano verde'. Precisamos 2 7 olhar com firmeza ao redor, verificar Às animosidades generalizadas das forças bem de perto quem eram os adeptos políticas dominantes na região agregou- de ontem e os inimigos de hoje; mais se o advento do Estado Movo em novem- cuidado deve ter o governo, debaixo de bro de 1937. Porém, tanto a AIB quanto o d e m o n s t r a ç õ e s h i p ó c r i t a s pode estar PRL locais apoiaram, no início, o novo re- escondido aquele que mais tarde po- gime. Para os integralistas, o fim das prá- deria ser o portador do punhal homici- ticas político-partidárias no país viera ao da contra o povo que n ã o quer o regi- encontro de seus princípios: me estrangeiro e contra o governo que Os homens de partido n ã o trepidavam se inicia e que trabalha. 29 em p ô r em e x e c u ç ã o os meios violen- Concomitante aos acontecimentos do tos, sacudindo o p a í s , de tempos em p a í s , a d e s a r t i c u l a ç ã o d e f i n i t i v a do tempos, com movimentos armados que integralismo na zona colonial italiana su- pertubavam o ritmo normal da vida da cedeu-se com o fracasso do golpe de maio n a ç ã o (...) se os partidos eram reconhe- de 1938, ocasião em que as lideranças da p á g . 32 . J u l / d e z 1997 o V AIB rebelaram-se contra o governo fede- determinadas regiões do país onde esta ral na expectativa de tomar o poder. No fase de transição mostrou-se mais agu- planejamento nacional do golpe, alguns da, a receptividade à AIB foi, em geral, integralistas desta área de imigração fo- mais intensa dado o seu caráter de movi- ram convocados ao Rio de Janeiro a fim mento político tido como alternativo ao de receber instruções. Segundo depoi- status mento de Oswaldino Ártico: postas doutrinárias consideradas radical- quo vigente. Suas práticas e pro- Em Caxias, ficamos reunidos esperan- mente novas forneceram um projeto po- do o sinal da rádio Mairink Veiga para lítico a u t ô n o m o para segmentos sociais c o m e ç a r m o s a r e v o l u ç ã o . Iniciava no emergentes que se identificaram com este Rio. O sinal n ã o foi feito. N ó s n ã o t í n h a - tipo de apelo. Essa realidade, presente ém mos armas. Nada organizado. Na hora, maior ou menor grau nas á r e a s onde a í a m o s pensar no que fazer, mas nada AIB encontrou aceitação, não pôde impe- aconteceu. Eicou por isto mesmo e o dir o reconhecimento das particularida- movimento integralista terminou para des locais que diferenciaram e enrique- sempre. ceram 30 a análise da natureza do O integralismo representou ao longo de integralismo. Qual seja, no caso das zo- sua existência legal (1932-1938) a mani- nas de imigração alemã e italiana, pare- festação de uma sociedade mais comple- ce evidente a importância da q u e s t ã o ét- xa engendrada com as t r a n s f o r m a ç õ e s nico-cultural sobredeterminando as mo- sociopolíticas e econômicas ocorridas ao tivações de a d e s ã o ao novo movimento longo das d é c a d a s de 1920 e 1930. Em brasileiro. N 1. O T A S O integralismo tem sido nas ú l t i m a s d é c a d a s objeto de interesse em uma perspectiva nacional e, mais recentemente, em a n á l i s e s comparativas com os movimentos fascistas europeus. Ver entre outros: tlelgio Trindade, Integralismo: o fascismo brasileiro na d é c a d a de 30, 2 ed., S ã o Paulo, Difel, 1977; J o s é Chasin, O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo hipertardio, S á o Paulo, Editora C i ê n c i a s Humanas, 1978; Ricardo Benzaquen de Araújo, A cor da e s p e r a n ç a : totalitarismo e r e v o l u ç ã o no integralismo de Plínio Salgado, Rio de Janeiro, CPDOC/PGV, 1984; Elmer Broxson, Plínio Salgado and brazilian integralism (1932-1938). a Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 17-36, Jul/dez 1997 - pág.33 C E Washington. The Catholic University of America, 1972; Juan Linz, "O integralismo e o fascismo internacional". Porto Alegre, Revista IFCtl. J.1976; Walter Laqueur (ed.), Tasc/smo: a reader's guide, University of Califórnia Press, 1976; Pierre Milza, Les fascisme. Paris, Impremerie Nationale, 1985; Stanley Payne, El fascimo, Madrid, Alianza Editorial, 1982. 2. Sobre a formação histórica do Rio Qrande do Sul ver: Joseph Love. O regionalismo gaúcho, São Paulo, Perspectiva, 1975; Paul Singer, Desenvolvimento econômico e evolução urbana, 2 ed., São Paulo, Companhia nacional Editora, 1977; Helga Piccolo, "A política rio-grandense no Império", em J. Dacanal e S. Gonzaga, Rio Qrande do sul: economia e política. Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto, 1979; Sandra Pesavento, Rio Qrande do Sul: economia e poder nos anos 30, Porto Alegre, Ed. Mercado Aberto, 1980. a 3. Jean Roche, A colonização alemã e o Rio Qrande do Sul, vol. II, Porto Alegre, Ed. Qlobo, 1969. 4. Entrevista de Alcides Arendt (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPEROS/COnsUL/Universidade Federal do Rio Qrande do Sul. 5. Entrevista de Maximiliano Hahan (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COnSUL/ Universidade Federal do Rio Qrande do Sul. 6. Telegrama de Morais Forte a Flores da Cunha, publicado no jornal gre, (26/2/1935). 7. Entrevista de Metzler ao jornal 8. Relato de Felipe Stahl. Contribuição para nova Petrópolis. EDUCS. 1985. p. 245. 9. Relato de Irmgard Schuch, ibidem, p. 249. Correio do Povo, a história Correio do Povo. Porto Ale- Porto Alegre, (26/2/1935). de Mova Petrópolis, Prefeitura Municipal de 10. Relato de Elizabeth K. Evers, ibidem, p. 256. 11. Telespresso n° 2.085/656 (Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1936) e Telespresso n° 235.417 (Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1936), Arquivo Histórico do Ministério de Relações Exteriores-Roma. 12. Entrevista de Enrico Muller (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, NUPERQS/COnSUL/ Universidade Federal do Rio Qrande do Sul. 13. Entrevista de José Ferreira da Silva (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COMSUL/ Universidade Federal do Rio Qrande do Sul. Integralista de Blumenau, o diretor da Biblioteca Pública, Ferreira da Silva, era luso por descendência paterna e alemão pela linha materna. 14. "Os homens somos nós" de Luís Compagnoni, publicado no jornal O Bandeirante, (10/2/1935). 15. Entrevista de Oswaldino Ártico, concedida em 1991. 16. Entrevista de frei Alberto Stawiski, concedida em 1991. De origem polonesa, formou-se no curso de Filosofia e Teologia da cidade de Qaribaldi em 1925. 17. Stafetta Riograndense, Caxias do Sul, (12/9/1934). 18. Entrevista de Carlos Fabris (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, nUPERQS/COnSUL/ Universidade Federal do Rio Qrande do Sul. Fabris tornou-se chefe do integralismo no distrito de Conceição, interior de Caxias do Sul. 19. Entrevista de frei Dionísio Veronese, concedida em 1991. Para o frei capuchinho: "Os líderes do integralismo estavam nas cidades, mas a penetração do integralismo era principalmente nas colônias, no interior. Eram agricultores, os colonos que entravam para o integralismo". Oswaldino Ártico, por sua vez, observa: "A gente aqui em Caxias dirigia o integralismo, mas nas colônias, nestes vilarejos, havia muitos integralistas. Os colonos eram todos integralistas por causa da Igreja". 20. Jornal Stafetta Riograndense, (21/3/1934). Segundo a reportagem *(...) diversos países europeus sofreram uma profunda revolução política transformando-se em estados corporativos, como a Itália, a Alemanha. O movimento deveria ampliar-se (...) a AIB que vem surgindo defende o sistema corporativo". 21. Entrevista de frei Alberto Stawiski. 22. Entrevista de Oswaldino Ártico. 23. Entrevista de frei Dionísio Veronese. 24. Entrevista de Arthur Rech (1969). Arquivo AlB/Helgio Trindade, MUPERQS/COnSUL/Universidade Federal do Rio Qrande do Sul. p á g . 3 4 . Jul/dez 1997 O V R 25. Jornal O Momento, Caxias do Sul. (5/12/1935). 26. Jornal O Momento, Caxias do Sul, (9/8/1936). 27. Jornal O Bandeirante, (31/7/1936), p u b l i c a ç ã o oficial do integralismo na r e g i ã o colonial italiana. 28. Jornal O Bandeirante. (18/11/1937). 29. Jornal O Momento, (6/12/1937). 30. Entrevista de Oswaldino Ártico. B I B L I O G R A F I A 1. Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul (Setor de Bibliografias): Arthur Rech; Humberto Bassanesi; Emílio Germano Pezzi. 2. Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul (Setor de Periódicos e Documentos). 3. Anais da Câmara Municipal de Caxias do Sul: 1935, 1936, 1937. 4. Arquivo AIB/Helgio Trindade. riUPERQS/COHSUL/Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 5. Arquivo Flores da Cunha. MUPERQS/COHSUL/ Universidade Federal do Rio Qrande do Sul. 6. Arquivo de Pesquisa Histórica do Departamento de História da Universidade de Caxias do Sul. 7. Jornais regionais integralistas: A Luta (Porto Alegre), A Revolução (Porto Alegre), O Integralista (Porto Alegre), O Bandeirante (Caxias do Sul). 8. Jornais regionais: O Momento (Caxias do Sul), // O/orna/e delVAgrlcoltore (Caxias do Sul), Stafetta Riograndense (Caxias do Sul), Correio do Povo (Porto Alegre), Diário de notícias (Porto Alegre). 9. Boletins informativos: Cinqüentenário delia Colonlzzazlone dei Sud, Porto Alegre, Qlobo, 1925; Documentário Histórico do Sul, 1875-1950, Italiana nel Rio Qrande do Município Sáo Leopoldo, Artegráflca, 1950; De Província de Caxias de São Pedro a Estado do Rio Qrande do Sul, censos do Rio Qrande do Sul, 1803-1950. Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 17-36, J u l / d e i 1897 - p á g . 3 5 A B ^ T R A C T The essay describes the setting of the Brazilian Integralist Action (AIB) of Plínio Salgado wlthin the social and political context of Rio Qrande do Sul in the 1930s. The analysis places the í n t e g r a l l s m in the same category as the fascists movements. Thus, the subject is focused on the problems encountered by the movement during its regional expansion process, considering the particularities of that moment in history. R É S U M É Lessai entend d é c r i r e la mise en place de 1'Action I n t é g r a l i s t e B r é s i i i e n n e (AIB) de Plínio Salgado, dans le contexte social et politique de 1'état du Rio Qrande do Sul pendant la d é c a d e de 1930. Lanalyse situe 1'intégralisme dans la c a t é g o r i e des mouvements fascistes. Par rapport à cette i d é e , le sujet est centre dans les vicissitudes qui connait le mouvement au cours de son processus dexpansion r é g i o n a l e , en fonction des p a r t i c u l a r i t é s de ce moment historique. Maria Antonieta de Toledo Ribeiro Bastos Geógrafa do Museu Paulista da Universidade de São Paulo. O U n i v e r s o do T r a b a l h o do làa - S P (1876/1930) A paulista, até e n t ã o essencialmen- nalisar o universo do 2 trabalho imigrante, te rural. na cidade de Itu, de A expulsão desses imigrantes uma forma mais ampla, no pe- de seus p a í s e s de origem, notadamente da Itália, foi ríodo de 1876 a 1930, é uma tarefa extremamente exaustiva, cuja di- causada pela e x p a n s ã o do capitalismo m e n s ã o extrapola a abrangência de um a p ó s 1850 e c o n s e q ü e n t e divisão inter- artigo. Porém, a pesquisa realizada a par- nacional do trabalho. O fato de eles n ã o tir das fontes p r i m á r i a s resgatou dados se essenciais para a análise das diferentes proletarização em sua terra natal esti- categorias de trabalho, da composição da mulou a emigração para o Brasil, rece- 1 submeterem ao processo de 3 população imigrante por nacionalidade e bendo esse movimento pleno apoio go- de alguns aspectos de sua trajetória ao vernamental, tanto no país receptor como c h e g a r ao B r a s i l . O corte t e m p o r a l no expulsor. Em 1871, sancionava-se corresponde à fase de transição da m ã o - uma lei em que o governo brasileiro era de-obra escrava para a mão-de-obra l i - autorizado a emitir apólices de a t é seis- vre, m o m e n t o em que as correntes centos contos, visando o pagamento de imigratórias tornaram-se mais expressi- passagens de imigrantes, dando-se pre- vas, povoando grande parte do interior ferência aos do norte europeu. Messe Acervo. Rio de J a n e i r o , v. X0. n ° 2. pp. 37-52, J u l / d e i 1997 - p á g . 3 7 m e s m o a n o , criava-se a A s s o c i a ç ã o para a a c e l e r a ç ã o do fluxo imigratório, Auxiliadora de Colonização e Imigração. entre eles a abolição da escravatura e a Em 1884, uma lei provincial autorizava o ampliação da nascente rede viária na re- presidente da província a dispor anual- gião de Itu, em face da e x p a n s ã o da la- mente de duzentos contos para a cria- voura canavieira. A abolição da escrava- ção de núcleos coloniais, e quatrocentos tura (1888), embora tenha abalado a es- contos para auxiliar na introdução de imi- trutura e c o n ô m i c a de grande parte do grantes tanto nos núcleos como nas gran- país, incentivou, por outro lado, o pro- des lavouras. E em 1886, fundava-se a cesso imigratório, pois o café se expan- Sociedade Promotora de Imigração, jun- dia para as zonas de povoamento mais to ao governo provincial, que funcionaria recentes do interior paulista, g r a ç a s ao oficialmente a t é 1895. 4 Somente em trabalho do colono imigrante. As relações 1923 seria criada, em Itu, a primeira As- de trabalho, c o n s e q ü e n t e m e n t e , se mo- sociação de Trabalhadores Têxteis, trans- dificaram, permitindo uma melhor distri- formada em sindicato em 1944. 5 Vários foram os fatores que contribuíram buição das riquezas, j á que o trabalho assalariado, configurado no sistema de D e s e m b a r q u e d e u m g r u p o d e Imigrantes n a e s t a ç ã o d a H o s p e d a r i a d e Imigrantes. M u s e u d a Imigração. p á g . 3 8 . Jul/dez 1997 o V colonato, tinha no núcleo familiar seu (16,5%), francesa (15,2%), espanhola maior suporte. Zuleika Alvim, em seu l i - (8,6%), sueca (8,6%), inglesa (4,7%), vro Brava gente, mostra que a preferên- holandesa (3,3%), suíça (2,7%), norte- cia do fazendeiro pelo trabalho familiar, americana (2%) e belga (0,6%). Verificou- em detrimento do assalariado, dava-se se, ainda, que o movimento migratório pela maior exploração da mão-de-obra, para Itu, por província, era o seguinte: uma vez que os salários eram pagos por 96,5% originário da própria província, tarefa e n ã o por indivíduo, o que ainda 1,2% do Rio de Janeiro e o restante da garantia uma maior estabilidade de m ã o - Bahia, Maranhão, Ceará, Pernambuco, de-obra nas fazendas. Por outro lado, do Alagoas, Rio Qrande do Sul, Minas Ge- ponto de vista do imigrante, era a única rais, Pará e Piauí. forma de fugir da proletarização iminen- A te. Vários autores analisaram a q u e s t ã o da rentabilidade do trabalho do colono, comparado ao do escravo. José Vergueiro, um dos defensores do trabalho livre, e s p e c i f i c o u num artigo jornalístico que para a aquisição de cem escravos, obtinha-se o equivalente a 1.660 trabalhadores livres. por sua vez, fez ainda com que a capital de São Paulo se tornasse o centro de irradiação, trazendo alterações em toda a conjuntura social e econômica do estado. Itu j á recebia os benefícios da Estrada de Ferro Ituana, interligada com Jundiaí — inaugurada em 1873 — que, sem dúvida, se configurou A imigração converteu-se, portanto, num fenômeno concreto, mudando a qualificação técnica da força de trabalho, tornando-a superior à do trabalho escravo. O afluxo dessa massa imigratória resultou da existência e/ou melhoramento do sistema de transporte na região, a p ó s o crescimento da lavoura cafeeira. O recenseamento de 1872 j á indicava, em Itu, um g r a n d e n ú m e r o de expansão da rede ferroviária, estrangeiros (1.187 no total, sendo 707 livres e 480 escravos). Dentre os livres, 75,5% eram homens e 24,5% mulheres. A população estrangeira escrava era formada por 71% de homens e 29% de mulheres. A pre- num marco importante para o fluxo imigratório. A população e a economia da região cresciam, principalmente com a afluência desses trabalhadores. O tráfego ferroviário entre Itu e Capivari, pela nova via, fora aberto em 1875, e o de Itu 6 a Piracicaba, em 1876. Essa ampliação da rede de comunicações com a capital permitiu, por sua vez, um maior movimento de capital, resplandecendo a r i queza, portanto, em todo o t e r r i t ó r i o paulista. Embora incipiente, essa rede e o porto de Santos garantiam o êxito do processo imigratório e da economia de exportação cafeeira. s e n ç a dos estrangeiros era restrita aos A e m i g r a ç ã o estrangeira para o Brasil de origem portuguesa (37,8%), italiana teve no elemento italiano seu principal Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 3 7 - 5 2 . Jul/dez 1997 - p á g . 39 A C E componente. A média anual que se diri- Os imigrantes italianos, em sua maio- gia para o Brasil era de 43.116 italianos ria, originavam-se principalmente do nor- (1870/1902), caindo depois para 14.328 te da Itália. Dentre as principais provín- 8 (1902/1920). A diminuição desse contin- cias, destacavam-se as do Vêneto (107): gente foi acentuada, pois enquanto de Verona (19), Treviso (16), Veneza (15), 1902 a 1920 vieram para o Brasil 290.027 Pádova (14), Trento (13), Rovigo (11), italianos, para os Estados Unidos enca- Vicenza (7), Udine (5), Pádua (5), Beluno minharam-se 3.920.330" pessoas. (2); Lombardia (28): Mântua (24) e Milão Itu, a s s i m c o m o o u t r o s municípios paulistas de povoamento antigo, teve maior aumento populacional no mesmo período em que o estado de São Paulo recebeu a massa imigrante, por ocasião da primeira fase do desenvolvimento industrial paulista (1890 a 1914). Entre 1887 e 1917, entraram 809.650 imigrantes italianos, dos quais 387.990 no curto período de nove anos (1892 a 1901). Por essa razão, as cifras sobre o crescimento populacional da cidade de São Paulo quase quadruplicaram, embora estivessem incluídos distritos tipicamente rurais. C omparados ao 7 recenseamento de 1872, os registros da população imigrante residente em Itu, no período de 1939 a 1969, permi- tem avaliar que ocorreu o aumento da diversidade da procedência desses novos habitantes. Constata-se, e n t ã o , que pred o m i n a v a m os i m i g r a n t e s i t a l i a n o s (46,6%), seguidos pelos espanhóis (36%), portugueses (4%) e os demais (13,4%), compostos por suíços, franceses, libaneses, a u s t r í a c o s , venezuelanos, argenti- (4); E m í l i a R o m a n a (8): Ferrara(4), Castelnuovo (2), Módena (1) e Forli (1). Caracterizavam-se, de modo geral, como uma população extremamente jovem, com idade inferior a 13 anos, na maioria dos casos (60%). O universo do trabalho imigrante estava concentrado principalmente no campo, como lavradores (92) (9%), lavradores/proprietários (67) (6,6%), jornaleiros/diaristas (2), agricultorres (2) e arr e n d a t á r i o s (2) (0,6%). Sem considerar aqui as 'domésticas', que atingiam altos índices (189) de o c u p a ç ã o , tanto no campo como na cidade. Enquanto a maior parte da massa imigrante — notadamente de origem italiana, que se Fixava na capital paulista no início do processo imigratório — dedicava-se à p r o d u ç ã o fabril, como o p e r á r i o s e proprietários de estabelecimentos i n 9 dustriais, no interior do estado, em particular em Itu, essa p o p u l a ç ã o restringiase ao trabalho no campo, principalmente nas lavouras de café, pois tinha na agricultura melhor oferta de trabalho e moradia. nos, egípcios, romenos, a r m ê n i o s , ale- O pequeno proprietário, a r r e n d a t á r i o e m ã e s , holandeses, paraguaios, h ú n g a r o s meeiro, italiano, na sua terra de origem, e ingleses. em quase nada diferia do p á g . 4 0 . Jul/dez 1997 bracciante, O V R embora fosse proprietário de pequena parcela de terra ou detivesse um certo Tabela 1 E m i g r a ç ã o italiana regiões capital para arrendamento de á r e a s para cultivo. Em vista do insuficiente quadro industrial para absorção de mão-de-obra, transformava-se em proletário rural. para o Brasil por (1876-1920) Vêneto 365.710 Campânia 166.080 10 113.155 Calábria 105.973 O universo do trabalho do imigrante, em Lombardia Itu, atrelava-se certamente à escolha Abruzzi/Molise 93.020 ocupacional, condicionada à s raízes his- Toscana 81.056 tóricas dessa massa imigratória, levan- Emília 59.877 do-se em conta os valores próprios de Basilicata 52.888 uma sociedade pré-industrial e as dife- Sicília 44.390 renças regionais de cada nação. A esco- Piemonte 40.336 lha inicial do imigrante pelo campo, em Puglia 34.833 detrimento da cidade, dava-se com base Marche 25.074 nos seus valores socioculturais. Por essa Lázio 15.982 r a z ã o , eram assustadoras as cifras de Úmbria 11.818 emigração da região setentrional da Itá- Ligúria 9.328 lia, notadamente do Vêneto (30%) para o Sardenha 6.113 Brasil, entre 1876 a 1920, estudado por Total Zuleika Alvim, tomando-se por base o Fonte: Zuleika Alvim, Brava gente: os italianos em São Paulo, São Paulo, Brasiliense. 1966. recenseamento do Brasil de 1920. Romana 1.243.633 11 Dentre os sócios relacionados no livro de lio estado de São Paulo, segundo o cen- registros da antiga Sociedade de Mútuo so Socorro Luigi de Savoia, fundada em de 1920, a massa imigrante 1J correspondia, de um modo geral, a 18,1% 1919, da população total. Qrande parte desse (58,8%) italianos e seus descendentes j á contingente era composta por italianos haviam se tornado trabalhadores urba- (60%), e s p a n h ó i s (27%), portugueses nos e destacavam-se como pequenos co- (5%), a u s t r í a c o s (3,6%), turcos (1,2%), merciantes ou a r t e s ã o s . As diferentes ca- franceses (0,7%), a l e m ã e s (0,6%), argen- tegorias desses trabalhadores e o número tinos (0,5%), uruguaios e americanos de pessoas ocupadas podem ser obser- (0,2%), poloneses e suecos (0,1%) e, em vadas a seguir: proprietário (34), nego- menor escala ainda, dinamarqueses, rus- ciante (22), trabalhador (10), industrial sos, s u í ç o s , venezuelanos, cubanos e (8), sapateiro (8), alfaiate (7), carpintei- húngaros ro (6), ebanista (5), açougueiro (4), mo- (esses dados referem-se aos verificou-se que, nesse ano, 168 que inclusive adotaram nacionalidade torista (4), construtor (3), carreteiro (3), brasileira). construtor de edifício (3), padeiro (2), Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 37-52. Jul/dez 1997 - p á g . 4 1 A C E serralheiro (2), barbeiro (2), guarda-livros (I) , Merja (1), A d i a (1), G u e r b a (1), (2), artista (2), m e c â n i c o (2), relojoeiro Algarrobo (1), Alcandete Jaen (1) e sem (2) , bilheteiro (2), vigilante (2), cocheiro identificação de origem (7). C o m e ç a r a m (1), operário de olaria (1), chefe de es- a chegar, em maior n ú m e r o , no Brasil, t a ç ã o telefônica (1), pastor (1), ourives somente a partir dos anos de 1910, con- (1), leiteiro (1), pastato (1), marmorista forme verificado na d o c u m e n t a ç ã o da (1), ferrador (1), hoteleiro (1), negocian- série registro de estrangeiros. Assim sen- te de madeira (1), caixeiro-viajante (1), do, notou-se o registro de (1) espanhol arrieiro (1), o p e r á r i o (1), t é c n i c o (1), em 1878, (2) em 1888, (1) em 1889, (2) carrero (1), comerciante (1), farmacêuti- em 1890, (2) em 1892, (3) em 1893, (4) co (1), médico (1), agricultor (1), funileiro em 1894, (2) em 1895, (2) em 1896, (4) (1), pedreiro (1), tipógrafo (1), arquiteto em 1897, (2) em 1898, (2) em 1899, (2) (1), marmoreiro (1), vendedor de tripas em 1900, (2) em 1901, (1) em 1902, (1) (1), proprietário de garagem (1), profes- em 1903, (5) em 1904, (6) em 1906, (1) sor (1) e litógrafo (1). em 1907, (2) em 1909, (6) em 1910, (13) C em 1911, (13) em 1912, (16) em 1913, omo s ã o escassos os estudos sobre a i m i g r a ç ã o espanhola no Brasil, verificou-se, nas fon- tes documentais j á destacadas, que a sua grande maioria em Itu era originária de Granada (31), Málaga (19), Almeria (16) e Toledo (9), seguindo Múrcia (6), Lorca (3) , Ruvite (3), Madri (3), Pazo-Alcon-Jaon (II) em 1914, (3) em 1915, (3) em 1916, (1) em 1917, (2) em 1920, (4) em 1921, (7) em 1922, (7) em 1923, (4) em 1924, (3) em 1925, (3) em 1926, (4) em 1927 e (1) em 1929, sendo que sete elementos não forneceram dados sobre a data de sua chegada ao Brasil. (3), Cádis (3), Pamplona (2), Leon (2), Embora numericamente inferior ao imi- C á c e r e s (2), Orenze (2), Sevilha (2), grante italiano, o espanhol n ã o diferia Alicante (2), Palácios Rubios (1), Caim (1), substancialmente daquele, pois era tam- Narmeriana (1), Salamanca (1), Vila Coim bém colono e lavrador, visto que a pe- (1). Haen (1), Ubida (1), Hetea (1), Ávila quena propriedade predominava e se (1), Cartagena (1), Samora (1), Motril (1), configurava nos moldes da p r o d u ç ã o e Ponte Vedra (1), Sogronha (1), Armedo consumo familiar. O sobreproduto cres- (1), Albaceti (1), Colmenar (1), Colúmbria cente da agricultura, no entanto, trans- (1), Pliego (1), C ó r d o b a (1), Sierra dei formava aos poucos a cidade e o siste- Lehgua (1), Mazarron (1), Montilla (1), ma de manufatura urbana, e reforçava a Luidarrar (1), Valdeverdeja (1), Vila de capacidade produtiva, ampliando o n ú m e - Albandon (1), Albunol (1), Cuia de Vassa ro de pequenas lojas e a r m a z é n s e a pro- (1), Jaen Pazo (1), Castres (1), Merga (1), d u ç ã o artesanal organizada (alfaiatarias, Pear de Becerro (1), Sorbas (1), Mendoza c o n f e i t a r i a s , s a p a t a r i a s , o f i c i n a s de p á g . 4 2 . Jul/dez 1997 costura e outras). A presença de operá- rurais, 127 (26,7%) de origem italiana. rios fabris e 'avulsos', entre os imigran- Mo ano de 1910, ela constatou 151 pro- tes italianos e e s p a n h ó i s , era constan- priedades de italianos e, para o ano de te, o b s e r v a ç ã o t a m b é m revelada em 1920, concluiu que 10,1% da população anúncios classificados da imprensa peri- residente no município de Itu era de ori- ódica. O trabalho feminino estava volta- gem italiana, considerando-se que, de um do principalmente para as atividades do- total de mésticas, destacando-se, nesse univer- italianos. A cidade vizinha de Salto cha- so, os imigrantes italianos, e s p a n h ó i s , mou a atenção da autora, pois o quadro portugueses, austríacos e romenos. Mas era ainda mais marcante: em 1905, pos- atividades eclesiásticas, era freqüente a suía 96 propriedades rurais, sendo 41 presença de freiras portuguesas no Co- (42,7%) de italianos; em 1920, possuía légio Mossa Senhora do Patrocínio e no 147 propriedades rurais, sendo 53 (36%) Mosteiro da Imaculada Conceição; de sa- também de italianos. Mo ano de 1920, a cerdotes franceses, ingleses, holandeses população urbana residente na cidade de e uruguaios no Colégio São Luís, na Igre- Salto era de 9.934 habitantes, sendo j a do B o m Jesus e no S e m i n á r i o do 1.583 Carmo; e de religiosas francesas e bel- embora gas no Colégio Mossa Senhora do Patro- correspondessem a 16,6% da população cínio e no Mosteiro da Imaculada Con- do município de Itu, a t é o ano de 1904 a ceição. renda do solo urbano era restrita aos 30.392 habitantes, 3.087 eram (15,9%) os italianos. imigrantes, 14 em Porém, 1920, ob- ituanos natos, conforme se observou no servamos que ainda era freqüente a pre- registro dos 1.256 imóveis urbanos, ca- sença do imigrante no campo, pois 168 dastrados no livro de imposto predial de (35,5%) estabelecimentos rurais se en- Itu, daquele ano. Somente os nomes de contravam nas m ã o s de estrangeiros e Francisco Villaron e de Valentini e Irmão seus descendentes. Zuleika Alvim, em seu estão ali presentes como proprietários de trabalho Emigração, imóveis urbanos. Ao examinarmos o censo de 1920, 13 família e luta: os ita- 15 Toscano e Trindade 18 lianos em Sáo Paulo 1870-1920, encon- observaram que, em 1917, a cidade j á trou no município de Itu, para o ano de contava com acréscimos numéricos sig- 1920, de um total de 474 propriedades nificativos quanto à população estrangei- Accrvo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 37-52, Jul/dez 1997 - p á g . 4 3 ra (14,8%). Aos italianos a t r i b u í a - s e o balho, que, por sua vez, como j á se ob- maior adensamento (67%), seguidos pe- servou, permitiu grandes a c r é s c i m o s na los espanhóis (13,4%). Por essa razão, era economia cafeicultora de exportação. Ma expressivo o n ú m e r o de casas alugadas cidade, a intensificação da massa prole- em 1920, principalmente nas ruas Santa tária se fez sentir, especialmente, na ca- Cruz, Santa Rita e do Comércio. tegoria de operários das fábricas de fia- Os dados contidos nos registros de estrangeiros 17 permitiram observar que os imigrantes de outras nacionalidades, 18 e os portugueses, escolhiam a cidade como local de moradia e trabalho — dedicando-se a atividades ligadas ao comércio, ensino e construção civil, principalmente —, ao passo que os descendentes de esp a n h ó i s e italianos tanto residiam no campo como na cidade, conforme tabela ção e tecelagem (São Pedro, S ã o Luís, Maria Cândida, Fabril Redenção S. A. e Reprensagem de Algodão S. A.). A partic i p a ç ã o em outras fábricas e oficinas, além dos que trabalhavam por conta própria ou em s e r v i ç o s diversos, era freq ü e n t e . Essa massa proletária era composta por 44 operários italianos (37 homens e sete mulheres), 18 e s p a n h ó i s (12 homens e seis mulheres), quatro portugueses (três homens e uma mulher), três que se segue: argentinos (dois homens e uma mulher), Tabela 1 um a l e m ã o , um l u x e m b u r g u ê s e um Campo Cidade Italianos 47 45 Espanhóis 37 34 Portugueses 1 9 Outras nacionalidades (8) 6 21 lituano (quadro 1). Durante o período de 1939 a 1969, o movimento m i g r a t ó r i o campo-cidade j á alcançava índices ele- Total 91 109 vados no país, ao contrário do ocorrido nas p r i m e i r a s d é c a d a s do processo imigratório. O trabalho feminino, tanto no campo como na cidade, n ã o era bem definido, Outro dado importante, merecendo des- pois declararam-se como ' d o m é s t i c a s ' taque, é que a população imigrante em 356 (37%) imigrantes de um total de 963. Itu foi capaz de garantir a m a n u t e n ç ã o Entretanto, como trabalhador rural pro- do exército de reserva e da força de tra- priamente dito, destacaram-se o lavra- dor, lavrador/proprietário, agricultor, ar- acumulação de riquezas: objetos, tesou- rendatário e meeiro, em que 306 (31,8%) ros, capitais virtuais. Tornava-se deposi- eram notadamente de nacionalidade ita- tária da riqueza monetária, tendo como liana e espanhola. fonte, principalmente, o c o m é r c i o e a usura. Como trabalhador urbano, 277 (28,7%), destacavam-se os operários de fábrica e avulsos, 71 (7,4%); e os comerciantes e comerciantes/proprietários, 65 (6,7%). As demais atividades enfatizadas a seguir correspondem a uma parcela menor da população imigrante urbana, que dedicava-se à educação religiosa e a outras ativ i d a d e s p r o f i s s i o n a i s : r e l i g i o s o 12 (1,2%), sacerdote 10 (1%), freira 12 (1,2%), padeiro 9 (0,9%), pedreiro 8 (0,8%), ferroviário 8 (0,8%) e diarista/jornaleiro 6 (0,6%). 19 Essa população imigrante, ao chegar no Brasil, nem sempre se dirigia diretamente para Itu. As certidões de primeiro casamento, em número de 252, anexadas a essa d o c u m e n t a ç ã o de registro de estrangeiros, permitiram destacar que, dentre os italianos que tinham contraído as primeiras núpcias em diferentes cidades paulistas, a maioria o fizera em Itu, e em cidades circunv izinhas: Itu (92), Cabreúva (11), São Paulo (8), Capivari (6), Indaiatuba (5), Campinas (5), Jundiaí (5), Salto (4), Cravinhos (2), Cosmópolis (2), A apropriação da renda urbana por agen- Bauru (1) e Valinhos (1). Dentre os espa- tes do setor privado (fábricas e oficinas) nhóis: Itu (52), Indaiatuba (6), Sorocaba e pelo Estado dificultou o acesso da po- (5), São Paulo (4), Salto (3), Cabreúva (4), pulação de baixa renda à s á r e a s privile- Jundiaí (2), Mandaguari (2), Porto Feliz giadas do solo urbano. Em face dessa si- (1), Valinhos (1), Rio Claro (1), Conchas tuação, o subúrbio da cidade, que j á es- (1) e Capivari (1). Dentre os portugue- tava segregado à população de baixa ren- ses: Itu (6), Sáo Paulo (3) e Santos (1). da, passou a ser gradativamente o espa- Dentre outras nacionalidades: Itu (5), o dessa nova p o p u l a ç ã o residente. O Cabreúva (5), Indaiatuba (4), Mogi Mirim imigrante recém-chegado à cidade sub- (1), Jundiaí (1) e Porto Feliz (1). Essas ob- metia-se ao trabalho urbano nos arrabal- s e r v a ç õ e s s ã o indicativas de que antes des e ali se instalava precariamente. A de declararem-se como moradores de cidade e n t ã o passava a ser o espaço de Itu, por ocasião do cadastramento, pro- Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 37-52. Jul/dez 1997 - p á g . 4 5 vavelmente haviam residido nessas cida- poder oligárquico começou a ser questio- des, onde contraíram as primeiras n ú p - nado e novos grupos sociais emergiram. cias, ou e n t ã o seus respectivos cônjuges eram residentes nessas localidades paulistas. A c o n s e q ü e n t e a m p l i a ç ã o do q u a d r o multirracial brasileiro, nesse p e r í o d o , foi incisiva; o imigrante passou e n t ã o a res- A massa proletária, composta por imi- ponder, t a m b é m , pelas t r a n s f o r m a ç õ e s grantes, era predominante na cidade e nos hábitos e costumes cotidianos da so- encontrava-se distribuída nas diferentes ciedade paulista, procurando desenvol- fábricas e oficinas: 44 o p e r á r i o s italia- ver uma vida em comum, dentro das suas nos (37 homens e sete mulheres), 20 es- possibilidades. A atração à s novas zonas p a n h ó i s (15 homens e cinco mulheres), cafeicultoras estava em p r o g r e s s ã o cres- quatro portugueses (três homens e uma cente, o que fez com que aumentasse o mulher), três argentinos (dois homens e universo de trabalhadores livres estran- uma mulher), um luxemburguês, um ale- geiros. Essas novas culturas permitiram m ã o (químico) e um lituano. Destacavam- expandir o quadro dos estratos sociais, se, dentre os estabelecimentos fabris e trazendo uma nova divisão do trabalho. oficinas, a fábrica de C h a p é u s Univer- A ampliação das classes sociais urbano- sal, industriais fundamentava-se fábrica de Vassouras Ituana, principal- funilaria Lamoglia, firma Augusto Veloso mente nas atividades comerciais. Dava- Cia., firma Bolognesi 6c Botelho, firma se e n t ã o à cidade de Itu uma nova feição Comercial Limongi, Instituto Borges de e função. Porém, diferente da imigração Artes e Ofícios, Oficina Irmãos Qazzolla, italiana, a espanhola (predominantemen- firma Irmãos Conti, funilaria Lamoglia, te camponesa) chegara ao Brasil no final Pilar SP firma Pegado et Souza Cia. Ltda., do colonato, num momento penoso de Cortume Ituano, firma Simon 8t Cia., fir- transição das relações de trabalho escra- ma Alexandre Tocheton, firma Renato vo para o assalariado. Sandel Moura, Cerâmica Paraíso, Cerâ- ras oportunidades, gerando-se uma m ã o - mica Cury 6c Cia. A a s c e n s ã o na escala de-obra pouco qualificada e diversificada. social e de poder, por parte do imigran- Por essa razão, diferentemente do italia- te, s ó ocorreu bem mais tarde, a partir no, por excelência, o espanhol n ã o dei- da Primeira Querra Mundial, quando o xou marcas significativas na sociedade. p á g . 4 6 . Jul/dez 1S97 20 Ocasião de ra- O V R Quadros Categorias de trabalho dos imigrantes que entraram no país entre 1876 e 1930, e que foram registrados no período de 1939/1969 na delegacia de polícia de Itu (quadros 1 a 6). Ouadro 1 Nacionalidade Irahanoa Etpanhoii No campo Número de indivíduos 1 2 3 1 92 67 2 1 61 31 1 Portuflueae» Franceaee lníl»« Alemaee Búlgaro* Belftai Iugoslavo! Luxem bunrueaea 5 6 2 2 1 1 I1 2 j Na cidade Numero de indo Iduos 9 10 11 2 44 7 18 | j 8 13 » 7 12 3 13 6 1 14(a) 5 3 1 4 10 1 i 3 4 2 1 1 - 1 1 1 Holandeae» Lituano* Húngaro! Ruaaoa Armênios Ejdpde» Sinos Ubaneaea 2 1 2 2 2 1 1 2 1 4 - 1 1 ! 3 : 1 5 1 4 3 2 3 Venezuelano! Norlc-arneneanoe lotai 1 112 2 182 1 10 6 28 37 1 71 15 4 9 S 1 - lavrador; 2 - lavrador/proprietário; 3 - agricultor; * - arrendatário; 5 - meeiro; 6 - diarista/Jornaleiro; 7 - comerciante; 8 - comerciante/proprietário; 9 - negociante; 10 - operário de fábrica e avulso; 11 - proprietário; 12 - sapateiro; 13 - padeiro; 14 - pedreiro (autônomo e empregado) Nacionalidade lulum» espanhóis Hortu^ucsoi Franceses Ingleses 15 1 1 1 16 6 . 1 17 1 1 Quadro 2 Na cidade Ni mero de IndiMdi • 19 20 21 22 18 2 2 2 3 1 2 1 1 2 1 5 23 1 1 24 11") 104 12 25 1 26 4" 2 9 13 2 1 1 Austríacos Ikil caros lklws Iugoslavos luxcmburgucscs Sui'.is 1 lolandeses ljtuatMK Húnearoa Russos Japoncaca Armemos KRÍPC.O, Sírios 1 2 s Argentinos Uruguaios Paraguaio! Vcnc/uclanoa Noríc-amerícanoa Total 1 1 3 1 5 1 4 3 1 — 1 2 4 9 2 3 3 4 4 8 2 356 1 12 13 - chapelro; 16 - mecânico; 17 - oleiro; 18 - carpinteiro; 19 - ferreiro; 20 - motorista; 21 - carroceiro; 22 - ferroviário; 23 - relojoelro; 24 - doméstica; 23 - cirurgião dentista; 26 - religioso • Colégio riossa Senhora do Patrocínio • • Seminário do Carmo • • • Mosteiro Imaculada Conceição • • • " residência e Igreja do Bom Jesus • • • • • Colégio Sáo Luís em São Paulo Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 37-52. Jul/dez 1997 - p á g . 4 7 A C Quadro 3 Na cidade Nacionalidadc Número de indivíduos 27 28 29 30 31 32 33 34 Italianos - - •1 - 1 - 1 2 F.spanhóis - • r 1 - i . Portugueses - 1" 1 . - - - Franceses - - - - - - Ingleses - - - - - - - - - - - - '4 * 1 * * * 1" Alemães - Austríacos - - Romênios - 1* llúlearos - - iklgas - Iugoslavos - Luxemburgueses - Suíços - Holandeses Liluanos - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 6"* - - - - - - - - - - - i - Húngaros - - - Russos - - - Japoneses - - - - - - - - - - Hcipcios - - - - Sírios - - - - Libaneses - - - - - Argentinos - • - ]... - - - - 2 2 - - - 1 - 1 - - - - - - _ - - - - - - - - - - - 4 1 - - - Paraguaios - - - - - - Uruguaios 37 2 - - Armênios 36 _ • 35 Venezuelanos - - - - - Norte-americanos - - - - - - Tolal 10 - 12 1 1 2 - 2 2 4 27 - sacerdote; 28 - icminarisU; 29 - freira; 30 - ministro evangélico; 31 - músico/professor; 32 - artista/pintor; 33 - professor; 34 - inválido; 35 - estudante; 36 - aposentado; 37 - sem especificação; 38 - outras atividades (a/x) * Colégio Mossa Senhora do Patrocínio **•• • • Seminário do Carmo * • • Mosteiro Imaculada Conceição Quadro 4 Número de lndi\idun* Nacionalidade Italianos l-spanhois Portugueses residência e Igreja do Bom Jesus Colégio Sào Luís cm Sào Paulo W 4 C) H2 w1 2 1 (c) 1 0 2 1 (h) 0) 1 1 1 2 Franceses fcajlINi Alemães AMÉM M M H líiilil.-if Belgas Iugoslavos 1 jjxcm burguês cs Suis.» 1 IMMHM UMMM Húngaros Russos Jiiporiescs Armênios Egípcios Sírios I ih.mescs Argentinos Uruguaios 1'araguak» Venezuelanos Norte-americanos T5S 6 1 1 (a) vendedor ambulante (d) pirotécnico (g) encanador (b) chanilciro (c) funileiro (e) carregador (0 lipògnuo (h) criador de abelhas (i) caldeúeiro p á g . 4 8 . J u l / d e z 1997 Quadro 5 .Número dc lndmduos (m) (n) M 0) ] 1 2 1 Niiiiorui liti.uk(k) Italianos Espanhóis Portugueses O V R i <») 1 w 1 - 1 (r) 1 • maMi Ingleses Alemães Austríacos Romenos IJúl caros Belgas IlieOslaVuS I li vem burgueses Sulcos 1 U M deses Iiluanos Húngaros Russos Japoneses Armênios l-.gijvi.* Sírios . sj-qenhnos l 'ruguaios Paraguaios Venezuelanos Norte aniericanos i (j) foguista/operário (k) construtor Nacionalidade Italianos Espanhóis Portugueses Franceses Ingleses Alemães Austríacos Romenos Húlgaros llelgas Iugoslavos Luxemburgueses Suíços 1 lolandeses Lituanos I Iúngaros Russos Japoneses Aniiênios Egípcios Sírios Libaneses Argenlinos Uruguaios Paraguaios Venezuelanos Norte-americanos Total (s) guarua-noile (t) barbeiro 1 1 (1) rebolci.ro (m) seleiro 1 1 1 2 (n) marceneiro (o) contador 1 1 1 (p) cleiricista (q) lenhciro Quadro 6 Número de indivíduos (v) (u) (s) (D 1 1 (r) alfaiate (x) 1 1 - - - - - - - - - - - 1 - - - - - - - - - - - - - - -• - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 1 1 1 1 2 - - - (u) química (v) engenheiro civil 1 - - - <*) fotógrafo Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 37-52, j u l / d e z 1997 - p á g . 4 9 D o c u m e n t a ç ã o (impressa e manuscrita) 503-512, Rio de Janeiro, Tipografia de - Livro de imposto predial de Itu, ano Estatística, 1926. 1904, Museu e Arquivo Histórico Municipal de Itu (MAHMI). - Recenseamento do Brasil, ano 1920, Ministério da Agricultura e Comércio, D i - - Livro de registro de sócios, ano 1919, retoria Qeral de Estatística, Tipografia Arquivo da Sociedade Ítalo-Brasileira de Estatística, Rio de Janeiro, FIBQE, 'Dante Aleghieri' em Itu. ano 1927. - Recenseamento do Brasil, província de - Coleção delegacia de polícia de Itu, São Paulo, Paróquia de Mossa Senhora série registro de estrangeiros, período da Candelária de Itu, ano 1872. de 1939 a 1969, Museu Republicano - Recenseamento do Brasil, vol. III, pp. N O T 'Convenção de Itu'. A S 1. Coleção delegacia de polícia de Itu - série registro de estrangeiros, Recenseamento do Brasil, de 1920 e de 1926, registro de estrangeiros (italianos) e livro de registro de sócios da Sociedade Ítalo-Brasileira 'Dante Aleghieri' e livros de impostos prediais de Itu, do acervo do Museu e Arquivo Histórico Municipal de Itu (MAHMI). 2. Pasquale Petrone, ao analisar as indústrias paulistas e os fatores de sua expansão, destaca, com base nos trabalhos de Vicente U. Almeida e Otávio T. Mendes Sobrinho, sobre migração rural-urbana, que após o ano de 1930 o movimento em direção aos centros urbanos tornou- p á g . 5 0 , Jul/dez 1997 O V R se mais intenso, particularmente para a cidade de São Paulo. Ver Pasquale Petrone, "As indústrias paulistanas e os fatores de sua expansão". Boletim Paulista de Geografia (14), São Paulo, julho de 1953, p. 34. 3. A Itália se desfez de cerca de 20 milhões de indivíduos entre 1861 e 1940, sendo que 85% saíram entre 1861 e 1920. Zuleika Alvim, Brava gente: os italianos em São Paulo, 2 ed., São Paulo, Brasiliense. 1986, p. 24. 4. Ver Zuleika Alvim. op. cit., pp. 42-49. 5. Ver Jonas Sousa e Júlio Wakahara, Itu: quatro séculos de história, s.d., p. 3. 6. Ver Francisco Nardy, Cronologia ituana, São Paulo, Ed. Bentivegna, 1951, vol. 4. 7. Conforme Pasquale Petroni, op. cit., pp. 26-37. 8. Essa documentação foi coletada na delegacia de polícia de Itu e doada ao Museu Republicano 'Convenção de Itu', em 1995, embora grande parte dela, correspondente aos registros de 'italianos', j á tivesse sido incorporada, também por doação, à Sociedade Ítalo-Brasileira 'Dante Alighieri', antiga Sociedade de Mútuo Socorro 'Luigi di Savoia'. Portanto, apenas cerca de 50% do número total de registros dos 1.015 imigrantes, cadastrados nessa documentação do arquivo do registro de estrangeiros da delegacia de polícia de Itu (período de 1939 a 1969), foi anexado ao MRCI, dando-se então origem à Coleção delegacia de polícia de Itu - série registro de estrangeiros. Embora essa coleção seja mais ampla, analisou-se somente a documentação dos imigrantes que entraram no país entre 1876 e 1930, cujos registros foram efetuados no período de 1939 a 1969. Essa documentação originou-se do efetivo cadastramento desses imigrantes, em obediência ao decreto-lei n° 7.967, de 18 de setembro de 1945. Legislação essa que visava efetuar rigorosamente esses registros, com o objetivo de imprimir à política imigratória do Brasil uma orientação única e definitiva, que atendesse à dupla finalidade de proteger os interesses do trabalhador nacional e de desenvolver a imigraçáo que fosse fator de progresso para o país (Bureau de Informações Policiais, São Paulo. 1945, p. 2, datilografado). 9. Petrone, avaliando a obra de Bandeira Jr. sobre a indústria em São Paulo, em 1901, observou que já eram em número de cem as principais fábricas paulistas (fiação, tecelagem, móveis, vestuário, bebida etc). Trinta e quatro delas eram de propriedade de italianos, e as demais de estrangeiros de outras nacionalidades. O quadro do operariado, que mantinha proporções equivalentes (dentre adultos e crianças de ambos os sexos), continha oito mil operários fabris, sendo cinco mil estrangeiros (na grande maioria italianos), 803 nacionais e cerca de 2.100 de nacionalidade não especificada. Pasquale Petrone, op. cit., p. 28. 10. Zuleika Alvim, op. cit., p. 32. 11. Idem, ibidem, pp. 62-73. 12. Atualmente denominada Sociedade Ítalo-Brasileira 'Dante Alighieri'. 13. Recenseamento do Brasil - relação dos proprietários dos estabelecimentos rurais recenseados no estado de São Paulo, vol. III, pp. 503-512, Rio de Janeiro, Tipografia de Estatística, 1926. 14. Zuleika Alvim, Emigração, família e luta: os italianos em São Paulo 1870-1920, dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da fFLCH/USP, São Paulo, 1983, p. 263. 15. Documentação pertencente ao acervo do Museu e Arquivo Histórico Municipal de Itu (MAHMI). 16. João Toscano e Jaelson Trindade, um programa de ação cultural. Diagnóstico geral da cidade de Itu para implantação de São Paulo, Condephaat, 1977, vol. 1, pp. 60-61, (mimeografado). 17. As declarações contidas nessa documentação referem-se ao período de 1892 a 1930. Os dados obtidos foram extraídos dos 197 documentos que acusavam declarações de tempo de residência em Itu (campo e cidade). 18. Considerados aqui de outras nacionalidades: sírios, franceses, libaneses, austríacos, venezuelanos, argentinos, egípcios, romenos, armênios, alemães, holandeses, paraguaios, húngaros e ingleses. 19. Ver Henri Lefebvre, O direito à cidade, São Paulo, Ed. Documentos Ltda., 1969, p. 10. 20. Ver José Martins, "A imigraçáo espanhola para o Brasil e a formação da força de trabalho na economia cafeeira: 1880-1930", Revista de História, n. 121, São Paulo, ago./dez. de 1989, p. 25. Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 3 7 - 3 2 . j u l / d e z 1997 - p á g . 3 1 A B S T R A C T This article seeks to draw a general profilc of the immigrants in Itu, state of S ã o Paulo, with the focus on their work universe. The analysed period, from 1876 to 1930, corresponds to the period of transition from slave labour to free labour, when the latter was integrated, in large part, in the countryside of S ã o Paulo, till then essencially agricultural. R É S U M É Cet article a pour but exposer un profil general de Ia ville d'ltu — S ã o Paulo, ayant comme r é f é r e n c e son universe de travail. Le p é r i o d e a n a l y s é (1876/1930) se rapporte à la transition de Ia main-d'oeuvre esclave à la libre, quand la d e r n i è r e fut i n c o r p o r é e à 1'intérieur de la province de S ã o Paulo, jusqu' alors essentlellement agricole. Elena Pájaro Feres Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 99 ' P r ©vertia! Hospiíalicilaííle ? A Revises, de Ixnigréição e Colonização e o JiscMrso oficial sotre o imigraiiíe '^N. 1 9 4 0 , os -A_ lo de três anos, apenas mais um volume, V a s d é c a d a s de 1930 e e m 1 9 5 5 , q u a n d o a p u b l i c a ç ã o foi intelectuais suspensa. \ J brasileiros empenhados em controlar a imigração sus- O tentaram um discurso marcado centrava-se em assuntos dire- pelo preconceito, sendo um dos tamente relacionados à i m i - canais oficiais de divulgação des- gração, reproduzindo artigos publicados tas idéias a Revista de / m i g r a ç ã o e Colo- pela grande imprensa, a legislação em nização. vigor, relatórios, estudos e pareceres. Se- Publicada entre os anos de 1940 e 1955 pelo Conselho de Imigração e Colonização (CIC), ó r g ã o criado em 1938 para fis1 calizar e selecionar os imigrantes, a Revista de Imigração e Colonização foi conteúdo da revista gundo Tucci Carneiro, esse periódico era consultado por t é c n i c o s e autoridades diplomáticas, em busca de uma orientação para a q u e s t ã o imigratória brasileira. A autora considera que: lançada para ser, inicialmente, um peri- A t r a v é s de artigos cientificamente' re- ódico com quatro volumes anuais. Entre digidos e assinados por autoridades 1950 e 1952, todavia, saíram somente médicas, diplomáticas, bacharéis dois volumes anuais e, a p ó s um interva- direito, s o c i ó l o g o s e educadores, a re- Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 5 3 - 7 0 . j u l / d e z 1987 em - pau. 33 A C E vista defendeu nos anos de 1940 a ma- o aproveitamento das grandes corren- n u t e n ç ã o de uma p o l í t i c a tes i m i g r a t ó r i a s e u r o p é i a s que se imigratória restritiva apoiada em c r i t é r i o s é t n i c o s , p o l í t i c o s e morais. 3 zem e s p e r a r no p e r í o d o do fa- após- guerra.* Durante o Estado Movo, a Reu/sta de / m i - A preocupação com esse novo imigrante g r a ç ã o e Colonização foi porta-voz de um transparece em grande parte dos artigos pensamento racista, legitimador da polí- da Reuista de Imigração e Colonização, cujo tica discriminatória do governo Vargas em conteúdo nos permite reconstruir o per- relação ao estrangeiro. Mo entanto, mes- fil do imigrante ideal e o conceito que lhe mo chamada era conferido enquanto "elemento inde- 'redemocratizaçào' do país, em 1945, a sejável e estranho" à sociedade brasileira. com o início da q u e s t ã o imigratória continuou a ser tratada pelos colaboradores da revista como um problema nacional, persistindo o tom de intolerância contra o estrangeiro, visto como um perigo que ameaçava a se- Os autores que contribuíam com esta publicação eram, principalmente, médicos, psiquiatras, higienistas, jornalistas, juristas, educadores e diplomatas, muitos dos quais j á escreviam sobre o assunto des- gurança do país. de a década de 1920, como é o caso dos IMIGRANTE - BRAÇO E SANGUE psiquiatras Antônio Xavier de Oliveira e 5 C Antônio Carlos Pacheco e Silva. A maioom o fim da Segunda Guerra ria desses intelectuais teve ligações d i - Mundial, as atenções das potên- retas com o Estado durante o governo de cias voltaram-se para a tarefa Qetúlio Vargas, tendo assumido cargos de 'reconstrução' da Europa devastada e políticos ou propondo a ç õ e s que deveri- para o problema dos refugiados de guer- am ser executadas pelo poder estatal. ra, denominados displaced persons ou DPs. Mas páginas da Reu/sía de Imigração Mo Brasil, com a reabertura da imigra- Colonização, ção pelo decreto-lei n. 7.967, de 18 de grantes desde que devidamente selecio- setembro de 1 9 4 5 , 3 esperava-se um grande a fluxo de imigrantes dada a situa ç ã o de caos e miséria em que se encontrava o continente europeu. O Conselho de Imigração e Colonização, representante do posicionamento político do Ministério das Relações Exteriores, preparou-se para orientar essa nova imigração procurando: ... aparelhar eficientemente o p a í s para p á g . 5 4 . Jul/dez 1997 e defendiam a entrada de imi- nados no tocante a suas qualidades físicas, mentais, profissionais e raciais. Mo artigo "Aspectos psicológicos na imigração após-guerra", publicado em junho de 1946 pelo psiquiatra Lira Cavalcanti, encontramos idéias que foram recorrentemente utilizadas pelos intelectuais colaboradores da revista. Cavalcanti toma a imigraçáo como um problema que deveria ser solucionado através "da verifi- O V R cação biotipológica do imigrante e de rece como sendo de extrema importân- suas qualidades eugênicas" para que se cia a q u e s t ã o do potencial reprodutor do pudesse evitar a entrada de indivíduos imigrante. Fala-se em braços "inaptos física e mentalmente". A preo- voura e a i n d ú s t r i a , mas t a m b é m em cupação imediata era com a possível che- "sangue novo' ou 'plasma de reprodução', gada dos chamados "egressos de guer- acreditando-se que os imigrantes viriam ra", vistos como "psicopatas incubados". "aduzir sangue novo à nossa etnia", como Afirma que necessitamos de braços e téc- afirmou Fernando Mibielli de Carvalho nicos e não de ociosos e aproveitadores, no a r t i g o " I m i g r a ç ã o : u m p r o b l e m a nem tampouco de "raças estanques", que nacional". não se misturam. Para dar crédito a suas A metáfora do sangue acompanhou a po- conclusões, Cavalcanti utiliza dados es- lítica nacionalista brasileira nos anos de t a t í s t i c o s r e c o l h i d o s pelo professor 1930. Era preciso controlar a circulação Pacheco e Silva, no hospital de Juqueri, desse fluxo s a n g ü í n e o representado pelo entre 1921 e 1942, demonstrando que a imigrante portador do ' s a n g u e - s ê m e n ' , maioria dos criminosos e alienados era constituída de refugiados de guerra. para a la- 7 princípio da vida, mas t a m b é m do 'san- 6 g u e - d o e n ç a ' , princípio da d e s t r u i ç ã o e 8 De forma geral os artigos seguem este morte. A continuidade desse pensamen- raciocínio, estipulando qual seria o imi- to no período p ó s - g u e r r a deixa clara a grante desejável e o indesejável, quais importância conferida ao sangue como os perigos provenientes de uma imigra- símbolo formador da nacionalidade. ção descontrolada e quais as possíveis A idéia de r e p r o d u ç ã o vinha atrelada à s o l u ç õ e s . O apelo à chamada 'ciência c o n d i ç ã o de ' e l e m e n t o de f o r m a ç ã o moderna' é constante, especialmente nos e u g ê n i c a ' , ou seja, seriam bem-vindos artigos escritos por médicos, e as medi- aqueles que pudessem colaborar de for- das eugênicas s ã o evocadas como a gran- ma positiva para a configuração racial do de saída para o aperfeiçoamento da população. homem brasileiro. O fator raça era uma prioridade, seguido do fator O imigrante ideal, considerado imprescindível para o progresso do país, conti- econômico, e n t ã o secundário. Antônio Xavier de Oliveira alertava: nuava sendo, como na década de 1930, Tfenha-se o imigrante, em primeiro lu- o agricultor, o técnico e o operário quali- gar, comp um ficado. O que importava, em um primei- como um elemento de ro momento, era a sua capacidade em eugênica desempenhar funções ou transmitir co- integrá-lo em nosso cruzamento raci- nhecimentos que atendessem aos inte- al, de modo a torná-lo um fator 100% resses do país adotivo. Ho entanto, apa- positivo na constituição de cada M . H I - plasma de reprodução, formação do nosso povo, visando-se Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 33-70. J u l / d e i 1997 - p á g . 5 3 A C onalidade americana, e depois, secundariamente, como um fator e c o n ô m i - E que era tomado como dever patriótico na intenção de salvaguardar a nacionalidade. Segundo o dr. Antônio Viana, no arti- 9 co a p r e c i á v e l . (grifo meu). Assim, os critérios de seleção do imigran- go "O imigrante solteiro em face à políti- te se pautavam na sua capacidade de tra- ca biológica", de março de 1946, balho e assimilação, bem como no seu para a melhoria dos rebanhos é exigi- potencial reprodutivo, considerado pelos do, como garantia, médicos como o mais importante. reprodutores e com muito mais direito Constatamos, através do discurso oficial e mais racional e humano seria, tam- contido na Revista de Imigração e Colo- b é m , o solicitar, indiretamente, atra- um processo de d e s u m a n i z a ç ã o v é s de um severo « x a m e m é d i c o , para do imigrante, tratado como um objeto, o imigrante solteiro — falando em nos- um elemento portador de características so favor toda essa vasta t r a g é d i a que que podem ou não interessar ao país re- representa o tenebroso c a p í t u l o da ceptor. Esta d e s u m a n i z a ç ã o torna-se evi- heredopatologia humana, a l é m de um dente quando percebemos os termos aci- dever patriótico de orientarmos e res- onados constantemente para designar o guardarmos o destino de nossa nacio- imigrante: alienígena; bom ou mau ele- nalidade, sabendo-se que somos um mento; ou nização, desejável Indesejável; reprodutor; entre outros de sentido mais ou menos pejorativo que abordaremos a seguir. O critério de avaliação do imigrante é sempre utilitário, possibilitando a sua classificação de acordo com "distinções funcionais', seguindo as d e t e r m i n a ç õ e s de uma política de s a ú d e . (grifo meu). Esse pedigree seria determinado, segundo as s u g e s t õ e s , através de rigorosa seleção médica, de acordo com os p a d r õ e s estipulados pela ciência e u g ê n i c a . Pretendia-se, desta forma, evitar a entrada de imigrantes portadores de deficiências físicas, mentais e morais, explícitas ou O imigrante, segundo os autores da revazios"" e cultivar os campos, mas tamb é m contribuiria para a formação étnibrasileira, 1 4 dos 10 vista, serviria para "encher os e s p a ç o s ca povo em f o r m a ç ã o . o pedigree favorecendo "embranquecimento da raça", 12 formação de uma "nova raça", 13 o ou até a uma vez que o brasileiro continuava sendo, na opinião de muitos, um povo em formação. ocultas nos gens. A medicina como e s t r a t é g i a biopolítica aparece com evidência nesses textos, revelando o que Foucault chamou de "socialização do corpo" como forma de controle da sociedade sobre os indivíduos. O corpo investido pelo poder e controlado por uma meticulosa disciplina exercida pelo Estado através dos médicos e psi- Considerava-se n e c e s s á r i o , e n t ã o , exa- quiatras. Mas sociedades industriais a minar o "pedigree dos reprodutores", o a g l o m e r a ç ã o urbana trouxe à tona a p á g . 5 6 . Jul/dez 1997 o V necessidade de o r d e n a ç ã o da população população pobre, composta em grande e à biopolítica coube orientar este pro- parte por imigrantes, mas sim a neces- cesso, cuidando do "corpo social", asse- sidade de s e l e ç ã o de um contingente gurando a c r i a ç ã o ou m a n u t e n ç ã o de imigratório positivo, concedendo-se vis- uma homogeneidade positiva. tos apenas aos chamados bons elemen- 15 Neste sentido, o imigrante apenas interessava quando vinha compactuar com a tos: "Deve ser escolhido o europeu de raça branca. Homens m o ç o s , solteiros ou 18 criação de uma identidade nacional, to- casados". mando parte na construção do futuro tra- Apesar de muitos colaboradores da re- balhador brasileiro, e não como elemen- vista defenderem que não se tratava de to de d e s a g r e g a ç ã o e discórdia. 16 um problema racial, mas sim médico, ou eram seja, o que importava não era a raça do responsabilizados pela p r o p a g a ç ã o de imigrante, mas o seu estado físico e men- doenças contagiosas como a tuberculo- tal, ainda se condenava, como nos anos Os imigrantes também Mão se mencio- de 1930 e início dos anos de 1940, a imi- nava a falta de assistência sofrida pela gração de judeus e japoneses, conside- se, o tracoma e a lepra. 17 fnmeira leva d e imigrantes Italianos i n t r o d u z i d a pela C i a . Brasileira d e C o l o n i z a ç á o e I m i g r a ç ã o , chegada pelo v a p o r Salta e m 15 d e setembro d e 1951 Pedrlnhas, e m Assis. e destinada a o N ú c l e o d e Colonização d e Boletim do Departamento de Imigração e Colonizaçáo, São Paulo, n . 6, dez. d e Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. S3-70. j u l / d e z 1997 - p á g . 5 7 A C E rados como elementos inassimiláveis e para a lavoura. O imigrante seria dispen- perigosos para a s e g u r a n ç a nacional. sável uma vez que o país teria seu pró- Dava-se preferência aos imigrantes de prio suprimento de m ã o - d e - o b r a . Segun- origem latina: portugueses, italianos e do J o ã o Maurício Muniz de Aragão, e s p a n h ó i s , por serem vistos como os mais p r ó x i m o s culturalmente, além de mais assimiláveis. Recusava-se o negro e, muitas vezes, o a l e m ã o . se deveria praticar uma p o l í t i c a diferente da i m i g r a t ó r i a , a qual teria como responsabilidade p r e c í p u a e funda- mental fomentar a natalidade (...), O decreto-lei n. 7.967, ao restabelecer pois no Brasil de cada mil c r i a n ç a s nas- oficialmente a imigração, trouxe de volta cidas vivas, mais de duzentas morrem o regime de cotas para a imigração es- antes do primeiro ano de vida. pontânea, 1 9 proibindo a entrada de me- nores de 14 anos desacompanhados, indigentes ou vagabundos, doentes, indivíduos nocivos à s e g u r a n ç a nacional, estrangeiros anteriormente expulsos, condenados etc. Do ponto de vista legal n ã o se discriminava explicitamente raças ou 21 A q u e s t ã o da assimilação do imigrante continuava sendo uma preocupação constante e deveria ser promovida pelo Estado. De acordo com o relatório do delegado especializado de estrangeiros em São Paulo, publicado em 1945, etnias, mas dava-se preferência ao por- O emigrante inassimilado, o imigran- t u g u ê s e à imigração dirigida. Mo entan- te que deliberadamente se isola do to, a discriminação estava presente nos meio que o recebeu, é um mau elemen- artigos publicados pela Revista de Imi- to com o qual nunca poderemos contar gração e como filho adotivo da terra que o aco- Colonização. Os e s t e r e ó t i p o s elaborados desde o final lheu. Mão p a s s a r á de um a d v e n t í c i o (...). do s é c u l o XIX, baseados nos autores Daí a necessidade imperiosa em que racialistas franceses e retomados no iní- se acham os governos verdadeiramen- cio deste século, acrescidos das máximas te p a t r i ó t i c o s em n ã o medir s a c r i f í c i o , da eugenia, continuavam em ação na d é - no sentido de ser uma realidade a as- cada de 1940 e início dos anos de 1950, s i m i l a ç ã o do elemento a l i e n í g e n a . estigmatizando os imigrantes e os transformando em seres inanimados, passíveis de qualquer tipo de manipulação, seleção, classificação e a b s o r ç ã o . 20 2 2 Era indesejável o imigrante que vinha apenas para se enriquecer e que depois retornava ao seu p a í s . Considerava-se n e c e s s á r i o que ele criasse raízes, con- Alguns autores chegaram a ser contrári- tribuindo para a formação do povo bra- os a qualquer tipo de imigração, acredi- sileiro, esquecendo tudo o que fosse ex- tando que o incentivo à natalidade seria terior e sendo absorvido pela sociedade a melhor forma de produção de 'braços' adotiva. p á g . 3 8 . j u l / d e z 1997 V R O A temível i n a s s i m i l a ç ã o , segundo este ízo da terra acolhedora s ã o , pois, cen- mesmo relatório, era apresentada como tros de a t r a ç ã o para os imigrantes re- fonte geradora de "nefastos quistos ét- cém-vindos". nicos" entendidos como 25 "agrupamentos de elevado n ú m e r o de nacionais da mesma origem em determinado ponto do ter- A m e t á f o r a do corpo é u t i l i z a d a por Ricardo para expressar a necessidade da integração não apenas racial, mas tam- ritório"." bém psicológica nas formas de ser e de Esse pensamento não era novo. Intelec- sentir, para que se pudesse desenvolver tuais como Alberto Torres j á haviam, no o 'espírito coletivo': início do século, debatido essas idéias, considerando o imigrante, quando n ã o Ao lado do bom funcionamento do or- assimilado, de ganismo, para o qual se exige um cer- desnacionalização. Também Oliveira to grau de i n t e g r a ç ã o de seus compo- Viana alertara para o perigo dos "quistos nentes, h á que considerar t a m b é m o como um agente 2 raciais". * O que chama a a t e n ç ã o é a bom f u n c i o n a m e n t o da c u l t u r a do povo, sendo este um f e n ô m e n o s ó c i o - permanência do discurso. p s i c o l ó g i c o cujo grau de intensidade y \ f ^ a n t o o a l e m ã o quanto o japonês e o judeu eram os elemen- não tem símile na história da evolução. tos mais visados, sendo apontados como perigosos à s e g u r a n ç a naci- Inês Barreto Correia d'Araújo aborda a onal por serem 'inassimiláveis', postura q u e s t ã o da escola como sendo um dos preconceituosa que vinha sendo alimen- meios de controle do imigrante, com con- tada desde d é c a d a s anteriores. Durante dições de impedir a formação de quistos a Segunda Querra, essa postura tornou- raciais. O Estado deveria auxiliar a assi- se mais forte, sem entretanto desapare- milação do imigrante através da educa- cer após cessado o conflito mundial. ção para "filiar o alienígena à s tradições As associações de imigrantes eram vistas com desconfiança por incentivarem a preservação da cultura natal. Aristides do país "e fazer do imigrante um cidadão "cuja prole se integra no verdadeiro espírito nacional". Ricardo, no artigo "Assimilação do estran- Para Correia d'Araújo, primeiramente de- geiro", de maio de 1946, afirmava que veria ser ensinada a nova língua ao imi- nem sempre ao 'caldeamento étnico' grante e promovido o ensino da história corresponde o 'caldeamento psicológico', e da geografia; em segundo lugar, de- e a raça não influiria nesse aspecto, mas senvolver no imigrante o 'espírito de as- sim o fato dos imigrantes se isolarem em sociação' com o elemento nacional; por 'nódulos'. Para Ricardo, "esses n ú c l e o s último, o imigrante deveria ser prepara- de idealização da terra natal com preju- do para a naturalização, que é vista como Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 53-70. Jul/dez 1997 - pág.59 A E C renúncia e conversão. O governo brasileiro deveria seguir, neste aspecto, o exemplo dos Estados Unidos. 26 servado à chamada escumalha ra, 33 da guer- ou seja, aos refugiados da Segunda A 'conver- Guerra Mundial que estavam abandonan- s ã o ' final, patrocinada pelo Estado, seria do a Europa em busca de uma vida me- como uma verdadeira remissão dos 'er- lhor, impulsionados pela miséria e as per- ros' do passado estrangeiro. s e g u i ç õ e s . * Esses refugiados eram O mito do Brasil como paraíso racial man- apontados pelas m i s s õ e s d i p l o m á t i c a s teve-se nos artigos publicados pela Re- brasileiras como um perigo iminente, se- vista de Imigração res nefastos, indesejáveis, de e Colonização 3 que, em neuróticos v á r i a s passagens, referiam-se ao p a í s guerra, parasitas humanos, como sendo: um laboratório racial," uma etc. Munindo-se de um vocabulário rico e até mesmo uma em adjetivos preconceituosos, os auto- negando o preconceito de res n ã o ocultavam suas opiniões recor- raça apresentavam o Brasil como u m p a í s rendo aos exemplos do passado — mar- 211 democracia étnica, 29 babel étnica. to/erante, 30 apesar de se continuar i n - imprestáveis cado pelo trauma da vivência da Primei- vestindo no elemento branco como ga- ra Querra Mundial — como experiência a rantia para uma política imigratória bem ser evitada. Deusdedit Arauújo declara- orientada. Segundo Jaime Poggi, va: entre n ó s o p r e c o n c e i t o de r a ç a é ... devemos nos lembrar de que as atenuado e, por isso mesmo, uma bem guerras se acompanham n ã o s ó de epi- orientada p o l í t i c a i m i g r a t ó r i a e o cru- demias ... mas t a m b é m de uma multi- zamento do elemento branco com dão os de estigmatizadores É a (sic) corte e descendentes africanos ou j á m e s t i ç o s enfermiços. dos d e t e r m i n a r á que o branqueamento se comocionados e neurosados da guer- f a ç a (...)." ra .... 3 5 Mão se admitia a existência do precon- Era preciso evitar a r e p e t i ç ã o do que c e i t o , mas mantinha-se o desejo do ocorreu a p ó s a Primeira Querra Mundial, embranquecimento, através do processo quando, segundo Araújo, a "Liga das Na- de miscigenação oficialmente orientado. ções chegou a nos mandar uma legião Para Poggi, os negros e mulatos eram de apátridas indesejáveis sobrados dos "sub-raças fracas e doentes". A "prover- campos de c o n c e n t r a ç ã o " . bial hospitalidade" brasileira, mencionada pelo conselheiro do CIC, J o s é de Oliveira Marques, 32 servia nesses artigos como um mero apelo retórico articulado para ocultar a discriminação. O ataque maior, no entanto, estava re- p á g . 6 0 . Jul/dez 1997 36 O mesmo autor conclui que certos políticos europeus viam o Brasil "como um escoadouro para os poor whtte trash e outros parasitas humanos que aqui vêem inferiorizar a raça e explorar o homem", numa clara alusão aos imigrantes judeus, V R O acusados de se dedicarem exclusivamen- exames neuropsiquiátricos nos candida- te a atividades mercantis. tos à imigração persiste em vários artigos assinados por Antônio Xavier de Oli- Lira Cavalcanti, como vimos no início, apelava para os exemplos da psiquiatria para justificar sua posição contrária aos refugiados. Insensível ao drama daqueles que haviam vivido o inferno do III Reich e sobrevivido ao holocausto planejado pelo Estado nazista, Cavalcanti se referia a eles como se fossem "doentes disfarçados" e, como tais, indivíduos "física e mentalmente imprestáveis" para a América Latina: veira, Lira Cavalcanti, Antônio Viana e Antônio Carlos Pacheco e Silva, entre outros. Aliás esta posição j á havia sido defendida anteriormente por Antônio Xavier de Oliveira, quando do debate sobre a emenda Miguel Couto para as reformulações pretendidas na Constituição de 1934, momento em que se mostrou um dos mais exaltados defensores da campanha a n t i n i p ô n i c a . 39 Segundo Antônio Xavier de Oliveira, se não t o m á s - S e r ã o i n d i v í d u o s quase que expulsos semos uma providência imediata, estarí- de suas p á t r i a s , como na guerra pas- amos recebendo sada se verificou, p a í s e s que impelicom c â n d i d a bondade e r e s p o n s á v e l ram todos os seus filhos i m p r e s t á v e i s i n o c ê n c i a e s p é c i m e s degenerados de física e mentalmente para a A m é r i c a r a ç a s i n d e s e j á v e i s , velhos e c r i a n ç a s Latina, ó t i m o campo para esses doentes disfarçados. A i n ú t e i s para o trabalho produtivo, e 3 7 tudo isso c o m a cumplicidade de um s causas da loucura são atri- governo de homens cultos e patriotas, buídas aos problemas da guer- mas ra ou à inferioridade do imi- nhecem as conquistas da c i ê n c i a mo- grante, mas nunca ao trauma da imigra- 'derna e n ã o ouvem os conselhos dos ção, à discriminação vivenciada na Euro- seus cultores maiores. Se assim n ã o pa e à s dificuldades de i n t e g r a ç ã o na fora, certo que n ã o c o n t i n u a r í a m o s a sociedade brasileira. A estreita relação receber os rebutalhos humanos, a es- entre a psiquiatria e conceitos como he- c ó r i a de raças reditariedade, degenerescência, eugenia, de todas as p r o c e d ê n c i a s , para incor- demonstrada por Foucault, perpassa todo porar à n o s s a n a c i o n a l i d a d e , n u m o discurso desses m é d i c o s brasileiros, atentado, num crime de que pretendiam assumir um papel de van- que guarda na construção do homem do fu- b é m , (...), a toda a turo, livre de imperfeições e totalmente meu). controlado pela 'ciência'. que, embora estadistas, desco- miseráveis, proxenetas lesa-pátria, n ã o afeta s ó o Brasil, mas tam0 América.* (grifo 38 A missão do médico era considerada pa0 aconselhamento para que se fizessem triótica, pois, baseado na 'ciência moder- Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, p p . 33-70. Jul/dez 1997 - p á g . 6 1 A C E na', que lhe conferia autoridade, estaria da entrada de "elementos indesejáveis" preservando não s ó o Brasil, mas toda a caracterizados como a "escória da huma- América da 'invasão' de alienígenas. nidade". Esses indivíduos eram represen- Este discurso inflamado revela o inconformismo com a legislação considerada pouco rigorosa, e uma agressividade incontida em relação aos imigrantes, apontados como causadores de imensos males e, a t é mesmo, responsáveis por todas as d e s g r a ç a s do país. Exageros a parte, esse texto é uma exemplar amostra da mentalidade racista que permanecia nas p á g i n a s da Revista de Imigração e Colonização. tados c o m o tarados, perturbados, neurosados e a t é "psicopatas incubados", cheios de complexos. A solução, no entanto, dependia dos milagres da 'ciência moderna' que, por sua vez, vinha atrelada à necessidade de se criar, numa primeira instância, um grupo médico consciente da urgência de se adotar uma política imigratória preventiva e higiênica. Lira Cavalcanti considerava necessária a criação de uma consciência médica e higiênica entre os nossos Os médicos psiquiatras colaboradores da homens públicos, é necessário valori- revista viam com terror a possibilidade zar tanto o brasileiro nato como incrementar em grande escala a imigração de elementos sadios, realizar uma triagem rigorosa entre os ádvenas, tanto adultos como crianças, sem distinção de nacionalidade, uma seleção perfeita, principalmente quanto às suas características neuropsíquicas, uma seleção de modo a náo permitir que se integrem e permaneçam no meio gregário brasileiro, indivíduos tarados, perturbados e exaustos pela guerra, neurosados e psicopatas incubados, cheios de complexos, desajustados, enfim, imigrantes que náo servem porque vêm em lugar de nos ajudar, vêm como peso morto.*' (grifo meu). Imigrante s u b s i d i a d o p e l o C o m i t ê Internacional para as M i g r a ç õ e s E u r o p é i a s ICIME) e e m p r e g a d o em I n d ú s t r i a n o Brasil. M i g r a t i o n s Internationales. Le role des mouvements mlgratolres dans le monde contemporaln, G e n e b r a , v. 1, n . 1, 1963. p á g . 6 2 . j u l / d e z 1997 Mas o papel salvacionista n ã o cabia apenas aos m é d i c o s e a o s p o l í t i c o s . Ao pedagogo t a m b é m era atribuído um papel importante, segundo Deusdedit Ara- V R O ujo." A ele cabia a o r i e n t a ç ã o da assi- Também Emílio Willems, em seu artigo "O milação do imigrante, contribuindo, des- problema da imigração japonesa", data- ta forma, para a construção de um Bra- do de 1946, denuncia o preconceito e o sil maduro, civilizado e que, assistido por r a c i s m o e x p l i c i t a d o s na técnicos de todos os campos do conheci- a n t i n i p ô n i c a , b e m c o m o o m i t o da mento, teria condições de se assemelhar i n a s s i m i b i l i d a d e de algumas r a ç a s . aos Estados Unidos, considerado como "a Willems denuncia a atitude de alguns mais bela mundo", publicistas que, utilizando argumentos e que, por sua falsamente científicos, predispõem a opi- vez, possuía uma política imigratória bas- nião pública contra a "imigração amare- tante restritiva. la". Afirma que esses autores s ã o segui- Raramente encontram-se na Revista de dores de Qobineau ou Lapouge, acusan- Imigração e Colonização posições contrá- do-os de racismo dissimulado. O objeti- rias a este discurso intransigente sobre vo de Willems é salvaguardar a respon- o imigrante. Uma exceção é o artigo de sabilidade da antropologia e diferenciar Francisco de Assis Chateaubriand, que os posicionamentos científicos daqueles defendendo a livre i m i g r a ç ã o alertava marcados pelo racismo. para o absurdo do preconceito em rela- Estas opiniões divergentes achavam-se ção aos a l e m ã e s e japoneses: cercadas e enfraquecidas pelo discurso civilização "amálgama de r a ç a s " , 43 do campanha 4 6 Nós pagamos o mesquinho resgate da autoritário e intolerante disfarçado sob nossa condição de terra atrasada, que a forma da moderna ciência. Pacheco Sil- vive a levantar todo dia fantasmas com va chegou a sugerir medidas e u g ê n i c a s as colônias estrangeiras que labutam como a esterilização em massa dos maus conosco. Até contra nossos irmãos elementos e o exame pré-nupcial obri- portugueses já investiu o nosso boçal gatório, pois, como médico que era, con- jacobinismo. siderava como "(...) falsa c o m p r e e n s ã o 44 Assis Chateubriand, jornalista polêmico, da liberdade permitir que se perpetuas- dono dos Diários Associados, manteve sem estirpes degeneradas (...)"." relações dúbias com o governo Vargas e A Alemanha nazista j á adotara medidas declarava-se simpatizante do fascismo, com esse caráter e no Brasil dos anos além de ter sido acusado de atitudes de 1930 e 1940 não foram poucos os de- anti-semitas nos anos de 1930. Apesar fensores desta política repressiva, esta- de defender neste texto de 1945 uma po- belecendo prescrições e u g ê n i c a s que, no sição de tolerância, permitiu, ao mesmo entanto, nunca foram oficializadas. tempo, a p u b l i c a ç ã o de vários artigos Napoleão Lopes, em "Colônias para os es- preconceituosos em seus jornais. Artigos trangeiros que ingressarem irregular- estes que depois foram reproduzidos pela mente no território brasileiro", em 1946, Revista de Imigração considerou necessária a criação de colô- 45 e Colonização. J a n e l r o . v. 10, n ° 2. pp. 5 S - 7 0 . Jul/dez 1997 48 - pág.63 C A E nias administradas pelo governo federal (...) para os deslocados de guerra, cujo sis- bastam ao Brasil os cinco m i l h õ e s que tema de funcionamento e o r g a n i z a ç ã o s o m o s , os deveria ser um "misto de comunismo e p l a n a l t i n o s de fascismo — o comunismo oferecendo a Grosso e G o i á s , sem falar nos a u t ó c t o - sua essência colonizadora e o fascismo nes do Sul e da A m a z ô n i a , aos quais as suas faculdades policiais e penitenci- estes quatro s é c u l o s de c i v i l i z a ç ã o pas- árias". 49 de m o n g o l ó l d e s a s s i m i l á v e i s (sic) nortistas, n o r d e s t i n o s e Minas, Bahia, Mato saram indiferentes a sua inferioridade Assim, os refugiados seriam mantidos sob vigilância em verdadeiras colônias penais ou talvez campos de concentração. s o m á t i c a patenteada numa decadên- cia i n c o n t e s t á v e l que marcha para a e x t i n ç ã o talvez n ã o m u i t o r e m o t a , oriunda do meio insalubre a que n ã o lio discurso oficial do pós-guerra temos a p e r m a n ê n c i a de uma retórica nacionalista impregnada de conceitos fundamentados na ciência eugênica, que condicionava o desenvolvimento étnico e c i v i l i z a t ó r i o do p a í s a uma p o l í t i c a p o d e r ã o vencer sem a c i ê n c i a e sem o governo. Ainda b e m , porque n ã o é p o s s í v e l um povo forte ser c o n s t i t u í d o de homens fracos, nem, tampouco, fazer uma grande n a ç ã o com um povo c o n s t i t u í d o de doentes. 50 (grifo meu). imigratória em defesa do branqueamento da raça. Com raras exceções, as opi- A política i m i g r a t ó r i a niões emitidas através da Revista de Imi- portanto, em garantia para um futuro transformou-se, gração e Colonização, a p ó s 1945, vinham promissor. O Brasil deveria se posicionar ainda impregnadas de idéias racistas de- como avesso ao 'estranho' buscando a fendidas pelo nazi-fascismo. A n t ô n i o homogeneidade racial que, por sua vez, Xavier de Oliveira, em dezembro de 1946, sustentaria a n a ç ã o que se formava. A não ocultava suas posições anti-semitas ciência atrelada ao Estado seria a res- e antinipônicas, indiferente à s notícias so- ponsável pela criação do futuro Brasil, bre crimes nazistas que, nesse ano, j á livre dos entraves representados eram manchetes na grande imprensa na- 'maus elementos' que vinham de fora, cional e internacional, nesta é p o c a , o mas t a m b é m pela p e r m a n ê n c i a de uma mundo inteiro ainda estava sob o impac- população nativa fraca e doente. A solu- to da divulgação do que o III Reich arti- ção era a seleção eugênica e racial dos culara, acobertado pela ciência moder- imigrantes e o abandono das p o p u l a ç õ e s na, em prol de uma raça pura. Para Xavier carentes a sua própria sorte, levando-as de Oliveira, à extinção. pelos 51 o Brasil n ã o deve ser a terra prometida Para que possamos compreender esse de Israel nem S ã o Paulo e a A m a z ô n i a posicionamento intransigente e, poderí- a N a n c h ú r i a do amos dizer, antiético, devemos nos re- p á g . 6 4 , jul/dez 1997 futuro. O V R meter aos princípios da eugenia e como vam a simplificações para facilitar a com- ela é ainda hoje exaltada no sentido de p r e e n s ã o dos leitores. Chegou-se a com- trazer a felicidade futura e criar um mun- parar o imigrante a uma m á q u i n a e o do sem d o e n ç a s ou imperfeições, nitida- processo imigratório ao processo de in- mente, e s t á caracterizada a ânsia pelo d u s t r i a l i z a ç ã o , dependente sempre de controle do devir histórico e a crença na planejamento. Segundo Valentim Bouças, possibilidade de uma p o p u l a ç ã o gover- a interrupção do fluxo imigratório trans- nada pela ciência. Os avanços da genéti- formaria o Brasil em "uma indústria que ca t ê m mantido a atualidade dessas não renova suas m á q u i n a s . Estas enve- questões." lhecem, os custos aumentam, os desperdícios crescem". A REVISTA Bouças referia-se ao imigrante de maneira muito técnica, mas DE IMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO 55 NOS ANOS DE 1950 encarava-o t a m b é m , retomando a m e t á fora do corpo, como sangue novo, impor- a d é c a d a de 1950, e especialmente no volume da de Imigração e Revista tante na formação do tipo étnico brasileiro. Colonização publicado em 1 9 5 5 , a s s u m i u - s e um nos artigos publicados pela Revista posicionamento mais t é c n i c o visando, sobretudo, uma solução para o proble- 1950, persistia a p r e o c u p a ç ã o com a for- ma da distribuição dos imigrantes no ter- m a ç ã o dos quistos raciais. Mo entanto, a ritório nacional. Isto n ã o significou, no maioria dos autores ataca a teoria da entanto, idéias inassimibilidade de algumas raças trans- preconceituosas anteriormente utilizadas. ferindo a culpa da formação dos quistos Continuou-se clamando, com mais inten- para a s i t u a ç ã o de isolamento em que sidade, pela imigração de técnicos, agri- eram mantidos os imigrantes. abandono das e Colonização de Imigração na d é c a d a de 56 53 cultores e operários qualificados. O imi- A introdução de refugiados de guerra per- grante pemaneceu sendo visto, pela manece como q u e s t ã o de s e g u r a n ç a na- grande maioria dos autores, como bra- cional. Apesar de defendida por alguns, ço, ou seja, como elemento de produção, que tentavam demonstrar o proveito que independente de sua posição enquanto o Brasil poderia tirar destes imigrantes, indivíduo. Alguns autores, como Antônio muitos pensavam como Antônio Vieira de Vieira de Melo, chegaram a acrescentar Melo, que os chamava de "parasitas de um cérebro asfalto e das boites": a esse braço, mas desde que esse fosse um cérebro assimilado: " bra- ço qualificado e cérebro afim do nosso, 5 que aqui se irmane conosco". * Mesmo a t r a v é s do crivo de uma comiss ã o militar infiltraram-se entre os aceitos As metáforas, como sempre, se presta- falsos t r a b a l h a d o r e s , que aqui aportaram ostensivamente mais dls- Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 5 3 - 7 0 . Jut/dez 1997 - pág.65 A C postos ao parasitismo do asfalto e das E A 'DEMOCRACIA' INTRANSIGENTE 'boites', de todo alheios à luta porfia- Y o discurso oficial enunciado da no amanho da terra ou em qual- através da Revista de Imigra- quer outra forma á r d u a de c o n s t r u ç ã o ção e Colonização, da riqueza e do bem-estar." nos anos de 1940 e 1950, os imigrantes foram O conselheiro do CIC e autor do relatório sobre a imigração holandesa e italiana, publicado em 1952, J o s é Caracas, foi ainda mais longe. Para ele os refugiados s ã o nada menos do que o classificados por rótulos e de acordo com critérios preconceituosos. Sua história lhes foi negada, bem como sua identidade étnico-cultural e individualidade. Eram sempre vistos como um e s p é c i m e a ser pior r e s í d u o humano que imaginar se selecionado, nos moldes do cientificismo p o s s a . (...) do século XIX. deveríamos rejeitar in limine quaisquer entendimentos nesta questão tal é o grau de A mensagem não era unívoca visto que imprestabilidade desses elementos. É diferentes opiniões circulavam pela re- um rebutalho humano, sem profissão, vista, mas a essência do discurso se con- sem dignidade, sem capacidade, em serva. O trinômio suspeita, vigilância, eli- cujo seio figuram i n d i v í d u o s tarados, minação, propagandistas ocultos de ideologias seu artigo "O discurso da intolerância: r e a c i o n á r i a s e altamente perigosos ao fontes para o estudo do racismo", nosso p a í s . " presente nas linhas e entrelinhas deste analisado por Tucci Carneiro em 61 está periódico, porta-voz do discurso oficial A constituição da nacionalidade dependia, para a maioria dos colaboradores da revista, de uma rigorosa seleção, sendo que os indesejáveis continuavam sendo os mesmos, apesar de não encontrarmos explicitamente r e f e r ê n c i a s ao perigo amarelo ou semita. Doentes, refugiados de guerra, n ã o católicos, comerciantes, não deveriam fazer parte da "democracia racial brasileira", 59 nem mereciam a nossa "hospitalidade cordial". A formação do caráter nacional persistia como forma para se justificar a discriminação ao 'outro', expressando a posição do go- sobre a imigração. Levantava-se a suspeita da entrada no país de 'elementos perniciosos', propunha-se a vigilância constante por parte das m i s s õ e s diplomáticas e a 'eliminação' dos 'indesejáveis', impedindo sua entrada através de uma rigorosa seleção ou promovendo seu repatriamento através da a ç ã o repressiva da polícia política. Assim, as decisões deveriam reservar-se aos m é d i c o s e à s autoridades policiais, enquanto ao pedagogo cabia a responsabilidade pela assimilação daquele que j á se encontrava radicado no país. verno brasileiro que demonstrava n ã o saber conviver com as d i f e r e n ç a s . p á g . 6 6 . Jul/dez 1997 60 Esse discurso se prestou para legitimar O V R a práxis discriminatória em relação ao no Rio de Janeiro, a respeito de uma re- imigrante, dificultando-se a entrada no portagem de J o s é Leal sobre a hospeda- país de refugiados de guerra, que eram ria da ilha das Flores. na sua maioria judeus e exilados políticos." J o s é Leal critica a falta de seleção rigorosa dos imigrantes, denunciando que a Cabe ressaltar que a Revista de Imigra- hospedaria estava repleta de inúteis, ção e Colonização principal- não eram agricultores nem técnicos, mas mente, junto aos ó r g ã o s públicos e à s gente para a cidade, o que traria conse- autoridades diretamente envolvidas com qüências funestas para o Brasil. Rubem a questão imigratória e as á r e a s de co- Braga pede licença para discordar do lonização do país. Ou seja, atingia, es- r e p ó r t e r e encaminha sua crônica em pecificamente, grupos de decisão defesa ponsáveis pela práxis circulava, res- desses imigrantes que não de uma política especializados, de origens diversas, e imigratória mais ou menos restritiva. que, se não correspondem ao tipo ideal Sabe-se, todavia, que grande parte dos sonhado, artigos deste periódico j á haviam sido patrimônio de sua inquietação e de seu publicados pela grande imprensa de vá- apetite de vida". "trazem pelo menos o rios estados, ficando claro que estas idéias eram veiculadas junto à opinião públi- Suas últimas linhas podem ser lidas como ca. Uma investigação sistemática a esse resposta à q u e l e s que pregavam uma po- respeito com base nos ó r g ã o s da grande lítica i m i g r a t ó r i a restritiva e medidas imprensa permitiria elucidar como essa eugênicas com o intento de veiculação se dava. dar a n a ç ã o : Vemos, portanto, que o período da chamada 'redemocratização' do Brasil, proclamado muitas vezes como é p o c a de participação, m o d e r n i z a ç ã o , progresso, desenvolvimento, trazia, no discurso oficial, o peso de um pensamento intransi- salvaguar- Sejamos humildes diante da pessoa humana: o grande h o m e m do Brasil de a m a n h ã pode descender de um clandestino que neste momento e s t á saltando assustado na p r a ç a Mauá, e n ã o sabe onde ir, nem o que fazer. Façamos uma política de i m i g r a ç ã o s á b i a , gente. perfeita, materialista; mas deixemos Mão obstante, vozes contrárias à intole- uma pequena margem aos inúteis e rância se levantaram, mostrando-nos a aos vagabundos, à s aventureiras e aos possibilidade da d i s s e n s ã o . neste senti- tontos porque dentro de algum deles, do, lembremos da crônica "Imigração", como sorte grande da f a n t á s t i c a lote- de Rubem Braga, escrita em janeiro de ria humana, pode vir a nossa reden- 1952 e publicada no Correio da Manhã ç ã o , a nossa g l ó r i a . Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 53-70, j u l / d e z 1997 - pág.67 A N 1. C O T E A Maria Luiza TUcci Carneiro, O anti-semitismo Paulo, Brasiliense, 1995, p. 184. S na era Vargas (1950-1945), 2*- ed. S ã o 2. Idem, ibidem, p. 151. 3. C o í e ç ã o das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, atos do Poder Executivo, v. (7), out./dez. de 1945, pp. 378-390. , 4. Revista de Imigração e Colonização (RIC), v. 1, mar. de 1945, p. 12. A revista s e r á a partir de agora identificada nas notas pela sigla RIC. 5. A n t ô n i o Xavier de Oliveira e A n t ô n i o Carlos Pacheco e Silva foram deputados constituintes e m 1934, tendo uma p a r t i c i p a ç ã o ativa na campanha a n t i n i p ô n i c a . Ver n a v i o V e n â n c i o Luizetto, Os constituintes em face da imigração: estudo sobre o preconceito e a discriminaç ã o racial e é t n i c a na Constituinte de 1934, d i s s e r t a ç ã o de mestrado apresentada ao Departamento de História da FFLCH-USP. 1975. 6. RIC, v. 2, j u n . de 1946, p. 243. 7. RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 57. 8. Alcir Lenharo, S a c r a í i z a ç á o da política. 112. 9. "Da profilaxia psicoracial da i m i g r a ç ã o para o continente americano", RIC, v. 4, dez. de 1946, p. 710. O c o n t e ú d o deste artigo foi publicado novamente em 1948 na mesma revista, v. 4, dez., pp. 3-28, sob o t í t u l o "Da i n c i d ê n c i a das psicoses nos estrangeiros no Brasil", com pequenas a l t e r a ç õ e s . Campinas, Papirus/Editora da Unicamp, 1986, p. 10. Michel Foucault, estudando a p o l í t i c a de s a ú d e no s é c u l o XVIII, demonstra como foram tomadas as primeiras medidas de "esquadrinhamento da p o p u l a ç ã o " , no momento em que a d o e n ç a passa a ser considerada um problema p o l í t i c o - e c o n ô m i c o e o Estado assume a funç ã o de elevar o nível de s a ú d e do "corpo social". Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Qraal, 1995, pp. 194-196. 11. Fernando Mibielli de Carvalho, "Imigração: um problema nacional", RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 59. 12. Jaime Poggi, "O papel do m é d i c o na r e a l i z a ç ã o do magno problema", RIC, v. 2, j u n . de 1946, p. 160. 13. J . F. Mormano, " T e n d ê n c i a s brasileiras", RIC, v. 4, dez. de 1945, p. 490. 14. RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 37. 15. Michel Foucault, op. cit. 16. Angela M. de Castro domes, "A c o n s t r u ç ã o do homem novo", em Estado tlovo - ideologia poder. Rio de Janeiro, Zahar, 1982. e 17. "Debates na Academia nacional de Medicina sobre os problemas da i m i g r a ç ã o e tuberculose", RIC, v. 2-3, mai./set. de 1945, pp. 316-318 e S e b a s t i ã o Hermeto J ú n i o r , "Valorização do brasileiro e a i m i g r a ç ã o estrangeira", RIC, v. 3, set. de 1946, p. 491. 18. Jaime Poggi, RIC, v. 2, jun. de 1946, p. 165. 19. L o u r e n ç o Mário Prunes, "Aspectos do problema i m i g r a t ó r i o " , RIC, v. 2, 2 214-215. o sem., 1950, pp. 20. Todorov {tios e os outros: a r e f l e x ã o francesa sobre a diversidade humana, v. 1, Rio de Janeiro, Zahar, 1993), sintetiza as teorias racialistas que vigoraram durante o s é c u l o XIX e que segundo Lilia Schwarcz foram incorporadas por intelectuais brasileiros. Ver Lilia Moritz Schwarcz, O espetáculo das raças: cientistas, i n s t i t u i ç õ e s e q u e s t ã o racial no Brasil - 18701930, S ã o Paulo, Companhia das Letras, 1993. A Sociedade E u g ê n i c a de S ã o Paulo foi fundada em 1917 Dor Renato Khel e o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia se realizou em 1929 no Rio de Janeiro. Ver Flávio V e n â n c i o Luizetto, op. cit. 21. "Puericultura e I m i g r a ç ã o " , RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 140. 22. RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 198. 23. RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 198. p á g . 6 8 . Jul/dez 1997 V R O 24. Maria Luiza Tucci Carneiro, op. cit. 25. RIC, v. 2, jun. de 1946, p. 270. 26. "A e d u c a ç ã o do imigrante", RIC, v. 3, set. de 1946, p. 303. 27. Fernando Mibielli de Carvalho, op. cit., p. 63. 28. Joaquim Pimenta, " S i t u a ç ã o j u r í d i c a do trabalhador a l i e n í g e n a no direito brasileiro", RIC, v. 4, dez. de 1945, p. 426. 29. Deusdedit Araújo, " I m i g r a ç ã o e eugenia", RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 102. 30. M. Paulo Filho, "A nova i m i g r a ç ã o " , RIC, v. 3, set. de 1946, p. 498. 31. RIC, v. 2, jun. de 1946, p. 160. 32. "Bases para um plano de c o l o n i z a ç ã o " , RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 130. 33. Relatório do delegado especializado de estrangeiros de S ã o Paulo encaminhado ao s e c r e t á rio de S e g u r a n ç a Pública, RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 197. 34. A esse respeito ver, de Maria Luiza TUcci Carneiro, o c a t á l o g o da e x p o s i ç ã o Brasil, um refúgio nos trópicos, S ã o Paulo, E s t a ç ã o Liberdade, 1996. Ver t a m b é m , da mesma autora, O antisemitismo na era Vargas, op. cit., p. 343. 35. Deusdedit Araújo, op. cit., p. 109. 36. Idem, ibidem. 37. RIC, v. 2, jun. de 1946, p. 240. 38. Michel Foucault, op. cit. 39. Flávio V e n â n c i o Luizetto, op. cit. 40. RIC, v. 4, dez. de 1946, p. 706. 41. RIC, v. 2, j u n . de 1946, p. 240. 42. RIC, v. 1, mar. de 1946, p. 110. 43. Colares J ú n i o r , "A r e v o l u ç ã o da Norte-América", RIC, v. 1, mar. de 1945, p. 190. 44. Francisco de Assis Chateaubriand, " C o l o n i z a ç ã o g e r m â n i c a " , RIC, v. 4, dez. de 1945, p. 471. 45. Fernando Morais, Chato: o rei do Brasil, S ã o Paulo, Cia. das Letras, 1994. 46. RIC, v. 2, Jun. de 1946, p. 276. 47. A n t ô n i o Carlos Pacheco e Silva, "Medicina e higiene", RIC, v. 2, Jun. de 1946, p. 275. 48. Alcir Lenharo, op. cit., p. 79. 49. RIC, v. 4, dez. de 1946, p. 732. 50. RIC, v. 4, dez. de 1946, p. 703. 51. E importante salientar que Xavier de Oliveira havia se dedicado ao estudo do sertanejo na obra Beatos e cangaceiros: h i s t ó r i a real. O b s e r v a ç ã o pessoal e i m p r e s s õ e s p s i c o l ó g i c a s de alguns dos mais c é l e b r e s . Rio de Janeiro, Revista dos Tribunais, 1920. 52. Para se ter uma i d é i a desta atualidade, ver o artigo de Osvaldo Frota-Pessoa "Raça e eugenia", em Lilia Moritz Schwarcz e Renato da Silva Queiroz (orgs.). Raça e diversidade, S ã o Paulo, EDUSP/Estação C i ê n c i a , 1996, pp. 29-45. Segundo Frota-Pessoa, a solidariedade e o antagonismo t ê m bases g e n é t i c a s "É natural, portanto, que sejamos nepotistas, bairristas corporativistas, patriotas e x e n ó f o b o s " (p. 32). Para esse autor, a t r a v é s de medidas e u g ê n i c a s como a s e l e ç ã o artificial chegaremos a um mundo melhor, mas para isto é n e c e s s á r i o esperar a c o n s o l i d a ç ã o dos regimes d e m o c r á t i c o s e maiores a v a n ç o s da g e n é t i c a para que n á o haja d i s t o r ç õ e s p o l í t i c a s no emprego dessas medidas (p. 42). 53. "A i m i g r a ç ã o no Brasil", RIC, Mova Fase, 1955, p. 11. 54. "Imigração e s p o n t â n e a e i m i g r a ç ã o dirigida", RIC, v. 1, I o sem., 1951. 55. Valentim F. B o u ç a s , " I m i g r a ç ã o n á o é despesa, é capital", RIC, v. 2, 2 o 56. Alberto Querreiro Ramos, "Imigração e mortalidade Infantil", RIC, v. 1, I sem., 1950, p. 258. o sem., 1950, p. 140. Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 53-70, J u l / d e i 1997 - p á g . 6 9 57. RIC, v. 1, I o sem., 1950, p. 151. 58. J o s é Caracas, RIC, v. 1, 1952, pp. 73-74. 59. " I m i g r a ç ã o Japonesa", editorial da Folha Carioca, RIC, v. 1, I o sem., 1952, p. 168. 60. Maria Luiza Tucci Carneiro, " R e p ú b l i c a , identidade nacional e anti-semitismo". História, n°*. 129-131, ago./dez. de 1993 a ago./dez. de 1994, p. 156. 61. M. do Carmo Sampaio Di Creddo (coord.), fontes históricas: UNESP, 1996, pp. 21-32. Revista de abordagens e m é t o d o s , Assis, 62. Leonardo Senkman, "La p o l í t i c a inmigratoria dei primer peronismo respecto de los refugiados de ia postguerra: una perspectiva comparada con Brasil, 1945-1954", em B. Qurevich e C. Escude (orgs.), El genocídio ante la historia y la naturaleza humana, Buenos Aires, Universidad Torcuato Di Telia/Grupo Editor Latinoamericano, 1994, pp. 263-298. A B S T R A C T This article analizes the regulation of immigration in Brazil. In this way, the Immigration and Colonization Magazine (Revista de Imigração e Colonização), published between 1940 and 1955 by the Immigration and Colonization Council, was one of the official channels of publishing the procedures related to the entrance of immigrants. Therefore. the immigrants are firstly selected by their physical, professional and racial qualities. However, in the 1950s, the Immigration and Colonization Magazine took up a more technical position respecting the problem of the distribution of immigrants in the national territory. R É S U M É Cet article a pour but analyser le controle de I' immigration au Brésil. Dans ce contexte, la R é v u e d' Immigration et Colonisation (Revista de Imigração e Colonização), p u b l i é e entre 1940 et 1955, par le Conseil d' Immigration et Colonisation, a é t é un des canaux officiels de divulgation des directrices relatives à I' e n t r é e des immigrants. Alnsi, d' abord lis sont s é l e c t l o n n é s par ses q u a l i t é s fisiques, professionnelles et raciques. Cependant, à la d é c a d e de 1950, la R é v u e d' Immigration et Colonisation a a s s u m é e une position plus technique par rapport à le p r o b l è m e de la distribution des immigrants dans le territoire national. Gladys Sabina Ribeiro Professora do Departamento de História da UFP. "Immigos IVIascarados c o m o T í t u l o de C i d a d ã o s A vigilância e o controle soore os portugueses no R i o de J a n e i r o <rlo P r i m e i r o R e i n a d o M: esmo com toda a admi- Brasil' para confeccionarem listas ração que d. J o ã o tinha semelhantes, observando todos os es- .pela arte e pela cultu- trangeiros que entrassem nos portos, ra que os estrangeiros pudessem vindos de e m b a r c a ç õ e s nacionais ou trazer para a Colônia, em 1808 esse so- estrangeiras. Pedia-se-lhes para compa- berano ordenou ao conselheiro Paulo recerem à polícia com a finalidade de Perraz Viana, ouvidor-geral do crime da apresentarem declarações de onde pre- Relação, através do conde de Linhares, tendiam morar e quem eram as 'pessoas ministro e secretário de Estado dos ne- portuguesas que conheciam'. Essas or- gócios da Querra e Estrangeiros, que fi- dens foram cumpridas com urbanidade e zesse um alistamento de todos os estran- delicadeza, pois o príncipe regente havia geiros residentes na Corte. Deveria con- recomendado que os estrangeiros fossem ter nome, emprego e nação a que per- 'tratados com bondade'. tenciam. Tal e s c r i t u r a ç ã o foi feita por Embora se valorizasse a p r e s e n ç a dos Micolau Viegas Proença e enviada para estrangeiros, todo cuidado era pouco. A aquele ministério no final do m ê s de mar- cidade estava recebendo a Corte e tor- ço. Assim que a Intendência de Polícia foi nava-se a capital do Império p o r t u g u ê s . criada, remeteu-se ordem a todos os A s e g u r a n ç a era fundamental. Entretan- 'ouvidores das comarcas dos estados do to, não cabia magoar aqueles que tinham Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 71-96, j u l / d e z 1997 - p á g . 7 1 A E C escoltado os portugueses da Europa à e s a í d a s . ' Portanto, vigiar os imigrantes, distante América. Nem mesmo outros es- mesmo discretamente, sempre foi tare- trangeiros que quisessem contribuir para fa das autoridades policiais, em conso- o engrandecimento da capital, até e n t ã o nância com as ordens governamentais. com ares acabrunhados e que agora co- Mas, acontecimentos externos à América m e ç a v a m a usufruir dos benefícios co- portuguesa reavivaram as p r e o c u p a ç õ e s nhecidos na Europa. reais e as providências com relação aos Um pouco mais tarde, em 1818, houve estrangeiros. Em 24 de agosto de 1820, uma nova matrícula geral de estrangei- iniciou-se a Regeneração Portuguesa na ros. For essa ocasião, deu-se aos matri- cidade do Porto. A 17 de outubro do mes- culados um atestado com o qual poderi- mo ano, chegaram ao Rio de Janeiro as am circular livremente pelos domínios de primeiras notícias sobre a revolução; e a Sua Majestade. Além disso, mensalmen- 28 do mesmo m ê s entrou no porto o bri- te, fazia-se um mapa dos que entravam gue mercante Providência e s a í a m , totalizando quantos existiam. mais concretas. O 'Povo e a Tropa' sau- Contudo, como muitos ausentavam-se daram as idéias de liberdade que amea- sem passaportes e as ordens de apre- çavam o absolutismo p o r t u g u ê s sediado s e n t a ç ã o na polícia eram descumpridas, no Brasil; elas eram encaradas como a I n t e n d ê n c i a deixou de executar este franco e aberto desafio ao rei. serviço. Continuava, entrementes, a re- Portanto, com tantas a m e a ç a s liberais, alizar as costumeiras visitas a bordo, não se estranha que a a t e n ç ã o e o zelo cuidando da inspeção geral das entradas dispensados aos estrangeiros tivessem com novidades 2 • E m b a r q u e d a f a m í l i a real p o r t u g u e s a para o Brasil em 27 de n o v e m b r o d e 1807. G r a v u r a a t r a ç o d e F. Bartolozzi a partir d o d e s e n h o de H. L E v e q u e . A r q u i v o N a c i o n a l . p á g . 7 2 , jul/dez 1997 V R O sido renovados com o decreto de 2 de ponsabilizariam pela informação e vera- dezembro de 1820, que regulou as en- 3 cidade dos documentos. Para os desem- tradas na Corte. Deste modo, consolida- barcados fora do porto do Rio de Janei- ram-se em forma de lei as medidas prá- ro, as medidas seriam semelhantes. ticas de 1808 e 1818, tomadas com o devido cuidado para não ofender os ilus- Assim, pretendia-se controlar a má influência, vinda especialmente de portos tres visitantes. europeus, dos portugueses ou de regi- Doravante, mestres e comandantes de embarcações declinariam nomes, empregos e o c u p a ç õ e s dos passageiros que trouxessem a bordo. Caso omitissem ou mentissem, se denunciados, pagariam õ e s afetadas pelas idéias francesas de liberdade. Evitavam-se os exemplos peninsulares de Portugal e Espanha. Tentava-se t a m b é m controlar a clandestinidade e a população imigrante. multa de 100$000 réis por cada passageiro, sendo a metade para o denunci- Entretanto, apesar de esta lei continuar ante e a outra parte para a Intendência. vigorando a p ó s a Independência, o peri- Para desembarcar, todos os adventícios go representado pelo estrangeiro era ou- teriam que ter passaporte. A lei cuidava tro; não mais as idéias liberais. A preo- o em alertar que de I de junho em diante cupação passou a ser especificamente os as medidas recrudesceriam. Quem vies- 'portugueses'. Através do decreto de 14 se para o Brasil deveria ter o passaporte de janeiro de 1823, o governo estipulou passado por embaixador p o r t u g u ê s ou princípios para a entrada e estabeleci- ministro encarregado dos Negócios de mento dos lusos no Brasil. Náo era pos- Portugal. Quem desobedecesse a norma sível continuar com a "arriscada admis- legal não poderia desembarcar ou resi- são franca dos súditos de Portugal em um dir em qualquer parte do Reino, a n á o país com o qual aquele Reino se acha em ser com portaria assinada por algum mi- guerra". Era preciso acautelar-se nistro e secretário do rei. O infrator se- causas de desassossego e d i s c ó r d i a , ria multado t a m b é m no valor de 100$000 mantendo a honra e a dignidade. Daque- réis, como os comandantes e mestres das la data em diante, o súdito português que embarcações. As exceções ficariam por quisesse residir temporariamente aqui conta dos militares e das pessoas em deveria prestar fiança i d ô n e a do seu das missão política, obrigadas a trazerem comportamento diante do juiz territorial. algum tipo de despacho. De igual manei- Seria reputado súdito do Império enquan- ra, seriam dispensados das formalidades to aqui ficasse, sem que, contudo, go- de visita e a p r e s e n t a ç ã o de passaporte zasse foros de cidadão brasileiro. Além os que já viessem com portaria assinada disso, se viesse para se estabelecer 'pa- por ministro de Estado ou s e c r e t á r i o . cificamente', a fim de ser considerado c i - Mesmo assim, os comandantes se res- d a d ã o brasileiro, teria por o b r i g a ç ã o Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2, pp. 71-96, jul/dez 1997 - pág.73 6 apresentar-se à Câmara e "prestar sole- Macau. ne juramento à causa do Brasil e ao im- nha se declarado negociante e outro fun- perador". Embora somente um deles te- cionário público, é bem possível que na 4 Fruto deste decreto, encontramos os 'ter- sua maioria fossem negociantes. 7 mos de a d e s ã o ' de alguns portugueses O decreto mencionado foi suspenso por na Câmara. lio geral, eram bastante se- outro datado de 20.11.1823, acompanha- melhantes. Seu formato era o seguinte: do pela portaria de 3.1.1824 e por um Aos (data) nesta Corte do Bra- sil em os P a ç o s do limo. Senado em auto de V e r e a ç ã o que fazendo e s t a r ã o o d e s e m b a r g a d o r juiz presidente e mais oficiais do limo. Senado aí apareceu presente ral de (fulano) natu- (lugar de Portugal) lícia à Câmara da cidade do Rio de Jan e i r o , c o m c ó p i a s para as vilas de ltaguaí, Pati do Alferes, São J o ã o do Príncipe, Macacú, Resende, Praia Grande e Cabo Frio. O primeiro decreto julgava "incompatíveis (tal lugar) com a segurança interna" do Império as (na Corte, por exem- medidas de janeiro de 1823 e suspendia, do proximamente de estabelecer-se vin- ofício de 8.1.1824, do intendente da po- onde j á reside h á (tantos temporariamente, as condições para que anos ou desde tal data) e pelo alguém fosse considerado súdito, dele- desembargador juiz presidente lhe foi gando à Assembléia Qeral tal tarefa. A deferido o juramento dos Santos Evan- alegação era a de "manter segura a tran- gelhos prometendo guardar fidelida- qüilidade dos povos", que podia ser "per- de e a d e s ã o à causa do I m p é r i o sujei- turbada com a afluência de inimigos mas- tando em tudo e por tudo as leis do carados com o título de c i d a d ã o s " . plo) p a í s como c i d a d ã o dele e obedecendo no seu imperador e por constar fez este termo. Assinaturas: 8 Já a portaria e o ofício pediam a remessa das listas de estrangeiros que tives- 5 sem atendido ao decreto de 14.1.1823 e Estes termos foram encontrados em to- feito os devidos juramentos. Chegando dos os meses do ano de 1823 até janeiro depois de 20 de novembro e n ã o os ten- de 1824. A maioria dos lusitanos vinha do feito, deveriam apresentar-se para o da cidade do Porto, seguida daqueles que cumprimento de suas obrigações e "para partiam de Lisboa e de outros que j á re- se proceder na mesma maneira". Tam- sidiam no país, e que se deslocavam da bém aqueles que não tivessem respeita- Bahia e de Pernambuco para o Rio de Ja- do o primeiro decreto deveriam ser de- neiro, m u d a n ç a provocada pelas perse- nunciados. Outra portaria, de 10.1.1824, guições frontais e sanguinolentas que so- complementava a datada de 3 do mesmo friam por lá. Havia ainda os provenien- mês, pedindo ao intendente que fizesse tes das ilhas atlânticas, de Angola e de as mesmas diligências com os presos e p á g . 74, j u l / d e z 1997 V R com os que chegassem em navios de guerra. O d o c u m e n t a ç ã o dos termos de a d e s ã o ' , encontramos os juramentos de Félix J o s é 9 dos Santos, J o s é Doro, Hipólito J o s é Com base nesses diplomas, o intendente publicou um anúncio no Diário Janeiro do Rio de convocando os portugueses que nâo cumpriram a legislação de 14.1.1823 Ferreira, J o s é Muniz, Domingos J o s é Leite, Domingos Rodrigues Lima e Joaquim Tavares Macedo, entre outros. Todos entre 1 7 e 2 1 de janeiro de e os que chegaram depois de 20.11.1823 1824." a comparecerem à sua presença, no pra- to, os avisos e porta- e n d e r e ç o s . Deveriam sair do I m p é r i o rias do final de 1823 imediatamente. O prestativo policial, en- e dos p r i m e i r o s tão, elaborou várias listas com prisionei- Triunfante (ou do Triunfo) no navio Leaí conde de São ja, Paquete, dias de j a n e i r o José de 1824. Amigos. nos brigues Vis- Finalmente, Triunfo Inve- 24.3.1824, a ques- galera Diana, na es- tão da cidadania por- Português, Lourenço, Baiana, e Três datas extrapolavam, em mui- zo de t r ê s dias, para anotar nomes e ros apreendidos nas sumacas São As da em e outras embarca- tuguesa foi parcial- ções. Muitos deles tinham feito escalas mente resolvida com a na Bahia e em Pernambuco e foram apri- outorga da Constitui- cuna Boa Esperança, sionados pela esquadra imperial. o o ção. O seu artigo 6 , parágrafo 4 , considerava cidadão brasileiro É evidente que estas medidas provocaram r e a ç õ e s e alguns problemas, n ã o sendo claras sobre o que fazer com os todos os nascidos em Portugal e suas p o s s e s s õ e s , que sendo j á residentes desembarcados depois de 20.11.1823, a no Brasil na é p o c a em que se Câmara continuou aceitando o juramen- mou a i n d e p e n d ê n c i a nas to de portugueses. Em aviso de 5.2.1824, onde habitavam, aderiram a esta, ex- João Severiano Maciel da Costa, na oca- pressa ou tacitamente, pela continua- sião ministro de Estado dos negócios do ç ã o da sua residência. procla- províncias, 1 2 Império, alertou para esta prática do Se- Apesar da Lei Magna naturalizar todos os nado da Câmara: ainda em 1824 aceita- que aqui se encontravam na época da In- va juramentos como o do p o r t u g u ê s J o ã o dependência e que nâo se tivessem ma- Batista Moreira, vindo do Porto. Isto co- nifestado contra o Brasil, j á que poderi- locaria, segundo pensava, o Império em am aderir à nacionalidade 'expressa ou apuros: o descuido poderia custar a se- tacitamente', as autoridades continuaram gurança interna. 10 Esse, é claro, não foi exigindo o juramento ou suspeitando de um caso isolado. Juntamente com ele, na todos os que fossem portugueses. 'Ser Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 71-96, jul/dez 1997 - pág.75 E C A p o r t u g u ê s ' era uma construção política e nos fins de 1823, o espírito republicano por isto poder-se-ia expulsar pessoas ressurgira nessas províncias, embalado consideradas inimigas, ou se exigir para pelos anseios federativos. A dissolução elas a lei, ou seja, o passaporte. Foram da Constituinte, a 12 de novembro de estes, por exemplo, os casos de Antônio 1823, revelava os ímpetos absolutistas de Brás, preso em Campos e remetido para d. Pedro I, fazendo uma e s p é c i e de 18 a Corte a fim de ser "mandado para fora Brumário. As Câmaras de Olinda e de Re- 3 do Brasil como vadio e suspeito";' o do cife negaram s a n ç ã o ao ato imperial e negociante J o s é Henrique da Silva, pre- enviaram moção receando "o mido a ausentar-se no prazo de oito dias, restabelecimento do antigo e sempre de- "pelas circunstâncias de ser súdito portu- testável despotismo". g u ê s , e como tal desafeto à causa do na verdade, a 'agitação' em Pernambuco Brasil", e que pediu o prazo de seis me- não ses para concluir n e g ó c i o s ; 14 de Paulo Jordan, J o s é Vaz de Oliveira, Teotônio cessara 18 desde A r e ó p a g o de I t a m b é , os 1 9 tempos do passando pelo movimento revolucionário de 1817 e pe- Simião, Antônio Francisco Munes, que las confusões políticas de a d e s ã o ou não presos na sumaca Três Amigos tiveram o ao Rio de Janeiro, na época da Indepen- prazo de sessenta dias para irem para dência. Ainda em abril do ano de 1823, portos europeus e, por último, de Acácio Cipriano J o s é Barata de Almeida iniciou Joaquim Correia, que pediu passaporte a publicação do para Buenos Aires.' Sentinela da Liberdade, 5 em Recife, considerado por muitos como Concretamente, o que atemorizava as preparador indireto da futura Confede- autoridades? Temia-se que os estrangei- ração do Equador, n ã o foi por acaso que, ros aqui estabelecidos agissem contra a logo dissolvida a Assembléia Constituin- causa do Brasil'. Vigiava-se igualmente te no Rio de Janeiro, aquele que havia para que os adventícios não trouxessem sido deputado baiano à s Cortes de Lis- idéias de liberdade contrárias à Indepen- boa foi preso e recolhido à fortaleza do visando a recolonizaçáo, a frag- Brum, onde permaneceu a t é 1830. Es- m e n t a ç ã o do território ou a instalação do tando Barata no catre, um discípulo seu regime republicano, ria verdade, os 'ne- e participante de 1817, frei Caneca, con- gócios políticos' seriam o motivo do pâ- tinuou divulgando i d é i a s republicanas nico. O alerta se fazia contra aqueles que através do jornal viessem de Portugal, com a "nova ordem gido a 25 de dezembro daquele mesmo das coisas" que imperava por lá, ou con- ano. Sem entrar numa análise detalhada tra os que viessem do nordeste do país, dos acontecimentos, cumpre registrar de regiões como a Bahia e Pernambuco, que, a 2 de julho, Manuel de Carvalho t a m b é m conhecidas pelo apreço aos ide- proclamou a Confederação do Equador. dência, 10 ais revolucionários. p á g . 76. jul/dez 1997 17 Tífis Republicano, sur- Portanto, mal d. Pedro conseguira debe- V H O lar as chamadas guerras da Independên- gente j á circulavam no país. O pruden- cia' no Morte e nordeste, a situação era te Estevão Ribeiro de Resende aconse- novamente crítica. O 'medo político' era in- lhava a confecção de um plano secreto terno e externo. Uma conspiração política ao ministro da Justiça: deveriam 'ex- interna poderia sagrar os princípios repu- pulsar' alguém de confiança e mandar blicanos no nordeste do país e estender essa pessoa para o Prata, como espião. suas teias ao Sul, além de a m e a ç a r a uni- Ali ela poderia descobrir os planos de dade. 20 Os que aportavam de fora do país Portugal a respeito do Brasil. Segundo poderiam conspirar contra o governo. Em desconfiava, os lusos usavam uma base janeiro de 1824, o correio era violado. Do- na América espanhola para espalhar mingos da Silva Pimentel havia chegado do idéias republicanas, enviando homens Porto no dia 18. Foi considerado suspeito ao território brasileiro, em especial à pela polícia: teria um 'nome suposto' e se Bahia focos do corresponderia com J o ã o Maria da Costa, aliciamento. proscrito da Ilha da Madeira, de onde ha- Dessa m a n e i r a , na c o n c e p ç ã o do via assinado termo de não mais lá voltar. e Pernambuco, 21 intendente, recolonizaçáo e Ambos foram expulsos do Império com republicanismo estranhamente se uni- passaporte para Buenos Aires. riam. Para ele, a República seria uma forma de desestabilizar o sistema faci- Meses depois, era de Buenos Aires que partia a suspeita. A Corte recebia com bastante freqüência passageiros da capital portenha e igualmente deportava muita gente para lá. no m ê s de junho, desembarcaram os negociantes portugueses J o ã o Francisco, J o ã o R o b e r t o neves, J o s é Vitorino e Manuel Rodrigues Flores, chegados de Lisboa. Os primeiros, no brigue dinamarquês Cecília; o último, no brigue inglês Bell. Mal chegaram à terra, foram mandados para a Argentina. Sobre eles pesava a suspeição de virem espalhar idéias republicanas no solo brasileiro, mormente visando as províncias de Pernambuco e da Bahia, onde desejavam formar um país republicano ao estilo dos Estados Unidos'. litando o ingresso de tropas portuguesas, que estariam sendo compradas a peso de ouro. Tentar-se-ia, através do estratagema da espionagem, desbaratar os planos portugueses de reescravizaçáo e incitamento à rebelião das províncias brasileiras "com a lição demagógica de Repúblicas". 22 Diante do fechamento da Assembléia, as idéias l i berais começavam a ser perigosas e a autoridade do imperador questionada. Há muito tempo o movimento popular estava nas ruas, em Recife e Olinda. A Confederação estourou pouco depois, mas n ã o por planos portugueses. As formas republicana e federativa n á o eram adequadas aos interesses do sudeste brasileiro, muito menos a separa- E claro que as notícias do nordeste insur- ção de parcela importante do território. Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 71-96, Jul/dez 1997 - párj.77 A C E Mão sabemos se os planos do denodado gociante, que diziam ser um 'atrevido intendente foram levados a cabo, contu- jacobino'; e Carlos Alfadiner, desembar- do, ainda em setembro daquele ano, o cado como súdito francês, mas que pa- policial alarmava-se novamente, na sua recia ser p o r t u g u ê s de Mesão Frio. As- correspondência com o ministro da Jus- sim, chamando para si a responsabilida- tiça, queixava-se dos juizes criminais e de pela segurança pública, pedia ao côn- dos ministros de bairro por não fornece- sul francês informações sobre a suposta rem notícias circunstanciadas dos estran- nacionalidade de Alfadiner. Determinava geiros que visitavam a bordo dos navios, para os demais o prazo de oito dias para e sobre os quais tinham responsabilida- saírem do Império. de de vigilância. Andava a t r á s dos seus agentes secretos 'a mendigar notícias' porque tinha em m ã o s formulários preenchidos com inépcia e "má vontade'. As medidas repressivas e de controle tomadas contra os portugueses, nos finais de 1823 e inícios de 1824, ainda causaram dois outros tipos de problemas: o Suplicava que naqueles dias de tantos primeiro era o dos que atenderam aos perigos, quando mal o Império havia de- anúncios de se apresentarem à Intendên- belado o cia para obterem passaportes e, depois Paulo de F i g u e i r o a disto, ou sumiram, ou simplesmente iam Nabuco Araújo permanecesse em sua se deixando ficar em solo brasileiro, ale- companhia, necessitava da sua ajuda. gando inclusive falta de m e i o s para Para tal deveria ser dispensado dos ser- retornarem a Portugal. Pouco adiantava viços da Casa de Suplicaçáo: sua função marcar prazos de s a í d a . seria vasculhar navios e perscrutar as governo começou a exigir uma espécie notícias que trouxessem, "para se toma- de declaração de intenções. Responderi- rem prontas medidas não s ó contra os am sobre os motivos da vinda para o Bra- inimigos externos, como os inimigos das sil, quais os meios de vida e subsistên- províncias do norte". cia. o perigo desembargador nordestino, O medo do intendente justificava-se frente à chegada da galera americana O/eaner. Entre os passageiros vinham J o s é Antônio Ferreira Braklami "um dos membros nomeados 2 4 verno da Bahia"; Para estes, o Outro problema dizia respeito àqueles que vinham trabalhar e ganhar a vida, querendo inclusive se naturalizar. Trabalhar no Brasil era a meta de muitos portugueses. Depois da Ind e p e n d ê n c i a , as autoridades pelas cortes jacobínicas de Lisboa para o go- 23 empregaram vários pri•Al sioneiros lusos, como foi o caso daqueles Bernardo Ribeiro de aproveitados na Mari- Carvalho Braga, ne- nha. p á g . 78. J u l / d e z 1 997 2 5 Além disso, V K O também deixavam desembarcar todos os sinal de suspeição — importava muito, a que explicitamente viessem trabalhar. As- ponto de provocar a expulsão ou impedir sim, logo depois das medidas de janeiro o desembarque. Assim, o fundamental de 1824, ainda no dia 8, o intendente seria d e i x á - l o s entrar, uma vez que a pedia esclarecimentos do que fazer com maioria vinha trabalhar. A necessidade os lusos chegados ainda meninos, sem básica era a de vigiar: vasculhar as suas completarem 14 anos, "incapazes de vidas, controlá-los no cotidiano. Desta prestarem juramento, e de ação, ou im- forma, assistimos nesta ocasião ao res- putação", enviados por seus pais a ne- surgimento do decreto de 2.12.1820: as gociantes da praça carioca. Qual foi o autoridades deveriam cobrar os passa- resultado da consulta? Foram considera- portes dos estrangeiros que chegassem, dos impúberes, não se lhes exigiu nada com o zelo da polícia, e, por outro lado, e deixaram que ficassem e trabalhas- seriam concedidos esses documentos aos sem... que se dirigissem para o interior do Im- 26 Por volta de meados do ano de 1824, a questão deixou de ser unicamente referente ao controle sobre os lusitanos. A Constituição tinha tentado estabelecer as bases da cidadania, delimitando o papel destes: eram cidadãos brasileiros do §4° aqueles que houvessem aderido expressa ou tacitamente, pela continuação da sua residência no país, à "causa nacional'. Por essa o c a s i ã o , era preciso ter pério. Os barcos seriam vistoriados. Foi este o sentido da longa história de controle e do relato das primeiras matrículas de estrangeiros, contados por Estevão Ribeiro de Resende, no ano de 1824. Por isso historiou as listas elaboradas desde a época de d. J o ã o VI, em 1808 e 18 1 8 . 27 Era preciso retomar o mesmo cuidado anterior, sem proibições de entradas. atenção a todos os estrangeiros, portan- Com os mesmos pretextos de 1820, jus- to, esquecer um pouco dos que haviam tificava-se o aperto do controle geral so- ou não jurado a Constituição por conta bre todas as nacionalidades. Estava em dos decretos de 14.1.1823 e 20.11.1823, q u e s t ã o a s e g u r a n ç a miúda da cidade: ou portaria de 3.1.1824. Contudo, náo se havia aumentado o número de roubos e deveria descuidar dos amigos ou inimi- de vadios nos últimos tempos. Os estran- gos, dos suspeitos ou não de amarem a geiros eram em maior n ú m e r o nas esta- terra. tísticas e considerados os responsáveis pelas altas cifras de criminalidade. 28 A partir de e n t ã o , ficou claramente definido quem eram os portugueses 'brasi- Foi desta maneira que, a partir da porta- leiros'. Entretanto, era preciso to- ria de 23.6.1824, obrigou-se "a todos os dos os estrangeiros, inclusive os portu- estrangeiros a munirem-se de cartas de gueses adventícios. Ser estrangeiro' — seguro, firmadas pelos cônsules". Tais vigiar Acervo, Rio e Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 7 1-96. Jul/dez, 1997 - pág.79 A C E cartas eram fornecidas pela Intendência omisso, ou mal compreendido, ao menos e corroboradas pela autoridade. Renovou- a princípio e no que tocasse ao bom en- se a prática dos livros de escrituração de tendimento entre os estrangeiros e a estrangeiros. Neles constavam a decla- nova terra de a d o ç ã o . 31 ração de rua, casa, estado civil, condição, destino ou emprego. Se mudassem Para fiscalizar a entrada marítima, ofíci- de residência ou de trabalho, teriam que os do intendente foram enviados ao ge- comunicar à Intendência. Voltou-se a pe- neral de Armas da Corte, em 19.9.1824, dir os passaportes dos que chegavam, e ao ministro encarregado das Visitas do ainda nos navios, os quais eram entre- Mar, em 16.2.1827. O primeiro ordenava gues aos c ô n s u l e s ou agentes das res- ao pectivas n a ç õ e s , para fazerem os devi- Villegaignon que nenhum passageiro, ofi- dos assentamentos (os julgados conve- cial ou tripulação, desembarcasse sem a nientes), e posteriormente devolvidos na visita da polícia a bordo. O segundo re- Intendência. em locais públicos. O primeiro, datado de 8 de agosto de 1824, estabelecia o comparecimento dos p r o p r i e t á r i o s de de da fortaleza de forçava a necessidade das visitas antes 29 Dois editais foram publicados e afixados casas governador aluguel, estalajadeiros, vendeiros e taberneiros à polícia, no pra- do desembarque e pedia a r e l a ç ã o de todos os indivíduos chegados, em todos os tipos de e m b a r c a ç õ e s , classificandoos segundo trouxessem ou n á o o passaporte ou algum outro título comprobatório da sua segurança e de cautela. 32 zo de oito dias, para declararem as ca- Se por um lado, de 1824 em diante, o sas que alugaram a estrangeiros. Decli- governo controlou mais a entrada de es- nariam, na ocasião, suas profissões, de trangeiros, por outro t a m b é m facultou o onde vieram, quando entraram, o n ú m e - desembarque daqueles que viessem tra- ro e qualidade da família, nos termos dos balhar, apresentando as devidas garan- parágrafos 8, 11 e 12 do alvará de 1760. tias. Há exemplos disso na documenta- O segundo, dirigia-se aos próprios es- ção. Um deles é o caso de J e s u í n o Antô- trangeiros. Alegando q u e s t ã o de seguran- nio Horta, que obteve autorização para ça pessoal para os adventícios, deveri- trabalhar e residir em companhia de seu am apresentar-se diante das autorida- tio, em Campos. Nessa missiva, o secre- des, no prazo máximo de trinta dias, para tário encarregado dos Negócios da Jus- declararem nome, naturalidade, empre- tiça esclarecia ao intendente ser esta a go e destino. 30 E para auxiliar na matrí- atitude que se devia respeitar com rela- cula, foi nomeado Joaquim Luís Alves, ção a "quaisquer outros indivíduos que com 300$000 réis anuais (30 mil réis aqui chegarem de Portugal", providenci- mensais), para "servir de i n t é r p r e t e e ando as cautelas indicadas. Com exceção tradutor de línguas". Nada poderia ser dos militares e dos empregados públicos. p á g . 8 0 . Jul/dez 1997 33 V K O Tamanho cuidado e a t e n ç ã o redobrada nhum português, ou qualquer outro es- para com os estrangeiros podem ser ex- trangeiro, foi proibido de desembarcar, pressos no número de registros de en- contanto que agisse de acordo com a lei. tradas de imigrantes portugueses que De 1825 em diante se intensificaram as pesquisamos. Para 1820 foram encontra- negociações de um tratado com Portugal das três matrículas de portugueses na po- para o reconhecimento da Independên- lícia, bem como para 1822. Em 1821, náo cia. É t a m b é m a partir desta data que foi encontrado nenhum registro de che- encontramos respostas dadas pelo minis- gada e legitimação de passaportes de in- tro da Justiça à s consultas feitas pelo divíduo lusitano na d o c u m e n t a ç ã o . Pro- intendente da polícia, nelas havia a per- vavelmente, essa escassez de dados de- missão para o desembarque de estran- via-se a pouca prontidão com que se cum- geiros chegados sem pria a lei desde 1808, como nos infor- contanto que dessem as 'cautelas', ou mou o intendente, e porque, apesar da seguros, e que, obviamente, não fossem lei de 2 de dezembro de 1820 renovar a suspeitos. exigência de p a s s a p o r t e e da sua legitimação, a p r e o c u p a ç ã o com o seu cumprimento s ó se deu com a Independência e depois da resolução de questões imediatas relativas à organização do Estado e à s divisões internas entre os que passaportes, 35 "Y ' ^ ncontramos algumas listas com ~~*^ a relação de passageiros entra- • dos no porto e apresentados na Intendência. Essas listagens corroboram a permissão de entrada para trabalhar, bem como apresentam as profissões de- participavam da política. claradas, que estão em consonância com Para 1823 e 1824, os registros de entra- as profissões e idades anotadas no ma- das de estrangeiros e a p r e s e n t a ç ã o de terial dos códices de a p r e s e n t a ç ã o de passaportes também náo foram pródigos: passaportes e entrada de estrangeiros na 36 e 39, respectivamente. Esses foram polícia. Entre elas podemos constatar anos em que algumas sérias a m e a ç a s se grandes fizeram presentes: n ã o se controlar a metodologias de anotação diferenciadas. intervalos de tempo e guerra civil no nordeste; a deflagração de uma outra guerra civil no Sul e no Sudeste, com a participação escrava, e, finalmente, o receio de uma guerra com Portugal. Para os c o n t e m p o r â n e o s a Independência era algo a ser construído... Antes de prosseguirmos, analisando cronologicamente as medidas de repressão, controle e/ou vigilância sobre os estrangeiros, passemos os olhos nas relações encontradas. A partir dessas datas os registros aumen- A lista de 1.1.1828 a 31.5.1829 apresen- taram ou diminuíram t a m b é m de acordo tava 2.564 colonos, 704 diversos oficiais com a circunstância política. e empregados, 627 negociantes e empre- 34 Já vimos que desde o ano de 1824 ne- gados do comércio, 731 a l e m ã e s para a acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 71-96. Jul/dez 1997 - p á g . 8 1 Tropa, 44 artistas, 45 meneiros (minei- biano e dois suecos, perfazendo um to- ros?), 41 militares, 148 mulheres, 169 tal de 69 pessoas. crianças, 818 viajantes de diversas ocup a ç õ e s que seguiam para outro destino, lio total eram 5.891 pessoas. 37 Fora esses, ainda acusava a existência de 124 estrangeiros que apresentaram os passaportes a bordo e n ã o haviam ido O desembargador encarregado do expe- buscá-los na Intendência. Somados uns diente de polícia fazia duas observações: e outros, o total era de 193 estrangei- não podia somar os passageiros das em- ros. Havia t a m b é m 16 pessoas que Fize- b a r c a ç õ e s de guerra e paquetes, por não ram escala e se retiraram do país, além estarem e, de onze que resolveram tirar o passa- costumeiramente, não se apresentarem porte e ficar residindo aqui. A diminui- à polícia; fora os 818 viajantes, os de- ção do n ú m e r o de imigrantes talvez se sujeitos a visitas mais se estabeleceriam no I m p é r i o . 36 devesse à s novas regras estabelecidas Apesar de náo haver especificação de na- pela Regência. Mo início de 1831, o con- cionalidades, exceto para os que integra- trole sobre os portugueses novamente se riam a Tropa, parece que os n ú m e r o s estreitou. Da mesma forma, isto apare- acima diziam respeito a indivíduos de ce nacionalidade portuguesa. Chama aten- legitimação e a p r e s e n t a ç ã o de passapor- ção o total daqueles lusos que vinham tes, em que vemos a cifra decrescer: para o campo: 2.564; contrastavam com passou de 893, em 1829, e 638, em 1830, os que provavelmente ficariam na cida- para 373, em 1831. de: 1.778 (excetuou-se os a l e m ã e s e viajantes e incluiu-se na soma o n ú m e r o de mulheres e crianças). Entretanto, o número geral de estrangeiros que ficavam no e s p a ç o urbano n ã o se distanciava muito daquele dos colonos: 2.509. refletido na documentação de Se a d i m i n u i ç ã o continuou no ano de 1832, com as atitudes repressivas, igualmente as entradas aumentaram, paulatinamente, quando as medidas não surtiram o efeito esperado e muitos clandestinos chegaram ao país, apesar do re- Já em 21 de junho de 1831, obedecendo gresso de d. Pedro a Portugal e das per- aos cuidados da Regência, Antônio Pereira s e g u i ç õ e s aos portugueses. Barreto Pedroso, desembargador encar- De 25 a 30 de abril de 1832, apareceram regado do expediente da polícia, apre- os seguintes n ú m e r o s na relação de es- sentou um extrato das a p r e s e n t a ç õ e s dos trangeiros apresentada ao governo: sete estrangeiros. Dele constavam 14 france- franceses, sendo um com a família e duas ses, seis ingleses, 35 portugueses s ó s , mulheres; três a l e m ã e s ; oito e s p a n h ó i s ; quatro portugueses com família, quatro 35 portugueses, sendo um com a família e s p a n h ó i s , um italiano s ó e um com fa- e duas mulheres; t r ê s ingleses; dois mília, um americano do Morte, um colom- genoveses; um prussiano com a família p á g . 82. j u l / d e z 1997 V o e dois sardos. lia soma total, 65 estran- estrangeiros entrados no porto em 1831 geiros. Profissionalmente, eram empre- e 1832 (56,5% e 56,9%, respectivamen- gados nas seguintes atividades: um m é - te). Eram acompanhados de longe por dico, um advogado, um na milícia, 15 no franceses, ingleses e e s p a n h ó i s , que comércio, 17 caixeiros, dois agentes, um guardavam nessas relações o mesmo tipo estudante e dois em diferentes ofícios. 38 Além desses, na relação constava ainda a observação de que 4-4 vinham 'formando'; havia um fabricante de vela, sete com negócio de a r m a z é n s e tabernas, oito em vários serviços como alugadores de cavalos, criados de servir e de padaria, e um vivendo de suas propriedades. Somando todos, daria 61. A totalizaçáo de 65 se faria com a inclusão de quatro mu- de percentual dos anos anteriores. Essa característica manteve-se a t é pelo menos 1834. Portanto, concluímos que, de 1808 a 1834, entraram estrangeiros das mesmas nacionalidades no porto do Rio de Janeiro e a política de controle sobre eles mudava de acordo com o momento político, fazendo-se sentir com maior desvelo em relação aos portugueses. A mudança de política a que nos referi- lheres. mos, em 1824, visando o maior controle Por listas semelhantes a esta, os portu- da entrada de estrangeiros, igualmente gueses ainda constituíam a maioria dos pode ter tido como conseqüência o au- Rua Direita, Rio de Janeiro. Litografia de Engelmann a partir de desenho de Rugendas. Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 1. pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 8 3 A c mento da clandestinidade e dos que de- preferido dos l i b e r t o s , sembarcavam fugidos nos anos posteri- com o mar, fácil de desembarque nas ores; isto porque teriam vindo matricu- suas muitas ilhotas, de onde os portu- lados como tripulação. Chegando aqui, gueses em situação de ilegalidade podi- escapavam da polícia e esgueiravam-se am alcançar a terra ou escapar em pe- pelas estreitas ruas da cidade.' quenos botes para o interior da baía de Em 1826, Francisco Alberto Teixeira de Aragão, e n t ã o intendente, via-se às voltas com a recaptura de cinqüenta 'marinheiros' lusos, desembarcados da nau d. João VI. Eles haviam fugido, abrigando- se em casas de lusitanos nas ruas da Vala, Prainha e Valongo. 39 Matriculados como marujos, tinham por intenção ficar no Brasil. O navio queria retornar a Portugal e n ã o tinha tripulação. Através do ministro da Justiça, foram muitas as instâncias do imperador para vigiar e prender estes homens. Mas, como fazer isto justamente numa cidade habitada por tantos portugueses? C o m o pegar os 40 era fronteiriça Guanabara. Além disso, contavam com a solidariedade dos comerciantes lusitanos do Valongo. Entre escravos, libertos e portugueses fujões, esta era uma região que preocupava as autoridades e onde rixas variadas aconteciam com freqüência. A cidade, portanto, era igualmente esconderijo para os imigrantes brancos portugueses, que contavam com a solidariedade de seus patrícios. Para ilustrar o que foi dito, um caso de fuga, semelhante a tantos outros encontrados na d o c u m e n t a ç ã o , aconteceu em 1831; envolveu portugueses matriculados na galera portuguesa liouo Comerciante e outros indivíduos da mesma nacionali- fujões? dade sem passaporte. Era um total de vinMa freguesia da Candelária ficava parte da rua da Vala e essa região abrigava a maior percentagem de filhos de Portugal. Quem seria fugitivo e quem morador fixo? Difícil tarefa a da polícia, se tivesse que vasculhar casa por casa. Além do mais, poderia contar com a revolta dos lusitanos j á estabelecidos aqui, aqueles do pao rágrafo 4 da Constituição. As confusões relacionadas à cidadania e à identidade nacional perduraram ao menos a t é o final da Regência. Q u a n t o a Santa te e três pessoas. O encarregado de Negócios de Portugal defendia o desembarque por ser "a maior parte oficiais de artes mecânicas, que passam ao Brasil a viver da sua indústria, e muitos deles moços de menor idade...". 41 Vinham tra- balhar da mesma forma que aqueles meninos enviados pelos pais a comerciantes da praça do Rio, em 1824, e aos quais n ã o se podia cobrar juramento à 'causa brasileira'. Na sua maioria, também eram menores de idade. De acordo Rita, onde se l o - com a relação apresentada à polícia, 42 calizavam a Prainha e o Valongo, se é ver- havia seis pessoas na faixa de 10 a 14 dade que homiziava negros e era o local anos; nove, de 15 a 19; três, de 20 a 24; p á g . 84 . j u l / d e z 1997 V R O quatro, de 25 a 29; e um indivíduo com exacerbação de â n i m o s e de persegui- 30 anos. ç õ e s contra os lusitanos. O segundo é § relacionado à posição das autoridades a e alguns vinham como colonos e tentavam a vida no interior, como aqueles do rol de 1828/29" e nos casos encontrados nos códices de polícia, outros chegavam com p r o f i s s õ e s definidas, o que muitas vezes era mais um indício de um trabalho 'arranjado' ou 'contratado'. Mo caso desses imigrantes chegados em 1831, havia 14 caixeiros, três marinheiros, dois tanoeiros, um copeiro, um criado de servir, um sapateiro e um alfaiate. Sem sombra de dúvida, a profissão de caixeiro ocupava a maior parte desses imigrantes. Pode-se verificar isso tanto nesta lista como naquela apresentada pela polícia no ano de respeito da mão-de-obra portuguesa na cidade. Em documentação tão pródiga em cartas, ofícios e a t é mensagens secretas, as responsabilidades dos comandantes, não encontradas para o período anterior a 1831, têm significado claro: sabiam do papel desses imigrantes e dos altos índices de clandestinidade, mas essa força de trabalho era importante na Corte, o que fazia com que as autoridades não dessem tanta importância à s formalidades legais... J á vimos que, para o ingresso no Brasil depois de 1824, o governo s ó exigia cautelas dos imigrantes e colocava como condição não serem inimigos ou suspeitos. 1832. Quanto à s suas origens, eram quase todos do norte de Portugal." Assim, É nesse sentido que o episódio dos vinte nessa listagem, de 1832, assinada pelo e três lusitanos, chegados a bordo da ga- capitão da galera Cidade do Porto, con- lera novo Comerciante, firmam-se as t e n d ê n c i a s reveladas, na tância. Foram tratados com rigidez; os documentação das legitimações de pas- seus casos serviriam de exemplo para saporte e nas matrículas, quanto à faixa outros semelhantes. Pela primeira vez, e assume impor- de idade, tipo de trabalho, não raro ati- não seria a última, o encarregado de Me- vidade j á contratada e procedência. gócios de Sua Majestade Fidelíssima de Portugal agiu com presteza junto ao go- Mas, se a lei mandava que os c a p i t ã e s verno imperial. Ma mesma data da che- de navio e mestres se responsabilizas- gada, a p r e e n s ã o e c o n f e c ç ã o da lista sem por aqueles vindos sem passaporte, pelo capitão Domingos da Costa e Sá, ele por que, então, s ó em maio de 1831 en- remeteu um ofício suplicando pelos sú- contramos essa relação acima, assinada ditos portugueses. Além de argumentar pelo capitão? Afinal, comentamos que que vinham trabalhar, o que náo consti- muitos vinham trabalhar sem portarem t u í a novidade para n i n g u é m , pedia o passaporte. A resposta é clara e apon- a boa vontade dos "esclarecidos mem- ta em dois sentidos. O primeiro respon- bros da Regência Provisória", para que de pela data: no ano de 1831 houve uma prestassem Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 71-96. Jul/dez 1997 - p á g . A C a t e n ç ã o ao m é t o d o de livre prática com l u ç ã o cujo perigo n ã o e s t á de o p a í s , que a transata a d m i n i s t r a ç ã o permitia aos passageiros desta qualidade, e de outras c i r c u n s t â n c i a s ponderosas capazes de produzir a b o a - f é , com que se transportaram ao Brasil, passado. todo 45 Diante dessa explanação, n ã o houve jeito: concedeu-se trinta dias, a partir do despacho de 7.7.1831, para que esses imigrantes retornassem à cidade do Porto. 46 sem solicitarem para esse fim as licen- Por conta desse episódio, através do mi- ç a s do governo de Lisboa. nistro da Justiça, a Regência enviou aviPedia que a p e r m i s s ã o solicitada fosse so extensiva a outros p o r t u g u e s e s que desembarque de estrangeiros sem pas- aportassem ao Brasil, por um prazo pre- saporte, prendendo os imigrantes a bor- determinado, até que comunicasse a Por- do e dando ordens para que as autorida- tugal "que as leis policiais a este respei- des policiais providenciassem a extradi- to, anteriormente em desuso, se acham ção de todos os desembarcados que náo de novo em seu pleno vigor". atendessem aos preceitos legais. A resposta do ministro da Justi- 47 à Intendência da Polícia proibindo o Em 1831, a situação política n ã o estava ça da Regência, Manuel J o s é muito boa para d. Pedro I e os portu- de Sousa Trança, foi bastante gueses'. O imperador era acusado de pro- dura e nada amistosa. Repisava a lei de porcionar vários favorecimentos pesso- 2 de dezembro de 1820 e concedia, no ais a grupos, principalmente de privile- máximo, "prazo razoável para fazer sair giar a sua antiga nacionalidade. Dizia-se infalivelmente do Império os mesmos vin- que dava maior a t e n ç ã o aos negócios da te e três portugueses recém-chegados". antiga Metrópole do que aos problemas Quanto ao pedido de prazo para comuni- internos brasileiros. Depois da viagem de car a Portugal as 'novas' medidas, argu- d. Pedro a Minas Gerais, as ruas da cida- mentava de do Rio de Janeiro tornaram-se negativamente: e quanto à segunda parte, que n á o é mister assinar-se novo prazo para notícia de que e s t ã o em vigor as leis policiais do p a í s a tal respeito, porque sempre elas tiveram em vigor, e se acaso se n ã o executaram alguma vez com o rigor devido que cumpria, foi isso efeito da p é s s i m a a d m i n i s t r a ç ã o do governo transato, sempre conivente a este e outros respeitos que nos levaram a borda do abismo de uma revo- p á g . 86. jul/dez 1997 trin- cheiras numa batalha travada entre portugueses' e 'brasileiros'. As noites das garrafadas foram sangrentas e fizeram o despertar forçado das autoridades, novamente, a imagem do imigrante 'perig o s o ' e ' m a r g i n a l ' , avesso à ordem, descumpridor das leis, amigo da anarquia e do roubo — até mesmo do roubo da terra e dos direitos dos nacionais —, voltou à cena. no dia 5 de abril, algumas decisões fo- O V R ram tomadas pela Secretaria de Estado coincidência, o governo mandava reali- da Justiça. Essas medidas foram resul- zar um novo registro e assentamento ge- tado de muita p r e s s ã o . Ainda em março, ral de todos os estrangeiros que chegas- vinte e três deputados e mais o senador sem à Corte. Essa medida foi tomada jun- Vergueiro reuniram-se na casa do padre tamente com a de prisão de 'delinqüen- José Custódio Dias, na rua da Ajuda, con- tes'. Todos os cadastrados indicariam a fiando a Evaristo da Veiga a redação de sua n a ç ã o , naturalidade, sexo, idade, uma representação ao governo contra o estado civil, e m b a r c a ç ã o em que haviam procedimento dos portugueses; pediam chegado, data de chegada, ofício e em- também a desafronta para os 'briosos' prego, moradia e finalidade da perma- nacionais. nência no país. Registro bem mais completo do que os anteriores, pelo menos A partir daquele momento as patrulhas da guarda militar da polícia deveriam prender em flagrante os perturbadores da t r a n q ü i l i d a d e pública, que vinham dasassossegando o povo nos ú l t i m o s tempos. O juiz de Faz da freguesia onde o delinqüente fosse preso teria por obrigação proceder rapidamente ao corpo de na letra da lei! Se os estrangeiros mudassem de e n d e r e ç o , deveriam participar o novo local de moradia à Intendência. Esta, por sua vez, reabilitaria o costume de mandar listas mensais ao ministro da J u s t i ç a . 4 8 liessas relações, o intendente deveria fazer uma apreciação sobre a delito e enviá-lo ao juiz Criminal, em 24 horas. Os moradores eram forçados a moralidade e costumes desses estran- colaborar, sob pena de oito dias de pri- geiros em geral, e do bem ou mal que são fechada: quando as desordens se ini- entenda resultar da sua p r e s e n ç a en- ciassem, deveriam colocar luzes nas j a - tre n ó s , para sobre tais i n f o r m a ç õ e s se nelas com o objetivo de facilitar o traba- adotarem as medidas policiais que as lho das rondas. Aqueles que fossem pre- c i r c u n s t â n c i a s exigirem. sos seriam fichados', tomando-se-lhes o nome, a naturalidade, a idade e o estado civil, n ã o por 48 Vigiando ainda os estrangeiros, havia duas decisões regulamentando a vida e Vista da praça d o Palácio ( p r a ç a X V d e N o v e m b r o ) , Rio d e Janeiro. Litografia d e Thierry Frères a partir de d e s e n h o d e D e b r e t . Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 7 1-96. Jul/dez 1997 - p á g . 8 7 a conduta de marinheiros que estavam Iam escoltados pela assinatura do capi- fora da terra e que tinham participado tão Antônio Alves Marta, dos recentes distúrbios na cidade. O go- grande coisa. 51 o que náo era verno convocava a Marinha para fazer rondas no mar e vigiar as á g u a s do porto e da Prainha. Os marujos náo poderiam estar desembarcados depois das avemarias porque perturbavam a ordem pública. Para as autoridades policiais e j u diciais, incitavam a população. Portanto, visava-se controlar não s ó as tripulações das e m b a r c a ç õ e s atracadas no porto, e que com elas retornariam ao país de origem, mas igualmente os portugueses, vindos sem passaporte, que deveriam ser mantidos nos navios a fim de não fugirem. rias palavras dos c o n t e m p o r â n e o s , a Abdicação havia evitado que a anarquia se espalhasse pela cidade. Pouco depois, a Câmara Municipal adotou uma série de posturas para controlar a população. Os 'brasileiros' e os estrangeiros deveriam alistar-se nas suas freguesias, no prazo de oito dias a p ó s a publicação do edital. O alistamento duraria uma quinzena. Todos os chefes de família apresentariam ao oficial de q u a r t e i r ã o dados completos, como idade, emprego e estado civil, de todos os indivíduos que estivessem O porto e a Prainha eram campos aber- sob a sua autoridade: parentes, agrega- tos e livres, salvos-condutos para as fu- dos, fâmulos e escravos. Os chefes de gas, lia ocasião das 'garrafadas', os ma- quarteirão preencheriam mapas com os rinheiros lusos e 'portugueses', em geral dados e indicariam 'desconfianças' sobre sem passsaportes, foram acusados de as condutas dos "ociosos, jogadores de terem auxiliado os 'portugueses' e os profissão, vadios, b ê b a d o s , ladrões, tur- o 'brasileiros do parágrafo 4 ' . Passado o bulentos e mendigos". Nestes casos, o tumulto, a polícia alegou que continua- juiz de Paz daria as devidas providênci- vam vagando pelas ruas cariocas. Fala- as. Os c i d a d ã o s deveriam participar as va-se da possibilidade de fazerem parte desconfianças que tivessem, sobretudo dos bandos armados, como o do portu- contra os taberneiros. g u ê s J o s é Vivas. 50 Quanto aos estrangeiros, havia dois paA partir dessa decisão, com o aumento rágrafos que cuidavam das suas sortes. da vigilância, alguns marinheiros foram O 12° obrigava-os a se apresentarem ao pegos. lieste caso, eram matriculados em juiz de Paz com o passaporte. Deveriam algum navio que estivesse zarpando para declarar por que vinham para o Brasil e Portugal, sob a custódia do seu capitão. como pretendiam sobreviver. Investiga- Algumas dessas histórias foram encon- ções seriam feitas para se ver a possibi- tradas. Bons exemplos s ã o os de Inácio lidade de admitirem-nos, ou proceder J o s é , Augusto e Antônio Tavares, reme- contra eles no termo da lei. Em outras tidos de volta no navio português Trajano. palavras, e x p u l s á - l o s . O 6 p á g . 8 8 . jul/dez 1997 o parágrafo, V R O embora não se referisse explicitamente causa dos portugueses 'naturalizados' aos estrangeiros, tocava-os em cheio. pela Constituição ou pelos devidos jura- Era evidente a intenção de tentar pren- mentos. O 1 I artigo mais uma vez proi- der os lusitanos fugitivos, escondidos em bia os marinheiros de andarem em terra casas de amigos e parentes. Mele havia durante a noite. a obrigatoriedade do chefe de família declarar compulsoriamente os indivíduos que viessem a morar consigo ou que eventualmente hospedasse." Em um primeiro momento, os únicos 'estrangeiros' olhados com benevolência seriam os que tivessem colaborado na luta da Independência, incluídos os soldados e oficiais do antigo Corpo de Estrangeiros, que havia sido dissolvido pela carta de lei de o P ortanto, não é de se estranhar que tamanha confusão acontecesse com os vinte e três pas- sageiros da galera Nouo Comerciante. A Regência tentava controlar a situação e, em especial, conter os 'ânimos exaltados' de 'nacionais' e 'portugueses'. De certa maneira, não interessava admitir mais lusos e realimentar a discórdia e d e s u n i ã o entre os habitantes do país, 24.11.1830." reacender os motivos dos variados conQuase dois meses depois, houve um novo edital da Câmara tentando disciplinar a população. 54 Mele tornava-se a falar em crise' e proibia-se a venda de armas a escravos e pessoas suspeitas. Os cativos deveriam ser vigiados a miúdo, limitando-se os seus movimentos e obrigando-os a trazerem permissão dos senho- flitos que assolavam a cidade. Assim, as autoridades recordavam as leis reguladoras da entrada de estrangeiros, apertavam o cerco na exigência de passaportes e tentavam não deixar desembarcar quem n ã o tivesse emprego acertado e cautelas atestadas por pessoas idôneas ou pelo cônsul do país de origem. res, por escrito, para se locomoverem depois das sete da noite. Os donos de Assistia-se a um momento parecido com taverna t a m b é m seriam estreitamente aquele do ano de 1824. Mo decreto de observados, por facilitarem ajuntamen- 18.8.1831, a Regência constatava haver tos e jogos. Como não podia deixar de muitos "portugueses" inimigos do Brasil ser, os estrangeiros foram objeto de dois e que eram "escandalosamente conside- o artigos. O 5 punia as pessoas que inci- rados como cidadãos brasileiros pelo go- tassem a discórdia e a cizânia contra os verno transato, só pelo motivo de conti- nacionais' do Brasil, embora esse mes- nuarem a permanecer no Brasil depois mo artigo t a m b é m punisse com igual daquela época". Continuava dizendo tam- multa e penalidade os nacionais que xin- bém existirem os que gozavam direitos e gassem os nascidos fora do Império'. foros de cidadania, mesmo chegados Note-se que náo se chamava a estes de a p ó s a Independência, s ó pelo fato de estrangeiros', muito provavelmente por terem jurado a Constituição. Zelando pe- Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 8 9 A C E los direitos e garantias dos cidadãos 'bra- achassem no gozo dos seus direitos civis sileiros legítimos', ordenava três medi- no país a que pertencessem; 3 ) aos que o das: I ) mandava que os chefes das re- tivessem declarado na c â m a r a do muni- partições civis, militares e eclesiásticas cípio da sua residência qual era a sua 'escrupulosamente' examinassem a cida- pátria, a real intenção de fixar residên- o o dania daqueles nascidos em Portugal; 2 ) cia no Brasil e religião; 4 ) aos que, de- orientava as autoridades ^a se certifica- pois de terem feito a declaração acima, rem de que os estrangeiros que quises- estivessem residindo no Brasil por qua- sem usar de regalias e vantagens conce- tro anos consecutivos, feita a exceção didas a 'brasileiros' fossem investigados; para os que fossem domiciliados no Im- o 3 ) pedia ao cônsul p o r t u g u ê s que envi- pério por mais de quatro anos na época asse uma lista de todos os portugueses de promulgação da lei e requeressem a existentes na Corte ao intendente-geral carta no prazo de um ano; 5 ) aos que da polícia, complementada por relações fossem possuidores de bens de raiz no dos que chegassem com passaporte e Brasil, ou de parte em fundos de algum o o quisessem aqui residir. Pia mesma data, estabelecimento industrial, ou exerces- a Regência enviava aviso à Secretaria de sem alguma profissão útil, ou, enfim, vi- Justiça e ao intendente de polícia para vessem honestamente de seu trabalho. 55 não bulirem com estrangeiros que estivessem a serviço de suas respectivas n a ç õ e s . Ordenava-se que n ã o fossem 'apalpados', contanto que mostrassem certificados assinados pelo respectivo A Regência, portanto, tentou regularizar a s i t u a ç ã o dos es- -trangeiros, sem barrar a en- trada dos portugueses ou enterrar em de- ministro e encarregado da nação estran- finitivo os projetos de colonização. En- geira a que pertencessem, ou pelo ofici- tretanto, concomitantemente a estas de- al maior da Secretaria de Estado dos ne- cisões, esmiuçava-se o controle. A situa- gócios Estrangeiros. ção dos lusos foi contraditória em todo o 56 Apertava-se o cerco sobre a vida dos estrangeiros na Corte e no país. Era urgente a p r o m u l g a ç ã o de uma carta de lei específica, que estabelecesse regras e normas claras para se adquirir, sem equívocos, a cidadania. Tál legislação foi sancionada em 2 3 . 1 0 . 1 8 3 2 , 57 curiosamente logo depois dos eventos de abril, julho e outubro. 58 Por ela, conceder-se-ia carta o de naturalização: I ) aos que provassem o ser maiores de 21 anos; 2 ) aos que se p á g . 9 0 . jul/dez 1997 período. no final do ano de 1834, parece que a lei passou a ser vista novamente com maior benevolência. 59 Deixando de expulsar, as autoridades brasileiras permitiram a permanência de alguns lusitanos, contanto que apresentassem as fianças, corroboradas pelos juizes de Paz ou por homens idôneos, e que, em alguns casos, se dirigissem ao interior. Davam como opções Santos ou São Paulo. Afinal, as relações V R O embarcações da problemática nativista, que insistia em descortinavam a mesma realidade: imi- opor brasileiros a portugueses como o grantes homens, maciçamente vindos do cerne da q u e s t ã o política" e "a imposi- Porto ou do norte de Portugal, solteiros, ção da q u e s t ã o da escravidão, no mo- com idade entre 10 e 30 anos, vindos "a mento de consolidação do Estado impe- de passageiros empregar-se"... das rial". 60 61 Certamente, os problemas dos Talvez essa mudança tenha se dado com portugueses deixaram o cenário político, a afirmação gradativa dos liberais do 're- juntamente com os maiores anos de pres- gresso'. os são e tentativas de participação popular 'saquaremas' fizeram com que as preten- na política; todavia, o antilusitanismo não sões dos liberais se e s v a í s s e m . O seu esmoreceu e teve renovados dias na Re- maior trunfo teria sido "o esvaziamento pública Velha. N 1 Nos anos O futuros, T A S Tais medidas foram descritas pelo intendente-geral da p o l í c i a . E s t e v ã o Ribeiro de Resende, em ofício a Luís de Carvalho e Melo. justificando as atitudes da p o l í c i a em 1824. Comentava t a m b é m a impossibilidade de se precisar o n ú m e r o exato de estrangeiros na cidade. Obcio do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro Resende, a Luís de Carvalho e Melo, c ó d i c e 323, 11 6.1824. v. 7, A.N. Estes censos e mapas comentados pelo intendente nao foram encontrados na d o c u m e n t a ç ã o pesquisada. Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 9 1 C A E 2. O Povo e a Tropa' e s t ã o com letras m a i ú s c u l a s por designarem segmentos importantes do Antigo Regime, lia d o c u m e n t a ç ã o é comum aparecerem grafados desta forma; participaram ativamente de quase todos os acontecimentos de rua da cidade, nesse p e r í o d o . 3. Decreto de 2.12.1820 (mandava exigir passaporte das pessoas que entravam e s a í a m do Reino do Brasil). Coleção das Leis do Brasil de 1820, Rio de Janeiro. Imprensa nacional, 1889. pp. 113-117. A . n . 4. Decreto de 14.1.1823. J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, L e g i s l a ç ã o brasileira ou coleção cronológica das leis, decretos, resoluções de consulta, provisões etc. do Império do Brasil desde o ano de 1808 até 1831. Inclusive, contendo, a l é m do que se acha publicado nas melhores c o l e ç õ e s , para mais de duas mil p e ç a s i n é d i t a s coligidas pelo conselheiro J o s é Paulo de Figueiroa Mabuco de Araújo, Rio de Janeiro, Tip. Imp. e Const. de J . Villeneuve c Comp.. 1836, 7 V. , V. 4, p. 7. 5. I n d e p e n d ê n c i a nacional, termos de a d e s ã o (1823-1824), c ó d i c e 44-4-47, A . Q . C . R . J . 6. Luís Filipe Alencastro mostra a i m p o r t â n c i a do c o m é r c i o brasileiro com a África por ocasião da I n d e p e n d ê n c i a e nos anos s u b s e q ü e n t e s . Citando um documento de C r i s t ó v ã o A. Dias para Manuel G o n ç a l v e s de Miranda, escrito de Luanda e datado de 19.6.1823. afirma que em 1823 o governo de Benguela informou à M e t r ó p o l e que lá havia um partido que achava melhor se unir ao Brasil independente, colocando-se sob sua p r o t e ç ã o . Para o governo de Benguela. Angola n á o poderia viver sem o tráfico, sua principal riqueza, e Portugal nâo conseguiria comercializar seus produtos. Segundo este autor, ricas f a m í l i a s portuguesas de Angola teriam se transferido para o Brasil e circulado em Benguela panfletos convocando a a d e s ã o à causa brasileira'. Portanto, chegou a haver aí um clima insurrecional, com s e q ü e s tros de bens de i n d i v í d u o s do 'dito' I m p é r i o do Brasil, n ã o submissos ao governo e simpatizantes dos rebeldes, e uma espera c o n t í n u a de uma e x p e d i ç ã o naval que viria do Rio de Janeiro. Este clima teria sido promovido por negociantes de escravos que tinham ligações estreitas com o Rio de Janeiro e Pernambuco, e do lado brasileiro v á r i a s personalidades teriam acompanhado a a g i t a ç ã o , entre elas Vergueiro. O c o m é r c i o com Angola teria c o m e ç a do a sofrer revezes a partir de 1829 com a a m e a ç a de e x t i n ç ã o do tráfico no Rio de Janeiro. Alencastro t a m b é m cita a i m p o r t â n c i a do Brasil, em 1823, para Cabo Verde e para a Costa da Mina, onde os 'brasileiros' davam as cartas. Conferir Luís Filipe Alencastro, Le commerce des vivants: traite desclavages et pax lusitana' dans I' Atlantique Sud, Paris, 1985-1986, 2 v., tese de doutorado. Departamento de História — U n i v e r s i t é de Paris X, pp. 440-449. 7. Esta s u p o s i ç ã o baseia-se na d o c u m e n t a ç ã o dos c ó d i c e s de p o l í c i a do Arquivo nacional, em que h á pedidos de outros negociantes para entrarem sem passaporte ou s ú p l i c a s para obterem p e r m i s s ã o para cuidar dos seus n e g ó c i o s fora do p a í s . 8. Decreto de 20.11.1823. J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 4, p. 163. 9. Portaria e o f í c i o do intendente-geral da p o l í c i a à Uma. C â m a r a da cidade do Rio de Janeiro, c ó d i c e 329 (1818-1824), respectivamente de 3.1.1824 e de 8.1.1824, v. 5, pp. 141-142, A.li. A portaria de 10.1.1824 é citada no o f í c i o do intendente E s t e v ã o Ribeiro de Resende a Clemente Ferreira Pereira França, ministro da J u s t i ç a , prestando contas do cumprimento que deu à s citadas portarias e decretos, e enviando listas de nomes. IJ 6 163 (1822-1824). 30.10.1824, Secretaria de Policia da Corte, rei. IA, o f í c i o s com anexos, A.li. Se por um lado as escalas em Pernambuco e na Bahia eram comuns, por outro, como j á vimos, essas províncias eram r e g i õ e s de f e r m e n t a ç ã o de i d é i a s liberais e de a g i t a ç ã o da plebe urbana. Isto náo foi desprezado naquele momento de medo das i d é i a s recolonizadoras e de uma possível guerra com Portugal. 10. Ofício do ministro e s e c r e t á r i o de Estado dos n e g ó c i o s do I m p é r i o , J o ã o Severiano Maciel da Costa, IJJ 1 193 (1823-1824), Ministério do I m p é r i o , Registro de Avisos e O f í c i o s , livro 23 da Corte, 5.2.1824, A.n. 11. I n d e p e n d ê n c i a nacional, termos de a d e s ã o (1823-1824), c ó d i c e 44-4-47, A . G . C . R . J . o o 12. Artigo 6 , 4 p a r á g . ; " C o n s t i t u i ç ã o p o l í t i c a do I m p é r i o do Brasil", em Constituições do Brasil (de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967 e suas alterações), í n d i c e Ana Valderez A. li. de Alencar, Brasília, Senado Federal, S u b s e c r e t á r i a de E d i ç õ e s T é c n i c a s , 1986, 2 v., p. 593. 13. Ofício do ministro da J u s t i ç a , Caetano Pinto de Miranda Montenegro, ao intendente-geral da p o l í c i a , c ó d i c e 319 (1824-1825), 13.3.1823, V. 1, p. 10, A.n. 14. Ofício remetido pela R e p a r t i ç ã o do I m p é r i o , c ó d i c e 319 (1824-1825), 21.6.1824 , v. 1, p. 26, A.n. 15. Respectivamente, o f í c i o do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de Carvalho e Melo, c ó d i c e 323 (1822-1836), 24.1.1824, v. 7, p. 26, A.n. e o f í c i o do intendente p á g . 92 . J u l / d . : z 1997 V R O da polícia, E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de Carvalho e Melo, c ó d i c e 323 (18221836), 24.1.1824 , v. 7, p. 28, A . l i . 16. Estas seriam as i d é i a s de liberdade apregoadas pelas Cortes lisboetas, que segundo o entendimento dos c o n t e m p o r â n e o s visavam a reescravizar o Brasil, tia verdade, como j á foi largamente discutido pela historiografia, os ideais r e v o l u c i o n á r i o s da R e g e n e r a ç ã o t ê m dupla leitura: para Portugal seriam o triunfo do liberalismo contra o absolutismo; para o Brasil, significariam a c a s s a ç ã o de uma s i t u a ç ã o de e q u i v a l ê n c i a com o Reino. Reabilitavam prefer ê n c i a s comerciais para os comerciantes do Porto e transfeririam a a d m i n i s t r a ç ã o para Portugal, lia prática, contrariavam os interesses das classes dominantes brasileiras, mais especificamente dos comerciantes aqui enraizados. 17. O governo temia tanto o que considerava excesso de liberdade quanto a liberdade mal entendida das Cortes. Entretanto, amedrontava-se igualmente com o novo estado de coisas em Portugal. A corrente absolutista mais radical tinha seus adeptos e, a 30 de abril de 1824, d. Miguel tentou um golpe de estado fracassado contra d. J o ã o VI. Apoiado por embaixadores estrangeiros residentes em Lisboa, a bordo da nau inglesa Windsor Castle, d. J o ã o concedeu-lhe direito à c a p i t u l a ç ã o , caso se submetesse inteiramente à s suas ordens. Logo depois da sua r e n d i ç ã o , exilou-se na Áustria. 18. Citado por Amaro Quintas, "A a g i t a ç ã o republicana no nordeste", em S é r g i o B. de Holanda, História geral da civilização brasileira, 4 ed., S ã o Paulo/Rio de Janeiro, Difel/ D i f u s ã o Editorial S.A., 1976, 7 vol., v. 3, cap. 4, pp. 207-237, p. 228. a 19. Idem, ibidem, p. 208. Amaro Quintas afirma que o A r e ó p a g o foi fundado pelo padre Manuel Arruda da C â m a r a , que teria sido homem de i d é i a s libertárias' e cuja i m p o r t â n c i a n ã o teria sido devidamente estudada. O objetivo desta o r g a n i z a ç ã o , para o autor, seria a ' l i b e r t a ç ã o nacional', a ' e x t i n ç ã o do colonialismo'. 20. As i n f o r m a ç õ e s a respeito da a g i t a ç ã o republicana no nordeste foram retiradas do artigo de Amaro Quintas, supracitado. 21. Ofício do intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao ministro da J u s t i ç a , Clemente Ferreira França, IJ 6 163 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, o f í c i o s com anexos, 10.1.1824, A.n.; o f í c i o do intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a J o ã o Severiano Maciel da Costa, c ó d i c e 323 (1822-1836), 29.1.1824, v. 7, p. 27, A . n . ; ofício do intendente da p o l í c i a . E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de Carvalho e Melo, c ó d i c e 323 (1822-1836), 31.1.1824, v. 7, p. 28, A.n. 22. Ofício do intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao ministro da J u s t i ç a , Clemente Ferreira França, IJ 6 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, o f í c i o s com anexos, 1.6.1824, A . n . ; o f í c i o do ministro da J u s t i ç a , Clemente Ferreira França, c ó d i c e 319 (18241825), 4.6.1824, p. 22, A.n. 23. Casos como estes podem ser encontrados nos c ó d i c e s 319 e 323. Conferir, por exemplo, os o f í c i o s seguintes: o f í c i o da R e p a r t i ç ã o de Estrangeiros, c ó d i c e 319 (1824-1825), 3.4.1824, p. 12, A . n . ; o f í c i o do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de Carvalho e Melo, c ó d i c e 323 (1822-1836), 3.4.1824 , v. 7, p. 31. A.n.; ofício do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, a Luís J o s é de Carvalho e Melo, c ó d i c e 323 (18221836), 7.4.1824, v. 7, p. 31, A.n. 24. Ofício do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao ministro da J u s t i ç a , Clemente Ferreira França, c ó d i c e 319 (1824-1825), 18.3.1824, v. 1, p. 10, A.n. 25. Decreto de 21.3.1823. J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 4, p. 43. 26. Ofício do intendente da p o l í c i a . E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao ministro da J u s t i ç a Clemente Ferreira França, IJ 6 163 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, rei. 1 A, o f í c i o s com anexos, 8.1.1824, A . n . ; portaria de 12.1.1824, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 7, p. 193. Entre 1824 e 1830, a maioria vinha com idade entre 15 e 24 anos. Contudo, a faixa entre 10 e 14 anos ocupou o terceiro lugar nos desembarques. Os portugueses eram m ã o de-obra i m p o r t a n t í s s i m a na cidade. 27. Conferir documento citado na nota 1, ofício, c ó d i c e 323, 11/6/1824, v. 7, A.n. 28. Muitos estrangeiros eram considerados vadios e criminosos. Esta c a r a c t e r í s t i c a n ã o era exclusiva da Corte. É apontada, por exemplo, para Minas Gerais, por Laura de Melo e Sousa em Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no s é c u l o XVIII, Rio de Janeiro, Editora Qraal, 1982. 29. Portaria de 23.6.1824, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v 4, p. 289. 30. Edital de 8.8.1824 do intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, Rio de Janei- Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 9 3 A C E ro. Tip. de Silva Porto e Comp., e edital de 11.8.1824 do intendente-geral da p o l í c i a , Estevão Ribeiro de Resende, Rio de Janeiro. Tip. de Silva Porto e Comp. Ambos foram encontrados no IJ 6 163 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, rel.l A., o f í c i o s com anexos, A . l i . 31. Ofício do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, IJ 6 163 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, rel.l A, o f í c i o s com anexos, 3.8.1824, A . l i . ; o f í c i o do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, IJ 6 163 (1822-1824), Secretaria de Polícia da Corte, r e l . l A, o f í c i o s com anexos, 16.8.1824 , A . l i . 32. Ofício do intendente da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, ao general de Armas, Joaquim Xavier Curado, c ó d i c e 326 (1822-1826), 17.9.1824, v. 6, p. 127, A.M.; o f í c i o do intendente da p o l í c i a , Francisco Alberto Teixeira de A r a g á o , ao ministro encarregado das Visitas ao Mar, desembargador A n t ô n i o Luís Figueira Pereira da Cunha, c ó d i c e 329 (1824-1830), 16.2.1827 p. 74, A.Ii. , 33. Ofício do ministro e s e c r e t á r i o encarregado dos N e g ó c i o s da J u s t i ç a . Clemente Ferreira Franç a , ao intendente-geral da p o l í c i a , E s t e v ã o Ribeiro de Resende, c ó d i c e 319 (1824-1825, 14.7.1824, p. 32, A.Ii. 34. Em 1825, 468; em 1826, 600; em 1827, 578; em 1828, 351; em 1829, 893; em 1830, 638; em 1831, 373; em 1832, 160; em 1833, 410 e em 1834, 680. Este s ú b i t o aumento de registros para 1829 talvez se deva à chegada dos emigrados portugueses. C o n s t i t u í r a m tropa recrutada na Inglaterra para defender o trono de d. Maria da G l ó r i a . Proibidos de desembarcar em Portugal pela p r ó p r i a Inglaterra, alegando ter o m a r q u ê s de Barbacena ferido o direito internacional ao recrutar homens para combater em outro p a í s , sem porto de arribada, vieram atracar no Rio de Janeiro. Muitos passaram a integrar a TVopa nacional, outros enredaram-se na cidade; outros, ainda, arrumaram emprego no interior. 35. Conferir, entre outros, o f í c i o de Clemente Ferreira França, IJ 6 96 (11 dezembro 1824-30 julho 1825), Corte, Registro de Avisos, rei. 29/ parte 14, livro V, n ° 121, pp. 63-64 , 28.2.1825, A.Ii.; o f í c i o de Clemente Ferreira França, c ó d i c e 319 (1824-1825), 29.2.1825, p. 69, A.Ii. 36. R e l a ç ã o de passageiros estrangeiros que consta terem entrado neste porto de 1.1.1828 a 31.5.1829, 4.7.1829, c ó d i c e 323 (1822-1836), pp. 108-109, A.Ii. 37. Extrato do livro das a p r e s e n t a ç õ e s dos estrangeiros na I n t e n d ê n c i a Geral da Polícia referente aos que chegaram do dia 25 de abril de 1931. quando foi reorganizado este s e r v i ç o , a t é 20 de junho de 1931, assinado por P r o c ó p i o Alarico Ribeiro de Resende, IJ 6 165 (1831-1832), Secretaria de Polícia da Corte, rei. A, o f í c i o s com anexos, 21.6.1831, A.N. 38. R e l a ç ã o dos estrangeiros apresentada à Secretaria Geral da Polícia, entre os dias 25 e 30 de abril de 1832, em conformidade com o edital da mesma Secretaria, de 16 do referido m ê s e ano, assinado por P r o c ó p i o Alarico Ribeiro de Resende, IJ 6 165 (1831-1832), Secretaria de Polícia da Corte. rei. 1 A, o f í c i o s com anexos, A.N. 39. Ofício do indentende-geral da p o l í c i a . Francisco Alberto Teixeira de A r a g ã o , ao ministro dos Estrangeiros, conde de Inhambupe, c ó d i c e 319 (1825-1833), 29/10/1826, p. 23, A.N; ofício do ministro da Guerra, conde de Lages, ao intendente-geral da p o l í c i a . Francisco Alberto Teixeira de A r a g á o , c ó d i c e 319 (1825-1833), 30.10.1826, p. 23, A.N. 40. Isto se dava por ser uma r e g i ã o com uma porcentagem maior de homens 'de cor' (em 1821, 50,6% de livres e 49,4% de escravos, sendo entre os livres somados os libertos). 41. Aviso, IJ 1 994 (1826-1831), avisos do Ministério dos Estrangeiros e do Ministério da Justiç a , lata 1.212, IA, 14.5.1831, A.N. 42. Lista dos passageiros que chegaram sem passaportes na galera portuguesa novo Comerciante, c a p i t ã o Domingos da Costa e S á , vindos da cidade do Porto em 14 de maio de 1831, U 1 994 (1826-1831), avisos do Ministério dos Estrangeiros e do M i n i s t é r i o da J u s t i ç a , lata 1.212, IA, 15.5.1831, A.N. 43. As autoridades recomendavam à I n t e n d ê n c i a que ou expulsasse esses imigrantes, ou lhes concedesse passaportes para irem para o interior, sendo os locais preferidos S ã o Paulo e Santos. 44. Eram 15 do Porto; um de Sarredo; um de Penafiel; um de M e s á o Frio; um de Viseu; um de Braga e um de Viana do Castelo. 45. Portaria de 31.5.1831, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit.. v. 7, p. 312; este documento t a m b é m pode ser encontrado no IJ 1 181 (12 m a r ç o - 1 5 dezembro de 1831), Registro de Avisos 407 (60), p. 34. A.N. p á g . 9 4 , Jul/dez 1997 V o Aviso do ministro dos Estrangeiros, Francisco Carneiro de Campos, ao intendente-geral da polícia, c ó d i c e 319 (1825-1833), 7.7.1831, p. 117, A.n. 47. Aviso de 31.5.1831, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 7, p. 312. 4-8. D e c i s ã o de 5.4.1831 dando " p r o v i d ê n c i a s para a p u n i ç ã o dos delitos e p r i s ã o dos d e l i n q ü e n tes", em Coleção das decisões do governo do Império do Brasil de 1831, Rio de Janeiro, Tipografia nacional, 1876, pp. 44-45; d e c i s ã o de 5.4.1831 mandando "abrir assento de p r i s ã o aos i n d i v í d u o s presos em flagrante como perturbadores da t r a n q ü i l i d a d e p ú b l i c a " , em Coleção das decisões do governo do Império do Brasil de 1831, op. cit., pp. 42-43. 49. D e c i s ã o de 5.4.1831 mandando "proceder ao assentamento geral de todos os estrangeiros que chegarem a esta Corte", em Coleção das decisões do governo do Império do Brasil de 1831, op. cit., p. 46. 50. D e c i s ã o de 5.4.1831 mandando "estabelecer rondas de mar que evitem o desembarque de marinheiros depois do sol posto", em Coleção das decisões do governo do Império do Brasil de 1831, op. cit., p. 43; d e c i s ã o de 5.4.1831 ordenando "que sejam presos todos os marinheiros que se acharem em terra depois das ave-marias", em Coleção das decisões do governo do Império do Brasil'de 1831, op. cit., p. 44. 51. Aviso do ministro da J u s t i ç a . Manuel J o s é de Sousa França, ao intendente da p o l í c i a , IJ 1 181 (12 m a r ç o - 1 5 dezembro de 1831), Registro de Avisos 407 (60), 10.5.1831, p. 25, A.n. 52. Edital da C â m a r a Municipal do Rio de Janeiro sobre a " a d o ç ã o de posturas que viabilizem maior controle da p o p u l a ç ã o " , IJJ 10 6 (1831-1832), Ministério do I m p é r i o , C â m a r a Municipal da Corte, o f í c i o s , 9.4.1831, A.n. A carta de lei de 6.6.1831 t a m b é m dá p r o v i d ê n c i a s para o controle da p o p u l a ç ã o . Pode ser encontrada na obra de J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit. , v. 7, p. 314. 53. D e c i s ã o de 13.4.1831 que nomeia "uma c o m i s s ã o para informar acerca das c i r c u n s t â n c i a s de cada um dos oficiais dos Corpos de Estrangeiros, que se mandaram dissolver", em Coleção das decisões do governo do Império do Brasil de 1831. op. cit., pp. 49-50. 54. Edital da C â m a r a M u n i c i p a l do Rio de J a n e i r o a d o t a n d o p o s t u r a s p r o v i s ó r i a s de d i s c i p l i n a r i z a ç á o da p o p u l a ç ã o , IJJ 10 6 (1831-1832), Ministério do I m p é r i o , C â m a r a Municipal da Corte, o f í c i o s , 1.6.1831, A.n. 55. Decreto de 18.8.1831, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 7, p. 406. 56. Aviso de 18.8.1831, em J o s é Paulo de Figueiroa Araújo, op. cit., v. 7, p. 408. 57. Carta de lei de n a t u r a l i z a ç ã o dos estrangeiros de 23.10.1832, em Coleção das leis e decretos do Império do Brasil de 1832, Rio de Janeiro, Tipografia Imp. e Constitucional de Seignot e Plancher E. C , 1834, v. 4, pp. 229-231. 58. O m ê s de abril de 1832 tinha sido d r a m á t i c o e t r a u m á t i c o para a R e g ê n c i a , no dia 3 teve que se haver com uma revolta dos liberais exaltados', que como sempre tinham fama de levantarem a p o p u l a ç ã o e manipularem os negros, no dia 17 do mesmo m ê s foi a vez dos restauradores', comandados pelo b a r ã o de Bullow. Desde finais de 1831 chegavam n o t í c i a s de planos de derrubada da R e g ê n c i a , tramados no exterior. As novidades vinham de Londres e Paris. Esses boatos prolongaram-se a t é 1833, mesmo depois da morte de d. Pedro 1 do Brasil e IV de Portugal. Em julho e outubro novas revoltas aconteceram. o 59. Ofício de 14.8.1834 do juiz de Paz do 2 dis"trito da freguesia da C a n d e l á r i a , Luís Francisco Braga, ao intendente-geral da p o l í c i a da Corte, IJ 6 169, Secretaria de Polícia da Corte, p. 1, A.n; ofício do intendente-geral da p o l í c i a da Corte, E u s é b i o de Q u e i r ó s Coutinho Matoso da Câmara, ao ministro dos n e g ó c i o s do I m p é r i o , A n t ô n i o Pinto Chichorro da Qama, c ó d i c e 323 (1822-1836), 24.5.1834, v. 7, p. 118, A.n. no IJ 1 168 ( I de fevereiro de 1834 — 30 de abril de 1835), Registro de Avisos, há v á r i a s listas de portugueses expulsos sem passaporte e listas daqueles que ficaram, pagaram fiança e foram encaminhados para o interior. o 60. Das 26 pessoas da lista de passageiros do brigue p o r t u g u ê s Boa Hova. duas eram brasileiras (22 anos e 38 anos, negociante e marceneiro) e uma inglesa (14 anos e caixeiro). Sem e x c e ç ã o , eram solteiros. Os portugueses vinham todos do Porto. Como o c u p a ç ã o , declaravam: "a empregar-se', a e x c e s s ã o de quatro lavradores, três caixeiros e um sapateiro. Suas idades: dois com nove anos, dois com dez, dois com 11, um com 12, dois com 13, quatro com 14, t r ê s com 16, t r ê s com 17, dois com 18, um com 21 e um com 37 anos. 61. limar Rohloff de Matos, O tempo saquarema, do Livro, 1987, p. 152. S ã o Paulo, Editora HUCITEC/Instituto nacional Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 71-96. jul/dez 1997 - p á g . 9 5 A B S T R A C T When the Brazilian citizenship was defined during the First Empire, the arrival and settlement of the Potuguese' started to be submitted to inspection and control. This policy — operated by the government — fluctuated in conformity to the political moment, since the 'Brazilian' had his process of development gradually constituted, and the Portuguese labor was essential to the Empire. R Avec la d é f i n i t i o n É S d'une c i t o y e n n e t é U brésilienne, M É lorsque du Premier R è g n e , 1 ' é t a b l i s s e m e n t des 'Portugais' furent soumises au controle et vigilance. Cette par le gouvernement oscillait selon le moment politique, une fois que 1 ' e n t r é e et politique adoptée le ' B r é s i l i e n ' eut son processus de d é v e l o p p e m e n t graduellement c o n s t i t u é et la main-d'oeuvre portugaise se portait indispensabie à la Cour. Fernando Teixeira da Silva Professor de História da Universidade Metodista de Piracicaba (UMMEP), mestre e doutorando em História Social na Universidade Estadual de Campinas (UMCAMP). I m i g r a ç ã o Portuguesa e M^OYimento O p e r á r i o no B r a s i l Fontes e arquivos de Lisl&oa outras c i d a d e s b r a s i l e i r a s . ste artigo é o resultado 1*^ parcial de um e s t u d o PORTUGUESES realizado durante sete DEPORTADOS DO BRASIL meses em arquivos portugueses para o desenvolvimento do proje- Há uma grande quantidade de documen- to 'A colônia portuguesa em Santos: imi- tos referentes a trabalhadores e militan- gração, trabalho, cultura e movimentos tes portugueses que foram deportados do sociais ( 1 8 8 0 - 1 9 3 0 ) . Seu objetivo é território brasileiro, entre 1912 e mea- apontar algumas possibilidades de pes- dos da década de 1930, acusados de 'in- quisa sobre a relação entre movimento desejáveis' em razão, especialmente, de operário e imigração portuguesa, nas três sua atuação no movimento operário. Por primeiras d é c a d a s do século XX, a partir meio de investigações realizadas no Bra- da apresentação do c o n t e ú d o das fontes sil (correspondências diplomáticas no Ar- e dos respectivos arquivos localizados em quivo Histórico do ltamarati; processos Lisboa. Embora as investigações tenham de expulsão de estrangeiros no Arquivo sido orientadas sobretudo para o caso nacional; processos criminais no Arquivo específico de Santos (litoral paulista), se- do Fórum de Santos; ofícios da Delega- rão feitas indicações que podem forne- cia Regional de Santos; jornais da gran- cer i n d í c i o s p a r a p e s q u i s a s de imprensa e operários) e em Portugal 1 sobre Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp'. 97-108, jul/dez 1997 - p á g . 9 7 (correspondências diplomáticas no Arqui- a continuidade da a t u a ç ã o política de al- vo do Ministério dos Negócios Estrangei- guns militantes nos dois países, aspec- ros e imprensa operária), foi possível en- tos em geral ignorados pela literatura contrar no Arquivo Nacional da Torre do sobre o tema. Possibilitam ainda o con- Tombo algumas dezenas de documentos fronto com as informações contidas nos nominais (processos, fichas cadastrais e processos de e x p u l s ã o elaborados no registro geral de presos) da ex-PIDE/DQS Brasil, uma vez que, com base em de- (Polícia Internacional e de Defesa do Es- clarações dos deportados, dos agentes tado/Direção Qeral de Segurança) relati- d i p l o m á t i c o s e na a u s ê n c i a de provas vos a portugueses deportados de Santos quanto à s diversas c o n d e n a ç õ e s , as au- e de outras partes do Brasil a partir de toridades portuguesas, em certos casos, 1919. 2 denunciavam as arbitrariedades jurídicas Constam de alguns desses processos relatórios de agentes e informantes secretos remetidos à s diversas polícias políticas portuguesas, 4 3 contendo informações sobre a a t u a ç ã o dos envolvidos e o seu na formação de culpa e restituíam a liberdade aos presos. 5 No Arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros foi localizada a maior parte da d o c u m e n t a ç ã o sobre esse tema. A passado de atividades no Brasil. Além dos dados pessoais (idade, profissão, estado civil, filiação e local de nascimento), determinados processos contêm ainda c o r r e s p o n d ê n c i a s trocadas entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros, os iAos Trabalhadores da Liáhf, em Geral í o r u i i animador o eulLu-avaimo q N M noU •*» lodoa M e c n p é nb*:roa A compantui, 4wwl* daaaa TIIIC Klniriii! «nlhoMMo pela noaaa ..'pi.ni:>, »a-aa m—me üeaoriaaLd*. poia, já É f M Mio d* toda* M mmm* • implantar a diaeorriia ao IOMO M.O. taado » htil oom toda t *<>(.( <U M U M l M , [I « o.n i £ : i ha (..oro. m « i «a Linha* • Caboa, o «baia tarai «••lar S u , u Uutou eontmear *q asila* e—paaaaifa. por M M oa mmit a araVta. a * i parar lai ai rU Unilo. laTiriiiajdi. para uao. d.nhairo para l * * f I I I I 4a* taatiw praaiau a. anta, I N ald n * n a a d . lataaiiaa «atra oa oosuanbatraa 4m -Tr.it ^o. O,J* r i . r u da UrLofi.p 1 detcaradoi patifa* a.«a aa aptonlram aparor* doa d**nt* do Inpirtar «oa UabaLnadaras. 4a fro«U arfaida. aap.ntoa ilam. oadoo %w*m raattciMUamia aaMoa para a eoaqstati doa atoa diraUoa, avBai P»r» • rantoaWa .,0.1a d* cootma daa cri*MB qa* aaaa corja á a avataadrat ias pavpatrado «tra»«a daa aaaaataa I Oa taaapaarttairaa da linhia a caboa, aa gafai, ncraoaa) toda è ma.or adaatracaa da todo* oa o a troa trabalhadora* áa Ufat, aai (oral, aaaiai ooato ••> t*ral da ladoa - « trataihadoraa. pala * H d i a i n i É i l i • * « * * aoclaJ ra*aliado saa* Ioda a rnargia d* coatpanhaire* aaaaa ia ald ta a, r • * • altaa aahaaa aoatprahaadar qa* a >icion* daila* Japaadi da . 11 tona d** out/u* wouani.nro* tralalttaiJaraa aaaiai tomo a derrota da om I * derrota do* oalroa. r í consulados, a Embaixada de Portugal no Brasil e as polícias políticas dos dois países, documentos anexos (jornais, panfletos, boletins e t c ) , cartas de presos a autoridades policiais e 'autos de perguntas' onde e s t ã o registradas as declaraç õ e s dos deportados acerca dos motivos de sua expulsão. «finti. i»is. ( « M t U t r i s ! . Viu 1 <i I i i i : 11 tnUI*i*«o l i U t i t U Vir» • siliüritiid tttotalL . h pir latos I tefcs i«t ia!... OONVOOAQAO • •wgaajji * • | m l . «Wva r"- Embora vários processos contenham poucas informações, sobretudo os anterioA Commissão res à i m p l a n t a ç ã o da ditadura militar portuguesa, em 1926, podem revelar certas conexões e contatos entre as práticas repressivas do Brasil e de Portugal e p á g . 9 8 . j u l / d e z 1997 Panfleto d o s t r a b a l h a d o r e s d a L l g h t d e S ã o P a u l o . Parte Integrante d o i n q u é r i t o p o l i c i a l contra L a m p i o n e L e o n e . S á o P a u l o , 1 9 1 9 . Arquivo Nacional. o V correspondência consular inclui recortes ais, do Grupo de Propaganda e Defesa de jornais do Brasil e de Portugal, mani- Social e de várias a s s o c i a ç õ e s de traba- festos e boletins operários, indicação dos lhadores nos mais diversos lugares do motivos das expulsões, destino dos de- país); cartas de presos e de deportados portados, s i t u a ç ã o s ó c i o - e c o n ô m i c a de para a África, detalhando suas condições algumas famílias de portugueses expul- de vida e solicitando auxílio material e sos, protestos das colônias portuguesas jurídico; e c o r r e s p o n d ê n c i a de familiares no Brasil contra as violências policiais, dos expulsos e de militantes no Brasil requerimentos e p e d i d o s de narrando, entre outros aspectos, as vio- habeas corpus remetidos às autoridades de Por- lências praticadas pela polícia brasileira. 6 tugal, intervenções diplomáticas em favor da liberdade de presos e expulsos, C O N T A T O S E INFORMAÇÕES E N T R E relatórios consulares e da embaixada de O MOVIMENTO OPERÁRIO DO Portugal no Brasil que t a m b é m denunci- BRASIL E O DE P O R T U G A L avam irregularidades jurídicas na elabo- rios, localizados no Arquivo Histórico-So- A cial da Biblioteca nacional de Lisboa, tam- vimento operário do Brasil e de Portugal. bém podemos encontrar várias matérias O Arquivo Histórico-Social possui um a respeito das d e p o r t a ç õ e s , sobretudo na acervo de quase duas dezenas de jornais conjuntura de 1919-1921. Inúmeros são das mais diferentes regiões do país, clas- os artigos contendo informações e pro- sificados como anarquistas, bolchevistas testos contra a prisão e o envio dos de- e antifascistas, corporativos (jornais de portados para as colônias portuguesas na diferentes categorias de trabalhadores), África (espécie de segunda e x p u l s ã o ) ; sindicalistas, o p e r á r i o s e socialistas, manifestações de solidariedade do mo- além vimento operário p o r t u g u ê s (atividade da esperantistas, de juventudes o p e r á r i a s e Comissão Pró-Presos por Q u e s t õ e s Soci- libertárias. Uma exaustiva pesquisa per- ração dos processos de expulsão. Ha grande imprensa e nos jornais operá- imprensa operária é, sem dúvida, a principal fonte para a .história dos contatos e trocas de informações entre militantes do mo- de periódicos E' preciso reagir, • já, contra ossa corja do iaal bani, wtnrit lanllaaw • M MMTI iha k m Mata, a*a a ar priaaiiià, • M tutu, • «ícaua • republicanos, bandidos! MI atiaaiarti i amhrai M rm a atraia laanaat, a* «ai ihiaa a ultn uan, In mjéu k ai: uaaiti itsj, H M i a te taatm kt croftara, aaaaaaaro artes i aata atraiam attiati i i,ir liraaati I Até quando a povo supportiri semelhante situação ? Urge reagir promptamente! Que se pronuncie o proletariado I Manchete d o Jornal A Plebe, de 16 de j u n h o de 1919. Lampione L e o n e . A r q u i v o N a c i o n a l . Parte integrante d o i n q u é r i t o policial Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n° 2, pp. 97-108, j u l / d e z 1997 contra - pág.99 A C E mite encontrar informações sobre os tra- libertários portugueses sobre as depor- balhadores portugueses e o movimento tações. operário no Brasil, artigos de correspondentes e colaboradores de jornais nos dois países e visitas de militantes a sindicatos de Portugal. Igualmente relevantes s ã o as diversas matérias sobre a oposição dos jornais à emigração em massa para o Brasil, à s dificuldades impostas pelo nosso mercado de trabalho e à a ç ã o 8 Embora náo tenha encontrado referências ao Brasil, o Arquivo Histórico-Social guarda um monumental acervo manuscrito, bibliográfico e iconográfico, produzido pelo movimento operário e anarquista português, de espólios de instituições representativas dos mesmos, a l é m de m e m ó r i a s escritas e orais. 9 repressiva da polícia brasileira aos tra10 balhadores e militantes lusos. no Arquivo Pinto Quartim, localizado no Instituto de Ciências Sociais da Universi- Ainda na s e ç ã o de espólios da Biblioteca dade de Lisboa, há alguns documentos e nacional, o Arquivo Histórico-Social con- jornais com referências ao movimento tém volumosos núcleos documentais de operário e anarquista brasileiro." militantes portugueses. De interesse para o anarquismo brasileiro destaca-se o IMIGRAÇÃO, T R A B A L H O E núcleo neno Vasco, que foi um atuante e COLÔNIAS PORTUGUESAS N O BRASIL influente anarquista no Brasil e em Por- Edgard Leuenroth, durante a década de P tugal, com mais de uma centena de corr e s p o n d ê n c i a s trocadas, sobretudo com arte considerável da documentação investigada diz respeito a temas relacionados à emigração/ imigração e à s colônias portuguesas em 1910. nesta farta d o c u m e n t a ç ã o sobres- diferentes cidades do Brasil, destacan- saem informações de ordem pessoal (di- do-se o material referente aos trabalha- ficuldades financeiras, familiares etc.) e dores imigrantes, no Arquivo Histórico do detalhes sobre as inúmeras colaborações Ministério dos n e g ó c i o s Estrangeiros, de neno Vasco em jornais o p e r á r i o s e onde foi realizada a maior parte de nos- libertários brasileiros. Trata-se de um rico sa pesquisa, encontra-se c o r r e s p o n d ê n - material, por enquanto inexplorado, ca- cia d i p l o m á t i c a com os consulados, a paz de fornecer valiosas c o n t r i b u i ç õ e s embaixada e a l e g a ç ã o de Portugal no para a constituição de uma história bio- Brasil, entre outras i n s t i t u i ç õ e s . Essa 7 gráfica de neno Vasco. no núcleo Edgard correspondência Rodrigues, outro anarquista p o r t u g u ê s sobretudo, em processos classificados que militou no Brasil, encontram-se, en- tematicamente (fichário ideográfico), tais tre outros documentos, artigos sobre a como: propaganda de Portugal no estran- está localizada, história dç> movimento operário brasilei- geiro; emigração portuguesa para o Bra- ro, além de alguns recortes de jornais sil; notícias da imprensa estrangeira e p á g . 100. j u l / d e z 1997 V R O portuguesa sobre Portugal; exilados, pre- Destacam-se neste volumoso material di- sos, emigrados políticos e 'indesejáveis'; versos temas relativos à colônia portu- comunismo e anarquismo; degredo, de- guesa de Santos, embora possam ser per- portações e extradições; socorros e re- feitamente estendidos a outras cidades. patriações; informações políticas prove- Mo que se refere à s q u e s t õ e s de emigra- nientes dos consulados de Portugal; polí- ção/imigração, podemos listar os seguin- tica interna e externa brasileira; direitos, tes assuntos: mapas estatísticos da imi- garantias individuais e atividades dos por- gração pelo porto de Santos, indicando tugueses no estrangeiro; s e n t e n ç a s e re- datas de embarque e desembarque, ida- clamações estrangeiras; emigração e imi- de, sexo, estado civil, profissão e origem gração. processos dos imigrantes; demografia portuguesa; temáticos, existem diversos r e l a t ó r i o s a t u a ç ã o perniciosa dos agentes aliciado- anuais, monografias e inquéritos sobre res de imigrantes; informações e dados as colônias portuguesas no estrangeiro, estatísticos sobre socorros e repatriações elaborados pelos cônsules de diferentes de 'imigrantes desamparados'; remessas cidades. financeiras a Portugal feitas pelos imi- Além desses grantes; quantificação dos portugueses inscritos no consulado e respectivos daFederaçáo Operaria de São Paulo Ao Operariado em Geral Companheiras, a reação policial /a cameçau. 41/aas ilu nasssas ctmpinhelras Já laram a a m sem tater auol a motivo. As ca teias de tantas et lia atarroladas de trata lha dores, i as aafmittHt em mas sn de aperatias pelapallcia da Mija mm mm*. Portanto cimpaaatirat, samos cèemeéet á lucm, i Ioda pela nessa causa, Iodar pelas aassas reivindicações aperarlas. i i CRttl ÊtMU mm Mamei m protesto ciam Mas as /insanas abusos * arbitrariedades de que saa rlctimas as classes apanhas. A Greve pois! dos sobre idade, profissão, sexo, estado civil e distritos de origem; problemas decorrentes dos fluxos e das políticas de emigração/imigração dos dois países, sobretudo quanto ao mercado de trabalho. Mo que diz respeito à cidade de Santos, há d e s c r i ç õ e s sobre os bairros, sanea- » ente Berat am Um a estada m t. Haia para mento, infra-estrutura e equipamentos azar ralar as aassas direitas amaesprtiada pata classe UmAlMTA, ÊtlKtlCU a CLUI CtWEMNAHUtTAl urbanos, transporte, turismo, instrução, Trabalbadans, anl-ias para tantas lartes! fira a immwmmm das traba/baacres! assistência social e empresas, particularCamaradas: preteslemas tem alta canIra lados estas uilamias me centra nas am praticadas, certas m mente estabelecimentos comerciais, banaae am veltartmas m tramita enauaalu is nossas campbnheiras am taram resiiluidas t liberdade t cários e industriais portugueses. asseguradas par parte das pederes cumpelenlu.t a direito de reunião e Urre pensamento, milarmt aas O material pesquisado fornece vários elegarante a constituição m Paii Viva a Greve G e r a l L mentos sobre as condições de vida e de Sexta Feira IU IIUIM jilie m t r i l i l i i ! i federação Operaria ê*mOm ar -tvtíu«n-n ar* mrv trabalho na cidade: quadro das ocupações profissionais dos imigrantes e sua distribuição por empresas; movimento de Panfleto d a F e d e r a ç ã o O p e r á r i a d e S ã o P a u l o , ° > 1919. Parte integrante d o i n q u é r i t o policial contra L a m p i o n e L e o n e . A r q u i v o N a c i o n a l . i m p o r t a ç ã o e exportação pelo porto de Santos, em especial quanto aos produ- Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 97-108 . j u l/dez 1997 - p á g . 1 0 1 A C E tos portugueses; custo de vida e média no Arquivo Histórico do Tribunal de Con- de salários por profissão; reivindicações tas, no Arquivo da Câmara Municipal de e mobilizações operárias; sociedades re- Lisboa e no Arquivo Distrital do Porto. creativas, de beneficência, de instrução e de classe; informes sobre expulsão de 'indesejáveis'; interferência de membros da colônia e de autoridades diplomáticas portuguesas em movimentos grevistas e em favor de operários perseguidos pela r e p r e s s ã o policial; condições de habita- 12 A seguir listamos alguns documentos do Arquivo do Ministério dos n e g ó c i o s Estrangeiros, do Arquivo da Polícia Internacional e de Defesa do Estado e da imprensa operária portuguesa, por serem os de maior relevância para os temas aqui mencionados. ção, instrução e s a ú d e dos imigrantes. Apesar de conter poucas referências aos ARQUIVO trabalhadores e ao movimento operário, M I N I S T É R I O DOS outras fontes do Arquivo do Ministério dos ESTRANGEIROS n e g ó c i o s Estrangeiros apresentam ele- (CORRESPONDÊNCIAS mentos sobre a situação política brasi- DIPLOMÁTICAS) leira em diferentes conjunturas das d é - Portugueses expulsos do Brasil cadas de 1920 e 1930 e seus efeitos entre os imigrantes portugueses. Poucas in- HISTÓRICO DO NEGÓCIOS Correspondências da legação de Portugal no Rio de Janeiro (1912) [caixa 231] formações políticas encontram-se na correspondência do Arquivo Antônio de Oli- Correspondências da legação de Portuo veira Salazar e no Arquivo do Ministério do Interior (ambos localizados no Arqui- gal no Rio de Janeiro (1913) [ 3 piso, armário 12, maço 50] vo nacional da Torre do Tombo), mas sua Entrada em Portugal de deportados peri- quase totalidade é composta de grupos gosos vindos do Brasil (1912) [ 3 piso, de documentos produzidos a partir da dé- armário 3, maço 29, proc. 270] cada de 1930 e não oferece muitas indi- Anarquistas portugueses e de outras na- cações sobre o Brasil. cionalidades expulsos da República do na Sociedade de Geografia de Lisboa e na Biblioteca nacional pode ser encon- o Brasil e da Argentina (1919-1921) [ 3 o piso, armário 12, maço 50] trada uma vasta bibliografia sobre a emi- Comunismo e relação da URSS com di- gração portuguesa para o Brasil. versos países (1919-1923) [ 3 piso, ar- Embora não revelem nenhuma documen- o mário 10, maço 18c] tação importante para a pesquisa sobre Comunismo e anarquismo - portugueses Santos, outros investigadores p o d e r ã o expulsos do Brasil (1924) [ 3 piso, armá- ter melhor sorte no Arquivo Histórico-Par- rio 7, maço 102] lamentar, no Arquivo Geral da Marinha, Portugueses expulsos do Brasil (1927) [3 p á g . 102. j u l / d e z 1997 o o V R O o piso, maço 110, armário 12] Informações políticas (1932) [ 3 piso, Portugueses expulsos do Brasil como in- armário 4, maço 15; 3 o piso, a r m á r i o desejáveis (1927-1928) [ 3 piso, armário 12, maço 310] 7, maço 106] Informações políticas da Embaixada de Legação do Rio de Janeiro (1927-1928) Portugal no RJ (1936) [ 3 piso, a r m á r i o [caixa 233] 1, maço 472] Emigração/imigração Política interna e externa b r a s i l e i r a o o o Emigração para o Brasil e outros p a í s e s (1937) [ 3 piso, armário 11, m a ç o 348] da América do Sul (1924-1927) [ 3 piso, Política interna e externa do B r a s i l armário 8, maço 17b, proc. 255] (1940) [ 3 piso, maço 86, armário 9] Emigração para a América do Sul (1928) Revolução no Brasil. Deportação de por- o o tugueses para o Oiapoque (1924-1925) o [3 piso, maço 79, armário 19] o Emigração para a América do Sul (1921) [3 piso, armário 7, maço 87] Q u e s t õ e s resultantes do movimento re- o [3 piso, armário 6, maço 17b] o o Emigração subsidiada (1927) [ 3 piso, ar- volucionário brasileiro de 1930 [ 3 piso, maço 5, armário 15] mário 4, maço 42] o Emigração clandestina (1928) [ 3 piso, ar- Relações políticas de Portugal com o o Brasil [ 3 piso, armário 12, m a ç o 310] mário 10, maço 266] Emigração/imigração (1935-1940) [ 3 piso, Arquivo da Polícia Internacional e de maço 85, armário 16] Defesa do Estado (Arquivo nacional da o Torre do Tombo) Colônias portuguesas no Brasil Socorros e r e p a t r i a ç õ e s (1921-1931) [ 3 o o piso, armário 79, maço 38; 3 piso, a r m á - Processos de portugueses expulsos do Brasil Adriano Pinto da Costa (cadastro PSE rio 18, maço 66 a 68] o Inscrições consulares (1925-1926) [ 3 piso, 3.653/1919) Alberto Augusto de Castro (cadastro PSE armário 29, maço 91] Colônias portuguesas no estrangeiro (1934) 3652/1919) [3 piso, m a ç o 438, a r m á r i o 1; 3 piso, Albino Constantino Martins Vilarinho maço 117, armário 9] (proc. PC 0878/39) Condecorações portuguesas a brasileiros Alfredo d Araújo (proc. PSE 1086) o o [3 piso, armário 29, maço 38] Antônio Alves Pereira J ú n i o r (proc. PSE Informações p o l í t i c a s sobre o Brasil 1284/1920) Defesa de interesses dos portugueses no Antônio Couto de Castro (proc. PC 0027/ o estrangeiro (1931-33) [ 3 piso, armário 1, 40; Registro Geral de Presos 11946) maço 398] Antônio Cardoso (cadastro 10300/28) o Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 97-108. j u l / d e z 1997 - p á g . 1 0 3 C A E Antônio da Costa Coelho (proc. PSE 4/ J o ã o Queirós nogueira (proc. PSE 1063/ 1920) 1920) Antônio Fernandes Leite (cadastro PSE J o ã o Soares Barbosa (proc. PSE 3151/ 7474/1924) 1927) Antônio Francisco Lopes (proc. PC 0162/37) Joaquim Duarte Cerdeira (proc. PSE 12- Antônio Mendes (proc. PSE 1023/1924) 5/1921) Antônio Pinto (proc. PSE 3151/1927) J o a q u i m Ferreira da Costa (proc. PC Antônio Ramos (proc. PSE 518/1919) Artur Inácio Bastos (proc. PC 0106/41, 2187/41, 0437/49; Registro Geral de Presos 13048/41) Augusto Antônio Figueiras (Registro Ge- 0430/1949; proc. PC 2072/35; Registro Geral de Presos 01994/35 e 18903/1949) Joaquim Pinto Ferreira Martins (proc. PC 1052/36: Registro Geral de Presos 03819) J o s é Cerqueira (proc. PSE 3151/1927) ral de Presos 04652/1936 e 13138/41; J o s é Maria Coelho (cadastro 01356; proc. proc. PC 0364/41) 3151) Belizário dos Santos (proc. PC 1512/39) J o s é Maria de Carvalho (proc. SPS 0460/ Bernardino J o s é Marques do Vale (cadas- 1932) tro 10218/28; proc. PSE 3702/1928; Re- J o s é Maria Esteves (proc. PC 1065/1936, gistro Geral de Presos 3888) proc. 103; proc. SPS/1918; cadastro 8230) Cesário Pinto da Cunha (proc. PC 1511/ J o s é Martins Ruas (cadastro 9992/1921) 39; Registro Geral de Presos, 11802) J o s é de Oliveira (proc. PSE 3201/1927) Euclides Venade Pinche (proc. SPS 0473- J o s é Proença (proc. SPS 0317/1932; ca- A/1932; proc. SPS 2099/1937-1939; ca- dastro 01950/1927) dastro 0492/27; proc. PC 0847/1937, 0391/1943 e 1022/1948) J o s é Rocha da Silva (proc. PSE 455-A/ 1919) Franklin dos Santos Monteiro (proc. PSE Júlio César Leitão (proc. PSE 322/1932- 1023) 1934; proc. PSE 460-A/1932; proc. SPS Gil de Paiva (cadastro 01353/27; proc. 0460/1932; Registro Geral de Presos 545/34) PSE 3151/1927) Manuel S i m õ e s dos Santos (proc. PSE Isaías Gomes de Pinho (proc. PSE 1063/ 3151/1927) 1920) Manuel Francisco Frutuoso (proc. PSE J o ã o Marcelino (proc. PSE 1724/1922) J o ã o Marques Melo (proc. PSE 1359/1920) J o ã o Pereira (proc. PSE 3201/1927) p á g . 104, j u l / d e z 1997 3151/1927) Manuel Maria (cadastro 0 8 9 1 0 / 1 9 2 7 , proc. s/n) R V O Manuel Pereira (cadastro 08775/1927; "Tio Brasil — Campanha contra a emigra- proc. 3401/1927) ção", 16.2.1913 Mário Augusto Alves (PSE 3763/1928) "Solidariedade operária — duas m o ç õ e s Militão Bessa Ribeiro (proc. QT 238/1932) do Segundo Congresso Operário Brasilei- Rodolfo Marques da Costa (proc. PSE ro", 2.11.1913 2329/1924) "Carta do Rio de Janeiro", 16.12.1913 Sebastião Lourenço (proc. PSE 2760/1925) A Greve — s e m a n á r i o o p e r á r i o da Manhã e propriedade do Grupo de Propa- IMPRENSA OPERÁRIA (ARQUIVO HISTÓRICO-SOCIAL) ganda Social (Lisboa) Meno Vasco. "Cartas internacionais", 26 O Protesto — semanário socialista (Lisboa) e 27.6.1908 "Greve dos trabalhadores do porto de A Voz do Operário Santos", 3.10.1908 "Cartas do Brasil", 11.9.1910 Aurora (Porto) C h i c o L i s b o a . " C r ô n i c a s do B r a s i l " , "Crônicas do Brasil — A greve em San- 16.12.1910; 8, 15.1.1913; 26.3.1911; 2, tos", 29.9.1912 8, 3 0 . 4 . 1 9 1 1 ; 7 . 5 . 1 9 1 1 ; 4, 1 1 , 18, "Na República Brasileira", 20.12.1912 (Lisboa) 2 5 . 6 . 1 9 1 1 ; 2, 9, 16, 2 3 , 3 0 . 7 . 1 9 1 1 ; 10.8.1911; 8, 29.10.1911; 28.1.1912; "Na República Brasileira. Inquisição policial", 23.6.1912 11.2.1912; 3 . 3 . 1 9 1 2 ; 2 1 , 2 8 . 4 . 1 9 1 2 ; 5.5.1912; 2,16,30.6.1912; 17, "Do Brasil", 31.10.1915 24.11.1912, 1,8.12. 1912; 12, 19.1.1913; "Greve geral em São Paulo", 23.9.1917 9.2.1913; "Uma cilada policial... e governamental", 13, 2 0 . 4 . 1 9 1 3 ; 15, 2 2 , 29.6.1913 11 e 26.11.1917 "Crônicas do Brasil", 21.4.1912 "Edgard Leuenroth", 19.5.1918 "A emigração para o Brasil", 22.9.1912 O Sindicalista (Lisboa, 1910-1913) "Carta do Brasil", 10.11.1912 "A visita dum s i n d i c a l i s t a brasileiro", "Emigrantes", 22.12.1912 192.1911 "A emigração", 16.2.1913 "Carta do s e c r e t á r i o do Sindicato dos "A emigração", 2.3.1913 Estucadores e Pedreiros do Rio de Janei- "Aos emigrantes. A situação no Brasil", ro", 21.7.1912 23.3.1913 "A guerra social", 8.9.1912 "A vida no Brasil", 4.5.1913 "A emigração", 16.10.1912 "Carestia de vida no Brasil", 1.6.1913 "Carta do Rio de Janeiro", 15.12.1912 "Crônica do Brasil", 8.6.1913 Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 97-108. j u l / d e z 1997 - p á g . 1 0 5 E C A "Contra a emigração", 22.6.1913 dical", 26.7.1924 "O problema da emigração I, II, III, IV", "Mo Brasil. Queimam-se as obras de Marx 31.8.1913, e de Otávio Brandão", 10.1.1925 7.9.1913, 14.9.1913, 21.9.1913 Otávio B r a n d ã o , 7.3.1925, 16.5.1925, "Emigração portuguesa", 13.11.1913 13.6.1925 "A emigração", 15.2.1914 "Brasil. A situação econômica do seu proletariado", 17.4.1926 "A moderna escravidão", 27.9.1914 A Batalha (Lisboa) Terra Livre (Lisboa) "Sobre a emigração", 6.7.1920 "Oh! As Repúblicas!... Contra a emigração para o Brasil", 20.2.1913 Mário Domingues. "A partida para o Brasil", 25.10.1920 Clemente Vieira dos Santos. "Oh! As Rep ú b l i c a s . . . E m i g r a ç ã o para o Brasil", 6.3.1913 Eduardo Castro. "Por que emigram os trabalhadores", 1.1.1921 "A a l t a dos p r e ç o s e a e m i g r a ç ã o " , Federação Operária de Santos. "Oh! As 7.1.1921 Repúblicas... Emigração para o Brasil", "O caso da Agência Financial", 8.1.1921 13.3.1913 "O sindicalismo no Brasil", 15.5.1913 "No Brasil. Carestia de vida", 1.5.1913 Astrojildo Pereira. "Quanabarinas", 26.6.1913, 15.5.1913, 1.5.1913 "A emigração para Santos", 10.2.1921 "Crise do trabalho no Brasil", 29.3.1921 "A campanha nativista", 6.4.1921 "Lá como cá - os atentados dinamitistas no Rio", 17.8.1921 Santos Barbosa. "Mo Brasil a onda cres"Conseqüências ce", 19.6.1913 do patriotismo: o jacobinismo brasileiro", 21.8.1921 A Sementeira — publicação mensal, crítica e sociológica (Lisboa) "A a ç ã o dos c o m u n i s t a s no B r a s i l " , 17.8.1921 Neno Vasco. "O movimento anarquista no Brasil", maio de 1911 J o s é Oiticica. "A q u e s t ã o religiosa no Brasil", 21.8.1921 Primitivo Soares. "A questão social no Brasil", 1.4.1916 e 1.5.1916 Astrojildo Pereira. "Deste Brasil", março, abril e junho de 1919 A Internacional (Lisboa) Astrojildo Pereira. "Brasil. A situação sin- p á g . 106. j u l / d e z 1997 Meno Vasco. "A propósito da organização de um partido operário", 15.9.1921 Afonso Schimidt. "À margem do programa comunista", 11 e 17.9.1921 Astrojildo Pereira. "O movimento social no Brasil", 27.8.1921 V R O "O Brasil visto por um anarquista italia ra à guerra", 9.1.1909 no", 4.9.1921 O Trabalho (Lisboa) Guerra Social Jaime Ferreira Dias. "Emigração: a vida Manuel Moscoso. "Cartas do Brasil. Quer do campo e a febre do êxodo", 10.11.27 n O T A s 1. O trabalho contou com o a u x í l i o da CAPES e foi desenvolvido de janeiro a julho de 1996, sob o r i e n t a ç ã o de Míriam Halpern Pereira, professora do Instituto Superior de C i ê n c i a s do Trabalho e da Empresa (Lisboa). 2. De acordo com normas do Arquivo nacional da Torre do Tombo, os processos posteriores a 1927 s ó podem ser pesquisados a p ó s cerca de sessenta dias a partir da data do pedido de sua consulta. Outro problema relativo a essas fontes é identificar, com s e g u r a n ç a , os processos referentes à s pessoas a serem investigadas, tia medida em que s ã o muito comuns os h o m ô n i m o s , torna-se n e c e s s á r i o colher o maior n ú m e r o de dados individuais (idade, local de nascimento, filiação etc.) a fim de se obter o processo procurado a partir da r e l a ç ã o de nomes apresentada nos computadores. 3. Ver Maria da C o n c e i ç ã o Ribeiro, A polícia Estampa, 1995. 4. É o caso, por exemplo, de Militáo Bessa Ribeiro que. em sua autobiografia anexada ao processo, afirma ter vindo para o Brasil em 1909, com a idade de 13 anos. "Empregou-se como o p e r á r i o numa f á b r i c a de a l g o d ã o , onde trabalhou muitos anos como t e c e l á o . Conduziu v á r i a s lutas reivindicativas na sua fábrica, que tinha mais de mil o p e r á r i o s , e foi dirigente sindical de sua classe. Filiou-se ao Partido Comunista do Brasil, onde em breve foi chamado para os seus cargos e onde travou conhecimento com alguns de seus dirigentes". Foi expulso do Brasil ( n á o menciona a data), mas conseguiu desembarcar clandestinamente sem ser preso. Seguiu para sua terra natal, em T r á s - o s - M o n t e s , c o m e ç a n d o a "fazer propaganda e a organizar lutas do campesinato". o que lhe custou anos de p r i s ã o na d é c a d a de 1930 (processo QT 238). J ú l i o C é s a r Leitão foi expulso do Brasil em 1927 como 'agitador comunista'. De regresso a Portugal, "efetuada uma r e u n i ã o , o epigrafado orientou os presentes na forma de se organizar o PCP (Partido Comunista de Portugal), copiando para esse fim a o r g a n i z a ç ã o brasileira de que o epigrafado tinha feito parte durante sete anos" (processo SPS 460), tendo sido preso v á r i a s vezes (processo SPS 322 e PSE 4960). 5. É o caso de B e l i z á r i o dos Anjos, expulso do Rio de Janeiro em 1939, preso sob a a c u s a ç ã o ' d e ser comunista e posto em liberdade por n â o haver 'prova de culpa' (processo PC 15512/39). Outro caso encontra-se em um processo incluindo onze portugueses acusados de organizarem uma 'greve r e v o l u c i o n á r i a ' na Light, no Rio de Janeiro. O diretor da Polícia de Informaç õ e s do Ministério do Interior escreveu um r e l a t ó r i o afirmando que haviam sido expulsos "sem processo formado e sem i n t e r r o g a t ó r i o p r é v i o , limitando-se as autoridades do Brasil a indagar deles se tinham sido, ou eram, empregados da citada Light" (a maioria nem mais pertencia aos quadros da empresa), a l é m de citar i n ú m e r a s outras arbitrariedades policiais. (Processo PSE 3151). Estudos detalhados sobre tais arbitrariedades encontram-se em Sheldon Leslie Maram, Anarquistas, imigrantes e o movimento operário (1890-1920), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979; Paulo S é r g i o Pinheiro, " V i o l ê n c i a e cultura". B o l í v a r Lamounier et a l . , Direito, cidadania e participação, S ã o Paulo, T. A. Queiroz, 1981. 6. Os jornais que maior destaque deram à s e x p u l s õ e s foram O Século Livre (1913) e A Batalha (1919-21). 7. Meno Vasco permaneceu uma d é c a d a no Brasil, fixando-se definitivamente em Portugal em 1911. Ver J o ã o Freire, " I n t r o d u ç ã o " , Meno Vasco, C o n c e p ç ã o anarquista do sindicalismo. Porto, Afrontamento, 1984. 8 Mo Múcleo Jorge Quaresma (caixa 33) h á a biografia de um militante, A n t ô n i o Costa, que "muito novo andou pelo Brasil e Argentina, tendo tido contatos com companheiros dessas nacionalidades". - 9. política Um guia de pesquisa bastante valioso é o Catálogo Lisboa, 1983-84. no Estado ttovo (1926-1945), do Arquivo Lisboa, (grande imprensa). Terra Histórico-Social. 2 vols., Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2, pp. 97-108. j u l / d e z 1997 - p á g . 1 0 7 10. Pinto Quartim nasceu no Rio de Janeiro em 1887 e mudou-se para Portugal aos sete anos de idade. Dirigiu, em 1913, o s e m a n á r i o Terra Livre, quando, sob a c u s a ç ã o de abuso de liberdade de imprensa, foi deportado por dez anos para o Brasil. Mo Rio de Janeiro, exerceu a p r o f i s s ã o de jornalista, regressando a Portugal em 1915. 11. O Instituto de C i ê n c i a s Sociais publicou alguns n ú m e r o s do Boletim de Estudos Operários, p e r i ó d i c o rico em i n f o r m a ç õ e s sobre acervos, m e m ó r i a s , p u b l i c a ç õ e s e biografias o p e r á r i a s , a l é m de artigos e resenhas de livros sobre o movimento o p e r á r i o em Portugal e em outros países. 12. O melhor guia para a pesquisa no Arquivo f l i s t ó r i c o - P a r l a m e n t a r , Arquivo Geral da Marinha, Arquivo Histórico-Militar, Arquivo H i s t ó r i c o do M i n i s t é r i o s dos M e g ó c i o s Estrangeiros, Arquivo H i s t ó r i c o do Tribunal de Contas e Arquivo H i s t ó r i c o da C â m a r a Municipal de Lisboa encontra-se em Miriam Halpern Pereira et al.. Roteiro de fontes da história portuguesa contemporânea. Instituto Macional de I n v e s t i g a ç ã o Científica, Lisboa, 1985. Ver, t a m b é m , da mesma autora, A política portuguesa de emigração: 1850-1930, Lisboa, A Regra do Jogo, 1981. 13. Os r e l a t ó r i o s consulares devem ser procurados na pasta R e l a t ó r i o s e Monografias, a partir dos nomes dos c ô n s u l e s das cidades pesquisadas. Bahia, C e a r á , Manaus, M a r a n h ã o , Pará, Pernambuco, Porto Alegre, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro contam com caixas e s p e c í f i c a s de ' C o r r e s p o n d ê n c i a recebida dos consulados de Portuga'. O arquivo possui resumos manuscritos de todas as c o r r e s p o n d ê n c i a s consulares da Bahia. Pernambuco, Pará e Rio de Janeiro. O consulado e a embaixada de Portugal no Rio de Janeiro e s t ã o contemplados com pastas, livros e caixas depositados nos Arquivos das R e p r e s e n t a ç õ e s D i p l o m á t i c a s e Consulares de Portugal. A B S T R A C T This article is the partial result of a research done in the Portuguese archives during seven months for the development of the project 'Portuguese Colony of Santos: Immigration, Culture and Working Class (1880-1930)'. It proposes to show some possibilities of research about the relation between labour movement and Portuguese immigration to Brazil, from the beginning of the century to the thirties, through the indication of contents of documents and respectives archives of Lisbon. R É S U M É Cet article est le r é s u l t a t partiel d'une é t u d e des archives portugais, m e n é e pendant sept mois, en vue de d é v e l o p p e r le projet 'La Colonie Portugaise à Santos: Immigration, Travail, Culture et Mouvements Sociaux (1880-1930)'. On y veut montrer quelques possibilites de recherche sur le rapport entre le mouvement ouvrier et l'immigration portugaise au Brésil. à partir du d é b u t du s i è c l e j u s q u ' à la d é c a d e de 1930, partant de la p r é s e n t a t i o n du contenu des documents et des archives respectives de Lisbonne. Maria Manuela R. de Sousa Silva Professora Adjunta do Departamento de História/IFCS/UFRJ. Poréui [meses mo .Brasil I m a g i n á r i o social e t á t i c a s cotidianas (1880-1895) D esde o final da ddécadi écada Por toda a parte irrompem minori- de 1960 se instaura er em as organizadas reivindicando um nossa cultura ocident ital ugar na história, exigindo direitos tradicionalmente cassados ou sim- uma crise sem precedentes. O con- plesmente náo reconhecidos. Mão dçi- senso social em torno da grande naros xa de ser significativo que, a partir dos primórdios da modernidade, alimenta um anos de 1950, o vocábulo 'identidade' se otimismo inabalável no progresso, nos desprenda de seus antigos contextos avanços tecnológico e científico e na con- (campo da matemática, da lógica, da fi- rativa ordenadora que, desde tínua e x p a n s ã o de bens e serviços aces- losofia e do idealismo g e r m â n i c o dos iní- síveis a um n ú m e r o cada vez maior de cios do século XIX), passando a ocupar homens, começava a ser alvo de d e s c r é - um lugar proeminente nas ciências hu- dito. São anos marcados por profundas manas e sociais. desilusões, por conflitos e t e n s õ e s soci- Assistimos e n t ã o à o r g a n i z a ç ã o dessas ais oriundas dos m u r m ú r i o s irracionais minorias em grupos de p r e s s ã o política das massas, dos ruídos inquietantes dos e ideológica, que passam a questionar a grupos outrora silenciados, mas que a antiga ordem social e suas hierarquizações, partir de agora passam a denunciar sua procurando, através de múltiplas táticas, exclusão do sistema. nem sempre pacíficas, impor o reconheAcervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2, pp. 109-118, jul/dez 1997 - pág.109 A C cimento de seus direitos e c o n s e q ü e n t e - as diversas t á t i c a s de r e s i s t ê n c i a , em mente o respeito à alteridade. face das hostilidades e ressentimentos São os trabalhadores, os estudantes, as mulheres, os marginais, os pobres, os velhos, as minorias étnicas, raciais, religiosas, sexuais e t c , por fim saindo do anonimato e do esquecimento, rastreando e reconstruindo suas próprias identidades, cujas m e m ó r i a s não coincidem com os discursos de saber, a t é e n t ã o elabo- acumulados ao longo de uma frustrante e dolorosa convivência entre ex-colonizadores e ex-colonizados que em pouco ou nada coincidiam com os discursos oficiais. Estes, ora apontavam para uma convivência cordial e pacífica, tecida por laços de fraternal amizade, cimentados por uma língua, cultura e experiência histórica partilhadas, ora procuravam cons- rados pelos historiadores. truir uma imagem totalmente hostil à Mas, se é verdade que vivemos um mo- c o l ô n i a portuguesa, tentando mento marcado pela inflação de discur- qualquer traço em comum, circunstância sos que apontam para a diferença, para entendida como fundamental para cons- o respeito à s alteridades e c o n s e q ü e n t e - tituir uma nação soberana, na contramão apagar mente aos direitos das minorias, o fato é de um passado colonial. Esta última ten- que nossos tempos de 'renascimento ét- dência ganharia ampla r e s s o n â n c i a na nico' s ã o marcados pelo extermínio e a opinião pública nos anos difíceis que se morte do 'outro', seja ele o estrangeiro, seguiriam à i m p l a n t a ç ã o da República, o negro, o pobre, o imigrante, ou sim- principalmente devido à propaganda ide- plesmente o que difere de nós. ológica antilusitana dos jacobinos. Foi, sem dúvida, este paradoxo que des- Porém, desde o início da imigração por- pertou em mim o interesse em rastrear tuguesa massiva para o Brasil, as rela- as m e m ó r i a s sociais dos imigrantes por- ções de convivência social entre súditos tugueses no Brasil, tentando portugueses o apreender e brasileiros foram Exposição comemorativa do 4 centenário do Brasil na Sociedade Propagadora das Belas Artes. Rio de Janeiro, 1900. Arquivo Nacional. p á g . 1 10. j u l / d e z 1997 V K marcadas por t e n s õ e s . Estas eram de- positivos legais acarretava a ilegalidade correntes das frustrações, das expecta- dos contratos assinados, deixando os imi- tivas e i n t e r e s s e s e grantes, uma vez em terras brasileiras, ambivalentes que, a cada conjuntura, pu- entregues à sua própria sorte. Porém, nham em a ç ã o diferentes táticas de so- eram comuns os casos de imigrantes que brevivência cotidiana, tecidas por astú- não se deixavam facilmente abater pela cias sempre em mutação de sentido. situação, reagindo com as armas de que contraditórios Os pontos geradores de maior t e n s ã o poderiam ser, tratando-se de imigrantes destinados ao setor agrícola, o descumprimento das cláusulas que regiam os contratos de locação de serviços ou contratos de parceria agrícola, através de vários artifícios que burlavam a lei, decorrentes, na maioria das vezes, da ganância de angariadores de m ã o - d e obra i m i g r a d a em c o n i v ê n c i a com dispunham. Estas podiam ir da fuga do local de trabalho, ainda que sob a ameaça dos rigores da lei, à simples recusa em trabalhar no ritmo proposto pelos capatazes ou ainda à denúncia em jornais portugueses ou através das autoridades consulares, passando pela o r g a n i z a ç ã o de movimentos de rebelião, atitudes que expressavam uma reação à s d e s i l u s õ e s , aos sonhos frustrados e à exploração de tabeliães e patrões, situação decerto fa- que eram vítimas. cilitada pela ignorância e boa-fé dos tra- Outro foco de atrito era constituído pe- balhadores emigrantes. las constantes rebeliões contra as péssi- Dentre as situações irregulares mais co- mas condições de higiene e a l i m e n t a ç ã o , muns, sobressaem aquelas em que o con- ou ainda contra a s u p e r p o p u l a ç ã o , nas trato era um simples instrumento parti- precárias instalações reservadas à hos- cular (um recibo ou escritura) e não uma pedagem provisória dos imigrantes. Um pública forma, celebrada perante tabe- motim de grande repercussão ocorreu em lião; as assinaturas dos contratados fei- 1888, quando cerca de dois mil imigran- tas a rogo de terceiros, mesmo quando tes, em grande n ú m e r o oriundos das os imigrantes sabiam assinar seu nome; Ilhas Atlânticas, se colocaram em pé de a ausência do visto obrigatório do gover- guerra contra as precárias a c o m o d a ç õ e s nador civil, bem como do reconhecimen- e a p é s s i m a qualidade da a l i m e n t a ç ã o to do cônsul brasileiro sediado em terri- fornecida. tório português, ou finalmente a inexistência de um dispositivo legal no contrato proibindo a c e s s ã o de serviços a terceiros, o que era amplamente praticado. Mas os 1 imigrantes açorianos e madeirenses rebelar-se-iam ainda por outro motivo. A Sociedade Central de Imigração e a Inspetoria de Terras e Colonização haviam tentado promover a sepa- A ausência de qualquer um desses dis- ração entre os pais e filhos menores, sob Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 109-118. jul/dez 1997 - pág.111 a alegação de que desta forma se facili- de processos abertos por familiares ou taria sua colocação nas fazendas de café. tutores e à s r e c l a m a ç õ e s diárias veicu- Anos antes, em fevereiro de 1882, quan- ladas pela imprensa portuguesa . Contu- do da internação de imigrantes na pro- do, boa parte dos jovens que havia esca- víncia de São Paulo, devido a um surto pado ao recrutamento ilegal poderia ser de febre amarela, mais de írezentos imi- presa fácil dos destacamentos militares grantes açorianos sublevados, alertaram que patrulhavam a cidade. De fato, se o vice-cônsul p o r t u g u ê s para o fato de por acaso esses jovens fossem revista- estarem dispostos a reagir à bala, se ne- dos e não pudessem apresentar os do- cessário fosse, caso a Inspetoria de Ter- cumentos, comprovando sua condição de ras e Colonização insistisse em separar estrangeiros regularmente admitidos no os homens de suas crianças e mulheres, país (passaporte ou inscrição consular), sob a a l e g a ç ã o de que isto favoreceria eram imediatamente presos e encami- 3 sua alocação nos postos de trabalho. 2 A q u e s t ã o do recrutamento ilegal de menores portugueses para as fileiras do nhados à s e s t a ç õ e s policiais, de onde posteriormente seguiam para a Casa de Detenção. Exército, Marinha e destacamentos da Porém, muitos desses jovens, a p ó s alguns polícia foi t a m b é m , ao longo do século dias de reclusão, eram conduzidos, à for- XIX, uma fonte de constante tensão en- ça, para estabelecimentos agrícolas si- tre as autoridades consulares e as auto- tuados no interior fluminense, onde en- ridades brasileiras, em face do volume grossavam o contingente de trabalhado- Vista d a praça Q u i n z e de Novembro e da ilha das Cobras. Rio de Janeiro, 1900. Arquivo p á g . 1 1 2 , j u l / d e z 1 997 Nacional. V R O res rurais. Esta modalidade ilegal de tra- liciais, com a conivência das autoridades. balho compulsório resultava, na maioria Mas a violência poderia chegar a formas das vezes, de um conluio estabelecido mais brutais, como espancamentos, aten- entre os delegados e fazendeiros, que, tados, estupros e outros crimes. sem qualquer ô n u s , passavam assim a dispor de mão-de-obra para suas lavouras. Assim, entre os anos de 1878 e 1889 foram instaurados 110 processos, sendo Ainda em relação aos imigrantes meno- todos eles contra brasileiros ou ó r g ã o s res de idade, a correspondência consu- oficiais. De uma maneira geral, os inqué- lar, bem como o noticiário veiculado pela ritos consulares eram abertos a partir de imprensa, freqüentemente nos informam uma denúncia pessoal (familiares da ví- sobre casos de prisão irregular de jovens tima, vizinhos ou comerciantes sediados que, não sendo desocupados, se dedica- no local da ocorrência) ou via imprensa, vam a pequenas atividades e c o n ô m i c a s referindo-se apenas aos casos mais gra- informais, sendo utilizados como vende- ves, dos quais haviam resultado agres- dores ambulantes, carregadores de mer- s õ e s físicas ou morte da vítima. cadorias, estafetas, m o ç o s de recados etc, atividades em que tiravam muitas vezes o sustento próprio e o da família. Se compararmos estes dados com as notícias divulgadas pela imprensa, agora cobrindo apenas o p e r í o d o que vai de É através dos processos que acompa- 1880 a 1888, verificaremos que num to- nham boa parte da correspondência con- tal de 121 ocorrências envolvendo exclu- sular que podemos mapear os principais sivamente s ú d i t o s p o r t u g u e s e s , focos de t e n s ã o e conflito gerados no eram referentes à prisão arbitrária, 11 a calor dos enfrentamentos cotidianos en- invasões de domicílio por policiais e ca- tre portugueses e nacionais, bem como poeiras, dois diziam respeito a s e q ü e s - rastrear as diversas táticas de resistên- tros praticados por soldados, um a estu- cia, assimilação e negociação que se ins- pro de criança, 35 a flagrantes de espan- 4 crevem nas práticas sociais . três camento, em grande parte motivados por Invariavelmente, os processos apontam, todos eles, para situações de conflito em que os s ú d i t o s portugueses aparecem como vítimas de vários tipos de violên- rixas de trabalho, 28 a prisões sem culpa formada, quatro a abusos de autoridade cometidos por delegados e policiais, vinte a atentados e 15 a assassinatos. cia. Esta podia concretizar-se num sim- São igualmente bastante comuns os tes- ples saque a uma casa comercial, sob a temunhos referentes à p a r t i c i p a ç ã o de alegação g e n é r i c a de seu p r o p r i e t á r i o imigrantes portugueses nos conflitos ur- explorar os nacionais'; ou ainda num ato banos que agitaram o Rio de Janeiro no de invasão de domicilio cometido por ca- final do século XIX e nas primeiras déca- poeiras infiltrados nos destacamentos po- das do século seguinte, q u e s t ã o que de- Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 109-118. Jul/dez 1997 - p á g . 113 C A safla as autoridades diplomáticas, dese- riedade em todas as m a n i f e s t a ç õ e s da josas de manter uma política de boa vizi- vida p ú b l i c a e particular, este entrela- nhança. Em 1880, na seqüência das ar- ç a m e n t o complexo e absoluto de fa- ruaças urbanas provocadas pêlo novo im- m í l i a s , de n e g ó c i o s , de empresas, de posto de vinte réis por pessoa transpor- interesses de toda a ordem, que qua- tada nos bondes, teriam sido feridos e se tiram ao imigrante p o r t u g u ê s no presos vários 'agitadores portugueses', Brasil os direitos de s ú d i t o s estrangei- decerto simpatizantes do movimento de- ros, porque modificados e s t ã o na prá- sencadeado por Lopes Trovão e que, por tica e pela força das coisas, os seus de- dias a Tio, enfrentariam a polícia nas ruas veres. do centro da cidade. 6 Mas o envolvimento de imigrantes portu- Anos mais tarde, j á em pleno regime re- gueses vai além dos conflitos de rua. Ma- publicano, voltamos a encontrar a pre- nifestava-se, igualmente, por meio de de- sença de trabalhadores portugueses nos bates veiculados pela imprensa, aspecto graves conflitos de rua, ocorridos por oca- que é amplamente denunciado e critica- sião das greves desencadeadas em no- do pelas autoridades consulares. A este vembro, quando da queda de Deodoro e respeito as palavras do cônsul-geral de da subida ao poder de Floriano Peixoto, Portugal no Rio de Janeiro, dr. Manuel ou ainda nos tumultos desencadeados Qarcia da Rosa, s ã o e m b l e m á t i c a s . Ao durante a greve dos trabalhadores da criticar o constante envolvimento de sú- Estrada de Ferro da Central do Brasil. ditos portugueses nas a r r u a ç a s e confli- Em 1892, trabalhadores portugueses da tos urbanos, afirma: Estrada de Ferro de Sapucaí voltam a re- ... os portugueses aqui residentes es- belar-se, decretando greve por pagamen- quecem-se que s ã o estrangeiros e to- to de salários atrasados. Paralelamente, mam parte na p o l í t i c a brasileira, qua- elaboram um documento com suas rei- se com mais afoito que os p r ó p r i o s na- vindicações que encaminham ao cônsul- cionais, n ã o se contentando em falar, geral de Portugal no Rio de Janeiro, solicitando sua intermediação junto ao governo brasileiro, com o objetivo de obter mas recorrendo a t é à imprensa, o que tem por vezes dado l a m e n t á v e i s resultados. 7 deste o rápido cumprimento das obrigaç õ e s patronais assumidas. 5 Um desses 'lamentáveis' incidentes com a imprensa havia ocorrido em torno do Como bem observava o ministro pleni- j o r n a l Corsário, potenciário de Portugal no Brasil, conde Apulcho de Castro, que denunciara em Paço de Arcos, em 1893: suas páginas vários abusos de autorida- de p r o p r i e d a d e de ... é esta p a r t i c i p a ç ã o ativa e quase de cometidos por brasileiros contra sú- preponderante, esta constante solida- ditos portugueses. p á g . 114. j u l / d e z 1997 O V R Anos mais tarde, outros jornais portugue- se opunha frontalmente à s diretrizes do ses também s e r ã o vítimas de p e r s e g u i ç õ e s governo brasileiro, que através do de- e atentados, como é o caso da creto de 10 de outubro de 1893 havia Gazeta Lu- (1882-1889), invadida três vezes em considerado os revoltosos n ã o simples represália à s d e n ú n c i a s feitas contra poli- dissidentes políticos, mas criminosos de ciais integrantes da Guarda nacional, acu- guerra. sados de atentarem contra a vida de súdi- "T ' ^ sitana tos portugueses. ra o início de uma longa e dramática disputa diplomática que Mas é na última d é c a d a do século XIX e > l^íexpunha contradições, mal- nas duas primeiras do seguinte que se entendidos, interesses conflitantes e adensam as t e n s õ e s entre portugueses e ressentimentos m ú t u o s . É exatamente nacionais, inscrevendo no imaginário so- o momento propício para o recrudesci- cial novas formas de rejeição. Assim, à mento de uma onda de indignação po- antiga e desgastada imagem do português, pular contra Portugal, considerado ini- visto pela p o p u l a ç ã o brasileira como o ex- migo da causa nacional republicana e, plorador/colonizador/patrão, acrescenta-se por extensão, inimigo do povo brasilei- a de estrangeiro/monarquista/conspirador. ro, sentimento que foi amplamente ex- De fato, o momento político é difícil a p ó s plorado na imprensa pelos jacobinos, a implantação da República, em decorrên- facção política constituída por grupos cia dos graves incidentes da Revolta da Ar- republicanos mais radicais pertencen- mada no início de setembro de 1893, na tes à s camadas m é d i a s urbanas emer- baía da Guanabara, que irão provocar o gentes. rompimento das relações diplomáticas entre os dois p a í s e s tradicionalmente 'ir- O sentimento antilusitano generalizase, mãos'. graças não só à propaganda jacobinista, mas t a m b é m à postura do Após a ocupação d a fortaleza de governo que, se n ã o apoia abertamen- Villegaignon pelos revoltosos 'monarquis- te qualquer tipo de represália ou vio- tas', sob o comando direto de Custódio de lência para com os portugueses, na prá- Melo, o governo de Floriano Peixoto, em tica nada faz para evitá-las. face das hostilidades, solicita aos países estrangeiros que tinham navios fundeados na baía, apoio estratégico-militar para sustar a ação dos beligerantes e desta forma evitar o bombardeamento do Rio de Janeiro. De agora em diante os portugueses, independentemente de suas o p ç õ e s políticas e ideológicas, seriam considerados pelos jacobinistas como inimigos da República, por serem inveterados segui- A situação de Portugal no conflito armado dores ou simples admiradores da cau- complica-se de vez, a p ó s a c o n c e s s ã o de sa monárquica. Se, por um lado, a ide- asilo político aos revoltosos, atitude que ologia jacobinista convertia suas des- Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 109-118. jul/dez 1997 - p á g . 1 1 5 A C confianças contra os súditos portugueses E Em Portugal, localiza-se o foco que ins- num único p a d r ã o homogeneizador de pira maior p r e o c u p a ç ã o à s autoridades comportamento político, simplificando a republicanas. De fato, é de Lisboa que q u e s t ã o , pois transformava-os em 'bode se articula um pólo de d i s s e m i n a ç ã o das expiatório', por outro, sinalizava uma si- idéias contrárias à República, bem como t u a ç ã o que n ã o era nem um pouco in- ao governo Floriano Peixoto, tendo por fundada. veículo a conhecida Revista de Portugal, A este respeito, o desabafo do diplomata dirigida por Eça de Queirós. Mela s â o ci- português F a ç o de A r c o s é tados vários artigos da autoria de Eduar- e m b l e m á t i c o . Em correspondência enca- do Prado que, invariavelmente, os assi- minhada ao Ministério das Relações Ex- nava com o p s e u d ô n i m o de Frederico S. teriores do governo Floriano Peixoto, a Um outro locus de t e n s ã o era constituído conde certo momento afirma: "... esta iníqua pela moradia popular urbana. Em torno propaganda que pesa sobre toda a colô- dela se agudizavam os conflitos que, tan- nia portuguesa indiscriminadamente é to podiam opor trabalhadores portugue- enganosa pela generalização". E mais adi- ses a trabalhadores nacionais, quanto ante acrescenta: proprietários portugueses a autoridades Os portugueses que afinal s á o acolhidos com b e n e v o l ê n c i a no p a í s , n á o se lhes perguntando se s á o plebeus ou fidalgos, c a t ó l i c o s ou livre-pensadores, republicanos ou n á o , mas acabam por abusar da magnanimidade leira. São estes mesmos de todas as condições reação portugueses que às claras ou ocultamente fomentam j á começara a delinear-se no final da década de 1880, ganha nos últimos anos do século XIX e nos que se seguem novas e inusitadas p r o p o r ç õ e s , na seqüência das profundas transformações de caráter modernizador que vão ocorrer no e s p a ç o urbano. de Numa cidade que se expandia rapidamen- constituído te, procurando disciplinar seu e s p a ç o , e o espírito contra o governo (grifo meu). brasi- municipais brasileiras. Esta q u e s t ã o , que 6 Pelas ponderadas palavras do diplomata p o r t u g u ê s , fica bastante claro que as desconfianças dos jacobinos, tanto quanto a animosidade do governo brasileiro, não que enfrentava ano a p ó s ano um crescente aumento de sua p o p u l a ç ã o trabalhadora, a moradia popular passava a constituir um verdadeiro drama para as classes mais desfavorecidas. eram de todo infundadas. De fato, logo Hoje sabemos que uma parte significati- que a República é implantada no Brasil va das moradias populares estavam em surgem opiniões e atos de franca hostili- m ã o s de portugueses. De acordo com a dade ao novo regime, veiculados na im- d o c u m e n t a ç ã o disponível, só nos bairros prensa brasileira e estrangeira. de São J o s é e da Glória, que no início do p á g . 1 16. j u l / d e z 1997 V K O século eram mais densamente povoados, xa de ser desconcertante o fato de que existiam 414 proprietários portugueses, estes ú l t i m o s , sendo t ã o m i s e r á v e i s representando 58% do total dos donos de quanto os seus agressores, estavam ex- cortiços da área. postos ao mesmo tipo de e x p l o r a ç ã o . lias fontes consulares encontramos inúmeros processos encaminhados por proprietários de cortiços, solicitando ao governo brasileiro o ressarcimento dos danos e perdas decorrentes das invasões, Porém, o fato de terem moradia no centro da cidade, propriedade de patrícios, próximo aos locais de trabalho, tornavaos verdadeiramente 'privilegiados' aos olhos dos trabalhadores nacionais. saques e d e s t r u i ç ã o de instalações por Viver em constante t e n s ã o era o cotidia- grupos de brasileiros desordeiros. Qua- no da convivência social entre s ú d i t o s se s e m p r e portugueses e nacionais. Se, por um lado, estes incidentes eram deflagrados por turbas populares que, essa t e n s ã o constituiu a e x p r e s s ã o de so- aproveitando as inspeções sanitárias re- nhos frustrados, do choque de interes- alizadas pela Jnspetoria-Qeral de Higie- ses ou ainda de visões peculiares do mun- ne da Prefeitura, provocavam quebras- do, por outro lado, deu origem a um es- quebras generalizados, além de atos de paço de negociação, em que as táticas violência contra os inquilinos, na sua mai- postas em circulação teciam suas espe- oria trabalhadores portugueses. Hão dei- cíficas astúcias de sobrevivência. M O T 1- Gazeta Lusitana. Rio de Janeiro, 31.12.1888. A S 2. Consulado-Geral de Portugal no Rio de Janeiro. Caixa 221, anos 1884-1886. Doe. 16, s é r i e A, 25.8.1885. Arquivo do MME/SE/Lisboa-Portugal. 3. Gazeta Lusitana. Rio de Janeiro, 24.3.1889. *• L e g a ç ã o de Portugal no Rio de Janeiro. P r o t e ç ã o a s ú d i t o s portugueses. Caixa 975/977, anos 1887-1890. Arquivo do M Ü E / S E / L i s b o a - P o r t u g a l . Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10, n" 2, pp. 109-118, jul/dez 1997 - p á g . 1 1 7 5. C o r r e s p o n d ê n c i a da r e p r e s e n t a ç ã o d i p l o m á t i c a de Portugal no Brasil. Mota 68. Arquivo 288.2,12 do Arquivo H i s t ó r i c o do Itamarati. 14.10.1893. 6. L e g a ç ã o de Portugal no Rio de Janeiro. P r o t e ç ã o a s ú d i t o s portugueses. Caixa 975. Doe. 3, proc. 8, s é r i e A, 30.05.1893. Arquivo MNE/SE/Lisboa-Portugal. 7. L e g a ç ã o de Portugal no Rio de Janeiro. Caixa 219. Anos 1880-1881. Doe. 5, s é r i e A, reservado, 13.10.1880. Arquivo MME/SE/Lisboa-Portugal. 8. C o r r e s p o n d ê n c i a da r e p r e s e n t a ç ã o d i p l o m á t i c a de Portugal no Brasil. Mota de 18.12.1891. Arquivo 288,2,11. Arquivo H i s t ó r i c o do Itamarati. A B S T R A C T This article intends to discuss everyday conflits and tensions that opposed Portuguese subjects and Brazilian during the last years of 19 R É m century and the beginning of 20 S U ,h century. M Cet article fait une breve esquisse des conflits et tensions sociaux quotidiens qui opposaient Portugais et les B r é s i l i e n s d ê s la fin du XIX XX'"" s i è c l e . t m e É les s i è c l e et pendant les deux p r e m i è r e s d é c a d e s du Walter i . Piazza Professor doutor, titular da Universidade Federal de Santa Catarina, inativo. Membro efetivo do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina. s e A eirenses no Sul do B r a s i l A contribuição açoriana do Brasil sul tratavam do as- e madeirense foi ex- sunto a partir do conhecimento pressiva para a forma da ção da identidade nacional, apesar documentação existente a q u é m Atlântico e que n ã o era de ser pouco referida no contexto das mi- muito esclarecedora. Daí a necessidade grações brasileiras, tendo ocorrido des- de de os primórdios da o c u p a ç ã o do solo arquivísticas e a leitura crítica da docu- brasileiro, no período colonial, por po- m e n t a ç ã o existente em arquivos brasilei- vos de língua e nacionalidade portugue- ros e portugueses. sas. A expressividade dessa imigração para o Brasil meridional, em pleno século XVIII, não fora merecedora de estudos mais aprofundados, a t é recentemente. Os autores açorianos e madeirenses simplesmente limitavam-se a dar uma ou outra informação, sem aprofundar a matéria, aprofundar as investigações A imigração a ç o r i c o - m a d e i r e n s e para o Brasil meridional tem dois tipos de fundamentos: o sócio-econômico, que influi sobre a população dos a r q u i p é l a g o s dos Açores e da Madeira, e o político, representado pela ação da monarquia portuguesa. porquanto era tido como natural que seus Das nove ilhas do a r q u i p é l a g o dos Aço- conterrâneos migrassem. Os estudiosos res, oito s ã o v u l c â n i c a s , c o m s o l o s Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 1 1 9 - 1 2 8 , j u l / d e z 1997 - p á t ; . 119 A C E basálticos, sujeitas a e r u p ç õ e s e tremo- m ã o - d e - o b r a agrícola, sujeita aos pro- res de terra, excetuando-se a ilha de San- prietários de terras, num regime de semi- ta Maria. escravidão. A partir de 1444, encontramos registros A sobre o vulcanismo no arquipélago dos hegemonia no Atlântico Sul, notadamente Açores. provocavam no que concerne à bacia platina, se de- i n t r a n q ü i l i d a d e entre seus moradores, senvolveu nos campos militar e diplomá- Esses sismos luta das Coroas ibéricas pela que, j á em 1720, pleiteavam para serem tico. Poder-se-ia remontar à s bulas transportados para o BrasH. Procede-se, coetera e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , ao Trata- e n t ã o , a um alistamento na ilha do Pico, do de Tordesilhas e observar o desen- onde s ã o inscritas 1.435 pessoas, pro- volvimento da disputa até os idos de 1746. nunciando-se favoravelmente sobre esse alistamento, outras c â m a r a s municipais das diversas ilhas. Inter Mo terreno militar, deve-se considerar a fundação na margem setentrional do rio da Prata, em 1640, da Colônia do Sacra- Outros fatores sociais e econômicos po- mento, que se tornou, desde então, pomo dem ser aduzidos. de discórdia entre as Coroas ibéricas. As ilhas dos Açores estavam superpovo- Para enfrentar os constantes ataques es- adas, o que, periodicamente, incentiva- panhóis e estabelecer uma linha de su- va os homens a migrarem. Havia, em primentos para aquele posto avançado da média, cerca de cento e trinta habitan- Coroa portuguesa, tornou-se necessária tes por quilômetro quadrado, devendo- uma ampla ação político-administrativa. se ainda considerar a topografia das De um lado, o estabelecimento de novas ilhas. Esse fato, relacionado à s constan- povoações fortificadas (1737, e r e ç ã o do tes crises alimentares — notadamente forte Jesus, Maria e J o s é , marco inicial quanto à produção de trigo e cevada —, da atual cidade do Rio Qrande e, posteri- o sistema fundiário e a fraca p r o d u ç ã o ormente, o plano de fortificação da ilha agrícola geraram o empobrecimento dos de Santa Catarina) e, de outro, o levan- moradores daquelas ilhas, de tal forma tamento geográfico-astronômico do Bra- que as autoridades eclesiásticas tiveram sil meridional pelos "padres matemáticos', que lhes dar a t e n ç ã o especial, e os de- o que significou um melhor conhecimen- nominaram 'mal-enroupados' — para não to da realidade territorial brasileira, dan- os dizer nus —, no tocante à assistência do ensejo à formulação da doutrina do ao culto, notadamente à p r e s e n ç a na obrigação dominical. o r i g e m v u l c â n i c a , e ao problema de p á g . 1 20. j u l / d e z I 997 defendida por Alexandre de Gusmão e vitoriosa com a assinatura O arquipélago da Madeira é t a m b é m de s u p e r p o p u l a ç ã o relacionava-se uti possidetis, o da do Tratado de Madri (13.1.1750). A corte de Lisboa precisava dispor de elementos estratégico-militares para con- V o solidar sua hegemonia. Consumara-se o litoral meridional do Brasil, especialmen- retorno à Coroa portuguesa das terras te quanto as suas riquezas. das capitanias de S ã o Vicente, Santo Avolumavam-se, em Lisboa, os dados Amaro e Terras de Santana, adquiridas necessários para o sucesso da hegemonia em 1709, por 44 mil cruzados, aos her- portuguesa no Atlântico Sul e o homem deiros de Martim Afonso de Sousa. Efe- escolhido para servir no Brasil foi o bri- tuada a compra, foi despachado, em 1711 gadeiro J o s é da Silva Pais. Nomeado em e depois em 1714, Manuel Gonçalves de 1735 para a u x i l i a r G o m e s Freire de Aguiar para reconhecimento minucioso do Andrade no governo do Rio de Janeiro, Mapa geral da América (detalhei, 1 746. Arquivo Nacional. Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 119-128. j u l / d e z 199 7 - p á g . 1 2 1 E C A principalmente no que se refere à s forti- João V, e Rafael Pires Pardinho, ficações e obras de engenharia civil, Sil- desembargador que servira como ouvidor va Pais teve uma a t u a ç ã o bastante dinâ- na capitania de São Paulo, com jurisdi- mica. Em 1738, ordenou-se ao brigadei- ção no sul do Brasil, e que fora, tam- ro que f o r t i f i c a s s e a i l h a de Santa bém, intendente de diamantes em Minas Catarina, e ele solicitou a Lisboa o envio Gerais. de gente para povoamento, produção de Veja-se, pois, como se pode melhor ana- alimentos e guarniçáo da ilha, referindo- lisar tal ação. se nominalmente aos açorianos, uma vez Pela resolução regia de 7 de agosto de que, em 1720, tivera a oportunidade de 1746, foram definidas as formas de exe- conhecer esse povo. cutar, preliminarmente, a grande migra- O planejamento dessa grande migração ção. Assim, o rei de Portugal atendeu "a coube, primordialmente, ao Conselho Ul- r e p r e s e n t a ç ã o dos moradores das ilhas tramarino, onde dois nomes pontificaram dos Açores, que pediam mandar tirar nas r e s o l u ç õ e s a respeito do assunto: delas o n ú m e r o de casais para as partes Alexandre de G u s m ã o , ministro de d. do Brasil que fosse mais preciso". Quadro 1 - "Tábua dos casais e pessoas que por ordem de Sua Majestade se alistaram nestas ilhas no ano de 1747" * Ilhas Vilas e cidades Casais Pessoas dos casais Pessoas solteiras Todas as pessoas 47 Ilha dc São Miguel Cidade da Ponta 257 257 Delgada Vila da Ribeira Grande Ilha Terceira Vila Franca Cidade de Angra Vila de Sam Sebastiam 62 - 62 2 141 9 706 73 9 779 9 45 45 Ilha da Graciosa Vila de Praia Vila da Santa Cruz 12 62 88 291 82 88 373 Ilha de S. Jorge Vila da Prava Vila do Topo 64 76 309 369 99 50 399 419 Vila da Calheta 146 819 151 970 Vila das Velhas Vila de S. Roque 246 96 1.433 445 157 1.433 602 54 292 146 438 6 210 446 1.207 290 - 736 1.207 1.294 (?) 6.778 1.039 7.817 Ilha do Pico Vila das Lages Ilha do Faial Vila da Madalena Vila da Horta Soma 1 14 Como se verá adiante, dos 7.817 alistados nem todos embarcaram com destino ao Brasil meridional, porém mais de seis mil desembarcaram na ilha de Santa Catarina. Discriminadamente tem-se, pelas diversas ilhas, os totais alistados. p á g . 122, j u l / d e z 1 997 V K O Quail i. 2 Ilhas 1 ' o n u l a i ã o presente S;1o Micuel Alistados % K.ntrr non. c alistados 46 415 328 4.280 .... Terceira 22.460 912 4.5] Graciosa 6.799 "72 11,50 Rta. Maria 2 X22 S.JorEe ] ] Kaial •ti Pi.o 19 192 91: Flores 4.622 Corvo 427 2-4 00 1.207 2.75 1 9,00 "1 A partir daí, foram estabelecidas, atra- Brasil. O resultado do alistamento foi, as- vés de edital, as condições de alistamen- sim, condensado pelo corregedor da to para aqueles que desejassem migrar comarca das ilhas, como poderá ser ob- — o transporte à custa da Fazenda Real, servado no quadro 1. "não s ó por mar mas t a m b é m por terra Para se avaliar melhor o peso desse alis- até os sítios que se lhes destinarem" — tamento na população então existente, bem como fixadas as idades limite, quer considerando-se, ainda, não haver dados para os homens, quer para as mulheres, concernentes à s ilhas de Santa Maria, a ajuda de custo que receberiam ao che- Flores e Corvo — das quais sabe-se ter gar ao seu destino e, da mesma forma, havido migrantes — ver o quadro 2. as ferramentas, as sementes, os animais, "um quarto de légua em quadra", além do sustento que receberiam durante um Um instrumento normativo estabelecia quem organizaria os transportes — no caso o corregedor das ilhas —, como se- ano. riam as regras de conduta e quem as fisOs alistados eram, notoriamente, dedicados à agricultura, na produção de tri- calizaria, como se alojariam homens e mulheres e como se velaria pela boa se- go e de linho e de outras culturas como gurança das mulheres, a condução dos a uva, para fabrico de vinho. alimentos ao seu alojamento — onde s ó O corregedor da comarca das ilhas (dos entrariam, em caso de doença, o cirur- Açores), a quem esteve afeto o alistamen- gião e o capelão — e sobre seu acesso to, enviou à s c â m a r a s sob sua jurisdição ao tombadilho, somente para'ouvir mis- cópia do edital, datado de 31 de agosto sa em "lugar mais vizinho ao altar". de 1746, onde se estabelecia que, no ato de alistamento, deveriam ser anotadas as características somáticas de cada alistado; determinava-se t a m b é m que as aludidas c â m a r a s em vereação escolheriam, dentre os inscritos em sua circunscrição, três nomes para capitão, alferes e sargento das companhias de ordenanças que se formassem e n t ã o e que serviriam no Como se vê pelos demais tópicos deste regimento, havia muito cuidado com a moral de bordo. Ficou acertado que partiriam de Lisboa as e m b a r c a ç õ e s que conduziriam os alistados para a grande epopéia, que firmaria a hegemonia lusitana no sul do Brasil. O brigadeiro J o s é da Silva Pais, a 5 de A c e r v o , Rio de J a n e i r o , v. 10. n» 2. pp. 1 1 9-1 28. j u l / d e z 1997 - pág.123 A C E agosto de 1738, fora nomeado para or- valos. Além disso, foi instruído o briga- g a n i z a r as defesas da ilha de Santa deiro Silva Pais para levantar em cada Catarina, trabalho que se iniciou em mar- local uma companhia de o r d e n a n ç a , pois ço de 1739, quando nela desembarcou, os oficiais haviam sido escolhidos pelas passando a governar a ilha e seu conti- c â m a r a s das respectivas ilhas açorianas. nente fronteiro, incluído o Rio Grande de O aspecto espiritual t a m b é m foi cuidado São Pedro, o que ocorreu a t é 2 de feve- e, para tanto, foram alertados os bispos reiro de 1749. do Funchal e de Angra, bem como o de Para acomodar os 'casais' açorianos, foi expedida provisão regia, em 9 de agosto de 1747, a Gomes Freire de Andrade, governador e capitão-geral do Rio de Janeiro, a quem se subordinava a "capita- São Paulo — a quem se subordinava naquele momento o território que estava sendo ocupado — de "que se há de constituir em cada igreja destas um vigário", fixando-se-lhe os direitos (côngruas). nia da ilha de Santa Catarina". Mesta pro- De tudo o brigadeiro Silva Pais deu exato v i s ã o há minuciosas i n s t r u ç õ e s sobre cumprimento. como deveriam ser recebidos os açoria- Estes 'casais' — t a m b é m chamados 'ca- nos e madeirenses. Fixavam-se, e n t ã o , sais de n ú m e r o ' ou 'casais d'el rei' — for- normas para o abastecimento de farinhas maram comunidades que se estabelece- e de peixes aos migrantes, declaravam- ram ao longo do litoral catarinense e na se as medidas para pagamento das aju- própria ilha de Santa Catarina. das de custo prometidas e determinava- A partir de 1752, os açorianos que pri- se ao brigadeiro J o s é da Silva Pais que meiramente escolhesse, "na mesma ilha como nas ter- Catarina, devido à s dificuldades encon- ras adjacentes, desde o rio de São Fran- tradas, foram encaminhados, ou se en- cisco a t é o serro de São Miguel, e no ser- caminharam por conta própria, para o Rio tão correspondente", as terras próprias Grande de São Pedro. Por outro lado, a para "fundar lugares em cada um dos 'diáspora' se deu, t a m b é m , com as ge- quais se e s t a b e l e ç a m pouco mais ou me- r a ç õ e s vindouras, que formaram, em nos sessenta casais". Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, A novas comunidades. referida provisão regia determinava, se fixaram e m Santa ainda, como seriam urbanizados tais lo- Feito o alistamento, foi contratado o cais, com a fixação da igreja, uma praça 'transporte', fronteira e a forma de para o que foram arruamento, e s t a b e l e c i d a s n o r m a s , quer para os estabelendo t a m b é m que, logo que os transportadores, através dos 'assentos' 'casais' estivessem situados, se lhes en- (contratos), quer para os transportados, tregaria duas vacas e uma égua e, para como se viu. Deve-se considerar que o a comunidade, quatro touros e dois ca- transporte, dadas as condições das em- p á g . 124. j u l / d e z 1997 V K O barcações na época, a duração da viagem antamento ao assentista do preço do e a quantidade de pessoas a serem trans- transporte e, finalmente, ao conheci- portadas, mereceu a t e n ç ã o máxima das mento pelos 'casais' do aludido 'assento'. autoridades portuguesas. Os assentos' foram disputados entre comerciantes e armadores das ilhas dos Açores e de Lisboa. A análise da letra fria dos assentos esconde a odisséia de atravessar um oceano, em toda a sua vastidão, em frá- O 'contrato de tabaco', gerido por Feliciano geis embarcações, arrostando as agru- Velho Oldenberg, j á tivera o privilégio de ras da s e p a r a ç ã o e o isoJamento dos conduzir um navio, anteriormente (1744), entes queridos, sujeito a uma alimen- dos Açores para o Brasil. Esse mesmo tação deficiente e escassa, e a um aten- Feliciano Velho Oldenberg, em 7 de agosto dimento médico precário frente à s do- de 1747, assinaria com a Coroa o 'assen- enças e à morte. Enfrentar, depois, o to', constante de 24 cláusulas, para efeti- desconhecido, numa pugna incessante var o transporte de mil pessoas para Santa Catarina. É o princípio de uma epopéia. para adaptação ao novo país, com seu clima tropical, e para superar as dificuldades e os obstáculos na instalação. ^ ' " ste 'assento' trata do que deve- ~ ~ r i a conduzir, da s e g u r a n ç a das e m b a r c a ç õ e s , da a c o m o d a ç ã o dos 'casais' a bordo, da rota a ser seguida, do tempo de p e r m a n ê n c i a nas ilhas Com pequenas modificações, este tipo de 'assento' p e r m a n e c e r á vigorando nos posteriores e sucessivos contratos, conforme o quadro 3. para receber os 'casais', da data de parti- Duas o b s e r v a ç õ e s devem ser, aqui, da e da justificativa nas demoras. Refere- efetuadas. se ainda à s r a ç õ e s a serem servidas a bordo, ao embarque de pessoas em Lisboa e ao preço do seu transporte, aos trastes de cada pessoa transportada, à alimentação a bordo e ao seu preparo, à dieta dos doentes, à fiscalização dos alimentos, ao preço do transporte para a ilha de San- A viagem dos 59 madeirenses, de 1 749, foi devida à insistência dos alistados, mormente do capitão Henrique César Berengue — apesar de, na ilha da Madeira, haver mais de duas mil pessoas alistadas —, e tal se fez com navio do 'contrato do tabaco'. ta Catarina, à sindicância que deveria efetuar o governador da ilha de Santa Catarina lio tocante ao contrato de 28 de setem- concernente a cada um dos transportes que bro de 1751 com Francisco de Sousa ali aportasse, à assistência médica a bor- Fagundes, náo se encontrou documen- do, ao atendimento religioso à capacida- tação dos transportes realizados, a não de dos pilotos das e m b a r c a ç õ e s , ao retor- ser aquela do pagamento que lhe era no do navio e as possíveis arribadas, à devido e foi efetuado. Tem-se, pois, que venda das sobras de mantimentos, ao adi- se localizaram na ilha de Santa Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n° 2. pp. 1 1 9-1 28, jul/dez 1997 - p á g . 1 2 5 E C A Owun. 3 1 j|itLí'. '.11 nu-.Hi i l " • * Nome da n a l i a i i i i i u Data de partidu C W f d i Mortos N-éc Datada checada rmhartadin Fcliciacii) V c l x i OtuVnhcTi - mil pessoas 7.*. 1747 21.10.1747 21.10.1747 16.10.1748 IA 10.1748 1.10.1749 N . Sra. das Maravilhai; Antônio e Almas Contrato du labacu F n n c i K u i k Soara F a i u n k * - quatro mil JCMIÍ MJI U }OÉÍ SJIIU Ana e Senhor do Bonfim Jcsui Mana Juní S i i Uofninro* c Alma J a u * Mana ioti : ; • 4 9 > 1749 1.7.1749 13.11.1753 13.11.1733 L u f i Looci Godclho Pedro Lopes Arraia Lult U x u G o d c l h o Pedro Lopes Arraia Pedro L o n a Arraia i í : •;• 216 21 12 461 - 6.1.1748 233 47 36 238 7.1.1748 271 34 73 208 7.1.1748 217 29 13 233 20.12.1749 59 7 .9.1749 59 Sano Total transportado: 1 141 Baaaaaa M . :. discriminação de idades) Santa Ana t Sr. do Bonfim N . Sra. da Conceição e Porto Seiraro Bom Jetui PcruVWí c N . Sra. Rosário Sanu A n a • Sr do Bonfim N . Sra. da Conceição . Porto Scjruro Sr. do Bonfim c N . Sra. Rosário Bom Jesus do* Perdoe* e N . Sr». Rosário N . Shf da Concctcao c Porto Seguro Bom Jesus d M Pciüfte* e N . Sra. Rosário N . Sra. da Conceição e Purtu ScKum Francisco Manuel de Lima • • I Lopet Sü*a 220 20 12 480 25.12.1749 Sem l i s c n m n a ç a o de idades Manoel Correia Fraia 600 1.I.I7SO Sem discriminação 239 482 234 1.066 1749 18.12.1750 19 52 8 67 17 600 12.1.1751 1.434 Sem <t i c n r r i nação de idade* 7.1.1751 1732 Cutlodio FranciKo 600 Pedro Lopes Airaia 480 44 Custódio FranciKo 603 4(1 Pedro Lopes Arraia SOO Cu»hVlio Francisco 502 1752 1752 2.1754 2.1754 Total iransncrtaüo*: 4 7 (-7 pcv.-o.is 1 •[...:» Sou/a FutundM - mil > 9 1751 Franci&o Souza Ju*é Q a i c u Lisboa UUintvnla.< petáUat :-• i 28.4.17» N . Sra. da Concctcao e Porto Scítin. IX 520 'M Madcircnsc* (naufrágio no litoral dj B j f i i j i Catarina mais de seis mil açorianos e 59 populacionalmente e procurar novas á- madeirenses, reas para seu estabelecimento. face aos 'assentos' efetuados pela Coroa portuguesa. fio que tange à p r e s e r v a ç ã o da cultura Até o término de nossa pesquisa, os nú- ancestral, que tem merecido alguns es- meros apresentados pelos diversos au- tudos, é importante salientar as formas tores e s t á o exemplificados no quadro 4. artesanais (confecção de renda de bilro, Desse movimento migratório pode-se, des- utilização de teares manuais, m é t o d o s de de logo, conhecer algumas c o n s e q ü ê n - fabricação de c e r â m i c a utilitária e t c ) , cias, como a formação de novas comuni- bem como as m a n i f e s t a ç õ e s religiosas dades que, desde a sua implantação, ti- (culto ao Divino Espírito Santo, com seus veram organização político-administrati- 'impérios' e sua tradicional organização: va devido à s companhias de ordenança a coroaçáo do imperador; a distribuição — que, apesar de sua finalidade militar, de comida — 'bodos' — aos pobres) e a funcionavam, localmente, como chefias permanência de traços na literatura oral, políticas. nos a d á g i o s e no vocabulário. As p o p u l a ç õ e s que migraram trouxeram, além dos valores demográficos, valores culturais. Apesar das dificuldades enfrentadas, com as promessas reais nem sempre completamente atendidas, os imigrantes açori- lio que se refere à demografia, deve-se anos e madeirenses se afirmaram como dizer que muitas das 'freguesias' (comu- excelentes povoadores, pois souberam nidades) adaptar-se ao c l i m a e à s c o n d i ç õ e s iniciais p á g . 1 26. j u l / d e z 1 997 vão crescer o V Quadro 4 461 1748-ianeiro Mattos Coelho Brito Data de checada i74R-de7e.rp.bro 1749-ianeiro - - 461 461 - - 239 - - - 208 509 600 - 233 109- 109* - - 1.066 1 066 1 540 - _ - 1.066 - 1.755 1.540 _ _ 1.342 - _ 1.379 - - - 1.080 9 - 615 - - 502* 520* 520** 1749-sctembro 1749-dezembro 1.066 1750-ianeiro 1751 -janeiro 1752 500 1753-m.ítrco - 1754-feverciro/marco _ 1756-iulho 2.627 - 59* 1.066 - - 1.434 1 -rs 1.187 - - - 6.000 5.545 4.893 3.525 - 4.021 4.024 Totais aoresentados Totais somados Piazza Cabral 461 451 461 1.600 1749-marco Itoiteux Fortes 461 - • Madeirenses «• Madeirenses (náufragos no litoral da Bahia não computados). Fontes- Paulo José Miguel de Brito. Memória política soore a capitania de Sanía Catarina, p. 24, Manuel Joaquim dAlmeida Coelho, Memória íiistòrica da prouíncia de Santa Catarina, pp. 20-21; Matos, Colonização, p. 2 1; João Borges-rortes, Casais, p. 57; Lucas Alexandre Boiteux, Açorianos e madeirenses em Santa Catarina, pp. 142-163; Oswaldo Rodrigues Cabral, Os açorianos. ambientais — substituindo a cultura do solidação da hegemonia portuguesa no trigo pela da mandioca —, além de te- sul do Brasil, iniciada com a criação da rem conseguido adequar conveniente- Colônia do Sacramento e posteriormen- mente as técnicas de construção de em- te acentuada com a assinatura dos Tra- barcações à s exigências do mar brasilei- tados de Madri (1750) e Santo lldefonso ro. Foram t a m b é m responsáveis pela con- (1777). B FONTES I I B O Q R A I PRIMÁRIAS Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa, núcleos 'Bahia', Rio de Janeiro', Santa Catarina', 'Açores' e 'Madeira'. Arquivo nacional da Torre do Tombo, Lisboa, núcleo 'Desembargo do Paço'. Arquivo do Tribunal de Contas, Lisboa, núcleo Erário Régio'. Arquivo Público do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, núcleo Correspondência dos governadores, 1739-1822'. Arquivo Distrital de Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Açores, livros de vereações. Arquivo Distrital de Ponta Delgada, ilha de São Miguel, Açores, livros de vereações. Arquivo Distrital da Horta, ilha do Faial, Açores, livros de vereações. Biblioteca nacional, Lisboa, fundo' Qeral e coleção pombalina. , c e r v o . Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 1 19-128. jul/dez 1997 - p á g . 1 2 7 A B S T R A C T This article describes the immigration of Azorians and Madeirans to meridional Brazil between 1748 and 1756 and it studies the reasons of such immigration, their social and political basis, its organization in the Portuguese court, as well as in Brazil, its location in Brazilian land and the results of this migratory movement. R É S U M É Cet article a pour but d é c r i r e l'immigration d' A ç o r é e n s et M a d é r i e n s vers le Brésil meridional, entre 1748 et 1756, en é t u d i a n t les causes de cette immigration, ses fondements sociaux et politiques, son organisation à courte portugaise et au Brésil, sa localisation en territoire national et les c o n s é q u e n c e s de ce mouvement migratoire. Adriano Luiz Duarte Professor de História da Universidade Federal de Santa Catarina. A C r i a ç ã o Ao E s t r a n k a m e i i í o e a C o i i s t r a ç a o do E s p a ç o P ú b l i c o \J§ mponeses no EstaJo Novo espalhando um conjunto bem es- "...O j a p o n ê s é como o enxofre: i n s o l ú v e l " . tabelecido de valores, normas e Oliveira Vianna práticas sociais que objetivavam a p r e s e r v a ç ã o da estabilidade "De uma hora para outra um social e, principalmente, da ordem p ú - sopro vivificante despertou blica, fundamentais para o exercício co- as forças adormecidas da tidiano da racionalidade do poder. São nacionalidade e animou o eles: o anticomunismo, o trabalho, a pápaís do desejo de viver tria e a moral. 1 sadiamente". Em torno destes quatro conceitos gira- J o ã o Carneiro da Fonte chefe de p o l í c i a , em vam 1939. os discursos e práticas estadonovistas, e é t a m b é m através de0 PAÍS D E U M A C A R A S Ó . . . O Estado Novo embasou todo o seu r e p e r t ó r i o d i s c u r s i v o e imagético sobre quatro pilares, les que podemos perceber contra o que se articulava o Estado Novo, e quais os 'fantasmas' que tanto amedrontavam a elite dirigente do país naquela é p o c a . a partir dos quais planejou adentrar to- Por meio da enorme variedade de 'fan- dos os e s p a ç o s e recantos da sociedade, tasmas' que atormentou o sossego dos Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 129-146, j u l / d e z 1997 - p á g . 1 2 9 E C A autores do Estado Movo, é possível ima- tinuamente punham em perigo a pátria. ginar contra quem e contra o que se vol- Contudo, a própria possibilidade da ex- tou toda a força repressiva desse proje- p r e s s ã o de tal desejo nos revela que a to de m a n u t e n ç ã o da ordem e estabili- sociedade brasileira foi percebida como dade sociais, e quais os oponentes cria- h e t e r o g ê n e a , plural, d e s a r m ô n i c a e dos como inimigos a,serem combatidos incoesa. É sobre esta realidade, e para no seio da sociedade. O apelo fundamen- eliminá-la, que atuará o poder público. tal que antecede e emana dos quatro pilares que sustentaram o projeto estadonovista é o apelo à união, à unidade e à j u n ç ã o das forças imanentes à nacionalidade para a construção de uma pátria una e indivisa, que caminhasse coesa em busca da identidade. 11 As diversidades culturais que c o m p õ e m a sociedade brasileira e s t ã o relacionadas à s diferentes e múltiplas formas de se vivenciar a proletarização, com o conseqüente surgimento de um mercado de trabalho urbano industrial e moderno. A necessidade de h o m o g e n e i z a ç ã o , centro do """N^niáo, c o e s ã o e indivisão eram projeto estadonovista, emerge, ao que os objetivos que sustentavam tudo indica, das dificuldades apresenta- esse projeto; o que se deseja- das pelas classes dominantes em va era apagar os sinais de uma possível operacionalizar essas diversidades cultu- heterogeneidade social, eliminar as d i - rais dentro de uma ordem pública em ferenças de todos os matizes, e assim c o n s t r u ç ã o , onde o gerenciamento dos construir uma nacionalidade h o m o g ê n e a conflitos se torna cada vez mais comple- e indistinta. Os diferentes modos de vida, xo. A vigilância e a s u s p e i ç á o foram as de opinião, de crença e de comportamen- estratégias adotadas nesse processo de to eram recusados, porque estas noções homogeneização. remetiam à imagem de uma sociedade multifacetada e plural. A noção de pátria, expressa no discurso de Azevedo Amaral, um dos ideólogos do A construção dessa homogeneidade so- Estado novo, traz em seu bojo uma enor- cial requereu uma prática profundamen- me força estratégica. Ela é o elemento te autoritária, porque pressupunha a pro- imprescindível para a e l a b o r a ç ã o dos va- gressiva eliminação de tudo que náo es- lores e práticas que objetivavam a pre- tivesse de acordo com o modelo de uni- servação da ordem e da estabilidade so- dade desejado. Aqueles que n ã o se en- cial, da identidade coletiva, da racionali- q u a d r a s s e m no m o l d e e s t a b e l e c i d o zação do exercício do poder e da afirma- deveriam ser eliminados do convívio so- ção da unidade nacional. São os que in- cial e, portanto, do e s p a ç o público, por- sistem em escapar pelas fímbrias do que eram os portadores da divisão, os emolduramento que o poder vai erigindo transmissores do desequilíbrio que con- nestes anos, que s e r ã o p á g . 1 3 0 . jul/dez 1997 2 rapidamente K O V transformados nos "inimigos' que devem tentáculos e introduziam em meio à har- ser e x e c r a d o s e e l i m i n a d o s . A s s i m , monia social a sua marcante e deletéria explicita-se outra faceta da construção da p r e s e n ç a . Pelas fissuras da sociedade idéia de homogeneidade social e de eles vão se instalando e, como um cân- indivisão da pátria. A idéia de unidade e cer, passam a corroer os pilares de sus- c o e s ã o s ó pode efetivar-se se moldada a t e n t a ç ã o da n a ç ã o . De externo ele se partir de algo que lhe faça contraponto, transforma em interno e passa a justifi- algo que funcione como um espelho in- car qualquer ação repressiva. Se o ini- vertido. É a partir do inimigo a ser com- migo estava em toda parte, isso exigia batido, do outro, que é possível construir uma a imagem da nacionalidade una, coesa e onipresente. indivisa. atuação repressiva também Mas, qual era a exata dimensão desse ini- Ao outro, o inimigo a ser execrado, se- migo que se imiscuía com tanto ardil na rão conferidos todos os maus atributos sociedade para, por dentro, destruí-la va- que c o m p õ e m a fantasmagoria repelida garosa e continuamente? Se ele era o pelo Estado Novo. Mele s e r ã o identifica- portador da indisciplina, da barbárie, da dos todos os males, todas as a m e a ç a s instabilidade, do atraso, da imoralidade, de d e c o m p o s i ç ã o e esfacelamento social; a ele se atribuirão as pechas da doença, da anarquia, da injustiça, da traição, da ruína, do pecado, da desobediência, do ócio, do desleixo e da promiscuidade. É com base nele que o poder construirá sua auto-imagem. Por intermédio da criação do inimigo a ditadura atingirá sua maior força e será capaz de multiplicar sua c o a ç ã o em todas as esferas sociais, e assim produzir normas e valores que atinjam amplamente a população. da sensualidade, da indolência, era o retrato fiel de todos aqueles que, pelas mais diversas razões, não se enquadravam nos preceitos do Estado Movo. Eram inimigos todos os que náo contribuíssem para a construção do projeto de nacionalidade esboçado nestes anos. Em toda parte, em todo momento, podia ser localizado este inimigo. Portanto, nesta época, toda a população estará sob permanente suspeição. É esta suspeição generalizada que justificará, além da ação repressiva por parte do Estado, sua ação profilática e terapêutica, adentrando nas Mas o inimigo era muito ardiloso, o que casas, creches, fábricas, atuando sobre justifica o esmero com que foi construído as famílias, os trabalhadores, as crian- e mantido um enorme aparato militar e ças, as mulheres, os adolescentes, ten- repressivo, responsável nas d é c a d a s de tando moldar-lhes o pensamento e as 1930 e 1940 por milhares de prisões, tor- atitudes para criar um novo cidadão. turas, d e p o r t a ç õ e s e assassinatos. Do exterior, estas vis criaturas estendiam seus O que estava em jogo na configuração neiro. v. 10. n ° 2. pp. 1 29-1 46. jul/dez 1997 - p á g . 1 3 1 A do C E era a q u e s t ã o da cidadania. É atros e Divertimentos Públicos, e partici- precisamente na edificação dos seus con- paria t a m b é m o Serviço de Censura Pos- tornos e na espessura do seu alcance que tal. Este decreto estabeleceu que qual- as da quer tipo de reunião somente poderia ser s u s p e i ç ã o revelam seus desdobramen- realizada com o prévio licenciamento e outro estratégias da vigilância e tos. Ao regular a amplitude do conceito localização fornecido pelas autoridades de cidadania, vinculando-o à ocupação no policiais. mercado de trabalho em profissão reconhecida pelo poder p ú b l i c o , o Estado Novo estava também definindo a abrangência da noção de marginalidade. O poder público definia o que era ser c i d a d ã o , tanto quanto o que era ser marginal; estabelecia, portanto, quem teria direitos bem como aqueles passíveis de perseguição e exclusão da esfera pública. O Serviço de Censura Postal tinha duas funções: a censura postal exercida por funcionários públicos federais, e a censura policial a cargo da polícia civil. A função do 'serviço' era fazer uma triagem em toda correspondência dirigida ou emitida por estrangeiros residentes no Brasil. Quando algo considerado inconveniente fosse encontrado, seria imediata- ESTRANGEIROS, ESTRANHOS mente encaminhado para um departa- E mento r e s p o n s á v e l pela e l a b o r a ç ã o de DIFERENTES seguidas exposições "destinadas a mos- A estranhamento trar à parte sadia da população para des- relacionado ao estrangeiro pertar a a t e n ç ã o dos brasileiros contra . n ã o se inicia, obviamente, com as m a q u i n a ç õ e s dos inimigos da nossa o Estado s e n s a ç ã o de Novo, mas é quando se civilização". Todo estrangeiro tornou-se, explicitam alguns preconceitos e medos com o decreto-lei n° 383, um potencial que farão daqueles que eram simples- inimigo da civilização, um portador de mente diferentes um perigoso inimigo. atributos Em 18 de abril de 1938, foi proibida aos estrangeiros, a t r a v é s do decreto-lei n° 383, a atividade política no Brasil. As sutilezas do decreto ficavam por conta de como os policiais e os ó r g ã o s públicos encarregados da v i g i l â n c i a deveriam 3 que podiam levar à d e g e n e r e s c ê n c i a da nacionalidade. As medidas desta enorme burocracia, ao aprofundar a vigilância sobre todos os estrangeiros e seus descendentes, vai lentamente se estendendo aos c i d a d ã o s comuns, estrangeiros ou n ã o . aplicá-lo na prática cotidiana. A fiscali- Mais uma vez percebe-se a amplitude da z a ç ã o das atividades dos estrangeiros suspeição, pois, de acordo com os rela- seria realizada pela Superintendência de tórios de polícia, qualquer cidadão que Segurança Política e Social, auxiliada pelo tivesse um comportamento diferente, não Serviço de Censura e Fiscalização de Te- convencional, estranho, poderia ser de- p á g . 132, j u l / d e z 1997 V o nominado 'estrangeiro'. De acordo com milação dos estrangeiros, seja através da esta categoria, que continuamente se nacionalização em massa e forçada, seja amplia, vão sendo rotulados todos os que por meio do impedimento crescente do podem suscitar estranheza. É óbvio que contato com seus países de origem. O a idéia do inimigo interno e n c o n t r a r á plano estadonovista de recriação e apri- campo fértil para vicejar. moramento da nacionalidade, por meio Se o objetivo primeiro é bloquear qual- de um amplo e minucioso projeto peda- quer possível canal de a t u a ç ã o político- gógico, requeria, necessariamente, o de- institucional aos estrangeiros, as medi- saparecimento dos estrangeiros através das citadas tiveram um alcance muito de sua total adaptação e assimilação aos maior. Praticamente em dois anos, 1938 valores nacionais e da progressiva per- e 1939, foram fechadas todas as associ- da dos laços culturais que os vinculavam a ç õ e s culturais, escolas e jornais edita- aos países de origem, como a língua, há- dos no Brasil em língua estrangeira. Cm bitos alimentares, vestuário, práticas cul- 25 de janeiro de 1938, foi criada, pelo turais etc. Mas, os estrangeiros não eram decreto n° 2.265, a Comissão de Nacio- todos iguais e desigualmente foram tra- nalização, que tinha por objetivo instituir tados pelo Estado Novo, e aqueles cuja e viabilizar os canais necessários à assi- presença física causava maior estranhe- O presidente Vargas, na sacada do Palácio do Catete, assiste a manifestações populares anti-Eixo. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1942. Agência Nacional, Arquivo Nacional. \ c e r v o . Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 129-146. jul/dez 1997 - p á g . 1 3 3 E C A za enfrentaram, de forma mais dramáti- rlão se deve aplicar o mesmo critério ca ainda, esse projeto totalitário. É em assimilador a a s i á t i c o s e europeus. Por relação ao j a p o n ê s — o estranho e dife- maior que seja a nossa boa vontade, rente por excelência — que se exercita- por mais profundo que seja o nosso rá ao paroxismo a aversão e o medo do instinto de cordialidade outro. c u m p r e - n o s defender os internacional, caracteres m o r f o l ó g i c o s do povo brasileiro, As campanhas de nacionalização dos imi- pre- servar as suas possibilidades de apro- grantes, embora ocupassem aspecto cen- x i m a ç ã o com os tipos europeus inicia- tral no debate político brasileiro desde a dores, mantendo à parte os s u b s t i t u i ç ã o da m ã o - d e - o b r a escrava, grupos a s i á t i c o s e impedindo o seu desenvol- relacionado à eugenia, assumiram nas vimento. Destarte, o j a p o n ê s fica des- d é c a d a s de 1930 e 1940 um caráter de de logo definido como um s e g u r a n ç a n a c i o n a l . Os estrangeiros problema de p o l í t i c a i m i g r a t ó r i a . A nacionaliza- eram um perigo em potencial à constru- ç ã o , neste caso, n á o deve significar as- ção de um país uno, indiviso e coeso. En- similação étnica. 4 tretanto, os japoneses eram encarados V^ossa 'boa vontade' n ã o era ex- de uma maneira especial. Mão se lhes ^-Nw aplicavam os critérios assimiladores e o projeto de nacionalização os excluía. A A tensiva aos asiáticos em ge- \ ] ral e aos japoneses em parti- singularidade da comunidade nipo-brasi- cular. Eles eram o retrato do novo, do leira e s t á na a m b i g ü i d a d e com que foi estranho, daquilo que fugia ao controle vista pelo poder público: como estrangei- e projetava para o futuro uma inseguran- ros deveriam ser assimilados e desapa- ça presente. Quanto à unidade nacional, recer em meio à comunidade nacional, eles eram a e x p r e s s ã o do imprevisível mas como diferentes por excelência de- nesta ampla e s t r a t é g i a de controle do veriam ser mantidos à margem dessa co- trabalhador e do pobre. 'Impedir o seu munidade e, portanto, destinados a uma desenvolvimento' significava e s p é c i e de limbo social. Assim, a ques- a um gueto social e impossibilitar que se tão à qual se viam remetidos não era sim- espalhassem pelas cidades contaminan- plesmente a da nacionalização, mas a de do os nacionais. serem projetados como a e n c a r n a ç ã o cabal dos entraves à construção do Estado nacional. confiná-los O 'problema j a p o n ê s ' assume contornos de s e g u r a n ç a nacional quando, em julho de 1940, desembarca no porto de San- A Comissão de Macionalizaçáo, dirigindo- tos um carregamento de sessenta caixas se ao Ministério da Educação e S a ú d e , contendo livros p e d a g ó g i c o s impressos redigiu o seguinte relatório, em 16 de em j a p o n ê s , destinados à s poucas esco- outubro de 1940: las que ainda funcionavam. O presidente p á g . 134. j u l / d e z 1997 O V R do Conselho de I m i g r a ç ã o , J o ã o Carlos verdadeira a s s i m i l a ç ã o dos japone- Muniz, enviou um ofício ao presidente Qe- ses, que praticamente devem ser con- túlio Vargas alertando-o que n ã o pudera siderados i n a s s i m i l á v e i s . Eles perten- apreender os livros porque não se desti- cem a uma raça e a uma r e l i g i ã o ab- navam à venda. O ofício vai parar nas solutamente diversas; falam uma lín- mãos do secretário-geral do Conselho de gua irredutível aos idiomas ociden- Segurança Nacional, general Francisco tais; possuem uma cultura de baixo José Pinto, que em comunicado reservado nível que n ã o incorporou, da cultura dirigido ao ministro da Educação e Saúde, ocidental, s e n ã o os conhecimentos Gustavo Capanema, solicita as providên- i n d i s p e n s á v e i s à r e a l i z a ç ã o dos seus cias legais cabíveis que tornassem efeti- intuitos militaristas e materialistas; vas as a ç õ e s repressoras do Conselho de seu p a d r ã o de vida d e s p r e z í v e l repre- Colonização. O comunicado termina senta uma c o n c o r r ê n c i a brutal explicitando o terror e medo causados no o trabalhador do p a í s ; seu general pelos livros infantis: sua m á - f é , seu c a r á t e r refratário, fa- com egoísmo, zem deles um enorme quisto é t n i c o É sabido como s ã o f é r t e i s os japoneses e cultural localizado na mais rica das em seus processos de sutilezas e em sua r e g i õ e s do Brasil. Há c a r a c t e r í s t i c a s p e r t i n á c i a racial. Contamos que Vossa Exque nenhum e s f o r ç o no sentido da c e l ê n c i a em seu alto patriotismo se diga s s i m i l a ç ã o c o n s e g u i r á remover. Ninnará mandar estudar o assunto pela Seg u é m logrará, com efeito, mudar a cor ç ã o de S e g u r a n ç a deste m i n i s t é r i o no e a face do j a p o n ê s , nem sua concep- sentido de ser encontrada uma forma ç ã o da vida, nem seu materialismo. 6 para neutralizar essa manobra de burla à nossa p o l í t i c a nacionalizadora. 5 O problema é resolvido permitindo-se apenas a entrada de livros didáticos impressos em língua portuguesa. Aperta-se o cerco. O parecer de Francisco Campos expressa todas as facetas do preconceito, do medo, do estranhamento, da intolerância e da i n s e g u r a n ç a . Mas, antes de tudo, é a e x p r e s s ã o mais acabada da Em 1941, o então ministro da Justiça, Fran- construção do inimigo, do outro, do in- cisco Campos, elaborou um extenso pare- desejável, do inassimilável. cer sobre a inconveniência de se aceitar a entrada de quatrocentos japoneses que desejavam migrar para o Brasil, dedicando-se à agricultura no interior do estado Os japoneses que habitavam São Paulo nestes anos percebiam muito bem a exclusão a que estavam submetidos, muitas vezes não entendiam por que isso de São Paulo. acontecia, j á que apenas desejavam faNem cinco, nem dez, nem vinte, nem cin- lar sua própria língua, comer do seu q ü e n t a anos s e r ã o suficientes para uma modo; enfim, vivenciar livremente sua Acervo, Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 129-146, jul/dez 1997 - p á g . 135 C A E cultura. Causava-lhes profundo espanto Em janeiro de 1942, foi emitida uma or- que, além das medidas j á apontadas, e dem pelo Gabinete de Investigação para ainda no bojo da s u s p e n s ã o das relações a evacuação das ruas Conde de Sarzedas d i p l o m á t i c a s Brasil/Japão, eles fossem e dos Estudantes, principais ruas de con- proibidos de dirigir veículos automotores, centração do comércio j a p o n ê s , no bair- mesmo porque não eram poucos os mo- ro da Liberdade. Todos os japoneses de- toristas de praça japoneses. veriam deixar o local em dez dias. O co- Em 29 de janeiro de 1942, foi restringida a liberdade de l o c o m o ç ã o , através das normas instituídas pela polícia. Inconformados com estas medidas, os j a poneses criaram, em 1942, a sociedade Táisai Yokusam Doshi Kai (Associação dos Correligionários da Cooperação da Grande Política) que pretendia promover o retorno em massa para o J a p ã o dos imigrantes que n ã o se conformavam com a p e r s e g u i ç ã o e eterna suspeição a que es- mércio ficou completamente paralisado. A e s t a g n a ç ã o duraria pelo menos a t é 1945. Em 6 de fevereiro de 1943, uma nova ordem de d e s o c u p a ç ã o foi emitida, desta vez atingindo p e n s õ e s e h o t é i s . Esta notificação foi recebida por mais de 350 famílias. Ma quinta-feira, 8 de julho de 1943, era a vez de serem notificadas do início da evacuação do litoral, rumo ao interior, cerca de mil famílias de japoneses, a l e m ã e s e italianos. tavam submetidos. O desejo de retornar A hospedaria dos imigrantes no Brás, por ao J a p ã o era um velho sonho acalentado onde muitos haviam passado ao chegar pelos primeiros imigrantes e as perse- no Brasil, foi transformada em p r i s ã o guições durante o Estado Movo exacer- onde eram confinados não s ó italianos e baram esse desejo. a l e m ã e s , mas principalmente japoneses; os maus-tratos e a violência física torna- A guerra forneceu as condições ideológi- ram-se regra no tratamento aos imigran- cas para o acirramento da r e p r e s s ã o e o tes. Em O imigrante aprofundamento do projeto estadonovis- Manda conta: japonês, Tomoo ta. Sem meias palavras ou justificativas legais era possível aprisionar para ave- ...na p r i s ã o faltavam camas e por isso riguação. Mofava-se nas cadeias a t é as colocavam t r ê s ou quatro c o l c h õ e s so- providências legais serem tomadas. Em bre o c h ã o de cimento, onde dormiam nome do estado de guerra a s u s p e i ç ã o sete, oito e a t é dez pessoas. Dizia-se assumiu sua faceta mais crua, e desdo- que o que mais incomodava é que brou-se em r e p r e s s ã o generalizada. To- celas eram m i n ú s c u l a s , com janelas al- dos aqueles que, por uma ou outra ra- tas e pequenas causando zão, ainda podiam escudar-se ao abrigo por causa da p r e c á r i a r e s p i r a ç ã o e da da lei foram finalmente colhidos pelo ven- f u m a ç a de cigarros... dava! que esculpia a nacionalidade. p á g . I 36. J u l / d e z I 997 as sufocação 7 A idéia da existência da 'quinta-coluna' V R O permitia todos os tipos de arbitrarieda- Existiam três modalidades de salvo-con- de. Os jornais contribuíram para o au- duto: estrangeiros, nacionais e perma- mento do medo e o recrudescimento dos nentes; sendo que a l e m ã e s , italianos e atos de exceção, alimentando de forma japoneses não tinham acesso ao salvo- sensacionalista a paranóia em torno da conduto permanente. As prerrogativas segurança nacional, publicando, todos os abertas com a guerra levaram ao ponto dias, mais e mais notícias sobre espio- máximo a perseguição e a suspeição so- nagem, atentados a usinas, reservatóri- bre toda a população, "desvendando na os de á g u a e indústrias básicas. Quanto prática o que fica dissimulado nas fases menos atos dessa e s p é c i e o c o r r i a m , democráticas: o caráter político da re- maiores eram os brados temerosos da pressão ao crime comum." imprensa, que t a m b é m vivia uma férrea Em março de 1943, os serviços de salvo- censura. conduto — que inicialmente eram expe- Girando uma volta no torniquete da vigi- didos pelas delegacias distritais, pelo Ga- lância, a liberdade de l o c o m o ç ã o foi binete de Investigações e pela Superin- suspensa. Tornou-se n e c e s s á r i o obter tendência de Segurança Política e Social uma autorização da polícia — o salvo-con- — foram centralizados em São Paulo, no duto — para poder trafegar pelo estado. prédio anexo ao da Superintendência de 8 "Queremos a guerra". Protesto contra o torpedeamento dos navios mercantes brasileiros pelas forças alemãs. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1942. Agência Nacional. Arquivo Nacional. Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n» 2. pp. 129-1 46. jul/dez 1997 - p á g . 1 3 7 E C A Segurança Política e Social, no largo Ge- jetivo fixar os limites da esfera pública, neral Osório. Para retirá-lo, o candidato determinados deveria preencher um formulário e en- homogeneizador tregar, ao funcionário da superintendên- Destarte, ao se estabelecer uma eficaz cia, uma série de documentos que segui- intervenção na esfera privada, o e s p a ç o riam para pesquisa e averiguação dos an- público, c o n s e q ü e n t e m e n t e , se reduz e pelo do anseio novo Estado. tecedentes criminais; em seguida, caso passa a ser concebido em função e de nada constasse contra o requerente, se- acordo com os limites impostos ao mun- ria expedido o salvo-conduto. De março do privado. Portanto, o Estado novo a maio do mesmo ano, o serviço aten- explicita com muita clareza e precisão, deu 73.798 pessoas, sendo 40.329 es- a t r a v é s do salvo-conduto, seu projeto trangeiros e 33.469 brasileiros. Mas jus- político: despolitizar a sociedade, silen- tificativas para a criação do salvo-con- ciar a ação e o discurso de uma popula- duto, os ó r g ã o s policiais alegavam que ç ã o transformando-a em massa. Essa São Paulo possuía 1.500.000 estrangei- 'coisa' sem forma ou desejo definidos, ros, grande parte dos quais cidadãos dos onde se q u e b r a m as países do Eixo. grupais, sejam elas estabelecidas pela solidariedades profissão, pelo trabalho ou pela origem, Era imperioso que a p o l í c i a exercesse de maneira que os sujeitos a p a r e ç a m ab- toda p o s s í v e l v i g i l â n c i a sobre o trânsito desses estrangeiros [...] solutamente individualizados e sem vín- o salvo- conduto representava o meio mais eficiente de que d i s p õ e a p o l í c i a controlar as atividades dos para indivíduos que se locomovem de um para outro ponto do p a í s e mesmo dentro limites dos estados [...] dos instituir a obrigatoriedade do salvo-conduto é função indiscutível da polícia preventiva. culos no e s p a ç o público. É aí que a ação interventora do Estado virá restabelecer as solidariedades, não mais determinadas pela classe social, pela origem, ou pela experiência da proletarização, mas as que vinculariam os atores sociais ao poder público, neste momento, a massificação estaria realizada e o proje- 9 to corporativo encontraria caminho aber- Impedir o livre trânsito, circunscrever um to para sua efetivação. A maciça inter- e s p a ç o para a 'ação' dos sujeitos soci- v e n ç ã o estatal na vida privada com o ais, criar uma e s p é c i e de gueto social objetivo de determinar os limitados con- onde seriam 'encarcerados' os estrangei- tornos da esfera pública foi a maneira ros e onde o controle pudesse ser exer- encetada para a realização desse projeto. cido com maior eficiência; eis o objetivo da instituição do salvo-conduto. A inter- Os anos da Segunda Guerra Mundial fo- v e n ç ã o na vida privada, restringindo a ram, sem dúvida, os mais terríveis do possibilidade de circulação, tem por ob- Estado novo, quando a s u s p e i ç ã o foi p á g . 138. j u l / d e z 1997 V R O maior sobre os trabalhadores pobres, os O país imaginado pelos imigrantes já não imigrantes e principalmente os japone- existia mais; encerrava-se aí o imaginá- ses. A s u s p e n s ã o dos direitos legalmen- rio da volta. Para alguns náo havia outro te constituídos foi o mais eficiente meio caminho, j á que o retorno náo se coloca- de controle e cerceamento da cidadania. va em questão. Cabia mais uma vez seguir o Qambarê e resignar-se. Para outros o sonho não poderia simplesmente O C A M I N H O DOS SÚDITOS A transformar-se no pesadelo de ficar. A Segunda Querra significou um resposta foi a criação da Shindô-Remmei. decisivo momento de inflexão _para a colônia nipo-brasileira. Terminada a guerra, a situação náo me- Seu final sepultava definitivamente o so- lhorou para os japoneses, ao contrário, nho de retornar ao J a p ã o . A vinda dos agravou-se. A comunidade japonesa, após imigrantes japoneses ao Brasil era en- tantas e seguidas humilhações, dividiu- carada como algo temporário, uma pas- se entre os Kachigumi e os Makegumi. s a g e m ; ao final de alguns anos eles Os primeiros não acreditavam na derro- retornariam ao J a p ã o ricos e vencedo- ta do Japão, achavam que tudo era uma res. Messe projeto assumia um papel cen- grande farsa e que a qualquer momento tral o Q a m b a r è , e x p r e s s ã o do esforço os navios de guerra japoneses chegari- para seguir adiante enfrentando todas as am para levá-los à terra do sol nascen- adversidades com resignação e aceitan- te. Os Makegumis, conformados com a do o d e s t i n o c o m o a l g o p o s i t i v o e inescapável. situação, aceitavam a derrota japonesa e desejavam esquecer a guerra, as hu- 10 milhações sofridas e reconstituir suas viA c o n s t r u ç ã o do Estado nacional, do qual das. Em meio a acirrados debates e mui- estavam excluídos os japoneses, acirrou tas desavenças na colônia, os Kachigumi o retorno aos valores dos primeiros imi- criaram, no dia 23 de setembro de 1945, grantes e à p r á t i c a do S h i n d ô e do no bairro do Jabaquara, a Liga do Cami- Q a m b a r ê . O desejo de retornar ao Ja- nho dos Súditos, a Shindô-Remmei. Seus pão era proporcional à suspeição e per- fundadores, desde os anos da guerra, seguição a que estavam sujeitos. Messe procuravam expressar o seu patriotismo c o n t e x t o , o d i s c u r s o do i m p e r a d o r através da prática do Shindô, o código flirohito, pondo fim à guerra, em 14 de de conduta que todos os súditos japone- agosto de 1945, caiu como uma bomba ses deveriam manter em relação ao im- na comunidade nipo-brasileira. Abalada, perador. ela levou algum tempo para assimilar o golpe, pois o J a p ã o que emergiu a p ó s A Shindô-Remmei foi fundada com o prin- 1945 desfigurara a imagem imperial da cipal objetivo de eliminar fisicamente os ancestralidade divina e da invencibilidade. derrotistas, e assim elevar o moral da Acervo, Rio de Janeiro, v. 10, n° 2, pp. 129-146. Jul/dez 1997 - p á g . c E comunidade, enquanto esperava a che- triotismo e os tornaram propensos a re- gada dos navios de guerra do J a p ã o . A cusar a derrota. O profundo preconceito polícia estimou que a S h i n d ô - R e m m e i e desprezo com que foram tratados evi- chegou a possuir cerca de cem mil asso- denciava para muitos que, naquele mo- ciados, a maioria no estado de São Pau- mento, n ã o havia outra alternativa: ou lo, realizando mais de 32 atentados con- chegavam os navios da marinha imperial tra os chamados derrotistas, durante o japonesa para buscá-los, ou seu destino período de 7 de março a 16 de agosto de era desaparecer enquanto grupo étnico 1946, causando 13 mortes." e cultural. Este estado de â n i m o presidiu lião é difícil avaliar a responsabilidade que teve o Estado Movo na criação de organizações como a Shindô-Remmei. 12 a c r i a ç ã o de o r g a n i z a ç õ e s como a Shindô-Remmei. As con- A a t u a ç ã o da polícia contra as organiza- tínuas p e r s e g u i ç õ e s e h u m i l h a ç õ e s im- ç õ e s nipônicas foi rápida, recheada de postas aos japoneses a g u ç a r a m o seu pa- lances teatrais para consumo da imprensa Teijiro Suzuki, primeiro j a p o n ê s que emigrou para o Brasil. Correio da Manhã, Arquivo Nacional. p á g . 1 40 , j u l / d e z I 997 V R O e muito violenta, lio m ê s de julho de tiros, que contudo náo atingiram o alvo. 1946, foram presos, em São Paulo, dois O lavrador j a p o n ê s de 34 anos, Takeo japoneses que confessaram ser membros Kajiwara, vítima do atentado, ao depor, da S h i n d ô - R e m m e i . O processo-crime, dá algumas pistas de que esperava uma e n t ã o instaurado, mostra-nos as a ç õ e s ação dos grupos de extermínio. da organização e as práticas dos grupos Mo dia 23, mais ou menos à s vinte e de extermínio, os Tokko-Tài. t r ê s horas, achava-se repousando e Que o declarante faz parte da TokkoTai, 13 o r g a n i z a ç ã o esta incumbida da antes de dormir ouviu latido de seu cão, levantando-se, imediatamente, e l i m i n a ç ã o dos elementos n i p ô n i c o s para fora pela porta da sala de visita, c o n t r á r i o s à i d é i a da vitória do J a p ã o que saiu ao terreiro e andou sessenta na presente guerra do Pacífico, que o metros em d i r e ç ã o da cerca do vizinho d e c l a r a n t e foi i n c u m b i d o de matar [...] ao chegar à mencionada cerca ou- Takeo Kajiwara, por ser este um dos viu o disparo de um tiro tendo, imedi- mais fervorosos p r o p a g a n d i s t a s da atamente, atirado para um lado seu derrota j a p o n e s a no P a c í f i c o , que o l a m p i ã o , que l a n ç o u - s e ao c h ã o no depoente estava em companhia, nes- momento que ouviu mais tiros, nove ta i n c u m b ê n c i a , de Kiyokaku Morishita, mais ou menos, e p ô d e perceber que o a se tratava de duas pessoas inimigas, desencumbir-se da m i s s ã o , que trazi- tratando o declarante de voltar para am consigo a bandeira da organiza- sua casa, rastejando, entre sua casa e ç ã o , que dispararam toda a carga de o rancho de c r i a ç ã o do bicho-da-seda, seus r e v ó l v e r e s , percebeu novamente que ali estavam qual acompanhou e ajudou num momento em que, nos fundos da casa da pretensa mais duas pessoas, as quais t a m b é m v í t i m a , protegidos pela e s c u r i d ã o , a disparavam contra o declarante dois 1 viram surgir com o l a m p i ã o . . . * tiros [...] que tratou de recolher-se, entrando em casa, tendo sua mulher, Assim, Tomio Aoki, alfaiate de 23 anos, mais que depressa, aberto a porta da solteiro, inicia o relato de uma missão cozinha e atirado para fora quatro na qual tomou parte na cidade de Bas- bombas que explodiram no ato, a fim tos, em 23 de julho de 1946. Ele frisa de avisar à v i z i n h a n ç a . . . que o atentado n á o visava qualquer interesse pecuniário, e que n ã o atirou con- O sinal emitido pela esposa de Takeo ha- tra via sido combinado previamente entre os mais ninguém, apenas contra Kajiwara, O depoimento de Morishita, la- sitiantes japoneses da redondeza e, pro- vrador, 17 anos, nascido em São Paulo, vavelmente, contribuiu para pôr em fuga confirma as informações de Aoki, e acres- os agressores. Rapidamente, chegaram centa que ambos dispararam ao todo 12 ao local do atentado vários vizinhos. O ervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 1 29-1 46. jul/dez 1997 - p á g . 1 4 1 A C E que demonstra a rápida mobilização dos são de eliminar Kajiwara. Seguiu para a sitiantes, reflexo das t e n s õ e s que percor- capital e pediu p e r m i s s ã o à direção da riam a comunidade. Shindô-Remmei para matar o Makegumi. Bastante revelador é o depoimento de Satoru Yamamoto, motorista, 28 anos, acusado por Aoki e Morishita de ser o Depois de aprovada a decisão, comprou duas armas e recrutou os Tokko-Tai para a missão: idealizador e mandante do atentado con- transmitindo-lhes as f e l i c i t a ç õ e s por tra Kajiwara. Cheio de orgulho ele conta: esse gesto p a t r i ó t i c o que, segundo os Que diretores da S h i n d ô - R e m m e i , n ã o se- o declarante reside no Brasil há 14 anos, que é solteiro e n ã o possui ria esquecido quando a m i s s ã o militar bens i m ó v e i s , que entrou para a socie- japonesa viesse ao Brasil exigir satis- dade f a ç õ e s do governo pelas p r i s õ e s fei- secreta Shindô-Remmei terrorista nipônica a convite de p a t r í c i o Hida, vice-presidente desta sociedade na cidade de Bastos, que é verdade que o declarante quando entrou para a S h i n d ô - R e m m e i foi certificado que deveria proceder como verdadeiro patriota j a p o n ê s , isto é , n ã o devia dar c r é d i t o aos documentos divulgados pelo governo brasileiro sobre a derrota do J a p ã o que se empenhava na guerra contra as n a ç õ e s unidas, que o declarante deveria atacar com todas as armas ao seu alcance os chamados japoneses tas... seu Dias depois, Satoru recebeu uma carta de São Paulo, escrita pelo chefe TokkoTai Taro Yamada, que o chamava com urgência à capital, a fim de integrar um grupo de execução que deveria entrar em ação no dia 3 de agosto de 1946, cometendo simultaneamente t r ê s atentados: contra o industrial Chibata Miakoche; o encarregado dos negócios japoneses no Brasil, Paulo Morita e o e n t ã o presidente da cooperativa agrícola de Cotia, Shimamoto. derrotistas', ou que admitissem a derrota da p á t r i a , Tomio Aoki, em segundo depoimento, que nessa conformidade o declarante prestado em 8 de fevereiro de 1947, passou a proceder; que no m ê s de abril acrescentou alguns dados novos a essa o declarante foi informado de que o história: sitiante n i p ô n i c o Takeo Kajiwara era ... que o interrogado conhecia Takeo da ala dos que acreditavam na derrota Kajiwara fazia algum tempo, e sempre do J a p ã o e disso fazia alarde, ofendenaconselhava a este que procedesse do com a sua atitude a sagrada pesbem, deixando de beber e fazer sujeisoa do imperador Hirohito...' 5 ra. Que o interrogado se aborreceu Diante da a g r e s s ã o contra a sagrada fi- t a m b é m com Kajiwara. porque este ora gura do imperador, Satoru tomou a deci- dizia acreditar na vitória do J a p ã o , ora p á g . 142. j u l / d e z 1997 O V R dizia não acreditar. Que o próprio da cortina havia um estandarte com a Kajiwara tempos antes tinha convida- i n s c r i ç ã o sede da S h i n d ô - R e m m e i ' , em do o interrogado a eliminar Kussahara, vermelho, e o timbre da entidade — o porque este dizia que o Japão havia diagrama SHIN ( s ú d i t o ) — pintado em sido derrotado... branco sobre uma flor de cerejeira, na É bastante curioso este segundo depoi- parte de baixo do estandarte, à esquerda, havia ainda uma pequena inscri- mento de Aoki. Ele revela conhecer a víç ã o , em que se lia: Dois mil seiscentos tima há algum tempo, o que nos leva a e cinco anos de e x i s t ê n c i a do J a p ã o ' , crer que havia entre ambos uma convivência relativamente estreita, a ponto de o acusado aconselhar a vítima sobre a forma mais adequada de se comportar. O "beber e fazer sujeira" apontados por Aoki eram bastante depreciativos num súdito j a p o n ê s , e contrário à s práticas do Shindô e do Qambarê. Além de derrotista, Kajiwara e r a , aos o l h o s de Aoki e Morishita, um péssimo exemplo de comportamento para a comunidade nipônica. na mesa central havia uma lista com os nomes dos associados da sociedade secreta', entre eles nomes de brasileiros, filhos de japoneses, numa das paredes encontrava-se pendurado um grande e bem desenhado mapa do estado de S ã o Paulo, onde se assinalavam as filiais da liga, chamadas n ú c l e os, espalhadas em á r e a s de concentraç ã o de japoneses. Observando aqui o n ú m e r o desses n ú c l e o s percebia-se a A polícia de São Paulo descobriu e inva- i m p o r t â n c i a da S h i n d ô - R e m m e i , que diu a sede da Shindô-Remmei, no bairro contava aproximadamente mil do Jabaquara, em abril de 1946 e, no dia membros. 130 16 três, os jornais publicaram as fotos do interior da sede, assim descrita pela polícia: rio dia 19 de agosto de 1945, o jornal Diário de São Paulo publicou uma entre- ...no salão principal havia uma grande vista com um j a p o n ê s , no bairro da L i - mesa, e ao seu redor muitas cadeiras. berdade. O repórter perguntou-lhe como A parede ao fundo parece ser uma es- tinha visto a rendição do J a p ã o a p ó s a pécie de altar, separada com uma cor- derrota militar. Ocorreu entre eles o se- tina roxa. Abrindo-se a cortina, viam- guinte diálogo: se penduradas, uma ao lado da outra, a bandeira do Japão e a bandeira militar japonesa, ocupando toda a parede. E, no ponto em que as duas bandeiras se juntavam, a pouco mais de — Imagina se o J a p ã o se rendeu. Isso é absolutamente i m p o s s í v e l . — Mas como, se a rádio T ó q u i o transmitiu isso? dois metros do chão, havia uma foto do imperador em vestes militares, montando um cavalo branco. À direita — Hoje em dia, há t r a n s m i s s õ e s americanas perfeitas em j a p o n ê s . cervo. Rio de Janeiro, v. 10. n° 2. pp. 129-146. Jul/dez 1997 - p á g . 1 4 3 — V o c ê n ã o acredita nem na mensa- Espaço público privatizado e área de circulação, esfera privada tecnicizada, cam- gem do imperador? — n ã o é p o s s í v e l que tenha havido po de ação de um saber puramente téc- uma mensagem do imperador, n ã o nico e eficiente, s ã o as q u e s t õ e s funda- pode haver erro naquilo que o im- mentais para se compreender a figura- perador c o m e ç a . " ção estadonovista. 18 Se o vínculo entre ci- O diálogo acima pode ser interpretado dadania e o c u p a ç ã o é um produto do Es- como uma faceta da dedicação japone- tado Movo, a apropriação privada da es- sa, uma singular relação e vínculo que fera pública e a tecnicização dos proble- une os súditos a seu imperador — que mas vividos na esfera da intimidade não inspirou, pilotos o s ã o . Eles e s t ã o inseridos numa longa camicases. Porém, gostaria de aventar tradição de 'confusão' intercambiante en- outra hipótese: o diálogo entre o repór- tre a rua e a casa. A novidade das déca- ter e o j a p o n ê s expressa as dificuldades das de 1930 e 1940 talvez esteja na jun- e sutilezas na c o n s t r u ç ã o da cidadania ção entre estas duas práticas. por exemplo, os e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , de um e s p a ç o efetivamente público na sociedade brasileira. A q u e s t ã o da cidadania é t a m b é m a chave para a c o m p r e e n s ã o dos vínculos erigidos no Estado Movo entre e s p a ç o público e privado. O projeto estadonovista almejava tornar o público um simples espaço de circulação de pessoas e mercadorias, desprovido de função política e crítica, transformando-o em mero lugar, em paisagem, pano de fundo de circulação e passagens urbanas, desprovido de contradições. Porém, a despolitização da esfera pública impôs um novo arranjo entre o público e o privado. Despojada de seu caráter político a esfera pública se Os japoneses, concebidos aqui no sentido amplo como estranhos, foram excluídos, de a n t e m ã o , da possibilidade de tornarem-se cidadãos. Perseguidos e marginalizados, foram jogados nas fímbrias da sociedade, no e s p a ç o da n ã o visibilidade pública. Porém, é exatamente neste não lugar, nesta exclusão, que s e r ã o forjadas as p o s s i b i l i d a d e s de uma contraleitura dos ideais estadonovistas. Recolhidos à vida privada, os japoneses gestaram de si e de sua situação durante o Estado Movo uma imagem que, adequada aos valores do Q a m b a r ê e do Shindô, os projetaria no e s p a ç o público, a p ó s 1945, com uma pujança recriada. privatiza e passa a ser vivenciada como mera extensão do e s p a ç o privado. Por ou- Organizações como a Shindô-Remmei nos tro lado, o campo da intimidade passa a revelam, tanto as dificuldades para a cri- ser alvo de todo um discurso técnico que ação de uma efetiva cidadania no Brasil, o transforma em lugar da aplicação de quanto as múltiplas possibilidades que ela uma tecnologia que prescinde absoluta- tem para realizar-se. Afinal, os japone- mente de qualquer discussão política. ses s ã o um dos muitos 'inimigos' criados p á g . 144. J u l / d e z 1997 O V R naqueles anos. As a ç õ e s dessa organi- avolumando de tal forma a mostrar que zação 'terrorista' s ã o , por um lado, uma "[...] a sua face e a sua cor denotam fri- reação à s seguidas humilhações sofridas eza e calculismo..." durante o Estado novo. Contribuíram, As seqüelas deixadas na comunidade ja- p o r é m , para justificar e reforçar certos ponesa por esse duro período se eviden- preconceitos arraigados. As "caracterís- ciariam durante muito tempo, o que tor- ticas negativas' dos japoneses vão sen- naria ainda mais difícil a construção de do pintadas em tons cada vez mais som- uma efetiva cidadania nos anos que viriam. 19 brios e assustadores, a partir dos quais se pode esperar deles quaisquer gestos de desconfiança e traição, predestinação Agradeço especialmente ao professor natural ao crime, ao suicídio, à insanida- Boris Fausto a leitura atenta, as suges- de t õ e s precisas e o gentil apoio. mental, N 1. atributos que vão O se T A S Eliana Dutra R. F., O ardil totalitário ou a dupla face na construção Paulo, USP, tese de doutoramento, mimeo., 1990, p. 51. do Estado novo, S ã o 2. Eliana Dutra. op. cit., p. 221. 3. Relatório 4. " R e l a t ó r i o da C o m i s s ã o de n a c i o n a l i z a ç ã o ao M i n i s t é r i o da E d u c a ç ã o e S a ú d e " , Simon Schwartzman et al.. Tempos de Capanema, Rio de Janeiro, Paz e Terra/Edusp, 1984, p. 150. 5. Cf., Simon Schwartzman, et al., op. cit., pp. 150-151. 6. Citado em Alcir Lenharo, S a c r a f / z a ç ã o da política, 7. Tomoo Ha rida, O imigrante japonês, 8. Paulo S é r g i o Pinheiro, Violência das atividades da polícia civil, p. 688. Campinas, Papirus. 1896, p. 132. s. I., s. e., p.634. do estado e classes populares. Revista DADOS, Rio de J a - neiro, IUPERJ, vol. 22, 1979, p. 6. 9. Alcir Lenharo, op. cit., p. 448. 10. Cf. Célia Sakurai. Romanceiro da imigração japonesa, S ã o Paulo, S u m a r é / F a p e s p . 1993, p. 52. 11. Quido Fonseca, "DOPS: um pouco de sua história", Revista ADPESP, ano 10, n° 18, 1989. 12. Outras o r g a n i z a ç õ e s surgiram neste p e r í o d o : Zaiako Zaiago Oujin Kai, A s s o c i a ç ã o dos ExMilitares Japoneses no Brasil; a Kodo Jissen Remmei, Liga pela Prática das Diretrizes do Imperador; a Tuido Seinen Kei. A s s o c i a ç ã o dos Jovens Japoneses que seguem as Diretrizes Centrais; a Kokussui Seinen Dan, Grupo nacionalista de Jovens; a Aikoku nippon Jin-Kai. A s s o c i a ç ã o Patriótica dos Japoneses Unidos; a Chudo Aikoku Doshi-Kai; A s s o c i a ç ã o Patriótica pela Unidade do Pensamento; a Chudo-Kai; A s s o c i a ç ã o do Caminho da Felicidade do Imperador. Entretanto, todas as i n d i c a ç õ e s mostram que a mais importante de todas, por suas a ç õ e s , foi a S h i n d ô - R e m m e i . Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2. pp. 129-1*6. jul/dez 199 7 - p á g . 1 * 5 13. Tokko-Tai: grupos de e x e c u ç ã o encarregados das m i s s õ e s de e x t e r m í n i o . 14. Processo em que é r é u Tomio Aoki. Arquivo do Tribunal de J u s t i ç a do estado de S ã o Paulo. I TVibunal do Júri, caixa 700. Os p r ó x i m o s depoimentos foram transcritos desse processo. o 15. Para um esclarecimento do comportamento dos japoneses em r e l a ç ã o ao imperador Hirohito ver Ruth Benedict. O crisântemo e a espada, S ã o Paulo, Perspectiva, 1981. 16. Tomoo Handa, op. cit., p. 675. 17. Idem, ibidem, p. 643. 18. Sobre a r e l a ç ã o entre p ú b l i c o e privado, ver J ü r g e n Habermas, Mudança pública, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984. estrutural da esfera 19. Citado por Alcir Lenharo, op. cit., p. 132. A B S T R A C T The union, cohesion and indivision were the aims of the Estado novo. There was a desire to erase ali possible traces of social heterogeneity, with foreigners representing a potential danger. The building of homogeneity called for a very authoritarian political system, considering that it presupposed the elimination of the other, the dissimilar. This article shows that the fear, the aversion towards the other reached extreme leveis regarding the Japanese. R É S U M L'union, la cohesion et 1'indivision ont é t é les objectifs de ['Estado novo, en vue d'effacer É les marques d'une é v e n t u e l l e h é t é r o g é n é i t é sociale, o ü les é t r a n g e r s r e p r é s e n t a i e n t un danger en potentiel. Pour b â t i r l ' h o m o g é n é i t é on p r é s u p p o s a i t 1'élimination du d i f f é r e n t , de 1'auíre. Cet article montre la peur et 1'aversion en atteindrant des niveaux extremes par rapport aux Japonais. Maria Luiza Tucci Carneiro Docente do Departamento de História da FFLCH e do Programa de Pós-graduação em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaica do Departamento de Letras da Universidade de São Paulo. L i t e r a t u r a de I m i g r a ç ã o M^emÓFias cie i i i m a d i á s p o r a A s d é c a d a s de 1930 e tos de repressão e propaganda. 1940 podem ser con- Tanto na Espanha como na Ale- sideradas como um manha, regimes fortes substi- momento de convulsão da so- tuíram repúblicas agonizantes ciedade c o n t e m p o r â n e a que nada mais foram do que en- que, utopicamente, preparou o mundo para a saios de liberalismo e de prática demo- prática da democracia. Durante este pe- crática. Utopias, enfim. O t é r m i n o da ríodo, o totalitarismo idealizado nos pri- Querra Civil Espanhola não deixou de ser meiros anos do século XX e concretizado o prenuncio do conflito mundial que co- pelo nazismo e fascismo veio à tona sob meçou em 1939. Portanto, é compreen- a forma de tirania e violência. sível que 1945 seja apontado como sím- Tempos de terror, de medo e de ódio. Tempos de cataclismo. Tempos de Hitler, Mussolini, Franco, Salazar, Perón e Getúlio Vargas. Cada qual, a seu modo, colocou em prática projetos nacionalistas e xenófobos, controlando e seduzindo as massas através de modernos instrumen- bolo para a história da humanidade: náo somente pelo fim do conflito mundial e suas implicações p o l í t i c o - e c o n ô m i c a s , como também por q u e s t õ e s humanistas. Quando as primeiras notícias da vitória dos Aliados vieram a público, concretizou-se a falência do Estado nazi-fascis- Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ' 2. pp. 147-164. jul/dez 1997 - p á . 1 4 7 9 A C E ta. E, quando vieram à tona as primeiras ram à imigração. Dispersa por três con- imagens do holocausto judeu praticado tinentes — Europa, América e África —, pelos nazistas, o mundo parou sob o im- esta massa diversificada e magoada de pacto desse fenômeno, incompreensível refugiados guardou desilusões, rancores até os dias de hoje. Os indivíduos de qual- e tristes recordações. quer raça, religião ou etnia tiveram a triste oportunidade de lançar os olhos sobre os escombros dos campos de concentração, constatando que o sentimento de ódio náo tem limites. ) f "^anto a Guerra Civil Espanhola quanto o nazismo e a Segunda Guerra Mundial foram respon- sáveis por um i n t e n s o nitivo; outros retornaram quarenta anos depois quando foi reinstaurada a democracia, e os que não saíram da Espanha viveram, permanentemente, em seu PEREGRINOS SEM PÁTRIA f Para muitos o exílio acabou sendo defi- movimento imigratório que envolveu, de um lado, aqueles que, identificados com idéias l i berais e republicanas, foram obrigados lio exí- 2 interior. Após 1945, o mundo viu-se diante de outros tipos de peregrinos: os espoliados de guerra e os d e s i l u d i d o s , ou seja, aqueles que, decepcionados com seus países de origem e amedrontados com o alcance das práticas totalitárias, resolveram sair em busca de nova pátria. a deixar a Espanha sob o olhar censório Essa massa humana em movimento, fu- de Franco; de outro, os judeus persegui- gitiva e sofrida, colocou muitos países em dos pela doutrina nazi de t e n d ê n c i a s 'estado de alerta', visto que estavam pre- genocidas. ocupados com o tipo de indivíduo (raça, Com r e l a ç ã o à Espanha, cabe lembrar que em 9 de fevereiro de 1939 foi pro- caráter e ideologia) que poderia solicitar abrigo em suas terras. Tanto a França mulgada a Lei de Responsabilidades Po- como o México abriram suas portas aos líticas' como parte da longa r e p r e s s ã o espanhóis empreendida pelo Movimento Nacional, franquista. A Argentina, contrária à imi- que atingia todos que haviam defendido gração em massa, restringiu-se a rece- a República e tentado impedir o avanço ber apenas alguns intelectuais e perso- das tropas franquistas. Para muitos acu- nalidades de renome na Espanha. Mo en- sados de 'agravar e subverter a ordem' tanto, n ã o teve condições de impedir a era chegada a hora do cárcere, dos cam- entrada de grande n ú m e r o de judeus, pos de c o n c e n t r a ç ã o e do exílio. Esta que para lá se dirigiram atraídos pela co- diáspora estendeu-se a t é o início da Se- munidade israelita existente no p a í s . gunda Guerra, quando os principais cen- Muitos dos peregrinos encaminharam-se tros receptores e polarizadores se fecha- para São Domingos, Venezuela, Equador, p á g . 148, j u l / d e z 1997 exilados pelo regime 3 V Panamá, Cuba, Inglaterra e Estados Uni- A documentação oficial produzida pelo Mi- dos. Um grande número refugiou-se tam- nistério das Relações Exteriores e pelas bém na África do Norte.* missões diplomáticas sediadas no exte- Neste mesmo momento, entre 1937 e 1942, o Brasil colocava em evidência uma série de circulares secretas proibindo a entrada de imigrantes judeus. Defendiase a idéia de uma política imigratória entificamente ci- policiada e orientada, ten- do em vista o imigrante como um provável candidato à composição racial e política do país. Aquele, se destinado a con- rior comprova a atitude irreverente do Brasil de s ó aceitar aqueles que fossem classificados como desejáveis. Os judeus refugiados do nazi-fascismo foram considerados uma anomalia social, enquanto os refugiados de guerra foram vistos como "uma população faminta e desamparada" e, confidencialmente, tratada de "irmãos d e s g r a ç a d o s " e "escumalha de guerra". 6 tribuir para a melhoria da etnia, deveria atender a um requisito essencial: ser de A maioria das sociedades americanas fi- raça branca, escolhida dentre as nacio- cou de sobreaviso com relação a uma nalidades que j á haviam provado ser fa- dezena de 'perigos humanos' que pode- cilmente a s s i m i l á v e i s pela p o p u l a ç ã o riam colocar em risco a segurança nacio- brasileira. 5 nal; fossem exilados políticos (principal- A causa da fuga. Hitler em meio à multidão, 1933. Archives Yad Vachem. Jerusalém. Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 1 47-16*. Jul/dez 1997 - p á g . 1 4 9 mente se rotulados de anarquistas ou lugar para abrigar-se. Dentre estes acon- c o m u n i s t a s ) , j u d e u s ou 'refugos da tecimentos, cabe citar o desmoronar da escumalha de guerra'. A imprensa con- República espanhola, a evidência da prá- servadora mexicana, pró-franquista, por tica de um plano objetivando o extermí- exemplo, foi responsável pela construção nio em massa dos judeus pelo III Reich, de uma imagem negativa do espanhol as c o n s e q ü ê n c i a s econômico-sociais da junto à o p i n i ã o pública, que, segundo Querra Civil Espanhola e da Segunda J o s é Antônio Matezans, os recebeu "com Querra Mundial, o estado de destruição desgosto, desconfiança e certa hostilida- das cidades e u r o p é i a s atingidas pelos de". A propaganda fascista, por sua vez, bombardeios e o desencanto com a situ- encarregou-se de desqualificá-los, apre- ação político-social de seu país de ori- sentando-os como 'delinqüentes', 'dege- gem. nerados vermelhos' e 'gente de má vida'. 7 Diante deste quadro de caos, os pere- Uma série de fatos interligados entre si grinos sem p á t r i a ' passaram por um contribuiu para gerar um clima de ten- constante processo de mutilação (a de- são, angústia, decepção e intranqüilidade terioração do eu) que, posteriormente, entre todos aqueles que, como os judeus se m a n i f e s t a r á na literatura, produto ou os refugiados políticos, buscavam um deste momento de cataclismo da socie- Viagem interrompida. Passageiros ilegais do navio Theodor Herzl capturado pelos ingleses em abril de 1947. Archives Yad Vachem. Jerusalém. p á g . 150. j u l / d e z 1997 o V dade c o n t e m p o r â n e a . Como muito bem dos a buscar refúgio em outro país a sen- definiu J o s é Lopes Portillo, presidente do sação era de perda, de mutilação. México: tos traduziram suas angústias e esperan- O refugiado é um ser com a raiz cerceada. Um sujeito errante que n á o pro- Mui- ças em poemas, novelas, contos e livros de memórias. cura apenas comida, teto e trabalho, Essa literatura, característica do p ó s - p o r é m algo muito mais substancial: guerra, revela a busca de equilíbrio pelo um centro de gravidade, um ambiente homem que, através de uma retórica par- que possa nutrir seu e s p í r i t o , e n á o s ó ticular, procurou exprimir seus sentimen- sua carne." tos sob a forma de denúncias e silênci- Esta q u e s t ã o nos conduz a uma outra reflexão que, pela sua essência, nos auxiliará a compreender os textos literários produzidos por muito os, dúvidas e certezas, erros e acertos, t e n s ã o e alívio. Enfim, cada uma das obras publicadas é, também, testemunho das nossas inquietações existenciais. destes transterrados'. Christopher Lasch, refe- Essa seleção e análise privilegia a me- rindo-se ao estado de espírito daqueles mória dos excluídos, dos marginalizados que lutam pela sobrevivência, afirma em e das minorias; memória esta que, se- sua obra O mínimo gundo Michel Pollak, aflora "nos momen- eu: tos de crise em sobressaltos bruscos e Em uma é p o c a carregada de proble- mas, a vida cotidiana passa a ser um e x e r c í c i o de s o b r e v i v ê n c i a . Vive-se um dia de cada vez. Raramente se olha para t r á s , por medo de sucumbir a uma 10 exacerbados". Tais sentimentos emergem, de forma mais transparente, nos textos que se referem a um passado imediato, ou seja, próximo ao momento do conflito. debilitante nostalgia e quando se olha para a frente, é para ver como se ga- Com base em uma seleção preliminar — rantir contra os desastres que todos parte de um estudo mais amplo — , " po- aguardam. demos adiantar que as décadas de 1930 9 e 1940 produziram tipos distintos de l i A LITERATURA E M QUESTÀO A guerra náo foi uma ilusão, nem o holocausto. As divergências .ideológicas anteciparam cala- midades com capacidade de 'abalar a Terra'. O tema da vida e da morte tornou-se trivial preocupação de todos que estiveram ou não envolvidos pessoalmente nos conflitos. Os que se viram obriga- teratura, muitos dos quais podem ser considerados como produtos c o n s e q ü e n tes da prática autoritária e da dificuldade que o homem tem de lidar com as diferenças, sejam elas étnicas ou ideológicas. Diante de uma produção tão múltipla e diversificada, identificamos inúmeros núcleos literários, dentre os quais cabe citar: a literatura de exílio, produ- Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n» 2. pp. 1 47-1 64 . jul/dez A C zida tanto dentro [exílio interior) como mo, p r o l o n g a d o . P s i c o l o g i c a m e n t e , fora do país de origem (exílio aguarda o fim do seu exílio. No caso dos e a literatura de imigração, exterior); produzida por refugiados e s p a n h ó i s republicanos, acre- imigrantes e, no caso em estudo, por j u - ditava-se que "em breve Franco cairia". deus refugiados do nazi-fascismo. Não estava em seus planos criar raízes Essas obras foram escritas por homens na nova terra e nem mesmo 'fazer a que tiveram suas existências 'interrom- América', expressão empregada para ca- pidas' no momento de convulsão da so- racterizar aqueles que chegavam com o ciedade. Muitos foram pressionados e ex- propósito de enriquecer rapidamente. A pulsos de sua terra natal; outros perma- certeza da volta sempre os animava. Nas neceram mas tiveram que abrir m ã o de palavras de Eugenia Meyer, a mente e o suas c o n c e p ç õ e s ideológicas e de seus c o r a ç ã o continuavam na Espanha, en- projetos políticos: daí o fato de todos te- quanto a existência transcorria no Méxi- rem co. 12 em comum a experiência do 13 trauma, simbolizado por um momento de Este, entretanto, não é o 'estado de es- ruptura. pírito' do refugiado judeu, que, discrimiEm ambos os casos estas cicatrizes in- nado e perseguido pelo nazi-fascismo, duziram os indivíduos a formularem so- não pensa em retornar: vem para ficar, luções aglutinadoras que deram origem decepcionado com a n a ç ã o que o desen- à s comunidades dos refugiados, neutra- cantou transformando-o num apátrida, lizando as circunstâncias que os força- num 'desclassificado' — os judeus per- ram a imigrar; além de servirem de ins- deram na Alemanha nazista sua condi- piração para seus 'registros de vida'. A ção de 'cidadãos do Reich'. E esse de- literatura produzida por estes grupos vai sencanto gerou marcas profundas, ali- muito além da biografia individual de cada mentando silêncios e medos confessados autor; expressa t a m b é m , nuances da posteriormente nas entrelinhas de suas m e m ó r i a coletiva, fundamental para a m e m ó r i a s . Expressivo desse estado de persistência de uma identidade nacional. espírito é o diálogo que dá início ao livro A diferença entre uma e outra literatura depende de d o i s fatores básicos e determinantes: das condições exteriores próximas ao autor e do estado de espíri- to que condiciona o processo de criação. Neste sentido, temos que considerar a distinção que caracteriza o exilado e o imigrante. O primeiro deixa o seu país por um tempo determinado e, a t é mes- p á g . 1S2. j u l / d e z 1997 Você voltaria?, de Anita Salmoni, judia italiana, formada em letras e filosofia pela Universidade de Pádua: — Você voltaria para a Itália? — Para a Itália? Claro que sim. Vou para lá em dezembro. — Mas eu quero saber se v o c ê voltaria para a Itália para ficar, 1 para viver l á ? * V K O Tanto o imigrante judeu como o exilado como sendo 'liberais' e 'pouco ortodoxos'; espanhol republicano produziram, sob até o momento em que passam a ser â n g u l o s diferentes, suas visões pessoais questionados por suas origens judaicas. dos conflitos presenciados na Europa; Por serem judeus — meio ou, a t é mes- cada qual construiu uma imagem parti- mo, um quarto judeu — é que muitos per- cular de cataclismo elevando-o à cate- deram o direito de cidadania e, posteri- goria de drama. Cada uma dessas versões ormente, o 'direito de viver'. Daí suas encontra-se filtrada pela nova experiência projeções literárias serem típicas das ma- vivenciada em terras americanas. nifestações das identidades mutiladas. nos dois casos a maioria dos autores é A constituída por intelectuais de classe mé- lio assumem uma dimensão universal: a dia urbana; com a diferença de que os da sobrevivência. Deixar a terra de ori- e s p a n h ó i s , exilados no México em 1939, gem náo foi uma atitude voluntária. Foi, eram indivíduos engajados politicamente sim, a única opção para salvar suas vi- e envolvidos com o processo de trans- das. Garantida a troca (vida no exílio), o f o r m a ç ã o da sociedade espanhola na espanhol refugiado sustentou viva a cha- década de 1930. Muitos representavam, ma de um dia poder salvar, t a m b é m , a no momento em que foi proclamada a Se- República abortada pelo fascismo de gunda República, em 1931, a vanguarda Franco, neste sentido, lembramos aqui a do liberalismo e do republicanismo es- obra de Carlos Martinez, que em sua Crô- panhol e, quando n ã o , haviam liderado nica movimentos reformistas e de oposição à blicanos Igreja, à monarquia e à ditadura de Pri- todo o processo de adaptação dos refu- mo de Rivera no decênio de 1920. 15 literatura de imigração de una emigración espanoles como a de (La de los em 1939) giados em terras mexicanas. exí- repu- recupera 16 Na Itália, a a p l i c a ç ã o das leis raciais, a p ó s 1939, atingiu muitos intelectuais que, nesta é p o c a , ocupavam importantes cargos junto à s universidades onde atuavam como catedráticos na área de A LITERATURA DE EXÍLIO A literatura de exílio foi produ- zida, na sua maioria, por intelectuais engajados e que, por pesquisa social e científica. Parte consi- razões político-ideológicas, refugiaram- derável desses intelectuais migrou para se em países da Europa, África e Améri- o Brasil passando a ser fator atuante na ca, pressionados pela prática dos regi- história do país, visto serem pessoas de mes autoritários que, para se sustenta- tradição liberal e nível cultural elevado. rem no poder, abusaram do uso da vio- Através de suas memórias, narradas sob a forma de histórias de vida, muitos desses intelectuais judeus se apresentam Acervo, Rto de J lência física e simbólica. Entretanto, momentos históricos distintos d ã o , a cada uma destas obras, tons diferenciados, nelro. v. 10. n ° 2. pp. 14 7 -164 . Ju l/dez 1997 - p á g . 153 E expressivos de múltiplos olhares. Muitos desses escritores continuaram a O fato desses espanhóis continuarem sen- expressar em suas narrativas a busca de timentalmente ligados-a sua terra de ori- uma pátria ideal; mas, nem por isso, man- gem, contando com o retorno num futu- tiveram-se alienados da sociedade que ro muito próximo, fez com que o tema os cercava. Enquanto a literatura de imi- da integração social se transformasse em gração concentra-se nas histórias de vida assunto comum desta literatura marcada de cada um dos seus autores, a literatu- por conflitos existenciais. Dentre os prin- ra de exílio cipais autores, cabe citar: Salvador Movo, desvendar outros mundos, sob o prisma Jorge S e m p r ú n , Simón Otaola, Virgílio a g u ç a d o da 'visão de mundo' do espa- Botella Pastor, Claire Etchrelli, Ramón J . nhol educado segundo os p a r â m e t r o s da Sender, Luis Cernuda e Max Aub, entre cultura européia. Muitos deixaram-se se- tantos outros. tenta, em obras distintas, duzir pelo universo mágico e religioso dos 17 povos da América: penetraram no munA literatura de exílio produzida pelos re- do mítico do México antigo, indígena e publicanos e s p a n h ó i s diz respeito a uma popular. história escrita pelos vencidos, dada a e x t e n s ã o dos conflitos existenciais que Em sua obra Mejicayotl, Ramín J . Sender dela emergem. O a n e d ó t i c o pontilha a recupera parte deste imaginário coletivo maioria das obras neutralizando as sen- recriando uma realidade povoada por len- s a ç õ e s de angústia e de batalhas perdi- das e regida por deuses. das. A novela As/ cayeron los dados, de autor de La esfinge mestiza: crônica me- Virgílio Botella Pastor, publicada na Fran- nor de México, faz crítica social ao apon- 20 Juan Rejano, ça em 1954, traz à tona o drama parti- tar os meninos pobres de rua e o índio cular do homem n ã o realizado em sua que, como um fantasma, "vai pela vida totalidade, assim como expressa a ago- como algo que foi". nia das utopias republicanas. 21 18 O sevilhano Luis Cernuda, refugiado no O drama do espanhol exilado, que tem a e s p e r a n ç a de u m d i a voltar para a Espanha pode ser, t a m b é m , identificado na obra ficcional La algarabia, de Jorge S e m p r ú n , que em 1939 refugiou-se na França, onde passou a integrar o movimento antinazi. Esta atitude lhe valeu, em 1943, a triste experiência no campo de c o n c e n t r a ç ã o de Buchenwald, a p ó s ter sido detido pela Qestapo. p á g . 1 54. j u l / d e z 1997 México, além de evocar a beleza do índio, sensibilizou-se com a tristeza das "moças de véu negro" e com a miséria dos meninos pedindo esmolas; Jose Moreno Villa, em suas 22 enquanto Cornucópias, passou a olhar pelos primores do vulgar, preocupando-se em recuperar a dinâmica do trivial em todos os seus detalhes. Através dos seus ensaios, chegamos ao 19 México crioulo e mestiço, marcado pela K V O influência da civilização espanhola, elo de com um mesmo drama: o da solução ligação e identificação entre exilados e nal. mexicanos. fi- 23 Estas obras diferenciam-se, principal- Simón Otaola, por sua vez, escreveu seus mente, daquelas escritas por exilados por livros relatando pequenas histórias dos terem a estrutura de 'livros de memóri- refugiados, microcosmos de 'vidas inter- as', em que o individual ganha credenci- rompidas': ais aranha; Unos hombres; El cortejo Le lebreria e Tiempo de de recordar. de u n i v e r s a l i d a d e , por ser o holocausto um tema de natureza Através do cômico e da tragédia, o autor emotiva. Um laço invisível une todas as r e c o m p õ e utopias e conflitos, transfor- narrativas, independente de gênero lite- mando o México numa "verdadeira comé- rário e tempo: as imagens recuperadas pelo autor-imigrante têm um significado 2 dia humana". * especial para ele e, naturalmente, sua São raras as versões dadas por mulheres, categoria esta que predomina na literatura de imigração escrita por judeus imigrantes. Uma das escritoras que diri- família, na medida em que s ã o raros fragmentos 'concretos' do seu próprio passado. O que n á o foi registrado irá, com certeza, perder-se no tempo. ge seu olhar para os desprotegidos que se exilaram na frança é Claire Etchrelli, autora de A propôs Mesta de Cleménce. novela de exílio, a autora se preocupa em recuperar o cotidiano dos humildes e dos necessitados fazendo uso de metáforas: á g u a , sangue e álcool têm força de elementos míticos no mundo sem conforto e miserável dos exilados espanhóis na f r a n ç a . Mo entanto, em cada narrativa existe um elo (náo aparente) que é captado por todos os outros (leitores ou autores desta categoria) que vivenciaram uma situação semelhante: o elo do sofrimento, da dor e da ruptura. Considero, neste sentido, que estamos diante de um duplo fenômeno: o da criação e o da co- letiva. 25 Enquanto a literatura L I T E R A T U R A D E IMIGRAÇÃO A memória de exílio distingue- se pela variedade de gêneros que abarneste ca (novelas, contos, poemas, crônicas, nosso estudo em particular, ensaios e narrativas), a literatura deixa- _diz respeito aos livros produ- da pelos imigrantes judeus concentra-se zidos por judeus refugiados do nazi-fas- nas categorias de 'histórias de vida' e cismo que se instalaram no Brasil nas algumas poucas crônicas. Tais obras de- d é c a d a s de 1930 e 1940. Essa literatura vem ser vistas como testemunhos da des- inspira-se na luta pela sobrevivência e truição do homem pelo homem e como enuncia-se como de expressão da tentativa de reconstruir os literatura de imigração, imigração por envol- ver centenas de pessoas identificadas mecanismos legais democráticos. Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n° 2. pp. 1*7-16*. j u l / d e í 1997 - p á g . 1 5 5 A C A estrutura narrativa da literatura E de ção e integração junto à sociedade bra- organiza-se sob a forma de re- sileira. A s e n s a ç ã o de pertencer a dois latos, partes integrantes das 'histórias de mundos, característica do exilado espa- imigração vida'. Neste estudo, em particular, nos nhol no México que ainda náo se desgar- interessa apontar aquelas que foram rou da pátria-mãe, não se manifesta nes- publicadas no Brasil, pois, além de for- te tipo de literatura, visto que este vazio necerem elementos significativos da his- e x i s t e n c i a l foi p r e e n c h i d o por aque- tória do III Reich e do anti-semitismo le que c r i o u l a ç o s c o m a terra que o como fenômeno político-social, nos con- acolheu. firmam — a t r a v é s de testemunho — a prática de uma política racista adotada No caso da literatura de imigração, o ju- pelo governo de Qetúlio Vargas entre deu refugiado se expressa como vencedor: escapou do inferno nazista rompen- 1937 e 1945. do, com sua vontade de viver, os arames Estas obras podem ser consideradas como de r e s i s t ê n c i a ao nazi-fascismo, 26 expressando a versão subterrânea farpados dos campos de c o n c e n t r a ç ã o . Emigrou e integrou-se ao cotidiano bra- que, sileiro r e c o m e ç a n d o , com mil dificulda- de uma forma geral, se viu abortada pela des, uma nova vida. Raros s ã o aqueles história dita oficial. Essas versões não s ã o que conseguiram esquecer; ou melhor, encontradas nos documentos oficiais, ca- muitos preferem não relembrar. Hoje, os bendo ao historiador das mentalidades relatos publicados s ã o apenas um frag- cruzar informações, identificando as fron- mento do que foi vivenciado na Alema- teiras entre o real e a ficção. nha de Hitler. Náo existem palavras para Os marcos da trajetória de cada imigrante podem ser percebidos em diferentes 'estados de e m o ç ã o ' manifestos em suas narrativas: o da constatação do cresci- mento do nazismo e do fascismo; o do impacto de se ver diferenciado pelo es- tigma de 'ser judeu', apesar de 'nascido' a l e m ã o ou italiano; o do temor da perseguição e suas conseqüências e, em quarta e última instância, o da euforia de bemestar. exprimir a extensão do fenômeno que foi a 'vida' num campo de c o n c e n t r a ç ã o (depois campo de extermínio). Daí tantos questionamentos (alguns inexplicáveis) e a revolta contida no livro Memórias inferno, de Isaak Podhoretz, publicado em 1992: Por que mataram...? Por que tanto ó d i o ? Por que ensinaram as c r i a n ç a s a agir assim? S e r á que Deus n ã o é de todos? Ao relatar sua trajetória de vida, o refu- Não posso esquecer. N á o posso giado judeu tem a preocupação de mos- arrancar este passado de dentro de trar como se processou o momento da mim... ruptura, seguido da sua rápida assimila- p á g . 1 56 . j u l/dez do 1997 27 Estas estórias, no seu conjunto, trans- V R O formaram-se em uma 'história de anôni- mulheres, alemãs e italianas, que fazem mos', dada a intensidade do fenômeno: das suas histórias de vida exemplos de seis milhões de vítimas. Mas apesar da resistência e luta pela p r e s e r v a ç ã o da extensão e do impacto causado junto à identidade judaica, independente da na- o p i n i ã o p ú b l i c a , os sobreviventes do cionalidade a d q u i r i d a . Dentre essas holocausto n ã o receberam, ainda, reco- obras, cabe lembrar Ali the gardens of nhecimento por parte da historiografia my life, de Mathilde Maier; Schreib mir internacional e brasileira. Somente nes- alies, ta última d é c a d a é que estudos nesta di- 'Brasiliannischen reção c o m e ç a r a m a ser desenvolvidos, Schauff; Você voltaria?, de Anita Salmoni; Mutter. Brief aus Qarten', dem de K a r i n frente à abertura recente de arquivos ale- Os abismos, de Malka Lorber Rolni; A lon- m ã e s e russos, assim como da apreen- ga trilha azul, de fúlvia Di Segni; Crôni- s ã o gerada pelo recrudescimento das cas do meu tempo, de Trudi Landau; nos- idéias nazistas, do fortalecimento das cor- so caminho de obra para o Brasil (1939- rentes revisionistas que negam as câma- 1941), de llza Czapska; O mundo silen- ras de g á s e os campos de extermínio, e ciou, de Miriam Brik Nekrycz. das manifestações crescentes de sentimentos nacionalistas e xenófobos, alimentados por representantes do pensamento de extrema-direita na Europa e 30 As h i s t ó r i a s de vida dessas mulheres reconstituem parte da história da imigração para o Brasil, assim como o drama daqueles que, de perto, foram vítimas do América. nazismo e do anti-semitismo na Europa. Esta n ã o é, entretanto, a situação da his- Suas crônicas, poesias, diários e roman- tória dos exilados espanhóis, que — sem ces emergem deste universo trágico para desmerecer aqui a extensão do conflito — tem recebido a t e n ç ã o redobrada por parte dos historiadores, cientistas políticos, estudiosos da arte e literatura. O caráter épico conferido a muitas obras produzidas pelos exilados espanhóis tem colaborado para o fortalecimento da ima26 gem de herói que lhes tem sido atri- buída pela historiografia internacional, que dá a este 'movimento imigratório interferir diretamente no universo da criação. Como escritores, souberam transformar frases e palavras em expressões coloridas de sobressaltos emocionais incorporando fragmentos da realidade brasileira. Extraíram da paisagem e do cotidiano a e s s ê n c i a do c a r á t e r nacional, atraídos, como estrangeiros que eram, por tudo aquilo que percebiam como exótico e popularesco. involuntário' uma a t e n ç ã o especial por Diferentes versões foram arrancadas da- envolver intelectuais e artistas conceitu- quele mundo cinzento da guerra que, ados. 29 após a década de 1950, viu-se traduzido A maioria das v e r s õ e s foi escrita por em metáforas inspiradas nas vivências o. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 147-1 64. Jul/dez 1997 - p á g . 1 5 7 A C E interiores de cada um. Através de suas ganhou seu sustento como modelo e pin- m e m ó r i a s , esses escritores — homens e tora de aquarelas. Entre 1923 e 1933, vi- mulheres — conseguiram recriar sua con- veu em Berlim, posicionando-se contra o dição de cidadãos transfor- nacional-socialismo. Em 1934, para po- mando a tristeza do exílio em literatura. der continuar publicando, tornou-se mem- Mas entrelinhas, expressam a consciên- bro da Associação dos Escritores Alemães cia de estar, constantemente, em busca do Reich. Apesar de não ser judia, por da terra prometida. solidariedade aos amigos judeus, foi para do mundo, a Áustria e, de lá, fugiu para Paris e MarAlém dos nomes citados acima, cabe tamb é m ressaltar a p r e s e n ç a de Suzanne Eisenberg Bach e Paula Ludwig, ambas de origem alemã, cujas histórias s ã o semelhantes a tantas outras de refugiados. A primeira, romancista, nasceu em Munique, em 1909, e, a p ó s 1933, viveu em Paris e Marselha. Manteve contato com Hermann Mathias Qorgen que lhe enviou visto para o Brasil em 1941, via Portugal. O grupo Ficou primeiro em Juiz de Fora e, depois, Suzanne foi para Petrópolis, onde manteve contato com o escritor francês Qeorges Bernanos, aqui exilado. Trabalhou no jornal Correio da Manhã e, em 1948, retornou à Europa. Voltou novamente ao Brasil, indo morar no apartamento de Leskoschek e, mais tarde, em Salvador, onde adquiriu uma livraria. Atualmente reside em Munique. A trajetória tumultuada de sua vida encontra-se sob o títuloÀ la recherche monde perdu, publicado em 1944. d'un 31 selha, onde ficou detida no campo de Qurs. Em 1940, conseguiu visto para o Brasil, via Lisboa, g r a ç a s a sua amiga nina Engelhard. Morou por algum tempo em Muri, próximo de nova Friburgo e, depois, transferiu-se para São Paulo, onde levou uma vida muito modesta. Em 1953 retornou à Áustria como cidadã brasileira, tendo publicado em a l e m ã o suas obras, marcadas pelo sentimento de desamparo, desconhecimento do idioma, isolamento e alcoolismo, vindo a falecer em 1974. Além dos escritos de Suzanne Bach e Paula Ludwig, g o s t a r í a m o s de dar destaque, neste universo múltiplo dos memorialistas, a Fritz Pinkuss, Lívio Túlio Pincherle e Max Hermann Maier. O primeiro, alemão e rabino; o segundo, italiano e médico psiquiatra; e o último, alem ã o , advogado e cafeicultor no Brasil. Origens diversas, destinos m ú l t i p l o s , questionamentos semelhantes. Todos ví- Paula Ludwig nasceu em Altenstadt e, timas da intolerância, discriminados como a p ó s a morte de sua m ã e , mudou-se para judeus, refugiados nos trópicos brasilei- Breslau, onde trabalhou como emprega- ros. Detalhes da história de vida do rabi- da d o m é s t i c a , além de freqüentar a es- no Pinkuss, que teve importante papel na cola literária. Em 1917, nasceu seu filho ajuda aos refugiados a l e m ã e s que imi- Friedel, com quem foi para Munique, onde gravam para o Brasil, encontram-se pu- p á g . 158, j u l / d e z 1997 V K O blicados em suas memórias Estudar, en- sua visão de mundo. Pincarle formou-se sinar, ajudar: seis d é c a d a s de um rabino médico psicoterapeuta vindo a se desta- em dois continentes. Mos seus relatos, o car como pediatra e especialista em aler- drama daqueles que, para sobreviver ao gias, dedicando-se à hipnose para tera- nazismo, viram-se obrigados a conver- pia de asma, alergias de pele e outros ter-se ao catolicismo para, mais tarde, sintomas. Através da hipnose chegou até retornar ao j u d a í s m o . a 'terapia de vidas passadas', sendo o 32 Lívio Túlio Fincherle, nascido em Trieste, expressa sua vivência sob prismas diferenciados: o do judeu italiano refugiado em São Paulo e o do profissional preocupado com as ' d o e n ç a s da alma', com o inconsciente marcado pelo passado traumático, inesquecível, silenciado. É importante recuperarmos, em poucas linhas, sua trajetória acadêmica, reveladora de responsável por esta prática por mais de quarenta anos junto à universidade. Deu asas a sua imaginação ao publicar uma obra de ficção científica intitulada Mistério em Jerusalém e pairou sobre a reali- dade ao recuperar sua trajetória de c i dadáo-judeu discriminado pelo fascismo anti-semita pós- 1938. O perfil do indivíduo mutilado, dividido em seus valores e em busca de uma identidade encontrase registrado no seu livro de memórias, Mothilde Moier O S JARDINS DE MINHA VIDA editado em 1987, cujo título sugere sua trajetória de vida: Dois mundos: história da vida de um médico judeu ítalo-brasileiro. 33 Muitos são os que, na condição de refugiados e judeus, viram-se obrigados a optar por novos caminhos. A imagem de um Brasil tropical desponta como uma mancha nas lembranças de Max Hermann Maier, jurista e advogado que, em 1938, viu-se transformado em cafeicultor no interior do Paraná, registrado por ele como 'selva brasileira'. Portando visto temporário e acompanhado de sua esposa Mathilde Maier — autora de Os jardins da minha vida —, juntou-se aos Kaphan em Rolândia, onde passou a administrar a fazenda Jaú, experiência úniMQSKcOooEcfl ca para um homem acostumado a inter- Os jardins de minha vida, de Mathilde Maier, New York, Vantage Press, 1983. pretar as leis. Mo campo, Max Maier Acervo. Rio de aneiro. v. 10. n° 2, pp. 1 47-164 . jul/dez 1997 - p á g . 1 5 9 C A E vivenciou o processo de desenraizamento ao lado dos Aliados. doloroso, embora construtivo, adotando O sentimento de desencanto é marca re- aos poucos o Brasil, como sua nova pá- gistrada na maioria dessas obras. Per- tria. Conseguiu impor-se como cafeicul- cebemos silêncios propositais nas entre- tor e intelectual, enfrentando, como to- linhas dos relatos. Medos e imagens dos os imigrantes, as dificuldades impos- aterrorizantes afastam l e m b r a n ç a s . Mas, tas pela língua portuguesa e pelos trópi- alguns marcos — símbolos do processo cos. 34 de ruptura — se fazem comuns: a noite Mestas m e m ó r i a s afloram os sentimentos de cidadania e nacionalismo: os j u deus discriminados pelo 111 Reich e o fascismo consideravam-se (e eram) cidadãos italianos, a l e m ã e s , austríacos, poloneses, romenos etc. Muitos ressaltam a intensi- dos Cristais, a p u b l i c a ç ã o das leis de nuremberg, o impacto do ato de emigrar, o posicionamento dos mais velhos que queriam aguardar a volta da r a z ã o , a c o n s t a t a ç ã o do avanço do nazismo, o dilema de se sentir judeu e apátrida. dade desse sentimento enumerando fa- A travessia do oceano, como e s p a ç o físi- tos como: a participação de seus famili- co e simbólico a ser percorrido, está pre- ares na Primeira Guerra Mundial, que sente nas recordações tanto dos imigran- lhes valeu c o n d e c o r a ç õ e s nacionais re- tes judeus que se refugiaram no Brasil cebidas por serviços prestados à pátria, quanto dos exilados e s p a n h ó i s que se a pontualidade no pagamento dos impos- abrigaram em terras mexicanas. Os múl- tos, o crédito dado ao fascismo ou, ain- tiplos roteiros possíveis transformaram da, a confiança depositada em Mussolini. os oceanos em caminhos da liberdade. Para a maioria, nada disto contou. O des- O ato de 'arrumar a bagagem', entretan- moronamento de toda uma vida enraizada to, expressa-se como um ato de violên- na terra natal e, em geral, há várias ge- cia, sofrido, doído. Os objetos perdem o rações, ocorreu simultaneamente ao res- seu valor real para o valor simbólico: o surgimento do anti-semitismo. O que sim- que levar e o que deixar? As dúvidas pai- bolizava ser a l e m ã o , austríaco, italiano, ram entre o quantitativo e o qualitativo, polonês, triestino, quando este sentimen- permeadas de valor emocional. Mathilde to entrava em conflito com o fato de 'ser Maier trouxe consigo seus judeu'? E mais tarde, a p ó s 1942, quando mentes de flores do seu jardim, na ger- muitos deles j á se encontravam no Bra- minação de cada grão estava inscrita a sil, um novo e s t e r e ó t i p o somou-se a tan- continuidade da vida. tos outros gerando instabilidade emoci- Identificando-se com uma p o e s i a de onal e conflito de identidade: o fato de G õ e t h e , dedicada a Charlotte V. Stein, ser rotulado 'cidadão do Eixo' a partir do quando ela plantou seu jardim fora dos momento em que o Brasil tomou posição portais de Weimar, a autora comenta: p á g . 160, j u l / d e z 1997 livros e se- V R O Da mesma maneira como este jardim a imagem dos ausentes. O tipo de narra- em Weimar possibilitou a separação tiva e humor que identificamos nas obras definitiva de Qõethe de Frankfurt... as- dos exilados não encontramos na litera- sim o plantio do nosso jardim, seu tura produzida por aqueles que, na con- crescimento, dição de judeus, emigraram para o Bra- sua florescência e frutificação, fizeram-se radicar defini- sil. Mo livro Memórias tivamente neste país novo e esquecer Isaak Podhoretz, sobrevivente de campo o sofrimento indizível da separação da de concentração, o mendigo ressurge da pátria e dos entes queridos, e as amar- realidade brasileira a título de compara- 35 gas experiências do tempo do nazismo. do inferno, de ção, com o objetivo de demonstrar a in- os jardins tensidade do drama vivenciado pelo au- e as flores de Mathilde Maier assumem tor. Miséria e medo são acionados no pre- uma r e p r e s e n t a ç ã o simbólica. Como ela sente miserável com o intuito de recupe- Em Os jardins da minha vida, mesma responde ao repensar a indagação de um amigo sobre "o que seria a rar o passado do inferno nazista. A crítica dirige-se ao nazismo, desviando-se do cotidiano cruel da sociedade brasileira: vida sem Fhox?" Uma paixão relativa: ... uma paixão relativa, foi o que pen- ... um mendigo em frente a uma pada- sei muitas vezes no Brasil onde fize- ria procurava alimentos no lixo e re- mos um jardim tão rico, sem Fhox... cordei t a m b é m como procurava sobras Também os conceitos de jardinagem estragadas, sujas, azedas e me conten- são definidos e alterados como o des- tava quando as achava. Apenas com tino dos homens. uma d i f e r e n ç a : o mendigo n á o 36 tem A viagem de navio simboliza, para a mai- medo de n i n g u é m e eu sempre sentia oria, um corte, um trauma. Do lado de lá medo... 37 ficou a Alemanha, a velha Itália, a gran- Basicamente, podemos afirmar que o au- de Espanha. Do lado de cá, o desconhe- tor deste tipo de literatura procura, como cido. Para muitos, a palavra pas- tantos outros, construir a sua estética do sou a fazer parte de seu novo idioma, rio cotidiano, seja este racista, fascista ou saudade convés, os 'irmãos de barco': n ú m e r o s republicano. A essência de cada obra está tatuados nos braços, c a b e ç a s raspadas, contida na condição de ser imigrante j u - o J vermelho no passaporte emitido pelo deu ou exilado republicano. Esta litera- Reich. Finalmente, terras da América: o tura tem, em essência, a capacidade de impacto do 'outro', do novo. Mas sinago- narrar o drama do oprimido e da degra- gas, a persistência da identidade judaica dação humana contrapondo-o com uto- por entre os murmúrios das vozes imi- pias e esperanças. Enfim, expressa a tra- gradas. Mas fotografias guardadas nos jetória de uma busca, de um sentido para fundos das novas gavetas improvisadas, a vida. o de Janeiro, v. 10. n° 2. pp. 1 4 7-164 . jul/dez 1997 - p á g . 1 6 1 E C A T o n S A 1. Esta lei foi publicada dois meses antes das tropas franquistas s a í r e m vitoriosas, tendo o respaldo da Inglaterra e França que, em fevereiro, reconheceram o governo de Franco. O termo da lei apresentava uma Espanha consciente de seus deveres de reconstruir espiritual e materialmente a n a ç ã o . Daí a necessidade de "liguidar Ias culpas de este orden contraedas por quienes contribuyeron com actos u omisiones graves a forjar a s u b v e r s i ó n " . Sobre este tema ver C. Qarcia-Meto, "Victoria y ei exílio", Guerra civil espanola (1936-1939), Barcelona, Aula Abierta Salvat, 1985, pp. 62-63. 2. Ver a c o l e t â n e a de artigos El exilio espanol en Méjico Cultura E c o n ô m i c a , 1982. 3. L. Argentinos Senkman, La Segunda Querra mundial y los refugiados 1945), Buenos Aires, Grupo Editor LatinoAmericano S.R.L., 1991. 4. J . C. Casas e outros, La Espana ausente. Madrid, E d i c i ó n e s 99, 1973, pp. 15-16. 5. M. L. T. Carneiro, O anti-semitismo na era Vargas: fantasmas de uma g e r a ç ã o (1930-1945), 2 ed., S á o Paulo, Brasiliense, 1988. (1939-1982), Méjico, Salvat, Fondo de indeseables (1933- a 6. F. M. de Carvalho, "Ainda a i m i g r a ç ã o do a p ó s - g u e r r a " , Revista de Imigração e Colonização (\V), 4, dez. 1943, pp. 67-68; " I m i g r a ç ã o um problema nacional", idem (VI), 4, mar. 1945, pp. 57-65; " I m i g r a ç ã o um problema nacional", idem, mar. 1945, pp. 57-67. Sobre este assunto, ver M. L. T. Carneiro, op. cit., "A escumalha de guerra", 343 e ss. 7. J . A. Matezans, "La d i n â m i c a dei exilio", El exilio espanol en Méjico (1959-1945), p. 170; J . L. A b e l l á n . De la guerra civil al exilio republicano (1956-1977), Madrid, Editorial Mezquita, 1983, p. 102. 8. J . L. Portillo, "Prólogo", El exilio espanol en Méjico Cultura E c o n ô m i c a , 1982, p. 9. 9. C. Lasch, O mínimo eu: s o b r e v i v ê n c i a p s í q u i c a em tempos d i f í c e i s , I ed., 1986, S ã o Paulo, Brasiliense, 1990, p. 10. (1959-1982), Méjico, Salvat, Fondo de a 10. M. Pollak, " M e m ó r i a , esquecimento, s i l ê n c i o " . Estudos E d i ç õ e s V é r t i c e , 1989, p. 4. Históricos 5: memória, S ã o Paulo, 11. Este projeto maior intitula-se Literatura de imigração: h i s t ó r i a s de muitas vidas (19301945) e e s t á sendo desenvolvido junto ao Depto. de História da FFLCH da Universidade de S ã o Paulo, tendo sido financiado, por dois anos, pelo CNPq. Esta pesquisa se apresenta como o prolongamento de um estudo anterior que se ateve a registrar depoimentos, a t é c n i c a da h i s t ó r i a oral, concentrando-se nos testemunhos dos judeus que, perseguidos pelo nazi-fascismo, buscaram r e f ú g i o no Brasil. A mostra prevista engloba cerca de 110 testemunhos diferenciados em dois grupos e s p e c í f i c o s : judeus a l e m ã e s (com a t e n ç ã o especial para aqueles que se concentraram em Rolândia, Paraná) e judeus italianos. Grande parte do material i c o n o g r á f i c o referente ao tema foi organizado sob a forma de uma e x p o s i ç ã o , patrocinada pelo Instituto Cultural G ò e t h e , com o título Brasil, um refúgio nos trópicos: a trajetória dos refugiados do nazi-fascismo, 1996. 12. Matezans, ao caracterizar o tipo de imigrante que entrou no México em 1939, em d e c o r r ê n cia da vitória franquista, utiliza-se de duas e x p r e s s õ e s : refugiado republicano, para aquele que se considera 'em t r â n s i t o ' e que n ã o vem para fazer a A m é r i c a ' . Para aqueles que v ê m para ficar, sendo que muitos foram s o l i d á r i o s a Franco durante a guerra civil e apoiaram os rebeldes, o autor emprega a e x p r e s s ã o gachupeiros. J . A. Matezans, op. cit., pp. 166-167. 13. E . Meyer (coord.), Palabras dei exilio. Archivo de la palavra dei 1NAH. C o n t r i b u i c i ó n à la historia de los refugiados espafioles en Méjico. Méjico, INAH-SEP/Librería Madero, 1980, p.14. 14. Anita Salmoni, V o c ê voltaria?, S ã o Paulo, Shalom, 1979, p. 9. 15. P. Fagen, Transterrados y ciudadanos: de Cultura E c o n ô m i c a , 1975, p. 7. 16. C. Martinez, Crônica Libro Mex, 1959. de una emigración: los republicanos espafioles en Méjico, Méjico, Fondo la de los republicanos espafioles en 1939, Méjico, 17. Aub Max. escritor espanhol nacionalizado mexicano, abandonou a Espanha em 1939 e, em p á g . 162. j u l / d e z 1997 O V K 1942, fugiu da França para o México. Importante obra deste escritor éJusep Biblioteca dei Exilio, Barcelona, Plaza 6c J a n é s Editores, 1970. Torres Campalans, 18. V. Botella Pastor, Asi cayeron los dados. Paris, Imprimerie des Qondoles, 1954, apud R. Jouanny, "Asi cayeron los dados y encrucijadas - dos novelas en Francia de un espanol con su exilio". Literatura y guerra ciuil. Barcelona, Edición Angeles Santa, Dept. de Filologia. Faculdade de Letras, E s t ú d i o General de Lérida, Universidade de Barcelona, 1988, pp. 275-308. 19. J . S e m p r ú m , La Algarabia. Barcelona, Plaza ôí Janes S. A. Editores, 1982. 20. R. J . Sender. Mexicaiyot!, apud J . de Colina, "Ensaio: Méjico, visión de los transterrados (em su literatura)", El exilio espanol en Méjico, op. cit., pp. 424-425. 21. J . Rejano, La esfinge mestiza: c r ô n i c a menor de Méjico, Méjico, Leyenda, 1945. Ver t a m b é m J . de Colina, op. cit., p. 422. 22. Gostaria de lembrar aqui os poemas do sevilhano Luis Cernuda escritos no México entre 1951 e 1963, ano em que morreu. Dentre eles, temos "Como quien espera el alba" (19411944), m o n ó l o g o d r a m á t i c o seguindo a t r a d i ç ã o inglesa, Apud J . de Colina, op. cit., p. 411 e ss. 23. J . M. Villa, Cornucopia de Méjico, Méjico: La casa de E s p a ü a en Méjico, 1940, Méjico, Sep/ Setoriales, 1976 e íiueva cornucopia mexicana, caráter p ó s t u m o , artigos dispersos reunidos por Roberto S u á r e z Arguello, Méjico, Sep/Stentas, 1976. 24. Sobre Ataola, ver J . de Colina, op. cit., p. 423. 25. Claire Etchelli, A p r o p ô s de Clemence, Paris, Col. Folio, Denoel, 1971, apud A. Santa, "A p r o p ô s de Clemence", Literatura y guerra civil, op. cit. 26. M. Pollak, op. cit., pp. 8-9. 27. I. Podhoretz, Memórias do inferno, S ã o Paulo, s.e., 1992, pp. 185-186. 28. M. L. T. Carneiro, "Heróis sem armas". Judaica latinoamericana: e s t ú d i o s h i s t ó r i c o - s o c i a l e s II, J e r u s a l é m , Editorial Universitária Magnes, Universidad Hebrea, 1993, pp. 69-86. 29. As principais obras a serem consultadas sobre este tema s ã o : J . A. Matezans, El exilio espanol en México; A. H. Leon-Portilha, Espana desde Méjico: vida y testimonio de transterrados, Méjico, Universidad Nacional A u t ô n o m a de Méjico, 1978; Literatura y guerra civil; P. Fagen, Transterrados y ciudadanos: los republicanos espafioles en Méjico. O b s e r v a ç ã o : grande parte da bibliografia e literatura de e x í l i o aqui citada foi gentilmente cedida pelo historiador J o s é Carlos Sebe Bom Meihy, pesquisador e especialista no assunto dos 'transterrados espan h ó i s ' no México, sobre os quais desenvolve projeto de pesquisa. 30. M. Mayer, Ali the gardens of my life, translated by Marie Burg, New York, Vantage Press, 1983. Originalmente publicado com o t í t u l o de Alie Qarten Meines Lebens, Frankfurt am Main: Verlag Josef Knecht, 1978; K. Shauff, Schreib mir alies, Mutter. Briefe aus dem "Brasilianischen Qarten", Germany, Verlag Gunther Neske, 1987; Anita Salmoni, Você voltaria?, S ã o Paulo, Shalon, 1979; M. L. Rolnik. Os abismos: m e m ó r i a s e contos, Curitiba, Montana, 1990; Fúlvia Di Segni, A longa trilha azul, S ã o Paulo, s.e., 1980; Trudi Landau, C r ô n i c a s do meu tempo, S ã o Paulo, Massao Ohno, Roswitha Kempf, 1981; llza Cazpska. nosso caminho de obra para o Brasil (1939-1941), trad. I n ê s Czaspka Dellae, S ã o Paulo, s.e., 1982 (impresso). 31. Suzanne Bach, À la recherche d'un monde perdu. Rio de Janeiro, Centro das E d i ç õ e s Francesas, (Erster Teil der Autobiographie), 1944. Ver Exil in Brasilien: die Deutschsprachige Emigration (1933-1945). Eine Ausstellung des Deutschen Exilarchivs (1933-1945) der Deutschen Bibliothek Frankfurt am Main/Die Deutsche Bibliotek. 1994. Sobre estes escritores, ver M. L. T. Carneiro, Brasil, um refúgio nos trópicos: a trajetória dos refugiados do nazifascismo, S ã o Paulo, Editora E s t a ç ã o Liberdade/Instituto Cultural G ò e t h e , 1996. 32. Fritz Pinkuss, Estudar, ensinar, ajudar: seis d é c a d a s de um rabino em dois continentes, S ã o Paulo, Cultura, 1990. 33. Lívio T. Pincarle, Dois mundos: Paulo, Roswitha Kempf, h i s t ó r i a da vida de um m é d i c o judeu í t a l o - b r a s i l e i r o , S ã o 1987. 34. Max Hermann Maier, Um advogado de Frankfurt se torna cafeicultor na selva brasileira: relato de um imigrante (1938-1975), trad. Mathilde Maier, Rolândia, Velox, 1975. 35. M. Maier, op. cit., p. 64. 36. Idem, ibidem, p. 35. 37. I. Podhoretz, op. cit., p. 186. Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n- 2, pp. 1 *7- 164. jul/dez 1997 - p á g . 163 A B S T R A C T This article makes some considerations about the year of 1945 as a historical period of immigration of several people in Europe who had looked for new ideais. TWo types of literature were made in that period: the exile literature literature. and the immigration The first was written by intellectuals who due to political and ideological reasons seeked refuge in European countries. The second is relative to books written by Jews who took refuge from nazism and facism in Brazil during the thirties and the fourties. R É S U M É L'article focalise 1'année de 1945 comme un moment historique d'immigration de plusieurs personnes, à 1'Europe. en cherchant des nouveaux i d é a u x . Deux classes de littérature furent produites dans ce p é r i o d e : la littérature de iexil et la littérature de Vimmigration. La p r e m i è r e fut é c r i t e par inteliectuels e n g a g é s , qui à cause des raisons politiques et i d é o l o g i q u e s s' abritaient dans les pays e u r o p é e n s . L'autre a rapport aux livres é c r i t s par Juifs refugies du nasisme et du facisme, et qui sinstallaient au Brésil pendant les d é c a d e s de 1930 et 1940. Meiga Iracema Landgraf Piccolo Professora doutora do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Imigração A l e m ã e Construção do Estado N a c i o n a l Brasileiro 10 vjrrancie seu relatório de 5 de il, sé uill, século do aumento do n ú m e r o de c i d a d ã o s . outubro de 1847, o pre- Galvão, nomeado pelo governo sidente da p r o v í n c i a , central, como todos osdemais pre- Manuel Antônio Galvão, dirigindo- sidentes de província, pronunciava- se à Assembléia Legislativa de São Pedro se a favor da colonização, considerando- do Rio Grande do Sul, dizia: a náo apenas um projeto capaz de desen- Ma o p i n i ã o geral, é considerada a colo- volver economicamente o Rio Grande do n i z a ç á o a necessidade mais palpitante Sul (o que no relatório é destacado). Para do I m p é r i o : a v a s t i d ã o das terras de- ele, que tinha como referência, especifi- sertas que n ã o quereis sem dúvida po- camente, a colônia de Sáo Leopoldo, a co- voar com negros... lonização deveria ser, num país ainda Num discurso pronunciado na s e s s ã o de 4 de outubro de 1862 da mesma Assem- escravista como o Brasil, fator de branqueamento da sociedade. bléia, assim se posicionava o deputado do A colônia de Sáo Leopoldo fora fundada, Partido Liberal, Félix da Cunha: em 1824, com imigrantes alemães, mui- ... n ó s queremos colonos a l e m ã e s , porque a c o l o n i z a ç ã o a l e m ã significa trabalho, i n d ú s t r i a , agricultura e sobretu- tos deles protestantes e, portanto, professando uma religião que não era a oficial do Império do Brasil. Com a funda- Acervo. Rio de J a n e i r o , v. . 0 , n« 2. pp. 1 6 5 - . 7 8 , Jul/dez !997 - páfl.165 A C E çáo da colônia, se retomaria e viabilizaria da imigração estrangeira, especialmente uma proposta formulada em 19 de junho a européia, seria visto como necessário de 1729 pelo Conselho Ultramarino, em para a construção da cidadania no Brasil. Lisboa, pela qual era considerado conve- Mas, o que dizia a Constituição outorga- niente da por d. Pedro I, poucos dias antes de ... que, se v ã o instalando no Sul, nas ser assinada a resolução que deu origem o p o v o a ç õ e s da c o l ô n i a e outras, casais de i l h é u s , e quando estes forem insuficientes, se podia conseguir casais estrangeiros, sendo a l e m ã e s ou italianos e de outras n a ç õ e s que n ã o sejam castelhanos, ingleses, holandeses e franceses. à colônia de São Leopoldo? O artigo 6 , n° 5, estatuía que seriam cidadãos brasileiros "os estrangeiros naturalizados qualquer que seja a sua religião. A lei determinará as qualidades precisas para se obter carta de naturalização". Ora, aos a l e m ã e s dispostos a vir para o Brasil e 1 aqui se tornarem pequenos proprietáriAs propostas de 1729 e 1824 atendiam a os, o governo brasileiro prometera "ad- interesses governamentais. As conjuntu- miti-los no Império como cidadãos brasi- ras eram distintas, mas, em ambas, o leiros, cujo foro gozariam logo ao che- povoamento estava entre os objetivos gar". n e c e s s á r i o s à defesa do território. nação se a naturalização dependia de lei A fundação da colônia de São Leopoldo 2 Mas, como cumprir esta determi- e se a A s s e m b l é i a Geral, como poder concretizou-se através de uma resolução legislativo, s ó se reuniu a partir de 1826? do governo imperial de 31 de março de Mo Rio Grande do Sul, o pequeno propri- 1824, imposta, sem consulta, à s elites etário estabelecido nas colônias também regionais. Tratava-se de um projeto de foi visto como uma possibilidade de con- 5 colonização com pequenos proprietários trabalançar o poder dos grandes senho- de terra subsidiados pelo governo central. res de terra (muitos deles escravistas). Os Entre os subsídios, estava o recebimento latifundiários haviam sido r e s p o n s á v e i s de 160 mil b r a ç a s quadradas de terras pela construção/organização de um espa- para lavoura, parte em campo, parte em ço fronteiriço que empurrara a domina- mata virgem. Portanto, a colônia não foi ção espanhola mais para o sul e atuavam entendida como fornecedora de m ã o - d e - neste e s p a ç o com muita autonomia, as- obra livre, uma alternativa ao trabalho sustando com seu poder o governo cen- escravo. A r e s o l u ç ã o evidenciou — e o desenvolvimento da colônia demonstrou tral (seja o de Lisboa, seja, a partir de 1808, o do Rio de Janeiro). — que ela deveria comprovar a excelência do trabalho livre. A experiência realizada pelo governo com a fundação de colônias de pequenos pro- O branqueamento da sociedade, através páçj. 1 66. J u l / d e z 1 997 prietários era temida e a t é obstaculizada O V K pelos latifundiários, uma vez que essas ros livres trouxe à baila a q u e s t ã o da na- colônias poderiam ser um atrativo para turalização, e as discussões do legislativo os trabalhadores livres estrangeiros. Para geral evidenciaram "a p r e o c u p a ç ã o de os grandes proprietários — defensores do restringir a aplicação do reconhecimento princípio da restrição do acesso à terra de direitos civis e políticos". —, o imigrante deveria ser, preferencial- Se os colonos não se tornaram, desde mente, um vendedor de sua força de tra- logo, cidadãos como se lhes prometera, balho, complementando a mão-de-obra foram, no entanto, imediatamente vistos escrava nas atividades econômicas volta- como soldados. É o coronel J u v ê n c i o das para o mercado externo. É o que Saldanha Lemos, na sua obra Os merce- transparece do Regulamento dos Contra- nários do imperador, quem afirma: 5 tos de Locação de Serviços Agrícolas de A c o n c e p ç ã o de que os colonos a l e m ã e s 1830. teriam utilidade, particularmente, como neste mesmo ano, o orçamento votado pelo Parlamento, em 15 de dezembro, "suprimia todos os créditos para a colonização estrangeira". O significado e os bucha de c a n h ã o , aflorava claramente na d e c i s ã o de m a n d á - l o s para o sul, lugar de lutas eternas, por história e tradição. efeitos deste ato político foram analisados por Jean Roche.* A Aliás, outra guerra j á se desenhava no horizonte. 6 pesar dos cortes orçamentários terem interrompido o fluxo neste sentido, a colônia de São Leopoldo . i m i g r a t ó r i o , S ã o Leopoldo adquiriu uma importância e s t r a t é g i c o - continuou a se desenvolver, registrando militar. um crescimento populacional endógeno. Mas, qual era a guerra que se aproxima- A a n á l i s e das d i s c u s s õ e s ocorridas no va? Era a campanha da Cisplatina (1825- período regencial sobre a naturalização 1828), onde deveria fazer seu batismo de de trabalhadores estrangeiros demonstra sangue uma "companhia de voluntários que o ordenamento jurídico da socieda- a l e m ã e s de São Leopoldo". De acordo de brasileira era determinado (e por isso com Juvêncio Lemos, os integrantes da limitado) pelos interesses do latifúndio companhia eram, na sua maioria, maus escravista. elementos e, por serem perturbadores da A i m i g r a ç ã o estrangeira expressava a ordem, foram enxotados da colônia. Este perspectiva de ampliação da esfera do tra- autor afirma também que, "... em termos balho livre, o que poderia tornar-se um de sacrifício e sofrimento, nenhum solda- fator perturbador para a ordem social fun- do alemão padeceu tanto como aqueles dada sobre a m ã o - d e - o b r a escrava. Mas pobres 7 8 a a d m i s s ã o de trabalhadores estrangei- diabos Leopoldo". enxotados de São 9 o, v. 10, n ° 2. pp. 165-178. j u l / d e i 1997 - pág.167 C A A campanha da Cisplatina estava imbricada no processo de descolonização do continente americano e dizia respeito, especificamente, à construção do Estado nacional no B r a s i l . 10 Proclamada a Independência, a fixação de limites era uma q u e s t ã o geopolítica de extrema importância para que o governo imperial soubesse sobre que território teria competência para exercer atos de soberania. E os limites do Sul ainda estavam indefinidos por falta de um consenso." co a ordem social e política vigente. Se foram invocados interesses nacionais contrários à guerra e, neste sentido, em oposição à s intenções do governo de sustentar a dominação brasileira na Cisplatina, a nação j á era, e n t ã o , vista como uma realidade. Mas a nação ainda n ã o existia, precisava ser construída, e sua c o n s t r u ç ã o significava formar uma identidade nacional brasileira, o que no Sul, devido ao próprio processo histórico regional, era muito p r o b l e m á t i c o . 12 Para o governo imperial, a campanha sig- Ao Estado, t a m b é m em formação, cabe- nificava manter uma d o m i n a ç ã o que co- ria a tarefa n ã o s ó de construir a nação, meçou a ser estabelecida em 1816, quan- mas de delinear o seu perfil. Em nome do da invasão da Banda Oriental deter- da civilização, ela deveria ser pensada minada por d. J o ã o VI, e que resultou na com exclusões e, portanto, "o conceito de sua anexação em 1821, quando Lecor im- nação operado é eminentemente restrito pôs limites sempre questionados pelos fu- aos brancos". turos governos de Montevidéu. não só oficial, sobre a necessidade de A Convenção Preliminar de Paz, assinada em 27 de agosto de 1828 entre os governos de Buenos Aires e do Rio de Janeiro, e que p ô s fim à campanha da Cisplatina, mostrou que manter à força (e para isso ter que contar com mercenários estrangeiros) uma d o m i n a ç ã o sobre o território oriental era desgastante para um país rec é m - e m a n c i p a d o politicamente. A impopularidade do conflito abalou o próprio 13 Daí provém o discurso, branqueamento da sociedade brasileira, a ser viabilizado pela imigração/colonização estrangeira que, no Rio Grande do Sul, durante o período m o n á r q u i c o , foi especialmente — e n ã o exclusivamente — alemã. Mas esta imigração deveria fazer aportar ao país gente trabalhadora, disciplinada, 'industriosa', conforme constava na resolução de 31 de março de 1824, e n ã o m e r c e n á r i o s turbulentos. sistema m o n á r q u i c o brasileiro. O custo O Rio Grande do Sul apresentou-se como político era muito alto para um governo um fator de instabilidade política não só que parecia depender (inclusive para a na crucial conjuntura p ó s - I n d e p e n d ê n c i a sua s e g u r a n ç a na capital do Império) de (isto é, no Primeiro Reinado) mas tam- efetivos militares estrangeiros, muitos dos bém, e em especial, a p ó s a a b d i c a ç ã o de quais mostravam-se, além de tudo, insu- d. Pedro I, quando um clima de insatisfa- bordinados/indisciplinados, pondo em ris- ção, instrumentalizado politicamente, veio p á g . 1 68 . j u l / d e z 1997 O R à tona e cristalizou-se na Querra dos Far- via, se o excedente da produção das co- rapos, conflito civil em que foi proclama- lônias foi fundamental para o abasteci- da a República Rio-grandense, com uma mento de Porto Alegre durante os quase proposta alternativa de c o n s t r u ç ã o do dez anos de guerra, o governo náo podia Estado brasileiro. deixar de considerar que, além de traba- 14 O espírito revolucionário lhadores ordeiros, havia também colonos manifestou-se t a m b é m na colônia de S ã o Leopoldo, cujos h a b i t a n t e s d i v i d i r a m - s e entre legalistas e republicanos. 15 Em março de 1842 a colônia estava pacificada. Toda- rebeldes e subversivos que, como tal, deixavam a desejar como p o s s í v e i s cidadãos. 16 A colônia seria emancipada em 1846 — o A posse In: José Lutzenberger, O colono no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Aposse, m. JO> a Tipografia Mercantil, 1950. Acervo, Rio de J anelro. v. 10. n ° 2, pp. 165-178. jul/dez 1997 - p á g . 1 6 9 E C A que atestava o desenvolvimento e a im- que os imigrantes a l e m ã e s , vistos como portância que havia alcançado —, consti- elementos necessários ao branqueamen- tuindo-se em município de São Leopoldo. to da sociedade, tivessem escravos, con- A pacificação da província em 1845 daria tribuindo, assim, para a m a n u t e n ç ã o do ensejo à retomada do fluxo imigratório, sistema escravista? ria realidade, tanto para o que a lei geral n° 514, de 28 de nas colônias rurais, onde eram pequenos outubro de 1848, foi um incentivo. Mão proprietários, como nos núcleos urbanos, só as antigas colônias foram beneficiadas, onde exerciam atividades comerciais e incorporando-se mais terras para a sua ex- artesanais/manufatureiras, havia imigran- pansão, como novas colônias foram criadas. tes escravocratas. Os inventários e os processos-crime s ã o , neste sentido, inequí- O entendimento da lei requer a análise vocos. 18 da conjuntura em que se acentuou a polêmica sobre a escravidão, principalmen- A promulgação pelo parlamento brasileio te por p r e s s ã o externa. Lembremos a re- da Lei de Terras, em 1850, deu ensejo a a ç ã o inglesa consubstanciada no Bill m u d a n ç a s nas condições oferecidas aos Essas p r e s s õ e s contribuíram imigrantes que desejassem tornar-se pro- para a a p r o v a ç ã o da Lei E u z é b i o de prietários, ao substituir-se a d o a ç ã o de Queirós (1850), cuja discussão no Parla- terras pela venda. Assim, a lei provincial mento ocorreu simultaneamente com a n° 304, de 30 de novembro de 1854, es- aprovação da lei n° 514. tabeleceu que "a colonização na provín- Aberdeen. A esta conjuntura deve ser t a m b é m relacionada a fala do presidente da província do Rio Grande do Sul, Manuel Galvão, em cia será feita sobre a base de venda de o terras" (art. I ). Mas o que chama a atenção s ã o os artigos 7 o o e 8 , que dispu- nham: 1847. Segundo o capítulo III, art. 16, da lei n° 514, seriam concedidas 36 léguas quadradas de terras, exclusivamente para a colonização, a cada província do Império, não podendo estas terras ser trabalhadas por escravos. Esta lei fez com que a província assumisse a c o l o n i z a ç ã o 17 — San- Art. 7 o — O presidente da província d i l i g e n c i a r á a entrada para as c o l ô n i as, de f a m í l i a s brasileiras, a g r í c o l a s e laboriosas, vendendo-lhes as terras com os favores e ô n u s expressos na presente lei. Art. 8 o — Os colonos p o d e r ã o cultivar ta Cruz, a primeira colônia provincial, foi suas terras por si mesmos ou por meio fundada em 1849 —, o que introduziu de pessoas assalariadas: n ã o p o d e r ã o q u e s t õ e s a t é e n t ã o n ã o enfrentadas, e f a z ê - l o por meio de escravos seus, ou portanto n ã o resolvidas, como a dos co- alheios, nem p o s s u í - l o s nas terras das lonos cuja situação financeira permitira a c o l ô n i a s sobre qualquer pretexto que a q u i s i ç ã o de escravos. Como entender seja. p á g . 1 70 , j u l / d e z 1997 o V Se a Lei de Terras representou a vitória dos de que s á o senhores: depois de esta- interesses dos grandes proprietários que belecido o colono nas terras que lhe queriam m ã o - d e - o b r a e não a 'democrati- s ã o dadas, todas as suas q u e s t õ e s , zação' do acesso à propriedade, a lei pro- todos os seus litígios s ã o decididos vincial de 1854 n ã o s ó veio ao seu encon- pelas autoridades judiciais (...). Mas tro, como t a m b é m procurou responder às diz-se que esse indivíduo tantos ser- q u e s t õ e s que o processo imigratório, sem v i ç o s tem prestado ao p a í s ; n ã o o êxito, havia levantado. nego, p o r é m disso se n á o conclui a necessidade do emprego: e se é ne- Mão havia, a t é e n t ã o , nenhum dispositivo legal que proibisse os colonos, j á estabelecidos no Rio Grande do Sul, de possuir ou trabalhar suas terras com escravos. E ambas as situações existiam. Ao se tornarem c i d a d ã o s brasileiros, naturalizando-se (e muitos colonos o fizeram, apesar dos entraves burocráticos), como impedi-los de c e s s á r i o , por que e n t ã o n ã o cuidamos em lhe dar a t r i b u i ç õ e s ? Em virtude da e x i s t ê n c i a do diretor sem a t r i b u i ç õ e s marcadas por lei, acontece que muitas vezes o colono entende que deve desrespeitar a autoridade civil para se guiar pelas d e t e r m i n a ç õ e s do diretor (grifo meu). ter escravos, se aos brasileiros, em geral, isto não era vedado? Haveria discriminação? ^ a sessão de 25 de outubro de 1852, Por outro lado, a idéia de 'assentar' famílias brasileiras nas colônias vinha ao encontro de p o n d e r a ç õ e s , cujo locus privilegiado era a Assembléia Provincial. Ma sessão de 23 de junho de 1849, o deputado Israel Rodrigues Barcelos, discursando sobre o o r ç a m e n t o provincial, ao justificar porque Miguel de Castro Mascarenhas pronunciavase, demonstrando a sua preocupação com o ensino ministrado em alemão em São Leopoldo. E dizia que, para náo existir no "Brasil uma nova Alemanha", a instrução em português era instrumento de nacionalização. votava contra a gratificação prevista para o diretor da colônia de Sáo Leopoldo (que j á A mesma preocupação aparece num dis- estava emancipada), dizia: curso pronunciado por J o ã o Jacinto de Mendonça, na sessão de 26 de outubro Eu n á o c o n h e ç o nenhuma necessidade de de 1852: diretor na c o l ô n i a de S á o Leopoldo, nem quais sejam as a t r i b u i ç õ e s desta autoridade... Os colonos de S ã o Leopoldo recebem as suas terras entregues por um engenheiro que deve ali haver, segundo a nossa l e g i s l a ç ã o (...); o engenheiro é i n d i s p e n s á v e l , porque sem ele os colonos n â o podem saber quais s á o as terras Acervo. Rio de Janeiro É n e c e s s á r i o ir nacionalizando nos costumes a p o p u l a ç ã o que hoje ocupa a c o l ô n i a de S á o Leopoldo, porque é composta de nacionais, e n ã o de a l e m ã e s , de brasileiros nascidos ali que devem estar sujeitos à s mesmas leis que n ó s estamos, e a respeito dos v. 10. n ° 2, pp. 16S-178. jul/dez 1997 - pág.171 C A E quais n ã o somos obrigados a respeitar do relatório da Câmara de São Leopoldo os preconceitos... sobre as necessidades municipais: ... faltaria a seus principais deveres, se E acrescentava: n ã o desse c o m e ç o à s s ú p l i c a s , que di... que n ã o pode prever os inconvenientes que resultam de uma p o p u l a ç ã o nacional com h á b i t o s propriamente estrangeiros (...). Entendo que o mal é e m si muito grave, e que convém remediá-lo... rige aos representantes da p r o v í n c i a , rogando-lhes de prestarem a sua valiosa a t e n ç ã o sobre a sorte d e s g r a ç a d a de tantas f a m í l i a s pobres, que, lutando com a m i s é r i a , vagueiam de fazenda em fazenda a título de agregados exploran- Ma s e s s ã o de 29 de outubro de 1852, J o ã o do a caridade p ú b l i c a , sem terem um Pereira da Silva Borges Fortes lia extratos pequeno t o r r ã o desta terra conquista- A roça. In: J o s é Lutzenberger, O colono no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Tipografia Mercantil, 1950. p á g . I 72 . j u l / d e z 1 997 V K O da e regada com o sangue e suor de estrutura tão bem delineada no relatório seus antepassados (os lusitanos), em sobre o qual se pronunciou e com o qual que possam edificar uma cabana e ti- se identificou. rar sustento para seus filhos infelizes lia sessão de 20 de outubro de 1854, o que nascem e criam-se e s ã o educados deputado J o s é Bernardino da Cunha na m i s é r i a e na d e p e n d ê n c i a e se esca- Bittencourt, discordando do projeto de pam da g l ó r i a , nem sempre perdurável, colonização na parte referente à preferên- de morrer no campo de batalha, nem cia por imigrantes suíços ou alemães, as- gratuita t ê m a sepultura! Ao mesmo sim se pronunciava ao defender a entra- tempo que se chamam estrangeiros à da dos portugueses: custa dos cofres da n a ç ã o , se lhes d ã o ... os colonos que por todos os motivos s u b s í d i o s , se lhes proporcionam enfim mais úteis nos podem ser s ã o , sem conmeios n ã o s ó de s u b s i s t ê n c i a como de riqueza: terras devolutas existem no m u n i c í p i o e o governo com facilidade pode reunir essa p o r ç ã o de f a m í l i a s d e s g r a ç a d a s , dando-lhes meios para isso. estabelecer-lhes uma linha de terras no t e r r i t ó r i o desta c o l ô n i a , e de outras, dar-se-lhes algum socorro p e c u n i á r i o , para se estabelecerem, e adotar-se outras providências concernentes ao objeto, e tornar-se assim, em pouco tempo, de tanta gente t e s t a ç ã o , os portugueses. Além dos h á bitos, costumes e linguagem à nossa semelhante, n ó s vemos que a segunda g e r a ç ã o dos portugueses entre n ó s j á é brasileira: o filho do p o r t u g u ê s entre n ó s j á é brasileiro e pugna pelo Brasil como por sua única pátria. Poderemos dizer o mesmo a respeito dos m í s e r o s a l e m ã e s ? Me parece que n á o . Em geral n á o há filho e mesmo neto de colono a l e m ã o que pugne pelo Brasil como se pugnasse pela sua pátria: pelos exem- p r o l e t á r i a , em c i d a d ã o s muito ú t e i s a plos dos pais, olham esta terra mais si, e à sociedade; sendo a t é p o l í t i c o in- como madrasta, do que como m á e . . . troduzir uma p o r ç ã o de brasileiros no centro dos colonos a l e m ã e s e com eles os seus usos e costumes e o exemplo de o b e d i ê n c i a à s leis, de que uma gran- Discursando em favor dos colonos alemães, o deputado Manuel Pereira da Silva Ubatuba (um dos grandes defensores do estabelecimento de colônias na região de parte dos colonos carecem. Para o deputado, assim procedendo em relação à s famílias pobres, a nacionaliza- de Pelotas) argumentava, respondendo a Bittencourt: deci- Os culpados s á o as autoridades, é o dida. Seu preconceito contra os colonos nosso governo que tem permitido e alemães o fazia calar sobre as mudanças consentido certos desvios desses colo- que as colônias estavam promovendo na nos, e que seus filhos se declarem e estrutura social do Rio Grande do Sul, prefiram ser a l e m ã e s , formando como ção dos estrangeiros t a m b é m seria Acervo. Rio de Jane • , v. 10, n ° 2. pp. 165-178. Jul/dez 1997 - p á g . 1 7 3 A C E que uma n a ç ã o estrangeira entre n ó s , precisa desse desenvolvimento intelec- é o nosso governo que n ã o tem cuida- tual; precisa levantar-se à altura de sa- do daquela c o l ô n i a como devia cuidar, ber zelar e conservar os direitos de ci- é o nosso governo que tem consentido d a d ã o brasileiro, e de conhecer a t é ali pessoas que fazem nascer e desen- onde chegam os seus direitos para com volver entre os colonos i d é i a s que s ã o a sua nova pátria, e onde principiam os muito prejudiciais, sugeridas pela mais deveres... vil intriga, pela mais pérfida calúnia, Eu n ã o quero que o colono renegue sua esses colonos que n ã o teriam tais idéipátria, as t r a d i ç õ e s de sua terra, nem as, se certas pessoas n ã o as procurasabandone costumes tradicionais pelos sem desenvolver para seus fins partinossos. O que exijo, p o r é m , é que os culares. filhos dos colonos, aqueles que nasce- Anos mais tarde, durante a Querra do ram em terra brasileira, sejam brasilei- Paraguai, da qual muitos a l e m ã e s parti- ros, sintam com o sentir, com a vida e ciparam, mostrando concretamente esta- com o e s p í r i t o com que sentem e par- rem dispostos a derramar seu sangue tilham dos direitos comuns os brasilei- pelo B r a s i l , 19 o deputado Eudoro Brasi- leiro Berlink, ao discursar na s e s s ã o de 22 de julho de 1869, dizia: ros da raça portuguesa. Mas, apesar do discurso apontando para o 'perigo a l e m ã o ' , 20 o número de colôni- O isolamento em que se acham as co- as a l e m ã s aumentava no Rio Grande do l ô n i a s da p r o v í n c i a , fazendo conservar Sul. À idéia do governo, fosse ele imperi- intactas as t r a d i ç õ e s de sua nacionali- al ou provincial, de constituição de nú- dade e u r o p é i a , há de mais tarde dar re- cleos coloniais de pequenos proprietári- sultados maus para n ó s e para eles; os, contrapunham-se os interesses dos para eles j á d á este resultado, pois des- grandes proprietários de acesso à mão- se de-obra. isolamento, dessa segregação indevida de interesses que s ã o comuns, resulta que especuladores sem fé aproveitam-se para, constituindo-se seus in- Embora crescendo em n ú m e r o , aos alem ã e s não era fácil a cidadania. Em 1855, o governo imperial, através do decreto t é r p r e t e s e procuradores oficiosos, con- 808-A, de 23 de junho, regulou a naturaservarem-nos afastados da c o m u n h ã o lização dos colonos estabelecidos no Imbrasileira, fazerem-nos considerar como hostis... pério, procurando facilitá-la, como deveria ter sido feito desde o início, em cum- Infelizmente nada se tem feito para ins- primento dos contratos. Os colonos, já pirar o e s p í r i t o da nacionalidade nas co- estabelecidos no país, seriam reconheci- l ô n i a s , nada se tem feito pelo lado in- dos como brasileiros mediante simples telectual e a raça g e r m â n i c a entre n ó s declaração por eles feita à s c â m a r a s mu- p á g . 1 74 . j u l / d e z 1997 V K O nicipais ou aos juizes de paz. Os colonos preterira os de que aqui chegassem a p ó s a data do de- Inconformado com os limitados direitos creto e que comprassem terras e nelas políticos se estabelecessem, ou que viessem à sua riograndenses de origem alemã", Silveira custa exercer qualquer indústria, seriam Martins afirmava não admitir que os imi- naturalizados depois de dois anos de re- grantes acatólicos "fossem considerados sidência (se assim o desejassem) e isen- meros braços à produção e explorados tos do serviço militar, menos o da Guar- sem a menor consideração". dos origem "seus alemã. conterrâneos da nacional. CONSIDERAÇÕES FINAIS A n a t u r a l i z a ç ã o era necessária para se conquistar a cidadania (conforme o texto constitucional), e, sendo cidadãos, a participação política dos colonos transformava-se, ao menos teoricamente, numa possibilidade (mas isto dependia, antes de mais nada, dos partidos políticos passarem a incluí-los na nominata de candidatos a funções eletivas). A s colônias alemãs foram, no Rio Grande do Sul, fator de de- senvolvimento econômico. O reerguimento e a diversificação na produção agrícola realizados pelos colonos fizeram do Rio Grande do Sul o 'celeiro do Brasil'. Os imigrantes alemães que se estabeleceram nos núcleos urbanos 21 fo- ram os principais responsáveis pelo pro- Visualizando no colono o substituto do cesso de industrialização e urbanização escravo, n ã o é difícil entender que as dessa província, acelerado no decorrer do medidas para integrá-los politicamente na século XIX. sociedade civil não partiriam dos proprietários com assento na Assembléia (ou nela representados). Embora enfrentando desafios e 22 desconfianças, os colonos de origem alemã tiveram inegável participação nas mu- Seria uma lei geral sobre reforma eleito- danças ocorridas no perfil sócio-econô- ral — a Lei Saraiva, de 1881 — que ou- mico sul-riograndense, contribuindo para torgaria aos n ã o católicos e naturalizados o progresso material e difundindo a ex- (bem como aos libertos) a igualdade po- celência do trabalho livre. Foram agentes lítica, pela qual haviam lutado Karl von de 'civilização' e, como tal, não podem ser Koseritz e Gaspar Silveira Martins (este desconsiderados, em nível regional, na último, chefe inconteste do Partido Libe- construção da nação brasileira. ral no Rio Grande do Sul). Se, como afirma Jean R o c h e , Silveira Martins chegara a renunciar ao cargo de ministro da Fazenda, em 1879, porque o projeto de lei eleitoral, então discutido no Parlamento, mais uma vez 23 o Rio Grande do Sul era uma das "raras províncias em que [o imigrante] podia não passar por sucedâneo da escravatura"; se o branqueamento era considerado indis- Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp 163-1 78. Jul/dez 1997 - pág.173 C A E pensável à construção da nação brasilei- nização (no caso do Rio Grande do Sul, ra; se, no Brasil, nação e Estado foram, notadamente a l e m ã s , uma vez que a cor- no indisso- rente imigratória italiana se inicia por vol- período ta de 1875)devem ser recuperadas na sua século XIX, ' p e n s a d o s ciadamente; então, no monárquico brasileiro, imigração e colo- o n historicidade. T A S 1. Brasil Bandecchi, "Problemas de i m i g r a ç ã o na r e g i ã o Sul", Cadernos de História, Paulo, Obelisco. 1967, p. 64. 2. Ernesto Pellanda, A colonização germânica cas da Livraria do Globo, 1925, p. 3. 3. rio Primeiro Reinado, no Rio Grande do Sul, n á o foi fundada pelo governo imperial apenas a c o l ô n i a de S ã o Leopoldo. Em 1825, foi fundada a c o l ô n i a de S á o J o ã o das M i s s õ e s (que n ã o teve nenhum desenvolvimento); em 1826, as c o l ô n i a s de Três Forquilhas (com imigrantes evang é l i c o s ) e S á o Pedro das Torres (com imigrantes c a t ó l i c o s ) e, em 1827, a c o l ô n i a de S á o J o s é do H o r t ê n c i o . 4. Jean Roche, A colonização alemã e o Rio Qrande do Sul, Porto Alegre, Globo, 1969, vol. I, p. 99. Nesta mesma obra, à mesma p á g i n a , o autor opina sobre a lei que regulamentou os contratos de l o c a ç ã o de s e r v i ç o s , de 12 de setembro de 1830. 5. Renato Paulo Saul, "A q u e s t ã o social no Brasil escravista". Cadernos de Estudos, n. 5, Porto Alegre, curso de P ó s - G r a d u a ç á o em Antropologia, Política e Sociologia da UFRGS, dezembro de 1984, p. 11 6. J u v ê n c i o Saldanha Lemos, Os mercenários do imperador: a primeira corrente i m i g r a t ó r i a alem ã no Brasil, Porto Alegre, Palmarinca, 1993, p. 49. Nesta obra, o autor n ã o objetiva "abordar a q u e s t ã o da c o l o n i z a ç ã o a l e m ã no Brasil". Isto, conforme ele, "já foi pesquisado e analisado, com extrema c o m p e t ê n c i a , por diversos historiadores nacionais e que, nos aspectos fundamentais, esgotaram o assunto". Sua p r e t e n s ã o é "tentar reconstruir o quadro geral dessa colon i z a ç ã o , no Primeiro I m p é r i o , para dentro dele focalizar o ponto central de sua pesquisa: os soldados m e r c e n á r i o s de d. Pedro I e sua r e b e l i ã o , em 1828, no Rio de Janeiro". 7. Idem, ibidem, pp. 169-170. 8. Vide Helga I. L. Piccolo, Alemães no Rio Qrande do Sul no período imperial: r é u s e v í t i m a s . C o m u n i c a ç ã o apresentada no IX S i m p ó s i o da I m i g r a ç ã o e C o l o n i z a ç á o A l e m ã s no Rio Grande do Sul, S ã o Leopoldo, setembro de 1990. Sobre a p a r t i c i p a ç ã o de a l e m ã e s da c o l ô n i a de S ã o Leopoldo na campanha da Cisplatina, leia-se t a m b é m , de Aurélio Porto, O trabalho alemão no Rio Qrande do Sul, 2 ed.. Porto Alegre, Martins Livreiro-Editor, 1996, 2 parte, c a p í t u l o VI. a 9. n ° 4, S ã o no Rio Qrande do Sul, Porto Alegre, Oficinas Gráfi- a J u v ê n c i o Saldanha Lemos, op. cit., p. 190. 10. Vide Helga I. L. Piccolo, "... que Montevideo se gana en Puerto Alegre, pues revolucionando la p r o v í n c i a de Rio Grande, quita Ud. el c o r a z ó n al Brasil", Anais da XVI Reunião da Sociedade p á g . 1 76, j u l / d e z 1997 V R O Brasileira de Pesquisa Histórica, Curitiba, SBFH, 1997, pp. 195-198. Mesta c o m u n i c a ç ã o foram mostrados projetos republicanos pensados no Prata para o Rio Grande do Sul. Os que durante a campanha da Cisplatina foram divulgados, assustaram autoridades c o n s t i t u í d a s na província, devido à receptividade obtida. É, t a m b é m , preciso lembrar que entre os colonos e/ou soldados havia republicanos, o que durante a Guerra dos Farrapos (1835-1845) ficou muito claro. 11. Vide Helga I. L. Piccolo, A organização do espaço fronteiriço e os limites políticos entre Brasil e Uruguai. C o m u n i c a ç ã o apresentada no Encontro de História e Geografia do Prata, Porto Alegre, Instituto H i s t ó r i c o e G e o g r á f i c o do Rio Grande do Sul, agosto de 1994. 12. Vide Helga I. L. Piccolo, " S é c u l o XIX: o Rio Grande do Sul e a e s t r u t u r a ç ã o do Estado nacional brasileiro. A q u e s t ã o da identidade". Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n ° 390, jan./mar. 1996, p. 156. 13. Manuel Luís Salgado G u i m a r ã e s , " n a ç ã o e c i v i l i z a ç ã o nos t r ó p i c o s : o Instituto Histórico e Geog r á f i c o Brasileiro e o projeto de uma história nacional", Estudos Históricos. n ° 1, Rio de Janeiro, A s s o c i a ç ã o de Pesquisa e D o c u m e n t a ç ã o Histórica, CPDOC/FGV. 1988/1. 14. Sobre as conjunturas p ó s - l n d e p e n d ê n c i a e p ó s - A b d i c a ç á o no Rio Grande do Sul, consulte-se a c o r r e s p o n d ê n c i a dos presidentes da província com os ministros da J u s t i ç a (série IJ1) e do I m p é r i o ( S é r i e IJ9), Rio de Janeiro, Arquivo nacional. Ver t a m b é m Helga I. L. Piccolo, "A Guerra dos Farrapos e a c o n s t r u ç ã o do Estado nacional", A Revolução Farroupilha: história 6c interp r e t a ç ã o . Porto Alegre, Mercado Aberto, 1985, pp. 30-60. 15. Vide Rlaus Becker, A colônia alemã de São Leopoldo e a Revolução Farroupilha. C o n f e r ê n c i a pronunciada na s e s s ã o solene em homenagem aos 161 anos da i m i g r a ç ã o a l e m ã e ao S e s q u i c e n t e n á r i o da R e v o l u ç ã o Farroupilha, s a l ã o nobre da Prefeitura Municipal de S ã o Leopoldo, 25 de julho de 1985, mimeo. T a m b é m consultar Rudolf Peschke, Die Revolution der Farrapen und ihre Einwirkung auf die Deutsche Kolonization, S ã o Paulo, Staden Jahrbuch. n ° 3, 1955. 16. Consulte-se na s é r i e IJ1848, Arquivo nacional, a c o r r e s p o n d ê n c i a de 25 de janeiro de 1837, enviada pelo presidente da província ao ministro da J u s t i ç a , onde consta uma lista de presos (todos estrangeiros, sendo a maioria absoluta colonos a l e m ã e s de S ã o Leopoldo), identificados como sediciosos, f a c í n o r a s , l a d r õ e s , agitadores etc. É evidente que se a o p i n i ã o da autoridade era no sentido de desclassificar estes colonos, eles n ã o podiam ser pensados como c i d a d ã o s . Aurélio Porto (obra citada, 3 parte, c a p í t u l o II — C o n s p i r a ç ã o misteriosa) escreve sobre "uma conjura dos a l e m ã e s em 1830 na c o l ô n i a de S ã o Leopoldo...". O autor aceita "que esse movimento se prendia ao descontentamento geral que foi o rastilho do grande i n c ê n d i o do farroupilhismo. Havia l i g a ç õ e s s u b t e r r â n e a s , qualquer coisa n ã o percebida ainda, entre os liberais da p r o v í n c i a e os a l e m ã e s que se viram envolvidos na denunciada trama, i n d í c i o s veementes transparecem dos nomes conjurados que, mais tarde, quando se pronuncia abertamente a r e v o l u ç ã o , s ã o p r ó c e r e s de destaque no movimento subversivo". a 17. J á , e n t ã o , tinha sido iniciada a c o l o n i z a ç ã o por iniciativa de particulares. A f u n d a ç ã o da c o l ô n i a de Mundo Movo, em 1846, era apenas um exemplo. 18. Vide Helga I. L. Piccolo, " S é c u l o XIX: a l e m ã e s protestantes no Rio Grande do Sul e a escravidão". Anais da VIII Reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, S ã o Paulo. SBPH, 1989, pp. 103-107. . Os inventários como fonte para a pesquisa histórica. C o m u n i c a ç ã o apresentada na sess ã o de 22 de abril de 1989, do Instituto Histórico de S ã o Leopoldo, mimeo. . Alemães no Rio Grande do Sul no período imperial: r é u s e v í t i m a s , op. cit. . " T r a n s f o r m a ç õ e s s ó c i o - e c o n ô m i c a s em S ã o Leopoldo (1824-1889)", Anais da XI Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, S ã o Paulo, SBPH, 1991, pp. 207-211. 19. Vide Maus Becker. Alemães e descendentes — do Rio Grande do Sul — na Guerra do Paraguai, Canoas, Editora Hilgert ôt Filhos, 1968. 20. Vide R e n é Gertz, O perigo alemão. Porto Alegre, Editora da UFRGS, Série S í n t e s e Riograndense, n ° 5, 1991. 21. Vide Magda Roswita Gans, Presença teuta em Porto Alegre no século XIX (1850-1889), dissert a ç ã o de mestrado defendida no PPG em História da UFRGS, agosto de 1996. 22. Vide Jorge Luís Cunha, Rio Grande do Sul und die Deutsche Kolonisation. Santa Cruz do Sul, Gráfica L é o Quatke da UniSC, 1995. 23. Jean Roche, op. cit., p. 117. Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 165-1 78. Jul/dez 1997 - p á g . 1 7 7 A B S T R A C T The article aims to show how Qerman immigration to the state of Rio Qrande do Sul, started with the settlement of the colony of S á o Leopoldo in 1824, is related to the consolidation of the independence of Brazil and the construction of the Brazilian national state. Therefore, the whitening of Brazilian society and the constitution of the citizenship are emphasized. R É S U M É Larticle montre comment le processus d'immigration allemande au Rio Qrande do Sul, dont 1'origine est la fondation de la colonie de S ã o Leopoldo en 1824, est é t r o i t e m e n t l i é au processus de consolidation de 1 ' i n d é p e n d a n c e du Brésil et de formation de l'Ctat national b r é s i l i e n . De la f a ç o n , il faut souligner le besoin de blanchissement de la s o c i e t é et la fondation de la c i t o y e n n e t é . Lúcia Maria Paschoal Guimarães Professora Adjunta do Departamento de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. .Breves Reflexões Soltar e o Problema i a Imigração U r t a m a ;aso dos espannóis no R i o de Janeiro (1880-1914) para o trabalho assalariado, sobre- Y o Brasil, o fluxo das en tradas de emigrantes tudo na grande l a v o u r a do avolumou-se café. pro- lio primeiro caso, os historia- gressivamente no inicio da d é - dores evidenciam que o recur- cada de 1880, atingindo o seu ápice no início do século XX. Estima-se so à vinda de estrangeiros constituiu-se que o país recebeu aproximadamente três no principal meio. utilizado pelas autori- milhões de pessoas entre 1880 e 1914.' dades governamentais para a ocupação A produção historiográfica sobre o impac- de espaços vazios, com base no regime to da chegada dessa verdadeira massa humana, integrada na sua maioria por italianos, portugueses, e s p a n h ó i s , alem ã e s e eslavos, concentra-se em torno de dois eixos interpretativos: de um lado, a q u e s t ã o da colonizaçáo e povoamento; de outro, o problema da introdução da m ã o - d e - o b r a livre, encarada como uma e s p é c i e de desdobramento natural do processso da transição do braço escravo de pequeno e médio estabelecimento rural policultor, trabalhado pelos proprietários e suas famílias. Tais estudos, cuja finalidade se restringe a recuperar a trajetória de comunidades de emigrantes, sáo desenvolvidos, via de regra, na região sul e em certas á r e a s do sudeste brasileiro, onde esse processo ocorreu de modo mais intenso. 2 lio segundo, os pesquisadores se repor- Acervo. Rio de Janeiro, v 10. n ° 2. pp. 179-198, Jul/dez 1997 - p á g . 179 A C E tam à s necessidades e à s s o l u ç õ e s en- do Rio de Janeiro, no período que se es- gendradas pelos setores agrários, em es- tendeu de 1880 a 1914. Apesar de cons- pecial grandes cafeicultores paulistas, tituírem um grupo de grande mobilidade para manterem o ritmo'da p r o d u ç ã o di- e altas taxas de retorno, eles chegaram ante do eminente colapso do sistema a formar a terceira maior colônia estran- escravista, extinto em 1888. nessa linha geira na antiga capital do país. Preten- de abordagem, há um conjunto de obras, demos demonstrar, por meio desse es- tributárias das análises pioneiras de Caio tudo de caso, que a e m i g r a ç ã o urbana Prado J ú n i o r , Emilia Viotti da Costa e se constituiu num fator concorrente da Florestan Fernandes, que valendo-se de m ã o - d e - o b r a nacional, especialmente pressupostos do materialismo histórico, aquela que fora liberada pela abolição da procuraram demonstrar como diferentes escravatura. 5 contextos históricos se articularam para servir ao avanço do capitalismo e à s clas3 ses dominantes. Ou seja, buscaram explicar o f e n ô m e n o com um enfoque que explora as c o n t r a d i ç õ e s do capitalismo, tanto no núcleo repulsor da m ã o - d e - o b r a quanto no centro de a t r a ç ã o . Daí se conclui que no contexto europeu, onde se vivenciava uma fase de acelerado cres- Há um século, nos principais portos do reino de Espanha, milhares de pessoas disputavam um lugar nos ' b u q u ê s ' com destino ao Movo Mundo, empurrados pela pobreza e intolerância. As autoridades locais pareciam, mesmo, incentivar aqueles que se desterravam voluntariamente, j á que desde 1853 haviam suprimido 6 cimento do capitalismo industrial, exportar gente constituiu-se um mecanismo eficaz para aliviar a p r e s s ã o e c o n ô m i c a e demográfica. J á no caso brasileiro, marcado por uma conjuntura capitalista agrário-exportadora, importar m ã o - d e - o b r a representava uma alternativa viável, capaz de minimizar os traumas da desag r e g a ç ã o da força de trabalho escrava. Conquanto tenham contemplado q u e s t õ e s estruturais do panorama e c o n ô m i c o nacional, aqueles autores deixaram a descoberto uma brecha que a historiografia apenas vem tangenciando: a e m i g r a ç ã o urbana e suas i m p l i c a ç õ e s . 4 lio presen- os o b s t á c u l o s legais à e m i g r a ç ã o . 'Fazer a América' significava a perspectiva do acesso à propriedade da terra, à s oportunidades de trabalho, à fortuna fác i l e, q u e m s a b e , se a V i r g e m de Macarena ajudasse, o regresso vitorioso ao torrão natal. As a g ê n c i a s de emigração ajudavam a alimentar esse sonho, valendo-se muitas vezes de propaganda enganosa e falsas promessas. O jornal O País, na sua edição de 3 de fevereiro de 1887, noticiava a existência de uma dessas 'arapucas', que estaria promovendo o recrutamento para o Brasil, na capital espanhola: te artigo, em rápidos traços, examinaremos a p r e s e n ç a dos e s p a n h ó i s na cidade Parece que na rua San Quintin em Madri, há uma a g ê n c i a de e m i g r a ç ã o para p á g . 1 80, j u l / d e z 1997 o V o Brasil que oferece passagens gratui- uma estrutura fundiária arcaica no país. tas, vinte libras esterlinas ao desem- Até o ano de 1900, cerca de 2/3 da popu- barcar e terrenos para fundar c o l ô n i - lação do Reino se ocupavam direta ou in- as, n o t í c i a s de Madri asseguram que diretamente com as atividades agrárias. j á estavam inscritas umas oito mil pes- Mo entanto, à proporção que o n ú m e r o soas... C de habitantes crescia nas á r e a s rurais, 7 os investimentos com a agricultura reonsiderada como uma economia pré-industrial a t é 1873, a Espanha s ó c o n s e g u i r i a i m - plantar sua indústria de base e de transformação na d é c a d a seguinte, quando se consolidaram as posições dos principais pólos regionais que iriam impulsionar o processo: na Catalunha foram instaladas a indústria têxtil algodoeira, a produção e e x p o r t a ç ã o de vinhos, a siderurgia e a indústria mecânica; em Biscaia, concentram-se as empresas mineradoras, fixando-se, ainda, as atividades de navegação, comércio de importação e exportaç ã o , e em Madri mantiveram-se as atividades tradicionais das manufaturas préindustriais. Mo p e r í o d o de 1891 a 1917, a economia j á apresentava uma configur a ç ã o de elementos de industrialização capitalista, acompanhada de medidas protecionistas em defesa da p r o d u ç ã o autóctone." Ajudaram, de modo decisi- vo, a financiar o processo "(...) as remessas de dinheiro feitas por emigrantes a partir de 1890". traíam-se. Este desequilíbrio, segundo Pierre Villar, acentuava-se devido à perm a n ê n c i a de p r á t i c a s s e n h o r i a i s . Ma Qalícia, por exemplo, ainda se pagavam 'censos', 'foros', 'subforos' em minifúndios paupérrimos, onde uma família dificilmente conseguia o seu sustento cultivando a terra. Ma própria região da Catalunha, uma das principais molas propulsoras da industrialização, o contrato secular da 'rebassa morta' encontrou sobrevivências feudais, quando uma praga arrasou os vinhedos e os proprietários seculares reclamaram seus d i reitos. Mos outros territórios do sul do Reino, onde predominavam os latifúndios, a terra apenas mudou de m ã o s , quando se procedeu à d e s a p r o p r i a ç ã o dos domínios da Igreja. Em Andaluzia, por exemplo, os terratenentes nem acumularam, nem investiram capitais na lavoura, em virtude de um regime fundiário de cultivo extensivo, de baixíssima produtividade, em que grandes e x t e n s õ e s 9 estavam destinadas à caça ou à criação Afora a problemática relacionada com o desenvolvimento industrial tardio, a emig r a ç ã o espanhola seria fomentada por um outro conjunto de fatores, em que se entrecruzaram aspectos demográficos e q u e s t õ e s decorrentes da m a n u t e n ç ã o de de touros de corrida. 10 Se as oportunidades no campo mostravam-se escassas, as p r e t e n s õ e s coloniais espanholas e o recrutamento militar obrigatório tornavam a vida dos camponeses mais difícil. O jornal El Socialista. Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 179-198. jul/dez 19 F C A por exemplo, denunciava que as classes As estimativas oficiais indicam que em trabalhadoras nâo podiam, nem deviam torno de 450 mil e s p a n h ó i s deram ingres- apoiar as a ç õ e s pró-colonialistas do Qo- so nos portos brasileiros, entre 1880 e verno, porque "(...) davam seu sangue e 1914. A cidade do Rio de Janeiro, e n t ã o reduziam o seu alimento a um grau in- capital do país, constituiu-se uma das concebível "." Agravando o quadro, havia principais portas de entrada dessa mas- a política de indenização, por parte da- sa humana. De acordo com nossos cál- queles que desejavam se desobrigar do culos, 126.833 hispânicos desembarca- serviço militar nas colônias. Os jovens, ram no Rio, naquele período. Chegamos oriundos das localidades mais empobrecidas a esse n ú m e r o , compilando as fontes dis- da Espanha, via de regra situadas nas poníveis no Arquivo nacional, em especi- zonas rurais, dificilmente conseguiam al duas séries de documentos: os livros pagar aquelas taxas. Para esses m o ç o s , de registro do porto do Rio de Janeiro e que contavam com a cumplicidade dos as r e l a ç õ e s dos vapores. É importante agentes de e m i g r a ç ã o , o expatriamento salientar que os dados quantificados re- transformou-se numa válvula de escape ferem-se exclusivamente aos emigrantes do engajamento o b r i g a t ó r i o . 12 que passaram pelo controle das autori- Pressionados, ainda, por altas taxas de dades locais. Especula-se que, na condi- natalidade, pequenos e m é d i o s proprie- ção de clandestinos, teriam aportado ou- tários, bem como lavradores que dispu- tros 25 mil, o que corresponde a cerca nham apenas da sua força de trabalho, de 20% do total de entradas legais. viam-se obrigados a abandonar povoa- Em todos os intervalos do gráfico n° 1, dos e vilas interioranas. Do campo mi- observa-se a predominância marcante do gravam para as á r e a s urbanas, na ex- elemento masculino. A flutuação dos nú- pectativa de serem absorvidos pela in- meros demonstra a existência de uma dústria ou comércio. A Dia crucis, no en- estreita correlação entre a e m i g r a ç ã o e tanto, n ã o se encerraria nos grandes cen- as características do contexto e c o n ô m i - tros. Analfabetos, na sua grande maio- co, social e político do centro repulsor, ria, e sem possuir qualificação para o tra- anteriormente descritas. lios intervalos balho fabril, a cidade os rejeitava. O pas- de 1880-1884 e 1885-1889, o movimen- so seguinte era tomar o caminho do por- to de entradas, to mais próximo e tentar o embarque na apresentou-se terceira classe do primeiro ' b u q u ê ' que sucessivas crises de s u b s i s t ê n c i a , tanto zarpasse com destino à América. Os Es- no âmbito continental do Reino quanto na tados Unidos, a Argentina, o Uruguai e o parte insular. Se a fome grassava no con- Brasil, respectivamente, c o n s t i t u í a m - s e tinente, em razão das m á s colheitas e do os principais focos de a t r a ç ã o do "paraí- excesso de p o p u l a ç ã o , as dificuldades so americano".' páo, 1 82 . j u l / d e z 3 1997 de a m b o s os sexos, crescente, refletindo as n ã o eram menores no a r q u i p é l a g o das K O V Canárias. Seu principal produto de expor- aos elementos do sexo masculino, a que- tação, a cochonilha, ao final da década da das entradas deve ser relacionada ao de 1870, passara a enfrentar a concor- recrutamento militar, ativado em vista rência da entrada das anilinas artificiais das guerras coloniais em Cuba e nas F i - no mercado internacional. lipinas. Entre 1890 e 1894 o fluxo deu um enor- A tendência de queda reverteu-se logo me salto em relação ao intervalo anteri- em seguida. Mos intervalos de 1905-1909 or. Os elevados índices atingidos, tanto e 1910-1914, a quantidade de ingressos no caso dos homens quanto no das mu- voltaria a se elevar de maneira significa- lheres, além da intensificação dos fato- tiva: c r e s c e u para 16.025 e 3 1 . 7 9 8 res estruturais de repulsão, deve ser cre- respecticamente, sinalizando não apenas ditado, ainda, a uma q u e s t ã o de ordem o recrudescimento de antigos problemas conjuntural: a d i s s e m i n a ç ã o da filoxera, econômicos, mas t a m b é m uma reação da praga que assolou os vinhedos espanhóis população masculina jovem, que fugia a e comprometeu a viticultura do país, obri- uma nova onda de engajamento obriga- gando os agricultores a abandonarem tório, motivado pelas p r e t e n s õ e s milita- suas p l a n t a ç õ e s . res da Espanha no Marrocos. Essa verti- 14 gem emigratória favoreceu-se do baraO ritmo das taxas de desembarque caiu, sucessivamente, nos períodos 1895-1899 e 1900-1904. Do ponto de vista econômico, esses dez anos corresponderiam a teamento dos custos das viagens transatlânticas, que se tornaram mais acessíveis à s camadas menos favorecidas da população. 15 uma fase em que a economia espanhola parecia dar mostras de uma lenta recu- A febre emigratória, que contagiou o no- p e r a ç ã o . Além disso, no que diz respeito roeste da Espanha, aparece nitidamente Gráfico 1 - Porto do Rio de Janeiro: fluxo de entrada de e s p a n h ó i s (1880-1914) • homens 11 mulheres 1880-1884 1 885-1889 18 1894 1895-1899 19001904 1905-1909 1910-1914 ro„,e: llvros do por.o do Rio de Janeiro e relaçào dos vapores do oor.o do Rio de Janeiro. Ar.uivo «aciona,. Acervo. Rio de Janeiro, v. I 0 . n - 2 . P P 1 79-1 98. jul/dez .997 -pag 183 no gráfico n° 2, por meio dos numerosos capital do a r q u i p é l a g o das Canárias, de- embarques nos portos de La Coruna, monstra n ã o apenas a crise provocada Vigo, Vila Garcia e Lisboa — outro pólo pela debacle da p r o d u ç ã o da cochonilha. que t a m b é m servia de alternativa para o Pode s e r e n t e n d i d a c o m o u m forte escoamento dos naturais da Galícia. Este indicativo da fuga e d e s e r ç ã o do recru- fluxo estava condicionado ao problema da tamento militar o b r i g a t ó r i o . Cabe aqui terra naquela região onde, conforme j á abrir um breve p a r ê n t e s e s para lembrar se evidenciou, era impossível uma famí- a p o s i ç ã o e s t r a t é g i c a do a r q u i p é l a g o , lia viver dos rendimentos da lavoura. onde se concentravam armas e tropas Uma segunda corrente de emigrantes ti- visando à s i n t e r v e n ç õ e s espanholas no nha sua origem no sul do Reino. As altas norte do continente africano. taxas, apuradas nos centros p o r t u á r i o s O exame do gráfico n° 2 possibilita, ain- m e r i d i o n a i s de M á l a g a , Vila Marin e da, identificar a existência de um quarto Gibraltar, 16 confirmam o agravamento de movimento de emigrantes h i s p â n i c o s , q u e s t õ e s agrárias na região da Andaluzia, desta feita provenientes da região do rio anteriormente tratadas. J á a s a í d a por da Prata. De Buenos Aires, com destino Barcelona, m e t r ó p o l e urbana e capital da ao Rio de Janeiro, partiram 9.439 espa- Catalunha, permite inferir a ocorrência n h ó i s , e n q u a n t o que de M o n t e v i d é u de dois movimentos migratórios sucessi- quantificamos 5.218. Este refluxo, ao que vos: do campo para a cidade; da cidade parece, constituía-se uma e s p é c i e de "ca- para o exterior. minho natural de retorno". Embora na A incidência de embarcados em Tenerife, d o c u m e n t a ç ã o pesquisada inexistam in- 17 Gráfico 2 - Espanhóis d e s e m b a r c a d o s no Rio de Janeiro principais portos de procedência (1880-1914) • horrens • mi her es 18000 16000 14000 12000 10000 8000 6000 4000 2000 0 •JiiUiJiiJijji, fonte: relação dos vapores do porto do Rio de Janeiro. Arquivo nacional. p á g . 184, j u l / d e z 1997 o V formações e dados numéricos capazes de da República dos Estados Unidos do comprovar tal hipótese, encontramos num Brasil em todo o Reino da Espanha. Mo jornal carioca vestígios da existência des- mencionado documento, Sastré infor- sa 'corrente de volta', que merece ser mava ao parlamentar que, no primeiro investigada em outra oportunidade: semestre daquele ano, 65.089 pessoas O sr. ministro da Agricultura ... autorizou os nossos c ô n s u l e s no Rio da Prata a conceder passagem por conta do Estado aos que desses p a í s e s desejassem sair, com o fim de se estabelecerem no nosso. (...) É geralmente sabido que dentre os imigrantes que procuram a ca, e principalmente o Rio da Prata, figu- ram um auultado número família Améri- que emigra sem e por isso mesmo no firme sito de regressarem à pátria, propó- logo que con- seguem por qualquer meio, até mesmo o criminoso, algum pecúlio; trabalho agrícola que fogem do e que constituem um elemento perigoso no meio em que se co8 locam...' deixaram o Reino, com destino ao nosso país. Questionava, p o r é m , a qualidade dessa m ã o - d e - o b r a . Mo seu entender, os integrantes daquele grupo, salvo algumas exceções, não estariam "verdadeiramente aptos para a agricultura". Segundo o ex-comissário, o governo brasileiro necessitava criar, com urgência, junto à s suas r e p r e s e n t a ç õ e s diplomáticas, mecanismos legais para fiscalizar o recrutamento e seleção de trabalhadores. Esse processo não deveria permanecer nas m ã o s de agentes inescrupulosos, voltados para o lucro, j á que "... todo o seu afã é mandar gente que serve ou que não serve, (o grifo é meu). todo o seu interesse se reduz ao granEnquanto a imprensa dedicava-se ao de- de benefício das 25 pesetas por passa- bate sobre a política de emigração e o per- gem ...". 20 Se Fizermos as contas, com na prá- base nas d e c l a r a ç õ e s de Enrique de tica tudo leva a crer que prevaleceram as S a s t r é , nos seis primeiros meses de entradas indiscriminadas, fruto da ganân- 1891 os contratadores e m b o l s a r a m cia dos agentes no exterior e dos subsídi- 1.627.225 pesetas, uma quantia nada os generosos que o governo brasileiro ofe- desprezível, mormente numa época de recia com o intuito de atrair braços para a crise. lavoura. O segundo indício, percebemos ao exa- Mo caso dos emigrantes e s p a n h ó i s , des- minar os livros de registro do porto do cobrimos dois indicativos dessa situação. Rio de Janeiro, quando nos deparamos O primeiro, por meio da leitura de uma com os chamados contratos de emigra- carta encaminhada ao deputado federal ção'. Estes instrumentos legais eram Antáo de Faria, em 20 de novembro de utilizados tanto por empresas particu- 1891. Seu autor. Enrique de Sastré, exer- lares quanto pelos municípios e esta- cera o cargo de comissário de emigração dos da federação, quando desejavam fil da força de trabalho desejada, 19 Acervo. Rio de Jan Iro. v. 10. n ° 1. pp. 1 7 9 - 1 9 8 . J u l / d e i 1997 - p á g . 1 85 E C A importar m ã o - d e - o b r a para fins especí- preenchimento das i n f o r m a ç õ e s sobre ficos. Entre 1880 e 1914, identificamos idade, estado civil, grau de instrução e apenas 19 contratos, perfazendo 9.298 destino dos emigrantes. Além disso, os desembarques. Os maiores contratantes próprios formulários de registro sofreram foram a Estrada de Ferro Cantagalo e a tantas alterações, que impedem a mon- Companhia Metropolitana que 'importa- tagem de séries quantitativas completas. ram', respectivamente, 1.004 e 5.673 tra- Diante destes o b s t á c u l o s , decidimos to- balhadores. Comparando-se o n ú m e r o de mar como modelo o perfil delineado pelo 'contratados' com o total geral de entra- Instituto Espanol de Emigración. Segun- das naquele período, conclui-se que so- do esta fonte, o emigrante hispânico m é - mente cerca de 7,3% dos hispânicos pos- dio era adulto, do sexo masculino, oriun- s u í a m emprego garantido ao pisar em do das zonas rurais, solteiro e costuma- solo carioca. A maioria, de acordo com a va viajar desacompanhado, mesmo quan- nossa p e r c e p ç ã o , apesar da passagem do casado. s u b s i d i a d a , l a n ç o u - s e numa aventura Apesar das dificuldades encontradas, con- marcada pela p r o m o ç ã o e manipulação seguimos identificar as profissões de boa da miséria. parte d o s i n t e g r a n t e s 21 do u n i v e r s o pesquisado. Na tabela 1, adiante, classi- Essas e v i d ê n c i a s nos encaminharam a ficamos e quantificamos as p r o f i s s õ e s tentar estabelecer os principais traços ca- declaradas por setor da economia e sexo. racterísticos da m ã o - d e - o b r a espanhola que deu entrada no Rio de Janeiro. Os Os documentos oficiais n ã o apresentam testemunhos disponíveis, porém, revela- o registro da profissão de 21.892 espa- ram-se precários. Os documentos rara- n h ó i s , o que corresponde a 17,3% do mente discriminam a entrada de famílias universo pesquisado. A o m i s s ã o pode ser e mostram-se falhos no que se refere ao um indício de que esse grupo, Tabela I E s p a n h ó i s desembarcados no porto do Rio de Janeiro (1880-1914): p r o f i s s õ e s por setor da economia ( n ú m e r o s absolutos) Períodos/profissões declaradas Rural Serviços Indústria Sem informação Masculino 55 Feminino Masculino Feminino Masculino Feminino Masculino Feminino I\s'>-I884 0 4 W 638 1.794 498 853 369 1885-1889 9 1 5.176 415 4.607 1.6.32 1.752 103 1 WO-IK94 50 4 6.771 1.300 15.333 7.841 2.987 1.012 94 3 2.262 1.069 5.447 1.689 1.463 731 434 74 386 19 3.902 628 2.216 1.010 1 S95-I899 1900-1904 1905-1909 530 34 2.445 569 6.314 1.326 3.011 1.796 1910-1914 1.236 III 7.871 2.617 10.017 5.357 2.329 2.260 1 cil;nv 2.408 227 29.294 6.627 47.414 18.971 U (.1 1 7.281 fontes: Tabela construída a partir das informações contidas nos livros de registro do porto do Kio de Janeiro' e Relação dos vapores', Arquivo nacional. p á g . 186, j u l / d e z 1997 o V contabilizado na categoria "sem informa- nais do setor ção', corresponderia à s entradas de cri- espelham as condições da m ã o - d e - o b r a a n ç a s , muitas das q u a i s e m i g r a r a m no contexto do desenvolvimento industri- desacompanhadas, segundo o costume al tardio da Espanha. Dentre os 2.635 da é p o c a , como veremos mais adiante. indivíduos que se afirmaram operários, A predominância das incidências no setor rural, em que c o m p u t á m o s um conjunto de 66.385 agricultores, confirma as t e n d ê n c i a s reveladas no gráfico n° 2, no qual d i s t r i b u í m o s os r e c é m - c h e g a d o s pelos portos de procedência e concluímos que a maior parte dos embarques ocorreram em localidades que serviam de escoadouro para a população campesina, vítima da pobreza e das mazelas decorrentes de da indústria, esses predominavam as profissões ligadas à construção civil (pedreiros, canteiros e carpinteiros), n á o havia t é c n i c o s , nem profissionais especializados, a exemplo do que ocorreu com emigrantes oriundos de países de industrialização mais acelerada, que se transferiram para o Brasil, tanto por conta própria quanto por convite, para participar de projetos de modernização, tais como estradas de ferro, portos e indústrias de transformação. estruturas f u n d i á r i a s arcaicas. P o r é m , conforme Cumpridas as formalidades de desembar- alerta em estudo recente Magnus Mõrner, que, à exceção dos grupos que vieram devemos ter uma certa dose de descon- por contrato, pouco se sabe a respeito fiança diante da declaração da profissão do destino dos emigrantes e s p a n h ó i s . A de agricultor, no momento de entrada no urbe carioca, em princípio, deveria ser- Tanto os agentes de re- vir de local de trânsito, e s p é c i e de en- crutamento quanto os candidatos à emi- cruzilhada obrigatória, por onde os tra- g r a ç ã o subsidiada conheciam o notório balhadores passavam a caminho das á r e - interesse do governo brasileiro em rece- as agrícolas do centro-sul. A maioria, por ber contingentes que se destinassem à certo, seguiu este rumo. Porém, encon- lavoura. tramos vestígios de que uma parcela sig- país receptor. 22 Quantificamos o ingresso de 35.921 pessoas, cujas profissões declaradas se enquadravam no setor de serviços. Jorna- nificativa do grupo tomou um outro atalho. Melhor dizendo, ao invés de seguir para o campo, estacionou na margem esquerda da baía de Guanabara. leiros e serventes na sua quase totalidade careciam de qualificação profissional Recuperar a trajetória dos compatriotas definida. Supomos que eles deveriam fa- de Cervantes no Rio de Janeiro, a p ó s a zer parte daquele contingente que migra- sua passagem pelas autoridades portuá- ra do campo para as cidades e daí para rias, assemelha-se a montar um quebra- o exterior. cabeças. Comecemos, pois, com as pe- Quanto aos baixos índices de profissio- ças oficiais. O recenseamento de 1890, Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 1 79-1 98. jul/dez 1997 - pág.187 embora apresente d e f i c i ê n c i a s , indica Embora os recenseamentos n ã o adotas- que 30% da p o p u l a ç ã o do Distrito Fede- sem o critério de quantificar a p o p u l a ç ã o ral era integrada por estrangeiros. Os de estrangeira por nacionalidade, segundo origem espanhola formavam a terceira as o c u p a ç õ e s exercidas, descobrimos a maior c o n c e n t r a ç ã o de imigrantes, per- p r e s e n ç a daquele grupo, trabalhando no fazendo um total de 10.800 pessoas, das comércio de retalho e no setor de cafés, quais 1.296 optaram pela nacionalidade bares, botequins, p e n s õ e s e hotelaria. brasileira, consoante a lei da grande naturalização promulgada naquele mesmo ano. 23 Ho censo realizado em 1906, eles continuariam a ocupar aquele posto: 24 somavam 20. 699 habitantes, apesar das taxas de retorno alcançarem percentual de quase 5 0 % . um 25 Os naturais de outras regiões da Espanha dispersaram-se pela indústria da construção civil, setor de transportes e serviços portuários. Integrados ao proletariado urbano, os e s p a n h ó i s chegaram a liderar algumas das o r g a n i z a ç õ e s de trabalhadores mais influentes da capital fe- A comunidade hispânica parecia dar pre- deral: o Centro Cosmopolita, o sindicato ferência por se estabelecer nos e s p a ç o s dos trabalhadores da c o n s t r u ç ã o civil e o centrais do Rio. Aglomerava-se nos dis- de empregados em hotéis, bares e res- tritos de Santa Rita, Sacramento, S ã o taurantes. J o s é , Santo Antônio, Espírito Santo, Gló- dades deste g ê n e r o era entendida como ria e Gamboa, este último situado na zona um sintoma de 'anarquismo'. Encarados portuária. Essas á r e a s , densamente po- como subversivos, esses o p e r á r i o s seri- voadas, haviam escapado do plano de am responsabilizados pelo aliciamento obras de r e m o d e l a ç ã o e saneamento ini- dos 'dóceis' trabalhadores brasileiros. 28 Aliás, a p r e s e n ç a em enti- 29 ciado em 1902 pelo prefeito Pereira Passos. 26 Ali se localizava a maior incidên- cia de h a b i t a ç õ e s coletivas da cidade, os populares 'cortiços'. 27 Isto nos permite in- ferir que os r e c é m - c h e g a d o s compartilhavam com os segmentos mais baixos da p o p u l a ç ã o carioca do mesmo p a d r ã o Homens e mulheres quase sempre traziam indicações de onde conseguir abrigo e emprego. Geralmente tratava-se de algum patrício, dono de um pequeno negócio, que lhes concedia casa e comida, em troca de serviços diversos. Veja-se o caso do sr. Ramon Sobrero, natural de de moradia. Vigo. Tinha 17 anos, quando aqui desemO grupo originário da Galícia, por suas barcou. Segundo seu filho, além da ba- afinidades étnicas, lingüísticas e culturais gagem de m ã o , ele trouxe apenas o en- com os portugueses, foi o que mais se d e r e ç o de um antigo vizinho, nas cerca- enraizou no Rio. Tanto assim, que o ape- nias do cais do porto. Por sorte, a indi- lido pejorativo de 'galego' servia para cação estava correta. Tratava-se de uma designar os ibéricos de um modo geral. casa de pasto', que fornecia refeições p á g . 1 88 , j u l / d e z 1 997 O V K para estivadores e o p e r á r i o s . Acolhido as passagens do irmão e de um primo pelo patrício, a princípio foi encarregado que fugira do serviço militar obrigatório. da limpeza, sem receber dinheiro algum. Com a ajuda do antigo p a t r ã o , os t r ê s Dormia no próprio local de trabalho. Mais abriram um botequim, na "rua Larga es- tarde, quando quina com a rua do Acre". 'pegou prática', passou a 30 entregar marmitas e servir os fregueses, J á o sr. J o s é Maria Carreiras n ã o teve o que lhe p e r m i t i u ganhar algumas um destino muito diferente, nascido em gorgetas. Depois de alguns anos, pagou Martos (Andaluzia), j á havia estado em / C31. ICT0.5nr.DT.ion.to Jnatiça • laaooloo TnTaraa da I»ra.»inlatro lBtar1«rao. Trananlttlndo-Toa os inolasos auto» do prooaaao ralatlro a Joaa Ollrar Talla.haapaaBol.da 56 annoa da liada filho da Joaõ OllTar Font o Varia Valia Par:.-,rogo Toa dignais da ordanar a sua axpulaâo do tarrltorlo naolonal,ooao parlgooo a traaqnlllldada puolloa.noa taraoa do art"l a to Daorato n*164] da T da Janalro ultInc.oonrIndo aoerseoantar qua aaaa lndlTldno não toa poraar.sncla sffsotlra no Braoll. Sanda a Traternldads. O Ch«f« 4* Policia; Cl ^ ^ T ^ ^ ^ ^ C o r r e s p o n d ê n c i a d o chefe de policia para o ministro de Justiça e processo de expulsão de José Ollver Vale. Rio de Janeiro. 7 de agosto de 1907. Arquivo Nacional. ccrvo. Rio de Janeiro, v. 1 0 . n ° 2 . p p . 179-198, jul/de* 1997 -pág.189 A C B a r c e l o n a , onde exerceu o ofício de via". Diante desse quadro, n ã o havia ou- carpinteiro. Desempregado, deixou a mu- tra alternativa s e n ã o emigrar. Seus pais lher e quatro filhos para tentar a vida no fizeram contato com uma parenta afas- Brasil. Deu entrada no Rio de Janeiro, tada, que costumava intermediar a vinda em 1910, aos 32 anos de idade. Com uma de meninas para o s e r v i ç o d o m é s t i c o . carta de r e c o m e n d a ç ã o de um embarca- Junto com d. Joana viajaram outras duas diço c o n t e r r â n e o , que conseguiu a bor- adolescentes, com o mesmo fim. Ela ar- do, apresentou-se no hotel dos Estran- ranjou um lugar de copeira na residên- geiros, onde conquistou uma vaga como cia de um dos diretores de uma compa- carregador de malas, com direito a per- nhia inglesa de n a v e g a ç ã o . lia primeira noitar num quartinho que servia de ves- oportunidade, mandou buscar dois ir- tiário para a criadagem. Poucos dias de- m ã o s , uma menina e um rapaz, que se pois, ofereceu-se para fazer um peque- empregaram na vizinhança. Seus salári- no reparo num móvel da recep ção do ho- os, durante um bom tempo, foram en- tel, o que lhe possibilitou exercer a sua tregues a tal parenta que, a p ó s descon- profisssão anterior e ganhar um salário tar a sua parte no agenciamento, os re- melhor. Suas habilidades o tornaram co- metia para a Espanha. nhecido nas redondezas. Além do traba- Apesar da guarida dos patrícios, nem to- lho fixo, passou a fazer biscates. Deixou dos os que aqui desembarcaram foram o hotel e estabeleceu-se no subúrbio de bem sucedidos. As especificidades do Rio I n h a ú m a . A oficina, que n ã o passava de de Janeiro — um grande entreposto co- uma portinha acanhada, transformou-se numa serraria." 32 mercial, onde se concentravam atividades p o r t u á r i a s , a d m i n i s t r a ç ã o pública, Mulheres e crianças cumpriam um ritual bancos, casas c o m i s s á r i a s de café e gran- semelhante. Quando n á o permaneciam des firmas importadoras — transforma- agregadas junto a algum parente ou co- ram-se em fortes o b s t á c u l o s para a ab- nhecido, a espera de uma oportunidade sorção dos hispânicos no mercado de tra- no c o m é r c i o , empregavam-se como do- balho formal. O problema se tornou ain- m é s t i c a s em casas de família, p e n s õ e s e da mais grave quando a Abolição tornou hospedarias. Aliás, era comum a vinda disponível um grande contingente de l i - de meninas desacompanhadas, contrata- bertos, oriundos de antigas á r e a s pro- das para este fim, conforme o depoimento dutoras de café da província fluminense da sra. Joana Villa, que aqui aportou aos e de Minas Qerais, que se deslocou do 11 anos de idade, sozinha, vinda de Pon- interior para a capital do país. Além dis- te Sesso (La Coruna). Ela justificava sua so, no último quartel do século XIX, uma s i t u a ç ã o , afirmando que "quem n ã o tra- outra corrente de migrantes desaguou no balha, n ã o come". E em sua terra natal, Rio, proveniente do nordeste, onde a seca "plata (dinheiro) era coisa que n ã o se e a e x p a n s ã o das usinas de a ç ú c a r em- p á g . 190. j u l / d e z 1997 O V R purravam os agricultores para o centro- antecessores, guardam profundo silêncio sul. sobre as t r a j e t ó r i a s de vida daquelas A coexistência de três movimentos migratórios na cidade — libertos, nordestinos e estrangeiros — iria gerar uma forte p r e s s ã o demográfica, acompanhada da respectiva s a t u r a ç ã o do mercado de trabalho. Panorama que n ã o se reverteu, nem mesmo na virada do século, quando o Rio de Janeiro experimentou um significativo crescimento econômico no processo de transição da manufatura para a industrialização. 33 O ritmo da multiplica- ç ã o das fábricas, assim como o desenvolvimento urbano, se mostrariam demasiadamente lentos para absorver tamanha explosão populacional. pessoas. 35 Outros, menos favorecidos ainda, acabaram descambando para o caminho da marginalidade. Terminaram por engrossar a escória dos malandros, jogadores, gatunos, prostitutas, assaltantes, vadios e rufiões que perambulavam pela cidade, integrando o que J o s é Murilo de Carvalho denominou de "Rio s u b t e r r â n e o " . 36 Ao contrário daquela 'gente honrada', que se perdeu no anonimato, conseguimos algumas pistas do paradeiro desse grupo. Seu rastro ficou gravado nas páginas policiais, como o de Constante Muntoza, 37 conhecido passador de moeda falsa. Ou, "y este sentido, carentes de qualificação profissional e sem A \ | escolarização, uma fatia con- siderável dos e s p a n h ó i s acabou por perfilar-se junto à multidão dos jornaleiros, ambulantes e agregados urbanos. A sra. Joana Villas, em seu testemunho, contou-nos alguns casos pontuais de "gente honrada" que, para sobreviver "com um pingo de dignidade", precisou a t é da caridade dos c o n t e r r â n e o s , tal a situação de penúria. Famílias inteiras que se apertavam num único c ô m o d o , "vivendo de biscates", e que ao final do m ê s não con- então, nos documentos do Ministério da Justiça, em que nos deparamos com personagens como J o s é Crespo, que também atendia pelos nomes de J o s é Crespo Gonçalves e J o s é Iglésias Crespo, espanhol, de 27 anos, solteiro, que se d i zia copeiro, detido por furto e vadiagem a p ó s seis meses de permanência na c i dade. 38 E mulheres, como Dolores Navarro Salsedo, 31 anos, costureira, segundo seu depoimento, presa sob acusação de lenocínio, três meses depois de ter dado entrada no Rio de Janeiro, vinda de Barcelona. 39 34 seguiam juntar o dinheiro do aluguel. A m e m ó r i a desses indivíduos, porém, pa- Entre 1907 e 1914, as estatísticas do Bo- rece n ã o ter deixado vestígios. Pelo que letim Policial' indicam que foram detidos pudemos perceber, durante as nossas in- 638 espanhóis por cometerem os seguin- vestigações, seus descendentes, hoje em tes delitos: jogo, porte de arma, briga, dia c i d a d ã o s respeitáveis, constrangidos mendicância, embriaguez, vadiagem, ul- pelos traje público ao pudor, prostituição e ex- legados incômodos Acervo, R dos 10 de Janeiro, v. 10, „ • 1. pp. 179-198. Jul/dez 1997 - pag.191 A C OpáERVAÇOES ANTMROPOMETRICASy Alluo laaaaM»>»' , \mm y//J B u . l o 0.m Ortlh. dirtiatAf" tfí-'' v N O T A C Í IE S . C H R O M . . V*c » np." Pé p . < •'•a^ M m . 'f in c ô r "» Y- 7 M.l.lr M i n . t*»q. Dij-Cüb.- e í k / í Ipjns M.,!. apfMrcnle Marcas particulares e cicatriza* Sobrenome e pseudonymo a Filho &ÇJC&**<CIM Profissão ^/^fof'^**^' Ultima resídeftflrÕCU/cU*. Papeis de identidade Relações Serviços militares Condem nações anteriores, seu n.' IV ar da^deteni; io iaXuvf/M a» 'Offu, y./i.. Motivo actual; especificação dat delido VI Ficha d e identificação policial de Dolores HIJa, imigrante espanhola acusada j u n t o c o m o m a r i d o , A n t ô n i o B u e n d i o , de exercer lenocínio. São Paulo, 9 de o u t u b r o de 1907. Parte integrante d o processo d e e x p u l s ã o d e Lúcia Borges. Arquivo Nacional. p á g . 192. J u l / d e z 1997 V R ploração do lenocínio. 40 O Comentando essa movimento operário, inclusive hispânicos, incidência, Elísio de Carvalho culpava a teriam sido deportados sob a a c u s a ç ã o origem dos imigrantes, afirmando que de lenocínio, o gráfico n° 3 induz-nos a "... a Espanha, na sua atividade anti-so- examinar o problema por um outro ân- cial, é uma s o b r e v i v ê n c i a da b a r b á r i e gulo. africana ou asiática". 41 44 na esteira da lei proposta pelo naquele mesmo deputado paulista Adolfo Gordo, com o p e r í o d o , foram processados e repatria- intuito de 'banir os agitadores estrangeiros dos 37 e s p a n h ó i s residentes no Rio de que contaminam o nosso proletariado', as Janeiro, nos termos da chamada 'Lei autoridades aproveitaram para 'fazer uma Gordo' que regulamentou a expulsão de faxina' nas ruas do Rio de Janeiro, descar- estrangeiros. 42 tando-se dos indesejáveis sociais, em especial daqueles que não faziam parte da na s é r i e de processos examinados, os denominada 'boa imigração'. crimes de vadiagem e lenocínio prevalecem, seguidos dos de furto e embriaGráfico 3 - Processos de expulsão de espanhóis: distribuição por crimes (1907-1914) guez, evidenciando as mazelas de uma sociedade em t r a n s i ç ã o , marcada pela miséria, em que estruturas arcaicas coexistiam com a dita modernidade da 'Paris tropical', idealizada pelos nossos dirigentes. Ao c o n t r á r i o do que sugeria Elísio de Carvalho, nas p á g i n a s do Boletim Policial', esses dados n ã o espelham a "criminalidade violenta, bárbara e atávica da i m i g r a ç ã o " , na verdade, eles constituem uma pequena amostragem do universo de excluídos que povoava a cida- Fonte: Fundo Ministério da Justiça e n e g ó c i o s Interiores, pacolilhas IJJ' 158; IJJ' 176; IJJ' 143; IJJ' 154, IJJ' 131; IJJ'150, IJJ'130. IJJ' 159, IJJ' 140. IJJ' 147, IJJ' 159; IJJ' 129; IJJ' 144; IJJ' 160. IJJ' 145; IJJ' 149, IJJ' 161; IJJ' 154 Arquivo nacional de. Aliás, a p r o p ó s i t o da alta incidência de e x p u l s õ e s por lenocínio, numa obra recente, Lená Medeiros de Menezes identifica, por meio de estudos quantitativos, uma p r e s e n ç a significativa de prostitutas espanholas nos b o r d é i s cariocas, e m especial naqueles situados no caminho que ligava o bairro da Lapa à Zona do Mangue. A concepção das elites brasileiras de que a força de trabalho estrangeira representava um fator de progresso possuía limites bem delineados. Como demonstra J o s é de Sousa Martins, as classes dominantes imaginavam o imigrante "morigerado, sóbrio e laborioso", virtudes da ética capitalista que deveriam servir de 43 modelo para o trabalhador n a c i o n a l . Apesar das suspeitas levantadas por certos autores de que alguns integrantes do Acervo, Rio de 45 Assim, os anglo-saxões, vistos como os imigrantes ideais, eram identificados com J a n e i r o , v. 10, n ° 2, pp. 1 79-198. Jul/dez 1997 - p á g . 1 9 3 A C E o conhecimento, a técnica e a civilização, feriores da p o p u l a ç ã o carioca a sua pre- capazes portanto de contribuir para o de- s e n ç a significava uma a m e a ç a . lieste senvolvimento do país; os italianos po- sentido, o escritor J o ã o do Rio, numa de deriam ser bem-vindos, desde que na suas c r ô n i c a s , oferece-nos um retrato condição de braço forte, capaz de subs- sem retoques do que se passava pelas tituir a m ã o - d e - o b r a escrava na lavoura ruas do Rio de Janeiro. Dizia ele que o cafeeira. Os e s p a n h ó i s estavam longe de contingente de desembarcados, crianças, desfrutar desse mesmo conceito, confor- mulheres e homens, "ávidos de dinheiro me se pode constatar: e gozo", submetia-se a todo o tipo de tra- A travessa do Comércio ostentou on- balho, realizando tarefas que antes eram tem à noite o mesmo triste espetáculo desempenhadas por escravos, uma vez a que nos referimos há dias. Dezenas que encaravam a s i t u a ç ã o de pobreza de imigrantes espanhóis ali procura- como t r a n s i t ó r i a . Uma e s p é c i e de mal vam abrigar-se e passar a noite em n e c e s s á r i o , desde que n á o voltassem promiscuidade e (...) quaisquer que para a sua terra natal, onde teriam de sejam as causas é deprimente (...). Acreditamos que eles não têm direito ao acolhimento nas hospedarias do Estado, nem razão justificada para se queixarem da falta de ocupação, mas a sua vagabundagem e sua miséria, ainda enfrentar a miséria dos campos e as cidades j á s a t u r a d a s . 47 J á o político e e n s a í s t a Alberto Torres, preocupado com a crescente afluência de forasteiros nas nossas cidades, teorizava sobre o problema, ao afirmar que: que merecida, não podem continuar ... a imigração quando não se associa- (...). Dê-se-lhes agasalho, ou permita- va ao latifúndio, constituía um regime se-lhes que voltem (...), ainda mesmo de privilégio a favor do trabalhador es- com sacrifício do Estado. Os interesses trangeiro, pois que vedava oportuni- da são muito mais im- dades melhores ao trabalhador nacio- portantes do que os motivos regula- nal, de que na verdade náo se cogita- mentares que possam explicar e até jus- va num único programa que pudesse tificar o abandono daquela gente.(...) resgatá-lo ou redimi-lo. boa imigração 48 mais vale perder alguns contos de réis Podemos observar que a disputa come- em fazê-los regressar à Europa, do que çava pela o c u p a ç ã o de um e s p a ç o priva- tê-los aqui nas ruas como espantalhos do, de outros imigrantes, como argumento superlotadas h a b i t a ç õ e s coletivas, onde aos inimigos da imigração européia para a classe pobre se apinhava. rio e s p a ç o 8 o Brasil (grifo meu).* ou seja, por um c ô m o d o nas público, a situação era a mesma, ü ã o foi Se para a nata da opinião pública a imi- por acaso que o cronista Luís Edmundo, g r a ç ã o espanhola n ã o representava um outro observador arguto dos contrastes fator de progresso, para os extratos in- da sociedade carioca, nas suas a n d a n ç a s p á g . 1 9* . J u l / d e z 1 997 O V K pelo centro, nos arredores do morro de tos, mas t a m b é m acerca da nacionalida- Santo Antônio, colheu este depoimento de de das candidatas aos empregos, uma negra liberta, que ilustra o drama lieste da luta pela sobrevivência, num merca- presentava um adversário perigoso, numa do de trabalho saturado: contenda em que os nacionais j á entra- sentido, o estrangeiro re- Uma terra táo rica e a gente a morrer vam em desvantagem, visto que as me- de fome, sem trabalho! lhores oportunidades e r e m u n e r a ç õ e s fi- que manda buscar Governo mau, gente de fora, cavam com os imigrantes, sobretudo na- Governo que queles setores da economia que não ca- não cuida de nós. Sorte madrasta que reciam de pessoal qualificado ou semi- nos persegue desde que nascemos (o qualificado, como o da p r e s t a ç ã o de quando aqui sobra gente. grifo é meu). serviços e o comércio de varejo, nicho 49 Para por à prova as palavras dessa a n ô nima informante, tomemos um caso cor- em que a maioria dos hispânicos se concentrou. riqueiro, como o das mulheres que tra- Decorridos cem anos, os papéis inverte- balhavam família. ram-se. Assistimos hoje a um ciclo de re- Pesquisando na s e ç ã o dos classificados, fluxo, ainda que de proporções modes- nos jornais de época, Mary Heisler Men- tas. ' O centro repulsor, o Brasil dos a l - d o n ç a Mota descobriu que uma empre- tos e baixos dos planos econômicos. O gada doméstica branca, de origem anglo- centro de atração, a Espanha da estabi- s a x ã , p o d i a e m m é d i a conseguir a t é lidade política e financeira, porta de en- 100$000 mensais, com uma folga sema- trada para o ' p a r a í s o ' da Comunidade nal, vinho nas refeições e horário das 8 Européia. Favorecidos por uma nova le- à s 19 horas. Portuguesas e espanholas gislação, que lhes estendeu a cidadania, ganhavam a t é 80$000, enquanto que as descendentes de imigrantes e s p a n h ó i s negras libertas recebiam 60$000 para o lançam-se na rota inversa das g e r a ç õ e s mesmo s e r v i ç o e jornada de trabalho precursoras. Caberá indagar se as belas em casas de mais extensa, das 5 à s 19 horas. 50 5 cidades da terra de Cervantes lhes re- Essas servam um caminho menos atribulado do faixas salariais deixavam bem claro os que o percorrido por seus antepassados diferentes níveis de hierarquia, estabe- no Rio de Janeiro. lecidos n ã o apenas em relação aos liber- N O T A o 1 • Brasil, Conselho liacional de Estatística, 1970. 2. José Fernando Carneiro. "O Império e a colonização do Rio Qrande do Sul", Fundamentos da cultura rio-grandense. Faculdade de Filosofia, Porto Alegre, 4 série, 1960; José Dacanal et a Acervo. Rio de Janeiro, v. 10, n ° 2, pp. 1 79-1 98. jul/dez 1997 - p á g . 195 A C alii. Rio Grande do Sul: i m i g r a ç á o e c o l o n i z a ç ã o . Porto Alegre, Mercado Aberto, 1980. Mais recentemente, veja-se, por exemplo, Elizabeth Filippini, Terra, família e trabalho: o n ú c l e o colonial B a r ã o de J u n d i a í , 1887-1950, d i s s e r t a ç ã o de mestrado, S ã o Paulo. FFLCH, Universidade de S ã o Paulo, ^1990. 3. a Caio Prado J ú n i o r , História econômica do Brasil, 14 ed., S ã o Paulo, Brasiliense, 1971; Emilia Viotti da Costa, Da monarquia à república: momentos decisivos, 2 ed., S ã o Paulo, Livraria Editora C i ê n c i a s Humanas, 1979; Elorestan Fernandes, "Immigration and race relations in S ã o Paulo", Magnus Mòrner (org.), Kace and class in Latin America, Mova York, Columbia University Press, 1970. Ver, ainda, Paula Beiguelman, A crise do escrauismo e a grande imigração, S ã o Paulo, Brasiliense, 1981. a 4. Poucos trabalhos s ã o dedicados à t e m á t i c a da e m i g r a ç ã o urbana. Ver A n t ô n i o J o r d ã o , O imigrante espanhol em São Paulo, S ã o Paulo, Departamento de I m i g r a ç á o e C o l o n i z a ç ã o , 1963. Ver, ainda, Anne Marie Pescatello, Both ends of the journey: an h i s t ó r i c a ! study of migration and change of Brazil and Portugal, 1880-1914, tese de doutoramento, C a l i f ó r n i a , Universidade da C a l i f ó r n i a . 1970; Beaujeu J . Qarnier, "As m i g r a ç õ e s para Salvador", Boletim Baiano de Geografia, Salvador, 2 (7-8), 1961. Dentre as obras mais recentes, ver Maria Suzel Qil Frutuoso, Emigração portuguesa e sua influência no Brasil: o caso de Santos — 1850 a 1950, d i s s e r t a ç ã o de mestrado, S ã o Paulo, FFLCM, Universidade de S ã o Paulo, 1990. 5. L ú c i a Maria P. G u i m a r ã e s , Espanhóis no Rio de Janeiro (1880-1914): contribuição à historiografia da i m i g r a ç á o , tese de livre d o c ê n c i a apresentada ao IFCN da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1988. 6. Magnus Mõrner, Aventureros torial Mapfre, 1992, p. 58. 7. O País, 8. Miguel Martinez Cuadrado, "La burguesia conservadora (1874-1931)", Miguel Artola (dir.), História de Espana Alfaguara VI. 8 ed., Madrid, Alianza Universitad, 1986, pp. 162-165. y proletários: los emigrantes en hispanoamerica, Madrid, Edi- Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1887. a 9. Javier Martinez Arevallo, "Remessas de emigrantes y balanza de transferencias", Economia Espanola, Madrid, v. 11, 1982, pp. 12-139. Papeles de 10. Pierre Villar, Historia de Espana. Lisboa, Livros Horizonte, [s.d.], p. 76. C o l e ç á o Horizonte n ° 9. 11. Cf. Miguel Martinez Cuadrado, op. cit., p. 233. 12. Magnus Móner, op.cit., p. 64. 13. Lúcia Maria P. G u i m a r ã e s , " V i s õ e s e d ê n i c a s " , em Maria Tereza Brites Lemos (org.), América Latina em discussão - Congresso América 92, Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1994, pp. 165-171. 14. Jordi Nadai, La población espanola, 3 a ed., Ariel, Barcelona, 1973, pp. 184-197. 15. Acerca dos valores das passagens t r a n s a t l â n t i c a s , n ã o dispomos de dados em moeda espanhola. P o r é m , para se fazer uma i d é i a de como os p r e ç o s das viagens tornaram-se progressivamente mais a c e s s í v e i s , basta dizer que em 1903 um bilhete de terceira classe G ê n o v a - R i o de Janeiro custava em m é d i a cem liras. Em 1906, o mesmo bilhete podia ser adquirido por setenta liras. 16. Gilbraltar, embora fosse p o s s e s s ã o inglesa, era considerado porto livre. Passagens e embarques estavam livres dos impostos e s p a n h ó i s . 17. Magnus Mòrner, op. cit., p. 65. 18. O P a í s , Rio de Janeiro, 4 de fevereiro de 1885. Veja-se, ainda, O País, m a r ç o de 1885. Rio de Janeiro, 5 de 19. Ver a esse respeito, Lená Medeiros de Menezes, Modernização e imigração no Brasil: progressos e imobilismos (1850-1888), d i s s e r t a ç ã o de mestrado, Niterói, UFF, 1986. 20. Enrique S a s t r é , Carta de . . . . datada de Santander, 20 de novembro de 1891, dirigida ao deputado geral A n t ã o de Faria. Manuscrito de propriedade da sra. Naida Vânia Petsold Gomes, de Porto Alegre. Devo a c ó p i a desta fonte ao prof. Jaime Antunes. 21. Octavio Cabezas Moro (org.), Emigración espanola: e v o l u c i ó n h i s t ó r i c a , s i t u a c i ó n actual y problemas, Madrid, Instituto Espanol de E m i g r a c i ó n / M i n i s t é r i o dei Trabajo, 1970. 22. Magnus Móner, op. cit., p. 80. p á g . 196. j u l / d e z 1997 O V K 23. Brasil, Diretoria-geral de E s t a t í s t i c a , Recenseamento, realizado em 31 de dezembro de Rio de Janeiro, Oficina E s t a t í s t i c a , 1898, pp. 236-237. 1890, 24. Brasil, Recenseamento do Rio de Janeiro (Distrito Federal), realizado em 20 de setembro de 1906, Rio de J a n e i r o , Oficina E s t a t í s t i c a , 1907. Esses n ú m e r o s oficiais t a m b é m s á o q u e s t i o n á v e i s , considerando as estimativas das entradas ilegais. 25. Magnus Mòner, op. cit. p. 100. 26. Veja-se Oswaldo Porto Rocha. A era das demolições: cidade do Rio de Janeiro, 1870-1920, d i s s e r t a ç ã o de mestrado. Universidade Federal Fluminense, 1983. 27. Lilian Fessler Vaz, Contribuição ao estudo da produção e transformação tação no Rio Antigo, d i s s e r t a ç ã o de mestrado, IPPUR/UFRJ, 1981. 28. Sheldon Leslie Maram, Anarquistas, migrantes e o movimento 1920), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, pp. 19-22. operário do espaço da habi- brasileiro (1890- 29. Idem, ibidem, p. 65. 30. Depoimento do sr. Guilherme Sobrero concedido à autora, no Rio de Janeiro, em 12 de janeiro de 1988. 31. Depoimento da sra. Maria Dolores Cintra, neta e herdeira de J o s é Maria Carreiras, concedido à autora, no Rio de Janeiro, em 27 de novembro de 1987. 32. O depoimento da sra. Joana Vila foi concedido à autora, no Rio de Janeiro, em 27 de agosto de 1987. Naquela o c a s i ã o , d. Joana completara cem anos e recebera o título de moradora mais antiga do bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. 33. Cf. Eulália Maria Lahmeyer Lobo, História do Rio de Janeiro: do capital comercial ao capital industrial e financeiro. Rio de Janeiro, IBMEC, 1978, v. 2, p. 463. 34. Depoimento da sra. Joana Vila concedido à autora, no Rio de Janeiro, em 27 de agosto de 1987. 35. Michelle Perrot, "Os segredos dos s ó t á o s " , e "Práticas da m e m ó r i a feminina", Maria Stela Martins Bresciani (org.), A mulher e o espaço público. Revista Brasileira de H i s t ó r i a , S á o Paulo, ANPUH/Marco Zero, v. 9, n. 18, p. 12, agosto/setembro de 1989. 36. J o s é Murilo de Carvalho. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a R e p ú b l i c a que n á o foi, S ã o Paulo, Companhia das Letras, 1987, p. 77. 37. O P a í s , Rio de Janeiro, 17 de julho de 38. Arquivo Nacional, IJJ 7 158/1223. 39. Arquivo Nacional. IJJ 7 145/834. 40. Boletim 1886. Policial, Rio de Janeiro, maio de 1907 a dezembro de 1914. 41. Idem. p. 218. 42. A e n t ã o denominada Lei Gordo refere-se ao decreto n ° 1.641, proposto pelo deputado federal Adolfo Gordo, que regulamentava a e x p u l s ã o de estrangeiros. Sua origem e s t á ligada ao processo de r e p r e s s ã o à s greves o p e r á r i a s que se intensificaram em 1906. 43. L e n á Medeiros de Menezes, Os estrangeiros e o comércio do prazer nas ruas do Rio de Janeiro (1890-1930). Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1992, pp. 51-52. 44. Cf. Sheldon Leslie Maram. op. cit., p. 43. Ver, ainda, Sheldon L. M., "The immigrant and the Brazilian labor movement, 1890-1920", Dauril Alden fie Warren Dean (ed.), Essays concerning the socio-economic history of Brazil and Portuguese and índia, Gainesville, University Press of Florida, 1977. 45. J o s é de Sousa Martins, O cativeiro da terra, S á o Paulo. C i ê n c i a s Humanas, 1979, p. 130. 46. O P a í s , Rio de Janeiro, 8 de janeiro de 47. Joáo do Rio, A a/ma encantadora 1889. das ruas. Rio de Janeiro, O r g a n i z a ç õ e s S i m õ e s , 48. Alberto Torres, O problema nacional brasileiro. Nacional, 1938, p. 244. ( C o l e ç ã o Brasiliana). 3 a edição, 5 a 1952. s é r i e , S á o Paulo, Cia. Editora 49. Luís Edmundo, O Rio de Janeiro do meu tempo, Rio de Janeiro. Ed. Conquista, 1957, vol., 2 o p. 249. Acervo, Rio de J a n e i r o , v. . O . n ° 2 . p p . 1 79-1 98. Jul/dez .997 -pág.197 50. Mary Heisler M e n d o n ç a Mota. Imigração e trabalho industrial - Rio de Janeiro (1889-1930), d i s s e r t a ç ã o de mestrado, Niterói, Universidade Federal Fluminense, 1982, p. 183. 51. Para fins de c o m p a r a ç ã o , veja-se a p r o p o r ç ã o que tomou nos ú l t i m o s anos a e m i g r a ç ã o de brasileiros descendentes de imigrantes japoneses. A B S T R A C T This article analyses the Spanish immigration in Rio de Janeiro between 1880 and 1914. These immigrants were the third biggest foreign colony in the city during that period. The author intends to discuss the idea that foreign urban immigration was in competition with national handwork, mainly those who were settled free after the slavery abolition in 1888. Cet article analyse Ia route e x p l o r é e par les immigrants Espagnols à Ia ville du Rio de Janeiro, entre 1880 et 1914. lis ont constitua Ia t r o i s i è m e plus grande colonie d ' é t r a n g e r s au Rio. Par cette é t u d e de cas 1'auter montre limmigration urbaine en faisant concurrance à Ia main-d'oeuvre nationale, p a r t i c u l i è r e m e n t celle qu' é t a i t l i b e r é e par 1'abolition de 1'esclavage. Paula Ribeiro Mestranda em História Social - PUC/SP. M^ultiplicidade É t n i c a no R i o de J a n e i r o U m i estudo soWe o S ruas das cidades A maioria dos estrangeiros á r a b e s . . . Os residentes no Rio de Janeiro procuram se estabelecer em estabelecimentos pequenos e bairros onde acanhados n á o revelam o predominem numericamente gosto que preside o c o m é r c i o seus p a t r í c i o s . Assim se formam moderno. bairros de fisionomia E a l í n g u a que ali predomina singu- lar no panorama urbano. não é o português. É o Fomos visitar o bairro s í r i o na árabe. rua da A l f â n d e g a , p e d a ç o do Diário Cairo transportado ao seio 1933. de notícias, m a r ç o de da m e t r ó p o l e brasileira... um aspecto bizarro, pitoresco, ú n i c o , impressiona de e s p a ç o conhecido hoje como O: 1 | Saara, localizado no centro da pronto. Lojas m i n ú s c u l a s , verdadeiros arsenais de P R O J E T O M E M Ó R I A DO S A A R A bugingan- gas... fazendo lembrar as cidade do Rio de Janeiro, em uma área protegida pelo corredor cultural da prefeitura, é composto por 11 ruas, acervo. Rio de J a n e i r o , v. . 0 . „ • 2. pp. 199-2!2, jul/dez 1997 - pao,199 A C 1.250 estabelecimentos comerciais e é si- E cadorias e formas de comercializar na n ô n i m o , para os cariocas, de comércio região. A entrada dos imigrantes chine- popular e mercadoria barata. ses, na d é c a d a de 1960, e mais recente- Mo entanto, no início deste século essas mente dos coreanos, altera mais uma vez ruas j á eram ocupadas por imigrantes o Saara, tanto do ponto de vista da ocu- de pação origem portuguesa que quanto do comércio. Essa c o m e r c i a l i z a v a m , p r i n c i p a l m e n t e , no heterogeneidade étnica e a singularida- ramo de atacado de tecidos e g ê n e r o s de deste e s p a ç o lhe conferem uma mar- alimentícios. ca única na cidade. A posterior o c u p a ç ã o por imigrantes de O Projeto Memória do Saara, constituído origem semita — libaneses, sírios cris- por uma equipe multidisciplinar de pes- t ã o s e judeus do Oriente Médio e Europa quisadores, ligados à s linhas de estudos Central — introduz novos hábitos, mer- da etnicidade e cultura urbana da Coor- Interior de loja de especiarias no Saara. Rio de Janeiro, 1996. Arquivo CIEC/UFRJ. p á g . 200. j u l / d e z 1 997 R V O d e n a ç ã o Interdisciplinar de Estudos Cul- Gravados e transcritos, esses depoimen- turais - CIEC/Universidade Federal do Rio tos constituem um material de grande ri- de Janeiro, pesquisou, fotografou e fil- queza sobre a história da imigração no mou esta região muito pouco estudada Rio de Janeiro e focalizam, num contex- no contexto da história da cidade. to social e cultural próprio, o Saara. As referências documentais e O resultado dessa pesquisa foi incorpo- iconográficas do local s ã o bastante es- rado ao acervo permanente do Núcleo de cassas, assim como poucos s ã o os rela- Documentação da CIEC. 5 tos de cronistas e memorialistas. A ausência de estudos quanto aos grupos ét- SÍRIOS E LIBANESES NO S A A R A nicos que ali se estabeleceram e a falta P de uma m e m ó r i a organizada desses grupos — que pouco registraram e preservaram sua história — criaram uma grande lacuna sobre o tema. ara abordar a q u e s t ã o da construção da identidade cultural do Saara e a definição de seus ele- mentos, é n e c e s s á r i o que se entenda 2 este espaço como possuidor de tradições A pesquisa da história do Saara baseou- culturais múltiplas, composto por uma co- se, prioritariamente, nos relatos dos imi- letividade que se mantém através de uma grantes, suas histórias de vida e trajetó- "... tradição viua conscientemente elabo- rias. A utilização da história oral como rada que [passa] de geração para gera- fonte documental permitiu conhecer as- ção, que [permite] individualizar ou tor- pectos do cotidiano do Saara sob um pon- nar singular e única uma'comunidade re- to de vista mais afetivo e individual, "in- lativamente à s outras". Cada grupo ét- corporando assim elementos e perspec- nico que ocupa o Saara possui uma cul- 6 tivas à s vezes ausentes de outras práticas históricas". tura própria, perpetuada pela construção de uma memória que lhe permite 3 dife- renciar-se e tornar-se único. E é esta mePor meio das entrevistas, apreende-se a importância do Saara para os que ali se estabeleceram e a m e m ó r i a que compar- mória que faz com que os grupos se relacionem uns com os outros e construam a memória coletiva do lugar. tilham deste e s p a ç o . Podemos dizer que as narrativas encontram 'pontos de apoio' Apesar do Saara ser visto como um "es- umas nas outras, atestando a afirmação paço á r a b e ' na cidade, h o m o g ê n e o na de Maurice Halbwachs para quem a me- sua formação, a presença de imigrantes mória é vista como um fenômeno social, sírios e libaneses cristãos e de imigran- e que, ao rememorarmos, "nos coloca- tes judeus sefaradim (oriundos do Orien- mos no ponto de vista de um ou mais te Médio) e ashkenazim grupos" e nos situamos "em uma ou mais pa Central e Oriental) configurou um correntes do pensamento coletivo". 4 7 (vindos da Euro8 Saara de unidades e diferenças. Aparen- Acervo. Rio de J a n e i r o , v. . 0 . n» 2. pp. 199-212, jul/dez 1997 - p á g . 2 0 1 A C E temente, os imigrantes de origem á r a b e renças s ã o 'negociadas' e eles se apre- e os de origem judaica n ã o se diferenci- sentam como um grupo único e h o m o g ê - am. Por ocuparem o mesmo lugar e nele neo diante da sociedade e, mais especi- terem criado uma estreita rede de rela- ficamente, junto aos novos grupos de ç õ e s sociais e comerciais, s ã o vistos, de imigrantes que ocupam o Saara. Daí de- modo geral, como membros de um mes- riva uma identidade étnica do lugar, ba- mo grupo. A interação entre eles que, a seada não apenas na idéia de demarca- princípio, poderia ser vista como "com- ção de um e s p a ç o na cidade, mas tam- petitiva e conflituosa" é, ao c o n t r á r i o , bém buscando uma unidade de interes- "componente essencial para o processo ses comercial e cultural, para preservar de formação e de definição" do e s p a ç o seus valores é t n i c o s . Saara. 10 9 Criam, como uma grande 'estratégia' de Os judeus n ã o devem ser analisados ape- sobrevivência e p e r m a n ê n c i a , o que o nas sob o prisma da religião mas, sim, descendente de imigrantes pela diversidade de línguas, de costumes Demétrio llabib chama de "uma peque- e, até mesmo, de origens. Possuem, no na ONU no Rio de Janeiro". entanto, uma identidade própria, que se denomina identidade judaica, que imprimiram ao local e que os distingue. libaneses E essa é a nossa Saara, uma c o n v i v ê n cia entre á r a b e s , judeus, coreanos, palestinos, brasileiros, portugueses, es- Os imigrantes de origem síria e libanesa p a n h ó i s . Hoje, n ó s temos aqui uma pe- t a m b é m possuem t r a ç o s culturais dife- quena ' n a ç ã o Unida'. Aqui no rentes, e imprimiram ao local marcas que v o c ê encontra de tudo, todas as religi- ali se perpetuaram. Ma sua maioria s ã o õ e s , todos os times de futebol. S ó que Saara c r i s t ã o s , mas se d i f e r e n c i a m entre maronitas e ortodoxos; em menor n ú m e ro, os católicos melquitas e os muçulmanos. A p r e s e n ç a de outros imigrantes, como os a r m ê n i o s , os gregos, os espanhóis, associada aos de outras culturas, fazem do Saara um e s p a ç o diferenciado e de m u l t i p l i c i d a d e é t n i c a no Rio de Janeiro. É interessante notar, no entanto, que, apesar das diversidades e das adversidades 'tradicionais' entre á r a b e s e j u deus, eles tendem a se reunir e a agir conjuntamente naquele e s p a ç o . As dife- p á g . 202 . j u l / d e z 1 997 Logotipo de loja de família libanesa no Saara. Rio de Janeiro, 1996. Arquivo CIEC/UFRJ. V o é expressamente proibido discutir raça, No censo de 1906, a freguesia do Sacra- r e l i g i ã o e cor. " mento — região que incorporava o que é hoje o Saara — registrava um grande nú- A R U A DA A L F Â N D E G A E A 'TURQUIA O mero de estrangeiros recenseados, entre PEQUENA' eles os portugueses e os de origem 'síria'; perfil da atual comunidade do Saara c o m e ç o u a ser traçado no censo de 1920, é expressiva a presença de imigrantes da Turquia-asiática'. em fins do século XIX, quando Os primeiros s í r i o s e libaneses come- se identifica a chegada dos primeiros imi- çaram a chegar ao Brasil ainda nos anos grantes de origem síria e libanesa. Eles 70 do s é c u l o passado. Todas as esta- se estabeleceram nas imediações da pra- t í s t i c a s a seu respeito s ã o imprecisas, ça da República e da rua da Alfândega, pois foram registrados como turcos, que j á existia no século XVII com o nome t u r c o - á r a b e s , s í r i o s ou de caminho do Çapueruçu e era a princi- Knowlton pal rua da região. Essa área era ocupa- destos e irregulares a t é por volta de da, simultaneamente, por residências e 1895; apurou daí em libaneses... contingentes diante o mo- fluxo pelo comércio, abrigados num conjunto i m i g r a t ó r i o se adensou para, a partir a r q u i t e t ô n i c o originário do século XIX. de 1903, crescer ininterruptamente a t é Havia, ainda, um grande atacado de te- as v é s p e r a s da Primeira Querra. O ano cidos e produtos importados de propri- de 1913 registrou a chegada de 11.101 edade de imigrantes de origem portuguesa. 12 imigrantes. Nos anos 2 0 o movimento foi revitalizado com um contingente As ruas adjacentes, como a Senhor dos Passos, a Buenos Aires — em outros tempos chamada de rua do Hospício —, a avenida Tome de Sousa, e n t ã o rua do Núncio, e que hoje tem sua continuação ao redor de 5 mil entradas anuais. A partir de e n t ã o , a d e p r e s s ã o e o sistema de cotas adotado pelo governo brasileiro colocaram o movimento i m i g r a t ó r i o em n í v e i s baixos. 13 chamada de República do Líbano, também faziam parte do que ficaria conhe- Os imigrantes sírios e libaneses que che- cido como 'Turquia pequena'. Caracteri- garam ao Rio de Janeiro, no final do s é - zavam-se pelos sobrados antigos que culo XIX, eram, na maioria, rapazes sol- serviam tanto de moradia para os imi- teiros, cristãos, de cidades pequenas e grantes quanto para as atividades eco- de aldeias agrícolas. Vieram de nômicas, centradas no comércio de ar- que faziam parte do território da Grande marinhos e de g ê n e r o s alimentícios, além Síria, que estava sob a dominação turco- das atividades ligadas ao atacado de te- muçulmana do Império Otomano. No Lí- cidos — importador e exportador — como bano, os conflitos religiosos entre católi- cordoarias, caixotarias e d e p ó s i t o s . cos e drusos — seita derivada de uma Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp. 199-2 1 2 . j ul/dez 1997 regiões - pág.203 i: c dissidência islâmica — eram intensos, as- grantes que, logo, s ã o apelidados gene- sim como na Síria que, no final do século ricamente de 'turcos', como pode ser passado, presenciava conflitos religiosos conferido pelo depoimento de Demétrio entre cristãos e m u ç u l m a n o s . 14 Em am- Habib ao Projeto Memória do Saara: bos os p a í s e s , a desigualdade social e Papai nasceu em Beirute, capital do religiosa e o intervencionismo turco- Líbano, e por ser cristão-ortodoxo e otomano, que dominou a região a t é o fi- para fugir da perseguição otomana, ele nal da Primeira Guerra Mundial, levaram veio para o Brasil. Em boa hora, pois à e m i g r a ç ã o , que foi bastante expressi- esse é um país maravilhoso. Então vem va no final do século XIX e início do XX. no seu passaporte: local de nascimen- Ma América do Sul, a l é m da Argentina e to: Beirute; nacionalidade: síria; pas- do Uruguai, o Brasil recebe esses imi- saporte: turco. Daí nós sermos chama- Imigrantes a r m ê n i o s n o Rio d e J a n e i r o . D é c a d a d e 1 9 3 0 . A r q u i v o p á g . 2 0 4 . Jul/dez 1997 particular. O V K dos de 'turcos'. A priori era uma pretensa numa s i t u a ç ã o melhor e aí surgiu um nacionalidade... depois passou a ser pe- sobrado... montamos um jorativo. de meias. E aí c o m e ç o u a nossa vida. depósito Sabiam pouco do Brasil: as notícias che- A maioria, no entanto, iniciou a vida gavam por cartas que contavam as mara- como vendedor ambulante — atividade vilhas do país e despertavam a curiosida- que, no Rio de Janeiro do final do s é - de e o desejo da imigração. Muitos, no en- culo passado, era desempenhada tanto, i m b u í d o s de um espírito aventurei- los imigrantes portugueses e, posteri- ro, sonhavam em 'fazer a América', pros- ormente, pelos italianos. A ajuda inicial perar e retornar ao país de origem. De para adquirir mercadorias era muito uma forma geral, adaptaram-se facilmen- importante, e o primeiro crédito na loja te, e, apesar de originários de regiões agrí- de um patrício correspondia a um voto colas, estabeleceram-se nos centros urba- de confiança ao r e c é m - c h e g a d o . Ven- nos e dedicaram-se à s atividades comer- diam cortes de fazenda, artigos de ar- ciais. Os r e c é m - c h e g a d o s instalavam-se marinho e colchas, e eram conhecidos próximos uns aos outros, o que permitia a como mascates. Alguns foram trabalhar criação de um núcleo de imigrantes de uma como representantes comerciais em fir- mesma origem, muitos oriundos de uma mas atacadistas e viajaram para o in- mesma cidade e de uma mesma família. terior do estado do Rio, Bahia e Minas pe- Gerais, oferecendo tecidos e miudezas. Trabalhavam c o m afinco e procuravam conseguir recursos para iniciar um negócio próprio, como foi o caso da família de imigrantes a r m ê n i o s Paboudjian, que che- Ma década de 1920, o Brasil é o país que mais recebe imigrantes libaneses, no Rio de Janeiro, um grande número estabeleceu-se na rua da Alfândega — gou ao Rio de Janeiro em 1926: 'rua dos Turcos'— ou no chamado 'bairHouve um massacre de a r m ê n i o s pela ro árabe', com trajetórias semelhantes T u r q u i a . . . meus pais [fugiram para] o à do imigrante Wadih Bedran, de Zahle, L í b a n o . . . O destino deles era o Uruguai, no Líbano: mas chegando aqui no cais do porto do Meu pai era agricultor... nozes, a m ê n Rio de Janeiro houve um problema com doas, uva, figo para consumo. A mia s a ú d e p ú b l i c a . . . um problema na vista nha m ã e veio para o Brasil... veio moe n ã o p o d i a m seguir viagem. Meu pai rar na praça da R e p ú b l i c a . c o m e ç o u torrando amendoim, ele tor- rava, a minha m ã e ensacava e eu vendia Ele tinha que tomar conta da terra lá na porta do Campo de Santana. Depois e ela veio com os parentes dele. Veio ele c o m p r o u uma banca de cigarros e para g a n h a r d i n h e i r o , c o m e ç o u a vender na rua da A l f â n d e g a , rua... a p r o f i s s ã o aqui, para todos os na esquina de Tome de Sousa. J á estava libaneses. v e n d e r na « e r v o . Rio de Janeiro. ». 10. n ° 2. pp. 199-212. Jul/dez 1997 - pág.205 E C A Eu vim depois e comecei a trabalhar Também na mesma coisa que ela... nham muitos, fugindo do militarismo. As p e r s e g u i ç õ e s religiosas e as dificuldades e c o n ô m i c a s em suas terras de origem t a m b é m trazem os judeus à rua da em 1910, 1911, 1912, A Turquia mandava a rapaziada vi- servir o e x é r c i t o , eles n ã o queriam servir o e x é r c i t o turco. E todo mundo quando tinha 14, 15 anos vinha para o Brasil. Alfândega. Meu primeiro i r m ã o , Eliahu, veio em O fluxo da imigração judaica para o Brasil foi, de certa forma, irregular e dependeu de fatores vários, como as perseguiç õ e s religiosas em seus p a í s e s de origem e a convocação dos jovens para um serviço militar abusivo. Antes da Primeira Guerra Mundial, os judeus chegaram ao 1926. Pio navio dele vinham mais qua- renta f a m í l i a s . O segundo, chama-se J o s é , chegou em 1928 e começou a trabalhar como vendedor ambulante. Em 1929, chegou o outro, Aslam, que veio com 13 anos para se juntar irmãos. aos 1 6 Rio de Janeiro impulsionados por problemas e c o n ô m i c o s e p e r s e g u i ç õ e s antisemitas, além de atraídos pelo sonho de ir para a América'. Na d é c a d a de 1920, muitos imigrantes judeus chegaram ao país, o que se deve t a m b é m ao fato de estarem em vigor as leis restritivas à sua entrada nos Estados Unidos e na Argentina, p a í s e s preferidos por muitos deles. A maioria entra pelo porto da cidade do Rio de Janeiro, e n t ã o capital da República, que j á possuía uma comunidade j u daica estruturada, com sociedades beneficentes, sinagogas e o r g a n i z a ç õ e s de auxílio aos imigrantes. Os imigrantes judeus sefaradim reconhe- ciam, na rua da Alfândega e cercanias, uma região de similaridades. Mesmo sen- do muito religiosos e tradicionalistas, adaptaram-se com facilidade à cidade e iniciaram suas vidas profissionais como vendedores ambulantes ou como pequenos comerciantes do ramo de tecidos. As famílias eram numerosas e a comunidade muito unida. Criaram mais afinidades com os brasileiros e com os comerciantes á r a b e s vizinhos — com quem se comunicavam em á r a b e ou francês — do que com os judeus as/i/cenazim, estabe- 15 lecidos na praça Onze e que falavam o O depoimento de Ibrahim Belaciano ates- ídiche. Os judeus poloneses, romenos, ta a trajetória de uma família judaica, da lituanos e russos, de origem ashkenazita, cidade de Sidon, no Líbano: em geral, eram a r t e s ã o s — sapateiros, Meus i r m ã o s j á estavam no Brasil há alfaiates, marceneiros — e, no início, muito tempo. Nos anos de 1920, sem poderem exercer seus ofícios, foram 1925, 1930, todo mundo s a í a do L í b a n o por- trabalhar como klienteltshik — 'cliente- que era um campo pequeno. Era moda la', 'prestamista'. Venderam, t a m b é m , vir para a A m é r i c a , 'fazer a A m é r i c a ' , cortes de fazenda e roupas de cama e diziam que aqui tinha ouro no c h á o . mesa, mas, posteriormente, passaram a p á g . 2 0 6 , jul/dez 1997 O V R comercializar artigos menores, mais leves, como relógios, jóias e guarda-chuvas. veis, comprava e vendia à p r e s t a ç ã o 17 para o cliente. Os mascates s í r i o s e libaneses e os Os imigrantes ocuparam a região de uma klienteltshik forma 'intuitiva e e s p o n t â n e a ' e ali re- (prestamistas judeus) t ê m em comum o fato de serem vendedores ambulantes, de carregarem a mercadoria consigo e, sobretudo, preencherem a f u n ç ã o de circuladores de bens e c o n ô m i c o s e de difundir p a d r õ e s e ideais urbanos... a d i f e r e n ç a entre eles reside no e s p a ç o físico-geográfi- produziram um espaço de moradia e trabalho próprios de seus países de origem. Criaram uma ' o r g a n i z a ç ã o espacial de natureza étnica' manifestada na forma de comercializar, na estética e na própria seleção dos bens oferecidos. Os restaurantes árabes, os cafés onde os imigrantes se reuniam, jogavam g a m á o , fumavam o co da a ç ã o e c o n ô m i c a . narguilé e tocavam o alaúde, as lojas de Os prestamistas atuavam nos subúrbios especiarias com os nomes escritos em e bairros da cidade; os mascates, além caracteres árabes, da direita para a es- dos s u b ú r b i o s e periferias, iam à zona querda, imprimiam ao local suas marcas rural e à s á r e a s fora do estado. O imigrante judeu 18 libanês étnicas. Sob uma "forte vontade de preElias servação da sua identidade", os imigrantes fizeram "do espaço do Saara uma ver- Belassiano testemunhou: dadeira ilha árabe em pleno centro do A gente carregava embrulho que tinha Rio". ,s vinte, trinta p e ç a s de fazenda cada uma era Os imigrantes sírios e libaneses, apesar tricoline, seda, a maioria inglesa. Eu das diferenças regionais e religiosas, cri- comprava nos atacadistas da rua da aram clubes, organizações beneficentes A l f â n d e g a . . . comprava em dinheiro e e instituições religiosas. O clube Sírio L i - vendia a prazo. Era assim que a gente banês foi fundado em um sobrado na rua trabalhava. lia S a ú d e , na Sacadura da Alfândega e a Sociedade Cedro do Lí- Cabral, na favela, no morro da Provi- bano, que funcionava na rua Senhor dos d ê n c i a . . . A freguesa pedia terno, a Passos, era considerada uma 'sociedade gente mandava fazer na alfaiataria; patriótica libanesa'. Fundaram t a m b é m a anel, que o filho ia virar doutor? A gen- Missão Libanesa Maronita que deu origem te comprava; anel para professora? A à construção da Igreja Maronita no Rio gente ia na joalheria e mandava fazer. de Janeiro. Em 1941, nascia o Senhor dos de três metros e oferecia... Comprava anel com estrela por um pre- Passos Futebol Clube que, além de time ç o e vendia mais caro porque ela ia de futebol, realizava bailes, o concurso pagar à p r e s t a ç ã o . Até d o r m i t ó r i o para Miss Senhor dos Passos e organizava casa a gente vendia. Ia na casa de m ó - eventos ligados ao carnaval e outras fes- Acervo, Rio de J nelro. v. 10. n ° 2. pp. 199-2 1 2. jul/dez 1997 - p á g . 2 0 7 C A E tas brasileiras. O carnaval era muito co- se mais uma vez a m e a ç a d a pela execu- memorado na região, que possuía casas ção de um antigo projeto urbanístico de tradicionais de artigos carnavalescos, construção da avenida Diagonal, que pas- como a Turuna. saria sobre grandes trechos Mas d é c a d a s de 1940 e 1950, o centro da cidade sofreu modificações urbanísticas que atingiram a rua da Alfândega e suas a d j a c ê n c i a s . Paralelamente, o declínio do comércio atacadista na região, em função das transformações e c o n ô m i cas no país, t a m b é m modificou radicalmente o local, que se tornou uma área das ruas Alfândega, Senhor dos Passos e Buenos Aires. Os comerciantes mobilizaram-se contra o projeto, utilizando como principal argumento que a região era um grande centro arrecadador de impostos para o e n t ã o estado da Quanabara. A entrevista com um dos membros da primeira diretoria da SAARA revela como aconteceu: exclusivamente comercial. A introdução Tinha aquele problema também de ur- do varejo e a modificação da indústria banização do centro da cidade. da moda e do c o m é r c i o trouxeram um movimento novo e diferente ao Saara, popularizando-o. A c o n s t r u ç ã o da a v e n i d a P r e s i d e n t e Vargas transferiu muitas famílias de imigrantes para outros bairros da cidade, entre eles a Tijuca, que "lembrava o Lí- Modernização, construção da via elevada que passaria por dentro do Saara e acabaria com o Saara, dividiria o Saara. Viria da Lapa até a Central do Brasil. Cortaria a nossa, a nossa Saara. bano por seu clima e montanhas", fato Havia uma ação de despejo... pra de- este que aconteceu com a família de molir os prédios. Então, fortificou-se Isaac Migri: mais a associação em defesa dos co- Eram duas ruas: do lado de lá, São merciantes. Pedro, e do lado de cá. General Câma- Esse projeto não foi avante porque ra, que ia desembocar na praça Onze. Carlos Lacerda veio aqui à região ad- Getúlio Vargas abriu isso tudo... em ministrativa na rua Tome de Sousa e, 1940 demoliu tudo aquilo, então as ouvindo os comerciantes, na época, ... famílias que moravam ali tiveram que sentou, pegou o documento, assinou, sair. Foram pra Tijuca. Então a nossa anulou e acabou. família, a nossa comunidade, vamos dizer assim, ela começou a ir pra Tijuca. Um foi, o outro foi... e novamente nos juntamos... Em 1949 nos mudamos. da Rua da Alfândega - SAARA é fundada neste contexto de mobilização dos comerciantes que resistiam à s m u d a n ç a s impostas pelo poder público e que lutavam Mo final da d é c a d a de 1950, a região viu- p á g . 2 0 8 , jul/dez A Sociedade de Amigos das Adjacências 1997 por permanecerem na região. A primei- O V K ra diretoria da Sociedade era majoritari- mente e que trabalham, amente composta por imigrantes de ori- com a confecção de roupas baratas. gem á r a b e e por seus descendentes. Seus depoimentos apontaram para a coincidência da sigla que, apesar de estar "ligada à entidade comercial, permite a um grupo étnico se reconhecer neste e s p a ç o " . basicamente, 21 A peculiaridade do e s p a ç o Saara configura-se pela permanência, até os dias de hoje, n ã o apenas de seu arquitetônico, mas, conjunto sobretudo, da 20 De forma bastante criativa, os comerci- multiplicidade de etnias e culturas que ali convivem por quase um século. antes apropriaram-se de uma imagem Os filhos e netos dos imigrantes sírios e dos p a í s e s á r a b e s no Ocidente e criaram, libaneses — católicos e judeus — embo- e n t ã o , o marketing do lugar. ra imprimam ao Saara uma nova marca, Mo final da d é c a d a de 1950, chegaram os imigrantes da China Continental e na d é c a d a de 1960, os chineses de Taiwan conservam aquela identidade trazida e mantida por seus ascendentes. Assim, eles preservaram a memória do Saara. (Formosa), introduzindo novos ramos de Mo artigo "A invasão chinesa no Saara", comércio, artigos para presentes e fes- Jornal do Brasil, em setembro de 1996, tas. S ã o muitas vezes confundidos com o filho de um imigrante libanês acentua os coreanos que vieram mais recente- a importância da manutenção dessa iden- .migrante l i b a n ê s n o interior d e u m a loja de roupas n o Saara. Rio d e J a n e i r o . 1996. A r q u i v o C I E C / U F R J . Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 199-212. jul/dez !997 - pá .209 9 E A tidade para que o Saara p e r m a n e ç a imu- será sempre dos imigrantes á r a b e s e j u - tável em sua forma original: "... mesmo deus. liosso nome e a maneira de fazer se um dia ficarmos em minoria, a Saara se p e r p e t u a r ã o " . N O T A S 1. A sigla SAARA corresponde à Sociedade de Amigos das A d j a c ê n c i a s da Rua da A l f â n d e g a , criada em 1962 por um grupo de comerciantes estabelecidos entre o q u a d r i l á t e r o formado pela avenida Presidente Vargas, p r a ç a da R e p ú b l i c a (Campo de Santana), rua Buenos Aires e rua dos Andradas, e as transversais av. Tome de Sousa, ruas Regente Feijó e G o n ç a l v e s Ledo, av. Passos e rua da C o n c e i ç ã o . O texto tratará como Saara o e s p a ç o g e o g r á f i c o que respeita os limites da a d m i n i s t r a ç ã o da Sociedade e a forma que, popularmente, este trecho da á r e a central do Rio ficou conhecido. 2. A h i s t ó r i a da i m i g r a ç ã o para o Rio de Janeiro é um assunto pouco explorado. Os trabalhos dos brasilianistas Clark Knowlton, Sírios e libaneses: mobilidade social e espacial. S ã o Paulo, Anhembi, 1960, e Jeff Lesser, Pawns of powerful: Jewish immigration to Brazil, 19041945, Mew York University, Ph.D. dissertation, 1989, s á o pioneiros e servem de r e f e r ê n c i a sobre o tema. 3. J a n a í n a Amado e Marieta de Morais Eerreira ( coords.). Usos Se abusos da história Janeiro, Editora da f u n d a ç ã o G e t ú l i o Vargas, 1996, pp. xiv-xv. 4. Maurice flalbwachs. A memória 1990, p. 36. 5. Em outubro de 1996 realizou-se, como um dos produtos finais do projeto, uma e x p o s i ç ã o no E s p a ç o Cultural dos Correios intitulada "Do tropical i n g l ê s ao blue jeans — e x p o s i ç ã o sobre a m e m ó r i a do Saara" que revelou a riqueza cultural e h i s t ó r i c a dessa r e g i ã o . A t r a v é s de p á g . 2 10, J u l / d e z 1997 coletiva, oral. Rio de S á o Paulo, V é r t i c e , Editora Revista dos Tribunais. V o objetos, fotos e documentos contou-se a trajetória dos imigrantes que ali se a l é m de v á r i o s aspectos do lugar, das ruas, de seu c o m é r c i o e cotidiano. estabeleceram 6. Roberto da Malta, Relativizando: 1981, p. 48. uma i n t r o d u ç ã o à antropoloqia social, P e t r ó p o l i s Vozes 7. O termo ' á r a b e ' é utilizado, no texto, para se referir aos imigrantes de origem síria e libanesa, de r e l i g i ã o cristã e m u ç u l m a n a , sem considerar o significado da identidade á r a b e para cada um destes grupos. 8. Susane Worcman (coord.). Heranças e lembranças: de Janeiro, ARI/CIEC/MIS, 1991, pp. 318-327. imigrantes judeus no Rio de Janeiro Rio Em hebraico as/i/cenaz/m significa os judeus oriundos de Ashkenaz'. A d e n o m i n a ç ã o é aplicada à q u e l e s que seguem a t r a d i ç ã o originária desta r e g i á o e que se dispersaram a t r a v é s dos tempos pela Europa Central e Oriental. O termo hebraico sefaradim significa natural de Sefarad. Hoje em dia, a d e n o m i n a ç ã o é usada em r e l a ç ã o aos judeus pertencentes à s comunidades orientais do Morte da África, Oriente Médio e M e d i t e r r â n e o . 9. Consultar Kathleen Meils Cozen et al., "The invention of ethnicity: a perspective from the USA", Journal of American Ethnic History, Fali 1992, p. 5. 10. Giralda Seyferth, "Etnicidade e grupo é t n i c o " , em Benedito Silva (coord.). Dicionário de ciências sociais da Fundação Qetúlio Vargas. Rio de Janeiro, Ed. FQV, Instituto de Document a ç ã o , 1986, pp. 436-437, 530-532. 11. Depoimento cie D e m é t r i o Habib, filho de imigrante l i b a n ê s estabelecido comercialmente no Saara. Ver Annabella Blyth, Cristalização espacial e identidade cultural: uma abordagem da h e r a n ç a urbana (o Saara na á r e a central da cidade do Rio de Janeiro), d i s s e r t a ç ã o de mestrado. Instituto de Q e o c i ê n c i a s da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991, v. 2, p. 124. 12. A n t ô n i o Pedro A l c â n t a r a (coord.). Estudo arquitetônico F u n d a ç ã o Roberto Marinho, s.d., 5 vols. do Saara, Rio de Janeiro, Banerj/ 13. Oswaldo M. S. Truzzi, De mascates a doutores: s í r i o s e libaneses em S ã o Paulo, S ã o Paulo, Editora S u m a r é / F A P E S P ; Brasília, CNPq. 1991, pp. 7-8. Sobre i m i g r a ç á o á r a b e para o Brasil, ver t a m b é m Clark S. Knowlton. op. cit.; Tanus J . Bastani, O Líbano e os libaneses no Brasil, Rio de Janeiro, Est. de Artes Gráficas, 1945; Jorge Safady, A imigração árabe no Brasil. S ã o Paulo, tese de doutorado apresentada à FFLCH da USP, 1972; Taufik Kurban, Os sírios e libaneses no Brasil, S ã o Paulo, Impressora Paulista Ltda., 1933; Berliet J ú n i o r , O romance de um imigrante: vida e obra de Gabriel Habib, Rio de Janeiro, 1988, s.n.t. 14. Osvaldo M. S. Truzzi, op.cit., p. 12. 15. Jeff H. Lesser, op. cit. 16. Depoimento de Ibrahim Belaciano, imigrante judeu l i b a n ê s que foi p r o p r i e t á r i o de loja no Saara. Susane Worcman, op.cit., pp. 49-50. 17. Sobre os judeus as/i/cenazim no Rio de Janeiro, na d é c a d a de 1930, ver Samuel Malamud, Recordando a praça Onze, Rio de Janeiro, Kosmos Ed., 1988. Sobre os judeus sefaradim no Rio de Janeiro quase n ã o há literatura especializada. 18. Helena Lewin, "A economia errante". C o m u n i c a ç ã o apresentada no s e m i n á r i o "O olhar judaico, perspectivas na cultura brasileira", promovido pela CIEC/UFRJ, entre 30 de agosto e I de setembro de 1989, pp. 6-7. Ver t a m b é m Jeff Lesser, Judeus são turcos que vendem à crédito: a v i s ã o da elite brasileira sobre judeus e á r a b e s , 1930-1945, s.n.t. o 19. Mohammed Elhajji. Espaços da etnicidade: estudo desenvolvido no contexto do projeto M e m ó r i a do Saara. Rio de Janeiro. 1994, digitado, pp. 123-124. 20. Mohammed Elhajji, op. cit., p. 130. "Os r e s p o n s á v e i s pela c r i a ç ã o da entidade j u r í d i c a e associativa SAARA sempre tentaram convencer que foi um puro acaso se uma tal denominaç ã o lembra o deserto e, por c o n s e q ü ê n c i a , um conjunto de c l i c h ê s e e s t e r e ó t i p o s relativos à imagem dos p a í s e s á r a b e s no i m a g i n á r i o ocidental... P o r é m , essa a r g u m e n t a ç ã o é realmente pouco p l a u s í v e l , j á que a t é a f o r m u l a ç ã o do nome fica pelo menos sintaticamente errada", pois o que deveria ser Sociedade dos Amigos da Rua da A l f â n d e g a e A d j a c ê n c i a s - SARA A passou a ser Sociedade dos Amigos e A d j a c ê n c i a s da Rua da A l f â n d e g a - SAARA, p. 134. 21. Sobre a i m i g r a ç ã o chinesa para o Brasil ver Juan Hung Hui, Chinos en América, Colección A m é r i c a , Crisol de Pueblos, Madrid, Editorial MAPFRE, 1992, pp. 127-131, 144 e 255; e Pedro Paulo Lomba, "A floresta dos chineses", Jornal do Brasil, 13.12.1995. Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 199-212. J u l / d e i 1997 - pag.211 A B S T R A C T This article focuses the "Saara', a traditional commercial space in downtown Rio de Janeiro, and shows its ethnic heterogeneity and peculiarity in the context of the city. Based on the memories of Syrian and Lebanese immigrants, established at the end of the 19* century, it describes the construction of a particular cultural identity. R É S U M É Cet article a pour but 1'étude du 'Saara', une r é g i o n traditionnelle de commerce au centre de la ville du Rio de Janeiro. II d é v o i l e son h é t é r o g é n é i t é ethnique et ses s p é c i f i c i t é s dans le contexte de cette r é g i o n . Prennant en c o n s i d é r a t i o n é t a b l i s à cette ville vers la fin du XIX' particulière. me les m é m o i r e s des immigrants Syriens et Libanaises, s i è c l e , il d é c r i t la construction d'une i d e n t i t é culturelle P E R F I L I N S T I T U C I O N A L IVIemorial do Imigrante Marco Antônio Xavier Historiógrafo e m u s e ó l o g o do Museu da Imigração. Pós-graduando do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. :morial do ImigranMemo cem suas origens e não valori- >rgáo vinculado zam as contribuições históricas O Departamento de • ao De Museus e Arquivos da Secreta e culturais dos imigrantes em São Paulo. ria de Estado da Cultura de Sáo Paulo, Instalado em um dos poucos edifícios foi criado em 6 de abril de 1998 com o centenários da cidade de São Paulo, o Mu- objetivo de reunir, preservar e expor a seu ocupa parte da antiga Hospedaria de d o c u m e n t a ç ã o , m e m ó r i a e objetos dos Imigrantes, um imponente complexo de que vieram para o Brasil em busca de prédios, construídos entre 1886 e 1888 e s p e r a n ç a s , aventuras, fortuna ou sim- no bairro do Brás, com a Finalidade de plesmente fugindo de uma situação difí- receber e encaminhar ao trabalho os imi- cil nas suas pátrias de origem. Ele é com- grantes trazidos pelo governo do esta- posto pelo Museu da Imigração, existen- do. Essa Hospedaria veio substituir a an- te desde 1993, pelo Centro de Pesquisa terior, que funcionava desde 1882 no e D o c u m e n t a ç ã o , Núcleo Histórico dos Bom Retiro, com capacidade para somen- Transportes e Núcleo de Estudos e Tradi- te quinhentas pessoas, e havia se torna- ções. A pedra angular desse complexo é do insalubre, em virtude das epidemias o Museu da I m i g r a ç ã o , comprometido de varíola e difteria que assolavam aque- com as novas g e r a ç õ e s que desconhe- le bairro. Com o aparecimento das pri- Acervo. Rio de Janeiro v. 10. n° 2. pp. 213-218. jul/dez 1997 - p á g . 2 1 3 E C A meiras indústrias o perfil da m ã o - d e - o b r a de trem. Desembarcavam numa e s t a ç ã o ganharia mais uma faceta, surgindo uma na própria Hospedaria e durante o tem- classe po de p e r m a n ê n c i a (máximo de oito dias) operária'numerosa, forte e combativa. contavam com alojamentos, Esse processo, conhecido como imigração massiva, j á ocorria desde a metade do século XIX, n ã o tendo, portanto, início com a abolição da escravatura, como se propala erroneamente. O fim da escravidão, na verdade, colocou em xeque refeições, serviços m é d i c o s e colocação em empregos. Eram atendidas cerca de t r ê s mil pessoas por vez e, em casos extremos, até oito mil. Findo o prazo, faziam nova viagem de trem a t é as fazendas no interior do estado ou aos n ú c l e o s coloniais. o sistema de trabalho nas fazendas, tor- Durante sua existência, a Hospedaria foi nando irreversível a necessidade de tra- t a m b é m utilizada para outros fins. Algu- balhadores para as emergentes planta- mas de suas d e p e n d ê n c i a s foram usadas, ç õ e s de café. De 1882 a 1978, passaram em 1924, pela Secretaria de S e g u r a n ç a por ali mais de sessenta nacionalidades Pública, como presídio de presos políti- e etnias, num total de mais de 2,5 m i - cos, devido aos conflitos ocorridos naque- l h õ e s de pessoas, todas devidamente le ano. Em 1932, foi usada novamente registradas em livros e listagens. A mai- pela Força Pública, como prisão para os oria delas teve transporte gratuito de 'getulistas'. no decorrer dessa d é c a d a so- seus p a í s e s de origem a t é os portos de freu reformas e m o d i f i c a ç õ e s , c o m a Santos e Rio de Janeiro; destas cidades construção de novos prédios. Em virtude até a capital paulista a viagem era feita da entrada do Brasil na Segunda Guerra Fachada do prédio principal e dos anexos. p á g . 2 1 4 , jul/dez 1997 Museu da Imigraçáo K Mundial, o Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS) deixa sob guarda, na Hospedaria, alguns imigrantes japoneses e a l e m ã e s , tidos como súditos do Eixo', que haviam sido retirados de suas propriedades O V no litoral (considerado como á r e a de segurança) e que seriam deslocados, posteriormente, para o interior do estado. Entre 1943 e 1951, o Ministério da Aeronáutica instala no edifício a Escola Técnica de Aviação. lia d é cada de 1950 novas obras s á o feitas nos edifícios. Em 1978, a Hospedaria deixa tivesse atuado dessa forma. O conjunto arquitetônico foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico (COIiDEPHAAT), em 6 de maio de 1982. A ' m u s e a l i z a ç á o ' dos e s p a ç o s da antiga Hospedaria é a melhor forma de preservar este patrimônio arquitetônico e cultural. Finalmente, em 1986, foi criado o Centro Histórico do Imigrante, responsável pela guarda de toda a d o c u m e n t a ç ã o oficial da Hospedaria. de atender aos imigrantes, e passa a ter O Museu da Imigração possui, pratica- a mesma função de assistência à popu- mente, todos os registros das pessoas lação brasileira, embora eventualmente, que passaram pela antiga Hospedaria. ou em casos de calamidade pública, j á São listas de bordo dos navios, livros de O s d o r m i t ó r i o s eram n a parte s u p e r i o r d o p r é d i o princlpai, a q u i mostrados c o m í . a n t i g a c u b í c u l o s para as famílias e catres articulados para solteiros. M u s e u d a I m i g r a ç ã o . Acervo. Rio de Janeiro, v . 10, n ° 2. pp. 213-218, jul/dez 1997 - p á g . 2 1 5 c registro de imigrantes patrocinados, car- tra de cada cultura que por ali passou, tas de chamada, processos de n ú c l e o s revelando o cotidiano daquelas pessoas. coloniais, além de documentos pessoais Ao mesmo tempo, está sendo levado adi- doados por alguns imigrantes e cerca de ante o projeto de história oral, preser- três mil fotografias. Esse acervo, de va- vando a m e m ó r i a dos imigrantes, que lor incalculável para a história e m e m ó - ainda e s t á presente e pronta a ensinar ria do estado de São Paulo, está parcial- novas formas de encarar a vida e enten- mente organizado. Dessa forma, o Mu- der o mundo. Trechos de depoimentos seu pode emitir certidões de desembar- c o m p õ e m um multimídia, de acesso d i - que, um documento fornecido gratuita- reto pelo p ú b l i c o , d a n d o u m a v i s ã o mente, em que constam o nome, idade e abrangente e variada das dificuldades e país de origem dos membros de cada alegrias vividas pelos imigrantes. Para família imigrante, bem como o nome do apoio ao trabalho, tanto de seus técni- navio e a data de sua chegada. Parte dos registros (22%) já se encontra informatizada e a busca por informações é feita em q u e s t ã o de segundos, mas para a maioria dos pedidos a consulta é feita manualmente (por um grupo de especialistas), o que n ã o impediu que tivessem sido emitidas, em 1997, cerca de três mil certidões, e este ano mais de cos como dos pesquisadores, o Museu possui uma biblioteca com cerca de t r ê s mil títulos, além de periódicos e hemeroteca, sobre imigração e assuntos correlatos. A á r e a de iconografia é responsável por fotografias originais, negativos e cópias de imagens que mostram vários momentos do cotidiano dos imigrantes, dos trabalhos na Hospedaria e da história e desenvolvimento da agricul- quatro mil. tura, indústria e urbanismo do estado. Desse aspecto, o Memorial atende ao p ú blico em geral, especialmente imigran- Funcionando à rua Visconde de Parnaíba, tes e seus descendentes, além da Polícia 1.316, de terça a domingo, das lOh à s Federal, Poder Judiciário, Cruz Vermelha 17h, o Memorial recebe visitas individu- Brasileira, consulados, pesquisadores e ais e de escolas, com entrada gratuita. estudantes de todos os níveis de ensino. Diversas OnQs e a c a d ê m i c o s de universidades estrangeiras têm t a m b é m naqueles documentos uma fonte de referência para seus trabalhos. O Museu conta com várias salas de exposição. A Exposição Permanente mos- tra todo o processo imigratório, desde a viagem, chegada na Hospedaria, ida para as fazendas e n ú c l e o s coloniais, a t é a Outra atividade permanente do Museu é integração do imigrante na sociedade. A o recolhimento de p e ç a s para o acervo, São Paulo Antiga simula uma rua da c i - doadas por famílias e comunidades de dade que era conhecida como da garoa', imigrantes. A intenção é ter uma amos- onde era chie fazer o footing p á g . 2 16, jul/dez 1997 olhando as O V K vitrines com as novidades de Paris. A Sala Imigratório e outra sobre a Greve Geral da tiavegação Anarquista de 1917, que podem ser soli- possui, atualmente, um globo com as principais rotas de imigra- citadas diretamente à diretoria. ção para S ã o Paulo. No futuro esta sala O Memorial é uma justa homenagem aos s e r á a réplica de um navio, simulando homens e mulheres que, com seus so- p a s s a d i ç o s , cordames e recintos, além nhos, vontade de vencer e muito traba- de conter r e p r o d u ç õ e s fotográficas. A lho, transformaram São Paulo e o Brasil. sala Ambientes da Hospedaria mostra as Os descendentes dessas pessoas e s t ã o atividades, ambientes e móveis da anti- em todos os lugares e em todas as ativi- ga Hospedaria de Imigrantes. dades. Cada esquina, cada fábrica, cada O Memorial possui t a m b é m jardins, pátio escola possui um pouco da cultura de vá- interno (restaurado), auditório, bonde, rios lugares do mundo... e todos, ao se duas locomotivas a vapor e estação fer- despedirem, mandam um 'tchau' (ciao). roviária. Conta ainda com duas exposi- mas poucos sabem que essa palavra é ç õ e s itinerantes, uma sobre o Processo uma singela saudação italiana. Refeitório d a Hospedaria. Museu da Imigração. Acervo. Rio de Janeiro, v. 10. „ • 2. pp. 213-218. jul/dez 1997 - a . 2 1 7 P 9 A The B S T R A C T Immigrant Memorial, institution linked to the Archives and Museums Department of the Culture State Secretariat of S ã o Paulo, was established in 1998 and aimed to reunite, preserve and expose the documentation, memory and objects from those who carne to Brazil. R É S U M É Le Memorial de 1'lmmigrant, organe l i é au D é p a r t e m e n t des M u s é e s et Archives, de Ia S e c r é t a i r e r i e de I' État de Ia Culture de S ã o Paulo, c r é é en 1998, objective reunir, p r é s e r v e r et exposer Ia documentation, m é m o i r e et objets des ceux qui sont venus au Brésil. P E R F I L I N S T I T U C I O N A L IVLuLseii e A r q u i v o H i s t ó r i c o i V W n i c i p a l de C a x i a s Jo S u l Juventino Dal .Bo Diretor do Museu e Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul. ITALIANOS NO RIO GRANDE DO SUL A com os donos da, terra, 'os brasileiros', forjam uma cultura original p r e s e n ç a de imigrantes italianos marcou profundamente a encosta su- que deu à r e g i ã o c a r a c t e r í s t i c a s marcantes. perior do nordeste do estado do Rio Gran- Os documentos que testemunharam esta de do Sul. Em levas sucessivas, a partir história s ã o conservados em muitos mu- de 1875, os despatriados, procedentes seus e arquivos de todas as pequenas ci- principalmente da região do Vêneto, no dades da região. O acervo maior, entre- norte da Itália, ocuparam e cultivaram a tanto, encontra-se no Museu e no Arqui- terra que tantos sonhos, temores e es- vo Histórico Municipal de Caxias do Sul. p e r a n ç a s lhes havia inspirado. MUSEU MUNICIPAL DE CAXIAS DO SUL A a d a p t a ç ã o a um novo mundo, a uma nova realidade, a convivência com imigrantes procedentes de diversas regiões da p r ó p r i a Itália ( v ê n e t o s , lombardos, trentinos etc.) e, com menor freqüência, Criado por ocasião do centenário da imigraçáo italiana no Rio Grande do Sul, o Museu abriu suas portas ao público no dia 2 de março de 1975. o contato com a l e m ã e s , poloneses, es- Com um acervo inicial de algumas cen- panhóis, portugueses e, principalmente, tenas de peças, reconstitui a trajetória Acervo, Rio de Janeiro, v. 10. n ° 2. pp. 2 19-222. j u l / d e * 1997 - pág.219 dos imigrantes: a partida da Itália, a longa d é c a d a s foi a mais destacada. viagem, o estabelecimento em lotes co- Embora n ã o e s q u e ç a das muitas etnias loniais, o trabalho com a terra, a reli- que c o n t r i b u í r a m para a f o r m a ç ã o da gião, o comércio, a indústria etc. região, a maior parte do seu acervo mostra a trajetória dos imigrantes italianos. Esse acervo, constantemente acrescido com novas d o a ç õ e s de toda a r e g i ã o , soma hoje mais de oito mil unidades. São p e ç a s simples, exemplificativas das que todos p o s s u í a m : o arado, a enxada, o baú de madeira, a m á q u i n a de costura, o lençol de linho, o balde de cobre, o alambique, o q u a d r o de Santo A n t ô n i o de P á d u a etc. Neste museu, os melhores monitores para acompanhar uma pessoa interessada nos costumes locais s ã o os velhos 'colonos' italianos que passaram grande parte de s u a s v i d a s c u i d a n d o do seu parreiral no interior do município. Preocupar-se c o m a c o n s e r v a ç ã o do acervo n ã o restringe o âmbito de a b r a n g ê n c i a do Museu. As a ç õ e s têm sido Com um acervo rico e diversificado, o orientadas no sentido de ultrapassar os Museu uma l i m i t e s das i n s t a l a ç õ e s . D i f u n d i r o a m b i ê n c i a das primeiras casas da região patrimônio cultural, promovendo exposi- (o Museu da Casa de Pedra); e está pla- ç õ e s t e m p o r á r i a s e itinerantes, concer- nejando o Museu da Uva e do Vinho, que tos, debates, cursos e p u b l i c a ç õ e s , s ã o m o s t r a r á p e ç a s relacionadas com a in- realizações que o m a n t é m em constante dústria vitivinícola, que durante algumas contato com o público. ramificou-se: montou A C a s a d e N e g ó c i o s d e V i c e n t e R o v e a ( f u n d a d a em 1890) p o s t e r i o r m e n t e s e d i o u o H o s p i t a l R o m o l o C a r b o n e e hoje é a sede d o A r q u i v o H i s t ó r i c o M u n i c i p a l . p á g . 2 2 0 , jul/dez 1997 V R O A R Q U I V O HISTÓRICO M U N I C I P A L pal e por empresas e instituições parti- C culares, famílias e indivíduos que teste- riado oficialmente em 5 de agosto de 1976. o Arquivo Hist ó r i c o trabalha em conjunto munham a evolução histórica da comunidade. com o Museu. Mão poderia ser de outra Além da documentação pública e parti- forma, pois a d o c u m e n t a ç ã o que o Ar- cular, o Arquivo possui hemeroteca e bi- quivo conserva complementa a que o blioteca de apoio, e dispensa especial Museu expõe. atenção à história oral e à iconografia da O Arquivo Histórico Municipal possui duas grandes linhas de trabalho: uma essencialmente técnica que diz respeito à sua natureza, enquanto arquivo, e outra que região. Além disso, conserva, preserva e restaura esse acervo, procedendo à sua guarda adequada e proporcionando acesso à pesquisa e consulta. o torna um ó r g ã o atuante junto à comu- A proximidade entre o Museu Municipal e nidade, efetuando o resgate da memória o Arquivo Histórico, garantida pela ad- histórica e da identidade cultural do mu- ministração comum, é fortalecida pelo nicípio. desenvolvimento de atividades conjuntas Dessa forma, para cumprir seu papel tais como: o recolhimento de acervo e, como instituição arquivística e órgão su- especialmente, atividades de divulgação. bordinado à Secretaria Municipal de Cul- Entre elas, a realização de exposições tura, recolhe, adquire e recebe através temporárias, utilizando ambos os acer- de d o a ç õ e s , o acervo arquivístico produ- vos, e a elaboração de boletins e publi- zido pela a d m i n i s t r a ç ã o pública munici- cações em geral. i m i g r a n t e s italianos exibem o p r o d u t o d e seu t r a b a i h o . C a r t ã o postal ed i t a d o . p e l a livraria S a l d a n h a . Caxias d o S u l , 1915. M Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n» 2. pp. 219-222. jul/dez 1997 - pág.221 A B S T R A C T Established during the first centennial celebration of Italian immigration in the state of Rio Qrande do Sul, the Museum and the Historical Archives of Caxias do Sul hold the biggest collection that is related to the chronicle of the Italian immigrants. R É S U M É Le M u s é e et les Archives Historiques de Caxias do Sul, c r é e s lors du centenaire de l'immigration italienne au Rio Qrande do Sul, abritent le plus grand patrimoine en p i è c e s et documents de cette ethnie. Malgré les diverses ethnies qui ont c o n t r i b u é par le d é v e l o p p e m e n t de la r é g i o n . Ia t h è m e de la plupart des documents est la trajectoire des immigrants Italiens. Fontes para Estudos da E n t r a d a de Estrangeiros e de Imigrantes no B r a s i l O Arquivo Macional tem sob sua de, profissão, instrução, porto de pro- guarda um volume considerá- cedência, destino etc, porém raramen- vel de documentos de grande te constando o local de nascimento). importância para o estudo do tema em b. Relações de passageiros de embar- questão. c a ç õ e s entradas nos portos de: Para pesquisas sobre entrada de imigran- Santos-SP (1894-1925, em fase de tes, e s t ã o disponíveis aos pesquisadores organização, 1926, 1930-1964 e 1974) vários conjuntos documentais, dentre os Recife-PE (1920-1922, 1924-1925, quais se destacam: 1930-1934, 1940-1959) a. R e l a ç õ e s de passageiros de embar- S ã o Francisco do Sul-SC (1928- c a ç õ e s entradas no porto do Rio de 1930) Janeiro, de 1875 a 1964 (com algu- Esperança-MS (1937, 1940-1948, mas lacunas), contendo: data da en- 1950- 1951) trada e nome da embarcação, porto de Florianópolis-SC(1939, 1951 e 1953) procedência e nomes dos passageiros (acompanhados, de modo geral, mas Uruguaiana-RS (1939-1942 e 1945) não necessariamente, de informações Salvador-BAi 1939-1942, 1945-1947, como idade, estado civil, nacionalida- 1951- 1953, 1957-1962) Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10, n ° 2. pp 223-228. j u l / d e z 1997 - pág.223 E C A Aquidauana-MS (janeiro/maio 1940) pedaria, o b s e r v a ç õ e s (nem sempre CorumbáMS essas informações figuram em todos ( 1 9 4 0 - 1 9 4 3 , 1945- 1954, 1957-1958, 1960-1964) os livros). Porto Murtinho-MS ( 1 9 4 1 - 1 9 4 3 , A d o c u m e n t a ç ã o e s t á organizada pelas 1946, 1950-1951, 1953-1955) datas de chegada. Para se localizar um Foz do I g u a ç u - F K nome, é preciso que o interessado infor- (1942-1950 e me: o porto de desembarque, o m ê s e o 1952) Guajara-Mirim-RO (1946-1948 e ano da chegada (se possível t a m b é m o 1951) dia) e o nome da e m b a r c a ç ã o . Belém-PA (1947-1949) A simples indicação de nome e data de Manaus-AM (1950-1964) nascimento ou de óbito n ã o é suficiente Paranaguá-PR (1952, 1956-1957 e para a r e c u p e r a ç ã o desses documentos, tornando inviável o atendimento por cor- 1961) r e s p o n d ê n c i a . Assim, para encontrar o c. R e l a ç õ e s de imigrantes desembarcados no porto do Rio de Janeiro, de m a r ç o de 1873 a outubro de 1875, da Inspetoria Geral das Terras e Col o n i z a ç ã o , contendo: data da entrada nome procurado, o interessado deverá vir ao Arquivo Nacional e efetuar a busca, que exigirá exame minucioso de grande quantidade de registros, geralmente manuscritos. e nome da e m b a r c a ç ã o , porto de procedência, nomes dos imigrantes, ida- Pio caso de estrangeiro que tenha chega- de, naturalidade, última r e s i d ê n c i a , do a providenciar registro de p e r m a n ê n - nacionalidade, religião, profissão e cia (obrigatório a partir da e d i ç ã o do de- destino (nem sempre essas informa- creto federal n° 3.010, de 20.8.1938), ç õ e s figuram em todas as listas). p o d e r ã o ser consultados os p r o n t u á r i o s de registro de estrangeiros, emitidos d. Registro de entrada de imigrantes nas hospedarias da ilha das Flores e do Pinheiro e registros da A g ê n - no período de 1938 a 1987, onde eventualmente s e r ã o encontradas informações de interesse. cia Central de Imigração, no Rio de Janeiro, estando disponíveis à consul- Esses documentos, procedentes da Polí- ta, atualmente, os períodos de janeiro cia Federal, e s t ã o organizados por esta- a julho de 1877 e de 1879 a 1932 (com do e n ú m e r o de prontuário. Portanto, é algumas lacunas), contendo: data da indispensável que o interessado informe: entrada e nome da e m b a r c a ç ã o , porto o nome da cidade onde o registro de es- de p r o c e d ê n c i a , nome do imigrante, trangeiro (RE, NR ou SRE) foi feito e o idade, estado civil, nacionalidade, pro- respectivo número. Tais dados constam da fissão, destino, data de saída da hos- carteira de identidade de estrangeiro. p á g . 2 2 4 . Jul/dez 1997 R V O De acordo com o art. 149 do decreto n° tanto, poderá encontrar subsídios sobre 3.010, os estrangeiros residentes em lo- imigração, ou fatos envolvendo estrangei- calidades do interior do país deveriam ros, em diversos outros conjuntos docu- registrar-se nas delegacias policiais, caso mentais, mas não de forma tão predomi- n ã o existisse nesses locais o Serviço de nante como naqueles a seguir discrimi- Registro de Estrangeiros. Assim, é possí- nados. O Guia acima referido está dispo- vel que se encontrem informações a esse nível, em meio eletrônico, aos usuários respeito em arquivos locais. que freqüentam a Seção de Consultas do Arquivo Nacional. Esse importante instru- O quadro a seguir, com dados extraídos mento de acesso foi desenvolvido pelos do Guia de fundos do Arquivo nacio- técnicos que atuam nas diversas s e ç õ e s nal, registra os principais fundos/coleções detentoras de acervo, sob a supervisão da relativos ao tema. O pesquisador, entre- Coordenação de Documentos Escritos. Principais F u n d o s / C o l e ç õ e s Documentais sobre a Temática sob a guarda do Arquivo Nacional Nome do 1 undo/C olet ã o Datas-Limlte Conteúdo C o m i s s ã o encarregada do desembarque e remoção para o interior dos imigrantes recém-chegados 1873-1875 Nomeação dos membros da Comissão. Instruções para funcionamento da Comissão. Lista de remessa de volumes aos agentes da Comissão em Barra do Piraí e Mendes. Relatórios com prestação de contas dos agentes da Comissão a seu tesoureiro. Departamento Nacional de Povoamento 1875-1932 Registro de imigrantes na hospedaria da ilha das Flores, Pinheiro e na Agência Central de Imigração, informando porto de saída, data de entrada, nome do imigrante, idade, estado civil, nacionalidade, profissão, religião, destino e data de saída. D i v i s ã o de P o l í c i a Marítima, A é r e a e de Fronteiras 1875-1974 Relações de passageiros de embarcações que chegaram aos portos brasileiros. Relações de aviões que aterrizaram em aeroportos de vários estados brasileiros. Fichas consulares de qualificação com nome, local e data de nascimento, filiação, profissão, número do passaporte, data do embarque e do desembarque, visto do cônsul e foto do imigrante. Documentos diversos de estrangeiros: cartão de embarque/desembarque de passageiros, fichas de qualificação, pedidos de visto, cartões de serviço de tripulantes marítimos, carteiras de identidade de estrangeiros, controles de entrada/saída de v ô o s e nacionalidades/número de pessoas a bordo, entre outros. A c e r v o . Rio de J a n e i r o , v. 10. n» 2. pp. 2 2 3 - 2 2 8 . j u l / d e i 1 Nome do F u n d o / C o l e ç ã o Datas-Llnüte Conteúdo Inspetorla Geral dos letras e Colonização 1817-1896 Autos de m e d i ç ã o e legitimação de terras. Traslados dos autos e cópias dos termos de medição. Memoriais de terrenos de colônias. Correspondência administrativa sobre demarcação de terras enviada por secretarias das presidências das províncias. C o m i s s ã o de Registro Qeral de Terras Públicas e Possuídas, Ministério da Querra e Inspetortas de Terras nas províncias ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e à Inspe torta Qeral das Terras e Colonização. Caderno de campo da C o m i s s ã o de Medição de Terras. Mapas de m e d i ç ã o de terras. Estatística da entrada de imigrantes no porto do Rio de Janeiro. Ofícios sobre colonização. Correspondência sobre colonos dirigida ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Cartas e recibos de despesas da Agência Oficial de Colonização. Relações de imigrantes. Instruções sobre levantamento da carta geológica do Brasil. Polícia da Corte 1808-1880 Matrícula de e m b a r c a ç õ e s de frete empregadas no serviço da baía do Rio de Janeiro. Autos de visitas a navios entrados no porto do Rio de Janeiro. Matrículas de estrangeiros. Apresentação e legitimação de passaportes. S é r i e Agricultura - Terras P ú b l i c a s e C o l o n i z a ç ã o (IA6) 1819-1890 Memorial sobre m e d i ç ã o de terras pela Inspe torta Qeral de Medições das Terras Públicas. Registro de despesas das colônias do governo e de ofícios enviados ao ministro pela Agência Oficial de Colonização, relativos a imigrantes. Relação das famílias espanholas imigrantes acampadas ao lado do Forte de Santa Teresa. Correspondência da Inspetoria Qeral das Terras e Colonização com o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas sobre p e r m i s s ã o para assentamento de colonos, localização de trabalhadores nacionais e estrangeiros em várias províncias, pagamento feito pelo Lloyd Brasileiro ao ministro da Agricultura, por passagens dadas a imigrantes para estados do Sul. Registro de dívidas do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas com o Lloyd Brasileiro, referentes a passagens de imigrantes para várias províncias. Memoriais de m e d i ç ã o de terras. Mapas nominais de colonos a l e m ã e s vindos para o Brasil. Correspondência do Ministério dos N e g ó c i o s do Império com o dos Negócios e Estrangeiros, relativa a colonos. Mapas de m e d i ç ã o de terras em várias províncias. Solicitações de terras em várias províncias e de pagamento de passagens de imigrantes vindos de diversos locais. Relação dos colonos devedores ao Estado, com a especificação da dívida. p á g . 2 2 6 . Jul/dez 1997 V R O Nome do F u n d o / C o l e ç ã o Datas-Limite Conteúdo S é r i e Interior - Estrangeiros: Visto - E x p u l s ã o - P e r m a n ê n c i a (UJ7) 1851-1947 Boletins relativos à Seção de Permanência e Expulsão de Estrangeiros. Estatísticas dos trabalhos realizados pela Divisão de Justiça e pela Divisão do Interior para o Departamento do Interior e da Justiça. índice de registro de expulsão de estrangeiros. Processos de pedidos de visto de permanência no Brasil. Questionários submetidos pelas c o m i s s õ e s estaduais de permanência a seus municípios sobre entrada e permanência de estrangeiros. Processos de expulsão de estrangeiros. Protocolos de requerimentos de autorização para a permanência de estrangeiros no Brasil. S é r i e Interior - Nacionalidades 1823-1949 (UJ6) Livros de registro de cartas de naturalização do século XIX, constando o nome do requerente, a nacionalidade e a quantia paga. índices do livro de termos de naturalização (juramentos). Processos de naturalização dirtgidos ao Ministério do Império e posteriormente ao Ministério da Justiça e n e g ó c i o s Interiores, compostos de requisição do interessado, atestado de boa conduta e de residência, cartas de recomendação, certidão de casamento e certidão negativa extraída nas pretorias criminais e distritos policiais. Livros de registro com declarações de aceite ou de recusa da nacionalidade brasileira de acordo com o decreto de 15/12/1889. A partir de 1930, processos de naturalização com requerimentos de estrangeiros ou das empresas em que trabalhavam. Atestado da Delegacia de Ordem Política e Social e título declaratório de naturalização. Avisos do Ministério das Relações Exteriores sobre consultas referentes a mudanças de nacionalidade e regras para aquisição de nacionalidade italiana. índice de recibos de título declaratório. Decretos e portarias de naturalização. Processos de perda da nacionalidade brasileira por adoção de outra nacionalidade. S e r v i ç o de Polícia Marítima, A é r e a e de Fronteiras Alagoas 1959-1985 Amapá 1979-1985 Amazonas 1939-1987 Bahia Ceará Prontuários de registro de estrangeiros 1939-1986 1939-1986 Distrito Federal 1968- 1984 E s p í r i t o Santo 1942-1986 Goiás 1969- 1987 Maranhão 1939-1988 Mato Grosso 1979-1987 Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n° 2. pp. 223-228. j u l / d e * 1997 - pag.227 Nome do F u n d o / C o l e ç ã o Datas-Limite Conteúdo Mato Grosso do Sul 1939-1983 Prontuários de registro de estrangeiros Minas Gerais 1938-1981 Pará 1939-1975 Paraíba 19*0-1987 Paraná 1939-1984 Pernambuco 1938-1986 Piauí 1962-1986 Rio de Janeiro 1939-1986 Rio de Janeiro (Niterói) 1939-1977 Rio Grande do Norte 1938-1987 Rio Grande do Sul 1938-1983 Rondônia 1939-1986 Roraima 1968-1986 Santa Catarina 1939-1984 S ã o Paulo 1939-1955 S ã o Paulo (Santos)* 1878-1986 Sergipe 1938-1984 Sociedade Colonlzadora 1878-1947 Hanseática Publicações sobre o centenário da Colônia Hanseática, títulos de c o n c e s s ã o de terras, recibos de compra e transferência de lotes e mapas de loteamento relativos à coloni2ação a l e m ã em Santa Catarina. A maior parcela do acervo é referente à Colônia d. Francisca. (*) O fundo SFMAT/SP (Santos) compreende t a m b é m relação de entrada e saída de passageiros no porto. A B S T R A C T This article presents the documental sources of National Archives for the studies of the entrance of foreigners and immigrants in Brazil. R E S U M E Cet article a por but p r é s e n t e r les sources de documentation des Archives Nationaux pour les é t u d e s de 1' e n t r é e des é t r a n g e r s et des immigrants au Brésil. B I B L I O AQUILAR, Luís Cláudio. Organización G R social y jurídica A F I A de los inmigrantes espaholes en el Brasil. 2 vol., tesis, Facultad de Derecho, Universidad de Salamanca, 1986. ALVIM, Zuleika M. Forcioni. Brava gente! Os italianos em São Paulo, 1870-1920. São Paulo: Brasiliense, 1986. AZEVEDO, Tales de. Italianos e gaúchos: os anos pioneiros da imigração italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: A Nação/Instituto Estadual do Livro - DAC/SEC, 1975, p. 225. Acervo. Rio de J a n e i r o , v. 10. n ° 2. pp. 229-237. jul/dez 1997 - pág.229 E C A . Emigração, família e luta: os italianos em São Paulo, 1870-1920. 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Carla Brandalise Elena Pájaro Pere^ ^; Fernando Teixeira da Silva Gladys Sabina Ribeiro Helga Iracema Landgraf Picc Juventino Dal Bó Lená Medeiros de Menezes Lúcia Maria Paschoal Guimarães Marco Antônio Xavier Maria Antonieta de Toledo Ribeiro Bastos Maria Manuela R. de Sousa Silva Maria Luiza Tucci Carneiro •r k Paula Ribeiro Walter F. Piazza J I G R A MIMSTtRIO DA JUSTIÇA ARQUIVO NACIONAL Ç