LAÇOS DE SANGUE papel primordial na composição étnica e identitária da população brasileira. Baseando-se no uso do idioma comum e em pressupostos de afinidade de cultura e raça, o legislador privilegiou o português em vários aspectos, de regras imigratórias a leis laborais, de povoamento e naturalização. Directivas consulares, por sua vez, procuraram facilitar a concessão de vistos permanentes e promover a sua imigração para o país. De modo explícito ou indirecto, seis das sete Constituições brasileiras favoreceram o português, inclusive a Constituição Federal de 1988, em vigor, que atribui ao cidadão de Portugal e de países lusófonos condições especiais para obter a naturalidade brasileira e exercer direitos políticos. Essa recorrência ao antigo colonizador não encontra paralelo no direito comparado dos Estados do continente americano. A história da cidadania no Brasil tem, assim, um capítulo à parte que versa directamente sobre os portugueses após a Independência, e de como as noções de afinidade e inclusão/exclusão daquele grupo nacional foram tratadas pelo legislador. O Brasil é um caso único de ex-colónia que atraiu cerca de 90% dos imigrantes que partiram da ex-metrópole europeia, tal como se deu com o fluxo humano originário de Portugal na segunda metade do século XIX e início do XX. Nos movimentos migratórios transoceânicos do período, as correntes nacionais espalharam-se por diversos países receptores, a exemplo dos espanhóis e britânicos, ou dirigiram-se maioritariamente para os Estados Unidos, como fizeram todas as outras nacionalidades, à excepção da portuguesa. Os portugueses constituíram o grupo europeu mais numeroso que se destinou para o Brasil independente, perfazendo um total estimado em cerca de 1,9 milhão de pessoas aportadas entre 1822 e 1945. Tiveram também a mais ampla difusão geográfica, entre os estrangeiros fixados no país. Num tempo em que se ofereciam subsídios para imigrantes, os portugueses detiveram a menor proporção de passagens subvencionadas pelo poder público ou por particulares, perfazendo o caso mais significativo de imigração espontânea no Brasil. Formaram, ainda, a corrente imigratória de mais longa ocorrência. A sua vinda, pequena nas primeiras décadas após a Independência, avolumou-se durante o Império e atingiu o apogeu na Primeira República, integrando a maciça transferência de europeus para a América ocorrida na época. Motivações económicas dos dois lados do Atlântico contribuíram para este quadro, relacionado com uma era de expansão de capitais e oportunidades. É importante frisar que as migrações são aqui compreendidas como um fenómeno manifesto nos instantes de crise económica e social, mas também além deles, configurando nos últimos dois séculos um padrão de movimento demográfico 21