1. INTRODUÇÃO O sistema nacional de saúde ao longo dos anos deu cumprimento ao princípio da universalidade da cobertura geográfica da prestação de cuidados. O Serviço Nacional de Saúde desenvolveu-se com a preocupação da acessibilidade aos serviços, da rede de referenciação, da qualidade, e da implementação de programas prioritários que melhor respondessem aos grupos de risco, entre outras. O planeamento em saúde não pode ser conduzido apenas com base na prestação de cuidados, mas sim articulado com o planeamento de base populacional. Esta opção torna imprescindível identificar os determinantes de saúde, nomeadamente os susceptíveis de modificação. Sabendo que nem sempre as necessidades expressas na procura de serviços de saúde são sobreponíveis às necessidades sentidas pela população e aos seus principais problemas de saúde, o planeamento pretende identificar prioridades, melhorar os indicadores de saúde na óptica da rentabilização dos recursos existentes. Este documento faz a análise da informação disponível relativa à região Norte, nas áreas da demografia, da mortalidade e da morbilidade. Inclui capítulos específicos sobre as doenças infecciosas, das quais se destacam a infecção pelo VIH e a tuberculose, as doenças profissionais e determinantes da saúde, que correspondem a áreas privilegiadas de intervenção em saúde pública no momento actual. Pretende este documento ser um instrumento de apoio ao planeamento em saúde. Não ambiciona fazer o completo diagnóstico da situação da população desta região, sendo apenas um contributo para o início de um processo que se pretende contínuo e dinâmico. Parafraseando o Prof. Correia de Campos (1), a saúde tem um custo de um valor sem preço, devemos verificar se há proporcionalidade na correspondência entre os custos e os ganhos em saúde para as populações, pelo que urge medir para mudar. 2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1. Organização do documento A decisão sobre a estrutura e organização deste documento teve em consideração os constrangimentos decorrentes dos dados disponíveis e a necessidade de conferir um sentido e uma sequência lógicos aos problemas a abordar. Os indicadores de saúde que se utilizaram abordam a Saúde na sua perspectiva negativa, pelo facto de não se encontrarem disponíveis indicadores de bem-estar. Optámos por iniciar o documento com um capítulo sobre indicadores demográficos para que fosse possível aos leitores contextualizar-se na dimensão geodemográfica da região. Recorremos, em seguida, a uma descrição e análise de indicadores de mortalidade, nos seus componentes de mortalidade geral e mortalidade infantil. No capítulo da mortalidade e morbilidade e dada a escassez de dados de morbilidade, apresentam-se, sobretudo dados de mortalidade. Dentro da mortalidade, analisam-se as taxas de mortalidade específicas, dando-se um particular relevo às doenças oncológicas. No capítulo das doenças infecciosas incluímos um sub-capítulo sobre Doenças Transmissíveis de Declaração Obrigatória e, pela importância que assumem tanto a nível nacional como regional, dois sub-capítulos sobre infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana e sobre tuberculose. Optámos por incluir neste capítulo os resultados da aplicação do Programa Nacional de Vacinação na região pelo impacto que sabemos terem sobre as doenças infecciosas preveníveis pela vacinação. Pela importância que o ambiente de trabalho assume no padrão de morbilidade, são também apresentados, em capítulo próprio, os dados relativos às doenças profissionais. A necessidade de conhecer a distribuição de alguns factores determinantes da saúde, passíveis de intervenção, justificou a inclusão de alguns dados disponíveis em capítulo próprio. Procurámos integrar o conjunto da informação apresentada ao longo do documento num capítulo que designámos “Comentários finais”, no qual não se pretende tirar conclusões mas apenas destacar os aspectos mais importantes. Este documento não esgota o diagnóstico da situação de saúde da população da região, é apenas o início de um processo que se pretende dinâmico. 2. 2. Origem dos Dados As fontes utilizadas para a elaboração deste documento foram diferentes consoante os problemas abordados. Os dados cuja fonte foi o Instituto Nacional de Estatística (INE) foram obtidos através da consulta do seu sítio na internet (http://www.ine.pt/). Os dados sobre óbitos cuja fonte foi a Direcção-Geral da Saúde (DGS) foram obtidos por consulta das seguintes publicações: Risco de Morrer em Portugal 2000 (2), Risco de Morrer em Portugal 2001 (3), Risco de Morrer em Portugal 2002 (4, 5), Natalidade, Mortalidade Infantil Fetal e Perinatal 1999/2003 (6). Os dados sobre internamentos hospitalares foram cedidos pelo Gabinete de Estatística e Planeamento da Administração Regional de Saúde do Norte. Os dados sobre Doenças Transmissíveis de Declaração Obrigatória (DDO) tiveram como origem os dados estatísticos do sistema de informação da Direcção de Serviços de Informação e Análise da Direcção-Geral da Saúde. O diagnóstico da situação relativo à infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) foi elaborado com base nos dados fornecidos pelo Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis (CVEDT) do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Os dados sobre tuberculose tiveram como origem o Sistema de Informação Intrínseco do Programa Nacional de luta contra a Tuberculose (SVIG-TB), da Direcção-Geral da Saúde. Para a avaliação do Programa Nacional de Vacinação (PNV) foram utilizados os dados das fichas individuais de vacinação dos inscritos em todas as unidades de saúde de cada uma das sub-regiões, e analisados no Centro Regional de Saúde Pública do Norte (CRSPN). A informação sobre doenças profissionais foi obtida através das comunicações relativas aos casos confirmados de doenças profissionais e enviadas para o Centro Regional de Saúde Pública do Norte pelo Centro Nacional de Prevenção de Riscos Profissionais. Também se recorreu à pesquisa de trabalhos realizados em grupos específicos da população, particularmente aos dados do Inquérito Nacional de Saúde (INS) (7, 8), para obter informação sobre dados que não são recolhidos de forma sistemática por rotina. 2. 3. Definição de Conceitos A unidade geográfica Norte tal como é definida pelo INE (NUT) difere da Região de Saúde do Norte. Esta última não inclui 18 concelhos que estão integrados no NUT-Norte (quadro 1). Quadro 1 – Concelhos da Unidade Territorial Norte não integrados na Região de Saúde do Norte NUT III Grande Porto Tâmega Entre Douro e Vouga Douro Concelhos não integrados na Região de Saúde do Norte Espinho Castelo de Paiva Cinfães Resende Arouca Santa Maria da Feira Oliveira de Azeméis São João da Madeira Vale de Cambra Armamar Lamego Moimenta da Beira Penedono São João da Pesqueira Sernancelhe Tabuaço Tarouca Vila Nova de Foz Côa Nota: Todos os concelhos das NUT III Minho Lima, Cávado e Ave estão integrados na Região de Saúde do Norte. Esta diferença dificulta a análise dos resultados que o INE disponibiliza sem desagregação por concelho, não permitindo o cálculo dos resultados para a Região de Saúde do Norte. Dado que a diferença é de apenas 18 concelhos, os dados referentes à Unidade Territorial, na sua generalidade, poderão ser considerados bons indicadores para a Região de Saúde do Norte. Neste trabalho, para facilitar a compreensão dos resultados apresentados, utilizamos a denominação “Região Norte” sempre que os resultados forem referentes aos concelhos que integram a Região de Saúde do Norte. Quando os dados se referem a uma área diferente da definida a mesma será especificada. Saldo fisiológico ou Saldo natural ou Excedente de vidas Diferença entre o número de nados vivos e o número de óbitos, num dado período de tempo. Formula: SN(0,t) = NV(0,t) - Ob(0,t); NV(0,t) - Nados vivos entre os momentos 0 e t; Ob(0,t) - Óbitos entre os momentos 0 e t Variação populacional ou Crescimento efectivo da população Diferença entre os efectivos populacionais em dois momentos do tempo (habitualmente dois fins de ano consecutivos). A variação populacional pode ser calculada pela soma algébrica do saldo natural e do saldo migratório. Formula: VP = P(t)-P(0) P(t) - População no momento t; P(0) - População no momento 0. População estrangeira com estatuto legal de residente Os dados referem-se, na generalidade, aos pedidos e não às concessões, devido ao facto de os dados sobre pedidos estarem mais actualizados do que os referentes às concessões. O movimento do ano refere-se apenas às pessoas que solicitaram, pela 1ª vez, uma autorização ou título de residência. Índice de dependência de idosos (IDI) Relação entre a população idosa e a população em idade activa, definida como o quociente entre o número de pessoas com 65 ou mais anos e o número de pessoas com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos. Formula: IDI = [(P(65,+) / P(15,64))] * 10^ n; P(65,+) - População com 65 ou mais anos; P(15,64) - População com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos. Índice de dependência de jovens (IDJ) Relação entre a população jovem e a população em idade activa, definida como o quociente entre o número de pessoas com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos e o número de pessoas com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos. Formula: IDJ = [P(0,14) / P(15,64)] * 10^ n ; P(0,14) - População com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos; P(15,64) - População com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos. Índice de dependência total (IDT) Relação entre a população jovem e idosa e a população em idade activa, definida como o quociente entre o número de pessoas com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos conjuntamente com as pessoas com 65 ou mais anos e o número de pessoas com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos. Formula: IDT = [[P(0,14) + P(65,+)] / P(15,64)] * 10^ n ; Índice de envelhecimento (IE) Relação entre a população idosa e a população jovem, definida como o quociente entre o número de pessoas com 65 ou mais anos e o número de pessoas com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos. Formula: IE = [(P(65,+) / P(0,14)] * 10^n ; P(65,+) - População com 65 ou mais anos; P(0,14) - População com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos. Gravidez na Adolescência e Gravidez Tardia Segundo a idade da mãe à data do parto, definiu-se gravidez na adolescência quando a idade era menor ou igual a 19 anos e gravidez tardia quando a idade era superior aos 39 anos. Nado vivo Produto da fecundação que após a expulsão ou extracção completa do corpo materno, independentemente da duração da gravidez, do corte do cordão umbilical e da retenção da placenta, respira ou manifesta sinais de vida, tais como pulsações do coração ou do cordão umbilical ou contracções efectivas de qualquer músculo sujeito à acção da vontade. Taxa de natalidade Número de nados vivos ocorridos durante um ano civil, referido à população média desse período (expressa em número de nados vivos por 1000 habitantes). Formula: TN = [NV(0,t) / [(P(0) + P(t))/2]] * 10^n ; NV(0,t) - Nados-vivos entre os momentos 0 e t; P(0) - População no momento 0; P(t) - População no momento t. Taxas de mortalidade específicas As taxas de mortalidade específica por cada uma das causas de morte (c), por região (d), por sexo (s) e idade (i). Formula: TAXcdsi = Obcdsi / Pdsi Obcdsi - número de óbitos ocasionados pela causa (c), na região (d), no sexo (s) e no grupo etário (i). Pdsi - estimativa da população residente em 30 de Junho do ano a que se refere a taxa, na região (d), no sexo (s) e no grupo etário (i.) Taxa de mortalidade infantil Número de óbitos de crianças com menos de 1 ano de idade observado durante um ano civil, referido ao número de nados vivos do mesmo período (expressa em número de óbitos de crianças com menos de 1 ano por 1000 nados vivos). Taxa de mortalidade perinatal Número de óbitos fetais de 28 ou mais semanas de gestação e óbitos de nados vivos com menos de 7 dias de idade observado durante um ano civil, referido ao número de nados vivos e fetos mortos de 28 ou mais semanas do mesmo período (expressa em número de óbitos fetais de 28 ou mais semanas e óbitos de nados vivos com menos de 7 dias de idade por 1000 nados vivos e fetos mortos de 28 ou mais semanas). Taxa de mortalidade fetal tardia Número de fetos mortos de 28 ou mais semanas observado durante um ano civil, referido ao número de nados vivos e fetos mortos de 28 ou mais semanas do mesmo período (expressa em número de fetos mortos de 28 ou mais semanas por 1000 nados vivos e fetos mortos de 28 ou mais semanas). Taxa de mortalidade neonatal Número de óbitos de crianças com menos de 28 dias de idade observado durante um ano civil, referido ao número de nados vivos do mesmo período (expressa em número de óbitos de crianças com menos de 28 dias de idade por 1000 nados vivos). Taxa de mortalidade neonatal precoce Número de óbitos de crianças com menos de 7 dias de idade observado durante um ano civil, referido ao número de nados vivos do mesmo período (expressa em número de óbitos de crianças com menos de 7 dias de idade por 1000 nados vivos). Taxa de mortalidade pós-neonatal Número de óbitos de crianças com mais de 27 dias e menos de um ano de idade observado durante um ano civil, referido ao número de nados vivos do mesmo período (expressa em número de óbitos de crianças com mais de 27 dias e menos de um ano de idade por 1000 nados vivos). Taxas de mortalidade padronizadas pela idade Método directo de padronização Aplicação das taxas específicas de mortalidade por idades, de cada uma das regiões, a uma população padrão, cuja composição etária é fixa, distribuindo-se pelos mesmos grupos etários das taxas específicas. Formulas: CESPdsi = TAXdsi × PPi CESPdsi - número de óbitos esperados na região (d), no sexo (s) e no grupo etário (i). TAXdsi - como definido atrás PPi - efectivo da população-padrão no grupo etário (i), no sexo (s). A taxa de mortalidade padronizada obtém-se: TAXPds = CESPdsi / PPi i i TAXPds - taxa de mortalidade padronizada na região (d) e no sexo (s) CESPdsi - número de óbitos esperados na região (d) e no sexo (s) i PPi - número de indivíduos da população-padrão i Para o cálculo das taxas de mortalidade padronizadas utiliza-se uma população-padrão artificial com o objectivo de eliminar o efeito da idade, servem, exclusivamente, para fazer comparações entre regiões. Escolheu-se a populaçãopadrão europeia (IARC, Lyon 1976). Quadro 2 – Estrutura e composição da população-padrão europeia (IARC, Lyon 1976) Grupos etário (anos) Número de Indivíduos Grupos etário (anos) Número de Indivíduos 1600 35-44 14000 01-04 6400 45-54 14000 05-14 14000 55-64 11000 15-24 14000 65-74 7000 25-34 Total = 100.000 14000 >=75 4000 <01 Razões padronizadas de mortalidade (RPM) As razões padronizadas de mortalidade foram calculadas utilizando o método indirecto de padronização. Formula: RPM = O/E O - óbitos observados E - óbitos esperados Os óbitos esperados são calculados aplicando a taxa de mortalidade específicas por grupo etário da população portuguesa, à população de cada região, também distribuída pelos mesmos grupos etários. O número de óbitos esperados para cada região obtém-se pelo somatório dos óbitos esperados em cada grupo etário. Anos potenciais de vida perdidos (APVP) Através do cálculo do número de anos potenciais de vida perdidos pretende-se fazer a análise de mortalidade precoce ou prematura. O cálculo foi realizado até aos 70 anos de idade e sem se lhes retirar os acontecidos no primeiro ano de vida. Formula: AVPP = Oi × Ai i Oi - número de óbitos no grupo etário (i) Ai - número de anos de vida entre a idade média do grupo etário em que ocorreu o óbito e os 70 anos.