“A PREENCHER CABALMENTE OS FINS A QUE FOI CREADA”: FORMULAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DA CAIXA ESCOLAR EM MINAS GERAIS (1879-1911) BAHIENSE, Priscilla Nogueira – FAPEMIG GEPHE –Faculdade de Educação/UFMG [email protected] A infância de hoje, que é a nossa esperança de amanhã, precisa que lhe facultemos todas as facilidades possíveis para sua educação intelectual, cultural e física. Toda atividade conducente á disseminação dessa prática, é elevada e digna de ser imitada1. Dessa forma era vista a infância no princípio da década de dez no Estado de Minas Gerais: o lugar próprio para o investimento no futuro da nação, que ainda buscava se adequar ao novo ordenamento político e social impostos pelo regime republicano. A infância, sobretudo a infância pobre, deveria receber investimentos do governo, que por sua vez, buscava normalizar, moralizar, educar e higienizar a sociedade. Com isso, de acordo com Sônia Câmara, buscava-se colocar a infância pobre como “plataforma privilegiada de retórica e de ação, galvanizando propostas direcionadas a categorizá-la ao mesmo tempo em que se regulamentavam e fiscalizavam seus fazeres e suas formas de vida cotidiana vistas como anti-higiênica, ‘desregrada’ e ‘condenável’”2. Várias foram as iniciativas estatais que deram maior atenção à infância pobre, estas faziam uso de caridade, filantropia e assistência. Dessa forma, os institutos, associações e ligas profiláticas, que buscavam promover meios de proteger e tratar a infância pobre se avolumaram entre os anos de 1910 e 1920. Entre essas iniciativas, se localizavam as Caixas Escolares que, presentes nas escolas mineiras desde o final do século XIX, se constituíram como um dispositivo para fomentar a frequência escolar, seja por meio de auxílios aos alunos pobres, premiação aos assíduos e até mesmo, por meio da compra de materias básicos para o funcionamento das escolas. Será privilegiada neste trabalho a análise das diferentes configurações que as caixas escolares tiveram ao longo dos séc. XIX e XX, para tanto, se faz necessário demonstrar as modificações ocorridas na sua regulamentação e as implicações em seu funcionamento durante as primeiras décadas de sua instituição. Com o primeiro regulamento datado de 1879, em 1911 as caixas escolares se tornaram obrigatórias nos grupos escolares mineiros e facultativas nas escolas isoladas estabelecimentos de ensino que recebiam o maior número de alunos no período - que seriam paulatinamente substituídas pelo modelo de ensino instituído pela Lei 439 de 28 de setembro de 1906, comumente conhecida como Lei João Pinheiro. De acordo com o funcionamento prescrito das caixas escolares, considero ser possível entendê-las, como uma instituição que tem uma dimensão filantrópica, para tanto, utilizo a definição de Maria Luiza Marcílio do termo filantropia: O termo ‘filantropia’ é ambíguo. Como designação genérica, qualifica o conjunto de obras sociais, caritativas e humanitárias de iniciativa privada, quer sejam confessionais ou não. No sentido específico, são chamadas filantrópicas – em oposição ás fundações religiosas – as obras pluralistas, as obras neutras ou interconfessionais, sem finalidade missionária3. As caixas escolares, porém, são entendidas nesse trabalho como uma instituição que, a partir de sua dupla dimensão: assistência e premiação. Sendo assim, uma das questões que norteia essa investigação, é analisar se as caixas escolares representaram um dispositivo de legitimação dos Grupos Escolares, uma vez que estas eram instituições obrigatórias nos grupos escolares e com presença facultativa nas escolas isoladas. Entendo dispositivo a partir do uso que Foucault (1981) faz desse termo. Para o autor dispositivo significa: Em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos. Em segundo lugar (...), tal discurso pode aparecer como programa de uma instituição ou, ao contrário, como elemento que permite justificar e mascarar uma prática que permanece muda; pode ainda funcionar como reinterpretação desta prática, dando-lhe acesso a um novo campo de racionalidade. (...). Em terceiro lugar, entendo dispositivo como um tipo de formação que, em um determinado momento histórico, teve como função principal responder a uma urgência4. Cabe, portanto, chamar atenção ao projeto de universalização do ensino em Minas Gerais, presente na Lei 439 de 1906, conhecida como Lei João Pinheiro, cujo projeto se traduzia na legitimação do grupo escolar como instituição que atenderia a diversidade dos grupos sociais, tendo as caixas escolares, como auxiliadora, não apenas dos alunos, mas de um projeto do governo mineiro. A Caixa Escolar no Regulamento do decreto n. 84 de 1879 Apesar de uma ênfase muito grande dada pelo governo ao Regulamento da Instrução Pública de 1911 baixado pelo decreto n. 3.191, as caixas escolares já constavam na legislação mineira desde o último quartel do século XIX, por meio do Capitulo 4º do Regulamento n. 84, de 21 de março de 1879. Tal regulamento deliberou, no art. 51, que fosse criada em cada paróquia uma Caixa Beneficente Escolar, com o objetivo de “socorrer os meninos indigentes, proporcionando-lhes os meios de aprender, e, outrossim, para adquirir a mobília necessária à escola, e fornecer livros e utensílios aos alunos pobres”5. O dinheiro que manteria a instituição seria advindo das multas que, o regulamento imporia às paróquias. Também seriam fonte de renda as doações feitas em favor do ensino público e das subscrições e das quotas, que “em auxílio das mesmas caixas, fossem consignadas no orçamento provincial e municipal”. Seu regulamento previa ainda um tesoureiro, que escolhido pelo conselho paroquial, deveria prestar “contas da receita e despesa, e responderá por qualquer desvio ou indevida aplicação das quantias entradas”. Ainda no regulamento n. 84 e também no capítulo 4°, cujo título é Caixas Escolares, há ainda as Caixas Econômicas Escolares, que apresentam um objetivo diferente das primeiras, embora eu considere que ambas concorriam para a civilidade e (con)formação dos comportamentos das crianças, fossem elas pobres ou não. O art. 53 determinava que houvesse uma caixa econômica em cada escola, e seu funcionamento deveria ocorrer, de acordo com as prescrições contidas no: §1.° Nos sábados de cada semana, o professor, explicando as vantagens da economia, receberá dos alunos as pequenas quantias que lhe derem seus pais ou educadores. §2.° O tesoureiro do conselho paroquial enviará a importância das entradas, com as indicações precisas, à caixa econômica da capital6. Diante dos objetivos e forma de funcionamento, caixas escolares e caixas econômicas escolares se diferem uma vez que a primeira busca meios para promover o funcionamento das escolas, seja por meio do mobiliário necessário, pelos materiais didáticos ou pela assistência prestada aos alunos que não teriam condição de manter seus estudos. As caixas econômicas escolares, por sua vez, deveriam corroborar para formar cidadãos previdentes, preocupando-se com a garantia de um futuro financeiro. Tal como no relatório7 do professor português Costa Goodolphim: A idéia que domina todos que desejam propagar a instrução nas classes trabalhadoras, é de preparar uma geração, que atendendo às leis da sua contingência constitua no futuro uma sociedade, que saiba economicamente tirar todas as vantagens, que resultam do trabalho, quando dirigido por princípios de verdadeira previdência8. Dessa forma, é possível perceber que, inicialmente, o público privilegiado por essas instituições seria distinto, uma vez que, dela participariam apenas os alunos cujos pais ou tutores pudessem fazer os depósitos que as caixas econômicas escolares deveriam receber. Ainda de acordo com o relatório do professor Goodolphim, as caixas econômicas escolares não apenas seriam um meio educativo para as crianças, mas uma forma de civilizar até mesmo os adultos. Para ilustrar tal afirmativa, o professor citou um exemplo de uma situação que ocorreu na Hungria, onde havia uma aluna cujo pai era operário e gastava o dinheiro que recebia em bebidas e jogos. Sua filha, uma “menina pobre”, que apesar de toda a “miséria estampada em sua face”, passou a fazer depósitos na caixa da escola, o que surpreendeu sua professora. Ao pedir o dinheiro do depósito ao pai e explicar qual seria seu destino, a menina acaba por tornar seu pai um “operário honrado e trabalhador”. Apesar de atrelar seu funcionamento à previdência, as caixas econômicas também deveriam contribuir para a educação dos mais “pobres”, uma vez que ao poupar, as famílias, assim como no exemplo dado pelo professor português, começariam a investir na educação escolar de seus filhos ao lhes proporcionar meios como, vestimenta, material e alimento, para freqüentarem as escolas. Fundo Escolar – A Caixa Escolar no Regulamento do decreto n.100 de 1883 No ano de 1883, foi publicado um novo Regulamento n. 100, que volta a apresentar os meios que proporcionariam o aumento na frequência descritos no item anterior, sejam eles: as Conferências Pedagógicas, as Caixas Econômicas Escolares e as Caixas Escolares agora substituídas pelo Fundo Escolar, que seria diferenciado entre Distrital e Municipal. Cabe destaque o fato de que esse Regulamento apresenta um grau de detalhamento maior do que o anterior9, sendo o Fundo Escolar bastante explorado pela legislação, este se dedicaria a, de acordo com o: Art. 69. Para construção de casas escolares, melhoramento das atuais, aquisição de mobília e material técnico, compra de livros de leitura para alunos pobres, e bem assim para socorrê-los com roupa, calçado e objetos de escrita, são instituídos um fundo escolar e outro municipal10. Sendo que, o Fundo Escolar Provincial deveria ser composto das quotas votadas anualmente pelo orçamento provincial, do produto do imposto especial, dos valores cobrados documentos diversos referentes a professores e alunos passados pelas repartições públicas, dos descontos e diferenças que sofressem os professores públicos, das sobras das verbas públicas destinadas à instrução pública e dos donativos feitos em favor do ensino público da província. A arrecadação dessas verbas seria feita pelas estações fiscais e escrituradas em livro separado, intitulado Caixa Especial do Fundo Escolar Provincial. Como meio de manter o controle das quantias arrecadadas e despesas feitas por essas caixas, o diretor da fazenda provincial deveria enviar, semestralmente à presidência da província e à inspetoria geral da instrução pública um balancete, de modo a mostrar o saldo existente. Posteriormente, como consta no Art. 73. À vista do saldo que houver o presidente da província, sobre proposta do inspetor geral, ordenará o emprego e distribuição do mesmo pelos municípios da província, guardando a devida proporção ao número de escolas de cada município e ao de alunos pobres que as frequentarem11. E é enfatizado pelo art. 74 que ao Fundo Escolar Provincial cabia apenas, contribuir para a construção de casas escolares e melhoria das atuais e para a aquisição de mobília, material técnico e compra de livros de leitura para alunos pobres. Já o Fundo Escolar Municipal seria mantido pelas quotas que, em auxílio deste, fossem consignadas nos orçamentos municipais, do produto das multas impostas por este mesmo regulamento aos municípios e dos donativos feitos em favor do ensino público do município e do produto das subscrições que se destinassem ao fundo que deveriam ser promovidas pelos conselhos paroquiais. Da mesma forma que ocorria com o Fundo Escolar Provincial, a arrecadação correspondente ao município deveriam ser escrituradas em livro separado, intitulado Caixa Especial do Fundo Escolar Provincial, sendo feita pelo coletor provincial do município, que também deveria ser o depositário das verbas que constituíssem esse fundo. Foi acrescentado no art. 77, que organizava a arrecadação dos fundos, um parágrafo que informava que “não terão direito à porcentagem alguma pelo que arrecadarem ou lhes forem entregue para o fundo escolar, e serão responsáveis, na forma das leis fiscais, por tais quantias”12. O controle do fundo deveria ser feito através do envio de um balancete semestral pelos coletores à diretoria da fazenda, inspetoria geral da instrução e respectivo município, a fim de demonstrar as quantias pertencentes a este fundo e as despesas feitas pela correspondente caixa, demonstrando assim, o saldo existente. Tal eram as atribuições do fundo municipal: Art. 80. O fundo escolar municipal só será empregado na compra de roupa, calçado e objetos de escrita para os alunos pobres. Art. 81. Os meninos subvencionados pelo fundo escolar ficam sujeitos ao ensino obrigatório, e seus pais, tutores ou educadores ficarão sujeitos à pena de desobediência, no caso de contravenção13. Compondo o Fundo Escolar, os fundos: provincial e o municipal possuíam organização semelhante, diferindo apenas na destinação dos recursos provenientes de cada um. A forma de arrecadação, registro e fiscalização eram comuns aos dois fundos, o que demonstra uma certa racionalidade, mais tarde fortemente praticada nas escolas republicanas. O uso da verba arrecadada por sua vez, demonstra a necessidade de angariar verbas para a educação, além das que já deveriam ser enviadas pela província. A aplicação da caixa na construção e reforma de prédios escolares, aquisição de mobília, material didático, livros de leitura para os meninos pobres, assim como, compra de roupa, calçado e objetos de escrita para os mesmos. Apesar da mudança de nome de Caixa Escolar para Fundo Escolar, a essência do funcionamento das caixas escolares foi mantido e, acrescido de alguns detalhes de como deveriam ser organizadas, tendo as caixas apenas como nominação do meio de como seria administrada a entrada e saída das doações dos fundos. A Caixa Escolar no Regulamento do decreto 3.191 de 1911 Durante um longo período de hiato, tanto na legislação como na fala dos presidentes de província e posteriormente dos presidentes de estado, as caixas escolares mantinham seu funcionamento14, embora em um número possivelmente baixo de escolas. No início do século XX, porém, as caixas escolares vincularam-se ao projeto de implementação, legitimação e ampliação dos grupos escolares. Em 1907, por meio do Decreto n° 1969 de 3 de janeiro do mesmo ano, foi baixado o Regimento Interno dos Grupos Escolares, no qual, as Caixas, diferentemente do Regulamento n.100 de 1883, poderiam ser criadas, a cargo do seu diretor e sob sua exclusiva responsabilidade, por meio das quais ocorreriam pequenas despesas do estabelecimento. Sua escrituração, “simples e clara deve ser feita em livro especial com – debito e credito -, extraindo-se em cada mês o saldo, que será comunicado ao governo com todos os esclarecimentos da receita e despesas mensais 15”. Tais despesas se caracterizavam pelo: fornecimento de material escolar, roupas e calçados a alunos pobres, assistência médica, em caso de falta de recursos dos pais, além de aquisições para o Museu escolar e Biblioteca e beneficiamento do material escolar, do jardim, prédio etc. Sobre a receita, ficou estabelecido que: Art. 59. A receita da Caixa Escolar se constituirá, principalmente das seguintes verbas: a. Gratificação a que se deixar de ser paga nos ordenados do pessoal docente e administrativo do Grupo, quando em licença ou faltas não abonadas. b. Donativos em dinheiro por parte dos particulares. c. Produto das exposições, quermesses e outras fontes de receita, promovidas pelo diretor, professores e alunos. d. Todas as outras fontes que o governo autorizar ou o diretor conseguir. Há ainda a determinação pelo art. 61. de que, “nenhuma despesa inferior a 100$000 será feita pela Caixa Escolar, sem que se obtenha permissão previa do Secretario do Interior, a quem será ela solicitada”. Diante disso, é possível observar os investimentos na fiscalização das caixas escolares, que deveriam ter seus recursos e gastos registrados e enviados à Secretaria do Interior. Tal registro seria feito nos relatórios das diretoras dos grupos escolares e balancetes, nos mesmos moldes dos determinados pelo Fundo Escolar, porém, com uma periodicidade mensal. Neste momento Belo Horizonte contava com apenas dois grupos escolares, sendo encontrados os registros das caixas escolares apenas do Segundo Grupo Escola da Capital, no qual a diretora Anna Guilhermina Cândida de Carvalho informou que, em 1907: A Caixa Escolar foi fundada por mim a 21 de setembro, exclusivamente com as quantias provenientes das faltas dos professores, e rendeu a quantia de 259$398. Deduzindo-se a quantia despendida conforme os balanços existentes na Secretaria, há um saldo de 123$48016. A diretora do Grupo, portanto, não havia ainda utilizado os demais meios sugeridos pela Secretária do Interior para a movimentação das caixas escolares no ano de sua fundação. Neste mesmo relatório, enviou à mesma Secretária, balancetes mensais do ano de 1908, que demonstravam a receita e despesa da caixa escolar daquele estabelecimento. A partir dos balancetes da caixa escolar deste grupo, é possível verificar que a receita da mesma foi gerada, estritamente pelos vencimentos não recebidos pelos professores, o que indica que ainda não haviam sido criadas estratégias de arrecadação para a caixa escolar. Além disso, os gastos dessa instituição apontam que não foi feito nenhum auxílio aos alunos “pobres” tendo se restringindo aos gastos com manutenção e limpeza do prédio escolar. Passados quatro anos, por meio do decreto n. 3.191 onde constava o Regulamento Geral da Instrução do Estado de Minas Gerais de 1911, o Estado tornou obrigatória a instituição das Caixas Escolares nos Grupos Escolares e sua presença facultativa nas Escolas Isoladas. Este regulamento sugere que a sociedade impulsionar a frequência escolar por meio de doações aos “indigentes” e “nimiamente pobres” nos estabelecimentos de ensino de Minas Gerais. Este regulamento é, portanto, de grande relevância para essa investigação sobre as caixas escolares, visto que, em 1911 as Caixas Escolares se tornaram obrigatórias nos Grupos Escolares do Estado, que lhes deu “nova organização, procurando interessar nelas o elemento popular17. A fala do então Presidente do Estado de Minas Gerais, Julio Bueno Brandão, creditou neste momento, às caixas escolares, facilitar e estimular a frequência nas escolas em início do século XX. A obrigatoriedade dessa instituição atrelada à necessidade de impulsionar o funcionamento dos grupos escolares aponta a urgência em aumentar a matrícula do, até então, novo modelo escolar, que em busca de legitimação reorganizou as caixas escolares dando a ela novo critério de funcionamento, seja na arrecadação de verba, no destino da mesma e na forte fiscalização, por exemplo. Além disso, a visibilidade que se buscava dar às caixas escolares acontecia por meio do jornal oficial do governo, no qual eram publicados os estatutos das caixas, convocatórias para assembléias, notícias e matérias sobre essa instituição. Abaixo segue um trecho de uma publicação feita no Jornal Minas Geraes informando sobre a inauguração da caixa escolar de Ribeirão Vermelho, distrito de Lavras: Modeladas pelas instruções organizadas pela Secretaria, por ordem do sr. Dr. Delfim Moreira, esses institutos, consubstanciando entre si, um alevantado e nobre intuito de solidariedade humana, têm servido, de modo impressionante, á causa simpática da difusão do ensino em Minas18. Era bastante comum que as notícias referentes à abertura de caixas escolares trouxessem os objetivos das mesmas e até mesmo um panorama dos resultados alcançados. Na continuação da notícia acima - que não é assinada, sendo a autoria aqui entendida como a do próprio estado por meio do jornal - as caixas foram dadas como responsáveis pelo aumento da frequência nas escolas mineiras. Uma vez que era, obrigatório o ensino, essa exigência regulamentar, de impossível subsistência em outros tempos, vai tendo assim consolador cumprimento pela multiplicação rápida, contínua e diária das caixas escolares e não seríamos exagerados se afirmássemos que, parte do aumento da frequência notada na mensagem do benemérito Presidente do Estado, se deve à ação inteligente e benéfica da caixa escolar19. A participação das caixas escolares no aumento da frequência era determinada ainda em seu texto legal, onde consta no art. 354 que “as caixas escolares são instituições criadas com o fim de fomentar e impulsionar a freqüência nas escolas”, que em parágrafo único, tinha sua organização obrigatória nos grupos escolares. Essa obrigatoriedade de organização nos grupos é o que a caracteriza como um dos dispositivos de legitimação desse modelo de ensino, mas não seria um dispositivo como os que foram mencionados anteriormente. A visibilidade dada às caixas escolares, sua fiscalização rigorosa e o apelo à iniciativa popular a tornam uma instituição diferente das que foram criadas de maneira isolada nos grupos escolares (liga de bondade, regência escolar infantil, por exemplo) e até mesmo dos que foram colocados pelo próprio estado através da reforma do ensino de 1906 (como festas escolares, educação moral e cadeira de trabalhos manuais). O patrimônio das caixas deveria ser constituído pelas jóias e subvenções pagas pelos sócios, pelo produto das subscrições, quermesses, teatros, festas, donativos espontâneos e legados, gratificação que os professores licenciados e faltosos perderem e pelo produto líquido das multas que os mesmos sofressem. A arrecadação da receita das caixas seria, portanto, feita nos mesmos moldes das legislações anteriores, acrescida do produto das festas, teatros, donativos espontâneos e, principalmente, das jóias, que seria uma taxa de inscrição dos sócios da caixa escolar e doações feitas pelos mesmos. Com isso, a caixa escolar passou a tomar contornos de uma sociedade organizada por sócios divididos em três ordens: fundadores, beneméritos e contribuintes. Os fundadores seriam os que promovessem sua organização, os beneméritos deveriam doar às caixas uma quantia igual ou superior a um conte de réis, já os contribuintes seriam os demais sócios, que tinham a jóia fixada em 5$000 e a mensalidade em 1$000. A organização das caixas escolares previa ainda a constituição de uma mesa composta por um presidente, um tesoureiro, um secretário e três fiscais, que deveriam ser responsáveis por sua administração. Sendo que, de acordo com o art. 356, “os membros da mesa administrativa, exceção feita do secretario, que será sempre o professor da escola ou o diretor do grupo, serão eleitos pelos sócios contribuintes e fundadores”. O exercício das funções administrativas, por sua vez, deveria ser feito gratuitamente. Percebe-se, portanto, que as caixas escolares receberam uma complexa regulação para sua organização e início de seu funcionamento de acordo com a nova legislação. Toda a documentação das caixas escolares deveria ser enviada para a Secretaria do Interior e, dependendo de seu conteúdo, publicada no Jornal Minas Geraes. Tal era o caso dos estatutos, que deveriam regular o funcionamento das mesmas, além de serem padronizados, porém, os grupos escolares, de acordo com suas particularidades, não necessariamente tinham um estatuto que apresentava todos os pontos em comum. De acordo com o art. 364 do Regulamento 3.191, “os estatutos regularão a duração e a extensão do mandato dos administradores, os deveres dos sócios e administração do patrimônio20”. Os estatutos das caixas escolares eram organizados pela mesa diretora da caixa e posteriormente enviados para a Secretária do Interior para serem aprovados, feito isso, eram mais tarde publicados no Jornal Minas Geraes. As despesas das caixas deveriam ser minuciosamente calculadas, orçadas e enviadas para a Secretária do Interior em forma de balancetes, além de serem apresentadas em assembléia aos associados. Após a prestação de contas, se aprovadas em assembléia, as mesmas seriam enviadas ao Secretário do Interior. Tais despesas se constituíam de acordo com o art. 361, de: 1. Fornecimento de alimentos a alunos indigentes; 2. Idem de vestuário de calçados aos mesmos; 3. Assistência medica e fornecimento de livros, papel, Pena e tinta aos alunos indigentes e aos minimamente pobres; 4. Aquisição de livros, estojos, medalhas, brinquedos, etc., para serem distribuídos, como premio, aos alunos mais assíduos21. Alunos indigentes, nimiamente pobres e assíduos, estes eram os alunos atendidos pelas caixas escolares. Contudo, nos registros de matrícula, os alunos eram caracterizados como pobres ou não, o que, além de criar uma nova categoria de assistidos pelas caixas escolares, não possibilita distinguir os alunos indigentes dos alunos minimamente pobres. A fiscalização das caixas escolares a partir de 1911 também tomou novos contornos, neste momento é possível notar a racionalização impressa pela Reforma João Pinheiro, que fazia com que as caixas obedecessem a um complexo modo de funcionamento e conseqüente fiscalização. Inicialmente, deveria ser constituída uma mesa diretora da caixa escolar no grupo escolar22, esta deveria formular um estatuto, que seria encaminhado para a Secretaria do Interior para aprovação, feito isso, os estatutos deveriam ser publicados no Jornal Minas Geraes. Ainda sobre os estatutos23, o Minas Geraes acrescenta a seguinte informação: De acordo com os dispositivos da lei federal n. 173, de 10 de setembro de 189324, as caixas escolares devem ter seus estatutos inscritos no registro civil do lugar em que for estabelecida sua sede, afim de poderem gozar das prerrogativas conferidas às associações que revestem a forma de pessoa jurídica25. A aprovação dos estatutos pela mesa administrativa acontecia de forma solene, em reunião convocada para esse fim. Dessa forma, as caixas escolares, seguiam a determinação do art. 365. onde conta que: “Na organização das caixas escolares serão observadas todas as solenidade se direito, prescritas pela legislação federal particularizadas as da lei federal n. 173, de 10 de setembro de 1903”26. Os balancetes, assim como os estatutos, deveriam circular entre escola e Secretária do Interior, organizados pelo(a) tesoureiro(a) do grupo escolar O balancete a apresenta a despesa e a receita da caixa escolar e informa também em que as doações eram revertidas. As doações, geralmente, contam com o nome do doador e a quantia, e com o auxílio do relatório da diretora do grupo é possível verificar que os nomes que constam neles, geralmente, se referem a professoras do Grupo Escolar. Este registro era encaminhado à Secretaria do Interior e passava por um funcionário, que deveria dar um parecer sobre os dados apresentados nas caixas escolares. Um exemplo do funcionamento das Caixas Escolares pode ser dado a partir de um relatório do Primeiro Grupo Escolar da Capital de 1914, referente ao ano de 1913. Nele, a diretora Helena Penna faz uma breve observação sobre o funcionamento da caixa escolar deste Grupo, informando que: A caixa escolar deste grupo, instalada a 20 de Abril de 1912, tem progredido regularmente. A receita deste ano foi de rs 922$548 e a despesa de rs 391$11027. Três anos depois, em um novo relatório, a diretora Helena Penna apresentou à Secretaria do interior, não apenas a receita da Caixa Escolar, como no relatório acima citado, mas uma descrição dos gastos, como se pode ver abaixo: A preencher cabalmente os fins a que foi criada foram distribuídos aos alunos reconhecidamente pobres 454 metros de fazenda para uniformes, 15.400 pães para merenda, 123 cadernos, diversos medicamentos às crianças e aviadas varias receitas para os que se acham de cama28. De acordo com o trecho extraído do relatório de 1916 do mesmo Grupo, pode-se inferir que a Caixa Escolar cumpriu com seu papel ao auxiliar os alunos que de seus auxílios necessitassem, mas não informa sobre premiação aos alunos mais freqüentes. O que não permite, porém, defender a idéia de que as premiações não foram feitas. O funcionamento das caixas escolares, organizados pelos seus estatutos próprios, em obediência ao decreto 3.191, se caracterizava, portanto, pela adaptação da diretoria de cada caixa, ao publico por ela atendido. Tal decreto, a partir do art. 365, que trata dos estatutos, informa que estes “regularão a duração e a extensão do mandato dos administradores, os deveres dos sócios e administração do patrimônio”. Além disso, as caixas deveriam ser registradas de acordo com a Lei n° 173, de 10 de setembro de 1903, que, conferia personalidade jurídica a entidades com fins lucrativos, científicos e religiosos. Conclusão O que se avalia a partir da análise das fontes, portanto, é uma desqualificação da Caixa Escolar antes de 1911, o que acaba por ignorar todo o histórico dessas, como instituição responsável por fornecer condições de permanência aos alunos que necessitassem de seu auxílio para se manterem nas escolas. Inicialmente chamadas de Caixa Escolar em 1879, de Fundo Escolar em 1883 e finalmente, Caixa Escolar novamente a partir de 1907, essa instituição sofreu algumas mudanças em sua legislação até chegar ao texto do Regulamento da Instrução Pública de 1911, a partir do decreto 3.191. Ao determinar a obrigatoriedade das caixas escolares nos grupos escolares, a Secretaria do Interior estabeleceu novas regras e normas de funcionamento que, embora fossem adaptadas pelos grupos escolares que as organizam, compreendem uma mesma lógica de funcionamento. A “liberdade” dada à direção de cada caixa para estabelecer suas regras próprias de funcionamento, de acordo com suas particularidades, pode ser aqui entendida como um fator importante para as mesmas, na medida em que a diretoria de cada Caixa Escolar poderia definir suas prioridades de acordo com seu público. Cabe ainda, destacar a longa duração de uma instituição que surgiu no último quartel do século XIX nas escolas de Minas Gerais, passou por várias modificações em seu funcionamento ao longo dos 32 anos compreendidos por este trabalho e continua a se fazer presente nas escolas mineiras. Apesar de não apresentarem as características iniciais das caixas escolares, uma vez que estas, no início do século XXI têm “como função básica administrar os recursos financeiros da escola, oriundos da União, estados e municípios, e aqueles arrecadados pelas unidades escolares 29”, essa instituição ainda ocupa certa centralidade nas escolas mineiras. Com a aplicação de seus recursos na aquisição de bens e serviços necessários à melhoria das condições de funcionamento da escola, a garantia de frequência por meio de auxílio aos alunos ou por premiação, deixa de ser uma incumbência da caixa escolar, passando a se fazer presente por meio de políticas de governo. NOTAS 1 IMPRENSA OFICIAL. Jornal Minas Geraes, 30 de outubro de 1913, p. 2. 2CÂMARA, 2010, p. 3 MARCÍLIO, 2006, p. 74. 4 FOUCAULT, 1981, p. 244. 5Regulamento n. 84 de 1879, p. 17. 6Idem. 7 Neste relatório o professor Costa Goodolphim apresenta um resumo da situação das Caixas Econômicas Escolares, em uma reunião de professores em Lisboa. Ao descrever as caixas econômicas escolares, o professor aponta os objetivos dessa instituição e seus “benefícios” para a instrução pública, não apenas de Portugal, assim como de outros países da Europa e da América (Estados Unidos e Brasil). Tal instituição teve seu funcionamento iniciado em 1818, mas apenas em 1838 foi patenteada por Mr. Dulac, professor francês. No Brasil, as caixas existentes no Rio de Janeiro e Pernambuco estavam presentes em quase todas as escolas dessas localidades e foram nomeadas por Goodolphim como “elemento civilizador, que acompanha e completa a abolição da escravatura. Quebra-se a cadeia do escravo junto do caminho da previdência, que o encaminhara a um futuro trabalho consciente” (p. 17). 8 GOODOLPHIM, Costa. 1883. Biblioteca Nacional de Lisboa, cota TR1849//2V. 9 Dado os limites e dimensões deste estudo, limito minha analise ao capitulo 4° do Regulamento n. 100. A legislação completa esta sendo analisada como parte das minhas pesquisas de mestrado. 10 Regulamento n. 100 de 1883, p. 105. MINAS GERAIS. Regulamento n. 100 de 1883, p. 105. 12 Idem, p. 106. 13 Ibdem, p. 107. 14Alguns documentos do APM que datam de 1905 demonstram que em algumas escolas do interior de Minas Gerais, as caixas escolares estavam em funcionamento. 15 MINAS GERAIS. Decreto n° 1969 de 3 de janeiro de 1907. 16 Secretária do Interior –SI-2850. Correspondência referente a grupos escolares, 1908. (Grifo no original). 17 Relatório apresentado pelo Presidente Julio Bueno Brandão ao Congresso Mineiro no ano de 1912. 18 Imprensa Oficial – Minas Geraes, 27 de Junho de 1913, p. 4. 19 Idem. 20 MINAS GERAIS. Coleção Leis Mineiras, 1911. APM. 21 MINAS GERAIS. Coleção Leis Mineiras, 1911. APM. (Grifo meu). 22 Cabe destacar que, dificilmente essa organização estaria presente em uma caixa escolar de uma escola isolada, o que reforça a hipótese de que os investimentos em torno das caixas, corroboram com a legitimação que ora se projeta para os grupos escolares. 23 Os estatutos das caixas escolares dos grupos escolares da capital serão retomados no capítulo seguinte, onde serão analisados juntamente com os relatórios das diretoras, considerando a particularidade de cada grupo escolar, como: a distinção social dos alunos de cada grupo, atribuída, em grande parte à organização geográfica da capital. 24 Regula a organização das associações que se fundarem para fins religiosos, Moraes, científicos, artísticos, políticos ou de simples recreio, nos termos do art. 72, § 3º, da Constituição. 25 IMPRENSA OFICIAL. Jornal Minas Geraes, 18 de junho de 1913, p. 4. 26 IDEM. 27 SECRETARIA DO INTERIOR. SI – 3459. Relatórios dos Diretores de Grupos Escolares, 1914. 28 SECRETARIA DO INTERIOR. SI – 3650. Relatórios dos Diretores de Grupos Escolares, 1917. 29 Menezes & Santos, 2012. 11 BIBLIOGRAFIA CÂMARA, Sônia. “Sob a defesa da república”: A produção da infância pobre nos debates jurídicos-educacionais no Brasil e em Portugal nas décadas de 1910-1920. In: III Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002, Curitiba. CD-ROM. _________. Infância pobre e instituições assistenciais no Brasil republicano. In: FARIA FILHO, Luciano Mendes; ARAUJO, Vânia Carvalho. (Org.). História da Educação e da Assistência à Infância no Brasil. Vitória: EDUFES, 2011, v. 8, p. 17-56. FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Dos pardieiros aos palácios: cultura escolar e urbana em Belo Horizonte na primeira republica. Passo Fundo: UPF, 1996. _________. A legislação escolar como fonte para a história da educação: uma tentativa de interpretação. In FARIA FILHO, Luciano M. Educação, modernidade e civilização. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 9. ed. Trad. Ligia Vassalo. Petrópolis: Vozes,1991. ________, Microfísica do poder. 7. ed. Org. e trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1981 a. GEREMECK, Bronislaw. A piedade e a forca: História da miséria e da caridade na Europa. Lisboa: Terra mar, 1987. GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. A escolarização da infância na cidade republicana: entre escolas isoladas e grupos escolares (1906-1927). Projeto de Pesquisa apresentado ao CNPq. Belo Horizonte. 2008. (Mimeo) MARCÍLIO, Maria Luiza. História social da criança abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos."Caixa Escolar" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002, http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=268, visitado em 17/2/2013. MOURÃO, Paulo Krüger Corrêa. O ensino em Minas Gerais no tempo da República. Belo Horizonte: Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais, 1962. SCHUELER, Alessandra; MAGALDI, Ana Maria. Educação escolar na Primeira República: memória, história e perspectivas de pesquisa. Tempo. Revista do Departamento de História da UFF, v. 26, p. 32-55, 2009. SOUZA. Rosa Fátima. Templos de civilização: A implantação da Escola Primária Graduada no Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Ed. da UNESP, 1998. 302p. VAGO, Tarcísio Mauro. Cultura escolar, cultivo de corpos: educação physica e gymnastica como práticas constitutivas dos corpos de crianças no ensino publico primário de Belo Horizonte (1906-1920). Bragança Paulista: EDUSF, 2002, 369P (Estudos CDAPH. Série historiografia). VEIGA, Cynthia Greive. Cidadania e educação na trama da cidade: a construção de Belo Horizonte em fins do século XIX. Bragança Paulista: EDUSF, 2002 347p (Estudos CDAPH).