Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1387-1389 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X O ensino da previsibilidade sísmica no ensino secundário The teaching of seismic predictability in high school D. Teixeira1,2*, A. Roxo2, R. Soares2 Artigo Curto Short Article © 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: Este trabalho resulta de uma investigação realizada durante o mestrado de Ensino em Biologia e Geologia. A investigação compreende intervenções nos domínios científico e educacional e foi conduzida através de uma metodologia de investigação educacional que se classifica como investigação qualitativa. A amostra consiste em 47 estudantes do 10º ano, de uma escola secundária do Porto. Os instrumentos de recolha de dados foram documentos aplicados aos alunos (pré-teste e pós-teste) e os resultados foram sujeitos a uma análise de conteúdo. A intervenção educacional foi operada de acordo com a Aprendizagem Baseada na Resolução de Problemas, modelo de ensino que segue a perspetiva de ensino Inquiry e que tem estratégias e recursos de ensino diversificados. A intervenção científica foi conduzida sob o tema III – “Compreender a estrutura e dinâmica da Geosfera”, capítulo 3 – “Sismologia”, do programa escolar de Biologia e Geologia do 10º ano de Portugal. Este estudo permitiu concluir que os alunos adquiriram uma posição mais reflexiva sobre alguns pontos inerentes à previsibilidade sísmica. Palavras-chave: Geologia, Aprendizagem, Professor, Aluno, Sismologia. Abstract: This work culminates in a research made during the Biology and Geology Education master course. The research comprises interventions on both scientific and educational domains and was conducted by using education research methodology classified as a qualitative investigation. The sample consists in 47 students of the 10th grade belonging to an Oporto high school. The data collection instruments were the documents made by the students (pré and pos-test) and the results were subjected to a content analysis. The educational intervention was performed according to the Problem Based Learning, instructional model that follows the Inquiry educational perspective and has multiple teaching strategies and resources. The scientific intervention was conducted under the theme III – “Understanding the Geosphere structure and dynamics”, chapter 3 – “Seismology”, of the Biology and Geology 10th grade’s school program of Portugal. This study concluded that students have acquired a more reflective position on some points inherent to seismic predictability. Keywords: Geology, Learning, Teacher, Student, Seismology. 1 Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Porto, Portugal. Agrupamento de Escolas Garcia de Orta, Porto, Portugal. * Autor correspondente / Corresponding author: [email protected] 2 1. Introdução No ensino das Ciências é necessário apostar em metodologias de ensino que promovam o interesse pelas Ciências, sendo o professor um agente de aplicação das metodologias, que posteriormente deverá refletir sobre a ação e compreender como numa próxima oportunidade pode evoluir e contribuir para o sucesso dos alunos (Esteves, 2009). Neste sentido em contexto formal de sala de aula foi aplicada uma metodologia de ensino que na literatura da especialidade é designada por Problem Based Learning (PBL), em português por Aprendizagem Baseada na Resolução de Problemas (ABRP) (Lambros, 2004; Barret & Cashman, 2010; Vasconcelos & Almeida, 2012). A ABRP potencia o raciocínio científico e auxilia não só a aprendizagem de alguns aspetos essenciais da investigação científica (recolher factos, encontrar evidências, procurar soluções, argumentar, comunicar os resultados investigados, entre outros), mas também a própria natureza da ciência (Lambros, 2004; Vasconcelos & Almeida, 2012). Esta metodologia é centrada no aluno envolvendo-o com a procura de soluções para resolução de problemas, que devem ser o mais reais possíveis ou de um futuro imaginável. A apresentação e exploração do problema devem levantar questões por parte do aluno, ponto central da metodologia, e por isso, definida como uma abordagem por questionamento e pesquisa (pequena investigação) que levará o aluno a focar-se em múltiplas soluções, em vez de respostas corretas. Mais do que a resposta para o problema importa o caminho percorrido, definidor das competências desenvolvidas e do conhecimento construído (Goodnough & Cahsion, 2003; Lambros, 2004; Vasconcelos, 2011). Destaca-se ainda a pluralidade de estratégias passíveis de serem utilizadas seguindo uma metodologia como a ABRP, e que normalmente os alunos reconhecem o mérito, por melhorar a utilização de estratégias mais tradicionais, nomeadamente as aulas expositivas, que podem ser utilizadas, embora não se aconselhe exposições prolongadas, mas sim interativas e de cerca de 10 minutos (Lambros, 2004; Vasconcelos, 2011; Soares et al., 2013). A pensar em como potenciar a metodologia de ABRP em sala de aula e a tirar o máximo partido da sua utilização 1388 D. Teixeira et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial III, 1387-1389 pensou-se num tema que tivesse interesse, fosse atual e que por si só levasse os alunos ao questionamento. A escolha pelo tema da sismologia, em concreto, pelos métodos de previsibilidade de ocorrência de um sismo, prendem-se pelos benefícios subjacentes para as populações com o desenvolvimento de técnicas de previsão e pelo interesse que os alunos normalmente têm por assuntos que nem sempre têm um consenso científico. Os eventos sísmicos são fenómenos naturais que ocorrem sobre condições que o Homem ainda não é capaz de prever. A previsão sísmica entendida como o ato de prever um sismo de modo a que se possam salvaguardar pessoas e bens, dentro de um prazo curto (horas ou poucos dias) não foi ainda descoberta. A previsibilidade sísmica baseia-se na observação de sinais percursores de sismos, mas esta previsão é ainda probabilística, no sentido de que a magnitude exata, tempo e localização do hipocentro não podem ser determinados com precisão ou de forma fiável. São vários os autores que têm apresentado algumas interpretações, métodos e modelos no sentido de precisar a ocorrência de um fenómeno natural como um sismo (Shearer, 1999; Estêvão & Oliveira, 2001; Mooney, 2005; Nunes, 2009; Câmara, 2010; Varum (s/d)). No âmbito da prevenção e minimização do risco sísmico uma das entidades responsáveis por estes estudos é a Autoridade Nacional de Proteção Civil. Consultando a página oficial, http://www.proteccaocivil.pt/Pages/default.aspx, é possível verificar quais os trabalhos que estão a ser desenvolvidos por esta entidade. Pela pertinência do tema e da própria metodologia, os alunos foram confrontados com algumas situações que os levaram a refletir e a debater a sua perspetiva e opinião, recorrendo a conhecimentos adquiridos em ciclos de estudo anteriores e a material fornecido para o funcionamento da aula. Com este trabalho pretendeu-se sensibilizar os alunos para medidas de prevenção e limitações da previsibilidade dos fenómenos sísmicos e compreender como refletiam os alunos sobre a previsibilidade da ocorrência de sismos. Em sala de aula serão seguidas as recomendações do programa a disciplina disponibilizado pelo Ministério da Educação (ME:DES, 2001). 2. Metodologia A metodologia de ensino foi a ABRP recorrendo à aplicação de cenários com os conteúdos a abordar, citando um cenário aplicado antes da abordagem formal em sala de aula (pré-teste) - “Autoridades ignoraram alerta de terremoto na Itália”, e um após a aula de exploração dos conteúdos a lecionar (pós-teste) - “Prós e contras da previsibilidade sísmica”. Depois da leitura atenta dos cenários aplicados foi proposto aos alunos que refletissem sobre a vulnerabilidade das populações face ao enquadramento geológico da região, as consequências para a população e bens com a ocorrência de sismos, qual a influência e o papel dos órgãos políticos, de investigadores e dos meios de comunicação e da influência do enquadramento social, religioso e político de uma população para minimizar os efeitos do risco sísmico. O trabalho desenvolvido em sala de aula com os alunos foi a análise de 3 casos de estudo. O primeiro caso esteve relacionado com a sismicidade em Portugal e as medidas de minimização do risco sísmico. O segundo caso debruçou-se sobre as técnicas de previsão de sismos e de ensaios feitos na região de Parkfield, Califórnia. O último caso de estudo foi a ocorrência de um sismo que afetou a sociedade de Áquila onde foram condenados três cientistas responsáveis pela monitorização da atividade sísmica da região (Allegrè, 1987; Shearer, 1999; Estêvão & Oliveira, 2001; Mooney, 2005; Nunes, 2009). Os produtos finais desenvolvidos pelos alunos foram alvo de uma processo de investigação fundamentalmente qualitativo recorrendo-se à técnica de análise de conteúdo para tratamento dos dados. Este processo de tratamento de dados consiste em avaliar de forma sistemática um corpo de texto, por forma a desvendar e a quantificar a ocorrência de palavras/frase/temas considerados “chave” que possibilitam comparação à posterior (Marshall & Roosman, 1989 in Coutinho, 2011). Atendendo ao propósito do trabalho elaboraram-se quatro categorias, apresentadas seguidamente, para estabelecer os objetivos da análise de conteúdo. − Refletir sobre a vulnerabilidade de uma região e as consequências para a população e bens (R1); − Refletir sobre a influência politica, social, religiosa, económica para a tomada de decisão em caso de risco sísmico (R2); − Refletir sobre que influência devem ter os media na divulgação de risco sísmico (R3); − Refletir sobre a responsabilidade civil e profissional dos investigadores (R4); Os participantes na investigação foram alunos do 10º ano de escolaridade de uma escola da região do Porto. A investigação foi levada a cabo com duas turmas, constituindo um total de 47 alunos, dos quais 31 alunos são do sexo feminino e 16 alunos do sexo masculino. Os alunos apresentam uma média de idades próxima dos 16 anos e a moda é também de 16 anos. Como se trata de uma amostra organizada por grupos já constituídos de alunos, e o investigador não tem qualquer influência na constituição desses grupos, designa-se por amostra não probabilística de conveniência. Este tipo de amostras acarreta algumas desvantagens, nomeadamente na generalização de resultados. Contudo, como o objetivo desta investigação não é o de generalizar, mas sim de avaliar a ação do investigador enquanto docente, é admitida tal amostragem para a investigação (Coutinho, 2011). 3. Apresentação e discussão dos resultados Os resultados obtidos foram estruturados em duas tabelas distintas. Uma primeira tabela (Tabela 1) evidencia o número de alunos que aborda as categorias pretendidas O ensino da previsibilidade sísmica 1389 com a análise dos cenários apresentados. A segunda tabela evidencia o número de alunos em função da distribuição das respostas. Os resultados obtidos (Tabela 1) mostram que os alunos, da fase de pré-teste para a fase de pós-teste, tomam uma posição mais refletiva sobre pontos inerentes à previsibilidade sísmica. Tabela 1. Distribuição dos resultados de acordo com a categoria em análise. Table 1. Distribution of results according to the category of analysis. Tópicos abordados Pré-teste Pós-teste Categoria R1 8 14 Categoria R2 0 17 Categoria R3 0 12 Categoria R4 0 2 Os resultados obtidos na tabela 2 revelam um ligeiro aumento do número de tópicos abordados pelos alunos em questões de reflexão sobre a previsibilidade sísmica. Houve uma aprendizagem efetiva, pois o número de tópicos abordados e o número de alunos respondentes da fase de pré-teste para a fase de pós-teste melhorou significativamente. Os resultados apresentados na tabela 1 demonstram uma efetiva participação dos alunos nas respostas solicitadas à medida que se avança na ação, inclusive o número de tópicos abordados aumenta consideravelmente. De uma forma geral, os resultados são bastante positivos, embora tenha havido resistência por parte de 14 alunos, que não responderam à questão solicitada (Tabela 2). Tabela 2. Distribuição dos resultados de acordo com o nº de categorias abordadas. Table 2. Distribution of results according to the number of categories mentioned. Respostas dos alunos Pré-teste Pós-teste Não respondeu 39 14 Respondeu sem abordar nenhum 0 9 Aborda uma categoria 8 10 Aborda duas categorias 0 7 Aborda três categorias 0 7 Aborda quatro categorias 0 0 dos tópicos 4. Considerações Em conclusão, considera-se a escolha da metodologia de ensino, dos recursos e dos instrumentos uma boa opção para a aprendizagem dos alunos, porque de uma maneira geral, os alunos melhoraram do pré-teste ao pós-teste. A melhoria está direta ou indiretamente influenciada pelo trabalho docente desenvolvido e na forma como foram delineadas e planificadas as aulas. Certamente era necessário mais tempo e mais apoio na aprendizagem dos alunos para se conseguir atingir o sucesso, e obter participação efetiva de todos no trabalho. Contudo, o tempo disponível para a abordagem que havia a ser feita foi escasso e embora tenha ocorrido um feedback do trabalho dos alunos, era necessário mais tempo para nova reformulação e novo feedback que certamente potencializaria resultados ainda melhores. Referências Allegrè, C., 1987. As fúrias da Terra. Relógio D´Água Editores, Lisboa, 211 p. Autoridade Nacional de Proteção Civil. A proteção civil e os sismos, http://www.proteccaocivil.pt/Pages/default.aspx (consultado em 01.03.2014). Barret, T., Cashman, D., (Eds) 2010. A practitioner´s guide to enquiry and Problem-Based Learning. UCD Teaching and Learning. Dublin, 49 p. Câmara, F.M.V.R., 2010. Evolução das soluções de reabilitação recente nos Açores motivada pela atividade sísmica. Tese de mestrado, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (não publicada), 75 p. Coutinho, C.P., 2011. Metodologia de investigação em Ciências Sociais e Humanas: teoria e prática. Edições Almedina, Coimbra, 343 p. Estêvão, J.M.C., Oliveira, C.S., 2001. Parâmetros que condicionam os valores da casualidade sísmica. Atas do 5.º Encontro Nacional sobre Sismologia e Engenharia Sísmica. Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Açores, 29-41. Esteves, A.J., 2009. A investigação-ação. In: A.S. Silva, J.M. Pinto, (Orgs). Metodologias das Ciências Sociais. Edições Afrontamento, Porto, 15, 251 – 278. Goodnough, K., Cahsion, M., 2003. Fostering inquiry through ProblemBased Learning. Science Teacher (Normal III), 79(9), 21-25. Lambros, A., 2004. Problem-Based Learning in Middle and High School Classrooms – A Teacher’s Guide to Implementation. Thousand Oaks: Corwin Press, 136 p. ME:DES - Ministério da Educação: Departamento do Ensino Secundário, 2001. 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