MEMÓRIA JUSTIFICATIVA
PROJECTO PORTO SÉCULO XVI
A Sé e a sua envolvente no Século XVI
José Ferrão Afonso
Maria Leonor Botelho
Porto
2005
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ÍNDICE
Introdução
7
Parte I - A Sé do Porto na época medieval
1.
Fontes e Bibliografia
2.
Estado da Questão
2.1.
O contributo particular do século XX
3.
A Sé do Porto vs História da Diocese e História da Cidade do Porto
4.
A Fundação do Monumento
5.
A estrutura medieval da Sé do Porto
5.1.
A Planimetria
5.2.
Os Sistemas de Cobertura
5.3.
O Exterior da Igreja
5.3.1. Fachada Principal
5.3.2. Fachada lateral Norte
5.4.
Interior da Igreja
5.5.
Claustro Gótico
5.6.
Claustro Velho
5.7.
Capela de João Gordo
5.8.
Sacristia
10
11
11
12
16
19
24
24
27
28
28
31
32
34
35
37
40
Parte II - A Sé do Porto e a sua envolvente no século XVI
1.
A Sé do Porto no século XVI
1.1.
A igreja
1.1.1. Fachada principal
1.1.2. Alpendre de S. João
1.1.3. Janelas e frestas
1.1.4. Portas laterais
1.1.5. Baptistério
1.1.6. Coro
1.1.7. Capela-mor e charola
1.1.8. Coruchéu
1.1.9. Altares
1.1.10. Púlpito
1.2.
Claustro Gótico
1.2.1. Altares, capelas e retábulos
1.2.2. Portas
1.2.3. Confessionários
1.2.4. Casa do Cabido
1.2.5. Varanda do Bispo
1.3.
Outras dependências
1.3.1. Sacristia
1.3.2. Casa do tesouro, casa das hóstias e celeiro do Cabido
2.
A ENVOLVENTE DA SÉ NO SÉCULO XVI
2.1.
A rua do Redemoinho
2.1.1. Um bairro canónico entre os séculos XIII e XVI
2.1.2. A Sé pré-românica e as origens da rua
2.1.3. O «MuroVelho»
2.1.4. Proprietários e moradores
2.1.5. Loteamento e arquitectura privada
2.1.6. Urbanismo
41
42
42
42
43
43
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46
48
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2.2.
Praça da Sé
2.2.1. Origem
2.2.2. Sinais de poder
2.3.
Rua da Porta Principal da Sé e terreiro da Pregação
2.3.1. Origem
2.3.2. O auditório e o desenvolvimento de uma arquitectura institucional
3.3.3. A capela de Nossa Senhora de Agosto ou dos Alfaiates
3.3.4. A construção vernácula: habitações e casa da obra da Sé
3.3.5. Festa
ANEXO 1
Adufas da casa do cabido
Adufas da igreja
Adufas da sacristia
Altares da Igreja
a. Altar da bênção dos círios e ramos na capela-mor
b. Altar das Chagas
c. Altar do coro
d. Altar-mor
e. Altar de Santo Estevão
f. Altar de São Francisco
g. Altar de S. Gonçalo
h. Altar de S. Pedro
i. Altar da Vera Cruz
j. Altares da charola
Altares do Claustro
a. Altar de Nossa Senhora
b. Altar de Nossa Senhora da Silva
c. Altar de Santo António
d. Altar da porta travessa do claustro
e. Altar de Santa Catarina
f. Altar de S. Brás
g. Altar de S. Miguel
h. Altar da Trindade
i. Altares sem designação
Balaústres da capela-mor
Campa do coro
Capelas da Igreja
a. Capela-mor
b. Capela de Nossa Senhora do Presépio
c. Capela de Nossa Senhora da Silva
d. Capela do Santíssimo Sacramento
e. Capela de S. Pedro
Capelas do Claustro
a. Capela dos Apóstolos
b. Capela do Espírito Santo
c. Capela da grade de ferro
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90
90
90
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94
94
95
96
96
97
98
98
98
98
d. Capela de Nossa Senhora de Agosto
e. Capela dos Rebelos
f. Capela de Santa Ana
g. Capela de Santiago
h. Capela de Santo António
i. Capela de S. Vicente
j. Capela da Trindade
k. Capelas do claustro não identificadas
Casa das hóstias
Casa do cabido
Casa do lampadário do coruchéu de madeira
Casa do lampadário do coruchéu de pedra
Casa do relógio
Celeiro
Charola
Claustro
Claustro velho
Confessionários
Coro
Coruchéu de madeira
Coruchéu de pedra
Escadas do balcão
Escadas do coro
Frestas
Grades
Grades da capela-mor
Grades do deambulatório
Janela da capela-mor
Janelas do cárcere
Janelas da casa do cabido
Janelas da casa do relógio
Janelas do coruchéo
Janelas da igreja
Janela da sacristia
Janelas da torre dos sinos
Lampadário
Moimento de S. Pantaleão
Necessárias
Órgãos
Parlatório
Pedras do claustro
Pia baptismal
Pias de água benta
Piscina da sacristia
Porta de alçapão do cárcere
Porta de alçapão do coruchéo
Porta do claustro
Porta do claustro para a capela de Santiago
Porta do claustro para o claustro velho
Porta do coro
Porta do coro para a casa do cabido
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101
105
105
106
106
106
108
115
115
117
119
130
137
137
139
140
140
140
141
141
141
141
142
142
143
143
143
143
144
144
146
146
147
147
148
148
148
149
149
149
149
150
Porta da escada do coro
Porta grande que vai para a Misericórdia
Porta para o monumento a São Pantaleão
Porta para o paço episcopal
Porta principal
Porta da sacristia
Porta de S. Vicente
Porta do tesouro
Porta da torre do relógio para o coruchéo
Porta da torre dos sinos
Porta travessa do claustro para o auditório e púlpito
Porta travessa da capela de Santiago
Portas da casa do cabido
Portas laterais da igreja
Portas novas do claustro
Portas da torre
Púlpito pascal
Púlpito interior
Relógio
Retábulo de um altar da charola
Retábulo-mor
Retábulo de Santa Luzia
Retábulo de Santo António
Retábulo de Santo Estevão
Retábulo de S. Brás
Retábulo de S. Gonçalo
Retábulo de S. João e Santiago
Retábulo da Trindade
Retábulos
Sacristia
Sinos
Tabernáculo da capela-mor
Telhado
Tesouro
Torres
Varanda do claustro ou varanda do bispo
Varanda do relógio
Vidraças da charola
Vidraça do coro
Vidraças da igreja
ANEXO II – Rua do Redemoinho
1.
a) Conjunto de documentos que não foi possível indexar às casas do Tombo nº 458
2.
b) Ordenação das casas da rua segundo o Tombo do Cabido nº 458
2.1.
ADRO DETRÁS DA SÉ
Casa nº 1
Casa nº 2
Casa nº 3
Casa nº 4
Casa nº 5
Casa nº 6
2.2.
PORTA DE VANDOMA
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150
150
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150
150
151
151
152
152
152
152
153
153
153
155
155
155
155
156
157
157
159
159
159
159
160
160
160
160
161
163
167
168
170
170
172
173
173
173
174
177
177
179
179
179
182
183
186
187
188
191
Casa nº 7
Casa nº 7a
Casa nº 8
Casa nº 9
Casa nº 10
Casa nº 11
Casa nº 12
Casa nº 13
Casa nº 14
Casa nº 15
Casa nº 16
Casa nº 17
Casa nº 18
Casa nº 19
Casa nº 19b, (propriedade da Misericórdia)
Casa nº 20
Casa nº 21
Casa nº 22
ANEXO III
1.
2.
3.
4.
5.
Praça da Sé
Cárcere e torre de Vandoma
Alpendre de S. João
Cárcere
Chafariz
191
193
193
195
197
199
202
203
206
209
210
211
212
214
217
218
222
223
224
224
224
226
227
232
ANEXO IV – Rua da Porta Principal da Sé e Terreiro da Pregação
1.
Rua da Porta Principal da Sé
1.1.
Casa nº 1
1.2.
Casa nº 2 (casa do Cabido)
1.3.
Casa nº 3
1.4.
Casa nº 4
1.5.
Capela de Nossa Senhora de Agosto
2.
Terreiro da Pregação
2.1.
Auditório
2.2.
Casa da obra
2.3.
Púlpito exterior
240
240
240
241
244
244
245
245
245
250
251
FONTES E BIBLIOGRAFIA
1.
Fontes
1.1.
Fontes Documentais
1.2.
Fontes Documentais Impressas
1.3.
Fontes Iconográficas
1.4.
Fontes computorizadas
2.
Bibliografia
253
253
253
254
255
255
255
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Parte I - A Sé do Porto na época medieval
Maria Leonor Botelho
Mestre em Arte, Património e Restauro pela Faculdade de Letras de Lisboa. Monitora da disciplina de História da Arte da
licenciatura em Arquitectura Paisagista da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Bolseira de Doutoramento da
FCT.
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1.
Fontes e Bibliografia
A nossa aproximação à Sé do Porto iniciou-se, desde logo, por um levantamento, o mais completo
possível, da historiografia artística dos elementos que lhe dão corpo e forma, dos elementos que
marcam e afirmam a singularidade daquilo que é hoje a Sé do Porto. Deparámo-nos com uma vasta
bibliografia, contudo fragmentária5. Na verdade, à medida que fomos avançando na nossa
investigação sobre a fortuna histórica e artística da catedral portuense, fomos tomando consciência
da inexistência de estudos monográficos e de estudos comparados sobre este conjunto tão
significativo para a historiografia artística portuguesa, em geral, e portuense, em particular.
O que reunimos foi, de facto, um vasto conjunto de estudos direccionados para este ou aquele
elemento, para este ou aquele artista, para este ou aquele acontecimento, para esta ou aquela época
artística, logo estudos específicos e pouco abrangentes. A inexistência de uma monografia surge,
pois, como um obstáculo pelas dificuldades acrescidas que acarreta para uma maior e melhor
legibilidade do edifício e para uma compreensão da sua evolução artística.
2.
Estado da Questão
Relativamente àquilo que foi concretamente a Sé do Porto na época medieval há diversas questões
que foram constantemente abordadas pela historiografia artística e histórica que centrou o seu olhar
sobre este monumento. Umas mostraram-se, naturalmente, mais pertinentes e mais credíveis que
outras. Mas o que é certo é que, de uma forma geral, centram-se fundamentalmente sobre os
mesmos aspectos: explicação das origens da catedral portuense debatendo a sua fundação,
deduzindo a estrutura e forma da primitiva cabeceira e da fachada principal (ambas totalmente
transformadas nos séculos posteriores). Voltaremos a abordar estas questões.
São várias as fontes escritas que se revelam fundamentais para entender o que poderá ter sido a Sé
do Porto ao longo dos séculos. Na ausência de fontes iconográficas ilustradoras das várias épocas do
monumento (estas surgem com mais frequência para ilustrar o século XX), as fontes escritas e, mais
particularmente as descrições, são muito importantes para uma primeira aproximação ao monumento
e porque se revelarem extremamente significativas no intuito reconstitutivo daquilo que tem sido esta
Catedral ao longo dos séculos.
São vários os cronistas que nos dão uma visão, mesmo uma descrição, daquilo que era a Sé no seu
tempo ou, melhor ainda, do modo como viam e interpretavam a Sé. Estes relatos, quase que vistos
em directo, têm, no entanto, que ser interpretados de uma forma crítica – não nos podemos esquecer
que estes autores, muitas vezes, romanceavam aquilo que viam, tinham por verdade absoluta as
lendas e tradições passadas de geração em geração, exaltavam-se no modo como se referiam àquilo
que descreviam, manifestando constantemente os seus sentimentos relativamente ao objecto da sua
descrição. Mas o que é certo é que, se vistos com o devido discernimento, as narrações destes
cronistas são de uma importância extrema pelo simples facto de nos fazerem aproximar de uma Sé
cuja aparência é sensivelmente diferente daquela que conhecemos actualmente.
Particularmente importante para uma aproximação àquilo que era a Sé do Porto em 1591 (e que não
seria muito diferente daquilo que terá sido na Idade Média) é a descrição que o Doutor João de
Barros6 nos faz em 1548.
Posteriormente a esta data surgem outros cronistas que nos dão uma descrição, mais ou menos
alongada, da catedral portuense. Embora não sejam elucidativos para o entendimento da Sé do Porto
5 Cfr. Fontes e Bibliografia em anexo.
6O Escrivão da Câmara de D. João III e do seu desembargo é o autor da Geographia d’Entre Douro e Minho e Tras- osMontes que também “contem outras cousas antigas e notaveis”. Cfr. BARROS, Doutor João d’ – Geographia d’Entre Douro
e Minho e Trás-os-Montes. Porto: Biblioteca Pública Municipal do Porto, 1919.
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na Época Medieval, gostaríamos de deixar uma breve referência relativa à sua obra, fundamental
para compreender a evolução do monumento ao longo dos tempos. Embora nos remeta para um
período ligeiramente posterior à data escolhida para o modelo 3D da Sé do Porto (1591),
encontramos a imensa e tão citada obra do monge beneditino do convento de São Martinho de
Compostela, natural da Cidade do Porto, Manuel Pereira de Novaes7. A sua Anacrises remete-nos
para século XVII8, tal como a descrição feita por D. Rodrigo da Cunha9, bispo do Porto entre 1619 e
1627. O Padre Agostinho Rebelo da Costa10 relata-nos a cidade do século XVIII, descrevendo
brevemente a Sé, nomeadamente o que ela era em 1788.
Henrique Duarte e Sousa Reis11 deixou-nos uma ampla e pormenorizada descrição da Sé do Porto,
também incorporada numa descrição mais abrangente de toda a cidade Invicta. Refira-se, no entanto,
que esta descrição é extremamente importante na medida em que nos dá a conhecer o monumento
no momento imediatamente anterior à grande intervenção transformadora que a Direcção-Geral dos
Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) realizou na Sé do Porto a partir de 1929. Também no
século XIX, vemos surgir outro tipo de textos que retratam a Sé do Porto. Referimo-nos a Pinho Leal
e ao seu Diccionario12, cujo texto, ao modo romântico de então, deve ser analisado de um modo
crítico por estar absorvido em diversas tradições e lendas.
2.1. O contributo particular do século XX
7O título original do texto é: Anacrises Historial del Origen i Fundacion i Antiguidad de la mui noble y siempre leal ciudade
de o Porto. A este monge beneditino se devem oito preciosos volumes que nos levam até ao Porto do século XVII, numa
descrição contemporânea que não olvida as origens e a evolução desta cidade nos seus mais variados aspectos. Por esta razão,
Novaes é constantemente citado por todos os autores que se dedicam ao estudo da história do Porto e da sua arte. Cfr.
NOVAES, Manuel Pereira de – Anacrises Historial. Mss. Ineditos dados á estampa pela Bibliotheca do Porto. Porto:
Bibliotheca Publica Municipal do Porto, 1912, 8 vols.
8 Embora o seu manuscrito não esteja datado, ao mencioná-lo na sua resenha dos portuenses ilustres, Rebelo da Costa apenas
disse que escrevera de história e florescera “no século passado”. Cfr. COSTA, Agostinho Rebelo da – Descrição Topográfica
e Histórica da Cidade do Porto. 3ª Edição. Lisboa: Frenesi, 2001. p. 252.
9 D. Rodrigo da Cunha é o sucessor directo de D. Fr. Gonçalo de Morais (1603-1617), a quem devemos a construção da
actual capela-mor da Sé do Porto. E isto é extremamente significativo pelo facto de, no seu Catálogo dos Bispos do Porto, D.
Rodrigo da Cunha nos proporcionar uma descrição feita numa data muito próxima da conclusão da construção da capela-mor
maneirista da Sé do Porto. Cfr. CUNHA, D. Rodrigo da – Catálogo dos Bispos do Porto. Porto: (dado ao prelo por Padre
António da Costa), 1742.
10 Presbítero secular e cavaleiro da Ordem de Cristo, o Padre Agostinho Rebelo da Costa (? – 1791) é o autor da Descrição
Topográfica e Histórica da Cidade do Porto. Cfr. COSTA, Agostinho Rebelo da – Descrição Topográfica e Histórica da
Cidade do Porto. 3ª Edição. Lisboa: Frenesi, 2001.
11 REIS, Henrique Duarte e Sousa - Apontamentos para a verdadeira história antiga e moderna da cidade do Porto. Porto:
Biblioteca Pública Municipal do Porto, 1984, vol. IV, p. 11-49.
12 LEAL, A. Pinho – Portugal Antigo e Moderno (Diccionario). Braga: Oficinas Gráficas de Barbosa Xavier Lda., 1990, vol.
VII.
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O século XX contribuiu de forma muito particular para o entendimento daquilo que foi a Sé do Porto
ao longo dos tempos. Diversos factores ajudaram de forma significativa para que isso acontecesse,
como sejam as intervenções realizadas pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais
(1929-1982), assim como as mais recentes, da responsabilidade do Instituto Português do Património
Arquitectónico (IPPAR).
Há que notar que o século XX - e mais particularmente a sua primeira metade - esteve especialmente
atento a este monumento. De facto, durante esta época, e mais concretamente durante o Estado
Novo (1926-1975), foi dada uma especial atenção aos edifícios medievais, parecendo que foram
então “redescobertos”. A História da Nação adquire por esta altura um significado muito particular,
nunca antes alcançado13. Exaltam-se as figuras heróicas da história pátria, os lugares marcantes e
definidores da nossa Nacionalidade.
Em 1929, com a criação da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN)14, sob a
tutela do Ministério das Obras Públicas (MOP), surgia a instituição estatal que iria assumir a
responsabilidade da empresa ideológica da restauração, numa materialização do culto dos
monumentos. Ao tempo do Estado Novo esta instituição tinha a exclusividade de intervenção sobre o
património edificado da Nação, pelo que tutelava todas as responsabilidades que zelassem pela sua
salvaguarda, como sejam, por exemplo, a definição e controlo de zonas de protecção dos
monumentos15.
De facto, coube à DGEMN uma grande empresa ideológica ao serviço dos interesses do Estado e da
Nação, ao serviço de uma visão triunfalista da história, ao serviço de uma ideologia política que
procurava, e encontrava, a sua legitimidade na exaltação de passado Nacional. O instrumento que
materializou toda esta ideologia foi, como já mencionámos, a restauração dos Monumentos
Nacionais, naquilo a que João Medina chamou de patrimonialismo16.
Assim, desenvolveu-se toda uma megalómana acção de campanhas de restauro, com um alcance e
uma proporção nunca antes alcançados. De facto, tendo o regime demonstrado uma especial
13 Sobre as intervenções realizadas sob a alçada da DGEMN, seu carácter, ideologia, conceitos e metodologia, mas também
sobre as personalidades a elas ligadas vide NETO, Maria João Baptista - A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais e a intervenção no património arquitectónico em Portugal (1929-1960). Lisboa: Dissertação de Doutoramento em
História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1995, 2 vols. (texto policopiado); Idem Memória, Propaganda e Poder. O Restauro dos Monumentos Nacionais. Porto: FAUP Publicações, 2001; TOMÉ, Miguel
Jorge B. Ferreira – Património e Restauro em Portugal (1920-1995). Porto: Dissertação de Mestrado em História da Arte em
Portugal apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1998, 3 volumes (texto policopiado); Idem Património e Restauro em Portugal (1920-1995). Porto: FAUP Publicações, 2002.
14 Criada pelo Decreto nº 16 791 de 30 de Abril, então sob a tutela do Ministério do Comércio e Comunicações, reuniu os
serviços cujas responsabilidades incidiam nos edifícios e monumentos nacionais, nomeadamente ao nível da realização de
obras.
15 Como é sabido, na actualidade esta situação foi alterada de uma forma conflituosa visto existirem duas instituições com
atribuições na área do Património Edificado, a DGEMN e o IPPAR (criado em 1992), sob a alçada de dois Ministérios
diferentes, o das Obras Públicas, Transportes e Habitação e o da Cultura, respectivamente.
16 Entendendo o autor patrimonialismo como a paixão restauracionista do passado patrimonial português levado a cabo pela
Ditadura, uma das marcas, um dos suportes da ideologia e da política salazaristas. Cfr. MEDINA, João – “Deus, Pátria e
Família: ideologia e mentalidade do salazarismo”. In MEDINA, João (dir.) – História de Portugal dos Tempos Pré-Históricos
aos nossos dias. Amadora, Ediclube, vol. XII, p. 34.
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preferência pelos monumentos coevos da Formação da Nacionalidade, os edifícios românicos vão
receber toda uma intervenção orientada pelos mesmos princípios, porque destinada aos mesmos
fins, porque realizada e orientada pela mesma Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais17.
Um outro aspecto extremamente significativo, e que lhe está intimamente ligado, na medida em que é
ele que estabelece os critérios de actuação, é o conceito de reintegração estilística. Sendo o estado
primitivo dos monumentos aquele que é considerado como sendo o mais puro, porque seu originário
e coetâneo do período que se pretende exaltar, procura-se constantemente “regressar” a esse
mesmo estado através da supressão dos elementos que o corrompem e que o ocultaram ao longo
dos tempos. Normalmente, estes elementos, conotados com deturpações e excrescências,
constituem acrescentos, arquitectónicos e decorativos, que a História quis deixar como seu registo
nos monumentos do passado, como meio de conservação, correcção ou actualização dos mesmos.
Mais, estes elementos, na maior parte dos casos tidos por não terem qualquer qualidade artística e,
menos ainda, qualquer significado histórico, são em grande parte originários da Época Moderna,
então vista como um período de decadência histórica. Assim, ao retirar aos monumentos elementos
que, por não estarem dentro do seu estilo primitivo o adulteram, procura-se restituir-lhes uma traça
mais digna, mais de acordo com o valor histórico desse mesmo monumento, conforme se acreditava.
Mais, o simples facto de se eliminarem elementos de épocas posteriores ao da construção primitiva
do edifício reforça precisamente essa primazia do valor histórico sobre o valor artístico. E em toda
esta orientação seguida nas intervenções de restauração dos monumentos nacionais, com vista ao
seu ressurgimento, temos bem patente, em última análise, o reflexo da teoria de restauro
desenvolvida pelo arquitecto francês, Viollet-le-Duc18.
Entre os muitos Monumentos Nacionais que foram então alvo de obras de restauração estava,
naturalmente, a Sé do Porto. Não cabe aqui descrever as significativas transformações que
decorreram da grande campanha que a DGEMN realizou neste complexo, todavia urge lembrar o
quão elas foram significativas para o entendimento do monumento pelo facto de aparecerem como
uma espécie de chamada de atenção para a importância do que foi sempre a Sé do Porto ao longo
dos séculos.
Há que lembrar, uma vez mais, o carácter fragmentário dos estudos relativos a este monumento. E o
que é significativo é que, se avaliarmos a datação dos mesmos, verificamos que estes coincidem na
sua maior parte com as datas da grande intervenção da DGEMN. Acrescente-se, aliás, o carácter
propagandístico que esta assumiu através do Boletim nº40 a 43 da Direcção-Geral dos Edifícios e
Monumentos Nacionais de 194619. Na “Notícia Histórica” encontramos uma apologia à história
triunfalista da Catedral portuense, ao mesmo tempo que são feitas críticas cerradas aos enxertos de
que esta foi vítima, com particular destaque para os da época Moderna e, mais concretamente, para
os decorrentes das intervenções de “barroquização” do tempo da Sede Vacante de 1717-1741;
segue-se a descrição do Monumento “Antes da Restauração”, onde se exalta e sublinha a sua
condição de vítima face à acção do tempo, mas sobretudo dos homens, manifestando-se numa
decadência mais arquitectónica do que construtiva20, a qual é preciso alterar, salvando o Monumento
através da sua libertação e reintegração; segue-se a enunciação das principais “(As) Obras de
17 Sobre a ideologia da intervenção da DGEMN nos monumentos medievais e sua materialização vide RODRIGUES, Jorge
– “A Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e o Restauro dos Monumentos Medievais durante o Estado
Novo”. Caminhos do Património. Lisboa: DGEMN e Livros Horizonte, 1999, p. 69-82.
18 Cfr. “Restauration” In VIOLLET-LE-DUC, Eugéne – Dictionnaire Raisonné de l’Architecture Française du XIe au XVIe
Siécle. (França): Bibliothéque de l’Image, 1997, 3 volumes.
19 BOLETIM da DGEMN - Sé Catedral do Porto, nº40 a 43, Jun./Set./Dez. 45 Mar. 46, p. 33.
20 Boletim da DGEMN – Sé Catedral do Porto. Op. Cit., p. 25.
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Restauração” que permitiram a libertação do grandioso edifício da Sé Catedral do Porto21; termina
este Boletim com a reunião de um conjunto de cerca de uma centena de “Desenhos” e de “Estampas”
que ilustram, justificando, tudo o que atrás foi dito. Aqui podemos encontrar uma compilação
(indirecta) das principais opções tomadas (ou daquelas que foram consideradas as principais), dos
ideais e teorias nelas materializadas. E, de facto, visou toda esta acção desenvolvida pela DGEMN
reintegrar o monumento na sua traça primitiva, isto é, na sua traça medieval.
Daí que os elementos revelados pelos estudos dedicados a esta época sejam extremamente
importantes para o entendimento que actualmente temos daquilo que foi a Sé do Porto no século XX,
ou melhor, daquilo que foi até ao século XX. Já tivemos oportunidade de nos dedicar
aprofundadamente a esta problemática quando nos propusemos a estudar As transformações
sofridas pela Sé do Porto no século XX. A acção da DGEMN (1929-1982) 22.
E pudemos concluir com segurança que aquilo que conhecemos hoje como sendo a Sé do Porto
resulta muito desta intervenção reintegradora da responsabilidade da DGEMN que procurou devolver
ao monumento aquilo que entendia ter sido a sua dignidade primitiva. O que é certo é que se
defendia que estas acções de reintegração eram feitas com base nos elementos e fragmentos
encontrados, ocultos ou conhecidos noutros Monumentos coevos e geograficamente próximos. Mas,
questionamo-nos se aquilo que entendemos como sendo o românico português (e a Sé do Porto tem
uma acentuada raiz românica) apresenta caracteres semelhantes aos da sua origem pristina ou se,
pelo contrário, e fruto das adulterações e transformações que foi conhecendo ao longo dos séculos,
os caracteres que se conhecem não são de todo aproximados, porque resultado da interpretação que
lhes foi dada por ocasião das grandes acções de reintegração a que os monumentos foram sujeitos23.
Em suma, a par de toda esta problemática em torno da legibilidade da estrutura medieval da Sé do
Porto, devemos a esta época do século XX uma concreta chamada de atenção e apelo para a
importância histórica, cultural e artística do complexo catedralício que coroa o Morro da Pena
Ventosa.
Também os finais do século XX têm, de alguma forma, voltado o seu olhar consciente para este
complexo monumental. A inscrição do Centro Histórico do Porto na lista de Património Mundial da
UNESCO em 199624 não foi certamente alheia a este facto.
21 Idem, p. 35.
22 Não se enquadra no âmbito desta Memória desenvolver de forma detalhada as intervenções que a DGEMN realizou na Sé
do Porto entre 1929 e 1982, não só por uma questão metodológica, mas também porque não se enquadra no âmbito
cronológico deste projecto. Para um conhecimento mais detalhado vide o que escrevemos sobre o assunto In BOTELHO,
Maria Leonor – As transformações sofridas pela Sé do Porto no século XX. A acção da DGEMN (1929-1982). Dissertação
de Mestrado em Arte, Património e Restauro apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2004, 3 vols.
(texto policopiado); Idem - Sé do Porto. Século XX. Lisboa: Livros Horizonte (no prelo); Idem - “Do restauro à conservação.
A intervenção da DGEMN na Sé do Porto (1929-1982)”. In LACERDA, Manuel (dir). - Estudos/Património. Revista do
IPPAR. Lisboa: IPPAR/MC, 2005, nº8, p. 12-20.
23 Vide o que escrevemos sobre o assunto na bibliografia supra-citada.
24 A 5 de Dezembro de 1996, a zona histórica do Porto foi classificada pela UNESCO como Património Mundial, numa
reunião realizada no México, após ter obtido a unanimidade técnica do International Council of Monuments and Sites
(ICOMOS). Cfr. CABEÇAS, Maria da Conceição; D’ARA, Concha – Porto Monumental e Artístico – Património da
Humanidade. Porto: Porto Editora, 2001, p.33.
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Desde 1992 que a Sé do Porto está sob a tutela do IPPAR25 e esta instituição estabeleceu em 1993
um protocolo com o Cabido da Sé do Porto que visa a reabilitação e valorização do complexo
catedralício26. Desde então, a catedral portuense tem sido alvo de intervenções continuadas. Para
além da criação do museu do “Tesouro da Catedral” (no segundo piso da Casa do Cabido) segundo
um projecto do Prof. Fernando Távora (1989), que adaptou os seus compartimentos às novas
funções museológicas27, tem vindo o edifício a ser alvo de todo um conjunto de intervenções de
consolidação, restauro e valorização que procuram, em última análise, reabilitar o restauro como
programa28.
Toda este conjunto de intervenções foi acompanhado por um projecto de estudo histórico e
arqueológico da Sé do Porto29. O estudo histórico aprofundado adveio da tomada de consciência
generalizada de que a informação publicada relativamente a este monumento tem um claro carácter
pontual, disperso e de desigual valor – os escassos ensaios de síntese, habilitando o estabelecimento
da sequência construtiva do monumento, mostram por isso longas lacunas cujo preenchimento exige
nova investigação de fundo nos registos documentais ou arqueológicos30. Eis mais uma razão que
valoriza o carácter e a importância do Projecto “Porto Século XVI” ao mostrar o modelo 3D da Sé do
Porto em 1591 com base numa pesquisa histórica o mais aprofundada possível.
E, por fim, tal como já tinha sido feito na primeira metade do século XX com a publicação do Boletim
da DGEMN, também recentemente foi dado ao prelo um conjunto de artigos (ao modo de “dossier”)
relativos a estas últimas intervenções na revista do IPPAR Estudos/Património31.
3.
A Sé do Porto vs História da Diocese e História da Cidade do Porto
A aproximação à realidade da Sé do Porto, quer na sua perspectiva histórica, quer na sua perspectiva
artística, não pode ser feita isoladamente. Deste modo, quando estudamos a Sé do Porto não a
podemos descontextualizar daquilo que a envolve e que a gerou, a cidade do Porto. Desde sempre, a
História da Cidade do Porto32 e a História da Diocese do Porto33 têm caminhado lado a lado: a história
25 Instituto Português do Património Arquitectónico, organismo que desenvolve a sua actuação no seio do Ministério da
Cultura, instituído pelo Decreto-Lei nº106-F/92 de 1 de Junho com o intuito de se ocupar “da salvaguarda e da valorização do
património cultural arquitectónico e arqueológico do País”. Segundo a alínea 2) do Artº 20 do referido Decreto-Lei, transitam
para a afectação do IPPAR todo um conjunto de Imóveis, entre os quais se encontra a Sé do Porto.
26 IPPAR, Direcção do – Património. Balanço e Perspectivas (2000-2006). Lisboa: MC e IPPAR , 2000, p. 220-221.
27 Vide o que escrevemos sobre o assunto In BOTELHO, Maria Leonor - “A Casa do Cabido da Sé do Porto: as
transformações do século XX”, In Actas do I CONGRESSO IBÉRICO DE CASAS SOLARIEGAS realizado em Vigo de 13
a 16 de Novembro de 2002. Vigo: Asociación Amigos de Los Pazos, 2004, p. 273-284; Idem - “A Casa do Cabido da Sé do
Porto. O Século XX e uma nova leitura espacial”. Museu, Publicação do Círculo Dr. José de Figueiredo, IV Série – nº13,
2004, p. 225-246.
28 Cfr. MELO, Ângela – “Sé do Porto. Intervenções”. In LACERDA, Manuel (dir). - Estudos/Património. Revista do
IPPAR. Op. Cit., p. 5- 11; LOURENÇO, Paulo B. – “Reforço estrutural das Torres da Sé do Porto.” In Idem, p. 21-25.
29 Cfr. DORDIO, Paulo – “Projecto de estudo histórico e arqueológico da Sé do Porto – o cemitério”. In Idem, p. 26-34.
30 Idem, p. 26.
31 Cfr. LACERDA, Manuel (dir). - Estudos/Património. Revista do IPPAR. Lisboa: IPPAR/MC, 2005, nº8, p. 5-34.
32 Sobre a História da Cidade do Porto Vide PERES, Damião (dir.) - História da Cidade do Porto. Porto: Portucalense
Editora, 1962-1965, 3 vols. e RAMOS, Luís A. de Oliveira (dir.) – História do Porto. 2ª Edição. Porto: Porto Editora, 1995.
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politica da Cidade do Porto está tão intimamente ligada com a dos prelados, que teem presidido aos
destinos da Igreja portucalense, que é impossivel mencionar uma sem referir a outra34.
Na realidade o núcleo originário da Cidade do Porto, aquele que revela os mais remotos vestígios é
precisamente o Morro da Pena Ventosa, penhasco dos vendavais35, onde se encontra implantada a
Sé Catedral. Encontram-se aí sinais de ocupação que remontam ao I milénio a.C.36, nomeadamente à
cultura castreja. Também aí foram detectados os alicerces de uma muralha dos fins do século III, da
fase Alto-Imperial37. Mas foi no período Suevo que se instalou o primeiro Bispo em Portucale, em
meados do século VI, após a transferência da sede episcopal da paróquia rural de Magnetum
(Meinedo, Lousada) para o Porto38, entre 572 e 58939. A transferência ter-se-á efectuado, mais
precisamente nesta última data, tornando-se então Magnetum em simples paróquia rural40. A partir
33 Sobre a História da Diocese do Porto vide: CUNHA, D. Rodrigo da – Catálogo dos Bispos do Porto. Porto: (dado ao prelo
por Padre António da Costa), 1742, FERREIRA, Cónego J. Augusto – Memorias Archeologico-Historicas da Cidade do
Porto: Fastos Episcopais e Politicos. Séc. VI-Séc. XX. Braga: Cruz e Comp.ª - Editores, 1923-1924, II tomos e PINTO,
Cónego António Ferreira – O Cabido da Sé do Porto – subsídios para a sua História. Porto: Câmara Municipal do Porto,
1940.
34 FERREIRA, Cónego J. Augusto – Memorias Archeologico-Historicas da Cidade do Porto. Op. Cit., tomo I, p.7.
35 SOUSA, Armindo de – “Tempos Medievais” In RAMOS, Luís A. de Oliveira (dir.) – História do Porto. 2ª Edição. Porto:
Porto Editora, 1995, p.124.
36 Têm sido vários os autores que nos têm informado sobre a ocupação castreja do Morro da Sé e não no da Cividade, como
defendia Mendes Correia - ...da bela eminência castreja do Corpo da Guarda, de mais elevada cota do que o vizinho cêrro da
Sé ou da Pena Ventosa, deixou rasto seguro na toponímia, conjugado com as condições topográficas. Cfr. CORREIA, A.A.
Mendes – “Fontes Antiquitatum Portucalensium”. Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto, vol. III, fasc. II, 1940, p.
181. As escavações mais recentes têm revelado todo um conjunto de estruturas da Idade do Ferro. Sobre este assunto vide
SILVA, Armando Coelho da – “As Origens do Porto”. In RAMOS, Luís A. de Oliveira (dir.) – História do Porto. Op. Cit.,
p.46-117; BARROCA, Mário Jorge – “As Escavações de Mendes Correia na Cividade (1932) e as Origens da Cidade do
Porto”. Arqueologia. Porto: Grupo de Estudos Arqueológicos do Porto, (Dezembro) 1984, 10, p.21-29 e REAL, Manuel Luís
– “A construção Medieval no sítio da Sé”. Monumentos. Lisboa: DGEMN, (Março) 2001, nº14, p. 9-19.
37 Muitos são os autores que afirmam ser esta muralha, a cerca velha, da época sueva. A revelação da existência de uma
muralha romana põe em causa esta tese tradicional sobre a origem sueva da primeira cerca, em redor da Sé Catedral.
38 SILVA, Armando Coelho da – “As Origens do Porto” In RAMOS, Luís A. de Oliveira (dir.) – História do Porto. Op. Cit.,
p.100.
39 O desabrochar urbano do Porto terá sido posterior à transferência do bispado. Esta transferência é reveladora da
importância que o Porto começa a ter enquanto “urb”, sendo responsável pela promoção de Portucale castrum a civitas,
manifestando-se, também, como estímulo para o desenvolvimento da cidade. Todavia, este não se revelou uniforme, tendo
ocorrido um retrocesso após o evento de 711 e uma instabilidade durante o chamado período da Reconquista. Cfr.
BARROCA, Mário Jorge - “As Escavações de Mendes Correia na Cividade (1932) e as Origens da Cidade do Porto”. Op.
Cit., 10, p. 26.
40 A interpretação mais corrente aponta para a não coexistência das duas dioceses e encontra adeptos como A. de Magalhães
Basto e como Damião Peres. Cfr. SILVA, Armando Coelho da – “As Origens do Porto”. Op. Cit., p. 102.
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dos registos dos nomes dos bispos que participaram nos Concílios de Toledo41 dos séculos VI a VIII,
verificamos que durante todo esse período a civitas portucalense teve bispos residentes, cuja
participação nestes Concílios é reveladora de uma estabilidade e de um status episcopal. A essa
estabilidade seguiu-se o conturbado período das conhecidas invasões muçulmanas, tendo Portucale
caído às mãos de Abdelaziz em 716. Só em 86842, com a presúria de Portucale, conduzida sob os
auspícios de Afonso III das Astúrias, é que tem início um novo período de estabilidade. São
contemporâneos destes presores, os bispos Justo (881) e Gomado (889).
Vários são os autores que concordam com a ideia de que a verdadeira História da Diocese
Portuense só começou com a chegada de D. Hugo, de origem francesa, fiel seguidor de D. Diogo
Gelmires43, nomeado bispo do Porto em 1113 ou 111444 – inauguram-se, então, os Tempos
Medievais da Cidade45. Dá-se o restabelecimento do bispado, após uma sede vacante de vinte e sete
anos, à frente da qual estiveram vários arcediagos. É então que História da Diocese e História da
Cidade do Porto se começam a confundir. A 18 de Abril de 112046 a rainha D. Teresa doa a D. Hugo
e aos seus sucessores o burgo portuense, e um vasto território, ao qual este dá carta de foral47 em
1123. A cidade é, nessa altura, senhorio feudal, senhorio episcopal. O Morro da Pena Ventosa, no
qual vamos ver surgir a Catedral, será desde cedo conotado com este poder eclesiástico, este poder
da Mitra e do Cabido, ao modo de acrópole. E a Catedral que se vai erguer a partir da segunda
metade do século XII vai-se converter no símbolo visível e esmagador desse poder. Usando uma
expressão de Armindo de Sousa, o Porto-sede-episcopal inicia também, neste momento, o seu
41 Tenha-se por exemplo a participação de Constâncio (585-589) no III Concílio de Toledo (589), de Ansiulfo (633-638) no
IV (633) ou de Froarico (675-678) no XII (681), XIII (683) e XIV (688). Cfr. Idem, p. 104 e “Catálogo dos Bispos do Porto”
In PINTO, Cónego António Ferreira – O Cabido da Sé do Porto – subsídios para a sua História. Porto: Câmara Municipal do
Porto, 1940. p. 253.
42 A presúria encabeçada por Vímara Peres é muito significativa, também pelo facto de que Portucale vai passar a
desempenhar um papel de coordenação nas acções de presúria da segunda metade do século IX na área geográfica de entre o
Lima e o Vouga. Cfr. BARROCA, Mário Jorge – “As Escavações de Mendes Correia na Cividade (1932) e as Origens da
Cidade do Porto”. Op. Cit., p. 28-29, nota 26.
43 D. Hugo, arcediago da Sé de Compostela, era amigo intimo do bispo e a pessoa a quem este incumbia com especialidade
de ir tratar em Roma os seus negócios mais delicados. Cfr. HERCULANO, Alexandre – História de Portugal. Desde o
começo da Monarquia até ao fim do reinado de Affonso III. 7ª Edição. Paris – Lisboa: Livrarias Aillaud & Bertrand, 1915,
vol. II, Livro I, p. 68.
44 Alexandre Herculano aponta, como datas para a nomeação deste bispo 1112-1113, tendo sido sagrado no ano seguinte
pelo metropolitano bracharense Mauricio Burbino. Esta data é confirmada pelo Cónego José augusto Ferreira Pinto. Cfr.
HERCULANO, Alexandre – Op. Cit., vol. II, Livro I, p. 67; FERREIRA, Cónego J. Augusto – Memorias ArcheologicoHistoricas da Cidade do Porto. Op. Cit., tomo I, p. 150.
45 SOUSA, Armindo – “Tempos Medievais”. Op. Cit., p. 131.
46 A doação foi feita a 14 das Calendas de Maio da era de 1158, no sexto ano do pontificado de D. Hugo. O território
coutado estabelecia como que um triângulo irregular, cujos vértices eram Miragaia, Campanhã e a zona de Paranhos.
47 Este foral revelou-se um diploma basilar para a História política, económica e jurídica do Porto. O seu teor inspira-se no
de Sahagún, revelando-se liberal, muito embora supere o modelo galego em cordialidade a respeito dos súbditos e se revele
inovador no que toca ao fomento comercial. Cfr. SOUSA, Armindo de – “Tempos Medievais”. Op. Cit., p. 131.
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percurso ligado à História de Portugal48. E apesar do domínio episcopal só ter durado rigorosamente
até ao pontificado de D. Martinho Rodrigues (1191-1235), pois então já se afirma o poder burguês,
futuro emblema da Cidade, é em 1406 que a cidade passa a senhorio da Coroa. Todavia os bispos
continuam poderosos e a controlar a população portuense em geral: porque senhores de poderes
vários, político, económico e religioso, porque detentores de armas poderosas, os interditos e as
excomunhões.
O que é certo, é que não podemos avaliar a História da Diocese do Porto sem a integrarmos
na História da Cidade, por sua vez parte da História Nacional. A História da Humanidade não é feita
de caminhos lineares isentos, mas sim de caminhos que se cruzam e que se fazem mover
mutuamente.
Podemos, pois, afirmar que a História da Diocese do Porto, e com ela a da Sé, está intimamente
ligada à da Cidade do Porto, e por sua vez, à de Portugal. Como Igreja primeira desta cidade, e tal
como ocorreu com outras Sés por todo o país, a Sé do Porto chamou a si doações régias que se
converteram em contributos significativos para a sua construção, na Idade Média. Os primeiros
monarcas da I Dinastia contemplaram-na nos seus testamentos49, por ser crença de então, que assim
se garantia um lugar eterno entre os Justos. A título de exemplo, refira-se a tradição50 da doação, por
testamento, feita pela Rainha D. Mafalda a esta Sé como fruto da sua profunda crença em Nossa
Senhora da Silva, cuja imagem teria surgido por entre uns silvados aquando da abertura dos
alicerces desta Igreja.
Não se pode olvidar, também, aqueles pequenos grandes eventos que na vida quotidiana fizeram,
mais uma vez, estas “duas Histórias” cruzarem-se: são os eventos litúrgicos, as procissões, com
especial destaque para a de Corpus Christi, a feira no adro da Sé (cujos vestígios estão ainda
presentes nas medidas que vemos na Torre Sul da Sé)51.
4.
A Fundação do Monumento
A Fundação da Sé do Porto está envolta na obscuridade, em lendas e tradições várias. Tal fica a
dever-se não só à ausência de documentação que comprove o aparecimento material desta Catedral,
mas também ao facto de se procurar conferir uma origem, senão divina, pelo menos lendária, aos
grandes templos medievais.
O que é certo é que, com base em diversos documentos que fazem referência à existência de um
edifício anterior ao actual, no Morro da Pena Ventosa, temos a certeza de que aquele que hoje
conhecemos não existia antes dos meados do século XII.
A Carta do Cruzado Osberno que relata a conquista de Lisboa aos Mouros em 114752 e que nos
informa a armada dos cerca de 13 000 cruzados não coube dentro da igreja que aí existia, pelo que
48 O burgo episcopal alça-se com a progressão da Reconquista e com o seu fim, fruto da estabilidade criada, torna-se
rapidamente no entreposto comercial do Norte do país. RAMOS, Luís A. de Oliveira – “O Tempo e a Cidade”. In RAMOS,
Luís A. de Oliveira – História do Porto. Op. Cit., p. 25.
49 Este assunto será por nós abordado mais profundamente mais à frente. Interessa-nos apenas mencioná-lo porque se trata
de um dado relevante para a integração da História da Sé do Porto num contexto histórico mais alargado.
50 LEAL, A. Pinho – Portugal Antigo e Moderno (Diccionario). Braga: Oficinas Gráficas de Barbosa Xavier Lda., 1990, vol.
VII, p. 465.
51 Sobre o assunto vide BARROCA, Mário Jorge – “Medidas-Padrão Medievais Portuguesas”. Revista da Faculdade de
Letras – Série “História”. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1992, vol. IX., p. 53-86.
52 Cfr. ALVES, José Felicidade – A Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147. Carta de um cruzado inglês. Lisboa: Livros
Horizonte, 1989.
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ouviram o sermão do então bispo do Porto, D. Pedro Pitões, ao qual se seguiu uma missa, no exterior
da mesma, num adro ou cemitério.
A Inquirição de D. Afonso IV de 134853 também alude à primitiva edificação: assim, feita a adita
enquiriçom prouauasse por estas testimunhas, dellas de vista e dellas douuida, que a doaçom que a
Raynha dona tareija fezera aa egreja do porto e dom hugo bispo, que fora de huma hermida que em
esse tempo estaua hu hora està a sé, e de huum burgo pequeno que estava apar dessa hermida54.
Todavia, esta expressão deve ser compreendida face à desproporção com que a primitiva sede
episcopal portuense era vista relativamente à obra empreendida a partir de meados do século XII55.
Também alguns vestígios materiais comprovam a existência desta primeira edificação, como um
capitel de pilastra e a necrópole de sepulturas escadas na rocha sob o pórtico principal. Manuel Real
identificou um capitel de pilastra, decorado com altas folhas de acanto56, datável dos séculos IX-X e
que terá pertencido ao edifício pré-românico. Deste mesmo período é ainda a necrópole de
sepulturas abertas na rocha, sobranceiras ao portal principal da Catedral. Surgem a mais de um
metro de desnível e integravam o núcleo, mais alargado, do chamado “Cemitério do Bispo”57. Estas
sepulturas foram postas as descoberto por ocasião da intervenção realizada pela DGEMN ao nível da
fachada principal da Sé, durante a grande campanha da primeira metade do século XX58.
Deste modo, fontes documentais e fontes arqueológicas atestam a existência deste templo préromânico no Morro da Pena Ventosa, aproximadamente na mesma área do templo actual59.
53 Esta Inquirição é mandada fazer no Porto por D. Afonso IV, pois numa época de indefinição de poderes, pretendia apurar
os limites do couto episcopal, tais como estavam definidos na carta de doação de D. Teresa. Encarregou de tal tarefa o
tabelião régio da cidade, André Domingues. Cfr. SOUSA, Armindo de – “Tempos Medievais” In RAMOS, Luís A. de
Oliveira (dir.) – História do Porto. Op. Cit., p. 162.
54 CORPUS Codicum Latinorum et Portugalensium Eorum qui in Archivo Municipali Portugalensis Asservantur
Antiquissimorum Iussi Curiae Municipalis Editium. Portucale: Typis Portucalensibus, 1891, vol. I, p. 21.
55 REAL, Manuel Luís – “A construção Medieval no sítio da Sé”. Op. Cit., p. 10.
56 Manuel Real salienta, todavia, que a rudeza do seu talhe, e o facto de ser estilisticamente “amorfo”, apenas permite a
existência de uma suspeita no que respeita à sua atribuição. Mas para a sua datação favorável contribui o facto de se tratar de
um capitel de pilastra, o que era muito comum nesta época, e as semelhanças que apresenta com os capitéis da entrada das
capelas colaterais de San Salvador de Priesca, o que o poderá relacionar com a corrente asturiana, certamente trazida pelos
primeiros presores oriundos dessa região. Cfr. Idem – “Inéditos de Arqueologia Medieval Portuense”, Op. Cit., nº 10, p. 31 e
SILVA, Armando Coelho da –“As Origens o Porto”, Op. Cit., p. 107.
57 Todo o sítio onde foi edificado o complexo da Sé Catedral é identificado como o “cemitério do bispo”. Cfr. GOMES,
Paulo Dordio – “Interpretação e Problemática – O Sítio da Catedral” In Sé Catedral do Porto. Estudo Histórico Arqueológico,
Faseamento Construtivo do Complexo Monumental e problematização. Relatório policopiado entregue ao IPPAR. Porto,
2002, p. 9.
58 Sobre o assunto vide o que escrevemos In BOTELHO, Maria Leonor – As transformações sofridas pela Sé do Porto no
século XX. Op. Cit., vol. I, p. 127-135.
59 Quanto à localização desta ermida, Manuel Real é da opinião de que esta primeira sede episcopal estaria deslocada
ligeiramente para sul da actual, situando-se próximo do chamado claustro velho, podendo ainda entrar sob a actual Sacristia.
Fundamenta esta tese na memória do local como “Claustro Velho”, na relativa proximidade ao Paço Episcopal e na
existência de um trecho de muro bastante antigo, revelado pelos restauros na parede norte do recinto. Cfr. REAL, Manuel
Luís - “A Construção Medieval no sítio da Sé”, Op. Cit., p. 10
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Assim sendo, podemos afirmar que a Sé do Porto ainda não existia em 1147, visto o Cruzado
Osberno fazer referência a um edifício que, pelas suas pequenas dimensões, não podia abrigar no
seu interior os muitos cruzados que constituíam a armada. Presume-se, pois, que o início da
construção da actual Sé será posterior àquela data, até porque o Conquistador não pode ter sido
indiferente ao apoio dado pelo Bispo D. Pedro Pitões, quando apelou aos cruzados para irem em seu
auxílio. E o facto deste apelo se ter realizado no exterior da igreja que então existia terá levado o
bispo a pensar em construir uma catedral condigna tendo, certamente, contribuído para tal empresa o
sucesso da investida contra os mouros.
Estes aspectos vêm pôr em causa a tradicional tese que atribui a D. Hugo o início da construção da
Sé Portuense. Senão, vejamos. O Doutor João de Barros diz-nos que a see foi começada pella
Rainha Dona Tareia, molher do Conde Dom Anrique e que depois, a rainha Dona Mafaldra (sic), sua
nora, molher del rey Dom Afonço Anrriques, acabou aquella see60. É também da tradição que
tomando o Bispo Dom Hugo posse da nossa dignidade, começou logo a reformar sua Igreja, e a
redeificada por estar muy desbaratada dos tempos passados61. Refira-se que D. Rodrigo da Cunha
não faz qualquer menção aos cruzados que estiveram no Porto em 1147 quando relata a vida e os
feitos do Bispo D. Pedro Pitões, pois de todo nos faltão memorias suas, e do que neste tempo
aconteceo no Bispado do Porto. Este facto revela, uma vez mais, a força da tradição e das lendas em
torno da fundação da Sé do Porto. Pinho Leal afirma que a primeira missa foi celebrada na actual
igreja em 1120, pelo que já estava construída a parte principal do templo62 e que a igreja foi sagrada
pelo arcebispo de Toledo, D. Bernardo (concordando aqui com D. Rodrigo da Cunha).
Vários autores como Joaquim de Vasconcelos, Carlos de Passos, Horácio Marçal ou Américo Costa63
continuam a defender esta ideia, o mesmo se passando ainda com alguns textos bastante recentes
onde esta problemática ainda é considerada uma possibilidade a ser encarada64. Acreditam que D.
Teresa terá proporcionado a D. Hugo os meios indispensáveis para a transformação da primitiva
ermida na actual Catedral, como resultado das suas relações de amizade. Pinho Leal chega mesmo a
apontar uma data para o início da construção da actual Sé, desde os seus fundamentos, pelos anos
de 1108 ou 1109, devido à contribuição do Conde D. Henrique e de D. Teresa - atente-se,
simplesmente, à discrepância da cronologia para refutar esta ideia, pois se em 1147 o que existia era
uma pequena Igreja, a actual Sé não poderá ter começado a ser construída nesta data. Eleutério
Cerdeira chega mesmo a afirmar que as obras de construção da Catedral estavam já muito
avançadas em 1146, por se ter realizado aí, nesse ano, o casamento de D. Afonso Henriques com a
rainha D. Mafalda65.
Mas há ainda outros argumentos que poderemos utilizar para comprovar que o início da construção
da actual Sé do Porto data da segunda metade do século XII.
Manuel Monteiro chama-nos já a atenção para este facto, a seu ver, indiscutível: afirma que nem D.
Teresa, nem D. Hugo se ocuparam da construção da Catedral, dando como argumento um
60 BARROS, Doutor João d’ – Geographia d’Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes. Porto: Biblioteca Pública Municipal
do Porto, 1919, p. 29.
61 CUNHA, D. Rodrigo da – Catálogo dos Bispos do Porto. Porto: (dado ao prelo por Padre António da Costa), 1742, p. 2 e
p. 24.
62 LEAL, A. Pinho – Portugal Antigo e Moderno (Diccionario). Op. Cit., vol. VII, p. 463.
63 COSTA, Américo – Dicionário Corográfico de Portugal Continental e Insular. Porto: Livraria Civilização, 1929-1943,
vol. IX, p. 568.
64 Cfr. AZEVEDO, José Correia de – Inventário Artístico Ilustrado de Portugal. Douro Litoral. Lisboa: Edições Nova Gesta,
1991, p. 144.
65 CERDEIRA, Eleutério – Pôrto. Monumentos Religiosos. Barcelos: Portucalense Editora, Lda., 1934, p. 8.
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documento vivo: o absidíolo lateral que ainda existe (Capela de S. Pedro) remete-nos para uma data
posterior do românico, pois ainda não é concebido ao tempo de D. Teresa e de D. Hugo66.
A partir de estudos mais recentes, realizados, quer por Carlos Alberto Ferreira de Almeida, quer por
Manuel Real, encontramos diversos elementos que apontam o início da construção da Sé do Porto
para a parte final do século XII.
Segundo Carlos Alberto Ferreira de Almeida, o facto de a arquitectura românica ser um fenómeno
relativamente tardio no território português confirma esta teoria, a partir de uma visão formalista e
estilística. A arquitectura românica só se começa a afirmar entre nós no segundo quartel do século XII
com as obras da Catedral de Braga e do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Para este atraso na
afirmação do românico em Portugal, relativamente ao resto do espaço europeu onde já surgem
indícios de afirmação o gótico, em muito terá contribuído, não só a nossa posição de periferia, como
também, e principalmente, todo o ambiente instável decorrente do clima de Reconquista que então se
vivia. Quando este processo se encontra numa fase mais avançada e estável, este novo modo de
conceber arquitectura pôde afirmar-se progressivamente entre nós: românico e reorganização social
e económica do Norte e do Centro do país, que se vai operando desde os meados do reinado de D.
Afonso Henriques até D. Dinis, são inseparáveis67. Acrescenta o mesmo autor, ainda, que data deste
período o intensificar das relações comerciais e marítimas da região do Porto com La Rochelle
(região do Limousin, França)68. Na verdade, na Igreja catedralícia vai-se introduzir todo um programa
arquitectónico, e decorativo, que encontra a sua origem nesta região francesa e que se dissemina a
partir daqui por toda a região envolvente.
Devem-se, pois, ao facto de se conhecerem estas relações artísticas entre a região do Porto e a de
Limousin, muitas das opções que foram tomadas na criação deste modelo 3D. Na ausência de
exemplos portugueses, seguiram-se os modelos franceses para a concepção daquilo que poderá ter
sido a Sé do Porto, particularmente ao nível da cabeceira. Assim, as igrejas limosinas - como a de
Beaulieu ou a de Dorat - foram adoptadas como modelos seguros para a modelação da cabeceira
românica da Sé do Porto, pois ambas apresentam capela-mor rodeada por um deambulatório com
três capelas radiantes, assim como duas capelas, com a mesma planimetria, nos braços do
transepto69. Por esta razão, Kenneth John Conant relaciona estas duas igrejas limosinas com as
igrejas de peregrinação70. Refira-se que estes modelos apenas permitiram ter uma ideia geral da
estrutura que poderá ter tido a cabeceira românica da Sé do Porto, por apresentarem plantas
compostas pelos mesmos elementos. Naturalmente que terão existido significativas diferenças que
dever-se-iam ao facto desta cabeceira ser mais tardia.
Segundo Carlos Alberto Ferreira de Almeida, as obras de construção da Catedral ter-se-ão
prolongado por todo o século XIII71 - os reinados de D. Sancho I (1185-1211) e de D. Afonso II (121166 MONTEIRO, Manuel – Igrejas Medievais do Porto (Obra Póstuma). Porto: Marques de Abreu Editor, 1954, p. 19.
67 ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – Influências Francesas na Arte Românica Portuguesa. Actes du Colloque
« Histoire du Portugal. Histoire Europeenne ». Paris: Fondation Calouste Gulbenkian – Centre Culturel Portugais, 1987, p.
28; Idem – Primeiras Impressões sobre a Arquitectura Românica Portuguesa. In Revista da “Faculdade de Letras - Série
História”. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1971, vol. II, p. 69.
68 Idem - Influências Francesas na Arte Românica Portuguesa. Op. Cit., p. 32.
69 Cfr. MAURY, Jean; GAUTHIER, Marie-Madeleine; PORCHER, Jean – Limousin Roman. La Nuit des Temps. Paris:
Zodiaque, 1960, p. 39-88 e p. 197-230.
70 CONANT, Kenneth John – Arquitectura Carolíngia y Románica (800-1200). Manuales Arte Cátedra. Madrid: Ediciones
Cátedra, 2001, p. 321-327.
71 ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – História da Arte em Portugal. O Românico. 1ª Edição. Lisboa: Editorial
Presença, 2001, p. 61.
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1223) coincidiram com os períodos de construção mais intensa, reflexo da crescente organização
territorial. O início do século XIII marca o arranque pleno e generalizado do estilo gótico, reflectindose no aparecimento precoce de elementos deste estilo, tais como a rosácea da fachada principal e os
arcobotantes das fachadas laterais da igreja.
Manuel Real também afirma que a obra de construção da Sé do Porto se terá arrastado pelo século
XIII, mas podendo não ser tão tardia quanto se acreditou. Reconhecendo igualmente a influência
limosina na traça da Catedral, este autor coloca o período de mais intensa construção no bispado de
D. Fernão Martins Pais (1176-1185), afirmando como não menos significativa a influência da região
coimbrã na sua concepção72. Refira-se que em 1172 a igreja da Sé-Velha de Coimbra estava quase
pronta, estando já construído o portal da responsabilidade de mestre Roberto, um dos três arquitectos
que terá trabalhado na fábrica construtiva deste monumento. Sucedeu-lhe, na direcção do estaleiro,
mestre Bernardo, ao qual se seguiu um outro mestre, que também deixou o seu nome ligado à Sé do
Porto - mestre Soeiro. Deste modo, a construção desta última Catedral não pode ser muito anterior à
data da construção da sua congénere Conimbricense73. Esta influência, já verificada por Manuel
Monteiro, manifesta-se essencialmente ao nível da decoração escultórica (embora o obstáculo da
matéria-prima desvirtuasse muito o seu contributo)74 e do traçado da fachada principal como mais
tarde Manuel Real veio a demonstrar. A este assunto voltaremos mais adiante.
Também podemos encontrar um outro argumento para negar a tradição que atribui à rainha D.
Mafalda (cuja morte ocorreu em 1158) a colocação da última pedra da catedral: o zimbório que
remata o cruzeiro apenas ficou concluído a 5 de Junho de 155775. Todavia, não fica posta de parte a
ideia da construção deste templo dever muito aos auspícios da mulher do Conquistador, pois a esta
rainha se liga uma das mais arreigadas tradições: conta-se que esta se tornou grande devota da
imagem de Nossa Senhora que, por ter sido achada entre uns silvados, aquando da abertura dos
alicerces da catedral, se veio a chamar “da Silva”. Vários cronistas, como João de Barros ou Rebelo
da Costa, contam que, por isso, a rainha devota lhe fizera por seu respeito várias devoções,
conservando-se ainda entre as jóias do tesouro algumas que a rainha lhe deixou assim como
toucados, lenços, camisas76. Mais, a força desta tradição está ainda hoje presente na toponímia da
envolvência da Catedral, nas chamadas Escadas da Rainha (que descem até à Rua de S.
Sebastião)77. A actuação de D. Mafalda terá sido continuada pelo nosso primeiro rei, contribuindo
este para o seguimento das obras da Catedral após a sua vida (no seu testamento de 1179 destina
“para a obra da Sé do Porto 500 maravedis”)78, assim como pelo seu filho D. Sancho I (que
contemplou a mesma construção com um legado de 1000 maravedis)79. No entanto, a conclusão da
edificação da Sé do Porto (e referimo-nos à igreja, o núcleo gerador de todo o complexo catedralício)
72 Sobre o românico da região de Coimbra e sua influência em outras regiões em que se implantou vide REAL, Manuel Luís
Campos de Sousa – A Arte Românica de Coimbra (Novos dados – Novas Hipóteses). Dissertação de Licenciatura em
História apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1974, 2 volumes (texto dactilografado).
73 REAL, Manuel Luís Campos de Sousa – A Arte Românica de Coimbra. Op. Cit., vol. I, p. 358.
74 Idem, vol. I, p. 362.
75 BASTO, A. de Magalhães – A Sé do Porto. Novos dados documentais relativos à sua Igreja. Porto: Edições Marânus,
1946, p. 11. Esta questão da construção do coruchéu será tratada com mais pormenor na segunda parte desta Memória.
76 Cfr. COSTA, Agostinho Rebelo da – Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto. 3ª Edição. Lisboa: Frenesi,
2001, p. 73; BARROS, Doutor João d’ – Geographia d’Entre Douro e Minho, Op. Cit., p. 29.
77 Cfr. BASTO, A. de Magalhães – Sumário de Antiguidades da Mui Nobre Cidade do Porto. Porto: Livraria Progredior,
1942, p. 31.
78 Cfr. MONTEIRO, Manuel – Igrejas Medievais do Porto. Op. Cit., p. 19.
79 Cfr. Idem, p. 20.
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só se concretizou em meados do século XVI, com a construção do zimbório em pedra que remata o
cruzeiro (como o anterior era de madeira talvez não se deva considerar o edifício totalmente
acabado).
5.
A estrutura medieval da Sé do Porto
A estrutura da Sé do Porto estava já praticamente definida no século XVI ao nível das suas
linhas mestras (igreja e claustro), como já tivemos oportunidade de referir.
Tendo sido iniciada a construção da igreja na segunda metade do século XII, a sua conclusão apenas
ocorreu em 1557 com a construção do zimbório. Assim, a estrutura que a Idade Média ergueu
persiste no século XVI ainda na sua totalidade - a actual cabeceira é obra do bispo D. Frei Gonçalo
de Morais e foi construída entre 1606 e 1610. Daí que seja extremamente importante estudá-la nos
seus elementos fundamentais. O mesmo ocorreu com o claustro, seguramente posterior a 1385.
Deste modo, segue-se uma descrição daquilo que poderá ter sido a catedral portuense na
Idade Média, tendo por base diversas fontes que nos foram sendo dadas através de diversos meios.
Um aspecto fundamental deve-se à manutenção da estrutura principal da Sé do Porto até aos
nossos dias. De facto, este edifício conservou ao longo dos séculos diversos elementos medievais,
quer ao nível estrutural, quer decorativo, que falam por si só. Estamos, pois, perante uma fonte viva,
o próprio objecto de arte, guardião das mais variadas e pertinentes informações.
Também, os restauros realizados na primeira metade do século XX pela Direcção-Geral dos Edifícios
e Monumentos Nacionais revelaram diversos elementos do complexo catedralício até então
desconhecidos. Já tivemos oportunidade de referir a necrópole de sepulturas antropomórficas
escavadas na rocha sob o portal principal. Os outros elementos irão sendo apresentados quando se
tornar necessário.
E porque o restauro despoletou certamente o interesse pela história artística do monumento,
ou vice-versa, são vários os investigadores que ao longo do século XX se dedicaram ao estudo deste
monumento. Destaque-se o contributo fundamental do Dr. Artur de Magalhães Basto na revelação de
documentação inédita relativa a este monumento e que se veio a mostrar extremamente
esclarecedora relativamente a vários períodos históricos do mesmo, até então bastante confusos. A
título de exemplo, refira-se a documentação que esclareceu a estrutura da capela-mor românica80 ou
a relativa às intervenções que o Cabido Portucalense realizou no complexo catedralício entre 1717174181.
A conjugação de todos estes elementos e das informações que nos proporcionam tornam-se
fundamentais para o conhecimento da Sé do Porto na Idade Média, tanto mais que, repita-se, este
período apresenta-nos graves lacunas ao nível da documentação escrita e iconográfica.
5.1. A Planimetria
A Sé do Porto apresenta uma planta constituída por três naves, divididas em cinco tramos, cada uma.
Este corpo é cortado pelo transepto saliente, de cinco tramos, que apresenta um absidíolo poligonal
em cada braço e quatro altares rasgados nos seus muros (em cada extremo abre-se um altar e, os
80 Cfr. BASTO, A. de Magalhães – História da Santa Casa da Misericórdia do Pôrto. Porto: Edição da Santa Casa da
Misericórdia do Porto, 1934.
81 Cfr. BASTO, A. de Magalhães – A Sé do Porto. Documentos Inéditos relativos à sua Igreja. Porto: Edições Marânus,
1940.
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outros dois, surgem a ladear o arco triunfal). No prolongamento da nave central abre-se a capela-mor
rectangular. É, pois, uma planta em cruz latina, de grandes dimensões82. Todavia, é visível uma
característica aritmia no arranjo dos cinco tramos da nave central: o primeiro tramo, à entrada, é
maior que o último, junto aos braços do transepto, apresentando os restantes tramos iguais
dimensões83.
Todavia, esta planta não é a original do edifício. Inicialmente esta Sé era contemplada com uma
cabeceira em charola, única no Portugal de então, bem semelhante a outras da região de Limoges,
desde Beaulieu a Le Dorat até Soulignac84: compunha-se de capela-mor, rodeada de charola com
três capelas radiantes85 e dois absidíolos poligonais, dos quais ainda subsiste um – a Capela de São
Pedro; sobre o deambulatório havia uma galeria coberta, à qual se acedia por escada em caracol, ao
lado dos absidíolos (onde funcionou o órgão) que ajudava a sustentar o peso da alta abóbada da
nave central. No dizer de Manuel Monteiro, esta cabeceira pertencia ao mais complexo plano
concebido pela arquitectura monástica e geralmente adoptada em igrejas de pereginação86.
Na verdade, podemos depreender que a primitiva cabeceira da Sé do Porto apresentava uma
estrutura riquíssima, não só era em charola, ao sabor do românico de então, como era formada por
um duplo deambulatório. E porque a galeria superior deste tinha uma função estrutural, Ferreira de
Almeida crê que esta cabeceira não apresentaria arcobotantes. A partir dos vestígios remanescentes
da cabeceira, supõe que as bases das suas colunas seriam bolbiformes e a cornija apoiar-se-ia em
arcaturas do género de Pombeiro e de Sousa87. Caso assim fosse, teríamos aqui um dos primeiros
exemplos nortenhos a utilizar este modo de apoiar um lacrimal, o que também parece de origem
francesa88.
É a Magalhães Basto que devemos um grande contributo para o esclarecimento da estrutura
primitiva da cabeceira de peregrinação da Sé do Porto, pois foi este autor quem trouxe à luz todo um
conjunto de elementos documentais, que postos em confronto com os vestígios arquitectónicos
existentes, revelaram esta “nova” realidade histórica e artística. Há vários autores que antes de
Magalhães Basto já tinham consciência de que a capela-mor maneirista não era cabeça para aquelle
corpo, por destoar do estylo architectónico do edificio89. Eleutério Cerdeira chega mesmo a sugerir
que a capela-mor obedeceria à mesma traça do absidíolo ainda existente e onde se aloja o altar de S.
Pedro, isto é, seria de planta poligonal, o que a tornaria deveras invulgar na época; nas suas paredes
82 J. Augusto Ferreira dá-nos as seguintes dimensões para esta Igreja: Comprimento total – 56,5m; largura das 3 naves –
14m; Nave central (largura) – 7m; Naves laterais (largura) – 3,5m; Transepto – 33m x 5,5m; Capela-mor – 16,5m x 11m. Cfr.
FERREIRA, J. Augusto – Porto: Origens históricas e seus principais monumentos. Cathedral, Santa Clara, S. Francisco e
Cedofeita. A Arte em Portugal. Porto: Imprensa Marques Abreu, 1928, p. 8.
83 As medidas aproximadas são as seguintes: Tramo da entrada – 4,10m; tramo junto ao cruzeiro – 3,10m; tramos
intermédios – 2,60m. Cfr. COUTINHO, Bernardo Xavier – “Arquitectura Religiosa. Séculos XII a XIV”. In PERES, Damião
(dir.) - História da Cidade do Porto. Porto: Portucalense Editora, 1962, vol. I, p. 475.
84 ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – “Influências Francesas na Arte Românica Portuguesa”. Op. Cit., p. 31
85 C. A. Ferreira de Almeida acredita que, a exemplo dos absidíolos, estas capelas radiais seriam também elas poligonais.
Cfr. ALMEIDA, Carlos Alberto Pereira de – Arquitectura Românica de Entre Douro e Minho. Porto, 1978. Dissertação de
Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, vol. II, p.254.
86 MONTEIRO, Manuel – Igrejas Medievas do Porto. Op. Cit., p. 15.
87 ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – Arquitectura Românica de Entre Douro. Op. Cit., vol. II, p. 254.
88 Idem - História da Arte em Portugal. O Românico. Op. Cit., p. 115.
89 FERREIRA, J. Augusto – Porto: Origens históricas e seus principais monumentos. Op. Cit., p. 9; Idem – Memorias
Archeologico-Historicas da Cidade do Porto. Op. Cit., tomo II, p. 198.
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abrir-se-iam arco-sólios; todavia este autor já devia ter conhecimento das notas documentais de
Magalhães Basto, pois sugere, também, a hipótese da cabeceira ser em charola, como se depreende
da leitura de alguns documentos quinhentistas90.
Em 1934 Magalhães Basto publicou: podemos afirmar, baseados em referências de documentos
inéditos, que a primitiva capela-mor dessa Igreja era cercada por “charola”, que talvez fôsse de
reduzidas dimensões pois nela havia apenas, supomos, três capelas da invocação do Salvador, de S.
Jerónymo, e de Santa Margarida, segundo cremos91. Mas só em 194092 é que vemos este autor
portuense a publicar esta preciosa documentação comprovativa da cabeceira em charola da Igreja de
Santa Maria da Sé do Porto. Neste estudo faz uma referência ao artigo publicado em 1910 pelo
investigador José Augusto Carneiro n’O Tripeiro93 e que subentende a existência da charola, mas que
a-pesar-de (sic) muito interessantes as informações contidas no trecho que fica transcrito, não lhes
ligaram importância os investigadores que se têm ocupado da Sé94.
Visto serem tantas e tão claras as referências à charola da Sé do Porto, Magalhães Basto julga não
poder ser posta em dúvida a sua existência até ao tempo de D. Gonçalo de Morais, constructor da
actual capela-mor95. Então, Magalhães Basto confrontou esta documentação com os vestígios ainda
visíveis nas paredes do transepto, colaterais da capela-mor, e que são precisamente os dois arcos
entaipados e que deviam pertencer à charola, talvez à galeria superior. Estes arcos entaipados foram
postos a descoberto pelo restauro da responsabilidade da DGEMN: até então estavam ocultos por
duas delas (uma dedicada a S. Pedro e outra a S. Paulo). Constituíam, certamente, a entrada para o
deambulatório superior da primitiva cabeceira românica da Sé do Porto, surgindo agora desocultos e
a integrar a composição barroca do transepto, como testemunho arqueológico-documental que são96.
A revelação desta documentação, confrontada com os vestígios existentes, acentuou a apologia, já
visível anteriormente, do estilo românico e do estado primitivo da Sé do Porto. Referindo-se a este
esquema absidal, Xavier Coutinho afirma que se ela (capela-mor) existisse, nos nossos dias, seria,
indiscutivelmente, um caso impar na história do românico português97.
Com a “reforma” feita pela DGEMN na Capela de S. Pedro aquando da sua grande intervenção em
1964, em que se retirou o retábulo que aí se encontrava, confirmou-se, de uma forma fortuita, as
90 CERDEIRA, Eleutério – Pôrto. Monumentos Religiosos. Barcelos: Portucalense Editora, Lda., 1934, p.8.
91 BASTO, A. de Magalhães – História da Santa Casa da Misericórdia do Pôrto. Op. Cit., p. 178-179. Apesar da
documentação publicada por Magalhães Basto, B. Xavier Coutinho vai confundir a invocação da capela de Santa Margarida
com Santa Madalena. A propósito das três capelas da charola diz: dois santos penitentes cortejando o Redentor, o penitente
máximo do Calvário. Cfr. COUTINHO, Bernardo Xavier – “Arquitectura Religiosa. Séculos XII a XIV”. Op. Cit., p. 470.
92 Por economia de espaço, e porque não se encontra dentro do âmbito daquilo que estabelecemos como objectivos para esta
Memória, não vamos citar aqui as referências documentais, propostas por Magalhães Basto, que confirmam a existência da
charola. Sobre este assunto vide BASTO, A. de Magalhães – A Sé do Porto. Op. Cit., p. 5-12.
93 Neste artigo foi transcrito um manuscrito antigo da Casa dos Alãos no qual se lê, a propósito da trasladação de uma capela
de Leça do Balio para a Sé da dita cidade no claustro circular, que estava por detrás da Capela (sic) segundo o costume
antigo. Cfr. Cit. Idem, p. 6.
94 Cit. José Augusto Carneiro In Idem, p. 6-7.
95 Idem – Silva de História e Arte. Silva de História e Arte (Notícias Portuenses). Porto: Livraria Progredior, 1945, p. 111.
96 Vide o que escrevemos sobre o assunto In BOTELHO, Maria Leonor – As transformações sofridas pela Sé do Porto no
século XX. Op. Cit., vol. I, p. 142.
97 COUTINHO, B. Xavier – Nótulas para a História da Sé do Porto. Porto: Livraria Fernando Machado, 1965, p. 36.
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deduções que já vinham sendo feitas quanto à planta primitiva da Sé: o levantamento de parte da
talha permitiu pôr a descoberto os elementos da arcada cega, românica98.
Eis, pois, alguns dos fundamentos que permitiram criar o desenho da cabeceira no modelo 3D da Sé
do Porto, ao nível da sua planta e correspondentes alçados.
5.2. Os Sistemas de Cobertura
A Sé do Porto não apresenta um sistema de cobertura único, mas sim vários sistemas, reveladores
de diferentes épocas, logo característicos de diferentes estilos.
Em toda a Igreja o sistema de cobertura manifesta-se pelo emprego de abóbadas de pedra. Assim, a
nave central é, não só mais larga do que as naves laterais, como apresenta uma abóbada bastante
mais alta do que as das naves laterais. As naves são inteiramente abobadadas, com berços
quebrados, o que é já um claro indício da morosidade da construção desta Catedral, pela adopção de
um sistema de cobertura que se manifestou mais tardiamente do que o berço pleno, aproximando-se
já da ogiva, numa clara adopção de fórmulas góticas.
Os arcos torais da nave lateral, lado do Evangelho, são todos fasciculados, à excepção do que
antecede o transepto e que apresenta uma ornamentação de meias esferas; na nave do lado da
Epístola, os três primeiros arcos torais são lisos, sendo os dois últimos como os do lado oposto. Estas
abóbadas são sustentadas por pilares já polístilos, lançados para uma grande altura, agora mais
próximos99. Segundo Manuel Monteiro, em torno destes pilares polístilos de núcleo crucífero,
proliferam colunelos sem real função orgânica, mas sim decorativa100, o que o leva a afirmar que
estes correspondem ao período barroco do Românico, representando a sua fase decadente.
O transepto também apresenta uma abóbada de berço quebrado, da altura da abóbada da
nave central. Esta apoia-se em simples colunas de secção quadrangular embebidas na silharia e é
ritmada por arcos de reforço, lisos, de secção quadrangular e arestas vivas. Por se manifestar desta
forma, Manuel Monteiro diz traduzir-se nesta abóbada a fase clássica do românico101.
O cruzeiro é rematado por um zimbório de piedra para màs perpetuidad, datado de 1569, obra do
Bispo D. Rodrigo Pinheiro (1552-1572). Até então, o que aí se encontrava era um veijestorio de
artesonado de madera a lo mosaico102. E uma vez mais Magalhães Basto revelou todo um novo
conjunto de dados documentais103 que, não só comprovam a existência desta cobertura de madeira
no cruzeiro, como também nos esclarecem relativamente a todo o processo de construção desta
98 Vide o que escrevemos sobre o assunto In BOTELHO, Maria Leonor – As transformações sofridas pela Sé do Porto no
século XX. Op. Cit., vol. I, p. 209.
99Estes pilares polistilos poderiam ter recebido ogivas, que não se fizeram. Este facto, aliado ao emprego dos arcobotantes e
da adopção da rosácea, assuntos que serão por nós abordados mais adiante, levaram C. A. Ferreira de Almeida a afirmar que
estamos diante de espaços que devemos considerar como góticos, apesar da grossura das pilastras que separam as naves. Cfr.
ALMEIDA, Carlos Alberto Pereira de – Arquitectura Românica de Entre Douro e Minho. Op. Cit., vol. II, p. 254; Idem –
História da Arte em Portugal. O Românico. Op. Cit., p. 115; Idem – O Românico. História da Arte em Portugal. Lisboa:
Publicações Alfa, 1986, vol. 3, p.84.
100 Contornam cada pilar doze colunelos, quatro dos quais com o único fim de preencher-lhe os diedros, destinado-se os
restantes a receber as molduras intradorsais dos torais da nave e dos colaterais, assim como as diédricas dos formalotes.
MONTEIRO, Manuel – Igrejas Medievais do Porto. Op. Cit., p.16.
101 Idem, p.16.
102 NOVAES, Manuel Pereira de – Anacrises Historial. Op. Cit., vol. IV, p. 152.
103 BASTO, A. de Magalhães – A Sé do Porto. Novos dados documentais relativos à sua Igreja. Op. Cit.
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nova estrutura em pedra. Não vamos por agora explicar todo o processo de construção, que será
objecto de estudo da segunda parte desta Memória, mas o que é significativo é que o zimbório foi
dado por concluído em 5 de Junho de 1557. Esta abóbada do cruzeiro apresenta a estrutura de uma
cúpula poligonal. A sua estrutura polinervada, formando arabescos, levou B. Xavier Coutinho a dizer
que esta lanterna tem toques manuelinos104, até porque a sua fábrica é contemporânea deste tipo de
arquitectura.
5.3. O Exterior da Igreja
São particularmente notórias as transformações sofridas por esta catedral ao nível dos alçados,
principal e lateral Norte. Daí a pertinência do modelo 3D para nos familiarizar com uma realidade
totalmente diferente daquela que actualmente conhecemos e que foi profundamente transformada
pelo avançar dos séculos, particularmente durante a época barroca.
5.3.1. Fachada Principal
A Fachada Principal da Sé do Porto é constituída por três corpos verticais: duas sólidas torres
ladeiam um corpo central saliente. Embora bastante alteradas pelo avançar dos tempos, e pela
evolução dos gostos, as torres não sofreram tanto, a nosso ver, como o corpo central.
Assim, as torres ainda mantêm uma estrutura que pertence à primitiva construção românica até à
altura da segunda fiada de esferas que as ornamenta e são reforçadas, cada uma, por dois gigantes.
Segundo uma passagem do “Extracto das Obras que se fizeram na Sé do Porto e das mais a ella
pertencentes”, publicado por Magalhães Basto105, dois destes botaréus teriam sido construídos
aquando a Sede Vacante, pois informa-se que em hua das torres, que amiaçava ruina se fizeram
depois dous votareus de altura proporcionada assim para segurança de mesma, como para
correspondencia dos outros votareus, que estavam na outra torre106. Ao longo dos muros das torres
abrem-se seteiras e na torre Norte vemos esculpido um signum salomonis (junto ao primeiro gigante)
e uma embarcação, uma coca de origem nórdica107 (no gigante Sul, pouco abaixo da linha das meias
esferas). Na torre Sul encontram-se gravadas as medidas-padrão medievais108. Acredita-se que eram
coroadas por um remate ameado.
104 COUTINHO, Bernardo Xavier – Arquitectura Religiosa. Séculos XII a XIV. Op. Cit., vol. I, p. 476.
105 Sobre as transformações da Sede Vacante e das alterações dela decorrentes vide o “Extrato das Obras que se fizeram na
Sé do Porto e das mais a ella pertencentes”, espécie de memória descritiva que os cónegos de então nos deixaram e onde nos
são, em certa medida, justificadas as opções tomadas por ocasião das obras realizadas com vista à barroquização da Sé. Este
documento de suma importância para a compreensão das transformações ocorridas no século XVIII na Sé do Porto, assim
como dos preceitos que as originaram, foi publicado por Artur de Magalhães Basto. Cfr. BASTO, A. de Magalhães – A Sé do
Porto. Op. Cit, p. 37-55.
106 Cfr. Idem, p. 48.
107 Entre nós, remonta ao século XIV a mais antiga representação deste tipo de embarcação. M. Real afirma que este baixorelevo poderá ser a marca de uma confraria ou liga de mareantes que, eventualmente, teria financiado a conclusão da obra.
Cfr. REAL, Luís Manuel – “Inéditos de Arqueologia Medieval Portuense”. Op. Cit., p. 37.
108 Sabe-se que era em frente à Sé que funcionava a feira. São medidas de três palmos (55cm) e meia braça (92cm). Idem,
p.37.
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A estrutura do corpo central forma um arco gigantesco, que se apoia sobre duas pilastras abrigando
no seu interior a rosácea gótica e o portal barroco (vide Fig. 106). A rosácea gótica é em si um claro
indício do arrastamento por um longo período da construção desta Catedral, cujos fundamentos
foram lançados em pleno românico - apresenta uma disposição radiante, com raios perlados,
reunidos por arcos trilobados, sendo a restante decoração vegetalista. É a fonte de luz do interior da
nave central.
As diferenças mais significativas manifestam-se ao nível do corpo central da fachada e, mais
particularmente, ao nível do portal. O portal actual resultou das transformações que foram feitas em
todo o complexo catedralício entre 1717-1741, período de sede vacante em que se procurou dar à
Sé, monumento com uma linguagem marcadamente medieval, um aspecto mais actualizado através
da introdução de elementos barrocos. Acusa, pois, uma clara linguagem barroca dentro das linhas
dos tratados de Andrea Pozzo. Este portal veio substituir outro, primitivo, com claras características
românicas.
Em 1929, diz-nos Carlos de Passos que se ignoram por completo109 as linhas que davam corpo ao
primitivo pórtico românico da Sé do Porto. Todavia, hoje já não podemos afirmar o mesmo. Desde
então abriram-se novos caminhos: numa primeira fase, começou-se a atentar às descrições da
fachada primitiva feitas pelos cronistas dos séculos XVI e XVII. Depois passou-se a proceder à
comparação entre elementos remanescentes e os de outros monumentos. Por último, e numa fase
mais recente, atentou-se aos dados fornecidos pela arqueologia para proceder a uma reconstituição o
mais fiel possível, porque baseada em dados mais concretos, mais científicos, daquilo que terá sido o
pórtico primitivo da Sé do Porto.
Em 1548, escreve o Doutor João de Barros:... a See, que he de aboboda mui forte, com torres altas
que a cidade tem por divisa, com nossa Senhora no Meio, porque as scripturas antigas lhe chamam
de Santa Maria110. Ainda no século XVII, Novaes descreve a Sé como un parapecto fundado en la
Devocion de la Virgen que la defende y Santifica cun sus armas, que es la Virgem Santísima entre
dos torres, como soberano castillo...111. Terá realmente existido uma imagem da Virgem entre as
duas torres? Se existiu, onde se encontrava ela? Dentro de um nicho ou a coroar o corpo central?
Em 1620, D. Rodrigo da Cunha, bispo do Porto, fez um relatório que mandou entregar em Roma (no
ano seguinte) e cujo procurador foi o Padre Manuel Dias, licencido os Sagrados Cânones, natural do
bispado e Abade de Santa Maria de Lamas112. Neste relatório há uma descrição pormenorizada da
Catedral, a qual, segundo Carlos Azevedo, possui alguns pontos interessantes que estão ausentes
da descrição que passados três anos faria o bispo no seu “Catálogo”113. A descrição da fachada
109 PASSOS, Carlos de – Porto: Noticia historico–archeologica e artistica da Cathedral e das egrejas de Cedofeita e S.
Francisco. Monumentos de Portugal (nº3). Porto: Litografia Nacional Editora, 1929, p.21
110 BARROS, Doutor João d’ – Geographia d’Entre Douro e Minho. Op. Cit., p.29.
111 NOVAES, Manuel Pereira de – Anacrises Historial. Op. Cit., vol.II, p. 12.
112 Em 20 de Dezembro de 1585, o Papa Sixto V (1585-1590) determinou as normas para a obrigação das visitas ad lamina
apostolorum, a fazer por países, como sinal de comunhão com o Bispo de Roma. A partir de então, ao cumprirem a lei, os
prelados são obrigados a entregar um relatório sobre o estado da diocese. Por vezes, nestes relatórios, descreviam
detalhadamente, as igrejas e paróquias da sua diocese. Cfr. AZEVEDO, Carlos de – A Cidade do Porto nos relatórios “ad
Limina” do Arquivo do Vaticano. Separata da “Revista de História”. Volume II. Porto: Centro de História da Universidade
do Porto, 1979, p. 5 e p. 14.
113 Cfr. Idem, p. 20.
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principal da Sé informa-nos que em cuja porta principal que está para Occidente, está a imagem da
Virgem Maria Nossa Senhora114.
Manuel Real crê que nunca existiu uma imagem da Virgem na fachada românica da Sé do Porto115 e
que a suposição da sua existência decorreu de uma má interpretação destes textos. Na
“Reconstituição Hipotética da Fachada da Sé” do artista Gouvea Portuense116, a Virgem, na pele de
Nossa Senhora da Silva, surge no espaço entre o portal românico e a rosácea, numa espécie de
edícula formda pelo fundo em que sobressai a rosácea117. Partindo da suposição de que a Imagem
da Senhora da Silva estaria primitivamente colocada na fachada da Sé, Bernardo Xavier Coutinho
chega a colocar a hipótese deste facto ter sugerido a construção do nicho superior actualmente
existente no portal barroco, dedicado à Senhora da Assunção118.
Conhece-se outra reconstituição desta fachada, anterior. No desenho de Rocha Carneiro119 não
aparece a imagem da Virgem na fachada da Sé. Tal como no desenho de Gouvea Portuense,
destaca-se um pórtico de arquivoltas, tipicamente românico. Em ambos está bem patente aquela
imagem de igreja-fortaleza, tão “românica”, pois as torres estão ameadas. Mas se na proposta de
Gouvea Portuense o corpo central surge ameado, já no de Rocha Carneiro este é rematado por uma
empena triangular.
No entanto, este tipo de reconstituições não têm qualquer base científica, arqueológica, antes
baseiam-se na intuição, naquilo que se conhece por modelo, nas descrições (pouco fiáveis) dos
cronistas.
Devemos a Manuel Real uma hipótese de reconstituição da fachada românica da Sé do Porto que,
aliás, nos parece bastante credível. Foi com base na sua proposta que se criou o modelo 3D da
fachada principal da Sé do Porto que agora se apresenta.
Ao desmantelar-se a escada da porta principal desta Igreja, por ocasião da intervenção da DGEMN,
detectou-se entre os seus alicerces, para além da existência das sepulturas antropomorfas acima
referidas, diversos elementos do portal primitivo120. Estes elementos agora descobertos, apesar de
escassos, permitiram, devido ao forte contributo da arqueologia, uma aproximação àquilo que terá
sido o pórtico primitivo desta Catedral. Através dos motivos ornamentais, Manuel Monteiro detectou
aqui uma clara inspiração coimbrã, sobretudo vinda da Sé-Velha de Coimbra, cujos motivos são
copiados com fidelidade perfeita do (seu) alteroso pórtico121. Na obra do pórtico primitivo da Catedral
portuense terá, pois, trabalhado um artista vindo de Coimbra, provavelmente Mestre Soeiro (Anes)122,
que foi recompensado no testamento do bispo D. Fernando Martins (1174-1185) em 1184123.
114 Cfr. Idem.
115 REAL, Luís Manuel – “Inéditos de Arqueologia Medieval Portuense”. Op. Cit., p.36.
116 PERES, Damião (dir.) - História da Cidade do Porto. Porto: Portucalense Editora, 1962, vol. I, entre p.478-479.
117 COUTINHO, Bernardo Xavier – A Arquitectura. Séculos XII a XIV. Op. Cit., vol. I, p. 478.
118 Idem, p.478.
119 LACERDA, Aarão – História da arte em Portugal. Pôrto: Portucalense Editora, 1942, vol. I, p. 189.
120 Vide o que escrevemos sobre o assunto In BOTELHO, Maria Leonor – As transformações sofridas pela Sé do Porto no
século XX. A acção da DGEMN (1929-1982). Op. Cit., vol. I, p. 129-132.
121 As aduelas exibem molduras côncavas e convexas, pontuadas por pérolas. Uma delas cobre-se de cada um dos lados com
uma flor de oito pontas, envolvida por laçaria, que se prolonga para as imediatas. MONTEIRO, Manuel – Igrejas Medievais
do Porto. Op. Cit., p. 21 e 22.
122 Terão sido também da sua responsabilidade os capitéis altos da nave e, quiçá, o abobadamento. Cfr. REAL, Luís Manuel
– “A construção Medieval no sítio da Sé”. Op. Cit., p. 14.
123 Idem – “Inéditos de Arqueologia Medieval Portuense”. Op. Cit., p. 33.
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Todavia, para Manuel Real a falta de uma política de recuperação para os materiais avulsos
provenientes do restauro levou ainda a que muitas outras pedras levassem descaminho, não
havendo delas senão o testemunho fotográfico124. Este arqueólogo portuense identificou também
dezoito pedras do pórtico em seis locais diferentes125, sendo bastante numerosos os fragmentos que
ainda se conservam. Mediante a observação dos silhares, que apresentam um tratamento rústico e
que compõem cada um dos lados da entrada, entre o contraforte românico e o maciço que limita o
portal barroco, M. Real afirma ser possível apurar o avanço da fachada na parte central e a partir
desta, calcular o número de arquivoltas, assim como detectar a relação existente entre o pórtico e o
janelão superior126. Os elementos denunciadores da influência coimbrã vêem reforçada a sua origem
através das formas arquitectónicas deles decorrentes. Assim, contrapondo os modelos onde o artista
portuense se inspirou e ainda certas obras em que é viva a sua influência, podemos aferir, com rigor,
a justeza do esquema proposto para a fachada127. Manuel Real chama ainda a atenção para o facto
de que para que se possa compreender a frontaria da Sé do Porto, é necessário recorrer à da Sé
Velha de Coimbra, apesar da fachada portuense ter sido concluída mais tardiamente, recebendo já
influências góticas (de que é claro exemplo a rosácea). A presença coimbrã era especialmente
notada na cornija com arquilhos que existiria entre o portal e o janelão, sendo os seus arcos toreados
e as consolas com elementos figurativos, o que seria deveras singular.
Face ao exposto, optou-se por seguir a proposta de reconstituição de Manuel Real para a fachada
principal na modelação 3D da Sé do Porto no século XVI, tanto mais que a Sé-Velha de Coimbra
apresenta, actualmente, a sua fachada principal praticamente inalterada pelo avançar do tempo e dos
gostos, servindo seguramente como um modelo presente e próximo.
5.3.2. Fachada lateral Norte
Nesta fachada, voltada a Norte, entre dois corpos salientes, a torre Norte e a extremidade do
transepto do lado do Evangelho, encontra-se actualmente a Galilé que tem vindo a ser atribuída a
Nicolau Nasoni. Todavia, este corpo extremamente importante para a compreensão artística da Sé do
Porto apenas data da primeira metade do século XVIII e veio substituir um outro, anterior,
quinhentista128, do qual se conhecem algumas referências documentais e que recebia o nome de
Alpendre de S. João. Este assunto será tratado na Parte II desta Memória.
Da estrutura românica, da ideia de Igreja-fortaleza temos vários exemplos neste edifício. O topo do
transepto é reforçado por gigantes e é coroado por ameias, tal como o é o cruzeiro. A empena do
transepto Norte é rematada por uma cruz flordelisada, mais gótica que a que remata a empena do
transepto Sul, que é mais arcaizante, mais românica129. Ao longo do corpo da nave também são
visíveis ameias, semelhantes às do transepto e no seu corpo surgem, sobre as naves laterais, quatro
124 Alude particularmente à fotografia publicada no Boletim da DGEMN dedicado à Sé Catedral do Porto. BOLETIM da
DGEMN - Sé Catedral do Porto. Op. Cit., p. 33.
125 São eles: a Sé Catedral, o Terreiro da Sé, o Palácio Episcopal, a Rotunda de acesso à rua Escura, a Casa do Infante e o
Museu Nacional Soares do Reis. Cfr. REAL, Luís Manuel – “Inéditos de Arqueologia Medieval Portuense”. Op. Cit., p. 3334.
126 Idem, p. 34.
127 Idem.
128 Segundo R. Smith, provavelmente seria de estilo gótico. Cfr. SMITH, Robert C. – Nicolau Nasoni: Arquitecto do Porto.
Lisboa: Livros Horizonte, 1966, p. 70.
129 Esta cruz é semelhante à cruz dos Pereiras e das Ordens de Calatrava e Alcântara. Cfr. COUTINHO, B. Xavier –
Arquitectura Religiosa. Séculos XII a XIV. Op. Cit., p. 479.
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arcobotantes130, para sustento do peso da abóbada da nave central131. Juntamente com os de
Alcobaça são com extrema probabilidade dos primeiros exemplos portugueses132. Carlos Alberto
Ferreira de Almeida diz que na sua forma estes elementos são ainda comparáveis aos da igreja
limosina de Saint–Leonard–de-Noblat 133. Os arcobotantes são mais um exemplo que comprovam o
carácter tardio da conclusão da construção desta Catedral.
A cada tramo da nave corresponde no exterior uma fresta, manifestando-se nestas um emprego
muito original de toros diédricos e de capitéis sem imposta. Este sistema decorativo, de origem
limosina, estendeu-se a partir daqui por toda a região portuense, usado tanto em arquivoltas, como
em vãos de iluminação134.
Quando procuramos supor o que seria esta fachada ao longo da Idade Média (ou melhor, até inícios
do século XVI), teremos de imaginá-la bastante mais desafogada, quase dentro dos moldes
propostos no desenho de António Filomeno da Rocha Carneiro135. Não só teríamos uma perspectiva
do alçado da cabeceira em charola, numa sucessão de volumes escalonados, como também existiria
um espaço liberto nesta fachada no local onde veio a surgir a actual Galilé, num período anterior ao
da construção do Alpendre de S. João que a antecedeu. Os paramentos teriam certamente uma outra
continuidade e homogeneidade.
5.4. Interior da Igreja
Para além das diferenças ao nível da planta que tivemos oportunidade de referir, existiriam outras,
não menos significativas, ao nível do arranjo do espaço interno da igreja.
Das suas origens românicas do que seria o interior da catedral pouco se conhece. Este foi
manifestamente alterado na sua fisionomia original, perdendo-se para sempre elementos que, a
existirem, seriam extremamente significativos para uma maior compreensão daquilo que terá sido,
não só esta Sé na sua fisionomia original, como seriam um novo contributo para um melhor
entendimento da manifestação do românico no território português. Várias causas concorreram para
esta perda, salientando-se, primeiro, a substituição da capela-mor românica pela maneirista de D.
Gonçalo de Morais. Depois, a sede vacante de 1717-1741 que surgiu como a outra vaga destruidora
do interior românico da Sé do Porto, ao transformar esta igreja para que melhor pudesse responder
aos princípios da liturgia barroca, cujo fim primeiro era um apelo aos sentidos do crente; dava-se tudo
130 A estes arcobotantes correspondem outros análogos, na nave Sul.
131 Todavia, nem todos os autores apreenderam esta função estrutural. E. Cerdeira diz que os arcobotantes sem travamento,
se encostam às paredes da nave central e que teriam sido aí implantados após o sismo de 1344, que derrubou grande parte da
abóbada de Sé de Lisboa e que também deixou reflexos na Sé do Porto como podem deixar prever as brechas, hoje
cimentadas, da face meridional da torre sul. Cfr. CERDEIRA, Eleutério – Pôrto. Monumentos Religiosos. Barcelos:
Portucalense Editora, Lda., 1934, p. 11.
132 ALMEIDA, Carlos Alberto Pereira de – Arquitectura Românica de Entre Douro e Minho. Op. Cit., vol. II, p. 254.
133 Idem - “Influências Francesas na Arte Românica Portuguesa”. Op. Cit., p. 31.
134 Idem, p. 32.
135 Vide o que escrevemos sobre o assunto In BOTELHO, Maria Leonor – As transformações sofridas pela sé do porto no
século XX. Op. Cit., vol. 1, p. 180-185.
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a Deus, pois por mais que se desse, esse mais, era pouco – daí o horror ao vazio, marca tão
característica deste período da História da Arte136.
Ao nível das naves já tivemos oportunidade de referir algumas características com um claro carácter
medieval, como os pilares polístilos ou as abóbadas que as coroam. Todavia as transformações da
sede vacante deixaram alguns vestígios românicos ilesos e estes dão-nos uma ideia, todavia vaga,
das tipologias presentes na decoração da Sé do Porto. Todos os capitéis das naves foram picados
durante as transformações do século XVIII, para darem lugar a outros, mais modernos, de talha
dourada. Mas conservaram-se alguns, no topo das naves, que recordam a Carlos Alberto Ferreira de
Almeida, o tipo de cesto e a gramática decorativa dos da Sé Velha de Coimbra137.
Não nos esqueçamos da arcada cega românica, à qual já aludimos, que decora o muro da capela de
S. Pedro, posta a descoberto durante a intervenção de conservação da responsabilidade da DGEMN
- é a partir dela que se crê que a capela-mor românica seria, também ela, decorada com uma arcada
cega idêntica.
Naturalmente que as diferenças mais substanciais encontravam-se ao nível da cabeceira.
Actualmente vemos uma cabeceira com estrutura maneirista e decoração barroca, mas a primitiva
charola daria certamente outra perspectiva e outra ambiência ao edifício. Foi essa charola que o
modelo 3D procurou recriar com base em diversos elementos, alguns existentes no próprio edifício,
outros em edifícios congéneres.
Relativamente aos elementos ainda existentes no próprio edifício destaquem-se os arcos entaipados
descobertos por ocasião do restauro e aos quais já fizemos diversas referências. Estes foram
fundamentais para estimar o nível a que se encontraria o pavimento da galeria superior. Também a
capela de S. Pedro, enquanto único elemento remanescente da cabeceira primitiva foi fundamental
por nos proporcionar um conjunto de dimensões que permitiram aferir a composição das restantes
capelas da charola.
O nível estimado da galeria superior foi referenciado por um conjunto de elementos presentes no
actual edifício. Assim, partindo do topo da abobada da capela de S. Pedro (uma vez que as capelas
radiantes teriam a mesma morfologia) e estabelecendo uma espessura provável de laje foi possível
determinar uma cota para o pavimento da galeria superior e a altura e configuração das abóbadas da
galeria inferior.
Da mesma forma a configuração e altura da galeria superior foram definidas com referência aos arcos
entaipados (descobertos no restauro). A partir desta altura de cobertura da galeria foi determinada a
configuração dos arcos que desenham o semicírculo do deambulatório. Para a representação destes
elementos foram considerados vários exemplos existentes em edifícios românicos das igrejas do
Limousin francês. A cobertura de abóbada de berço resulta da continuação da abóbada da nave
principal possibilitando a existência de fenestração para iluminação da capela-mor. Uma abóbada de
concha remata o tramo rectangular sobre a capela-mor. O puzzle de todos dos elementos
arquitectónicos, referenciados pelos elementos existentes, permitiu assim a definição de cotas de
pavimentos e coberturas variados, colunas e arcos, resultando num sólido e harmonioso conjunto
espacial dentro do estilo românico com inspiração limosina.
Um apontamento de Manuel Monteiro138 sobre a charola levantou a hipótese de o sistema de
cobertura dos dois níveis da charola ser constituído por uma estrutura em madeira. É uma hipótese a
136 Sobre as transformações da Sede Vacante e das alterações dela decorrentes vide o “Extrato das Obras que se fizeram na
Sé do Porto e das mais a ella pertencentes com vista à barroquização da Sé do Porto. Cfr. BASTO, A. de Magalhães – A Sé
do Porto. Op. Cit, p. 37-55.
137 ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – O Românico. História da Arte em Portugal. Op. Cit., p. 84; Idem - História da
Arte em Portugal. O Românico. Op. Cit., p. 116.
138 MONTEIRO, Manuel – As Igrejas Medievais do Porto. Op. Cit., p. 15.
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considerar, no entanto, por uma questão de se pretender criar um modelo baseado em exemplos
concretos existentes optou-se por modelar uma cobertura do tipo da de abóbada de arestas em
ambos os pisos da charola. Esta modelação baseou-se nos mesmos exemplos das igrejas do
Limousin francês e que apresentam uma estrutura muito idêntica à da Sé do Porto e que já foram por
nós referidas139.
Também a região de Limoges influenciou muito a Sé do Porto ao nível da decoração dos vãos,
particularmente pelo emprego dos toros diédricos e dos capitéis sem imposta. Deste modo, e tendo
por base exemplos existentes no próprio monumento, optou-se por usar esta linguagem para decorar
as frestas da charola ao nível do seu exterior.
Na medida em que a capela de S. Pedro ainda se mantém como vestígio daquilo que foi em tempos a
charola da Sé do Porto, esta foi também usada como modelo para a concepção das restantes
capelas, quer ao nível do seu aspecto externo, quer ao nível do seu arranjo interno (arcada cega).
5.5. Claustro Gótico
O Claustro Gótico é obra da prelazia do bispo D. João III (1373-1389), numa iniciativa conjunta com a
municipalidade, que colaborou na sua construção, em 1385, com 1000 pedras lavradas pelos
melhores canteiros do tempo140- a sua construção é, pois, contemporânea da do Mosteiro Batalha,
convivendo a construção deste Claustro arcaizante, ao longo do século XV, com este “avançado”
estaleiro141. Segundo Manuel Monteiro, este Claustro é o último da série que principia com o da Sé
Velha de Coimbra142 e que se caracteriza pelos elementos arquitectonicamente definidores da sua
abóbada e da sua estrutura orgânica. Nas arcadas que se abrem para o pátio vêem-se três arcos
geminados, também eles quebrados, sobrepujados por uma bandeira, na qual se abre um grande
óculo vazado, embora surjam irregularidades no seu traçado, aparecendo estas, por vezes,
encolhidas.
Um outro elemento medieval do claustro gótico é a arcada cega geminada da parede interna do
claustro (no terceiro tramo a contar de oeste) onde surge um capitel historiado de simbolismo
fantástico, (com dois grifos e duas figuras humanas)143. Esta arcada cega estava oculta por um dos
painéis de azulejos do século XVIII que decoram as paredes do claustro e que foi irremediavelmente
apeado durante a intervenção de restauro da DGEMN144.
139 MAURY, Jean; GAUTHIER, Marie-Madeleine; PORCHER, Jean – Limousin Roman. Op. Cit., 1960.
140 Este contributo foi feito em nome do reconhecimento do Município pelo auxílio e apoio prestado por este Bispo à causa
do Mestre de Avis. Cfr. ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de; BARROCA, Mário Jorge - História da Arte em Portugal. O
Gótico. 1ª Edição. Lisboa: Editorial Presença, 2002, p. 59.
141 PEREIRA, Paulo – “ A Arquitectura (1250-1450). História da Arte Portuguesa. S.l.: Círculo de Leitores, 1995, p. 384.
142 Nesta série inclui os seguintes claustros, intermédios: S. Francisco de Santarém, D. Dinis de Alcobaça, D. Gonçalo
Pereira da Sé de Lisboa e o do bispo D. Pedro da Catedral de Évora. MONTEIRO, Manuel – As Igrejas medievais do Porto.
Op. Cit., p. 29-30.
143 Por ser igual a outro que se encontra no lado esquerdo do portal da Capela de João Gordo, P. Pereira afirma atestar este
capitel, neste Claustro, o reaproveitamento de material, por ser a construção da referida Capela anterior. Cfr. PEREIRA,
Paulo - “ A Arquitectura (1250-1450)”. Op. Cit., p. 384.
144 Vide o que escrevemos sobre o assunto In BOTELHO, Maria Leonor – As transformações sofridas pela Sé do Porto no
século XX. Op. Cit., vol. I, p. 145-150.
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Acrescente-se que tanto as portadas que abrem para os vários anexos, assim como os azulejos com
figurações azuis e brancas que decoram as suas paredes, são obras da sede vacante de 1717-1741,
pelo que não foram, naturalmente, representadas no modelo 3D.
Por fim, lembre-se que a envolvência do Claustro Gótico era particularmente diferente daquela que
conhecemos na actualidade e da que existia no século XVI. A maior parte das construções que o
envolvem não existiam ainda na Idade Média. Falamos da Casa do Cabido (que se adossa à sua
galeria Este), da Capela de S. Vicente, da caixa de escada barroca (que é geralmente atribuída a
Nicolau Nasoni) e da Capela de Nossa Senhora da Piedade, ou de Santa Catarina.
5.6. Claustro Velho
Nos dois lanços dos muros do Claustro Velho abrem-se arcosólios, apoiados em pilares grossos e
regulares, de secção rectangular; os arcos e as impostas apresentam uma ornamentação
geometrizante (meias esferas, lóbulos e entrelaçados), lembrando a Manuel Monteiro uma clara
ascendência românica145; as mísulas que se encontram entre os arcos, são facetadas e, por cima
destas, um friso em corda remata superiormente a parede. Situam-se aqui alguns elementos de
origem arqueológica, como sejam túmulos de pedra antropomórficos ou capitéis.
Através da documentação publicada por A. de Magalhães Basto, num outro seu precioso contributo,
ficámos a saber mais sobre aquilo que foi este claustro em tempos mais recuados. Assim, este
historiador portuense revelou-nos ter sido aí a primeira sede da Santa Casa da Misericórdia do Porto
(desde cerca de 1502)146, esclarecendo de vez a sua localização147 e rejeitando peremptoriamente
que esta Irmandade tivesse estado instalada em alguma das capelas do Claustro Gótico, uma vez
que no Compromisso de 1646 se diz claramente que não tiveram a principio lugar certo nesta cidade
os irmãos da Misericórdia até ao ano de 1502, em que tomara assento nas claustras velhas da Sé,
aonde a Capela de Santiago, que neles houve foi a primeira igreja da Misericórdia148.
Assim, ficamos a saber que existia aí uma capela dedicada a Santiago (cuja porta principal abria para
este claustro, tendo também uma porta travessa para o adro) e que foi a primeira sede da
Misericórdia do Porto149. Mas neste espaço havia ainda vários arcos, um dos quais era chamado o
“Grande”, várias sepulturas, uma cruz, um púlpito e, além da capela de Santiago, pelo menos as de
145 MONTEIRO, Manuel – Igrejas Medievais do Porto. Op. Cit., p. 24.
146 BASTO, A. de Magalhães – A Sé do Porto. Documentos Inéditos relativos à sua Igreja. Op. Cit.., p. 17.
147 Novaes afirmou que a Misericórdia estava instalada na Capela de N. Sr.ª da Encarnação, desde cerca de 1499. Em 1899,
quando a Santa Casa comemorou o seu 4º Centenário, colocou uma lápide na Capela de João Gordo, então chamada de S.
Martinho, por ter sido “neste resto do Velho Claustro da Sé, onde teve o seu berço a Santa Casa da Misericórdia”. Mas
perante a leitura da lápide, Magalhães Basto levanta o problema desta se referir àquele local preciso, resto do velho claustro,
ou se se pretendeu dizer apenas que ela foi instituída no “velho claustro”, do qual aquele recinto é considerado um resto. Cfr.
NOVAES, Manuel Pereira de – Anacrises Historial. Op. Cit., p. 148; BASTO, A. de Magalhães – História da Santa Casa da
Misericórdia do Pôrto. Op. Cit., p.173 - 174.
148 Idem, p. 176.
149 No entanto, Magalhães Basto ignora a sua localização precisa dentro do Claustro Velho. Idem, p.199.
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Madalena, dos Alvarinhos e do Ferro150. Em 1567 os irmãos da Misericórdia transferem-se para a sua
sede na Rua das Flores, passando esta área da Sé a sofrer um progressivo abandono151.
Todavia, ainda persistem dúvidas quanto aos limites espaciais, e mesmo estruturais, do Claustro
Velho. Este foi talvez muito mais vasto, em tempos anteriores à construção da Capela de S. Vicente e
da escada barroca, mas também do Claustro Gótico.
Magalhães Basto refere um ensaio de reconstituição deste Claustro da autoria do Dr. Correia Pinto152
que defendia que os arcosólios153 tinham uma função tumular (atestada pela existência de inscrições
funerárias) e era à sua frente que corriam os arcos pròpriamente do claustro (...) apoiados em
vigamentos, que se firmavam dum lado em mísulas, sobranceiras aos nichos – e lá estão algumas
ainda – e do outro lado em cartelas que se sobrepunham aos arcos, das quais ainda existe uma.
Apresentaria uma forma irregular e devia ter apenas três lanços de arcaria ogivada, para ficar do lado
Norte em comunicação aberta e livre com o cemitério, do qual era a parte mais nobre e mais
disputada. Magalhães Basto refuta este último ponto, pois acredita que o Claustro era fechado sobre
si, tendo saída para a rua que passava em frente à Sé: a Irmandade da Misericórdia era a detentora
da sua chave e era a responsável pela conservação e limpeza daquele recinto, pelo menos nos dias
das suas festas154.
Manuel Monteiro diz poder determinar-se com certa precisão grande parte dos limites deste claustro,
que se alonga em quase toda a extensão da Sé155: estaria limitado a norte pela própria Igreja, no
ângulo sudeste pelos dois troços de muro, ainda subsistentes, e no ângulo sudoeste pelas duas faces
da capela funerária de João Gordo. As mísulas que ainda subsistem denunciam a existência de uma
cobertura alpendrada.
Carlos de Passos, mostrando discordar, afirmou que estes arcosólios não poderiam ser parte
integrante do primitivo claustro românico por formarem uma planta irregular e, no estylo románico, as
anomalias (construtivas) não existem - são, então, restos de antigos anexos, encostados ao claustro,
de pequenas capellas ou ermidas, levantadas à sombra auspiciadora da cathedral, o que era
vulgar156. Conclui, pois, que o primitivo claustro ocupava a área do actual, tendo-se construído à sua
150 Magalhães Basto crê que tudo isto ainda se conservaria em inícios do século XVII, pois tem a notícia de que em 1616,
durante a prelazia de D. Fr. Gonçalo de Morais, foi aberto o túmulo de Pero Anes das Póvoas. Idem, p. 184 e p. 196.
151 Acrescente-se que, em finais do século XVII, o Claustro Velho foi considerado impróprio para se continuarem a cumprir
aí as obrigações testamentárias dos seus benfeitores ali enterrados “por estar lugar imundo este claustro velho da Sé”. Em
inícios do século XVIII este espaço estava reduzido a uma pequena área, tendo-se erguido posteriormente sobre ela as novas
construções do claustro pequeno, das casas da fábrica e da sacristia pequena. Cfr. DORDIO, Paulo – “Projecto de estudo
histórico e arqueológico da Sé do Porto – o cemitério”. Op. Cit., p. 32.
152 Este ensaio foi feito pelo Prof. e arqueólogo Dr. Correia Pinto, em 1931, na “Oração da Sapiência”, pronunciada no
Seminário Episcopal do Porto. BASTO, A. De Magalhães - História da Santa Casa da Misericórdia do Pôrto. Op. Cit., p.185187.
153 Os arcos ogivais seriam de construção anterior a 1345. Idem, p.187.
154 Idem, p. 199-200.
155 MONTEIRO, Manuel – Igrejas Medievais do Porto. Op. Cit., p. 23.
156 Para sustentação da sua tese, cita Novaes, que alude aos nichos y capillas antiguas del claustro desta santa iglesia, en el
exido de los naranjos, que cae detraz de la sacristia. Novaes, Manuel Pereira de – Anacrises Historial. Op. Cit., p. 151;
PASSOS, Carlos de – Porto: Noticia Histórico-Archeologica . Op. Cit., p. 44-45.
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volta varias quadras, procedentes umas das necessidades do pessoal da Sé e outras da devoção
particular dos bons burguezes e dos ecclesiasticos do burgo157.
Fruto das escavações recentemente realizadas (no pátio da sacristia pequena), no âmbito da
intervenção do IPPAR e sob a responsabilidade do Dr. Paulo Dordio, foi possível verificar que o
Cemitério do Bispo mostra, no ensaio de reconstituição, uma área de grande dimensão que terá
crescido ao longo do tempo158. Paulo Dordio lembra que, na Idade Média, a palavra cemitério adquiriu
um duplo significado: foi não só um lugar reservado aos mortos, como também uma espécie de praça
pública e centro da vida social da comunidade onde se realizavam as reuniões religiosas e as
assembleias judiciárias e políticas, o sítio do mercado e da feira e igualmente o local de encontro e
divertimento que antecedeu o “passeio público”159.
Assim, o arqueólogo pôde verificar que no século XIV as estruturas funerárias procuram concretizar
as novas necessidades de qualificação, dignidade e personalização da última morada160. Não se
encontrando estas ainda no interior da igreja, identifica uma fase de transição da qual é testemunho a
capela de João Gordo. Acrescenta, ainda, que no mesmo sentido, observa-se a intenção de
reordenar e qualificar uma parte da área do cemitério situada a sudeste da igreja com o objectivo de
criar um recinto funerário com delimitação própria regularizada pelos eixos axiais da catedral161.
Trata-se do espaço hoje denominado de Claustro Velho e que, apesar de no seu aspecto actual
corresponder a uma construção tardia de meados do século XV, a própria designação com que surge
identificado na documentação daquela época parece reenviar para uma estrutura preexistente que foi
então reformulada162. Acrescenta ainda que terá sido mantido o acesso ao exterior através de uma
porta (para um beco de serventia) e que é provável que o limite norte fosse nessa altura constituído
pelo corpo da desaparecida Capela de Santiago163.
5.7. Capela de João Gordo
O acesso à Capela de S. João Evangelista164 faz-se actualmente pelos compartimentos
térreos da Casa do Cabido, através de uma das portadas que foi nobilitada aquando das
transformações da sede vacante de 1717-1741. As fachadas (ocidental e meridional) em granito da
157 Idem, p. 45.
158 Cfr. DORDIO, Paulo – “Projecto de estudo histórico e arqueológico da Sé do Porto – o cemitério”. Op. Cit., p. 27.
159 Idem.
160 Idem, p. 30.
161 Idem.
162 Idem.
163 Idem
164 Nem sempre se teve esta capela como sendo dedicada a S. João Evangelista e o seu sarcófago como sendo de João
Gordo. Durante muito tempo acreditou-se ser esta capela dedicada a S. Martinho e ser o túmulo de D. Martim Mendes Pais,
Mestre-Escola da Sé do Porto. Devemos a Magalhães Basto o esclarecimento deste equívoco mediante a revelação de novos
dados documentais, uma vez que não existe nesta Capela qualquer inscrição que aluda directamente ao seu fundador, aí
sepultado. Cfr. BASTO, A. de Magalhães – História da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Op. Cit., p. 185. A confusão
relativamente ao orago desta capela advém certamente do facto de ter desaparecido a imagem de S. João Evangelista (a quem
o fundador se devotara em vida), assim como o altar onde os clérigos rezavam em sua intenção. MONTEIRO, Manuel –
Igrejas Medievais do Porto. Op. Cit., p. 26.
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capela, nas quais se destacam dois gigantes, contrastam com o branco das paredes da Casa do
Cabido, que as enquadram e confrontam-se directamente com o Paço Episcopal.
Na Idade Média o seu enquadramento seria certamente bom diferente: a capela de João Gordo
surgiria anexa ao claustro gótico, mas isenta de qualquer construção que se lhe sobrepusesse.
Carlos de Passos considerou este capela como sendo um dos antigos anexos encostados ao
Claustro, ou mesmo uma pequena ermida levantada à sombra da Catedral165, incorporando o
conjunto de construções que existiram em redor do claustro que antecedeu ao gótico, para prover às
necessidades do pessoal da Sé.
Esta Capela forma uma pura jóia de inícios da nossa arquitectura gótica166. A sua planta hexagonal
foi outrora rematada por uma abóbada nervurada - esta irremediavelmente substituída por um tecto
de madeira – dela restando ainda as colunas com moldura anular que suportavam o seu peso. Na
parede oeste, com feição mediévica, abre-se uma fresta que ilumina o seu interior. A abertura da
Capela é formada por um arco de arestas chanfradas que se apoia sobre vigorosas meias canas
sublinhadas por colunelos com seus capitéis cujas impostas se estendem pelo seu interior quebrando
a monotonia das superfícies lisas dos panos de silharia do héxagono167.
Em frente à entrada, na espessura do muro, abre-se um arcosólio, com uma curva quebrada,
ligeiramente abatida, sustentada por colunas geminadas com capitéis vegetalistas. Este arcosólio
abriga o sarcófago com jacente, apoiado sobre quatro leões, de João Gordo, Cavaleiro da Ordem de
Malta, Almoxarife e Contador Real, no Porto, e Juíz do Mar da mesma cidade, ao tempo de D.
Dinis168. O Sarcófago de João Gordo é um monumento funerário do primeiro terço do século XIV,
sendo também uma das primeiras manifestações plásticas de vulto do período dionisino169. Este
sarcófago, lavrado em calcário de Portunhos, tem vindo a ser atribuído a um artista da escola
Coimbrã, Mestre Pedro170. Manuel Monteiro legou-nos um detalhado estudo relativo ao seu estilo,
composição e iconografia171 - na face principal do sarcófago está representada a “Última Ceia”, na
testeira inferior o “Calvário” e na cabeceira a “Coroação da Virgem”.
No entanto, nem sempre se teve esta capela como sendo dedicada a S. João Evangelista e este
sarcófago como sendo de João Gordo. Durante muito tempo acreditou-se ser esta capela dedicada a
S. Martinho e ser o túmulo de D. Martim Mendes Pais, Mestre-Escola da Sé do Porto. E é também a
Magalhães Basto172 que devemos a revelação dos novos dados históricos, apesar de Novaes já a
referir como Hermita de San Iuan Evangelista, onde se encontrava o sepulcro de un Iuam Gordo, que,
quando se hasia la obra del Claustro, fundò esta Capilla para su jasigo173.
Na verdade não existe nem na Capela, nem no sarcófago, qualquer inscrição que aluda directamente
ao seu fundador, aí sepultado, ao contrário do que aconteceu com as duas campas rasas do chão
onde jazem, desde o século XVI, António de Paz (que foi administrador desta capela) e Simão
165 PASSOS, Carlos de – Porto: Noticia Histórico-Archeologica. Op. Cit., p. 45.
166 MONTEIRO, Manuel – Igrejas Medievais do Porto. Op. Cit., p. 25.
167 Idem.
168 BASTO, A. de Magalhães – A Sé do Porto. Documentos Inéditos relativos à sua Igreja. Op. Cit., p. 17.
169 MONTEIRO, Manuel – Igrejas Medievais do Porto. Op. Cit., p. 26.
170 QUARESMA, Maria Clementina de Carvalho – Inventário Artístico de Portugal. Cidade do Porto. Lisboa: Academia
Nacional de Belas – Artes, 1995, p. 171.
171 Cfr. MONTEIRO, Manuel – Igrejas Medievais do Porto. Op. Cit., pp. 26-28.
172 BASTO, A. de Magalhães – História da Santa Casa da Misericórdia. Op. Cit., p. 185.
173 NOVAES, Manuel Pereira de – Anacrises Historial..., vol. IV, p.154.
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Gomes, seu sogro174. Nesta altura encontrava-se aí uma lápide, cuja data de 1899 comemora a
fundação da Santa Casa da Misericórdia175 – foi colocada neste local por se crer então ser este o
local da instituição da Irmandade, a Capela de S. Martinho176. Todavia já tivemos oportunidade de
referir que esta se encontrava, antes, na capela de Santiago, no Claustro Velho. Rezou-se nesta Sé
missas por Martim Mendes, mas sim na Sacristia e não nesta capela do Claustro – a capela
conhecida hoje como sendo de S. Martinho não é a mesma que tinha esse nome no século XVI177.
Magalhães Basto dá-nos a conhecer um extracto de um documento que condiz exactamente com o
que nos diz o cronista beneditino relativamente a esta capela, a qual johão Anes Gordo instituyo (a
Capella) de São Jmº. onde jaz sepultado em hua sepultura de pedra da Batalha, q. está a porta
travessa da crasta desta see do porto178.
A confusão relativamente ao orago desta capela advém certamente do facto de ter desaparecido a
imagem de S. João Evangelista (a quem o fundador se devotara em vida), assim como o altar onde
os clérigos rezavam em sua intenção179.
174 Nas lápides sepulcrais lê-se, respectivamente: “Aqui jaz António de Paz Cavaleiro de Avis e Administrador que foi desta
capela” e “Aqui jaz Simão Gomes cidadão desta cidade sogro de António Paz Administrador que foi desta capela”.
QUARESMA, Maria Clementina de Carvalho – Inventário Artístico de Portugal. Op. Cit., p. 171 e BASTO, A. de Magalhães
– Silva de História e Arte. Op. Cit., p. 73.
175 “Neste resto do velho claustro da Sé, onde teve o seu berço a Santa Casa da Misericórdia, mandou esta Irmandade, com a
devida permissão do Exmo. Cabido, colocar esta lápide em memória do quarto centenário da sua fundação”. Magalhães
Basto levantou o problema relativo á indefinição desta inscrição: tanto se pode referir a esse mesmo lugar, um resto do velho
claustro, como pode pretender dizer que ela foi instituída no “velho claustro”, do qual aquele recinto é considerado um resto.
Há falta de documentos, nada se sabia então sobre a capela de Santiago do Claustro Velho. BASTO, A. de Magalhães –
História da Santa Casa da Misericórdia. Op. Cit., p. 173-174. Esta lápide está agora no Claustro Velho por se saber já ser aí o
local onde se instalou originariamente esta Confraria.
176 Isto foi concluído a partir da existência de uma referência documental, datada de 17 de Agosto de 1381, em que se alude
a uma “capela de S. Martinho que estava na claustra da dita Sé”, na qual devia realizar cerimónias religiosas “pelos bens da
dita confraria, como pelos outros, pelas almas daqueles que os ditos bens deixaram à dita confraria”. Idem, p. 191.
177 No século XV, o altar de S. Martinho estava na Sacristia da Sé do Porto. Celebravam-se aí cerimónias religiosas, por
alam de Martim Mendes (desde o século XIII, inícios XIV) que anteriormente eram realizadas na capela do mesmo nome do
Claustro Velho, demolida para que fosse possível a construção do novo claustro, nos finais do século XIV – a imagem e o
culto de S. Martinho foram então transferidos para a Sacristia. No século XVII, a missa quotidiana por alma de Martim
Mendes passou a ser celebrada no Hospital de Rocamador (foi a confraria de Rocamador o primeiro administrador da capela
de S. Martinho; desde 1521 que tal administração é feita pela Santa casa da Misericórdia), ou deixou de se dizer, devido às
transformações sofridas pela Sacristia da Sé do Porto. Cfr. Idem, p. 193-194; Idem – Silva de História da Arte. Op. Cit., p.
82-83.
178 Extracto do “Tombo de tôdas as rendas das Igrejas e propriedades da Mesa Capitular”. Idem, p. 76.
179 MONTEIRO, Manuel – Igrejas Medievais do Porto. Op. Cit., p. 26.
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5.8. Sacristia
Relativamente ao início da construção da Sacristia do Cabido ainda persistem muitas
dúvidas, as quais se torna urgente esclarecer através da descoberta de novos dados.
Para Manuel Monteiro, o processo construtivo da chamada “Sacristia do Cabido” põe em evidência
um “apego ferrenho à tradição românica”: a sua cobertura em abóbada de berço quebrado é
sustentada por arcos torais de faces lisas e arestas vivas, apoiados em potentes consolas de granito,
embebidas nas suas paredes; o impulso lateral da abóbada é suportado por contrafortes ou botaréus.
Todavia, a existência de modilhões góticos, em quilha de galé, a suportar as cornijas leste e oeste,
permitem ao autor situar esta construção, arcaizante, no primeiro quartel do século XIV180.
Contudo, a estrutura original deste anexo catedralício foi alterada por D. Fr. Gonçalo de Morais, na
totalidade ou em parte, mesmo antes deste bispo proceder à substituição da cabeceira românica pela
Capela-mor maneirista.
Mas, segundo Jaime Ferreira-Alves, a Sacristia foi erguida de raíz por este bispo construtor. Revelounos, ainda, o mesmo autor que a estrutura deste compartimento foi ampliada em 1700181. Foram
contratados os mestres pedreiros António da Costa e seu filho António da Costa, o novo, por esta
Sacristia necessitar, então, de ser acrescentada, ficando obrigados a fazer a nova conforme a planta
e apontamentos que para isso se tem feito182. Esta obra de aumento da Sacristia estaria muito
provavelmente concluída em 1701, pois então se contratam Manuel Leão e Mateus Nunes de
Oliveira, pintores – douradores183 para fazer-se o brutesco e dourado e mais pinturas na sacristia da
Sé184.
Parece-nos que só a descoberta de novos dados documentais poderá esclarecer esta problemática
relativamente à construção da sacristia.
Todavia, podemos acrescentar que, embora não se tenha ainda conhecimentos concretos
relativamente à data de início da construção da sacristia, sabe-se que terá existido no local onde
agora esta se encontra uma piscina pois, no século XVI, surgem duas referências que aludem à
existência de uma piscina da Sacristia185. Este aspecto é extremamente significativo pois poderá
indiciar a existência de uma piscina para baptismo na Sé do Porto e, consequentemente, a existência
de um Baptistério para a prática do Baptismo por imersão. Será que no local onde agora se ergue a
Sacristia existiu antes um Baptistério com a sua piscina central, como era comum nos primeiros
edifícios cristãos?
180 MONTEIRO, Manuel – Igrejas Medievais do Porto. Op. Cit., p. 24.
181 FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime – Elementos para a História Artística da Sé do Porto nos séculos XVII e XVIII.
Nótulas sobre algumas obras (1665-1709). Separata da “Revista da Faculdade de Letras – História”, II Série. Porto:
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1991, vol. III, p. 279-281.
182 Todavia, desconhecem-se os apontamentos pois não foram transcritos no contrato agora revelado. Estes apontamentos
permitiriam ter uma percepção do alcance das alterações realizadas por estes mestres pedreiros. Idem, p. 380.
183 BRANDÃO, Domingos de Pinho – Obra de Talha Dourada, Ensamblagem e Pintura na Cidade e na Diocese do Porto:
Documentação II (1700 a 1725). Porto: s.n., 1985, p. 71-77.
184 Foi através deste contrato, rico em pormenores relativos à decoração então feita neste compartimento, que J.J. FerreiraAlves obteve algumas informações relativas à sua estrutura arquitectónica: cobertura abobadada com seus arcos assentes em
pilastras, que a dividem em tramos; nicho de pedra destinado a receber um retábulo para albergar um crucifixo; quatro
aberturas e um óculo. FERREIRA-ALVES, J.J. – Elementos para a história Artística da Sé do Porto. Op. Cit., p. 280-281.
185 Cfr. Anexo I, “Sacristia” e “Piscina da Sacristia”.
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