Moção de estratégia Autor: Secretariado Nacional I - Introdução «Qual a melhor maneira de evitar situações em que um mau governante cause demasiados danos?» Karl Popper, a Sociedade Aberta e os seus Inimigos Vivemos tempos difíceis! Eis uma verdade que merece a concordância generalizada. E tempos difíceis, não apenas porque se sucedem crises financeiras de âmbito global, não apenas porque a insegurança reina em todos os lugares. Vivemos tempos difíceis porque, principalmente, vivemos num mundo e num tempo de intolerância, de competitividade selvagem sem limites e quase sem valores ! Basta ver a abertura dos noticiários das televisões ou das capas dos jornais para constatarmos que as filosofias e doutrinas que regem este nosso mundo o faz aproximar, perigosamente, da destruição. A pergunta que encima esta introdução foi relembrada pelo autor numa Conferência que proferiu em Lisboa e, na verdade, era bom termos uma resposta adequada tendo em atenção o que se passa hoje em Portugal e na Europa. Na verdade, nestes 40 anos de democracia, já nos submetemos ao FMI, as falências sucederamse, assim como os despedimentos, a legislação laboral evoluiu de forma errada, os grandes grupos económicos ressurgiram e as desigualdades aumentam a cada ano. Hoje poucas dúvidas restam de que fosso entre ricos e pobres aumentou, com a agravante da quase total destruição da classe média. Além disso, é cada vez mais visível que quem manda no País são os especuladores ou, no vocábulo da moda, os mercados, sejam lá o que forem essas entidades! E a regra da “governação” sustenta-se na imposição dos sacrifícios aos trabalhadores e pensionistas, com permanente e insustentável retirada de direitos e, em muitos casos, com o desemprego e a miséria. Por isso urge relançar o debate sobre os mais profundos alicerces da nossa sociedade, designadamente pela procura e relançamento de uma ética que legitime o exercício democrático do poder político. 1 E é aqui que importa lembrar a importância e o papel fundamental dos sindicatos. Não podemos aceitar que se continue a basear a estratégia (?) para o país numa política de redução de salários (de notar que a redução real é uma constante desde há muitos anos), no congelamento de pensões e aumento da vida contributiva, acompanhada do aumento da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho (em detrimento da tributação do património e das transações) e da diminuição dos apoios sociais. Aceitamos e entendemos a necessidade de contenção orçamental. Mas ela tem de ser feita, principalmente, através do combate ao desperdício e à informalidade na economia. Tem de significar uma reestruturação do Estado, que urge fazer, acabando com os boys e girls de várias gerações que se vão perpetuando no banquete orçamental, e para o qual vão convidando os amigos através dessa inovação que são as PPP! A contenção orçamental tem de significar um real combate à corrupção e ao compadrio. No caso especifico da administração pública, lembramos o que Daniel Oliveira escreveu sobre a perda de direitos na função pública no bloggue ARRASTÃO: «A estratégia de concentrar o fogo sobre os trabalhadores do Estado é inteligente. Criar um bode expiatório, isolá-lo socialmente e começar por aí o combate político e ideológico. A extrema-direita faz isso com os imigrantes, a direita conservadora com os miseráveis que vivem “à custa dos subsídios” e os liberais com os funcionários do Estado.» Por isso mesmo, a consciencialização de todos nós, desta realidade e a participação de todos no seu combate é de crucial importância. Os sindicatos tem de ser capazes de agir por forma a influenciar uma estratégia de desenvolvimento integral para o país, com um crescimento económico sustentado e uma política fiscal e de redistribuição da riqueza que inverta a tendência de aumento das desigualdades. Se o não fizermos, a resposta à pergunta inicial poderá ser brutal! Por isso, em face mudança constante que se opera na sociedade, existe o dever, o imperativo de os sindicatos se adaptarem de forma a poderem responder aos novos desafios, sem que tal signifique abdicar dos seus objetivos e valores fundadores. Por isso consideramos importante realçar e reforçar esses valores humanos, que não meramente sindicais, e que se fundam na justiça e na solidariedade, enquadradores de uma sociedade que fomente a participação. Nesta sociedade, os direitos laborais, cívicos e culturais, são percebidos e acolhidos como vetores de desenvolvimento económico e social. Na nossa tradição de 40 anos, sempre privilegiámos o diálogo e o compromisso construtivo, ou postura de proposição se preferirmos, mas, e sempre o dissemos e praticamos, sem deixar de defender sempre que necessário, uma postura de reivindicação, não recusando, nem temendo, o conflito. 2 Sabemos que a necessária intervenção social não é compaginável com posturas imobilistas. E por isso mesmo apostámos numa política de evolução e de afirmação do SFJ. E não temos dúvida que hoje temos um sindicato moderno, com uma atuação fundada numa filosofia de sindicalismo democrático e vertical, no seio da qual se qual se dá primazia ao diálogo face ao conflito, mas, conforme dissemos acima, jamais abdicarmos da luta quando esta for a via que resta na defesa, intransigente e determinada, dos direitos e interesses da classe dos funcionários judiciais. Não esquecemos, nunca, que a razão e o fim da atuação sindical são os trabalhadores. II – Organização Sindical Assumimos a com orgulho os nossos 40 anos com a responsabilidade de ser não só o mais antigo, como o maior e mais representativo sindicato da área do judiciário. Mas nunca nos demos nem damos por satisfeitos! Queremos sempre mais e maior dinamismo na actuação do nosso sindicato. Por isso apresentamos a este Congresso uma proposta de alteração estatutária que se funda nessa filosofia de dinamismo, assertividade e competência na busca das melhores soluções para os nossos associados sem esquecer que prestamos um serviço público de máxima importância para a vida em sociedade. Razão pela qual dizemos repetidamente que as posições que assumimos, além de defenderem os trabalhadores têm um alcance mais profundo pois que também buscam um melhor serviço público de administração da justiça que responda cabalmente aos anseios de quem a ele recorre. Pretendemos por isso fundar a ação do sindicato nas estruturas de base e nos delegados sindicais. Para lograr tal objectivo iremos promover ações de formação sindical e, em paralelo, a eleição dos delegados sindicais e a criação de seções sindicais. Nessa lógica se tem de entender a participação em sede do Conselho Nacional de representantes eleitos pelos associados em cada uma das comarcas. Teremos também de consolidar uma prática de reuniões periódicas dos dirigentes do Secretariado e das Coordenadoras, nos locais de trabalho. Outra área onde iremos melhorar a nossa atuação prende-se com a situação dos nossos colegas aposentados. Como temos vindo a constatar, também aqui importa uma entidade de cariz sindical que zele pelos interesses e direitos dos trabalhadores após terminarem a sua vida 3 laboral. A comunicação é também um vetor crucial da estratégia sindical. E iremos proceder as alterações e modificações que se imponham de forma a dar maior eficácia a política comunicacional do SFJ. Nesta área, a par de uma cada vez maior utilização das ferramentas digitais e das plataformas online iremos também revitalizar a comunicação escrita, designadamente com o relançamento do CITOTE como espaço de reflexão e fórum privilegiado da discussão dos assuntos que mais importam aos associados. Assuntos que, em regra, possuem uma densidade, uma profundidade e uma continuidade no tempo, que justifica a opção por esta via, e á qual pretendemos atribuir uma periodicidade quadrimestral. III – Serviços prestados pelo SFJ Vamos continuar a apostar na melhoria e alargamento do quantidade e qualidade dos serviços que prestamos aos nossos associados. Desde logo, pretendemos melhorar e alargar ainda mais os serviços prestados pelo nosso Departamento Jurídico. Na verdade, o aumento da conflitualidade gerada pelas sucessivas mexidas na organização judiciária e na cada vez maior atividade legislativa avulsa com impacto na nossa vida profissional, impõem uma intervenção e apoio jurídico cada vez maior. Pretendemos continuar a apostar na área social, em sentido lato, e aí cabe realçar a importância da Assistência Médica do SFJ – AMSFJ, que pretendemos reforçar e alargar, de forma sustentada e sustentável. Mas é também nesta área que cabe a nossa política de protocolos com Universidades, Institutos, Seguros, e outras entidades, que permitam aos associados usufruir de serviços de qualidade ao mais baixo custo possível. E iremos, de forma cautelosa, procurar soluções que permitam melhorar ou acautelar a vida dos nossos associados na aposentação. Uma outra área que iremos continuar a privilegiar será a formação contínua e continuada. Apesar de continuarmos a lutar para que a administração assuma os seus deveres e obrigações na formação profissional dos trabalhadores, consideramos que devemos manter o nosso Departamento de Formação. Aliás, importa realçar que em muitos países são as estruturas profissionais que, baseadas no estatuto socioprofissional, assumem por inteiro a responsabilidade da formação contínua dos trabalhadores. Iremos continuar a apostar numa formação mista – presencial e á distancia – e nesse sentido aproveitar de forma adequada os programas do Quadro Comunitário 2020. 4 IV – Organização Judiciária Defendemos, de há muito a esta parte, que a organização judiciária, ou melhor, a definição do modelo de organização que melhor sirva os superiores interesses daqueles a quem se destina: OS CIDADÃOS. E que era, e é, um desafio a que os operadores judiciários, conhecedores da realidade “concreta”, devem responder, contribuindo de forma esclarecedora e não meramente corporativa para a eficácia real de tal debate. Não dizemos, hipocritamente, que as ideias que perfilhamos, são alheias às funções que desempenhamos mas que na nossa postura visamos o objetivo maior que atrás definimos. Porque consideramos a participação como o único meio de aprofundar a democracia e fomentar o verdadeiro desenvolvimento, para o qual a Justiça é condição primeira, não só na sua aplicação à posteriori mas principalmente pela sua observância no dia a dia. Sabemos que a Justiça é hoje um dos bens de maior procura na sociedade portuguesa. Sociedade que, na última década, subiu exponencialmente os seus níveis de exigência. Não tendo conseguido obter soluções que evitassem as situações decorrentes de tal modelo económico e social, a Justiça surge como o último reduto para o qual se vira o cidadão lesado nos seus direitos. A justiça que a sociedade exige é célere, eficaz e de qualidade. As novas tecnologias operaram mudanças nas sociedades contemporâneas, de um modo transversal. A Justiça, ou melhor, a administração da justiça, parte integrante das sociedades, não lhe ficou imune. A área da Justiça estagnou mesmo, durante um certo período, não aderindo às novas tecnologias ou, quando o fez, sen uma planificação estratégica de base alargada para evitar os sucessivos improvisos ou inflexões, conforme se tem visto. Mas importa vincar que a adopção das tecnologias ao nível dos procedimentos, muitos dos quais, mesmo agora, estão cristalizados, conforme se verifica na manutenção das velhas rotinas, passear das alterações introduzidas. A Justiça, ou melhor, quem nela manda, demonstrou não perceber as alterações sociológicas que se operaram na sociedade, seja ao nível das relações interpessoais seja ao nível das relações económicas. Estagnação que provocou, ao manter durante tempo de mais as mesmas estruturas para uma realidade diferente e com um nível de procura maior, uma descredibilização crescente da Justiça. Quando os “Poderes” constataram não ser possível manter tal situação por muito mais tempo, já o sistema se encontrava sujeito a muita erosão, acumulando pendências inacreditáveis, houve por isso a tentação de resolver rapidamente a questão, operando mudanças, na maior parte das vezes avulsas, e de mero aumento quantitativo, não cuidando de saber se essa era a resposta mais eficaz. 5 Não era, como se veio a provar. Na devida altura questionamos, numa postura construtiva, ao afirmarmos que os problemas da justiça não se resolvem com régua e esquadro mas com investimento sério na concretização de uma estratégia sustentada na eficiência e maior celeridade na sua realização. Continuamos a entender que desjusdicializar não é solução. Veja-se a reforma da ação executiva e o facto de embora se ter dito que tal significava uma saída de milhões de atos dos tribunais e da intervenção do Juiz, tal não veio a acontecer, acabando por «entupirem» as secretarias pois quase todas elas acabam por passar pela secretária do Juiz. O que se apresentou foi um modelo gestionário e de concentração que em nada garantia ir funcionar de forma diferente da anterior, em termos de resultados foi pior. As condições e meios que são postos à disposição dos operadores judiciários, para o desempenho das suas funções e, consequentemente, a necessidade de também nesta área se aumentar o respectivo investimento. A permanente falta de funcionários para preencher os lugares dos quadros é uma situação insustentável, até porque essa realidade não se verifica ao nível das magistraturas. Não se podem escamotear as condições degradantes de alguns tribunais em que só a boa vontade e espírito de sacrifício de todos os profissionais permitem trabalhar. Urge definir um modelo organizativo e funcional em que cada uma saiba, concretamente, aquilo que lhe compete, e na qual cada operador judiciário assuma o seu papel e exerça a sua função em moldes predefinidos e não sujeitos a interpretações feitas a cada momento. Importa definir critérios objectivos e justos para a colocação dos oficiais de justiça nos respectivos núcleos, evitando-se as recorrentes situações de arbitrariedade e até ilegalidade cometidas por quem tem o dever e a obrigação de respeitar os direitos das pessoas. A “MILAGROSA” REFORMA DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA de 2013: Eficácia, proximidade, especialização. Foram três dos chavões que marcaram o discurso oficial sobre a maior “reforma dos últimos 200 anos”!?. Decorrido pouco mais de uma ano é visível que não se logrou atingir os objetivo e o SFJ considera ser de particular relevância para a melhoria da administração da justiça em Portugal fazer a análise desta reforma. Relembremos que instalações, meios humanos e plataforma electrónica adequada à nova arquitetura, eram os três pilares basilares para a reforma ter êxito. Vejamos: 1. Tínhamos as instalações adequadas para fixar as novas unidades orgânicas.? Não. Instalaram-se contentores, e as obras continuam a decorrer em vários tribunais por todo o país. 6 Deslocalizaram-se instâncias devido a erros de previsão de espaço necessário para acomodar os processos, isto para nem falar das pessoas... 2. Tínhamos recursos humanos suficientes para dotar as novas unidades orgânicas – Núcleos - do número suficiente de pessoas que assegurassem as tarefas da tramitação processual? Não! Faltavam, e faltam, Oficiais de Justiça, mesmo considerando como adequado (que não é!) o número previsto pelo Ministério da Justiça - que para o SFJ é um número desadequado da realidade. Esta falta de recursos humanos implica uma demora na tramitação processual que prejudica toda a gente, em primeiro lugar o cidadão que vê os processos a arrastarem-se durante mais tempo, mas também quem trabalha nos tribunais porque sofre um enorme stress com isso. 3. O sistema informático estava em condições e era adequado ao novo figurino? Não! O SFJ alertou para o facto de o Citius não estar preparado para a transferência dos processos. O plano de ação para a justiça na sociedade de informação, que tinha sido previsto para ser implementado antes da reforma, não foi feito, tentou-se uma transferência simples e aconteceu o que aconteceu, os tribunais paralisaram durante um mês e meio. E ainda hoje se verificam constrangimentos a este nível... Resumindo faltavam instalações, faltavam meios humanos e faltava um programa informático adequado. Só podia dar errado . . . e deu! Mas, claro, bem ou mal a reforma está no terreno. Seria agora errado voltar tudo atrás. Mas há muitos aperfeiçoamentos a fazer! Mas há várias pequenas grandes coisas a fazer. A saber, e entre outras: Correção das assimetrias criadas com as atuais 23 comarcas, dividindo as maiores e as mais dispersas; A titulo de exemplo do que está errado, vejam-se as comarcas de Aveiro, Lisboa ou Lisboa Oeste; A título meramente exemplificativo analisemos em relação a esta última – Lisboa Oeste, alguns dados, á data da instalação da mesma: 7 População total: 1 008 255 Funcionários Previstos : 572 Funcionários Existentes: 421 Faltam: 151 +/- 26,8% Valor aconselhável: 780 (ratio 4/1), com 1 Juiz – 1 Escrivão de direito (vide Despacho 9961/2010, de 14-06-2010, DR II Série, 113) Juízes: 84 MP: 111 Total magistrados: 195 Ratio Funcionários/magistrados 2,1/1 Núcleos : Sintra – Central Cível, Crime, Família e Menores, Trabalho, Comércio, Execuções /local genérica Cível, Criminal e pequena criminal (vulgo Trib. Polícia) Previsão de Funcionários: 268 População: 377 835 Amadora – Local Cível e Crime Previsão de Funcionários: 70 População: 175 136 Cascais – Central Cível, Criminal, Família e Menores, Trabalho /Local Cível e crime Previsão de Funcionários: 143 População: 206 479 Mafra – Local Cível e Criminal Previsão de Funcionários: 24 População: 76 685 Oeiras – Central Execuções / Local Cível e Criminal Previsão de Funcionários: 67 População: 172 120 8 Ou seja, urge fazer uma reorganização geográfica do mapa, reavaliando e eventualmente atribuindo mais competências a alguns núcleos, revendo o funcionamento das Secções de proximidade, alterando a dimensão de algumas comarcas; Garantir a igualdade de acesso das populações, em especial nas áreas da família e menores e do trabalho; Garantir o principio da prevenção geral e especial nas penas em matéria penal com a necessária proximidade do Tribunal julgador, em especial na pequena criminalidade; A alteração das regras de distribuição dos processos, desde logo com a criação de regras de contingentação; Secretarias redimensionadas de molde a permitir que seja aumentada a sua funcionalidade; O Escrivão como a figura garante do funcionamento eficiente das secretarias; Uma apreciação mais rigorosa nas condições de concessão do apoio judiciário e da viabilidade da ação; Melhorar o sistema informático; Rever a excessiva centralização no IGFEJ de algumas competências. Por exemplo, remeter para unidades ao nível da comarca a contabilidade processual, pagamento de custas de parte, apoio judiciário, entre outras. IV – Estatuto Socioprofissional Esta é sem dúvida a maior tarefa e o maior desafio que iremos ter de travar. Mas, e no imediato, entendemos que há medidas a adotar no mediato. E, desde logo, importa alterar a lei de forma a permitir, e prevenir no futuro, as injustiças que decorrem da interpretação (abusiva no nosso entender) e que tem impedido de serem feitos os devidos procedimentos para levar a cabo os concursos de auxiliares para adjuntos. Há centenas de funcionários que há cerca de 10 anos exercem funções de adjunto sem receberem em conformidade. De notar que no caso dos adjuntos a exercerem funções de Escrivão de Direito tal já não sucede porque existe a figura estatutária da “substituição” e o CAAD condenou a administração a fazer o pagamento pelo salário do substituído. Uma injustiça que urge retificar! Há que fazer uma revisão dos estatutos das três profissões. Fala-se muito dos estatutos do ministério público e dos juízes, mas também os estatutos dos funcionários judiciais têm de ser 9 alterados, porque há normas no nosso estatuto que são incompatíveis com a nova realidade. É importante envolver todos os operadores judiciais nos ajustes a fazer. O novo Estatuto dos Funcionários Judiciais terá de significar uma mudança de paradigma. E por isso defendemos que se estude com o profundidade o modelo seguido na vizinha Espanha com a reforma de 2003. É importante reavaliar as competências profissionais de cada profissão. Um juiz num tribunal não pode estar preocupado com a regulamentação do estacionamento do tribunal, com a compra do papel, com os mapas de férias dos funcionários, ou até com a extração de certidões, o juiz deve ter tempo para poder exercer a sua nobre função que é julgar e decidir. O juiz não tem que andar a regulamentar parques de estacionamento, a justificar faltas, isso são atos administrativos que podem ser praticados por superiores hierárquicos da carreira do oficial o justiça. Mas existem outras atos que poderiam e, no nosso entender deveriam, passar a ser competência do oficial de justiça. Por isso julgamos que no EFJ, deverão ser concretizados e densificados os seguintes princípios: 1. Ingresso na carreira com o grau de licenciatura com a inerente alteração do grau de complexidade funcional da carreira; 2. Vínculo de nomeação, exigível pelas funções desempenhadas, bem como pelas cujo acréscimo se defende, mas também pelo que tal vinculo representa em termos da independência da judicatura. 3. Consagração do principio de colocação em sede de movimento anual, em lugar em concreto. 4. Consagração de um regime especifico de avaliação. Explicitamos de seguida alguns fundamentos destes pilares. Alteração do regime de ingresso de molde a, cumprindo até as orientações propugnadas peloa sucessivos governos em termos de qualificações, determine que a entrada nos procedimentos concursais será feita apenas com cidadãos habilitados com licenciatura. Decorridos que são mais de 15 anos de vigência do atual Estatuto, constata-se que muitas das suas normas não servem os reais interesses da administração da justiça, nem os seus servidores. Algumas disposições estão ultrapassadas pela marcha dos acontecimentos, como é o caso dos requisitos de ingresso na carreira. 10 As responsabilidades, complexidade de funções e volume de serviço a que os oficiais de justiça estão sujeitos no dia a dia não se compadecem com formação deficiente, quer no ingresso, quer para o acesso. Os funcionários são a primeira, senão na maior parte das vezes a única face visível da justiça perante os utentes. Funcionários conhecedores e qualificados prestigiarão os Tribunais. Impõe-se redefinir e valorizar o papel do oficial de justiça, quer no local de trabalho, quer no contexto da administração da justiça, quer de uma forma mais lata no contexto dos servidores da nação, não só mantendo a maior parte os conteúdos funcionais já existentes, mas também através da ampliação desses conteúdos, atribuindo-lhes competências acrescidas com vista a um melhor desempenho, ao melhor funcionamento dos tribunais e a um melhor serviço de justiça. Para fazer face às novas exigências urge implementar regras diferentes para o ingresso que permitam aos funcionários adquirir mais e melhores conhecimentos e valências que se refletirão necessariamente na qualidade e quantidade de serviço. Assim o ingresso deverá fazer-se através de licenciatura adequada, como é o caso da já especificamente criada para o exercício das funções de oficial de justiça como é o caso curso ministrado pela Universidade de Aveiro. Não podemos deixar de referir que nas sociedades modernas a educação tem um papel preponderante e é certamente um motor imprescindível para um desenvolvimento equilibrado, justificando por isso uma aposta incondicional dos respectivos responsáveis, nomeadamente a nível governamental. Na verdade, existe hoje um grau de exigência, cada vez maior, nalgumas profissões o que motivou que a formação escolar ministrada para as mesmas tenha sido objecto de maior e melhor tratamento com reestruturação dos planos curriculares e com a atribuição da inerente valorização académica como foi o caso, entre outros, do serviço de estrangeiros e fronteiras e serviços de investigação da policia judiciária. Ora, quem conhece a realidade dos Tribunais Portugueses não ignorará, certamente as exigências de desempenho e o vasto conteúdo funcional dos oficiais de justiça. As dificuldades que recentemente se lhes têm deparado é de quanto é exigente e difícil o competente desempenho da função. São vários os códigos com que trabalhamos, a necessidade de permanente atualização legislativa, os devidos conhecimentos informáticos e de outros meios audiovisuais, para já não falar da necessidade de relacionamento com as devidas exigências de conhecimentos técnico-científicas, com os demais operadores judiciários com que nos relacionamos no dia a dia. Dificilmente se encontrará na administração pública, classe profissional com tamanhas exigências e tão vasto leque de conteúdo funcional. 11 Assim, pressupunha-se que para se ingressar nesta exigente e importante carreira de oficial de justiça a respectiva formação de ingresso fosse adequada. Mas, infelizmente não é. A preparação que é proporcionada antes do ingresso não é, nem pouco mais ou menos, compatível com tamanhas exigências o que, obviamente, cria dificuldades no desempenho, e tem reflexos negativos nos serviços prestados. Atualmente ingressa-se na carreira de oficiais de justiça sem uma verdadeira preparação com real valor pedagógico e que proporcione aos “futuros” oficiais de justiça a mínima preparação para o desempenho das funções. A não se optar por esta via, não temos dúvidas de se estar a contribuir para a degradação do desempenho das secretarias dos tribunais e do respectivo serviço prestado aos cidadãos utentes. E consideramos que as secretarias deverão ser abertas a outras carreiras, a integrar na classificação genérica de “Funcionário Judicial” a quem estarão cometidas algumas das funções hoje desempenhadas por oficiais de justiça mas cujoa complexidade funcional não seja tão exigente. Deverá, neste caso, ser mantida a via consagrada pela publicação do DL n.º 343/99 – Estatuto dos Funcionários de Justiça – que instituiu a admissão de concorrentes com a habilitação com um curso de natureza profissionalizante – Curso técnico de serviços jurídicos. Assim é necessário alterar, desde já, a regra de ingresso adequando o ensino às exigências da profissão. A melhoria dos serviços prestados pressupõe como condição para ingresso na carreira de oficial de justiça a habilitação com curso superior. Consideramos que para as exigências da profissão, o ingresso a este nível irá certamente ter como consequência necessária e desejável uma maior credibilidade e qualidade da função de oficial de justiça (e que poderá ainda ser aproveitado para outros desempenhos profissionais, nomeadamente, conservatórias, cartórios, gabinetes jurídicos na administração pública, etc.). Será, sem dúvida, um salto qualitativo que certamente irá beneficiar, por um lado a administração porque naturalmente terá uma base sólida de recrutamento e porque será evidente a melhoria do serviço prestado por esses profissionais, atenta a qualidade de nível superior da sua formação e, por outro lado, dignificará não só a carreira de oficial de justiça, mas, afinal, a própria administração da justiça e os tribunais. Fica expressa a certeza de que a nossa intenção é exclusivamente dignificar a classe de oficiais de justiça, os tribunais e a própria Justiça. O reconhecimento da especificidade e natureza funcional impõem a manutenção do regime de nomeação. A reestruturação do sistema de vínculos carreiras e remunerações na Função Pública, alterou radicalmente o paradigma do emprego público, mormente ao definir dois regimes distintos de 12 vinculação, a nomeação e o contrato de trabalho em funções públicas, para além dos casos em que a relação de emprego público se constitui por comissão de serviço. Recorde-se que por força da decisão do Tribunal Constitucional, proferida no Acórdão 620/2007, o âmbito subjetivo de aplicação da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, deixou de abranger os juízes e os magistrados do Ministério Público. Na redação final do artigo 10.º da citada lei, eram elencadas as atribuições, competências e atividades para cujo exercício os funcionários mantém o vinculo da nomeação através da sua integração em carreiras adequadas para o efeito. Que mantiveram no artigo 8.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas aprovada pela Lei n.º 35/2014 de 20 de junho. Desde logo entendemos que os oficiais de justiça, pelas especificidade das funções que desempenham, que se desenvolvem em carreira especial, integram o âmbito previsto no referido artigo 8.º da LGTFP, nomeadamente em funções de investigação criminal (Serviços do Ministério Público em que atuam como OPC) bem como no seu universo mais lato integram a segurança pública em meio institucional, uma vez que os Tribunais enquanto Órgãos de Soberania desempenham um papel nuclear e fulcral na segurança do Estado, porque na aplicação das suas decisões contribuem de forma preventiva e punitiva para tal desiderato. Sendo os Oficiais de Justiça um corpo de funcionários que integram o Tribunal (cfr. os Acórdãos nºs. 145/2000, 159/2001, 178/2001, 244/01 e 285/01 do Tribunal Constitucional) e estando sujeitos ao poder disciplinar dos Conselhos Superiores, conforme o nº 3 do artigo 218.º da CRP, não podem pela exigência das suas funções ser submetidos ao regime do contrato de trabalho em funções públicas sob pena de tal regime colidir com as sua naturais funções. Fazem assim, parte da estrutura dos tribunais, executando tarefas e atos que não são meros atos administrativos, mas verdadeiros atos judiciais. Como tal fazem parte integrante dos Tribunais, como órgãos de soberania constitucionalmente consagrados, e a sua ação contribui para a garantia constitucional da independência dos tribunais. O Oficiais de Justiça estão sujeitos a um conjunto de deveres que não encontra paralelo na generalidade dos funcionários da Administração Pública; A especificidade de funções e o conjunto de deveres que lhes estão impostos resultam da natureza jurídica e função do tipo de atos que praticam que não se compadecem com uma mera relação laboral subordinada ao contrato individual de trabalho; Aliás, tem sido entendido que nem sequer os demais funcionários públicos podem exercer as funções de oficial de justiça a qualquer título (transferência para outro serviço, requisição, destacamento, etc.), porque tais funções apenas podem ser exercidas por quem tem o vínculo e a condição de Oficial de Justiça. 13 A condição de Oficial de Justiça passa pela natureza e especificidade de tarefas integradas na atuação do poder judicial sendo que tal integração reforça a garantia da imparcialidade dos tribunais. Este reconhecimento teve resquícios no antigo Estatuto Judiciário e presentemente tem corolário no art.º 218º da Constituição da República Portuguesa, volta a sugerir-se a leitura atenta dos já referidos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 145/2000, 617/2000, 83/2001, 131/2004, 547/01, 73/2000, este último com força obrigatório geral. Os Oficiais de Justiça efetuam diligências em dependência funcional do respectivo Magistrado, agindo em representação do órgão de soberania Tribunal, ou seja, quanto executam uma determinada ordem ou mandado judicial, quer seja um despejo, um arresto ou um embargo, etc., atuam em representação do tribunal e do poder judicial. Tal atuação decorre assim de funções de soberania e não encontra paralelo em qualquer carreira da Administração Pública. Para cumprimento de tal desiderato possuem um Estatuto Profissional diferente dos demais trabalhadores da Administração Pública, bastante exigente, que lhes impõe deveres e obrigações específicos, estando ainda sujeitos a obrigações decorrentes dos Códigos de Processo Penal e Civil e do respectivo Estatuto Profissional, que no seu conjunto os obriga a disponibilidade permanente incompatível com as regras vigentes. Muitas das tarefas que executam são de elevada complexidade e envolvem significativo risco, como por exemplo, a realização de penhoras, arrestos, despejos, interrogatórios, transporte e guarda de presos, sendo também os oficiais de justiça os depositários de processos e objetos. O conjunto de tarefas, deveres e obrigações a que estão sujeitos legitimou ao longo de anos um tratamento diferenciado, semelhante ao que foi adoptado para a generalidade das forças de segurança. Porquanto nos Serviços do Ministério Público os funcionários Judiciais desempenham as funções de órgão de polícia criminal (OPC). Nos termos do art.º 1º do CPP são órgãos de polícia criminal “todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer atos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados neste Código”, onde necessariamente se têm de incluir os Oficiais de Justiça. Os Oficiais de Justiça que não são autoridades judiciais, nem autoridades policiais, estão incluídos entre os OPC pois que lhes compete levar a cabo atos e tarefas próprios dos OPC, determinados no CPP – artigos 55º e 85º, ambos do referido diploma. A este propósito vejam-se as justificações dos diversos decretos preambulares nas sucessivas alterações ao nosso Estatuto Profissional e o reconhecimento do direito ao subsídio de risco, conforme artigos 1.º e 2.º do DL nº 378/91 de 9/10. Também durante anos foi reconhecido aos Oficiais de Justiça a atribuição de diuturnidades nas condições estabelecidas para a Policia Judiciária. - artigo 87.º n.º 1, al. c) do DL nº 376/87, de 14 11/12, adaptado ao descongelamento de escalões por força das alterações introduzidas pelo referido DL nº.378/91. Para além do sigilo profissional dos demais funcionários os oficiais de justiça estão ainda sujeitos ao regime mais apertado do segredo de justiça. Convém realçar que, nos atos que executa, mandatado pelos respectivos magistrados o oficial de justiça atua em nome daqueles e em representação do órgão de soberania Tribunais, como expressamente é afirmado no nº. 3 do artigo 218º da CRP, que reconhece que os funcionários de justiça integram o órgão tribunal; também pelo risco e pela forma com algum trabalho é prestado ao longo de anos tem existido similitude de tratamento com as forças de segurança, não se mostrando qualquer tipo de razão plausível para que se opere, ora, por via legislativa e sem qualquer tipo de consulta ou estudo prévio, o afastamento no tratamento de situações em tudo semelhantes. Não podemos deixar de considerar que não concedendo aos oficiais de justiça o vínculo a que alude o citado artigo 8.º da LGTFP, se continuam a minar os pilares em que assenta o Estado de Direito Democrático. Como compatibilizar princípios constitucionais como o interrogatório judicial no prazo legal, a continuidade das audiências e a realização de diligências como arrolamentos, arrestos, etc., que impõem o dever de permanência com a jornada de trabalho prevista na LGTFP? Como compatibilizar também o dever de obediência funcional aos respectivos magistrados previsto no artigo 6.º do EFJ (que é consequência de diplomas de valor reforçado), nomeadamente no que concerne a assistência aos atos judiciais com o cumprimento de um horário em conformidade com o RCTFP? Mas, também será de questionar se o exercício da função jurisdicional incutirá nos cidadãos a mesma confiança, sendo as funções exercidas fora de uma relação jurídica de emprego público plena, a qual só acontece no vínculo da nomeação pois que reservada ás funções nucleares do Estado? Ao minar-se e menorizar-se a forma como são exercidas as funções nucleares do Estado estão a abanar os alicerces da democracia uma vez que está a ser posto em causa princípios fundamentais do Estado de Direito como os da Separação de Poderes e o da Legalidade. Entendemos assim que a atividade profissional dos oficiais de justiça está incluída no âmbito das exigências de preenchimento do art.º 8.º da LGTFP, na qual se enquadra. O referido artigo 8.º na sua redação não está devidamente densificado nem é suficientemente clarificador. Porque está em causa um vínculo laboral a interpretação nesta matéria não deve ser restritiva por forma a efetuar qualquer exclusão, porque esta deve ser devidamente justificada e fundamentada e estar definida no espírito da norma, pelo que um suposto afastamento não pode ter por base suposições ou convencimentos que não se vislumbram diretamente da 15 mesma. A densificação e justificação dos requisitos para a definição do vínculo devem constar de norma expressa, ser justificada, analisada e definida em sede estatutária. Por isso, continuamos a não vislumbrar quais as razões objectivas para que os oficiais de justiça não integrem o vínculo da nomeação e, numa análise ao conteúdo quer da LVCR quer da atual LGTFP, continuamos a não entender onde, e como, se aferirá dum eventual afastamento do vínculo de nomeação, realce para o fato da prática da administração ser um misto de regimes, coma hibricidade que roça, em muitos casos, as fronteiras da legalidade. Em conclusão, a “Nomeação” é o vínculo que melhor servirá os objectivos da realização da justiça. A confirmação do regime de avaliação e disciplina dos oficiais de justiça através do COJ, cumprindo assim as determinações constitucionais que, recorde-se levaram já a que tenha havido uma declaração de inconstitucionalidade material de algumas normas da redação inicial do atual estatuto. No período anterior ao 25 de Abril, designadamente na vigência do Estatuto Judiciário, os funcionários de justiça estavam sujeitos a um regime disciplinar próprio intermediado pelo poder disciplinar dos chefes da secretaria, dos escrivães de direito, dos presidentes dos tribunais e dos presidentes dos tribunais superiores, competindo ao Conselho Superior Judiciário exercer a jurisdição disciplinar sobre todos os funcionários. Tal sistema de repartição híbrida não respeitava a repartição de poderes, pelo que, após o 25 de Abril, a Constituição de 1976 veio a consagrar de forma inequívoca a separação de poderes que constitui um dos pilares fundamentais em que assenta o Estado de Direito Democrático – artigo 2.º da CRP, densificando na parte que destinou aos tribunais, enquanto órgãos de soberania, as suas funções jurisdicionais, independência, organização, estatuto dos juízes e do Ministério Público. A fim de cumprir tal desiderato algumas normas da Constituição de 1976 remeteram para a lei ordinária algumas matérias como por exemplo no que respeita ao Conselho Superior da Magistratura, designadamente a sua composição, estrutura, organização, competência e funcionamento, conforme Lei 5-B/76, de 30/12. Por força deste Diploma foram admitidos na composição do CSM quatro vogais funcionários de justiça, com intervenção restrita às matérias que lhes digam directamente respeito, porquanto tal diploma estabeleceu como uma das competências do CSM “apreciar o mérito profissional e exercer a acção disciplinar sobre os funcionários de justiça” – cfr. n.º 2 do artigo 1º. e al. b) do nº. 1 do artigo 9º da lei supra citada. Se dúvidas existissem, com a revisão constitucional de 1982, certamente que se dissiparam, porquanto, foi alterada a redacção do artigo 223.º da CRP na medida em que lhe foi aditado um número 3 que consagrou: “A lei poderá prever que do Conselho Superior da Magistratura façam 16 parte funcionários de justiça, eleitos pelos seus pares, com intervenção restrita à discussão e votação das matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça”, constituindo hoje a redação do nº. 3 do artigo 218º, da CRP vigente. Daqui resulta que o legislador constituinte após a revisão de 1982 de forma inequívoca resolveu a questão e elevou tal desígnio à categoria de principio jurídico-constitucional, incluindo-o na CRP e não mais o retirando, tendo a partir de então servido de parâmetro de aferição da constitucionalidade para as normas infraconstitucionais produzidas. Em consequência retirou à lei ordinária a possibilidade de legislar nessa matéria. Por isso, todas as revisões constitucionais entretanto operadas em sede própria mantiveram tal disposição, o espírito e o teor do normativo legal manteve-se passando a estar consagrado no artigo 218.º da versão da CRP atualmente em vigor. DA INCONSTITUCIONALIDADE: A violação deste preceito constitucional vem acarretando a inconstitucionalidade material de todas as normas que retirem ao CSM a competência para apreciar o mérito profissional e exercer a função disciplinar relativamente aos funcionários de justiça. Por esse facto na sequência, entre outros, dos Acórdãos nºs. 145/2000, 159/2001, 178/2001, 244/01 e 285/01 do Tribunal Constitucional, foi posteriormente proferido o Acórdão nº. 73/2002, que declarou inconstitucionais, com força obrigatória geral, as normas constantes dos artigos 98º e 111º, al. a) do Estatuto dos Funcionários Judiciais, aprovado pelo DL nº. 343/99, de 26/8, e que impôs alterações a estes preceitos, alterações que foram efectuadas pelo Dec. Lei nº. 96/2002, de 12/4. Como forma de acautelar a independência dos tribunais à luz do Estado de direito democrático, visando defender aqueles de ingerências indevidas dos demais poderes do Estado e garantindo que a defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos se fará por órgãos do Estado independentes e imparciais, colocando-os a coberto de ingerências do Governo e da Administração. Desenvolvendo os funcionários judiciais a sua atividade nos diversos tribunais, coadjuvando os magistrados judiciais e do ministério publico na realização de tarefas cuja finalidade ultima é a realização da justiça, através da prática dos mais diversos atos processuais/jurisdicionais, não pode deixar de se considerar que os funcionários de justiça também fazem parte da estrutura dos tribunais, e, por isso, são elementos fundamentais para a realização prática da garantia constitucional da respectiva independência, como aliás ficou assente na redação dos citados Acórdãos. Da norma do artigo 218º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa decorre, indiscutivelmente, a competência exclusiva do Conselho Superior da Magistratura em matérias 17 relacionadas com a apreciação do mérito profissional e com o exercício da função disciplinar relativamente aos funcionários de justiça. Assim, a norma do nº. 3 do artigo 218º da C.R.P., como principio jurídico-constitucional atribui aos funcionários judiciais um estatuto particular que se justifica à luz da garantia da independência dos tribunais e por isso a lei ordinária não pode afectar essa competência, uma vez que a sua atribuição ao CSM constitui uma verdadeira imposição constitucional, não consentindo que o legislador atribua qualquer competência a outro órgão diferente dos Conselhos Superiores, porque só estes tem competência para exercer tais atribuições. Na sequência da sua atividade profissional que se reveste de determinadas particularidades e especificidades os oficiais de justiça têm também um regime específico de avaliação. Também no exercício das suas funções estão dependentes de outros operadores judiciários designadamente dos respectivos magistrados, não sendo possível nem viável traçar objectivos que deles não dependem, porquanto já têm objectivos bem definidos e que são única e exclusivamente cumprir o disposto na lei e cumprir as decisões dos magistrados competentes, dos quais no exercício das suas funções através das quais asseguram o expediente, autuação e regular tramitação dos processos, dependem funcionalmente - artigo 6.º nº. 3 do EFJ. Dentro dos tribunais os funcionários judiciais não podem isoladamente praticar atos com outros objectivos que não sejam os que emergem da sua dependência funcional e como tal não contratualizáveis, uma vez que os objectivos não são exclusivamente seus mas de todo o tribunal e essencialmente dos magistrados, pois são eles que proferem despachos e sentenças finais mas também despachos interlocutórios tendo em vista a regular marcha dos processos. A realidade dos funcionários judiciais é bem diferente da administração pública em geral, levantando questões incontornáveis. Por exemplo como fixar objectivos a um determinado funcionário quando o magistrado não despacha? Ou quando labora apenas num processo complexo (vd. Casa Pia)? Qual o seu objectivo? Terminar o processo o mais rapidamente possível? Praticar o maior número de atos? Como, se dele não depende tal faculdade…? Porque, se por um lado, se pretende que os tribunais executem o seu trabalho com a devida celeridade, por outro a celeridade não se pode sobrepor a um conjunto de formalidades processuais que giram em prol da defesa dos direitos das partes, para a obtenção de uma decisão justa e equilibrada. Em suma, deve prevalecer uma justiça de qualidade em detrimento da justiça de quantidade. Pelas razões apontadas defendemos que as normas do SIADAP que, ciclicamente se pretendem aplicar aos funcionários judiciais – mesmo quando encapotadas sob o nome de SADOJ - serão materialmente inconstitucionais, na medida em que atribuem ao poder executivo através dos seus órgãos administrativos prorrogativas que são competência exclusiva, nomeadamente dos Conselhos Superiores. 18 Em síntese, entendemos que querer aplicar aos oficiais de justiça, os sistema de avaliação da restante AP se reveste de natureza manifestamente inconstitucional, na medida em que atribuiu ao Ministro de Justiça a última palavra na apreciação do mérito dos oficiais de justiça, por violação do artigo 218.º n º.3 da Constituição da República Portuguesa. Há que proceder a uma interpretação conforme a Constituição do preceito em causa no sentido de a norma nele ínsita só se aplicar aos casos em que a competência para apreciação do mérito dos funcionários da Administração Pública cabe ao membro do Governo da tutela, excluindo as situações em que a lei impõe que tal seja competência de outra entidade. Por outro lado, da deliberação do Plenário do COJ que atribui a classificação de serviço, cabe recurso hierárquico (impróprio) para os respectivos Conselhos Superiores (do CSM, dos TAF’S, ou do CSMP) e, das deliberações destes, cabe ainda recurso contencioso para o STJ ou para o STA. Finalmente, o sistema vigente prevê também recurso hierárquico dos despachos do Presidente, do Vice-Presidente e dos vogais, para o Plenário do COJ. Dadas as especificidades das funções, as exigências próprias do funcionamento dos Tribunais e a superior necessidade de disponibilidade dos funcionários, relativamente a outras áreas da Administração Pública, há muito que é questão pacífica a consideração de que os Oficiais de Justiça devem integrar, como de facto integram, uma “carreira especial”. E, atentas estas especificidades, o seu sistema próprio de avaliação foi desenvolvido em termos que, claramente, está muito à frente da maioria dos outros sectores do funcionalismo público (e do próprio SIADAP), tanto no que concerne à transparência e justiça relativa do sistema, como no que diz respeito às necessidades de, permanentemente desenvolver esforços no sentido de melhorar os serviços prestados aos utentes. De facto, e como foi referido anteriormente, os inspectores do COJ que integram a área classificativa fazem o acompanhamento permanente dos Tribunais que lhe estão distribuídos, informando superiormente sempre que verifiquem a ocorrência de qualquer anomalia ou situação que o justifique. No nosso modesto entendimento, a contratualização de objectivos, tal como é configurada pelo SIADAP, apenas faria sentido se envolvesse também os Senhores Magistrados, já que nenhum Tribunal funciona bem se não trabalhar em equipa – Magistrados e Funcionários. Só assim é possível atingir os objectivos primordiais, como sejam: tramitar os processos e obter decisões em prazo razoável, diminuir as pendências, findar mais processos do que os que entram, melhorar a qualidade do serviço público … Assim em conclusão, Reiteramos que o sistema próprio de avaliação dos Oficiais de Justiça é mais transparente e justo do que o SIADAP e não fere os princípios deste, antes se apresentando como mais eficiente, 19 eficaz e adaptado à realidade específica dos Tribunais, razão pela qual os Oficiais de Justiça não devem ser abrangidos pelo SIADAP, mantendo-se o sistema vigente. Mas podemos invocar ainda outras razões para rejeitar a aplicação aos oficiais de justiça do modelo proposto para a generalidade da AP. Porquanto: O modelo actual de inspecção dos oficiais de justiça é, como já se referiu, mais exigente que o modelo do SIADAP; É também um modelo mais justo; É um modelo inaplicável aos Tribunais a não ser que todos quantos laboram nos mesmos estejam sujeitos aos mesmos critérios de avaliação; O SIADAP é demasiado burocrático, entrava o funcionamento da administração, pelo que esta terá que abdicar de grande parte dos recursos humanos para a sua aplicação; O modelo está a falhar na sua aplicação à generalidade dos organismos da função pública onde já está a ser aplicado. A aplicação aos Tribunais violará disposições constitucionais, nomeadamente o princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2º, do qual decorrem outros princípios como o da independência dos Tribunais – artigo 203º e 218º, todos da CRP; Passando a haver interferência do poder executivo no poder judicial por força da eventual aplicação do artigo 82º da Lei 66-B/2007, de 28/12, na medida em que permite a um órgão do poder executivo usurpar poderes que competem ao poder judicial, por força do artigo 218, nº. 3 da CRP. Mas se tais razões não bastassem para rejeitar liminarmente a aplicação do SIADAP aos Tribunais sempre poderemos adiantar que os funcionários de justiça integram a estrutura dos tribunais pelos motivos atrás apontados e reiterados por diversas vezes nos também apontados Acórdãos do Tribunal Constitucional, e, nessa medida, quando o nº. 2 do artigo 2º da Lei nº. 66-B/2007, de 28/12, refere como âmbito de aplicação aos órgãos e serviços de apoio dos tribunais e do Ministério Público e respectivos órgãos de gestão, entendemos que não se trata nem estão em causa os oficiais de justiça. Por um lado porque os oficiais de justiça não são órgãos, por outro porque não integram Serviços de apoio porque estes são constituídos por todo o pessoal não oficial de justiça que labora nos tribunais e Serviços do Ministério Público, que não desempenham atos jurisdicionais e como tal não integram o órgão de soberania, uma vez que na sua atividade praticam apenas atos típicos da administração. Não se aplicando o SIADAP aos magistrados judiciais e do Ministério Público, não pode, pelos motivos expostos, ser aplicado aos oficiais de justiça a quem compete coadjuvar aqueles no 20 exercício da atividade jurisdicional integrados no âmbito do poder judicial, constituindo uma eventual aplicação, matéria de inconstitucionalidade que pretendemos invocar. Trata-se afinal, também, de uma questão de coerência do próprio Estatuto. A autonomização da avaliação e o seu enquadramento num âmbito distinto do Conselho dos Oficiais de Justiça conduzirá a uma desarmonia do sistema, na medida em que, por um lado, se quebra um dos pilares da independência necessária ao exercício da atividade dos funcionários judiciais, e por outro lado esvaziava-se o referido Conselho da parte mais importante da sua função. Acresce que o COJ é também o órgão que permite acautelar a existência de critérios avaliativos aplicáveis a todos os funcionários judiciais, independentemente da comarca ou tribunal onde exercem funções, sendo por isso também um importante factor de justiça relativa, o que não deixa de ser extremamente relevante uma vez que os movimentos de funcionários são de âmbito nacional. Por fim e para além das razões já aduzidas importa referir que a contratualização de objectivos (feita com a Administração, mesmo que representada por um magistrado) poderá sempre colidir com a orientação funcional dos magistrados que em cada secretaria ou serviço exercem a sua função de soberania, os quais podem em cada momento sentir necessidade de orientações funcionais diferentes das iniciais para garantir uma boa administração da justiça, que representam em cada tribunal. Aliás esta alteração será tão previsível quanto é previsível que no decurso do período de avaliação ocorrem substituições de magistrados por força dos movimentos processados pelos respectivos Conselhos Superiores e que à luz do principio da independência dos juízes estes não estão vinculados às determinações do titular anterior. Importa ainda garantir que no novo EFJ se faça a definição de um regime de aposentação idêntico a outras classes do sector da Justiça – policia judiciária, guardas prisionais – tendo em consideração justa compensação por essa via, do não pagamento de horas extraordinárias nos tribunais. Outro ponto a densificar em sede estatutária será o regime de mobilidade, de forma a garantir o principio da estabilidade, permitindo uma gestão eficaz em termos reafectação, com carácter extraordinário e temporalmente limitada, para fazer face a situações imprevistas e não como “tapa buracos” de uma má definição ou planificação dos recursos necessários na Comarca. O EFJ terá de prever também uma política de formação contínua. A formação dos funcionários judiciais tem sido muito descurada pelo poder político e em particular pelo Ministério da Justiça. Hoje “despejam-se” funcionários nos tribunais e põe-nos a trabalhar na tramitação processual 21 sem os capacitar com a formação adequada, e depois levantam-se processos disciplinares quando as coisas correm mal. O Secretariado Nacional 22