IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação
Múltiplos Olhares
05, 06 e 07 de junho de 2013
ISSN: 1981-8211
UM ESTUDO DA EXPRESSÃO “MELHOR IDADE” EM TEXTOS MIDIÁTICOS,
À LUZ DO CONCEITO DE “FÓRMULA” DISCURSIVA.
Cristiane Souza Nascimento MACEDO1(UEM)
Pedro Luis Navarro BARBOSA2
(UEM)
Introdução
Atualmente, são vários os programas de cunho governamental e da iniciativa privada que
investem nos indivíduos da terceira idade, como uma forma de lhes garantir uma melhor qualidade
de vida após os sessenta anos de idade. O surgimento de políticas públicas e de iniciativas privadas
voltadas para a terceira idade, entre as quais se incluem, no âmbito federal, a criação do Estatuto do
Idoso (Lei n.º 10.741, de 1.º de outubro de 2003) e o “Programa Viaja Mais - Melhor Idade”, do
Ministério do Turismo, e no âmbito municipal, a criação da Academia da Terceira Idade (ATI), uma
iniciativa da prefeitura de Maringá, PR, gestão 2005/2008 dão visibilidade a uma forma de governo
que se exerce sobre a identidade desse sujeito. Ainda dentro do que se pode chamar, genericamente,
de políticas públicas, estão em andamento diversos projetos acadêmicos que procuram incluir os
idosos no ensino superior. Exemplos são os vários cursos de graduação destinados à terceira idade,
como é o caso da Universidade Aberta à Terceira Idade, criada pela Universidade Estadual de
Maringá no ano de 2009. Na iniciativa privada, as agências de turismo, as academias de ginástica e
de dança têm investido fortemente nesse filão, com pacotes promocionais que prometem diversão e
mais tempo de vida saudável a esses indivíduos.
Tais políticas parecem materializar um tipo específico de poder que se exerce sobre a vida dos
homens (FOUCAULT, 2008), um poder que governa os idosos, propondo-lhes um sentimento de
identidade coletiva que atenda aos anseios do mercado de trabalho e de consumo.
1
Graduanda (bolsista CNPQ) do curso de Letras – Habilitação Única pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Professor Doutor do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá (UEM) – Orientador.
2
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Do ponto de vista discursivo, essas políticas, sejam elas públicas ou da iniciativa privada,
constituem as condições de produção de uma identidade que se crê homogênea e estabilizada, a
identidade da chamada “melhor idade”.
Em determinados discursos midiáticos, como também em diversos setores da sociedade, a expressão
“melhor idade” é usada com bastante regularidade, o que, em princípio, pode manifestar uma
cristalização dessa forma de designação, dada a sua aparente aceitação. Esta, que toma como norte a
noção de “fórmula”, desenvolvida por Krieg-Planque (2010), poderá indicar ou não se “melhor
idade” funciona como uma fórmula nos discursos em que ela aparece.
1. A noção de “fórmula” e a teoria do discurso
De acordo com Krieg-Planque (2010), fórmula é a maneira como se define um conjunto de
formulações que cristalizam questões políticas e sociais Toda fórmula tem um caráter cristalizado e
é sustentada por uma forma relativamente estável. Pode ser identificada como uma unidade lexical
simples ou complexa.
Se, para o pesquisador, a língua é um momento de angústia, para o usuário ela se apresenta
como uma situação sossegada em sua atividade linguística. A diversidade da cristalização está
intimamente ligada à sua natureza, que pode ser estrutural ou memorial. Estrutural porque remete a
“uma análise sistemática das expressões cristalizadas nos termos da língua e nas categorias da
gramática” (KRIEG-PLANQUE, 2010, p. 43), onde a cristalização se dá na palavra da experiência
comum. Já a memorial “remete ao conjunto de enunciados ou fragmentos que circulam em bloco,
formando um todo podendo ser ou não recuperável” (KRIEG-PLANQUE, 2010, p. 43). Nessa
categoria, a cristalização é realizada através das frases feitas da experiência comum. A fórmula tem
caráter cristalizado, pelo qual ela se identifica com uma materialidade linguística particular, sendo
assim, a análise da fórmula não deve ser realizada por meio de um formalismo absoluto. Ela existe
também por meio das paráfrases que denotam sua cristalização. Nesse sentido, se uma fórmula
existe por meio de paráfrases, ela não pode se manifestar fora de uma sequência cristalizada bem
identificada, pois, se assim o fosse, poderia ser entendida como estereótipo, tal como a Psicologia
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denomina. Também não são fórmulas os “pré-construídos culturais”, os saberes e crenças
partilhados e os enunciados legislantes.
O caráter cristalizado da sequência é uma condição necessária para sua existência como
fórmula. Isso implica certa concisão que permite à formula circular e integrar enunciados que a
incluam, sustentem, reforçam ou ainda a recusem. É a concisão que permite à formula ser
reafirmada ou recusada em bloco, tornar-se parte integrante de uma argumentação.
De acordo com Orlandi (1999) e Fernandes (2005), o sujeito discursivo é considerado um ser
social, aprendido em um espaço social e histórico. Em vista disso, a sua voz revela o lugar social
onde também estão inseridas outras vozes integrantes dessa realidade. Tal perspectiva leva a
considerar o caráter heterogêneo dos discursos.
Em termos discursivos, sendo o discurso um objeto atravessado por outros dizeres, a
produção discursiva midiática sobre a terceira idade dá visibilidade ao modo como a identidade
desse sujeito se constitui de forma heterogênea, muito embora os discursos tenham a tendência a
criar um sentimento de identidade unificada e homogênea, com a qual os idosos possam se
identificar, e isso conduz à formulação de duas perguntas: quais as (ident)idades desse sujeito nas
mídias impressas e eletrônicas? A expressão “melhor idade” cristaliza e estereotipa uma identidade
para esse sujeito?
2. O percurso temático da fórmula
O sintagma “melhor idade” é usado para descrever indivíduos com mais de sessenta anos.
Ao longo dos anos essa expressão aparece cada vez mais em discursos da mídia eletrônica e escrita e
caminha para se tornar uma fórmula cristalizada. As expressões “idoso” e “terceira idade” também
são comumente utilizadas. O percurso temático percorrido em textos sobre idosos e os cuidados que
devem ter com a saúde, sobre sexualidade, como são tratados perante o mercado de consumo, as
formas de entretenimento apresentadas e o uso das tecnologias por esses idosos, trazem à tona a
discussão: qual o início da “melhor idade”?
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Para a Organização Mundial de Saúde (OMS),cronologicamente, o início da velhice se dá a
partir de sessenta e cinco anos em países desenvolvidos e com mais de sessenta anos de idade em
países em desenvolvimento
3. O caráter estável da fórmula
Segundo Krieg-Planque (2010), a materialidade significante de uma fórmula estável deve
manter-se de forma constante ao longo de determinado período. A variação existente entre “melhor
idade” e “terceira idade” mesmo que estejam circulando em gêneros diferentes podem ser
denominadas equivalentes. Ambas são formadas por substantivo e adjetivo e apresenta-se como
sinônimas, a utilização da expressão “melhor idade” tem muito a ver com a preocupação do
“politicamente correto” tão em moda no Brasil.
Fica bastante oportuno nesse contexto, trazer à tona as reflexões de Planque sobre a fórmula,
sendo essa a proposta discutida mais a seguir. Podemos considerar que, diante do emprego da
expressão “melhor idade”, espera-se que os velhos brasileiros sintam-se menos desprezados e
desvalorizados, ou ainda, esqueçam seus problemas de saúde e financeiros e, mesmo aqueles que
sofrem com o descaso e esquecimento por parte do governo e familiares possam sentir-se parte de
um grupo de pessoas reconhecidas por sua experiência e pelos muitos anos vividos.
4. A inscrição da fórmula como referente social
Para que o sintagma “melhor idade” se torne uma fórmula cristalizada, faz-se necessário que
ela esteja inserida socialmente nos diversos discursos existentes. Nas palavras de Krieg-Planque,
para que a fórmula tenha sua constituição concretizada, é imprescindível apresentá-la como
referente social.
“Como referente social, a fórmula é um signo que evoca alguma coisa para todos
num dado momento [...] Para que esse signo evoque alguma coisa para todos, é
preciso que ele seja conhecido de todos. A “notoriedade” do signo[...] é, assim, uma
condição necessária à existência “formulaica”. (Kriege- Planque,2010).
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Ao enunciarem opiniões sobre o termo a ser utilizado, os sujeitos se colocam socialmente a
favor ou contra essa nova nomenclatura. A partir desses posicionamentos os discursos dos
enunciadores é que irão contribuir para que “melhor idade” se torne uma fórmula cristalizada. As
divergências entre qual a idade correta para estar inserido na “melhor idade” são muitas e a cada
momento várias discussões aparecem nos veículos midiáticos cada qual tentando expor e convencer
a todos de sua veracidade. O mesmo desacordo aparece na maneira de nomear esses cidadãos:
idosos, velhos, melhor idade, terceira idade. No Brasil, já se tem estereotipado o modelo de pessoa
que está na melhor idade: são apresentados homens e mulheres com boa aparência, muito saudáveis,
sempre sorridentes e felizes. Na maioria dos casos, esses idosos estão sempre em grupos em
momentos de diversão e lazer, normalmente viajando e conhecendo lugares bonitos e com aparente
despreocupação. Será que esse modelo de idoso é o que realmente temos em nosso país? É possível
viver de forma tranquila e despreocupada em um país onde os velhos continuam a trabalhar para
ajudar no sustento da família, e em muitos casos continuam a serem os provedores de seus entes
queridos? Parece haver uma grande lacuna entre a nossa realidade e o que é mostrado pela mídia.
Nossos idosos, em sua grande maioria são desprezados tanto pelo mercado de trabalho
quanto por familiares e governo quando não conseguem mais produzir “satisfatoriamente”. Podemos
ver todos os dias em nossas ruas homens e mulheres que passaram dos sessenta anos e que ainda
lutam pela sobrevivência deles e também dos seus. Onde está a “melhor idade” quando nosso
Sistema Único de Saúde não tem condições de atender a demanda de velhos que cresce a cada dia?
E o que dizer dos gastos com remédios e alimentação?
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Quadro estatístico IBGE sobre crescimento do número de idosos no Brasil
Segundo o IBGE o Brasil terá 34 milhões de idosos em 2025, o que nos levará à 6ª posição
entre os países mais envelhecidos do mundo. Estamos preparados para essa população? A mídia tem
defendido que os idosos estão na “melhor idade”, mas muitas são as controvérsias entre essa
expressão e a realidade brasileira.
5. O aspecto polêmico da fórmula
O caráter polêmico da fórmula provoca no sujeito a necessidade de se manifestar, de rever
seus discursos, colocar em discussão a própria subjetividade e/ou identidade. Essa discussão
transforma e reavalia a história real do indivíduo, fazendo com que a polêmica causada pela
fórmula deixe de ter apenas um aspecto pessoal, provoca a revisão de ideias que alçam voos mais
altos, modificando a estrutura socioeconômica de determinado grupo. Discursos variados
concorrem para essa polêmica, alguns que desprezam ou criticam, atribuem a nova nomenclatura
à mídia e segmentos da sociedade que trabalham em favor de seus próprios interesses.
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“Melhor Idade? Existem algumas expressões criadas pela mídia contemporânea que não
dá para se entender. Hoje já não se diz velhice ou terceira idade.”
“Esse termo “melhor idade” pode ser adequada para a “terceira idade” europeia, mas não
é para brasileiros”.
“Meu problema é mesmo com essa porra de “melhor idade” porque não é a melhor
das idades, cacete”.
"Nada mais irritante para um aposentado do INSS do que essa insistência
da ministra Marta Suplicy em torno do projeto Viaja Mais - Melhor Idade.
O grau de desinformação da ministra, ao sustentar sua argumentação com base na
Previdência da França e da Espanha, me deixa entre a gargalhada e o ranger de
dentes."
Os excertos acima apresentados são apenas alguns exemplos que deixam evidente a
polêmica criada em torno da expressão em discussão. Esse caráter polêmico faz com que a
fórmula transite em todos os discursos existentes cumprindo seu papel de referente social e
permitindo mudanças que servirão de referência no contexto social.
Considerações finais
Ao analisar os múltiplos discursos e percursos em que a expressão “melhor idade” circula,
pôde-se observar que esta vem sendo utilizada nas mais diferentes situações - quer sejam de cunho
positivo ou não. Seu caráter estável é assegurado pelo fato da expressão circular em vários discursos
por período determinado. A sua constituição como fórmula deve perpassar por essa estabilidade,
observada e discutida nesse artigo proveniente da pesquisa de iniciação científica sobre o referido
tema. As leituras e análises realizadas na referida pesquisa, apontam que a expressão “melhor idade”
tem sua cristalização garantida pelo fato dela circular em vários discursos.
Sendo assim, a fórmula “melhor idade” tem sua cristalização assegurada, podendo até
mesmo afirmar que essa expressão já faz parte do léxico brasileiro.
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Referências
MOTTA, Ana Raquel. SALGADO, Luciana (organizadoras). Fórmulas discursivas.São Paulo:
Contexto,2011.
KRIEGE-PLANQUE, A. A noção de “fórmula” em análise do discurso. Trad. Salgado e Possenti.
São Paulo: Parábola, 2010.
REVISTA MARIE CLAIRE. Sexo e Melhor Idade. Disponível em: <www.uol.com.br> Acesso em
30 nov. 2012.
ORLANDI, Eni. P. Análise de discurso. Princípios e procedimentos. Campinas: Pontes. 1999.
FERNANDES, Cleudemar. Análise do Discurso: reflexões introdutórias. Goiânia.Trilhas
Urbanas:2005.
CASTALDELLI, Fábio. Conectado ao mundo. . Jornal “O Diário do Norte do Paraná”.
16/09/2012.
GRAVATAÍ MERENGUE. Melhor idade: uma imbecilidade mentirosa. Disponível em
<http://www.inteney.net.blogs/gravataimerengue >Acesso em 23 set.2012.
IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Número de idosos com mais de 60 anos
dobrou nos últimos anos. Disponível em http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias.
Acesso em 19 jan. 2013.
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um estudo da expressão “melhor idade”