UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas
Faculdade Nacional de Direito
O SUPERENDIVIDAMENTO À LUZ DO PROJETO DE LEI DE REFORMA
DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Fânora Almeida Campos
Laila Natal Miguel
Orientador: Dr. Guilherme Magalhães Martins
Rio de Janeiro
2013
1. INTRODUÇÃO
O
superendividamento
surge
como
fenômeno
econômico-social
em
consequência do estabelecimento da sociedade definida por Zygmunt Bauman como
“sociedade moderna-líquida de consumidores”. Até o fim do século XX vivíamos na
chamada “sociedade sólida de produtores”, que instituiu a segurança como valor
primordial. Nessa conjuntura, os bens eram valorizados pela sua qualidade e
durabilidade, e as compras visavam a estocar e armazenar produtos que resistissem à
passagem do tempo e à sucessão de gerações, constituindo-se como uma garantia a si,
sua família e descendentes1.
Com o desenvolvimento acelerado das tecnologias, a expansão das técnicas de
produção e venda em massa, e o fluxo vertiginoso e sempre crescente da troca de
informações, vivemos a transição para a sociedade de consumo. Se antes a prudência se
refletia na capacidade de adiar a satisfação, hodiernamente o importante é garanti-la o
quanto antes, se possível no momento presente. Os bens, então, passaram a ser
valorizados pela sua possibilidade de atender aos desejos mais imediatos do consumidor
– para então serem descartados e substituídos.
[...] Dificilmente poderia ser de outro jeito, já que o consumismo, em aguda
oposição às formas de vida precedentes, associa a felicidade não tanto à
satisfação de necessidades (como suas “versões oficiais” tendem a deixar
implícito), mas a um volume e uma intensidade sempre crescentes, o que por
sua vez implica o uso imediato e a rápida substituição dos objetos destinados a
satisfazê-la2.
Com o padrão “compre agora, trabalhe depois”, o crédito passa a ser um estilo
de vida, e a aquisição do bem, por assim dizer, precederia à sua própria produção. Num
contexto em que o valor das mercadorias decai rapidamente, juntar dinheiro para depois
comprar torna-se obsoleto, absurdo, pois uma vez que se possa adquirir, finalmente, o
produto, este já não é mais necessário, belo ou útil.
1
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Tradução de
Carlos Alberto Medeiros. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
2
Idem. p. 44
Na sociedade de consumo, não são apenas os produtos que estão em constante
modificação: os próprios consumidores devem empenhar-se na tarefa da reconstrução
contínua da personalidade. Para ter voz e vez na modernidade líquida, é preciso ser uma
“metamorfose ambulante”, porém não mais pela revisão de conceitos e opiniões
cantada por Raul Seixas na década de setenta, e sim pela transformação exterior: quem
não veste, não compra e não possui as últimas tendências carrega “o estigma
vergonhoso de um rótulo de ignorância, indolência, incapacidade ou inferioridade
total, com o ato que não faz muito tempo significava rebelião, audácia e ‘estar à frente
da tendência de estilo’, rapidamente se transformando em sintoma de preguiça ou
covardia [...]3”.
Dessa forma, surgiu uma nova classe de párias, os “consumidores falhos”. Quem
não cumpre com o “dever universal de consumo”, por opção ou falta dela, é um cidadão
de segunda classe, que deve conviver com a rotina de inadequação e exclusão, uma
verdadeira invalidez social. Assim,
o pobre é forçado a uma situação na qual tem de gastar o pouco dinheiro ou os
parcos recursos de que dispõe com objetos de consumo sem sentido, e não com
suas necessidades básicas, para evitar a total humilhação social e evitar a
perspectiva de ser provocado e ridicularizado4.
O crédito, portanto, figura num papel primordial e antagônico, como Jano, que
oferta ora a face da inclusão social, possibilitando à população de menor renda adquirir
bens de consumo e fazer investimentos, ora a face da exclusão, do excesso de dívidas e
comprometimento do mínimo existencial.
A tênue linha que irá definir a face – angelical ou diabólica – do crédito há de
passar por todas as etapas da cadeia produtiva, com destaque para as fases da oferta e da
venda. A expansão do crédito não foi acompanhada por um aumento na informação e
conscientização do consumidor, que, muito pelo contrário, é diariamente bombardeado
com a oferta excessiva e agressiva de crédito, publicidade dirigida principalmente aos
mais vulneráveis e menos instruídos.
3
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Tradução de
Carlos Alberto Medeiros. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p.128
4
SEITER, Ellen. Sold Separately: Children and parents in consumer culture. New Jersey: Rutgers
University Press, 1993, p.3
Não há dúvida de que o crédito não é apenas necessário, como também pode
ser bom para o consumidor, desde que seja concedido a quem pode pagar e não
de forma temerária, irresponsável. O crédito não pode ser visto como aumento
de
renda,
mas
comprometimento
futuro.
Atualmente,
no
Brasil
economicamente estável, observa-se uma notável expansão do crédito. Com
efeito, com o fim da inflação com o controle da moeda, que perdura há mais de
10 anos, levou os consumidores a se endividarem cada vez mais. Nesse
processo, o público alvo tem sido as classes menos favorecidas, mais
numerosas e menos educadas para o consumo, e também os idosos 5
A oferta de crédito para o chamado subprime market, isto é, os consumidores
que apresentam maior risco de insolvência, traz em seu bojo o aumento das taxas de
juros, a fim de compensar o risco criado. Tem-se, assim, que é um mercado lucrativo
para as instituições financeiras conceder empréstimos, de forma que a venda a prazo é
sempre encorajada e estimulada, disponha ou não o consumidor de meios para adimplir
integralmente suas obrigações.
No Brasil ainda existe uma “defasagem legislativa” no que tange à tutela do
consumidor superendividado. Em palestra sobre a revisão da teoria das incapacidades,
proferida na Faculdade Nacional de Direito em junho de 2012, o Professor Nelson
Rosenvald destacou a contradição no ordenamento jurídico brasileiro, que mantém a
figura do “pródigo”, o indivíduo que dissipa seu próprio patrimônio desmedidamente,
como relativamente incapaz, enquanto que ao superendividado, o indivíduo que gasta o
que não possui, não há legislação específica.
Muito embora a jurisprudência brasileira venha encontrando caminhos para a
proteção dos direitos do consumidor superendividado a partir de princípios reguladores
do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil, como a boa-fé objetiva, o dever
geral de informação por parte do fornecedor, a razoabilidade e a solidariedade social 6,
faz-se urgente e necessária a regulamentação específica da matéria.
5
CARPENA, Heloísa. Contornos atuais do superendividamento. in MARTINS, Guilherme Magalhães
(Coord.) Temas de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2010, p. 232.
6
Segue ementa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, citada por Heloísa Carpena como a primeira
decisão pesquisada a reconhecer o superendividamento. Apelacao civel. Direito civil e do consumidor.
Responsabilidade civil. Danos morais. Cliente de banco que, movido por inexperiencia, desempregado,
de baixa classe social e reduzido poder aquisitivo, faz uso de elevado credito, inexplicavelmente
disponibilizado por banco, em flagrante lesao. Obrigacoes contraidas se evidenciam desproporcionais ao
seu proprio proveito, passando os anos seguintes a celebrar novacoes e dilapidando o patrimonio da
O Projeto de Lei 283/2012 - que visa a atualizar a Lei 8.078/90 – atualmente em
tramitação no Senado Federal, vem ao encontro dessa necessidade, aperfeiçoando a
disciplina do crédito e dispondo sobre a prevenção do superendividamento.
Pretende o presente trabalho analisar os significativos avanços trazidos pelo
mencionado PL, estabelecendo paralelos entre as formas de tratamento do consumidor
superendividado por sistemas jurídicos estrangeiros e comentando os artigos de
destaque.
2.
O PROJETO DE LEI 283/2012
O superendividamento pode ser definido como
um fenômeno social, que atinge o consumidor de crédito, pessoa física, que,
agindo de boa-fé, voluntariamente ou em virtude de fatos da vida, contrai
dívidas, cujo total, incluindo vencidas e a vencer, compromete o mínimo
existencial garantido constitucionalmente7.
O Código de Defesa do Consumidor em sua atual redação oferece instrumentos
– essencialmente principiológicos – para lidar com o superendividamento. Porém, ao
familia para fazer frente à obrigacao assumida, que alcanca tres vezes o valor original, em lucro
exorbitante para o credor(art.157 do CC). Debitos que eram sempre apresentados de modo a nao
poderem ser quitados. Negativacao do nome do autor no SPC, depois que, contraindo dividas com
outras financeiras para saldar a prestacao com o reu, este, debitando os encargos contratuais, faz com
que o valor restante se torne insuficiente para o pagamento, quando ja' havia pago o dobro do
montante creditorio originariamente contraido. Violacao, pelo banco, dos principios da justica social
(art. 170 da CF), da solidariedade social e da boa-fe', que informam o ordenamento juridico civil
brasileiro. Contrato celebrado com indiscutivel lesao ao autor, que, alem de inexperiente, nao foi
informado das condicoes do credito. Violacao a seus direitos basicos, enquanto consumidor, `a
informacao adequada e clara sobre os diferentes produtos e servicos e `a educacao e divulgacao sobre o
consumo adequado dos produtos e servicos, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas
contratacoes (art.6. do CDC). Abuso de direito da negativacao do nome do autor. Sentenca condenatoria
em danos morais, no valor de 50 salarios minimos, equivalente a R$ 12.000,00, nesta data, que se
confirma. Recurso improvido. (DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL; APELAÇÃO CÍVEL 2003.001.02181; Rel.
DES. JOSÉ PIMENTEL MARQUES; Julg. 25/06/2003)
7
CARPENA, Heloísa. Contornos atuais do superendividamento. in MARTINS, Guilherme Magalhães
(Coord.) Temas de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2010, p. 232.
não apresentar normas específicas, não o reconhece como uma questão social, mas
como conjunto de casos isolados, sujeitos a análises pontuais8.
Lançando mão dos recursos de que dispõem, os operadores do direito vêm
apresentando avanços e soluções em relação ao superendividamento. Buscando
subsídios na doutrina, a jurisprudência consolidou-se em diversos aspectos – inclusive
alguns agora cristalizados no PL 283, de que é exemplo a limitação a 30% dos
vencimentos a serem comprometidos com empréstimos de desconto em folha. O artigo
54-D, caput, vem, portanto, embasado por fartura de julgados do Superior Tribunal de
Justiça, da qual optamos por reproduzir uma amostra:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - DESCONTO
EM FOLHA DE PAGAMENTO - LIMITAÇAO EM 30% DA
REMUNERAÇAO RECEBIDA - POSSIBILIDADE - RECURSO
IMPROVIDO."(AgRg no REsp 1174333/RS, Rel. Min. MASSAMI
UYEDA, Terceira Turma, DJ de 12.05.2010)
CIVIL. AÇAO REVISIONAL. COMISSAO DE PERMANÊNCIA.
LICITUDE DA COBRANÇA. SÚMULA N. 294 DO STJ.
DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. SUPRESSAO
UNILATERAL. IMPOSSIBILIDADE. LIMITE DE 30% DOS
VENCIMENTOS.1. Omissis.2. Cláusula contratual que autoriza
desconto em folha de pagamento de prestação de empréstimo
contratado não pode ser suprimida por vontade unilateral do
devedor, uma vez que é circunstância facilitadora para obtenção de
crédito em condições de juros e prazos mais vantajosos para o
mutuário; todavia, deve ser limitada a 30% dos vencimentos.3.
Agravo regimental parcialmente provido."(AgRg no REsp 959.612/MG,
Rel. Min. JOAO OTÁVIO DE NORONHA, Quarta Turma, DJ de
03.05.2010)
AGRAVO
REGIMENTAL
NO
RECURSO
ESPECIAL.
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO - DESCONTO EM CONTA
CORRENTE DE PERCENTUAL SUPERIOR A 30% DOS
VENCIMENTOS DO CORRENTISTA - IMPOSSIBILIDADE.1. A
jurisprudência desta Casa consolidou-se no sentido de que os descontos
de empréstimos na folha de pagamento devem ser limitados a 30% da
remuneração, tendo em vista o caráter alimentar dos vencimentos.
Precedentes.2. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no
REsp 1226659/RS, Rel. Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA
TURMA, DJe 08/04/2011)
DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM
MANDADO DE SEGURANÇA.SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL.
CONSIGNAÇAO EM FOLHA DE PAGAMENTO. LIMITE DE
30%.
PRINCÍPIO
DA
RAZOABILIDADE.
RECURSO
8
Cf. CARPENA, Heloísa. Uma lei para os consumidores superendividados. In: Revista de Direito do
Consumidor nº 61. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
PROVIDO.1. Tendo em vista o caráter alimentar dos vencimentos e
o princípio da razoabilidade, mostram-se excessivos, na hipótese, os
descontos referentes às consignações em folha de pagamento em
valor equivalente a 50% da remuneração líquida do recorrente, de
modo que lhe assiste razão em buscar a limitação de tais descontos
em 30%, o que assegura tanto o adimplemento das dívidas como o
sustento de sua família.2. Recurso ordinário provido.(RMS 21380/MT,
Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, DJ
15/10/2007, p. 300) – grifos nossos.
A proposta, que atualiza e complementa as normas já existentes no CDC, inclui
ainda uma nova seção ao Capítulo VI, tratando especificamente da “prevenção do
superendividamento”. A tutela do consumidor na prevenção e nas fases da oferta, da
contratação e da conciliação abrange o fenômeno em seus mais diversos aspectos, desde
a publicidade até a renegociação da dívida, regulando de forma eficaz o antes, o durante
e o depois.
2.1 DA PREVENÇÃO E DA OFERTA
Considerando o superendividamento como fenômeno social endêmico às
sociedades de consumo, a sua prevenção está intimamente ligada à regulação da fase de
oferta, notadamente no que tange à publicidade.
Fundado nos princípios da boa-fé, da função social do crédito ao consumidor e
do respeito à dignidade da pessoa humana, o artigo 54-A introduz a série de sete artigos
que irão compor Seção IV do Capítulo VI no CDC. O dever de informação ganha
destaque, sendo responsabilidade do fornecedor apresentar, logo no início do
instrumento contratual, quadro resumido contendo o custo efetivo, as taxas de juros e
encargos, o montante das prestações, nome e endereço do fornecedor e o direito do
consumidor à liquidação antecipada do débito.
Vale mencionar o parágrafo 4º do artigo 52-B, que traz as vedações de oferta de
crédito, especialmente o inciso I, que proíbe a formulação de preço idêntico para
pagamento à vista e a prazo, promovendo a prevenção por meio de incentivo ao
pagamento à vista; e os incisos II e III, que vedam as conhecidas (e perigosas)
expressões “sem juros”, “taxa zero”, “sem consulta ao SPC E SERASA”, e outras
semelhantes.
O artigo 54-C endossa a voz uníssona da doutrina e da jurisprudência, ao prever
deveres anexos de conduta aos intermediários e fornecedores de crédito, que devem
esclarecer, aconselhar e advertir adequadamente o consumidor sobre a natureza e a
modalidade do crédito oferecido, assim como sobre as consequências genéricas e
específicas do inadimplemento.
Cabe ressaltar, ainda, o artigo 54-F inciso IV, que veda assediar ou pressionar o
consumidor, principalmente se idoso, analfabeto, doente ou em estado de
vulnerabilidade agravada, para contratar o fornecimento de produto, serviço ou
crédito, em especial à distância, por meio eletrônico ou por telefone, ou se envolver
prêmio.
Tais imperativos, aliados à avaliação honesta e responsável das condições do
consumidor de efetivamente pagar a dívida e à inovadora sanção de inexigibilidade ou
redução dos juros prevista no parágrafo 2º, vêm ao encontro dos anseios dos operadores
e doutrinadores do Direito, fornecendo o aparato necessário ao tratamento do
superendividamento na sua origem, tendo por corolário a função preventiva da boa-fé
objetiva.
2.2 DA CONTRATAÇÃO
Além do já mencionado artigo 54-D caput, que visa a proteger o mínimo
existencial por meio da reserva limitada a 30% dos vencimentos líquidos do servidor
para pagamento de parcelas por empréstimo, seus parágrafos e incisos enfatizam a
responsabilidade dos fornecedores pelo crédito, pois uma vez que ultrapassado o valor
máximo previsto, torna-se causa imediata para a revisão ou renegociação do contrato
pelo juiz.
Inova, ainda, o artigo ao instituir um “período de reflexão”, um prazo de sete
dias em que o consumidor pode desistir da contratação de crédito consignado, sem
necessidade de indicar o motivo, mesmo quando o contrato é celebrado no próprio
estabelecimento. Tal norma representa um avanço, embora o prazo seja ainda tímido se
comparado com outros sistemas jurídicos. Em Portugal, por exemplo, desde 2009 a Lei
de Crédito ao Consumidor estabelece o dobro desse prazo. Confira-se:
Decreto-Lei n.º 133/2009 (Lei de Crédito ao Consumidor)
Art. 17
1 — O consumidor dispõe de um prazo de 14 dias de calendário
para exercer o direito de revogação do contrato de crédito, sem
necessidade de indicar qualquer motivo.
2.3 DA CONCILIAÇÃO
O projeto prevê, ainda, a inserção de um quinto capítulo ao Título III, “Da
conciliação no superendividamento”, propondo o artigo 104-A caput a instauração de
processo de repactuação da dívida, em que o consumidor terá oportunidade de
apresentar plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos. A proposta do
tratamento por meio de conciliação aproxima-se do modelo adotado pela França ou
“modelo da reeducação”, que, conforme expõe Heloísa Carpena,
espalha a ideia de solidariedade, no sentido de co-responsabilidade de todos os
agentes sociais na proliferação do crédito. Contra este, argumenta-se que o
plano de pagamento frequentemente se torna inexequível, vez que grande parte
dos superendividados não possui recursos suficientes ao seu cumprimento,
comprometendo a eficácia desta solução 9.
Vale destacar, ainda, o conceito legal de superendividamento trazido pelo
parágrafo 1º do mencionado artigo, a saber:
Entende-se por superendividamento o comprometimento de mais de trinta por
cento da renda líquida mensal do consumidor com o pagamento do conjunto de
suas dívidas não profissionais, exigíveis e vincendas, excluído o financiamento
para a aquisição de casa para a moradia, e desde que inexistentes bens livres e
suficientes para a liquidação do total do passivo.
É possível perceber que o conceito não traz a distinção entre o superendividado
ativo (voluntariamente endividado) e o passivo (levado à insolvência por fatos
9
CARPENA, Heloísa. Uma lei para os consumidores superendividados. In: Revista de Direito do
Consumidor nº 61. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.84.
imprevistos da vida)10, bastando para a proteção e tutela do consumidor que este tenha
comprometido mais de trinta por cento de seus rendimentos líquidos com o pagamento
de dívidas não profissionais. Tal opção representa avanço significativo, ao reconhecer o
superendividamento como produto da sociedade de consumo, e não apenas como um
“descuido” do consumidor, e acentua a responsabilidade de toda a cadeia produtiva.
3. CONCLUSÃO
Pelo exposto, podemos concluir que o PL 283/2012 vem preencher essencial
lacuna no ordenamento jurídico brasileiro, propondo alternativas viáveis e realistas para
o tratamento do superendividamento como fenômeno social e jurídico, e,
principalmente, regulando de forma eficaz a sua prevenção, a partir de medidas que
promovem a correta instrução do consumidor e incentivam o pagamento à vista, bem
como estabelecendo como base os deveres de conduta decorrentes da boa-fé objetiva e
da lealdade nas práticas das instituições financeiras.
10
Cf. CARPENA, Heloísa. Contornos atuais do superendividamento. in MARTINS, Guilherme Magalhães
(Coord.) Temas de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2010
BIBLIOGRAFIA
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em
mercadoria. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
BENJAMIN, Antonio Herman; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima.
Manual de Direito do Consumidor, 3ª ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010.
CARPENA, Heloísa. Contornos atuais do superendividamento. In: MARTINS,
Guilherme Magalhães (Coord.) Temas de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro:
Lumen Iuris, 2010.
CARPENA, Heloísa. Uma lei para os consumidores superendividados. In: Revista de
Direito do Consumidor nº 61. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. 6ª ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.
SEITER, Ellen. Sold Separately: Children and parents in consumer culture. New
Jersey: Rutgers University Press, 1993.
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