DESIGN, EMOÇÃO E OBJETOLOGIA: E"#$%& C&)#*+,&-.)*& S&0-* A" R*3456*" D* A8*#& E)#-* O H&+*+ E O" O0;*#&" – P-&%$#&" R"#"$% R'($')* UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI Rafael Ribeiro DESIGN, EMOÇÃO E OBJETOLOGIA: ESTUDO CONTEMPORÂNEO SOBRE AS RELAÇÕES DE AFETO ENTRE O HOMEM E OS OBJETOS – PRODUTOS Orientadora: Profª Drª Kathia Castilho SÃO PAULO JANEIRO DE 2009 RAFAEL RIBEIRO DESIGN, EMOÇÃO E OBJETOLOGIA: ESTUDO CONTEMPORÂNEO SOBRE AS RELAÇÕES DE AFETO ENTRE O HOMEM E OS OBJETOS – PRODUTOS Dissertação apresentada à Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Design do Programa de Pós Graduação do Departamento de Design, Arte e Moda. Orientadora: Profª Drª Kathia Castilho SÃO PAULO JANEIRO DE 2009 DESIGN, EMOÇÃO E OBJETOLOGIA: estudos contemporâneos sobre as relações de afeto entre o Homem e os objetos – produtos1 Rafael Ribeiro Dissertação apresentada à Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Design do Programa de Pós Graduação do Departamento de Design, Arte e Moda. Orientadora: Profª Drª Kathia Castilho Dissertação defendida em 10/02/2009 , perante a Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores: __________________________________ Profª. Drª Kathia Castilho Orientadora / Universidade Anhembi Morumbi – SP __________________________________ Profª Drª Gisela Belluzzo de Campos Universidade Anhembi Morumbi – SP _________________________________ Profª Drª Cíntia SanMartin Fernandes Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - SP Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da Universidade, do autor e do orientador. 1 Rafael Ribeiro Graduou-se em Comunicação Social com ênfase em Publicidade e Propaganda pela Escola Superior de Administração Marketing e Comunicação (ESAMC) de Uberlândia-MG em 2005. Pós-graduou-se em Gestão de Marketing na mesma instituição no ano de 2006. Atua como professor do curso de Design de interiores do SENAC em São Paulo. É sócio e proprietário do ateliê “Rafael Ribeiro Ateliê - LTDA” em São Paulo, onde atua como Designer de produto e interiores. Participou de Congressos e Seminários na área de Design. Ficha Catalográfica. Ribeiro, Rafael Design, emoção e Objetologia: Estudos contemporâneos sobre as relações de afeto entre o Homem e os objetosprodutos / Rafael Ribeiro; orientadora: Kathia Castilho – 2009. Dissertação (Mestrado em Design, arte e moda) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2008. Inclui bibliografia 1- Design. 2. Emoção. 3. Objetologia. 4. Evolução. 5. Experimentação. 6. Consumo. 7. Simbologia. 8. Contemporaneidade. Ao meu pai Silvino Minha mãe Ana Meu irmão Diogo AGRADECIMENTO Agradeço a todas as pessoas que, de alguma forma, contribuiram para que meu trabalho pudesse seguir em frente. Contribuições simples, como um sorriso ou palavras otimistas que me deram força no momento exato. Não ousarei escrever o nome de todos, pois jamais me perdoaria se me esquecesse de alguém que teve um papel fundamental neste trabalho; dessa forma, coloco como exemplos em cada página deste trabalho um depoimento particular de todos os que foram importantes neste processo. Mas algumas pessoas é impossível não citar, dentre elas destaco: meu herói, Silvino, que com humildade, ensinou-me como conseguir tudo o que busco; minha pequena mãe, que, a cada dia me ensina que a vida não foi um presente pelo qual se possa apenas passar, mas que deve ser vivida com dignidade e muita felicidade; meu companheiro e cúmplice irmão, Diogo, que sempre instigou minha curiosidade para que eu pudesse refletir sobre minhas escolhas. Agradeço de forma especial a minha orientadora, que em alguns momentos confundia seu verdadeiro papel neste trabalho, acumulando os papéis de mãe, amiga, professora, companheira, mas, sem sombra de dúvida, mostrou-me que, por mais árduo que possa ser o caminho da pesquisa, ele sempre valerá a pena. À preciosissima Rosane, que sempre esteve pronta a nos auxiliar com seu conhecimento e suas conversas de riquíssimo valor pessoal e intelectual, à professora Ana Paula de Miranda e ao professor Wilson Alixandrino que tão prontamente prestaram sua contribuição durante o processo de qualificação. A minhas amigas Mariana Roncoletta, Regina Golden, Regina Maria, Tatiana Azzi, Mirian Levinbook e Eloize Navalon, pela força e pela companhia nas aulas do Mestrado, sempre me questionando e me fazendo refletir sobre meu tema de pesquisa. Enfim, agradeço a Deus por ser uma pessoa de muita sorte e poder conviver com todos vocês. Obrigado. RESUMO Este trabalho apresenta um estudo sobre a relação de afeto existente entre o Homem e os objetos, tendo como base o estudo da Objetologia, que traz uma aproximação entre as teorias evolucionistas das espécies, desde Lamarck até a Biologia moderna, com a tese co-evolucionista, para compreender a evolução dos objetos. Além isso, procura perceber a presença de aspectos e características emocionais / afetivas como construto simbólico dos objetos, identificando no Homem contemporâneo não apenas sua característica de usuário, mas, sim de consumidor, que transforma os objetos, utensílios ou artefatos em produtos passíveis de serem consumidos com rapidez. Palavras Chave: Design, Emoção, Objetologia, Simbologia, Consumo. ABSTRACT This search presents a study on the relationship between human being and objects, based on Objectology, which carries on an approximation between species evolution theories, from Lamarck to modern Biology with the co-evolution thesis, in order to understand objects evolution. Further, it aims to perceive the presence of aspects and emotional and affective characteristics as a symbolic construct in objects, in order to identify in contemporary man not only his user characteristic, but also the consumer one, which transforms objects from utensils or artifacts in products that have be quickly consumed. Key words: Design — Emotion — Objectology — Simbology — Consumption. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12 Problema de pesquisa ............................................................................................... 19 Objetivos.................................................................................................................... 19 Metodologia ............................................................................................................... 20 CAPÍTULO I O HOMEM E O OBJETO – DIÁLOGOS CONTEMPORÂNEOS COM A OBJETOLOGIA. .............................................................................................. 21 1.1 – Objetologia – Uma aproximação conceitual entre as teorias evolucionistas das espécies e os objetos. ................................................................................. 22 1.2– Revolução Industrial – modificações culturais e sociais na relação Homem objeto. .......................................................................................................... 26 1.3 – O Homem/hiperconsumidor e o objeto/produto – a chegada ao contemporâneo. ........................................................................................... 33 1.4 Consumo – Julgamentos distintos. .................................................................. 40 CAPÍTULO 2 DESIGN E EMOÇÃO – INTER-RELAÇÕES NA CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA DOS OBJETOS. ......................................................................... 43 2.1 – Emoção e sentimento: Sensibilidade neurocientífica. .................................. 44 2.2 – Simbologia objetual - A máquina de costura, um exemplo de apelo emocional durante a Revolução Industrial. ................................................................... 48 CAPÍTULO III DESIGN E EMOÇÃO – OBJETOS FORMADORES DE RELAÇÕES SOCIAS. .......................................................................................................... 53 3.1 – Objetos com “alma”- elementos formadores das relações sociais. .............. 54 3.2- Design e emoção - experimentações particulares de afetivação com os objetos. ........................................................................................................ 59 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 64 BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 69 ANEXOS DE IMAGENS ............................................................................................ 73 “Nossas experiências de vida “grudam” nas coisas que delas fazem parte. E assim sen‐ do, Fica diFícil eleger o que mais gosto... Mas gosto especialmente de tudo que pessoas queridas me dão de presente porque “combina comigo”. A idéia de que nossa identi‐ dade, nossos valores e nosso jeito de ser e viver se expressam nas coisas que escol‐ hemos usar e que ganhamos é super bacana. E a idéia de que praticamente todos os produtos são mediadores de ações sociais e podem ser usados para aproximar pes‐ soas é revolucionária! É com esse Fim que o designer dos tempos para lá de modernos deve projetar: aproximar as pessoas, faze‐las ver, respeitar e valorizar as diferenças! Precisamos desenhar mais “namoradeiras”, “conversadeiras” e tudo o mais que pro‐ mover o encontro, o diálogo, a troca, a amizade e o convívio harmonioso de diferentes!” Profa. Dra. Vera Damazio – Puc – Rio I[\)*]^_`* 13 A chegada do homem ao contemporâneo século XXI trouxe inúmeras mudanças e implicações na sua forma de ver e entender o mundo no qual vive e produz. Nos interessará aqui verificar como se desenvolve e orienta o consumo de produtos ditos “simbólicos”, analisar os objetos que compõem seu entorno e que consequentemente também sofrem alterações, adaptando-se às necessidades e desejos do ser humano, cada um a seu tempo. Percebendo estas mudanças nos hábitos do consumo, observamos que o processo projetual do designer direciona os objetos a caminhos em que aspectos emocionais são privilegiados como construtos, sua comunicação também privilegia o discurso emocional e, nesse sentido deslocamos o olhar para a investigação das relações de afeto entre o homem e os objetos. Com base nessa emoção, além de o discurso comunicativo proporcionar aos objetos uma autonomia quando projetados com intenção de seduzir ou atender aos desejos de afeto de um usuário, o objeto, por si, é capaz de provocar reações fisiológicas nos indivíduos, percebidas nos objetos, por meio de suas funções estética, prática e simbólica. Essa última é a de maior importância no processo emocional entre objeto e indivíduo. A percepção dessas emoções por meio das funções estética, simbólica e prática, está diretamente associada aos aspectos sociais e culturais de um indivíduo, pois são eles que determinarão a intensidade do interesse pelo objeto e diversificarão as formas de compreensão, de interação e de utilização do mesmo. Para que esta pesquisa se edificasse um certo percurso foi se constituindo paulatinamente à medida que a leitura e as relações faziam sentido e apontavam algumas possíveis direções. Inicialmente, observamos a relação entre os indivíduos e alguns tipos de móveis e objetos utilizados em residências como cadeiras, sofás, objetos de decoração que Gosto da mesa e das cadeiras da minha sacada pois é onde recebo meus amigos para um happy hour. Eurides Júnior 14 fazem parte do contexto histórico familiar ou mesmo aqueles artefatos que nos foram dados como presente por alguém especial e que justamente por isso, criamos com eles vínculos emocionais e estabelecemos Amo meu MP3 roxo ‐ nele minhas bandas favoritas ‘gritam’ em segredo, me ajudam a mudar de humor e a marcar o passo nos meus trajetos! Yeah. Marion Velasco determinadas relações de afeto, inserindo-os numa relação social. Percebemos neste momento que esses objetos possuíam um valor simbólico mais explícito que os estéticos ou mesmo práticos e que possuíam como finalidade a materialização sentimental do usuário. As primeiras relações e associações sobre tais questões surgiu a partir da leitura do livro “Personalizando produtos e serviços – Customização maciça – A nova fronteira da competição nos negócios”, de B. Joseph Pine II, que é administrador de programas da IBM Corporation e ensina como implementar estratégias e métodos para desenvolver, produzir e comercializar a entrega de mercadorias e serviços com a customização de massa. Essa leitura e questionamentos que ali tiveram origem deu início às inquietações que impulsionaram o desenvolvimento deste trabalho: como uma esteira de produção pode ser reconfigurada para privilegiar as particularidades, as individualidades, os detalhes, os desejos e outras exigências do mercado de consumo contemporâneo, se, por princípio, entendemos que deva seguir a padronização das partes de um produto, para sua produção rápida e em grandes quantidades com o objetivo de reduzir custos e aumentar a produção? A partir desse questionamento, criou-se o primeiro projeto para o trabalho; a idéia era estudar um processo de projetação de um produto que fosse, ao mesmo tempo, industrialmente viável e customizado, seguindo as vontades do consumidor. Após a leitura de outras bibliografias mais centradas no Design, acabamos entendendo que um produto poderia ser feito em série e, dentro de um grupo de opções fornecidas pelo fabricante, o usuário poderia personalizá-lo. Como exemplo, temos celulares para os quais podemos comprar capas de cores diferentes, relógios 15 que trocam de pulseira, enfim, uma gama de produtos que atendem de certa forma às exigências particulares do usuário. A partir da observação desses objetos, focalizamos inicialmente o objeto de estudo no mobiliário e começamos a perceber que o comportamento do usuário com relação à utilização de um celular que mude de cor, por exemplo, era diferente da utilização dos objetos que estavam contidos dentro de seu ambiente residencial, de trabalho ou ainda de lazer. Diferentes objetos em diversas condições de uso, necessidades de identificação, afetividade ou pertencimento. Mesmo que se entenda que são objetos diferentes, o celular é um produto que está constantemente em contato com o usuário; já um objeto de casa, uma cadeira, por exemplo, não possui tanto contato (fisico) com o usuário, mas seu valor sentimental é muito maior. Talvez o indivíduo suporte a perda do seu celular, mas nunca se perdoaria se deixasse a cadeira que foi de seu avô sofrer um arranhão sequer. A partir dessa observação, resolvemos investigar as relações de afeto entre os usuários e os objetos e foi nesse momento que nos deparamos com a possibilidade de leitura sobre Design e emoção área que está sendo estudada e mapeada nas últimas décadas apresentando bibliografia recente e ainda escassa. A partir das leituras feitas, percebemos então que esta dissertação estava ganhando novos rumos e evidenciando novos interesses e curiosidades assim, a primeira alteração de projeto e pesquisa foi proposta. Como os objetos que nos interessavam eram inicialmente os que estavam dentro do ambiente residêncial dos indivíduos e que alí eram tratados como verdadeiras “peças de museu”, com toda a pompa e magnitude, essas peças carregavam simbologias, possuíam um valor ampliado, perceptivo principalmente para os seus respectivos donos. naquele momento, a ser então, sobre “o Gosto do meu mochilão velho, porque nele cabem e couberam minhas mais intensas aventuras! móvel como objeto de experimentação de Ana Maria de Paiva Então, a investigação passou, um espaço particular”, propondo que se os 16 usuários possuíssem algumas relações pessoais associadas a determinados tipos de objetos, que poderiam estar presente na consciência simbólica emocional de cada individuo, e se sua experiência afetiva fosse a maior responsável por esse processo de adesão ou consumo do referido objeto, associava-se a este valor e referência de percepção e estímulo a algum tipo de vivência por meio daquele objeto. Nesse sentido, buscamos encontrar alguns objetos cujo valor simbólico fosse o maior responsável por seu desenvolvimento e sucesso de mercado e verificamos que um determinado grupo de objetos só poderia ser comercializados se existissem a ele agregado um altíssimo valor simbólico. Era evidente esta associação no mercado de luxo contemporâneo. Era possível verificar que os produtos comercializados neste segmento só poderiam ser consumidos se existisse de fato, um valor imaterial e satisfação pessoal independente de seu valor monetário. Nesta fase então, optamos em fazer mais uma modificação na proposta deste trabalho intitulando-o provisoriamente como “Design emocional aplicado ao mercado de luxo”. A pesquisa foi ganhando forma e, mesmo com um tema aparentemente muito amplo e difícil de estabelecer um recorte preciso, alguns questionamentos estavam em alinhamento. Começamos a perceber o que havia muito em comum em todos os temas e indagações anteriores deste trabalho que de alguma forma sempre estiveram presente como inquietações. Percebemos, então, que as relações simbólicas eram criadas a partir das relações de afeto que os usuários tinha com o objeto, e mais, que essas relações de afeto eram despertadas a partir da experimentação ou interação desse objeto dentro de uma determinada relação social no qual o indivíduo estivesse inserido. Com isso, veio a grande mudança de foco de apropriação geral e entendimento do objeto de estudo e comprendemos seu sentido de uso. Não troco a minha cama por nenhum conforto desse mudo, é nela que recarrego toda energia. Este trabalho, portanto se conclui, na sua Carla Daminana deste trabalho que ocorreu quando nos deparamos com a palavra “Objetologia” 17 versão final, com o título: “Design, emoção e Objetologia — Estudos contemporâneos sobre as relações de afeto entre os homens e os objetos – produto”. A Objetologia estuda a evolução Amo meus livros porque eles me dão algo que ninguém me toma e que me é muito útil e prazeroso, o conhecimento. Luciano Araújo dos objetos em seu caráter físico, cultural e social. Assim, pudemos perceber que as relações de afeto sempre existiram entre homens e objetos e que talvez, justamente por isso, desenvolvemos uma quantidade gigantesca de novos produtos que são atualizados e reinventados incessantemente. Esta produção ininterrupta se dá a partir de sua interação (objeto) conosco onde elegemos algumas características que prevalecem e ganham importância na ralação pessoa-objeto, ao passo que outras se tornam escassas até desaparecerem por completo. Contudo, o tema ainda estava amplo e necessitava de um recorte preciso, passamos então a investigar os objetos a partir da Revolução Industrial. Esse recorte temporal ocorreu principalmente em função de duas questões: primeiro, pela questão do surgimento do Design como profissão e segundo, por compreendermos a existência de um objeto que deveria então ser pensado, criada e projetada por um determinado indivíduo (o Designer), à partir de então, para ser consumido por outras pessoas. Percebemos, desde então, que a evolução proposta pela Objetologia acompanha a contemporaneidade do Homem, sendo ela a responsável pela inserção de características simbólicas interpretáveis e assimiláveis a partir de sua interação com o indivíduo. No primeiro capítulo, apresentamos a definição do termo Objetologia e sua aproximação com a teoria evolucionista das espécies. Em um segundo momento, no mesmo capítulo, fizemos um apanhado, durante o período da Revolução Industrial, sobre alguns produtos que já desenvolviam características simbólicas e emocionais. Finalmente, nesse primeiro capítulo, compreendemos o Homem contemporâneo sob a perspectiva dessa relação de afeto com os objetos; ele, que não mais é visto apenas como indivíduo e, sim, como consumidor e o objeto, passível de ser comercializado, 18 agora é tratado como produto. No segundo capítulo deste trabalho, apresentamos o conceito de emoção segundo a Neurociência. Percorremos os sentidos neurológicos apresentados Eu tenho muita coisa dentro de casa que amo, mas um que até disfarso, que é pra não chamar muita atenção é um cavalo de argila que a Ana Cristina fez pra mim quando ela tinha 10 anos, ele é lindo, meu amor por ele é sigiloso. Maria Algemira Sugimoto principalmente por A. Damásio visto que para contrapor às questões de necessidades psicológicas e motivação de mercado, gostaríamos de investigar bases fisiológicas que nos dessem embasamento científico para, de alguma forma, apresentarmos os conceitos do design emocional de maneira diferenciada ao que o marketing principalmente vem considerando como tendência e estímulo do mercado consumido. A questão neurocientífica se mostra muitas vezes contraditória aos pressuspostos de afetivação, principalmente simbólica, aplicamos neste trabalho, como ponto essencial para o entendimento das emoções. De qualquer modo, verificamos que os estudos desenvolvidos nessa área de pesquisa (neurociência), apontam as emoções e sentimentos como ocorrência e manifestação essencialmente fisiológica, o que nos faz perceber que o tema (emoção) pode ser ampliado e aplicado múltiplas áreas de estudo incluindo especialmente o Design devido ao seu caráter transdisciplinar. A Neurociência então nos ampara no início destes estudos ampliando o conceito de emoção e sentimento, conferindo autonomia de resposta aos estímulos externos diretamente do próprio corpo humano. É o corpo que sente, manifesta suas respostas aos estímulos e consequentemente toma as decisões pertinentes aos desejos que são ou não despertados. Nesse sentido, descartamos as tentativas de apropriação permanente da emoção desprovida de bases de argumentação por outras áreas. O que defendemos é que as emoções são de origem e autonomia neurocientífica uma vez ser impossível descartar as reações corpóreas quando estamos emocionalmente envolvido. Estudar as emoções cabe também às demais ciências incluindo o Design investigando seus pontos de diálogos em comum em 19 suas linhas de raciocínio. Finalmente, no terceiro capítulo, retomamos nossa análise do objeto emocional, aquele projetado para despertar emoções e que funciona como formador das nossas relações sociais, objetos estes que sejam emocionalmente atrativos, criem diálogos e convívio com as pessoas, tornando-se objetos produtores de significados particulares e interpretáveis de acordo com cada indivíduo. Sendo assim, este trabalho tornou-se uma janela para a investigação das funções dos objetos, com destaque para a função simbólica responsável pelo despertar de emoções e sentimentos nos usuários, além de compreender esse processo associado à evolução dos objetos e do Homem, levando-nos a questionar sobre a forma como utilizamos os produtos e qual o seu verdadeiro significado para nós, consumidores. Problema de pesquisa Acreditamos que não se trata de um problema de pesquisa, mas de um prazer de pesquisa. As indagações apontadas por este trabalho nos fornecem grandes oportunidades de conhecer e interpretar os objetos por nossa ótica particular. Uma primeira questão que nos fez despertar para essa pesquisa foi o fato de objetos cotidianos serem constantemente humanizados, característica essa do antropomorfismo que desenvolvemos com os objetos. Atribuir características humanas a objetos faz com que aumentemos nosso processo de afetivação. Objetivos Os objetivos desta pesquisa são estabelecer um parâmetro entre questões emocionais e sua aplicação no processo projetual de um produto, garantindo a sua evolução como utensílio e objeto simbólico para o homem. De que forma a emoção entrou no processo evolutivo dos objetos tornando- 20 os elementos de comunicação formadores das relações sociais do Homem? É certo que não mais consumimos a maioria dos produtos que utilizamos em nossas casas, nossos espaços particulares, por motivos práticos, consumimos ou compramos para satisfazer nossas necessidades afetivas e simbólicas, ou, pelo menos no processo decisório da compra, a emoção é que desempenha o papel mais importante. Metodologia Por meio de alguns questionamentos de ordem simples e informal, pudemos perceber a relação de afeto que os indivíduos desenvolvem com seus objetos pessoais. Após isso, um levantamento bibliográfico de diversas áreas, desde a Biologia até a arte, passando pela Neurociência, Sociologia, Antropologia e o Marketing, encontraram diálogos parecidos para fomentar uma discussão que seja pertinente ao Design. Gosto do meu HD externo de 180 GB pois cabe a minha vida nele. Bruno Oss C"st\^%* 1 O H&+*+ E O O0;*#& – D>?3&@&" C&)#*+,&-.)*&" C&+ A O0;*#&3&@>4. 22 “A antropologia é o estudo da humanidade, a zoologia é o estudo do reino animal e a Objetologia é o estudo das origens e do desenvolvimento físico, cultural, biológico e social dos objetos construídos pelo Homem” (Brent White) 2 1.1 – Objetologia – Uma aproximação conceitual entre as teorias evolucionistas das espécies e os objetos. A evolução3 das espécies é estudada sistematicamente há, pelo menos, dois séculos. Por volta de 1809 o naturalista francês Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet Chevalier de Lamarck4 propôs, pela primeira vez, uma teoria organizada sobre a evolução dos seres vivos. Para Lamarck, os seres vivos evoluíram de forma lenta e segura, para se adaptarem melhor ao meio e, assim, modificar-se-iam de geração para geração, gradual e quase imperceptivelmente, já que a adequação manifesta-se e efetiva-se de acordo com as necessidades de ação e de adaptação impostas pelo meio circundante. Tal teoria hoje já se encontra desacreditada, mas sua postulação serviu como base para outros estudiosos interessados no processo de evolução como Charles Darwin5. Charles Robert Darwin (1809-1882), inglês, publica, em 1859, o livro “A Evolução das Espécies”, no qual apresenta sua teoria sobre a seleção natural dos seres vivos, dizendo que o meio ambiente seleciona os seres mais aptos, que conseguem (fonte: www.impeti.com Acesso em 31 de outubro de 2008, às 15:50h) A palavra evolução não está sujeita a julgamentos do tipo “bom ou mal”, “melhor ou pior”; entendemos por evolução a transferência de características hereditárias de uma população para outra, a fim de melhor se adaptar ãs condições do ambiente. 4 Naturalista francês do século XVIII, nascido em Bazentin, no dia 01 de agosto de 1744 e falecido em Paris, no dia 28 de dezembro de 1829. Desenvolveu a teoria dos caracteres adquiridos a partir do uso e do desuso que, conjugada com a transmissão dos caracteres adquiridos, provoca desvios na linha evolutiva. Segundo a lei do uso e desuso, os indivíduos perdem as características de que não precisam e desenvolvem as que utilizam. O uso contínuo de um orgão ou parte do corpo faz com que este se desenvolva e seja apto para o correto funcionamento; e o desuso de um orgão ou parte do corpo faz com que ele se atrofie e com o tempo perca totalmente sua função no corpo do indivíduo. Essas mudanças são repassadas aos descendentes por intermédio da transmissão das características adquiridas. Embora sua teoria não tenha sido aceita pelos homens de sua época, a teoria do uso e desuso faz uma aproximação muiito importante para pensarmos a evolução nos objetos. 5 Naturalista britânico que convenceu a comunidade científica da ocorrência da evolução e propôs uma teoria para explicar como ela se dá por meio da seleção natural e sexual. 2 3 1 23 reproduzir-se e sobreviver, eliminando os menos aptos às condições ambientais de cada época ou geração. Assim, somente as diferenças que facilitam a sobrevivência serão transmitidas à geração sucessiva e, Gosto muito do meu telefone pois com ele eu consigo sempre comunicar com meus amigos. Iaías Neto ao longo delas, essas características firmam-se e geram uma nova espécie ou, ainda, uma espécie que se atualiza e especifica frente ao contexto, às condições de vida e sobrevivência no qual se insere. No século XX, a teoria darwinista foi adaptada a partir da descoberta da genética, sendo denominada de sintética ou neodarwinista, tornando-se a base Biologia moderna. A explicação, hoje amplamente aceita sobre a hereditariedade das características e especificidades dos indivíduos, deve-se a Gregor Mendel6 (18221884), elaborada em 1865, mas cuja divulgação só ocorreu no século XX. Darwin desconhecia as pesquisas de Mendel. A síntese das duas teorias foi feita somente nos anos 1930 e 1940. A teoria neodarwinista diz que mutações e recombinações genéticas causam variações entre indivíduos sobre as quais age a seleção natural. Esse processo faz com que as populações de organismos mudem ao longo do tempo. Características hereditárias são a expressão genética de genes que são transmitidos aos descendentes durante a reprodução. Mutações em genes podem produzir características novas ou alterar características que já existiam, resultando no aparecimento de diferenças hereditárias entre organismos. Essas novas características também podem surgir da transferência de genes entre populações, como resultado de migração, ou entre espécies. A evolução ocorre quando essas diferenças hereditárias tornam-se mais comuns ou raras numa população. Com o aprimoramento dos estudos sobre a evolução das espécies, a Biologia moderna apresenta, hoje, uma teoria denominada de co-evolução7, pela qual Foi um monge agostiniano, botânico e meteorologista austríaco, que se dedicou ao estudo do cruzamento de muitas espécies, Gregor Mendel, “o Pai da Genética”, como é conhecido, propôs que a existência de características (tais como a cor) das flores é devida à existência de um par de unidades elementares de hereditariedade, agora conhecidas como genes. 7 A co-evolução pode ser definida como a evolução simultânea de duas ou mais espécies que têm um relacionamento ecológico próximo. Por meio de pressões seletivas, a evolução de uma 6 24 a evolução de indivíduos de espécies diferentes é garantida, desde que haja a interação espontânea ou forçada entre ambos que garanta a sobrevivência recíproca. É, portanto, “Adoro” meu travesseiro, por que é com ele que divido minhas conFidências. Diogo Ribeiro por meio da pressão seletiva que uma espécie se torna parcialmente dependente da evolução da outra. Com base no desenvolvimento das idéias contidas nas teorias evolucionistas, chegamos a idéias co-evolucionistas, podemos aproximar-nos dos pressupostos que têm sido formulados para a compreensão e entendimento dos estudos realizados na área que hoje se denomina Objetologogia. Trata-se de uma área que inaugura sua fase de estudos e ainda possui poucos registros científicos ou mesmo pesquisas teórico-empíricas sobre o assunto. Recentemente, no dia 25 de outubro de 2008, Brent White8, em uma palestra no Institudo Europeo de Design em São Paulo, sugeriu a definição para o significado do termo Objetologia e analisou sua implicação, no que se refere aos estudos específicos sobre os objetos. A Objetologia, estudo orientado para a compreensão da evolução dos objetos, propõe uma aproximação à teoria evolucionista dos seres vivos. Tal pensamento inclui o desenvolvimento e a evolução dos objetos no seu aspecto físicos, biológico, cultural e social como aponta a citação de Brent White no início do capítulo. espécie torna-se parcialmente dependente da evolução da outra; a característica mais importante da co-evolução, que interessa para este trabalho, está na interatividade, ou seja as duas espécies evoluem juntas a partir da interação de uma com a outra e neste sentido a evolução de ambas sempre dependerá uma da outra nao podendo retrosceder. 8 Brent White é um “objetologista” sistematicamente observando o caminho evolutivo dos nossos objetos e experimentando os limites do desenho por meio de móveis e artefatos domésticos. Suas criações são programadas para perseguir a sua própria feliz existência e, ao mesmo tempo, perseguir a troca simbólica de servidão e de energia com os seus homólogos humanos (também conhecida por seus “donos”). Ele honra a vida secreta de objetos e explora essas peculiaridades como robôs mutação, voluntário de vigilância e inanimada espiritualidade. Brent White tem um MFA em Design 3D na Cranbrook Academy of Art and Design, e um BFA em Design na Universidade do Texas. As experiências profissionais de Brent incluem experiências com o público em larga escala para uma variedade de museus e corporações expressando temas como espiritualidade, genética, ecologia e exploração. Seus objetos foram mostrados localmente e internacionalmente, e ele foi selecionado como um dos quinze mais procurados Designers da Wallpaper (revista 2004). Ele atualmente vive e trabalha em San Francisco, praticando Necromancia em seu estúdio e lecionando Design de Interiores na Academia de Arte da Universidade. 25 De fato, o Homem se relaciona com os objetos que projeta e fabrica manipulando-os, adequandoos ou manuseando-os. Quando essa relação de interatividade é ativada ou encontra-se de interação dos artefatos, nesse as processo características atualizam-se O que toca minha emoção, ao ponto de mudar completamente meu humor são perfumes... tenho uma memória olfativa prodigiosa e cada período da minha vida foi marcado por algum perfume (positiva ou negativamente) que eu ou outra pessoa o tenha usando. Inclusive recordo a embalagem, o frasco, a cor de cada um quando sinto o perfume. Adriano Antunes ou reconfiguram-se. Aqueles que não estiverem de acordo com o desejo estético do usuário, ou necessidade funcional e que, portanto, não estejam adequados a esse processo interativo (Homem-objeto) são aprimorados, repensados, na maioria das vezes, em suas especificidades ou, ainda, descartados. Assim, o objeto torna-se apto a atender as vontades, potencias e as novas utilizações propostas ou necessárias ao indivíduo. Essas manipulações e o acelerado processo de investimento no projeto, Design e re-Design do objeto está diretamente ligada ao estado contemporâneo cultural e social de ambos (Homem-objeto) e é nesse sentido que a Objetologia propõe a evolução dos objetos, possibilitando ao Design adaptar os artefatos à sua necessidades ou desejos contemporâneos. Para Henry Petroski9 os objetos evoluem de acordo com o momento contemporâneo do Homem, modificam-se de acordo com seus “fracassos” momentâneos: [...] a forma dos artefatos está sempre sujeita a mudanças em resposta às suas deficiências reais ou imaginadas, à incapacidade de funcionar de modo adequado. Esse princípio impulsiona invenções, inovações e engenho. É isso que move todos os inventores, inovadores e engenheiros, e segue um corolário: uma vez que nada é perfeito e que, na verdade, nossas idéias sobre perfeição também são estáticas, tudo está sujeiro a mudanças ao longo do Henry Petroski é professor de Engenharia Civil na Duke University e autor de diversos livros de sucesso como: The Pencil, To Engineer Is Human. Pushing the Limits e Sucesso através do fracasso. Escreve uma coluna mensal na American Scientist e é consultor eventual de programas da BBC. Estudioso da evolução dos objetos. 9 26 tempo (PETROSKY, 2007, p. 33). Seguindo esse raciocínio, conseguimos entender que a evolução dos objetos está associada às suas possíveis “falhas”, que garantem sua reestruturação, para adequar-se ao momento presente no qual o Homem se encontra e, por isso, Petrosky ainda pontua que: A forma, a natureza e o uso de todos os artefatos são influenciados pela política, pelos costumes e preferências pessoais [...]. E a evolução dos utensílios também interfere de maneira decisiva nos costumes e na interação social (PETROSKY, 2007, p. 30 e 31). Pensar no objeto como um artefato que co-evolui com o indivíduo de acordo com o seu tempo nos faz entender diversos utensílios que conhecemos hoje, mas que sofreram alterações ao longo do tempo. Nesse sentido, é importante compreender o surgimento do Design como profissão, pois o processo projetual eliminará características ditas “negativas” e acrescentará soluções para as novas “espécies de objetos” que surgem a partir de então. 1.2– Revolução Industrial – modificações culturais e sociais na relação Homem objeto. Em meio a descobertas e publicações sobre a evolução dos seres vivos, a Europa do século XVIII mergulhou em mudanças de ordem não só científicas, mas também econômica, tecnológica, social e cultural. Em meados do mesmo século, surge na Inglaterra um movimento que mudaria por completo a história do Homem, o seu modo de produção, trabalho e subsistência, este movimento foi denominado de Revolução Industrial. Antes da Revolução Industrial, a atividade produtiva manufatureira10 utilizava esporadicamente algum maquinário simples ou desenvolvia seus produtos por meio 10 Produção artesanal ou feita a mão 27 da organização entre grupos de artesãos que dividiam a realização do trabalho em etapas dependendo da escala a ser produzida. Na maioria das vezes, era apenas um indivíduo (artesão) que cuidava de todo o processo produtivo, desde a obtenção da matéria-prima Gosto da estante de livros do meu quarto, eu mesma a pintei e nela estão outros tantos objetos que eu sempre preciso. Regina Dias até a comercialização final do produto. Esses trabalhos eram realizados em oficinas que se localizavam no interior das casas dos próprios artesãos, pois, como se sabe, não havia distinção de espaços e diferenciação de endereços para a residência e trabalho. É importante ressaltar que os profissionais da época dominavam muitas (se não todas) as etapas do processo de fabricação de objetos. De acordo com Cardoso (2004), a Revolução Industrial foi um conjunto de mudanças referentes ao modo de produção fabril que contempla a execução e o aprimoramento produtivo em série, garantindo a redução de custos com esse processo. Bem mais que isso, a Revolução Industrial não só causou efervescência e alterações no sistema econômico da época, uma vez que a produção agora é desenvolvida de forma mais ágil e rápida pelas máquinas, garantindo, assim, um acúmulo de produtos. Tais influências são de fato promovidas pela Revolução Industrial e inserem-se no cotidiano do indivíduo da época. Pode ser observada como processo de concepção e ou execução na construção de um produto. Esse processo produtivo durante a Revolução Industrial sofreu uma divisão que auxiliaria ainda mais a redução dos custos com mão-de-obra técnica, garantindo, consequentemente, também a redução do custo de produção como aponta Cardoso (2004), ao explicar a teoria do economista escocês Adam Smith, criada em 1776: Separando os processos de concepção e execução, e desdobrando essa última em uma multidão de pequenas etapas de alcance extremamente restrito, eliminava-se a necessidade de empregar trabalhadores com um alto 28 grau de capacitação técnica. Em vez de contratar muitos artesãos habilitados, bastava um bom Designer para gerar o projeto, um bom gerente para supervisionar a produção e um grande número de operários sem qualificação nenhuma para executar as etapas, de preferência como meros operadores de máquinas. “(CARDOSO, 2004, pp.25/26) Nesse sentido, o processo de produção, que antes era feito por um único artesão, agora é pensado de forma detalhada por outro sujeito que conheça e que domine as técnicas projetuais, facilitando, assim, a produção em larga escala pelas máquinas. Tal habilidade e competência no conhecimento do processo de produção é característica, segundo Burdek (2006) da atividade do Designer conforme conhecemos hoje. Notamos que, com a divisão do processo produtivo de um produto fabricado por máquinas, o artesão não consegue acompanhar a velocidade produtiva e encontra-se forçado a assumir o papel de operário dentro das indústrias, manuseando máquinas que produzem quantidade em dobro e na metade do tempo. Submete-se a uma baixa valorização de sua mão-de-obra e assume uma ocupação de assalariado pelo qual recebe quantias muito inferiores às recebidas como artesão. Como operário, o Homem não consegue comprar suas próprias máquinas devido à exploração do trabalho e o baixo preço dos salários, colocando-o então em situação de dependência do novo sistema produtivo dominante. A indústria conta ainda com o consumo dos indivíduos que deverão absorver os excessos produtivos a fim de gerar lucro e manter a engrenagem do sistema em funcionamento e ascensão. Essas modificações repercutiram também no contexto social e cultural do Homem desta época. Segundo Adrian Forty, essa alteração ocorreu nos espaços Amo meu album de fotograFias, porque consigo reviver vários momentos inesquecíveis com pessoas que marcaram minha vida! Cristiane Vassiliades 29 de trabalho e no lar dos indivíduos. Antes da Revolução Industrial, os artesãos trabalhavam e moravam em um mesmo local e, a partir da introdução da indústria, houve uma divisão desse espaço. Forty diz, ainda, que o espaço que hoje entendemos como lar é uma criação da Revolução Industrial. Para ele: É óbvio que as fábricas são resultado da Revolução Industrial, mas raramente pensamos que os lares, tal como os conhecemos hoje, são uma criação da mesma revolução. Antes, a maior parte da produção e do comércio era realizadas nas residências dos artesãos, comerciantes ou profissionais envolvidos, e compreendia-se a casa como um lugar que incorporava o trabalho às atividades habituais de morar, comer, dormir e assim por diante. Porém quando o trabalho produtivo foi removido para as fábricas, escritórios ou lojas, o lar tornou-se um lugar exclusivamente para comer, dormir, criar filhos e desfrutar o ócio. A casa adquiriu um caráter novo e diferenciado, que foi vivamente representado em sua decoração com o Design de objetos (FORTY, 2007, p. 137-138). Dessa forma, os móveis e objetos que compunham esse espaço denominado de lar, foram projetados e criados para atender as necessidades que fossem diferentes daquelas exigidas no local de trabalho e, por isso, as mudanças empreendidas na economia, na cultura e na sociedade durante a Revolução Industrial influenciaram o Homem, seu entorno e refletiram-se também nos objetos com os quais esse se relaciona. A análise dos objetos seguindo sua evolução é o tema principal deste trabalho. De forma notória, percebemos que os objetos que substituem o corpo humano nas suas atividades diárias nos fornecem um campo amplo de observação devido ao seu alto grau Eu adoro o meu secador, pois carrego em todas as viagens e ele esta sempre deixando meu cabelo bem lisinho. Kênia Amaral 30 de interatividade com o Homem e, por isso, são os nossos objetos de estudo. Henry Petroski estuda e analisa a evolução de artefatos ao longo da História humana; entre tantos exemplos curiosamente pesquisados por ele os talheres (anexo I) são os que mais se assemelham às nossas mãos e dedos e que nos são corriqueiros, tão comuns e usuais no dia-a-dia que raramente nos daríamos conta da história de sua evolução e desenvolvimento no Ocidente. Os utensílios que usamos diariamente para comer nos são tão familiares quanto nossas mãos. Podemos manipular facas, garfos e colheres de maneira automáticas, assim como fazemos com nossos próprio dedos. Muitas vezes só nos tornamos conscientes dos talheres quando os cotovelos dos destros e canhotos esbarram em um jantar (PETROSKI, 2007, p. 11). Os talheres à mesa de fato são um bom exemplo para elucidar a evolução dos objetos. Nossos ancestrais primitivos se alimentavam utilizando os dedos, unhas e dentes, que apresentavam algumas restrições, não permitindo, em alguns casos, a redução do alimento a tamanhos suficientemente pequenos para serem mastigados. Para essa finalidade, então, utilizavam pedras para cortar, rasgar, amassar, enfim reduzir os alimentos a tamanhos menores. Para Petrosky, as facas se originam a partir de peças talhadas em sílex ou obsidiana, que eram uma espécie de rocha muito dura e cujas pontas fragmentadas eram altamente cortantes. Logo em seguida foi descoberta do fogo e por mais que os alimentos pudessem ser cortados e reduzidos em pedaços menores não poderiam ser segurados pelas mãos no momento do cozimento. Assim, começaram a utilizar gravetos e varetas para segurar o alimento em contato com o fogo tempo suficiente para aquecê-lo e cozinhá-lo11. A partir desses dois instrumentos (a faca de sílex e as varetas), é que podemos entender a ancestralidade dos objetos que utilizamos a Neste sentido é importante ressaltar o avanço cultural na história do Homem analisado e amplamente estudado pelo antropólogo Claude Levi-Strauss em seu livro Cru e Cozido publicado originalmente em 1964, onde pontua as diferenças que se estabelecem no modo de vida e produção histórico, simbólica e cultural à partir do cozimento dos alimentos (Levi-Strauss Claude; O CRU E O COZIDO.São Paulo, Cosac Naif, 2004). 11 31 mesa; o garfo e a faca. Estes objetos foram tomando diferentes formas e fabricados com materiais diferentes, de acordo com as disponibilidades de matéria-prima encontrados ou pesquisados pelos Meu Fio dental: não viveria sem essa Fitinha, acho que simplesmente deixaria de comer porque me dá uma terrível aFlição Ficar com pedaços de coisas entre os dentes, sobretudo “couve”. Marina Machain Franco homens. Em tempos antigos, os metais como o bronze e o ferro eram utilizados para construir tais artefatos; hoje, coexistem inúmeros materiais naturais e sintéticos para a fabricação. É interessante lembrar que frente à necessidade de um instrumento que firmasse os alimentos enquanto eram cortados pelas facas, desenvolveu-se também uma segunda faca que, com o passar dos tempos, ganhou dentes e possivelmente tornou-se o garfo que conhecemos hoje. Essa seria uma segunda hipótese que conta sobre a história e necessidade de invenção do corpo que seria advindo do uso sistemático de gravetos ou de uma segunda faca para o apoio de alimentos. É a partir da Revolução Industrial que esses objetos começaram a ser fabricados tornando-se de uso mais amplo no cotidiano de um número maior de pessoas e desenvolvidos com base no pensamento projetual, com referências fornecidas a partir da observação do manuseio estabelecido pelo Homem. Segundo Petrosky, certamente: Analisar os talheres que utilizamos todo dia, e sobre os quais pouco sabemos, fornece um dos melhores pontos de partida para o exame das relações que existem entre a natureza da invenção, da inovação, do Design e da engenharia.”(PETROSKI, 2007, p.12) À medida que o Homem aumenta o seu entendimento do mundo, imprime na natureza valores culturais. Sua atuação e interação com o mesmo se desenvolve e atualiza, demandando, consequentemente, novas habilidades que tanto biologicamente (o próprio Homem) como os próprios objetos precisam 32 manifestar para adequarem– se às necessidades iminentes e também para que desempenhem determinados papéis seus e Eu amo demais meu PC, é por ele que eu vivo minhas emoçoes mais fortes, meu namoro não existiría sem ele, não começaria nem continuaria, por ele eu vivo meu namoro a distância. funções. É com base na experimentação e Aureliano Severino Neto na eliminação de possíveis desvios ou erros e constantes ajustes que conseguimos proferir ao objeto a sua autonomia histórica e evolutiva. A solução encontrada para o aprimoramento de um objeto depende, então, de experimentações, manuseio, uso e consequente eliminação de fatores “negativos” que limitem ou inibam a utilização desses objetos. É curioso pensar que tais fatores estão diretamente ligado ao contexto cultural e social dos indivíduos, a exemplo disso, temos os talheres orientais (japoneses) como objetos que são absolutamente diferente dos ocidentais, embora a função (levar o alimento até a boca) seja a mesma. Na relação de interatividade e evolução proposta pelo Homem e objetos fica claro, então, que não somente os homens e suas diversidades culturais e sociais interferem na concepção dos objetos como os objetos de forma direta também interferem na evolução dos homens. A forma, a natureza e o uso de todos os artefatos são influenciados pela política, pelos costumes e preferências pessoais, assim como por essa entidade nebulosa, a tecnologia. E a evolução dos utensílios também interfere de maneira decisiva nos costumes e na interação social.”(PETROSKI, 2007, pp. 30/31) Os objetos desenvolvidos durante todo o período pós-Revolução Industrial, baseados nas necessidades e desejos apresentados pelos homens a partir desse momento, documentam as escolhas, o tipo de vida e a organização sociocultural, 33 temporal e espacial dessa relação interativa e criativa. O objeto guarda, pois, em si mesmo, importantes informações sobre a cultura e a história humanas, no seu fazer interativo relacional e produtivo. De fato, trata-se de documentos de um certo Gosto de uma mesinha de apoio com rodízios que Fiz na faculdade. Me trás lembranças daquela época. Sandra Escridelli saber fazer, de competências, preferências que a História da cultura material tem sistematicamente organizado em pressupostos teóricos para esse estudo. 1.3 – O Homem/hiperconsumidor e o objeto/produto – a chegada ao contemporâneo. A chegada do Homem ao século XXI, modificou a sua forma de interação e relação com os objetos: entendemos agora o indivíduo não mais como um usuário mas, sim, como consumidor e o objeto, de utensílio, passa a caracterizar-se como produto. Clemente Nobrega, estudioso do antropomarketing12, acredita na eficiência para a permanência e evolução das espécies: [...] maximizar a eficiência é maximizar as chances de ficar vivo. É como na natureza: as espécies que estão presentes hoje são aqulas que “aprenderam”formas mais eficientes de ficarem vivas durante o processo evolucionário (NOBREGA, 2002, p. 40). Na contemporaneidade, o Homem encontra-se inserido em um contexto cultural que o transforma em um indivíduo ávido por inovações e consumo. Essa avidez 12 Conceito criado por Clemente Nobrega cuja teoria propõe a revisão dos fundamentos do marketing, considerando o fato de que os desafios mercadológicos propostos na era digital remetem à dinâmica das relações humanas e à própria evolução das espécies. (FERNANDES, Adolpho In NOBREGA, Clemente. 2002, p. 8) 34 exige que os objetos sejam caracterizados como produtos13, ou seja, que estejam à sua disposição, para que possam ser consumidos a qualquer momento. Para Lipovetsky, esse consumidor adquire uma formação específica, que o autor denomina de hiperconsumidor. A essa ordem econômica, em que o consumidor se impõe como senhor do tempo, corresponde uma profunda revolução dos comportamentos e do imaginário de consumo. Um Homoconsumericus de terceiro tipo vem à luz, uma espécie de turboconsumidor desajustado, instável e flexível, amplamente liberto das antigas culturas de classe, imprevisível em seus gostos e em suas compras. De um consumidor sujeito às coerções sociais da posição, passouse a um hiperconsumidor à espreita de experiências emocionais e de maior bem-estar, de qualidade de vida e de saúde, de marcas e de autenticidade, de imediatismo e de comunicação (LIPOVETSKY, 2007, p.14) Esse “turboconsumidor” ou “homoconsumericus” como descreve Lipovetsky, é o senhor do tempo atual e diferencia-se no que se relaciona às coerções sociais, levando-o a buscar determinadas emoções nos objetos de seu consumo. As emoções são empregadas hoje na criação de várias estratégias mercadológicas com o objetivo de tornar o produto mais “significativo”para o usuário. Segundo Donald Norman, as emoções são fáceis de ser interpretadas por nós porque é devido à evolução do nosso sistema emocional que aprendemos a compreender, entender e até interpretar qualquer estado emocional de outra pessoa, animal ou mesmo objeto. Para ele: Somos criaturas sociais, biologicamente preparadas para interagir com outras, e a natureza dessa interação depende muito de nossa capacidade de compreender o estado de espírito dos outros. Expressões faciais e linguagem corporal são automáticas, resultados indiretos de nosso estado afetivo, em Entendemos por produto o resultado da produção manufatureira ou maquinofatureira, de industrialização física ou intelectual, cuja resultante no processo de produção baseia-se na alteração da natureza ou substância de elementos, portanto, o produto pode ser físico ou acabado. Nesse sentido damos ao produto seu caráter de comercialização. 13 35 parte por que o afeto está intimamente ligado ao comportamento. Uma vez que o sistema emocional instrui nossos músculos preparando-os para a ação, outras pessoas podem interpretar nossos estados internos ao observar como estamos tensos ou relaxados, como nossa face se modifica, como membros de nosso corpo se movem (NORMAN, 2008, p161) A busca pela emoção está associada a um constante desejo de bem-estar, de formas de vida que privilegiam sua ação individual dentro de seu grupo e, por esse motivo, o indivíduo torna-se um consumidor de produtos que cada vez mais lhe tragam um bem-estar emocional. Essa busca por um bem-estar faz com que ele deixe, cada vez mais, seus padrões antigos à procura de outros novos, o que antes lhe servia hoje já não significa mais, é necessária uma nova construção cultural quase que imediata. Para Bauman, A cultura consumista é marcada por uma pressão constante para que sejamos alguém mais. Os mercados de consumo se concentram na desvalorização imediata de suas antigas ofertas, a fim de limpar a área da demanda pública para que novas ofertas a preencham [...] Mudar de indentidade, descartar o passado e procurar novos começos, lutando para renascer – tudo isso é estimulado por essa cultura como um dever disfaçado de privilégio (BAUMAN, 2008, p. 128) É nesse sentido que tentamos atender nossos desejos e buscamos sempre compreender nosso estado emocional para então satisfazê-lo no consumo do objeto. Para Clemente Nobrega, essa busca pela satisfação dos seus desejos é o que movimenta a tecnologia, mas ele também ressalta que todo o avanço Gosto do meu terço de pérolas, porque ganhei da minha mãe... Que saudades... Maristela Severino 36 tecnológico está sujeito ao desenvolvimento cultural e social do Homem. Nobrega diz que “existir tecnologia disponível para fazer “melhor” velhas tarefas não significa que as pessoas vão desenraizar-se imediantamente Gosto muito de minha bicicleta, que ganhei aos 10 anos de idade, e hoje ela me acompanha até as minhas últimas idas à faculdade. de seus velhos hábitos.” (NOBREGA, 2002, p. Marcelo Rezende 30). Entendemos que os objetos só poderão evoluir de acordo com o desejo dos homens, e mais, esse desenvolvimento não necessariamente se caracteriza como “melhor” ou “pior” mas, sim, como aquele capaz de adequar-se ao momento contemporâneo do indivíduo. Os avanços tecnológicos são de fato uma característica contemporânea da sociedade e da cultura na qual o Homem se encontra inserido. Novas tecnologias não criam novas necessidades, mas despertam novos desejos que estão associados ao comodismo, ao conforto, às novas formas de reutilização de um mesmo produto, ou, quem sabe, um mesmo produto com diversas funções diferentes umas das outras. O fato de o Homem evoluir seu estado emocional, modifica também seu entorno objetual, fá-lo adquirir novos comportamentos socioculturais, buscando, hoje, novas formas de utilização mais subjetiva e emocional para interagir e dar novos sentidos aos objetos, segundo Guilles Lipovetsky: O hiperconsumidor não está mais ávido de bem-bem estar material, ele aparece como um solicitante exponencial de conforto psíquico, de harmonia interior e de desabrochamento subjetivo, demonstrados pelo florescimento das técnicas derivadas do desenvolvimento pessoa bem como pelo sucesso das sabedorias orientais, das novas espiritualidades, dos guias de felicidade e da sabedoria. O materialismo da primeira sociedade de consumo passou de moda: assistimos à expansão do mercado da alma e de sua transformação, do equilíbrio e da auto-estima, enquanto proliferam as farmácias da felicidade (LIPOVETSLY, 2007, p. 15) 37 A histeria de produção fabril, hoje, concentra-se em desenvolver objetos que sejam consumidos rapidamente, criando uma grande pressão sobre o sistema produtivo, acelerando, consequentemente, um consumo mais efêmero. Os indivíduos buscam na sua associação com objetos consumíveis não apenas saciar seus Adoro meu macacão preto, ele é prático, eu não preciso Ficar escolhendo outras peças pra usar, combina com tudo, chinelo, rasteirinha, brincos, pulseiras e ainda por cima me deixa mais magra! Rosana Massaro desejos na aquisição de bens, mas apresentar-se e afirmar-se como membros de um determinado grupo social e identidade pessoal baseado em suas escolhas. Andrea Semprini fala sobre o consumo desde o pós-industrialismo e mostranos algumas alterações no modo de obtermos e utilizarmos os produtos, talvez mais obtê-los do que utilizá-los, uma vez que estamos em um novo tempo em que os aspectos simbólicos são os verdadeiros motivos de consumo. Isso aconteceu, segundo o autor, devido à desmaterialização e à dessemantização do consumo. A desmaterialização apresenta dois aspectos principais: a miniaturização do produto, ou seja, a redução do tamanho dos produtos, sua miniaturização que, segundo o autor, é considerada em todos os setores. Nos eletrônicos, essa característica é mais visível e a busca sempre pelo menor tamanho chega a esbarrar nos limites do corpo, como, por exemplo, teclas de celular muito pequenas, incapazes de serem acionadas pelo polegar. (SEMPRINI, 2006). Já o segundo aspecto da desmaterialização seria a falta de sustentação do consumo: Por esse termo, entende-se a tendência das práticas de consumo de se orientar para produtos que tenha menor densidade fenomenológica, menor presença física, mas em compensação, quase sempre, uma densidade simbólica e imaginária muito mais importante (SEMPRINI, 2006, p.49). 38 Para Semprini, percebemos que não há uma base substancial, algo material para se consumir e é por isso que o aumento dos serviços, viagens, lazer, produtos audivisuais etc. tem sido significativo. Certamente, essa desmaterialização não significa a desintegração total dos produtos/objetos de consumo, uma vez que mesmo no consumo de lazeres, prazeres, emoções, acabamos adquirindo objetos que nos façam recordar essa experiência. A dessematização, por sua vez, é o termo utilizado: “para invocar o aparecimento de muitos produtos completamente novos para os consumidores, e que necessitavam de um aprendizado e de um esforço para introduzi-los em suas rotinas de consumo” (SEMPRINI, 2006, p. 50). Segundo o autor, os microondas, por exemplo, ditaram novas técnicas de cozimento e novas regras de funcionamento da cozinha e do preparo das refeições, o que caracteriza a dessematização. Também nesse contexto percebemos que o consumo se tornou uma prática indispensável para o indivíduo. Dessa forma: [...] É preciso agora interrogar as razões de seu desenvolvimento irresistível nas sociedades contemporâneas, desde há algum tempo ditas “de consumo”. Por que, apesar de seus momentos de crise ou de decadência, o consumo parece ser uma prática que acompanha estruturalmente a vida moderna, quase uma condição “natural” inerente ao modo de funcionamento das sociedades contemporânea?”(SEMPRINI, 2006, p.60) Semprini ainda apresenta algumas pressuposições pós-modernas para entendermos o consumo contemporâneo, que asseguraram um olhar diferenciado e complexo sobre ele. Dentre esses pressupostos, temos uma nova noção de individualismo, de corpo, de imaterialidade, de mobilidade e de imaginário. O individualismo representa a busca pela felicidade privada, suas escolhas pessoais fazem com que o consumo se torne algo individual e particular, 39 dependente das vontades de cada indivíduo. A relação com o corpo requer mais atenção, como a busca por um corpo saudável, em forma, esculpido e um instrumento de sedução, Adoro meus livros de literatura, pois ao lêlos me transporto para um mundo de magias. Maria Odete Mundim erótico, musculoso ou gracioso, corpo como fonte de prazer para si e para o outro, em cujo contexto se podem explorar as sensações como forma de contato emocional com o indivíduo. O terceiro pressuposto pós-moderno relacionado ao consumo é o imaterial, que faz com que os indivíduos cada vez mais valorizem os aspectos abstratos, conceituais, virtuais, o que, segundo Semprini, contraria a teoria de Maslow nos anos 1940, com as escalas das necessidades, porque há uma interpretação e uma submissão crescentes a esses aspectos que propriamente preocupações de ordem material. O penúltimo argumento analítico do consumo pós-moderno está na mobilidade, que é representada pela facilidade e pela busca constante de deslocarse tanto física como geograficamente, o que caracteriza uma busca prazerosa por viagens: é a liberdade adquirida pelo Homem após as prisões domiciliares no período industrial. Finalmente, o imaginário, que é a presença maior das noções de fantasia, de criatividade, de expressão pessoal, de procura de sentido. Essas definições apresentadas por Semprini nos colocam diante de algumas observações, no que diz respeito à construção e à projeção de novos produtos para o consumidor contemporâneo. De fato, com base nessas observações, conseguimos entender quais são as buscas, os desejos que os usuários almejam nos produtos e de que forma poderemos, como Desiginers, atendê-las. 40 1.4 Consumo – Julgamentos distintos. O consumo14 é passível de julgamentos e, com isso, ele se torna vulnerável, quando uma confusão interpretativa o coloca na mesma instância de entendimento que o consumismo. Para Mary Douglas e Baron Isherwood (2006), o consumo é um fator cultural e deve justamente ser pensado sob esse prisma. Eles nos explicam que existe uma real distinção entre o desejo que move o consumo e a necessidade, que move o nosso comportamento de consumidores. Muitas vezes, o consumo de bens e produtos é impulsionado por necessidades biológicas e físicas, ou seja, obedecem a ordem fisiológica. Outras vezes. somos impulsionados em relação à aquisição de bens de consumo pelo desejo que se orienta e compõe-se de elementos culturais. Na contemporaneidade, para o estudo do comportamento e motivação dos consumidores, segundo Mary Douglas e Baron Isherwood, somente o estudo dos aspectos culturais interessam, apresentando questões que auxiliam no entendimento das perspectivas do consumo com base em três justificativas: consumo hedonista, consumo moralista e consumo naturalista. O consumo hedonista faz parte da maioria das estratégias de marketing e comunicação e privilegia o discurso repetitivo e enfático, centralizado nas qualidades subjetivas do produto e suas possíveis interferências no cotidiano do indivíduo. Por exemplo, o consumo hedonista explicita a si mesmo quando relaciona consumo com sucesso ou felicidade, pois a vontade de atingir o sucesso, ou a felicidade, é que torna o ser humano vulnerável e refém dos discursos e das artimanhas publicitárias e apontam para a visão moralista. A visão moralista possui ideologias conservadoras que discursam sobre um consumo responsável em respeito à pobreza iminente da sociedade, critica a busca desenfreada por lucros exorbitantes e o individualismo que propõe a aquisição de bens como forma de suprir relações sociais. Buscar satisfação pessoal em consumir 14 valia. Principalmente depois da analise de K. Marx sobre a apropriação de força de trabalho e mais 41 algum tipo de bem, principalmente se estiver inserido no campo dos desejos e dos prazeres, faz com que a “moral” de um indivíduo se torne questionável. A visão naturalista critica o julgamento das necessidades e dos desejos sob o mesmo Gosto de um mini manequim que ganhei na Euroshop porque resume minha vida de vitrinista. Syliva Demetresco prisma, uma vez que possuem naturezas diferentes: as necessidades devem ser entendidas como biológicas, naturais e físicas, enquanto o desejo é uma manifestação cultural, portanto não se deve observar o consumo sem fazer essa dissociação. Hoje, a busca despertada pelas características do desejo hedonista causa uma dependência emocional em relação ao consumo, muitas vezes descontrolado e voraz e cria um hiperconsumidor, definido por Gilles Lipovetsk (2007). É justamente esse novo consumidor que revela uma interface diferenciada entre usuário e objeto, que pode ser melhor trabalhada pelo Design na criação de produtos que despertem o interesse emocional, por características tangíveis do objeto e não apenas como um discurso comunicativo que surge a posteriori em relação à criação desse objeto. Para Everardo Rocha, antropólogo da UFRJ, que se dedica ao estudo do consumo responsável, na apresentação do livro “O mundo dos bens”, o consumo deve ser entendido como sistema de significação que supre nossas necessidades simbólicas, visto que evidenciam e estabilizam categorias culturais cuja função é promover o sentido, estabelecer códigos, traduzir nossas relações sociais, classificando coisas e pessoas, produtos e serviços, indivíduos e grupos. Nessa perspectiva consumir é: [...] exercitar um sistema de classificação do mundo que nos cerca a partir de si mesmo e, assim como é próprio dos códigos, pode ser sempre inclusivo. Nesse caso, inclusivo tem dois sentidos. De um lado, dos novos bens que a 42 eles se agregam e são por ele articulado aos demais e do outro, inclusivo de identidade e relações sociais que são elaboradas, em larga medida na nossa vida cotidiana, a partir dele. Não é por outra razao que Mary Douglas ensina que “os bens são neutros, seu uso são sociais; podem ser usados como cercas ou como pontes ( ROCHA in DOUGLAS, 2006. p. 16-17). Pensar no consumo como elemento da cultura nos faz refletir sobre suas possíveis formas e desdobramentos junto à emoção. Sob o olhar atento do Design, essas características podem ser aprimoradas e transportadas para espaços particulares e simbólicos por meio de suas formas estéticas e funcionais, podendo ser experimentadas de várias maneiras, intensificando as relações de afeto entre objeto e usuário. Gostamos do nosso gazebo (quiosque), pois nele vivemos momentos felizes entre nós e nossos Filhos, também com amigos. Família Severino Almeida C"st\^%* 2 D"#$%& E E+&5B& – I)#*--*3456*" N4 C&)"#-$5B& S>+0E3>F4 D&" O0;*#&". 44 2.1 – Emoção e sentimento: Sensibilidade neurocientífica. A palavra emoção, segundo dicionário Houaiss, deriva-se do Francês émotion (1475), identificada como perturbação moral. É também classificada como substantivo feminino, o que significa o ato de deslocar, movimentar, agitar sentimentos, abalo afetivo ou moral, turbação, comoção. Segundo a definição proposta pela Psicologia, no mesmo dicionário, emoção é uma reação orgânica de intensidade e duração variáveis, geralmente acompanhada de alterações respiratórias, circulatórias etc., de grande excitação mental. Entre as várias ciências que estudam a emoção, buscamos fundamentação para a elaboração deste trabalho na Neurociência, já que estudos nesta área têm substituído e contribuído de forma contundente com algumas visões mais clássicas utilizadas principalmente pela Psicologia, que procuram explicar as emoções. É, portanto, sob as explicações do professor António Damásio, neurocientista estudioso das emoções, que serão apresentados os conceitos sobre emoção e sentimento, pertinentes à fundamentação deste trabalho. Para Damásio, sentimentos e emoções constituem o elo comunicativo entre a Natureza e as circunstâncias; eles servem como guias para uma resposta corpórea, uma vez que, nosso organismo se envolve com os sentimentos e responde a estímulos como a felicidade, a tristeza, o ódio, independentemente de nossa vontade, projetando uma resposta compreendida e assimiliada de forma positiva ou negativa por todo o organismo. [...] o amor, o ódio e a angústia, as qualidades de bondade e crueldade, a solução planificada de um problema cientifico ou a criação de um novo artefato, todos eles têm por base os acontecimentos neurais que ocorrem dentro de um cérebro, desde que esse cérebro tenha estado e esteja nesse momento interagindo com o seu corpo. A alma respira por meio do corpo, e o sofrimento, quer comece no corpo ou numa imagem mental, acontece na carne (DAMÁSIO, 2006, p. 18). 45 O corpo é o local onde cor, por exemplo, no caso de sermos Pensando no meu dia‐dia em relação aos objetos não Fico sem um par de chinelos. Não sei Ficar de pé‐no‐chão, mas não tenho nenhum em especial, basta apenas não Ficar descalçada. submetidos a algum tipo de situação Eliana Tencredi as emoções e os sentimentos se manifestarão fisicamente, causando modificações como a mudança de de constrangimento em que ficamos ruborizados ou mesmo de susto, quando empalidecemos. Além disso, essas emoções e sentimentos nos permitem entrar em contato com a Natureza, é o elo que permite a comunicação entre o organismo e o ambiente que o cerca. Contudo, os objetos artificiais que compõem esse entorno nos permitem comunicar-nos com um ambiente ou senti-lo, seja ele em sua totalidade ou parcialmente. Willian James, médico que deu início ao estudo das emoções há cerca de um século, propunha, em uma de suas teorias, a existência de mudanças corporais físicas diante de uma emoção. António Damásio cita essa experiência em uma passagem em seu livro: [...] em suma, James postulou a existência de um mecanismo básico em que determinados estímulos no meio ambiente, excitam por meio de um mecanismo inflexível e congênito, um padrão específico de reações do corpo. Não havia necessidade de avaliar a importância dos estímulos para que a ação tivesse lugar. Na sua própria afirmação lapidar: “Cada objeto que excita um instinto excita também uma emoção (DAMÁSIO, 2006, p. 159). Nesse contexto, entendemos que, ao sermos estimulados de diferentes formas, produzimos respostas instintivas, independentes de nossa vontade, seja essa vontade racional ou não. Damásio conclui que as emoções são mudanças corpóreas que podem ser apenas sentidas ou assimiladas mentalmente pelo cérebro. [...] a emoção é a combinação de um processo avaliatório mental, simples ou complexo, com respostas dispositivas a esse processo, em sua maioria 46 dirigidas ao corpo propriamente dito, resultando num estado emocional do corpo, mas também dirigidas ao próprio cérebro (núcleos neurotransmissores no tronco cerebral), resultando em alterações mentais adicionais (DAMASIO, 2006, p. 168/169). As emoções, para Damásio, dividem-se em duas categorias diferentes: primárias e secundárias; as primárias são as que sentimos quando crianças, de caráter natural, cognitivo e sinestésico, como a fuga de uma situação de perigo; as secundárias só poderão ser vivenciadas após termos passado primeiro pelas emoções primárias, manifestam-se em nossa fase adulta. [...] Começo, numa perspectiva de história individual, por esclarecer as diferenças entre as emoções que experienciamos na infância, para as quais um “mecanismo pré-organizado” de tipo jamesiano será suficiente, e as emoções que experienciamos em adulto, cujos andaimes foram gradualmente construídos sobre as fundações daquelas emoções “iniciais”. Proponho chamar às emoções “iniciais” primárias e às emoções “adultas” secundárias (DAMÁSIO, 2006, p. 160). O importante das emoções secundárias é que elas estão ligadas com o universo particular de cada indivíduo e são criadas a partir de experiências que foram vivenciadas por ele em algum momento de sua formação cultural e social. Nesse sentido, encontramos subsídios que podem ser pensados durante a prática projetual e explorados pelo Designer. Buscar referências emocionais para compor o construto de um objeto, para dar características que despertem algum Minha cama por que é meu local de descanso e reposição de energias. Rosana Garbelotti 47 tipo de emoção e compreender mais sobre essas emoções secundárias possibilitam a criação de objetos que contenham simbólicas representações adquiridas pelo indivíduo por meio de sua cultura Bem a maioria dos objetos que eu gostava meu cachorro comeu, mas um que eu gosto muito e consegui salvar foi o meu Playstation, pois com ele consigo me esquecer um pouco dos meus problemas cotidianos. Marcel Melo e, consequentemente, empregadas nas suas relações sociais, criando produtos que sejam emocionalmente atrativos. Outra definição importante para compreender essa relação entre objetos e usuários por meio das emoções está no significado do sentimento que, para Damásio, é um processo de acompanhamento contínuo das experiências e que acabam formando no organismo uma paisagem corporal capaz de ser interpretada pelo nosso sistema neural e também se classificam como primários e secundários. Os sentimentos primários ligados a emoções primárias e o secundário ligado as emoções secundárias, sendo esse segundo grupo de sentimentos também mais elaborados que os primeiros e necessitam ser racionalizados para se tornarem existentes. [...] Essa segunda variedade de sentimentos é sintonizada pela experiência quando gradações mais sutis do estado cognitivo são conectadas a variações mais sutis de um estado emocional do corpo. É a ligação entre um conteúdo cognitivo intricado a uma variação num perfil pré-organizado do estado do corpo que nos permite sentir gradações de remorso, vergonha, vingança... (DAMÁSIO, 2006, p.175/180) Dessa forma, percebemos que, para um sentimento iniciar sua formação na mente do indivíduo, ele deve ter sido apontado primeiro por uma emoção e, com isso, a emoção humana, é caracterizada pelo fato de tornar-se consciente na mente do indivíduo. Nesse aspecto, conseguimos detectar o tipo de emoção que sentimos e qual sentimento nos será despertado pois “ [...] o impacto humano de todas essas causas 48 de emoções, refinadas e não refinadas, e de todas as nuances de emoções sutis ou não sutis que elas induzem depende dos sentimentos engendrados por essas emoções.”(DAMÁSIO, 2005, p. 56). Gosto de uma mochila de nylon verde, do exército, comprada há mais de 10 anos na galeria do rock, tendo vivido com ela muitas boas histórias no decorrer de minha vida. Mario Candido As emoções e os sentimentos, sob o olhar da Neurociência, representam, então, um ponto de partida para que o Design possa repensar a relação entre usuário e objeto, tentando buscar outras alternativas para o entendimento do contato entre o ser humano e o objeto, auxiliando o Homem na sua história material. 2.2 – Simbologia objetual - A máquina de costura, um exemplo de apelo emocional durante a Revolução Industrial. O consumo contemporâneo propõe aos objetos característicos que vão além das determinadas como práticas. Seu foco maior concentra-se nas funções estética e simbólica. Segundo Löbach, os objetos possuem três funções baseadas na forma como os indivíduos se relacionam com eles. Tais características são por ele denominadas de estética, prática e simbólica. Para ele: [...] são funções práticas de produtos todos os aspectos fisiológicos do uso. (LÖBACH, 2000 p 58) [...] A função estética dos produtos é um aspecto psicológico do processo de percepção sensorial durante o uso. (LÖBACH, 2000 p 59 e 60) [...] a função simbólica dos produtos é determinada por todos os aspectos espirituais, psíquicos e sociais do uso (LÖBACH, 2000 p 64). Essa definição apresenta classificações associadas à interação entre usuário e objeto, sendo as simbólicas as mais importantes para a contemplação da 49 emoção no construto projetual dos objetos, pois será ela que definirá a função prática do objeto, pois, pelo simbolismo desenvolvido em um objeto é que o indivíduo definirá de que forma utilizará determinado produto. De acordo com Miranda (2008), os objetos são passíveis de consumo simbólico, uma vez que são elementos de comunicação entre o indivíduo e o meio em Adoro meu cheirinho ele é rosa e não durmo sem ele, ai ai que “soninho”. Tatieh Fonseca que ele se instala. Para ela: Os objetos funcionam como sistemas de informação estabelecendo relações, reproduzindo mensagens, definindo hierarquias (quem tem mais dinheiro, quem sabe mais, quem tem melhor desempenho, quem é mais talentoso) (MIRANDA, 2008 p 22) Percebemos, portanto, que devemos compreender primeiro os fundamentos da comunicação, para entendermos o que vem a ser o consumo desses símbolos e os significados desenvolvidos nos objetos e interpretados pelo Homem. Miranda estabelece a definição de comunicação segundo Damshorst et al (2000) como: (1) Processo interativo entre duas ou mais pessoas [...] e (2) Processo que envolve o envio de mensagem para pelo menos um receptor e, para que o ato de comunicação seja completo, o receptor deve enviar o feedback (retorno) para o emissor. [...] (3) Processo dinâmico no qual significados compartilhados são negociados e criados para o entendimento comum.”(DAMHORST et al. ,2000, In MIRANDA, 2008 p 23). Para compreendermos a Objetologia, a primeira definição de Damshorst é a mais importante, pois garante ao ato de comunicação a interatividade entre duas pessoas; dessa forma, os objetos são utilizados como mensagem dentro desse 50 processo de comunicação. Aconstrução simbólica dos objetos utiliza a emoção como fator determinante e fundamental para a construção Agradeço meu travesseiro que é quem me escuta todas as noites. Giuliano Muller de um produto; estes atributos simbólicos emocionais são, muitas vezes, particulares e pessoais e garantem uma representação individual e uma comunicação estabelecida de forma significativa. Por isso, compreendemos que muitos produtos estão sujeitos a julgamentos de acordo com as vontades de cada consumidor, sendo atraentes para uns e completamente sem importância para outros. A utilização da emoção na construção simbólica dos objetos teve sua origem na Revolução Industrial, o que existiu antes disso estava sujeito a análise e julgamento sob os olhares da obra de arte e não do Design. Segundo Adrian Forty, durante a Revolução Industrial, houve a separação dos espaços cotidianos do Homem; esse autor os classifica como um local para o “trabalho” e o outro para o “não-trabalho”. O “local para trabalho” eram as indústrias, as fábricas, que continham máquinas, barulho e sucessivos problemas de ordem social como o estresse, a monotonia, além das relações sociais entre patrões e empregados. Já no local do “não-trabalho” eram realizadas quaisquer outras atividades diferentes do trabalho. Era nesses locais que o indivíduo podia descansar, fazer suas refeições, dormir e recuperar-se depois de um longo dia de trabalho, além de estabelecer e desenvolver suas relações sociais de caráter familiar; esse local foi denominado de lar. O lar era o espaço no qual o indivíduo poderia manifestar toda a sua intimidade sem que fosse criticado, julgado e até mesmo condenado pela sociedade por estar submetido a um sistema de produção industrial ao qual ele era praticamente escravizado, pois, embora recebesse salários pelo seu trabalho, muitas vezes 51 submetia-se a excessivas horas de trabalho extra, e era no lar, então, que ele poderia “indignar-se” com a sua posição de assalariado e explorado, contra todo o sistema industrial. Sendo assim, o lar tornou-se um “refúgio” Meu objeto é o celular, que me deixa sempre ligado no meu amor. Alíbio Garbeloti e, por isso, todos os produtos que deveriam ser utilizados nesse espaço eram projetados para manter a maior distância possível entre o indivíduo e seu ambiente de trabalho. Dessa forma, muitas empresas resolveram investir na fabricação de objetos para o lar, objetos esses que deveriam ter uma familiaridade maior com o íntimo das pessoas e que perdessem seu caráter industrial. As empresas fabricantes de máquinas de costuram como a Singer & Co., por exemplo, começaram a fabricar máquinas com algumas características mais “afetivas”, tentando superar sua maior fabricante da época, a Wheller e Wilson, que já fabricavam máquinas que poderiam ser usadas em indústrias ou mesmo nos lares, devido ao seu caráter mais simples e por serem menores e mais leves. Com isso, a Singer criou algumas estratégias de mercado, como a redução dos preços, ou mesmo a divisão parcelada dos produtos. Logo depois, utilizaram a propaganda para mostrar que as máquinas podem estar nos ambientes residenciais modernos, mas, mesmo assim os fabricantes não estavam suficientemente seguros de que apenas campanhas publicitárias garantiriam o sucesso das vendas e precisavam adequar os modelos de máquinas domésticas para o lar. Então, em 1858, a Singer criou o primeiro modelo de máquina de costura com características que a fizessem ser utilizada no lar. Desde então, diversas modificações e aprimoramentos foram incorporados às máquinas de costura como mostram os exemplos constantes no Anexo II) As características emocionais, nessa época, eram apresentadas de forma alegórica e apenas nas funções estéticas, ou seja, as máquinas possuíam formas e imagens que seriam entendidas como afetivas e possuíam um apelo sensorial, 52 intimo, hedonista capaz de seduzir o indivíduo. A prática projetual com apelo emocional é bastante difundida hoje no mundo contemporâneo. Criar objetos que sejam capazes de nos fazer sentir bem tornou-se, hoje, uma vertente bastante promissora para os Designers: criar objetos que despertem uma emoção no usuário é considerado um filão muito precioso para o setor industrial. Entretanto, bem mais que isso, esses objetos não devem ser projetados apenas para despertar uma simples emoção — devem ser configurados para tornaremse mensagens de comunicação e atuarem diretamente na formação das relações sociais do indivíduo. Eu tenho apego a uma saia comprida azul marinho que ganhei de uma grande amiga nos anos de 1996 por aí. De vez em quando eu uso, outros anos guardo, mas não consigo e nem quero me desvencilhar dela. Me trás boas lembranças, e o sentimento de que algumas coisas mudam, menos a amizade, e minha saia azul marinho! Mirian Levinbook C"st\^%* 3 DESIGN E EMOÇÃO – OBJETOS FORMADORES DE RELAÇÕES SOCIAS. 54 3.1 – Objetos com “alma”- elementos formadores das relações sociais. “[...] Nesses lugares buscavam produtos, que elas denominam “objetos com alma”, ou seja, bens que “transmitem emoção”. (Carol Garcia , 2006, p. 28). A citação acima faz parte do texto de Carol Garcia (2006, p. 28), referindose à história das fundadoras da loja “Casa 15”, na qual se comercializam produtos e objetos colhidos pelas proprietárias15 em viagens e que permeiam o espaço imaginário simbólico e afetivo das pessoas. A preocupação com o valor emocional dos objetos tem sido dialogada no mundo contemporâneo. Embora não se tenha uma definição formada para o termo “objetos com alma”, entendemos como sendo aqueles objetos que possuam elementos simbólicos muito bem empregados e constituídos não apenas de aspectos estéticos, mas principalmente como características que os diferenciem de forma particular dos demais objetos cotidianos comuns. O Homem demonstra interesse pela construção de objetos desde os mais remotos tempos. Nós, hominídeos, ao deixarmos o nomadismo, começamos a construção de objetos que passaram a fazer parte de nosso cotidiano e a nos auxiliar no cumprimento de diversas atividades rotineiras ou ocasionais. Dessa forma, o desenvolvimento desses objetos torna-se cada vez mais complexo e sofisticado. Tais objetos são considerados ideais, por conterem elementos que vão além das funções práticas, como aponta Coelho apud Cunha (2006), o que torna um objeto “ideal” é o fato de ele conter elementos simbólicos e relacionar-se com o espaço afetivo do usuário, então objeto ideal “[...] vem a ser um objeto particularizado, que satisfaça aos anseios, das mais variadas naturezas, do usuário. E nesses anseios são equacionados 15 Tatiana Leite e Andrea Simone, proprietárias da loja “Casa 15”em são Paulo - http:// www.casa15.com/ 55 aspectos simbólicos, em particular os afetivos.”(Cunha, 2006, p. 155). A esse respeito, buscamos entender o que vem a Gosto muito do meu painel de fotos pois nele posso guardar momentos e lembranças que durarão para sempre. Paula Machain ser um objeto cujas características emocionais e afetivas serão a base para a projeção contemporânea de artefatos, para que estes sejam elementos de comunicação na formação de nossas relações sociais. Para Moles: “Etimologicamente objectum significa atirar contra, coisas existentes fora de nós mesmos, coisas colocadas adiante, com um caráter material: tudo o que se oferece à vista e afeta os sentidos”. (Larousse in MOLES, 1981, p.25). Ainda segundo esse autor, a definição de objeto vai além da definição etimológica, ele se configura como tal dentro de nossa sociedade, a partir do momento em que se insere nas referências sociais: O objeto, dentro de nossa civilização, é artificial. Não se falará de uma pedra, de uma rã ou de uma árvore como um objeto, mas como uma coisa. A pedra só se tornará objeto quando promovido a peso de papéis, e quando munida de uma etiqueta: preço..., qualidade..., inserindo-a no universo de referências sociais (MOLES, 1981, p. 26). Isto faz com que o objeto seja destituído de seu caráter natural, relacionado à Natureza e se configure como produto. Mas o objeto também possui outras características que o tornam ainda mais importante para o ser humano; o objeto é : [...] mediador universal, revelador da sociedade na progressiva desnaturalização desta, construtor do ambiente cotidiano, sistema de comunicação social, carregado de valores como nunca no passado, apesar do anonimato da fabricação industrial (MOLES, 1981, p. 8). 56 O autor ainda afiança que “esse visivelmente surge – é um primeiro sentido – como mediador entre Homem e o mundo. Não vivo sem meu travesseiro. Ele me acompanha sempre! Simone Garcia O objeto inicialmente é um prolongamento do ato do ser humano.”( MOLES, 1981, pp. 10/11). Para o Design, pensar nas relações de afeto com os objetos é enxergar além da produção industrial, é perceber o sentido social, cultural e comunicativo dos objetos, pois em cada uma dessas configurações, os artefatos ganham novas simbologias condensadas em um espaço interno dele próprio. Os objetos ganham, então, uma característica particular de acordo com seu usuário já que são portadores de signos interpretáveis. (MOLES, 1981) Para Baudrillard (2006), a relação de comunicação apresentada no objeto tem um caráter mais importante por representar a comunicação do Homem com o meio, por meio da relação de interno e externo. Nesse sentido, objeto seria entendido como: [...] figurante humilde e receptivo, essa espécie de escravo psicológico e de confidente tal como foi vivido na cotidianidade tradicional e ilustrado em toda a arte ocidental até os nossos dias, tal objeto refletiu uma ordem total ligada a uma concepção bem definida do cenário e da perspectiva, da substância e da forma. Segundo essa concepção, sua forma é a demarcação absoluta entre interior e exterior, é continente fixo, o interior é substância (BAUDRILLARD, 2006. p. 33). Os objetos possuem uma relação com os indivíduos que tal autor caracteriza como uma relação visceral, pois possuem a capacidade de conter dentro de si várias informações sobre o sujeito. 57 O Homem acha-se então ligado aos objetos ambientes pela mesma intimidade visceral (guardadas as devidas proporções) que aos órgãos do próprio corpo e a “característica” do objeto tende sempre virtualmente à recuperação desta substância por anexação oral e “assimilação” (BAUDRILLARD, 2006, p. 34). Baudrillard ainda relaciona, por exemplo, o objeto “vaso” com a simbologia poética de receptáculo, útero, armazenamento, retenção, para expor sua visão sobre a relação dos objetos com os seus usuários e diferentes significados simbólicos e funcionais. Um objeto armazena, recebe, gera diversas características do indivíduo, do tempo, da sociedade, dentre outras. Essas características são inseridas no momento da criação e concepção desse objeto, por isso Baudrillard diz que: [...] Assim, sendo o sentido e o valor provenientes da transmissão hereditária das substâncias sob jurisdição da forma, o mundo é vivido como dado (é sempre assim no inconsciente e na infância), e o projeto é revelá-lo e perpetuá-lo. Também a forma ao circunscrever o objeto faz com que uma parcela da natureza fique incluída nele tal como no corpo humano: o objeto é fundamentalmente antropomórfico.”(BAUDRILLARD, 2006, p. 34) O objeto é capaz de evidenciar a natureza e a cultura dentro de seus espaços, considerado, assim, um elemento que consegue ultrapassar a Gosto de um coração de pelúcia, pois ele já me fez dormir bem em várias situações complicadas da vida e é meu Fiel amigo. O levo para qualquer lugar e já viajou o mundo ao meu lado. Rodrigo Fonseca 58 barreira do tempo e que carrega consigo a história da cultura material humana. Baudrillard também não se deixa levar pelas “fantasias” da gênese no criar Gosto de minha bolsa pois é nela tem tudo o que preciso em meu dia a dia. Daniella Severino objetos considerados “perfeitos” e “ideais”, e entende que essas características idealizadas quando atribuídas aos objetos são construídas pelo Homem. O projeto vivido de uma sociedade técnica é o questionamento da própria idéia de Gênese, é a omissão das origens, do sentido dado e das “essências” cujos símbolos concretos foram os bons velhos móveis: é uma computação e uma conceitualização práticas sobre a base de uma abstração total, a idéia de um mundo não mais dado, mas produzido: dominado, manipulado, inventariado e controlado: adquirido (BAUDRILLARD, 2006, pp. 34/35). Podemos entender os objetos como diferentes manifestações culturais desenvolvidas de forma simbólica; é a apresentação de seu universo particular que permite que o Homem possa comunicar-se e formar suas relações sociais. Com isso, conseguimos compreender que a história particular de um sujeito pode ser representada por meio de suas relações com os objetos e mais, observamos como esse simbolismo pode atuar sobre o objeto a ponto de tornálo quase um ser animado. Assim, entendemos que considerar a perspectiva que referencia, na criação do objeto, a emoção e o sentimento é um fator fundamental para a manifestação dessa simbologia nos produtos. 59 3.2- Design e emoção - experimentações particulares de afetivação com os objetos. A utilização das emoções e do sentimento no Design é responsável pela evocação da memória do usuário. Os objetos ditos emocionais tentam relembrar algumas experiências ou experimentações do usuário por meio de sua utilização, sua forma ou mesmo de sua simbologia. Para Ferrara, a memória particulariza um espaço. “[...] uma memória que transforma o lugar na institucionalização do acontecimento e dos flagrantes passados que tiveram o lugar como cenário ou que o tornaram notável. Ou podemos ter a memória criadora do lugar ficcional onde a referência do fato real é dispensável, por que a lembrança do lugar dá origem àquela apropriação, responsável pela identidade do pertencer. Consiste em recolher as marcas/signos do passado que fazem sentido na vivêncai do presente, ou seja, a questão não está em justificar ou ilustrar a história passada do lugar, mas se resume no prazer de recuperá-la em palavras, imagens, visões, gestos, nomes índices (FERRARA, 2002, p. 17). Para a autora, é por meio da memória que construímos nossos “lugares”, heterogêneos, que, por sua vez, constituem a homogeneidade do espaço. O lugar, portanto, está na ordem da memória particular, individualizada que condivide o espaço com outras tantas singularidades, ou seja, locais da memória de cada sujeito. Cada local particular, em conjunto ou multiplicidade, coletivo constitui o espaço. Não se trata de uma discussão sobre espaço, mas, de antemão, podemos remetê-lo à idéia cartesiana de construções Gosto da minha camisa do Flamengo por que foi meu pai que me deu. Joelton Rezende 60 e delimitações arquitetônicas como um vazio idéia de espaço evocando três pensadores: Pode parecer “piegas” mas não vivo mais sem meu ipod, pois é dele que extraio uma trilha sonora para todos os momentos do meu dia. Merleau-Ponty, para quem o espaço é o Felipe Rolim a ser preenchido. Brandão (2002) apresenta uma evolução do pensamento teórico da meio que possibilita o posicionamento das coisas; Lima de Freitas, que considera o espaço como a relação entre seres e objetos, sendo essa a mais importante para este trabalho, porque trata da interatividade; e finalmente Guattari, que advoga a inseparabilidade dos elementos na relação corpo e espaço. Assim, criar um objeto, em termos de concepção e planejamento, requer, hoje, uma identificação permanente de “lugares” diante dos “espaços”. Esses “lugares” são reconhecidos por causa das experiências emocionais e sensoriais estabelecidas pelo indivíduo; compreendemos a presença dos objetos artificiais, que garantem a fixação da experiência na memória do indivíduo, para que seja relembrada em momentos futuros. As experiências são vivenciadas de forma singular pelos consumidores e propondo a existência de particularidades diante de um conjunto homogêneos é que Ferrara diz que o mundo se encontra em funcionamento por haver divisão entre coisas aparentemente distintas (locais) que se unem e formam uma fusão adequada (espaço): “ O mundo funciona e se torna possível porque admite, no seu projeto homogêneo, faixas heterogêneas que constroem a organicidade do todo ao se produzirem como particulares e diferentes” (FERRARA, 2002, p. 30). A presença de particularidades em determinados objetos é responsável pelo desenvolvimento de novas formas afetivas com o usuário, diferentes das estratégias motivacionais de compra apresentadas pelo discurso mercadológico. Para refletirmos sobre a projeção dessas características emocionais incorporadas nos espaços dos objetos, retomamos Ferrara (2002), que analisa o desenho e o Design sob a ótica de projeto. A autora afirma que a comunicação dos objetos está muito além do simples ato de desenhá-los ou projetá-los, pois 61 sua significação encontra-se sob o foco das vivências e experimentações sociais e culturais. Relacionam-se ver, saber fazer e fazer e dessa correlação emerge aquele Desenho Industrial onde o que se desenha não é apenas um objeto, mas uma informação que interfere no cotidiano, no modo de vida, nas relações socioculturais (FERRARA, 2002, p. 51). Compreendemos, então, que os objetos são dotados de interpretações particulares e individuais. Outro autor que cabe ser lembrado é Roland Barthes16 que, a partir de uma análise sobre a fotografia, elabora dois importantes conceitos que podem ser aplicados para estabelecer uma ligação entre o universal, por ele denominado de Studium17 e o particular chamado de Punctum18. Para Barthes, o Studium está associado ao que podemos definir como bom ou ruim, mas que, de alguma forma, está em contato com o todo; seria aquilo com que concordamos ou não; e o Punctum está destinado a cada indivíduo de forma diferente de acordo com sua observação particular. Nesse sentido, o podemos fazer uma associação com o Design emocional em relação aos aspectos que chamam a atenção em determinados produtos, dando ênfase para as particularidades, ou seja, todos os objetos criados para serem emocionalmente atrativos vão tocar qualquer indivíduo, no entanto alguns serão atingidos de forma menos direta que outros, de acordo com suas expectativas e suas experiências emocionais anteriores. Criar em um objeto, formas emocionais que remetem a simbologia dos indivíduos requer um conhecimento maior sobre as particularidades de um indivíduo; 16 Roland Barthes (1915 – 1980) apresenta em seu livro “a câmara clara” alguns argumentos de ordem filosofica sobre o reconhecimento de particularidades dentro de um contexto social. 17 Características que são universais em uma fotografia, ou seja aquelas observadas por qualquer individuo, essas características sao as mais visiveis, as que chamam a atenção em primeira instância. 18 Características mais particulares de uma fotografia, estas por sua vez depende de outras variáveis como por exemplo a posição do observador em relaçao a foto e principalmente está associada à cultura particular e ancestral do individuo/observador. 62 é necessário compreender um processo de afetivação dos Gosto de um conjunto de potinhos de porcelana que ganhei da minha madrinha. Gosto muito deles porque é um prensente de uma pessoa que não vejo com muita frequencia e que eu amo muito, também porque são pequenininhos, meigos onde eu posso guardar com segurança coisas especiais fácil de se perder. objetos e na criação de vínculos Lorena Ribeiro pouco sobre o que desperta tal emoção em uma pessoa, por isso a experimentação se faz como elemento decisor no emocionais particulares, uma vez que experiências são de caráter individual. A experimentação pode ocorrer de duas formas: objetos que são criados a partir de experiências dos usuários o usuário como co-autor do produto , e objetos que são criados para gerar experiências nos usuários objetos que geram experiências . Os primeiros são entendidos como Design experimental e os segundos ainda não possuem uma nomenclatura específica. Com isso o Design emocional encontra duas grandes oportunidades de se firmar com as questões da experimentação. A participação de um indivíduo no processo de projeção e construção de um objeto faz com que laços afetivos comecem a ser criados durante esse contato; essa categoria de Design pode ser compreendida como Design de parceira, pois o indivíduo não apenas é usuário como também co-autor do projeto, adquire uma autonomia diante do objeto e reconhece-o como propriedade particular. Segundo Frascara, designer argentino, a essência do Design está nas pessoas e não na forma como foi produzido tal produto; o autor sugere que o públicoalvo deve participar junto com o Designer no processo de produção de um objeto: São nas situações de associação onde as relações são éticas, onde os melhores talentos rendem seus frutos, onde se pode realizar projetos complexos e ambiciosos e onde os Designers podem desempenhar o papel de catalisadores e colaboradores na criação de um ambiente cultural e 63 conceitual em constante desenvolvimento (FRASCARA, 1998. p. 50). A experiência pode ser analisada de outra forma, com a criação de objetos que despertem o desejo de experimentá-lo; a esse respeito, encontramos na sensorialidade um caminho bastante eficaz para a exploração dos cinco sentidos do corpo humano como ferramentas para a construção de produtos que despertem tal interesse emocional pelo usuário. Para essa categoria de objetos, os efeitos do simbolismo também são bem explorados, uma vez que o contato sensorial do indivíduo com o produto pode conduzi-lo a várias reações fisiológicas e de caráter particular, de acordo com as emoções ativadas pela memória; essas associações podem estar vinculadas tanto ao objeto em si como à marca dos produtos. O Design emocional utiliza da experimentação para a criação de produtos que possam garantir a interação com o usuário, mas esse fato se acentua de forma significativa, quando um indivíduo se relaciona com outro por meio de um objeto. Ou a partir da própria interação do indivíduo com o objeto. Nesse sentido, entendemos a formação das relações sociais por meio de um objeto que passa a ser o significante e o representante de tal relação e, por isso, é impregnado por um sentimento de emoção desperto no usuário a recordação de momentos bons e felizes por meio do toque, do cheiro e até mesmo do gosto de um produto. Sinto orgulho de minha mesa e banquinhos da sala por que são únicos e eu mesma projetei e comprei a madeira, gosto tambem de mapas e espalhei alguns pelas paredes. Lara Barbosa C&)">%*-456*" F>)4>" 65 As considerações finais deste trabalho, refaz o mesmo percurso apresentado na introdução a fim de verificarmos os possíveis encontros e objetivos concluídos. Algumas respostas à questões, que surgiram durante o processo desta pesquisa, conseguiram nos aproximar de forma satisfatória à bibliografia e autores que auxiliaram na apreensão de novos significados e valores que subsistem nos objetos contemporâneos. Frente a alguns outros questionamentos como a objetologia por exemplo, tivemos muito maior dificuldade de nos aproximarmos à discussões satisfatórias o que parece dever-se à novidade do assunto e possivelmente a ausência de publicações nesta área onde nos foi possível apenas leituras simples, pouco elaboradas e que se não ofereceunos respostas convincente despertou-nos para novos questionamentos trazendo novas perguntas que iam se estabelecendo e impondo-se no estudo e edição deste trabalho. Podemos entender que o homem, sempre foi visto como usuário de um determinado objeto, que se interessava principalmente pelo desempenho prático e funcional dos utensílios para que estes o auxiliasse na realização das mais variadas tarefas cotidianas. Tal relação homem-objeto se efetiva ao longo da história por fatores sociais e culturais promovidos e intensificados sobremaneira pela revolução industrial onde ocorre o excesso na oferta de produtos, o aumento da concorrência e o surgimento da classe assalariada ávida por consumo de produtos. Desde a Revolução industrial, mudanças como a aceleração na fabricação e o desejo de aquisição, deram, paulatinamente ao homem a autonomia na escolha de seus produtos, principalmente se considerarmos o aumento da oferta e da concorrência. Assim, as empresas buscarão não só atender como também antecipar e também criar novos tipos de necessidades e desejos de um indivíduo e de um determinado grupo. O simples usuário passou então a se destacar cada vez mais como consumidor e como público-alvo da maioria das empresas sendo considerado 66 assim como responsável por diversas adaptações, adequações e modificações no sistema de produção fabril. Suas necessidades, seus anseios, gostos e principalmente desejos tornaram-se o maior mercado exploratório das fábricas de produtos. A cultura do homem na contemporaneidade foi decisivamente atingida, modificou-se. O consumidor agora mergulhado nesse mar de ofertas a sua disposição acabou por tornar-se ávido por novos produtos, lançamentos, o que imprime ao mercado um consumo exagerado que busca incessantemente atender a novos desejos e caprichos como também investir no provocar e despertar novas necessidades até então inimagináveis consideradas então necessárias para garantir e proporcionar novos padrões de bem estar, de convivência, de relacionamento entre o sujeito e seus produtos os que falam sobre sua identidade, gostos, preferências, adesões, seu estilo de vida, sua forma de crer e pertencer à sua contemporaneidade. Neste sentido esse novo sujeito – Hiperconsumidor, assim denominado por Guilles Lipovetsky na contemporaneidade, está buscando sempre alguma coisa na esperança de saciar sua ânsia frente a curiosidade, ao desejo de incorporação de novidades ao seu universo de significação. É justamente neste sentido que aspectos emocionais são acionados e incorporados nos objetos contemporâneos para que estes possam representar algo mais significativo para um determinado indivíduo ou grupo, atendendo mesmo que momentaneamente esta lacuna de pertencimento e adesão, reconhecimento e identificação emocional do homem contemporâneo. Para acompanhar a evolução social e cultural, alguns objetos tiveram que se adequar a este novo cenário para atender ao homem em seus anseios, vontades e caprichos o que significou então uma certa incorporação de características emocionais que tocassem o homem de algum modo e justamente por isso suas funções estética, simbólica e prática estão sempre se reconfigurando dentro de um mesmo objeto de acordo com o olhar do consumidor. Neste sentido conseguimos encontrar inúmeros objetos que para uns possuem um significado extraordinariamente grandioso e para outro pode não 67 representar absolutamente nada, conseguimos entender também que alguns objetos possuem um significado estético para uma cultura e outro para outra, como é o caso dos hashis (palitos japoneses) e dos talheres. As funções estética e simbólica ganham a cena neste contemporâneo e são justamente as mesmas que devem ganhar a atenção dos designers contemporâneos que pensam em tratar a emoção nos produtos a serem criados. Simbologias que despertem nos usuários sensações que foram ou que desejam ser vivenciadas ou experenciadas em algum momento de suas vidas, que tragam recordações que podem estar refletidas e incorporadas no objeto pela forma, na cor, na textura ou mesmo na estrutura de um determinado objeto. É nela, na possibilidade de recuperação e identificação/compreensão dos processos simbólicos que as emoções e sensações serão incorporados para que possam despertar um sentimento agradável no seu usuário. Mesmo que dependam das vontades e desejos dos homens os objetos são passíveis de serem pensados no que diz respeito a sua evolução e neste sentido procuramos compreender a objetologia e todo o seu repertório evolucionista de estudo do ambiente objetual artificial e dos caminhos que os objetos percorreram até tornarem-se complexamente o que são hoje, adquirindo neste percurso, diversa características que garantiram sua adaptação ao tempo contemporâneo do homem. A aproximação com a teoria da co-evolução entre o homem e os objetos é um ponto importante para este trabalho, pois é nela que buscamos compreender que nem o homem nem o objeto consegue sobreviver sem a interação entre ambos. Tal interação, desde a revolução industrial até meados do século XX, era assegurada apenas pela função prática dos objetos que certamente possibilitavam uma certa facilidade para que o indivíduo realizasse suas tarefas cotidians, das mais simples até as mais complexas. Hoje esta função prática se torna multipla com os objetos multifuncionais de certa forma. 68 O que realmente faz sentido no contemporâneo são os significados que damos aos objetos, e por isso muitos são utilizados para outras funções práticas totalmente diferentes a qual ele foi inicialmente proposto. Neste sentido os objetos são utilizados conforme vontade e desejo de seus usuários. A função simbólica se torna responsável tambem no processo de interação entre homem e objeto, ganhando um espaço cada vez maior no projeto de criação de um produto. Além do uso ou não uso, o “interpretar”, “ler”, “assimiliar”, “perceber”, “sentir”, etc, são fatores fundamentais para se pensar um objeto e para que este coevolua junto com o consumidor. A simbologia é a maior responsável pela criação de objetos com significado afetivo relevante para o usuário, objetos hoje são compreendidos como formadores de nossas relações sociais que estão cada vez mais escassas e distantes, por isso os objetos precisam se configurar também com tais características. Devemos portanto entender os artefatos como senhores de nossos tempo, talvez agora o homem não mais seja o grande senhor da contemporaneidade, ela esteja diretamente ligada ao objeto que documenta e conta as histórias de seus desejos, carências e paixões. Entender os aspectos simbólicos que garantem a interação homem/ objeto nos coloca diante de um amplo campo de pesquisa empirico-teórico, dando chance a uma nova visõ sobre o comportamento humano e suas relações sociais e culturais a partir da interação com os objetos. 69 BIBLIOGRAFIA BAUMAN, Zygmeint. Vida para consumo. A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. ALLÉRÈS, Danielle. Luxo, estratégias e marketing. Rio de Janeiro: FGV, 2000. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2005. BARTHES, Roland. A câmara clara. Lisboa: Edições 70, 2006 BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 2000. BAUMAN, Zygmeint. Vida para consumo. A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. BAXTER, Mike. Projeto de produto: Guia prático para o Design de novos produtos. 2. Ed. São Paulo: Blücher, 1998. BOMFIM, Gustavo Amarante. 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A ponta afiada pode não apenas perfurar a carne de um inimigo, mas fatiar pedaços de comida e levá-los à boca. O cabo desta faca, há muito desaparecido, provavelmente era feito de madeira ou osso. (Petroski, 2007, p. 13). Ao longo do tempo, as facas, como qualquer outro artefato, estavam sujeitas aos caprichos de estilo e moda, em espcial no que diz respeito aos aspectos mais decorativos dos cabos. Esses exemplares ingleses datam ( da esquerda para a direita) de aproximadamente 1530, 1530, 1580, 1580, 1630 e 1633. Mostram que, sob várias formas, a extremindade funcional da faca permaneceu constante até que a introdução do garfo passasse a ser uma alternativa para espetar os alimentos. (Petroski, 2007 p. 16). 74 Os primeiros garfos de duas pontas funcionavam bem para segurar a carne a ser cortada, mas não eram úteis para juntar ervilhas e outros alimentos pequenos. A ponta arredondada e grossa da lâmina da faca evoluiu para levar comida à boca. A lâmina recurvada era um modo de minorar a contorção do pulso nesse uso específico do utensílio. Os conjuntos de talheres ingleses acima datam ( da esquerda para a direita), aproximadamente, de 1670 e 1740. (Petroski, 2007. P. 23) Com a introdução de garfos de três e quatro dentes – o último algumas vezes chamado de “colheres com fendas”- não era mais necessário, e tampouco elegante, usar a faca para juntar a comida. Assim, a lâmina recurva, com formato balboso, passou a ser fabricada em um feitio mais simples. Contudo, hábitos e costumes persistiram à mesa de refeições, e a nova faca, ineficaz para exercer a antiga função, continuou a ser usada por pessoas menos requintadas para levar comida à boca durante todo o século XIX. Da esquerda para a direita: esses conjuntos foram produzindos por volta de 1805, 1853 e 1880. (Petroski, 2007. P.24). 75 Anexos II ( máquina de costura “Familia”Singer, 1858. A primeira máquina doméstica Singer, para competir com a Wheeler & Wilson. Fonte: FORTY, 2004 p. 134) 76 ( Máquina de costura Willcox e Bibbs, 1857. A primeira máquina de costura de baixo custo para o mercado doméstico. Fonte: Forty, 2004, p. 134) ( Gravura de setembro de 1867, que ilustra a máquina de Wheeler & Wilson, sugerindo que era apropriada para o lar. Fonte: FORTY, 2004, p. 134) 77 ( Máquina de costura “Nova Família”Singer, 1858. Após o fracasso da máquina “Família”, a Singer apresentou rapidamente um novo modelo para o mercado doméstico. Fonte: FORTY, 2004, p. 135) ( Máquina de costura Esquilo, 1858. Outra tentativa, mais fantasiosa, de tornar a máquina de costura um objeto doméstico. O esquilo foi escolhido devido a sua frugalidade e prudência. Fonte: FORTY, 2004, p. 134) 78 (Máquina de costura com Querubim, 1858. No final da década de 1850, na corrida para criar máquinas de costura domésticas, surgiu no mercado grande varideade de máquinas ornamentais como essa. Fonte: FORTY, 2004, p.135)