Artigo - O Concubinato e uma perspectiva de inclusão constitucional - Por Paula
Carvalho Ferraz
1) Introdução
O Código Civil de 2002 somente definiu o termo concubinato no artigo 1727, não
disciplinando seus efeitos jurídicos. A omissão do Código Civil, no entanto, não
significa inexistência das relações concubinárias, tornando-se imprescindível o
conhecimento do tema em suas especificidades para lidar com os problemas
levados ao Judiciário em razão do fim desses relacionamentos.
1.1) Antigo concubinato puro e impuro
Era comum a distinção doutrinariamente estabelecida entre concubinato puro e
impuro. O concubinato puro se referia àquelas pessoas que não casavam por
opção, visto não possuir nenhum impedimento legal.
Já o concubinato impuro referia-se às relações entre um homem e uma mulher, que
se estabeleciam contrariamente às condições impostas ao casamento, ou seja,
materializadas nos impedimentos matrimoniais.
O concubinato impuro pode ser do tipo incestuoso quando ocorrerem impedimentos
devido ao parentesco, compreendendo as hipóteses previstas no artigo 1521,
incisos I ao V do CC. Além dessas hipóteses, existe a do inciso VII, ou seja, na
"relação entre o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa
de homicídio contra o seu consorte", que é chamado por alguns doutrinadores de
concubinato "sancionador". Esse impedimento, conforme explicita Anderson Lopes
Gomes, se funda na idéia de que o cônjuge sobrevivente deveria sentir aversão ao
assassino de seu consorte, se não sente é porque estava conivente com o crime,
portanto, é merecedor de punição. [1]
Por fim, o concubinato impuro abrange a hipótese do concubinato adulterino que
ocorre quando a pessoa é casada, mas estabelece assim mesmo relação com uma
terceira pessoa.
1.2) União estável e concubinato
Essas definições doutrinárias perderam o sentido com o advento da Constituição
Federal de 1988 e principalmente com o Código Civil de 2002, já que o legislador
fez questão de estabelecer a diferença entre os termos união estável e concubinato,
evitando confusões.
A união estável foi reconhecida como entidade familiar acompanhando a evolução
trazida pela Constituição Federal de 1988, sendo disciplinada nos artigos 1723 a
1726 do CC/02 e o concubinato foi definido somente no artigo 1727 do CC/02,
referindo-se às relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de
casar.
Importante esclarecer que o conceito exposto no artigo 1727 do CC, merece
reparo, por existirem os separados de fato ou judicialmente, impedidos de casar,
podendo, no entanto, constituir nova família, sendo essa considerada união estável
e não concubinato conforme se depreende da análise do artigo 1723, parágrafo 1º,
do mesmo diploma legal.
O surgimento da nomenclatura união estável e essa clara distinção deve-se ao fato
da carga pejorativa que envolve a palavra concubinato, referindo-se às relações
que ocorrem concomitantemente ao casamento e ligando-se o nome concubina à
prostituta e à amante. Assim, a intenção do legislador foi evitar o preconceito em
relação à união estável, tendo em vista o seu reconhecimento pelo nosso
ordenamento jurídico.
Maria Berenice Dias, enfrentando o assunto, designa as relações concubinárias de
famílias paralelas com o intuito de retirar a carga pejorativa da palavra concubinato
e conseqüentemente o preconceito da sociedade. Assim como outros autores
utilizam os termos famílias simultâneas, uniões dúplices ou múltiplas. [2]
O termo concubinato, portanto, ficou restrito ao antigo concubinato impuro,
principalmente a união adulterina, ou seja, aquela que ocorre concomitantemente
ao casamento. E enquanto a união estável ganhou amplo espaço no ordenamento
jurídico, tendo seus direitos reconhecidos, ao concubinato ainda é negado qualquer
tipo de efeito jurídico por boa parte da doutrina e jurisprudência, existindo muitos
autores que silenciam diante do tema.
A doutrina inclui no conceito de concubinato a relação que existe
simultaneamente a uma união estável anteriormente estabelecida. Conforme
Rodrigo da Cunha Pereira, fidelidade é uma espécie do gênero lealdade, impondose aos companheiros em atendimento ao princípio jurídico da monogamia. [3] Além
disso, o STJ não admite duas relações de união estável simultâneas, daí depreendese esse raciocínio. [4]
1.3) Subdivisão entre concubinato de boa-fé e má-fé
Dentro do conceito de concubinato estabelecido pelo CC/02 podemos encontrar
uma subdivisão doutrinária, entre concubinato de boa-fé e de má-fé. O concubinato
de boa-fé é a chamada união estável putativa e ocorre quando uma das partes,
geralmente a mulher, ignora o outro relacionamento de seu parceiro, acreditando
que está vivendo um relacionamento único, sem perceber que na verdade está
vivendo uma união paralela.
A união estável putativa pode ocorrer concomitantemente a um casamento ou a
uma união estável anterior e tem como elemento indispensável à boa-fé da
companheira. A relação deve conter todos os requisitos necessários da união
estável, tais como, publicidade, estabilidade, continuidade e ânimo de constituir
família, para que assim sejam reconhecidos seus efeitos jurídicos. Algumas
decisões reconhecem todos os direitos de uma união estável ao relacionamento,
fazendo analogia com o casamento putativo.
Já o concubinato de má-fé, aquele em que a concubina tem ciência da outra relação
anteriormente estabelecida por seu parceiro, é mais difícil de ser reconhecido,
sendo, muitas vezes, deixado à margem do Direito de Família. Grande parte da
doutrina e jurisprudência alega que não pode ser reconhecido nenhum direito à
relação sob pena de infringir o princípio da monogamia.
Segundo Maria Berenice Dias, para ser amparada pelo direito a concubina precisa
valer-se de uma inverdade, pois, se confessa, desconfiar ou saber da traição,
recebe um solene: bem feito. Assim, são freqüentes as mentiras levadas ao
Judiciário. [5]
2) Análise jurisprudencial
Como dito anteriormente, o Código Civil brasileiro apenas definiu o termo
concubinato em um único artigo, não estabelecendo seus efeitos jurídicos, assim,
verificam-se as mais variadas decisões em nossos Tribunais. Diante das lacunas
deixadas pelo legislador, cabe aos profissionais buscarem interpretações em nosso
ordenamento jurídico que solucionem os casos concretos apresentados,
proporcionando justiça, visto que não há como fugir de uma realidade que se
impõe.
2.1) Sociedade de fato
A maior parte das decisões de nossos Tribunais costuma seguir orientação do STJ
tratando o concubinato adulterino como sociedade de fato, ou seja, incluído no
Direito das Obrigações, aplicando assim, a Súmula 380 do STF: "comprovada a
existência de sociedade de fato entre concubinos, é cabível a sua dissolução
judicial, com partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum."
A súmula era utilizada para tratar as relações hoje denominadas união estável, isto
é, tratava o termo "concubinato" em sentido amplo. Atualmente não é mais
utilizada em relação à união estável, visto seu reconhecimento como entidade
familiar.
O reconhecimento de uma sociedade de fato é a forma encontrada para impedir
que haja violação ao princípio geral de direito que veda o enriquecimento ilícito, o
que ocorreria caso não fosse levada em conta à contribuição material e financeira
da concubina durante o relacionamento.
Importante destacar que o STJ já se posicionou no sentido de que a contribuição da
companheira não precisa ser direta, através de auxílio financeiro, podendo ser
também indireta, compreendendo a direção educacional dos filhos, trabalhos
domésticos ou serviços materiais de outra ordem e até mesmo a ajuda em termos
de afeto, estímulo e amparo psicológico. [6]
A Súmula 380 foi construída pela doutrina e jurisprudência durante a vigência da
Constituição de 1946, com o intuito de conferir proteção patrimonial às mulheres
abandonadas pelos seus companheiros após anos de convivência afetiva, já que a
referida Constituição só protegia as famílias constituídas pelo casamento.
Na opinião do jurista Paulo Luiz Netto Lôbo, o avanço diante da exclusão
constitucional, transformou-se em atraso após a Constituição de 1988, tendo em
vista o grande defeito da Súmula que é tratar as relações afetivas como relações
exclusivamente patrimoniais não regidas pelo Direito de Família. [7]
2.2) Indenização por serviços domésticos prestados
Caso não exista patrimônio a ser partilhado ou não consiga provar sua contribuição,
a solução encontrada é pedir indenização por serviços domésticos prestados,
orientação também seguida pela jurisprudência do STJ, porém só utilizada em
último caso. [8]
Apesar de ser a única solução encontrada em muitos casos, é evidente que esse
tipo de indenização trata-se de um recurso vexatório que atenta contra o princípio
da dignidade da pessoa humana.
A indenização por serviços domésticos prestados era requerida na união estável
antes de surgirem as Leis 8.971/94 e 9.278/96 e o Código Civil de 2002, regulando
o assunto e concedendo alimentos à companheira.
Rodrigo da Cunha Pereira afirma: "falar em indenização por serviços prestados
seria o mesmo que admitir cobrar por serviços de natureza amorosa e sexual,
inadmissível para o Direito." E ainda, que essa sempre foi uma forma "camuflada"
de reivindicar e conceder alimentos para quem dele realmente necessita. [9]
O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao concubinato. Trata-se de uma relação
amorosa baseada no afeto e não no patrimônio, dessa forma, a indenização por
serviços domésticos prestados é uma forma de camuflar o direito a alimentos, visto
existir todo um preconceito em torno dessas relações que impede que as
concubinas sejam tratadas com dignidade. O concubinato está percorrendo
juridicamente o mesmo caminho percorrido pela união estável, antes cercada pelos
mesmos julgamentos de ordem moral.
2.3) Decisões inovadoras
Apesar de a jurisprudência apresentar-se em sua maioria conservadora no que diz
respeito à concessão de direitos à concubina, podemos observar algumas decisões
inovadoras nesse sentido.
O STJ já reconheceu a possibilidade de divisão da pensão previdenciária entre a
viúva e a concubina no julgamento do Recurso Especial 742685/RJ. [10] No
entanto, o entendimento não tem aplicação uniforme em nossa jurisprudência,
inclusive no próprio STJ. [11]
Há ainda uma decisão do referido Tribunal determinando o fracionamento do
benefício do seguro de vida, por igual entre a viúva e concubina. [12] No caso
concreto, foi demonstrada a situação peculiar de coexistência duradoura do de
cujus com duas famílias e prole advinda de ambas as relações. Além disso, houve
indicação da concubina como beneficiária do seguro, assim sendo, ficou decidido
que não obstante a regra protetora da família impedir a concubina de ser instituída
como beneficiária, a situação peculiar demanda solução isonômica, atendendo-se a
melhor aplicação do direito.
Algumas decisões equiparam o concubinato à união estável levando em conta os
princípios constitucionais, no entanto, ainda são poucas e recentes na
jurisprudência. Foi com base no princípio da dignidade da pessoa humana que o
TJRS concedeu alimentos à concubina, após demonstração de dependência
financeira. [13]
Destaca-se o voto da relatora Desembargadora Catarina Rita Krieger levando em
consideração princípios constitucionais como o princípio da razoabilidade e
afirmando: "Não se está com isso querendo premiar toda e qualquer relação
adulterina, mas sim, diante do caso concreto, avaliar se a relação concubinária não
pode ser considerada como um novo núcleo familiar, recebendo, por conseguinte,
tratamento equiparado à união estável. O substrato legislativo infraconstitucional
que condena a poligamia pode sim ser afastado por princípios constitucionais".
Importante citar outra decisão proferida pelo TJRS reconhecendo união dúplice, ou
seja, o vínculo conjugal concomitantemente ao casamento, que no caso em análise,
diante das características foi equiparado à união estável. Conforme exposto no
acórdão, a meação transforma-se em "triação", isto é, os bens adquiridos durante a
união dúplice pelo esforço comum da esposa e da companheira devem ser
repartidos de forma igualitária entre os três. [14]
2.4) Pensão - decisão do STF
Em relação à pensão previdenciária, merece destaque decisão recente do STF
afirmando que a concubina não tem direito a dividir pensão previdenciária com a
esposa. O entendimento foi proferido pela 1ª Turma do STF no dia 03 de junho de
2008, ao dar provimento ao recurso extraordinário 397762/BA interposto pelo
Estado da Bahia. [15]
Em seu voto, o Ministro relator Marco Aurélio afirma que o concubinato não
merece proteção do Estado por conflitar com o direito posto. Segundo o Ministro, a
relação não se iguala à união estável que é reconhecida constitucionalmente e
apenas gera, quando muito, a denominada sociedade de fato. Em sua opinião, a
Constituição Federal não protege o concubinato.
Os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Cármen Lúcia Antunes Rocha e
Ricardo Lewandowski acompanharam o voto do relator. Merece destaque o voto do
Ministro Lewandowski afirmando que a palavra concubinato, do latim concubere
significa "compartilhar o leito", já a união estável significa "compartilhar a vida.",
ratificando o que foi dito no início do presente artigo quanto à carga preconceituosa
que envolve o significado do termo concubinato, que acaba refletindo em seu
tratamento.
O Ministro Carlos Ayres Britto apresentou voto divergente, concluindo pela
possibilidade do rateio da pensão previdenciária em função das peculiaridades do
caso concreto. O Ministro afirma que as duas mulheres tiveram a mesma perda e
estariam sofrendo as mesmas conseqüências sentimentais e financeiras. Além
disso, segundo ele, o que importa para a C F/88 é a formação em si de um novo e
duradouro núcleo doméstico, já que trata a família de modo protetivo. O Ministro
enfatiza o direito à liberdade amorosa e o princípio da dignidade da pessoa humana
implicando um traço conceitual mais dilatado para a figura de família.
Importante destacar que no caso em análise, o falecido viveu com a concubina por
37 anos e teve nove filhos, no entanto, a solução encontrada privilegiou a relação
matrimonial em detrimento da outra relação, ignorando todas as suas
particularidades. Foram deixados de lado os princípios da solidariedade, afetividade,
igualdade e, sobretudo, o princípio da dignidade humana que se encontra no ápice
do ordenamento jurídico, representando um verdadeiro retrocesso.
3) Novo conceito de família
A família atual não se resume àquela tradicional, representada por um homem e
mulher unidos pelo casamento e com filhos oriundos desse relacionamento, ela não
se condiciona mais a esse modelo.
A família assumiu uma concepção ampla. Atualmente, são reconhecidas outras
formas de se estabelecer uma entidade familiar, os filhos convivem
simultaneamente em duas ou mais famílias, devido ao fim da união de seus pais e
os laços de afetividade em certos casos sobrepõem os laços sanguíneos.
As relações são de igualdade e respeito mútuo. Não existem mais razões que
justifiquem a excessiva ingerência do Estado na vida das pessoas, é preciso
proteger e regular sem excessos.
Na verdade, ainda estamos passando por um período de adaptação em relação às
transformações ocorridas no Direito de Família. Isso é facilmente observado na
doutrina e jurisprudência, onde alguns utilizam os novos conceitos e princípios,
enfrentando as questões relativas ao novo modelo familiar, enquanto outros negam
as mudanças ocorridas, utilizando justificativas que já se encontram obsoletas
diante da nova realidade jurídica e social.
3.1) Família plural
A Constituição Federal, em seu artigo 226, expressamente contemplou como
entidade familiar a união estável e a comunidade monoparental, isto é, a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, além da família
constituída pelo casamento. Surgiu assim, o princípio do pluralismo das entidades
familiares que significa o reconhecimento pelo Estado da existência de várias
possibilidades de arranjos familiares.
Alguns autores afirmam que as entidades familiares ali expressas são meramente
exemplificativas, por serem as mais comuns, entre eles, podemos citar Carlos
Eduardo Pianovski Ruzyk e Maria Berenice Dias. Apesar de a doutrina majoritária
ainda interpretar o artigo 226 como sendo numerus clasus, ou seja, tutelando
apenas os três tipos de entidades expressas.
Seguindo a primeira corrente, Paulo Luiz Netto Lôbo analisa o princípio da
pluralidade familiar em sua profundidade, afirmando que a exclusão de certos tipos
familiares não está na Constituição, mas sim na interpretação que lhe é dada. [16]
O referido autor fundamenta o entendimento de que as entidades familiares
expressas na Constituição Federal são meramente exemplificativas através de três
preceitos constitucionais. Entre eles, o artigo 226, caput, que não estabelece
qualquer limite ao conceito de família, protegendo qualquer constituição
familiar.[17]
O autor cita ainda o artigo 226, parágrafo 4º, possuindo o termo "também" sentido
de inclusão e o parágrafo 8º, valorizando a realização pessoal de cada membro da
família e não a família institucionalizada como no passado. [18]
Assim, a interpretação da Constituição Federal no seu conjunto de artigos mostra a
tendência de inclusão e respeito às diferentes formas de constituição familiar.
3.2) Família Eudemonista
Ressalta-se a tendência de se valorizar o indivíduo, ou seja, os componentes que
integram a família em detrimento do grupamento familiar em si trazida pela CF/88.
Esse entendimento encontra respaldo no citado artigo 226, parágrafo 8º, da
Constituição Federal.
Foi consagrado assim, o princípio eudemonista, segundo o francês Andrée Michel.
[19] Nessa concepção o indivíduo não pensa que existe para a família e o
casamento, mas que a família e o casamento existem para seu desenvolvimento
pessoal.
A mudança de paradigma se deve à ampliação do conceito de entidade familiar, não
se restringindo somente àquelas formadas pelo casamento, não há mais a proteção
da instituição em si. A família adquiriu função instrumental para melhor realização
dos interesses afetivos de seus componentes, conforme leciona Guilherme Calmon
Nogueira da Gama. [20]
Dessa forma, o indivíduo tem liberdade para escolher o arranjo familiar que melhor
atenda a sua realização pessoal, já que sua dignidade é o valor principal e não a
instituição escolhida em si, essa é apenas um meio para sua realização.
Deve-se interpretar o princípio eudemonista em conjunto com o princípio da
solidariedade, que traz em si um sentido ético de respeito ao outro e não como um
princípio baseado no egoísmo. Não se trata da busca hedonista pelo prazer
individual, que transforma o outro em instrumento de satisfação e sim da proteção
da dignidade de cada um dos componentes e de todos em conjunto.
3.3) Ampliação do conceito de entidade familiar
No conceito pluralista de família do artigo 226 estariam implicitamente incluídas as
relações concubinárias e ainda, as uniões homossexuais, a união de parentes e
pessoas que convivem em interdependência afetiva sem pai ou mãe que o chefie,
como exemplo, irmãos que vivem juntos, entre outros, desde que apresentem os
requisitos de afetividade, ostensibilidade e estabilidade conforme preceitua Paulo
Luiz Netto Lôbo. [21]
Acompanhando a tendência de inclusão, podemos citar a Lei Maria da Penha, Lei
11.340 de 2006. Seu artigo 5º, inciso III, identifica família para proteção legal
como qualquer relação íntima de afeto.
O STJ também sustentou a tese de inclusão contida no artigo 226 da Constituição
federal em dois importantes julgados. Em um dos julgamentos, incluiu as pessoas
solteiras no conceito de entidade familiar da Lei 8.009/1990 devendo o manto da
impenhorabilidade proteger os bens móveis guarnecedores de sua residência. [23]
O fundamento do julgado para ampliar o conceito do artigo 226, parágrafo 4º, foi a
leitura da expressão "também" como inclusiva. Em outro julgado, o STJ fez
interpretação semelhante, incluindo irmãos solteiros que vivem em imóvel comum
no conceito de entidade familiar. [24]
Não é justo reconhecer o princípio do pluralismo constitucional, ampliando o
conceito de entidade familiar desde que preenchidos certos requisitos para uns e
negar para outros baseado apenas em um juízo moral de valoração, visto que
infringiria o princípio da igualdade. Na maioria dos casos concretos levados ao
Judiciário, as relações concubinárias preenchem os requisitos da afetividade,
estabilidade e ostensibilidade, merecendo, portanto, proteção jurídica como
entidade familiar.
3.4) Natureza Jurídica
Como dito anteriormente, o concubinato possui natureza jurídica de entidade
familiar, desde que preencha os requisitos da afetividade, ostensibilidade e
estabilidade, observados no caso concreto.
Dentro do conceito de entidade familiar, alguns doutrinadores e até mesmo
decisões recentes o equipararam à união estável, caso preenchidos os requisitos
expostos no artigo 1º da Lei 9.278/1996 e artigo 1723 do Código Civil de 2002, ou
seja, convivência duradoura, pública e contínua estabelecida com objetivo de
constituição de família.
Nesse sentido, Maria Berenice Dias afirma: "Agora, para a configuração da união
estável, basta identificar os pressupostos da lei, entre os quais não se encontra
nem o direito à exclusividade nem o dever de fidelidade. Assim, imperioso que se
cumpra à lei, que se reconheça a união estável quando presentes os requisitos
legais a sua identificação, ainda que se constate a existência de relacionamentos
concomitantes." [25]
No entanto, essa equiparação ignora o dever de lealdade existente na união
estável. Observando o artigo 1726 do Código Civil e artigo 226, parágrafo 3º, da
Constituição Federal, ambos falam a respeito da possibilidade de conversão da
união estável em casamento, assim, não seria possível a conversão se existisse
qualquer impedimento. Além disso, o artigo 1724 do Código Civil fala do dever de
lealdade que seria um gênero da espécie fidelidade, segundo parte da doutrina. E
ainda existe o artigo 1723, parágrafo 1º, que diz que a união estável não se
constituirá no caso dos impedimentos do artigo 1521 do CC/02.
Assim, a união estável e concubinato não podem ser equiparados, são institutos
diferentes cada um com suas particularidades, merecendo tratamento diferente e
adequado às suas características, tendo sido, inclusive, diferenciados no CC/02.
Mais adequado o entendimento do jurista Paulo Luiz Netto Lôbo ao afirmar que
cada entidade familiar submete-se a estatuto jurídico próprio, em virtude de sua
constituição e efeitos específicos, não estando assim equiparada ou condicionada
aos requisitos da outra. [26] Ainda, segundo o autor, quando a legislação
infraconstitucional não cuida de determinada entidade, ela é regida pelos princípios
e regras gerais do direito de família aplicáveis e pela contemplação de suas
especificidades.
Deve-se aplicar às relações de concubinato todos os efeitos próprios da família, ou
seja, todos os princípios e normas próprios da convivência familiar, vinculada à
solidariedade de seus componentes e as demais normas que se aplicam
especificamente em função de alguma característica de outra entidade familiar não
poderão ser aplicadas.
4) Argumentos contrários
Nesse ponto, serão expostos os principais argumentos utilizados pela doutrina e
jurisprudência para negar efeitos jurídicos ao concubinato e os motivos pelos quais
esses se encontram enfraquecidos diante do atual ordenamento jurídico e realidade
social.
4.1) Princípio da Monogamia
Conforme assevera Rodrigo da Cunha Pereira, seria um paradoxo para o Direito
proteger duas relações concomitantemente, visto que destruiria toda a lógica do
nosso ordenamento jurídico, que gira em torno do princípio da monogamia que se
trata de um princípio jurídico ordenador. [27] Esse é o principal argumento
utilizado por aqueles que negam qualquer efeito jurídico às relações concubinárias.
O princípio não está expresso na Constituição Federal nem mesmo em nossa
legislação ordinária, porém essa apresenta vários artigos que demonstram a
exigência da monogamia, como exemplo, o artigo 235 do Código Penal que
condena a bigamia e os artigos 550; 1521, VI; 1548, II; 1572; 1573, I; 1723,
parágrafo 1º e 1727, todos do Código Civil. Além disso, dizem os estudiosos que a
observação do princípio advém da interpretação sistemática das normas
constitucionais.
Importante frisar que o princípio da monogamia aqui é interpretado no sentido da
proibição da proteção de duas relações concomitantemente, uma amparada pelo
Direito de Família e outra não, ou seja, não diz respeito somente ao
estabelecimento de duas relações matrimoniais. O que se enfatiza é que uma das
relações não poderia ser reconhecida pelo ordenamento jurídico em função da
existência da relação anterior.
Não se pode negar que a monogamia é elemento estrutural das relações no mundo
ocidental. O fator relevante para o surgimento da monogamia foi de ordem
econômica. No estudo da história, observa-se que nas sociedades antigas o sistema
monogâmico era o mais favorável, visto que permitia a segurança na transmissão
da herança e a certeza da paternidade.
Alguns doutrinadores afirmam que o modelo monogâmico ainda é o que melhor
atende às aspirações da sociedade contemporânea, sendo responsável pela
existência digna ao garantir um mínimo de estabilidade nas relações.
4.1.1) Monogamia restrita à mulher
Friedrich Engels afirma que a monogamia estrutural da família ocidental desde
períodos remotos trata-se de uma monogamia para a mulher, uma vez que para o
homem a poligamia continua a ser aceita, permanecendo viva até hoje. [28]
Com o mesmo entendimento, Carlos Eduardo Pianoviski Ruzyk diz que a
monogamia se coloca historicamente endógena para o homem e endógena e
exógena para a mulher. O autor afirma: "A monogamia endógena consiste na
existência de uma única relação de conjugalidade no interior de uma mesma
estrutura familiar. Ela não exclui a possibilidade de conjugalidades múltiplas, desde
que exteriores à estrutura monogâmica constituída. Difere, pois, de uma
monogamia também exógena, que implica a vedação absoluta do relacionamento
sexual com outros indivíduos que não aquele com o qual se constitui a
conjugalidade". [29]
Como todos sabem as relações extraconjugais não são exclusivas dos homens. O
que se discute é que enquanto as relações masculinas são toleradas e algumas
vezes, até incentivadas, a situação da mulher é bem diferente, sofrendo violenta
repressão social.
Isso demonstra que o princípio da monogamia não tem caráter absoluto, já que a
sociedade acaba relativizando-o em relação aos homens. O peso diferente em
relação aos homens e mulheres está ligado à cultura da sociedade que apresenta
muitos vestígios do modelo patriarcal, no qual o homem exercia poder absoluto.
4.1.2) Crise no sistema monogâmico
Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho anuncia uma crise patente no sistema
monogâmico brasileiro. Ele acredita que a legislação vem acentuando a crise no
âmbito constitucional e infraconstitucional, através do reconhecimento expresso de
outras entidades familiares, dentro de uma perspectiva pluralista; da possibilidade
da dissolução do vínculo do casamento, com o divórcio e do reconhecimento dos
filhos havidos fora do casamento, mostrando que a situação do casamento
exclusivo, monogâmico e indissolúvel, com filhos havidos na relação de
conjugalidade, mesmo no contexto jurídico, vem decrescendo. Além disso, o autor
destaca a nítida preferência pelas uniões livres e o surgimento de outros arranjos
familiares menos usuais. [30]
Outra forma de fragilização da monogamia ocorreu com o advento da Lei n.º
11.106/2005, abolindo do Código Penal a figura do adultério que não é mais
considerado crime. A lei surgiu acompanhando a tendência da doutrina e
jurisprudência no sentido da descriminalização, pois não cabe ao Estado meter-se
na esfera íntima dos cônjuges. Isso demonstra um menor grau de reprovação pela
sociedade brasileira em relação à conduta adulterina.
O adultério ainda está expresso no Código Civil em seu artigo 1573, inciso I, como
motivo para pedido de separação judicial. No entanto, existe a tese de que não
existe mais separação judicial com culpa, aceita por doutrinadores como Luiz Edson
Fachin, Maria Berenice Dias e Rodrigo Pereira da Cunha. [31]
Eles argumentam que a discussão da culpa é inútil, pois sua prova não produz
nenhum efeito jurídico relevante na divisão patrimonial, guarda dos filhos e
alimentos. Ademais, o sistema é contraditório porque na separação judicial admitese discussão de culpa, já no divórcio que é um pedido maior não se admite culpa e
por fim, a discussão da culpa viola o princípio da dignidade da pessoa humana. [32]
Rodrigo da Cunha Pereira, não obstante seu posicionamento citado anteriormente,
consegue vislumbrar uma relativização do princípio da monogamia. O autor diz que
é possível ferir o princípio para fazer justiça, recorrendo a um valor maior que é o
da prevalência da ética sobre a moral. [33]
Conclui dizendo: "Se o fim dos princípios jurídicos é ajudar a atingir um bem maior,
ou seja, a justiça, esse paradoxo do concubinato adulterino deve ser resolvido,
então, em cada julgamento, e cada julgador aplicando outros princípios e a
subjetividade que cada caso pode conter é quem deverá aplicar a justiça, dentro de
seu poder de discricionaridade. Assim, estaremos preservando o princípio jurídico
da monogamia, eixo gravitacional sob o qual todo o Direito de Família está
estruturado". [34]
Por fim, os institutos do casamento e união estável putativos, essa explicitada no
início do presente artigo, também ferem a lógica do sistema monogâmico, tendo
em vista o reconhecimento de efeitos jurídicos a duas relações concomitantemente,
independente das razões.
4.1.3) Ponderação de princípios
Considerando o princípio da monogamia como princípio constitucional, conforme
alguns doutrinadores, não se podem negar direitos à concubina baseado apenas
nesse argumento, tendo em vista além de sua relativização, a existência de outros
princípios aplicados às relações concubinárias. Importante lembrar, que no caso de
conflito entre princípios, deve-se utilizar a técnica da ponderação que está
associada ao balanceamento de interesses, bens, valores ou normas.
Dessa forma, deve-se ponderar o princípio da monogamia de um lado e o princípio
da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da afetividade, da igualdade e
liberdade de outro e analisar se no caso concreto, o princípio da monogamia seria
capaz de prevalecer, ignorando os demais.
4.2) Argumentos de ordem moral
Acredita-se que a inclusão do concubinato no conceito de entidade familiar
produzindo efeitos jurídicos destruiria a lógica do sistema monogâmico e acabaria
gerando grande instabilidade nas relações familiares, incentivando a proliferação
das relações concubinárias. Esse era o mesmo argumento anteriormente utilizado
para não permitir efeitos jurídicos à união estável.
No entanto, já foi demonstrado que mesmo havendo a exclusão do concubinato do
nosso ordenamento jurídico devido ao princípio da monogamia, as relações não
deixam de existir e conforme dados sociais e históricos, em grande quantidade. O
que ocorre é que devido a inúmeros preconceitos, a única que sofre as
conseqüências da exclusão jurídica é a mulher. O homem que também foi infiel, ou
seja, infringiu o princípio da monogamia permanece ileso.
Conforme leciona Maria Berenice Dias, o indivíduo forma um núcleo familiar
fundado no afeto, na maioria das vezes com vasta prole, mantendo o
relacionamento de maneira estável e pública, existindo, inclusive, uma dependência
econômica da concubina. E um dia, se ele, por qualquer motivo, resolve abandonar
aquela família, não lhe prestando nenhuma espécie de assistência ou manutenção,
recebe a chancela jurídica para cometer tal abuso. [35]
Ao contrário do que pregam, se forem reconhecidos direitos ao concubinato, não
haverá estímulo, mas sim mais responsabilidade na formação de famílias paralelas.
Isso poderia coibir muitos homens, já que pensariam em uma futura divisão
patrimonial com a concubina.
Além disso, a família original que muitas vezes, sabe da relação concomitante, mas
finge não saber, passaria a não aceitar tal situação. Não é tão simples assim
manter duas famílias estáveis ao mesmo tempo, dando publicidade, tendo convívio
intenso e dando suporte financeiro para ambas sem que o relacionamento seja
descoberto.
O que ocorre é que por conveniência ou qualquer outro motivo pessoal, a esposa ou
companheira da família original ignora o fato, até mesmo por ter ciência que a
família paralela não possui os mesmos direitos da original.
4.3) Código Civil é omisso quanto ao concubinato.
O Código Civil atual entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, seu projeto original
data de 1975, ou seja, tramitou pelo Congresso antes mesmo de ser promulgada a
atual Constituição. Assim sendo, teve que sofrer diversas emendas para vigorar no
novo sistema jurídico. O Código também foi responsável por importantes
modificações no Direito de Família, eliminou as expressões preconceituosas,
disciplinou o instituto da união estável, incorporou orientações pacificadas pela
jurisprudência, como exemplo, não mais determinar a exclusão compulsória do
sobrenome do marido do nome da mulher, além de conceder direito a alimentos
mesmo ao cônjuge culpado pela separação.
No entanto, a lei sofre inúmeras críticas por parte da doutrina, em função da não
incorporação de algumas inovações constitucionais, como a localização topográfica
e as poucas disposições acerca da união estável, o que dá a impressão de estar em
posição hierarquicamente inferior ao instituto do casamento. Além de não
disciplinar as demais entidades familiares, deixando, portanto, de observar o
princípio do pluralismo familiar.
Assim, torna-se imprescindível a interpretação do Código em face dos princípios
constitucionais, visto que esse não pode mais sustentar uma pretensão de
completude. A Constituição é o fundamento de todo o ordenamento jurídico. Não
existe a possibilidade de separar Código Civil e Constituição Federal como se
fossem duas legislações autônomas.
Como ensina Gustavo Tepedino, cabe ao intérprete e não ao legislador a tarefa de
integração do sistema jurídico e essa tarefa há de ser realizada em consonância
com a legalidade constitucional. É a chamada "eficácia horizontal dos direitos
fundamentais" envolvendo a aplicação das normas constitucionais às relações
privadas, onde se contrapõem a autonomia da vontade e a efetivação dos direitos
fundamentais. [36]
Ainda segundo o autor, as normas constitucionais não sufocam a vida privada e
suas relações civis, ao contrário, dão maior eficácia aos institutos codificados,
revitalizando-os, mediante nova tábua axiológica. [37]
Além disso, é evidente que a realidade social é dinâmica e que por mais que o
legislador se esforce não consegue prever todas as situações que exigem tutela
jurídica, devendo o intérprete recorrer aos princípios.
Diante da omissão do legislador, as lacunas devem ser preenchidas pelo juiz, que
não pode negar proteção jurídica nem deixar de assegurar direitos sob a alegação
de ausência de lei. É o que se chama de non liqued, previsto no artigo 4º da LICC e
126 do CPC. A ausência de lei não quer dizer ausência de direito ou proibição, nem
impede que se extraiam efeitos jurídicos de determinada situação fática.
Ante todo o exposto, o argumento de que o Código Civil não atribuiu efeitos
jurídicos ao concubinato utilizado por grande parte da doutrina e jurisprudência
para negar direitos à concubina encontra-se ultrapassado. Diante da omissão do
legislador em tratar as relações concubinárias, deve-se recorrer aos princípios
constitucionais. Importante frisar que houve uma omissão e não proibição no que
diz respeito ao concubinato. Valer-se somente do Código para analisar as relações
concubinárias acaba gerando inúmeras injustiças devido à falha na forma de
interpretação.
4.4) Artigos do Código Civil proíbem o concubinato.
Alguns juristas afirmam que o Código Civil de 2002 não é omisso em relação ao
concubinato, mas sim proíbe expressamente a relação. Os que fazem essa
afirmação se reportam ao artigo 550 do CC que impede a doação do cônjuge
adúltero ao seu cúmplice, podendo essa ser anulada pelo outro cônjuge ou por seus
herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.
Há também o artigo 1642, inciso V, autorizando o cônjuge, qualquer que seja o
regime de bens, a reivindicar os bens doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao
concubino, desde que provado que eles não foram adquiridos pelo esforço comum
deles, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos e por fim, o artigo
1801, inciso III do CC, estabelecendo que não podem ser nomeados herdeiros nem
legatários o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver
separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos.
Segundo Anderson Lopes Gomes, os dispositivos acima citados devem ser
repensados ou reinterpretados de acordo com o princípio da pluralidade familiar e
da dignidade da pessoa humana sob pena de incorrermos em inconstitucionalidade.
Segundo o autor, se as doações não ferirem plenamente a dignidade do cônjuge ou
companheiro do doador, não há razão para impedi-las, pois acabaria infringindo a
dignidade do concubino. Cita ainda, exemplos de cônjuges que detêm grande
patrimônio, de forma que a doação por um cônjuge de um bem ao concubino não
representaria perda considerável para o outro cônjuge. [38]
Na opinião do doutrinador José Francisco Basílio de Oliveira, a regra do artigo 1801
do CC/02, encontra-se derrogada pelo novo ordenamento jurídico constitucional. O
autor afirma que a entidade familiar instituída pelo artigo 226, parágrafo 3º, da CF,
não está restrita à união estável, assim o concubinato adulterino, desde que
revestido dos requisitos que caracterizam a união estável, merece proteção do
Estado. E por fim, que a vedação da lei civil somente deve remanescer para os
casos de mancebia do homem casado, ou ligações para fins sexuais. [39]
Na realidade, os referidos dispositivos do Código Civil não se encontram
derrogados, são regras que protegem o patrimônio familiar e merecem permanecer
no Código sob pena de dar margem a fraudes e dessa forma sim, violarem o
princípio da dignidade humana. Caso não existissem, poderia haver doação à
concubina ou até mesmo sua nomeação como herdeira, sem se observar se a
relação possui os requisitos para ser caracterizada como entidade familiar, ferindo
assim os direitos da família original. Em nenhum momento os referidos artigos
negam efeitos jurídicos ao concubinato enquanto entidade familiar.
5) Conclusão
Os efeitos jurídicos das relações concubinárias devem ser reconhecidos
expressamente, visto serem relacionamentos presentes em nossa realidade social.
Seus componentes não podem depender de decisões que se baseiam em
argumentos de ordem moral, não observando os princípios constitucionais e o
ordenamento jurídico como um todo, o que acaba gerando injustiças e tratamentos
desiguais.
O artigo 226 da CF ampliou o conceito de entidade familiar, assim, todas as
entidades que apresentam como característica a afetividade, ostensibilidade e
estabilidade devem ser reconhecidas, merecendo proteção jurídica, incluídas aí as
relações concubinárias.
Não podemos esquecer que diante da omissão do Código Civil em disciplinar o
concubinato, devemos recorrer à Constituição Federal e seus princípios. Não há
dúvidas que princípios constitucionais, tais como, o princípio da solidariedade, da
afetividade, da igualdade e liberdade, principalmente o princípio da dignidade
humana regem esses relacionamentos.
O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser observado, por estar no ápice
do nosso ordenamento jurídico. É claro que esse princípio, como os demais,
comporta restrições, mas elas não podem ultrapassar o limite intangível imposto
pela dignidade humana, ou seja, não podem atingir o seu núcleo que é
representado pelo mínimo existencial.
Assim, se a concubina dependeu financeiramente de seu parceiro durante anos, de
certa forma, a esposa já dividia recursos financeiros com a mesma, portanto, negar
qualquer efeito jurídico à relação, acabaria atingindo o mínimo existencial da
concubina. Muitas acabariam sem possibilidade de sustento, já que após anos de
relacionamento e dedicação à vida doméstica, não conseguiriam mais ingressar no
mercado de trabalho.
Em nome do princípio da afetividade que vem redefinindo as relações familiares,
não podemos ignorar os laços de afeto que constituem o concubinato, sendo
somente esse elemento capaz de manter seus componentes juntos por anos, não
existindo nenhum dever legal expresso como existe em relação a outras entidades
familiares.
É uma hipocrisia falar que o concubinato se constitui somente com objetivo
patrimonial, visto que as concubinas ainda encontram grande dificuldade em obter
quaisquer direitos. Claro que essa afirmação não pode ser feita sem ressalvas,
muitas relações são estabelecidas com base em interesses patrimoniais ou
privilégios financeiros mesmo que momentâneos, no entanto, a hipótese não se
restringe às relações concubinárias.
O princípio da solidariedade também deve ser destacado. As uniões são mantidas
por anos, havendo assistência mútua entre seus componentes, não só em termos
financeiros, mas também em relação a afeto e apoio psicológico, há uma troca.
Por fim, em nome do princípio da igualdade e liberdade, o Estado não tem o poder
de interferir na vida dos indivíduos estabelecendo qual relacionamento afetivo é o
mais conveniente e ainda, caso os indivíduos não obedeçam a suas estipulações
não lhe é dado o direito de excluí-los e deixá-los a margem do Direito.
Dessa forma, as relações concubinárias devem ser reconhecidas, tendo seus
assuntos tratados no Direito de Família. A Vara de Família deverá ser competente
para processar e julgar ações dessa natureza, mesmo porque no concubinato pode
haver conexão ou continência com assuntos já reconhecidamente de direito de
família.
Deve ser assegurado o direito a alimentos caso se comprove necessidade, em vez
de indenização por serviços domésticos prestados, não havendo mais sentido para
a manutenção dessa humilhação. E por fim, o direito à partilha dos bens adquiridos
na constância da relação, havendo participação direta ou indireta na obtenção dos
mesmos.
Só é preciso respeitar a meação da esposa, protegida por lei e a meação do varão
deverá ser dividida com a concubina, não obstante no período da união dúplice ter
havido a construção do patrimônio por três pessoas e não apenas duas. O mesmo
se aplicando em relação a uma união estável anteriormente constituída, a parte
devida à companheira deve ser respeitada por ser um direito expresso em lei.
As concubinas não podem ser condenadas à invisibilidade por conta de sua
escolha, a relação envolve outras pessoas e seria um absurdo que as
conseqüências deste ato atingissem somente uma parte, como uma espécie de
punição.
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Disponível em http://jus2.uol.com.br/dout
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Artigo - O Concubinato e uma perspectiva de inclusão