Prevenção e Controle da Tortura no Brasil Dia 26 de junho é o dia mundial da ONU de apoio às vítimas de tortura. No Brasil, todos os anos, entidades de direitos humanos mobilizaram-se para chamar a atenção da sociedade quanto à gravidade, persistência e conseqüência deste tipo de prática no país. O Brasil não apenas ratificou a Convenção Internacional Contra a Tortura, mas ratificou em 2006 os Protocolos Facultativos à Convenção, que obriga o estado a constituir um Comitê Nacional para Prevenção da Tortura. Este foi um passo fundamental na luta contra a tortura. Mas o avanço desta luta dependerá muito da constituição e efetiva operacionalização deste Comitê de acordo com as normas estabelecidas no Protocolo e nos Princípios de Paris. A tortura é praticada intencionalmente, com diversos objetivos, mas principalmente para obter confissões e informações, castigar e controlar pessoas. O crime é cometido principalmente por agentes do estado, sobretudo integrantes das forças policiais, agentes penitenciários, e funcionários de centros de internação de adolescentes autores de ato infracional. Constata-se um ciclo de impunidade predominante diante da tortura praticada contra pessoas inocentes, suspeitos ou criminosos sob custódia do estado, permitindo assim que a tortura e os maus-tratos continuem sendo praticas institucionalizadas em unidades policiais, prisionais e centros de internação de adolescentes. Constata-se também a inexistência de políticas sérias de prevenção da prática de tortura no país, inclusive com a virtual proibição de acesso de associações de familiares, organizações de direitos humanos e da sociedade civil a unidades fechadas. Este ano de 2007, a lei 9455/97, que tipifica o crime de tortura no Brasil, completou 10 anos. Resultados preliminares de uma pesquisa que vem sendo realizada pela Comissão Teotônio Vilela (CTV) e pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV/USP), sobre processos referentes a crimes de tortura nas varas criminais da Capital de São Paulo , entre 2000 a 2005, indicam que, do total de casos de tortura denunciados perante o Pode Judiciário , os agressores são agentes do estado em 68% dos casos e agentes privados em 32% dos casos. Dos processos em que já houve uma decisão, em menos de 50% deles houve algum tipo de punição. Conforme os dados, dos casos em que houve condenação, 1/3 deles envolveu agentes do estado e 2/3 envolveram agentes privados, na maioria das vezes relacionados com violência doméstica ou vingança. Em muitos casos, observa-se a desqualificação da vítima de tortura durante o processo, como estratégia de colocar em dúvida a veracidade do seu depoimento - o que não acontece no caso dos depoimentos dos agentes do estado, que são tratados como pessoas acima de qualquer suspeita. Em um dos casos analisados, apesar de diversas provas consistentes, que demonstravam claramente o crime de tortura praticado por monitores da Febem (na época, a Fundação Casa ainda chamava-se Febem), com laudos que mostravam que os adolescentes haviam sofrido ferimentos graves, houve uma insinuação de que essas escoriações haviam sido provocadas pelos próprios adolescentes, sem que houvesse nenhuma prova concreta disso. Os acusados foram inocentados no fundamento de “in dúbio pro réu”, ou seja, na dúvida o réu deve ser absolvido. Outro problema grave diz respeito à prática sistemática de denúncia do crime de tortura, já que, em alguns casos, eles são denunciados como “abuso de poder” e/ou “lesão corporal”, que apresentam penas mais brandas do que a de crime de tortura. Paulo Mesquita é Ph.D. em Ciência Política - Columbia University (1995), M.Phil. em Ciência Política - Columbia University (1990), coordenador da área de Monitoramento de Direitos Humanos do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Observatório da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Atualmente, é membro do Conselho da Cátedra Unesco de Direitos Humanos do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (2007 -2009), conselho consultivo do Centro Santo Dias de Direitos Humanos (2006-presente), do conselho consultivo da Ouvidoria dePolícia do Estado de São Paulo (2007presente), da Comissão Especial para Redução da Letalidade em Ações Envolvendo Policiais da Secretaria da Segurança Pública (2001-presente) e da Comissão Estadual de Polícia Comunitária da Polícia Militar do Estado de São Paulo (1997-presente). Gorete Marques é mestranda em Sociologia, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo e secretária executiva da Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos.