Pontos de Vista
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O que Acontece com o Clínico?
Avelino Bastos
Campinas, SP
Com imensa satisfação podemos notar que o homem
progride, até atingir um nível que resolve parar, analisar e
notar que o que era feito antes era o mais correto. Senão,
vejamos o que ocorre com a cardiologia clínica atual. Conforme citação de ilustres professores 1-5, no princípio explorava-se ao máximo a anamnese, o exame físico e, o mais importante, a semioetiofisiopatogênese, para somente depois
solicitar algum exame subsidiário, a fim de confirmar a hipótese diagnóstica. Salientando que tais exames estavam
restritos ao eletrocardiograma, radiografia de tórax e patologia clínica. Note-se que preciosos diagnósticos eram feitos, com grande margem de acerto.
Atualmente, os cardiologistas clínicos (?), dispensam
um tempo mínimo no diálogo com o paciente (anamnese),
fazem um exame físico estritamente voltado para o aparelho cardiorrespiratório (atenção: apenas com o
estetoscópio, ficando o sentimento de coisa arcaica realizar
a inspeção, a palpação, a percussão e uma ausculta com
manobras que aumentariam as chances de sucesso, tanto
para o sistema cardiovascular como para o respiratório),
deixando de colher achados nos demais aparelhos, que seriam manifestações à distância da doença cardíaca. Esqueceram que uma anamnese bem detalhada demonstraria
interesse do médico pelo problema do paciente, causando
uma maior confiança na relação médico-paciente, além de
que, com isso, já iniciaria uma verdadeira terapêutica, tendo em vista que grande parte das queixas
cardiorrespiratórias têm um cunho psicossomático. Esqueceram também, que tocando com as mãos o corpo do paciente, durante um exame físico completo e detalhado, não
restrito ao aparelho cardiorrespiratório, além de aumentar
a confiança do paciente, e demonstrar interesse pelo seu
problema, transfere segurança e reforça qualquer terapêutica que eventualmente for utilizada, além de fornecer dados fundamentais ao diagnóstico. Não tem sido raro ouvir,
de pacientes que nos procuram, ao final da consulta, que
boa parte do seu mal estar passou com o “simples fato” de
ter-se consultado, além de eventuais elogios à atenção a ele
dedicada.
Ao se submeter o paciente a um interrogatório padrão
e a um exame físico restrito, com “aquele aparelho” (o
estetoscópio), por sinal frio como todo o relacionamento
médico até então, não resta outra saída a não ser pedir exa-
Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP - Campinas
Correspondência: Avelino Bastos - Rua Barão de Paranapanema, 223/34 - 13026-010
- Campinas, SP
Recebido para publicação em 16/10/95
Aceito em 6/12/95
mes sofisticados para “tentar” fazer um diagnóstico, ou então solicitar exames de rotina. Na verdade, na grande maioria das vezes não se tem idéia bem formada de uma hipótese diagnóstica no final da consulta!! Tudo isto só encarece
o ato médico, não havendo instituto ou seguro que aguente esses custos. Pior que isto tudo é quando se aventura
numa terapêutica mesmo não se tendo o diagnóstico definido. Trata-se o sintoma e não uma doença. Mascara-se terrivelmente o diagnóstico, dificultando interpretações dos
exames mais simples e expondo o paciente a efeitos
colaterais desnecessariamente.
O grande Professor Silvio Carvalhal ensinava-nos,
nos tempos de faculdade, que o mais importante era
correlacionar os sintomas com dados do exame físico
(semiogênese) e de fisiopatologia. Para cada paciente se
fazia um “esquema de correlação” que, conforme a complexidade, incluíam-se exames subsidiários. Mas para isto,
exigia-se anamnese detalhada (a famosa “pasta azul”), que
era corrigida pelo professor e tinha o exame físico conferido. Passados 20 anos, posso valorizar e muito este aprendizado.
Confesso que tenho tentado passar para os atuais alunos de 3º e 4º anos de faculdade de medicina esta formação.
Tem sido difícil. A especialidade “examenologia” 6,7 tem
desviado a atenção deles. Talvez pela comodidade, pelo
pouco raciocínio, pela rapidez de solução do caso (??), ou
por preguiça mesmo! Recentemente, numa discussão de
caso à beira de leito, quando questionados sobre a
semiogênese do “pulso de martelo d’água” e do pistol shot,
na insuficiência aórtica, ficaram encantados quando entenderam os mecanismos envolvidos.
Os grandes culpados talvez sejamos nós professores.
Ensinar o aluno a dar valor para a anamnese, para o exame
físico, para a fisiopatologia e finalizar com hipóteses
diagnósticas é trabalhoso. Pode-se dizer que é uma arte, tal
como ensinar música, pintura, etc. Mas não devemos nos
esquecer que esta é a nossa obrigação. Não devemos nos
acomodar com a “examenologia”. Por isso que a Dra Bárbara Ianni 3 tem razão. Quando o recém-formado encara a
sua atividade profissional fora da escola, sente maior segurança ficando longe do diálogo com o paciente, fazendo
exames ou confeccionando laudos. Se investirmos mais no
preparo do futuro médico, ainda no início da graduação, reforçando os valores semiológicos e sua capacidade de raciocínio semioetiofisiopatologicamente, talvez consigamos
reverter este quadro atual.
Com isto seriam forjados profissionais competentes e
confiantes quanto às suas capacidades, que solicitariam
exames estritamente quando necessários. Com isto também
seria resgatado o valor do clínico por todo o sistema de saúde, tendo reconhecido seu trabalho, e que ao solicitar um
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Antelmi e col
Precondicionamento isquêmico no infarto agudo do miocárdio
exame, seria com a finalidade de auxiliar no esclarecimento
de reais dúvidas, e não apenas para “fechar” o diagnóstico.
É lógico que está injusta a forma de remuneração do
clínico. Pela importância de seu trabalho no contato com o
paciente e de suas maiores condições de formular corretos
diagnósticos, mereceria receber honorários superiores aos
dos procedimentos. Um caloroso relacionamento médicopaciente não tem preço, mas não tem substituição ou reposição. Um frio exame subsidiário sim! 5.
Referências
1.
2.
3.
4.
Décourt LV - O doente e a técnica na medicina atual. Revista do INCOR 1995; 2: 3-4.
Pileggi F - Na era da tecnologia devemos valorizar relação médico-paciente. Revista
do INCOR 1995; 3: 3-4.
Ianni B - Morte dos clínicos! Jornal SBC 1995; 9: 2-3.
Pereira Barretto AC - As dificuldades do cardiologista clínico. Jornal SBC 1995; 9:
2.
5.
6.
7.
Luz PL - O papel do clínico na cardiologia moderna. Arq Bras Cardiol 1995; 64: 2978.
Ramires JAF - A clínica continuada reinando como a eterna soberana. Jornal SBC
1995; 10: 20.
Coura R - Sobre o uso ilusório dos exames complementares. Revista Consultório
Médico 1995; 26: 36-7.
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