Pontos de Vista 187 O que Acontece com o Clínico? Avelino Bastos Campinas, SP Com imensa satisfação podemos notar que o homem progride, até atingir um nível que resolve parar, analisar e notar que o que era feito antes era o mais correto. Senão, vejamos o que ocorre com a cardiologia clínica atual. Conforme citação de ilustres professores 1-5, no princípio explorava-se ao máximo a anamnese, o exame físico e, o mais importante, a semioetiofisiopatogênese, para somente depois solicitar algum exame subsidiário, a fim de confirmar a hipótese diagnóstica. Salientando que tais exames estavam restritos ao eletrocardiograma, radiografia de tórax e patologia clínica. Note-se que preciosos diagnósticos eram feitos, com grande margem de acerto. Atualmente, os cardiologistas clínicos (?), dispensam um tempo mínimo no diálogo com o paciente (anamnese), fazem um exame físico estritamente voltado para o aparelho cardiorrespiratório (atenção: apenas com o estetoscópio, ficando o sentimento de coisa arcaica realizar a inspeção, a palpação, a percussão e uma ausculta com manobras que aumentariam as chances de sucesso, tanto para o sistema cardiovascular como para o respiratório), deixando de colher achados nos demais aparelhos, que seriam manifestações à distância da doença cardíaca. Esqueceram que uma anamnese bem detalhada demonstraria interesse do médico pelo problema do paciente, causando uma maior confiança na relação médico-paciente, além de que, com isso, já iniciaria uma verdadeira terapêutica, tendo em vista que grande parte das queixas cardiorrespiratórias têm um cunho psicossomático. Esqueceram também, que tocando com as mãos o corpo do paciente, durante um exame físico completo e detalhado, não restrito ao aparelho cardiorrespiratório, além de aumentar a confiança do paciente, e demonstrar interesse pelo seu problema, transfere segurança e reforça qualquer terapêutica que eventualmente for utilizada, além de fornecer dados fundamentais ao diagnóstico. Não tem sido raro ouvir, de pacientes que nos procuram, ao final da consulta, que boa parte do seu mal estar passou com o “simples fato” de ter-se consultado, além de eventuais elogios à atenção a ele dedicada. Ao se submeter o paciente a um interrogatório padrão e a um exame físico restrito, com “aquele aparelho” (o estetoscópio), por sinal frio como todo o relacionamento médico até então, não resta outra saída a não ser pedir exa- Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP - Campinas Correspondência: Avelino Bastos - Rua Barão de Paranapanema, 223/34 - 13026-010 - Campinas, SP Recebido para publicação em 16/10/95 Aceito em 6/12/95 mes sofisticados para “tentar” fazer um diagnóstico, ou então solicitar exames de rotina. Na verdade, na grande maioria das vezes não se tem idéia bem formada de uma hipótese diagnóstica no final da consulta!! Tudo isto só encarece o ato médico, não havendo instituto ou seguro que aguente esses custos. Pior que isto tudo é quando se aventura numa terapêutica mesmo não se tendo o diagnóstico definido. Trata-se o sintoma e não uma doença. Mascara-se terrivelmente o diagnóstico, dificultando interpretações dos exames mais simples e expondo o paciente a efeitos colaterais desnecessariamente. O grande Professor Silvio Carvalhal ensinava-nos, nos tempos de faculdade, que o mais importante era correlacionar os sintomas com dados do exame físico (semiogênese) e de fisiopatologia. Para cada paciente se fazia um “esquema de correlação” que, conforme a complexidade, incluíam-se exames subsidiários. Mas para isto, exigia-se anamnese detalhada (a famosa “pasta azul”), que era corrigida pelo professor e tinha o exame físico conferido. Passados 20 anos, posso valorizar e muito este aprendizado. Confesso que tenho tentado passar para os atuais alunos de 3º e 4º anos de faculdade de medicina esta formação. Tem sido difícil. A especialidade “examenologia” 6,7 tem desviado a atenção deles. Talvez pela comodidade, pelo pouco raciocínio, pela rapidez de solução do caso (??), ou por preguiça mesmo! Recentemente, numa discussão de caso à beira de leito, quando questionados sobre a semiogênese do “pulso de martelo d’água” e do pistol shot, na insuficiência aórtica, ficaram encantados quando entenderam os mecanismos envolvidos. Os grandes culpados talvez sejamos nós professores. Ensinar o aluno a dar valor para a anamnese, para o exame físico, para a fisiopatologia e finalizar com hipóteses diagnósticas é trabalhoso. Pode-se dizer que é uma arte, tal como ensinar música, pintura, etc. Mas não devemos nos esquecer que esta é a nossa obrigação. Não devemos nos acomodar com a “examenologia”. Por isso que a Dra Bárbara Ianni 3 tem razão. Quando o recém-formado encara a sua atividade profissional fora da escola, sente maior segurança ficando longe do diálogo com o paciente, fazendo exames ou confeccionando laudos. Se investirmos mais no preparo do futuro médico, ainda no início da graduação, reforçando os valores semiológicos e sua capacidade de raciocínio semioetiofisiopatologicamente, talvez consigamos reverter este quadro atual. Com isto seriam forjados profissionais competentes e confiantes quanto às suas capacidades, que solicitariam exames estritamente quando necessários. Com isto também seria resgatado o valor do clínico por todo o sistema de saúde, tendo reconhecido seu trabalho, e que ao solicitar um 188 Antelmi e col Precondicionamento isquêmico no infarto agudo do miocárdio exame, seria com a finalidade de auxiliar no esclarecimento de reais dúvidas, e não apenas para “fechar” o diagnóstico. É lógico que está injusta a forma de remuneração do clínico. Pela importância de seu trabalho no contato com o paciente e de suas maiores condições de formular corretos diagnósticos, mereceria receber honorários superiores aos dos procedimentos. Um caloroso relacionamento médicopaciente não tem preço, mas não tem substituição ou reposição. Um frio exame subsidiário sim! 5. Referências 1. 2. 3. 4. Décourt LV - O doente e a técnica na medicina atual. Revista do INCOR 1995; 2: 3-4. Pileggi F - Na era da tecnologia devemos valorizar relação médico-paciente. Revista do INCOR 1995; 3: 3-4. Ianni B - Morte dos clínicos! Jornal SBC 1995; 9: 2-3. Pereira Barretto AC - As dificuldades do cardiologista clínico. Jornal SBC 1995; 9: 2. 5. 6. 7. Luz PL - O papel do clínico na cardiologia moderna. Arq Bras Cardiol 1995; 64: 2978. Ramires JAF - A clínica continuada reinando como a eterna soberana. Jornal SBC 1995; 10: 20. Coura R - Sobre o uso ilusório dos exames complementares. Revista Consultório Médico 1995; 26: 36-7.