Os incentivos nas escolas
José Mata
Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa
As diferentes intervenções dos intervenientes nesta mesa redonda mostram
que diferentes membros da comunidade educativa têm diferentes interesses
que, legitimamente, aspiram a ver satisfeitos. Pais, professores e
empregadores expressaram preocupações com a falta de motivação e
referências que são patentes nos alunos que abandonam o sistema de
ensino, com a necessidade de os pais serem ouvidos pelas escolas na
resolução dos problemas que se põem e com a importância do
reconhecimento do bom desempenho dos professores.
O sistema educativo tem, porém, outros participantes e estes têm interesses
mais diversos. Durante outras sessões da Conferência ouvimos, por
exemplo, a Ministra da Educação expressar a preocupação de evitar o
clientelismo na contratação dos professores e presidentes dos conselhos
executivos preocupados com a relação com as autarquias. Não tivemos a
participação de alunos ou de representantes de Autarquias, mas é provável
que, se esta participação tivesse ocorrido, tivessem sido expressas outras
preocupações.
Mas toda esta diversidade ainda não reflecte toda a variedade de interesses
dos participantes no sistema. Cada grupo de participantes tem uma
diversidade maior do que a que está aqui representada. Os presidentes dos
conselhos executivos que aqui estiveram provêm de escolas especiais,
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seleccionadas por serem exemplos de boas práticas. Os membros da mesa
redonda a que acabamos de assistir foram convidadas porque a organização
da Conferência pensou que o que teriam a dizer seria suficientemente
interessante para esta audiência e mostraram antecipadamente que são
pessoas suficientemente interessadas no tema ao terem aceite o convite.
Nem todas as escolas são tão boas, nem todos os pais, professores e
empregadores têm tanto empenho no bom funcionamento do sistema.
O ensino público pré-escolar, básico e secundário é frequentado por mais
de um milhão e trezentos mil alunos e emprega mais de 200 000 pessoas
em mais de 12 mil estabelecimentos. Todo este conjunto de pessoas é
inevitavelmente heterogéneo e inclui necessariamente pessoas menos
especiais, menos imbuídas do espírito de missão que – nas palavras do
comentador de uma das sessões – caracteriza a acção dos dirigentes das
escolas cujas experiências aqui foram apresentadas. O sistema educativo
precisa certamente das pessoas especiais. Contudo, tem que estar preparado
para lidar também com pessoas menos especiais e levá-las a juntar esforços
para contribuir para uma causa comum.
A gestão de uma instituição com uma tal dimensão põe, inevitavelmente,
formidáveis problemas de organização, que não são menores do que os que
encontram as instituições do sector privado, que só muito raramente (em
organizações de grande dimensão internacional) empregam tantas pessoas
ou estão repartidas por tantos estabelecimentos. E, no entanto, a maioria
destas organizações já há muito tempo aprendeu que não é possível gerir
eficientemente as suas unidades e seus colaboradores sem a atribuição de
um considerável grau de autonomia a essas unidades. Aprendeu também
que essa autonomia só funciona bem se existir um bom sistema de
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avaliação de desempenho que se traduza em recompensas para os
elementos mais notáveis.
A minha discussão do tema que me foi proposto “Incentivos nas escolas”,
será feita à luz das razões que levam as organizações do sector privado a
adoptarem estruturas com elevado grau de autonomia, mas também com
sistemas de incentivos. Ilustrarei a discussão com exemplos que, espero,
mostrem que os argumentos gerais se aplicam perfeitamente ao ensino
básico e secundário. A essência do argumento que gostaria de deixar é que
não é possível discutir incentivos sem discutir autonomia e avaliação e que
a extensão com que cada uma destas dimensões pode ser aplicada depende
da extensão de aplicação das outras e condiciona essa mesma aplicação.
Delegação de autoridade
As instituições privadas não delegam a autoridade para tomar decisões por
qualquer preferência ideológica, nem por uma vontade intrínseca nem
desinteressada de que os seus membros participem nas decisões.
Numa organização eficiente, a autoridade de decisão é atribuída ao nível
que está na posse de melhor informação para a decisão em causa e que tem,
portanto, melhores possibilidades de tomar uma boa decisão. Diferentes
decisões necessitam de tipos de informação diferentes, o que leva a que
diferentes decisões sejam delegadas em diferentes níveis dentro da
organização.
A definição e implementação dos programas é um bom exemplo para
ilustrar esta ideia no contexto das escolas de ensino secundário. Para
elaborar um programa adequado é necessária informação sobre o estado do
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conhecimento na disciplina, é importante saber que conhecimentos virão a
ser necessários em níveis de ensino mais avançado, e é útil saber o que se
ensina noutras escolas e noutros países. É mais fácil recolher este tipo de
informação de forma centralizada, o que sugere que o Ministério da
Educação deverá ter algum papel na elaboração dos programas ou, pelo
menos, das linhas programáticas.
Já o estabelecimento da sequência das matérias, estratégias de ensino, etc.
necessita de informação sobre as características específicas da escola, da
comunidade em que está inserida, da turma e do aluno, o que sugere que a
decisão deve ser descentralizada e deixada a cada escola uma margem
considerável na definição destas estratégias.
Mas para que surjam boas decisões não basta dar a autoridade a quem tem
melhor informação. Para que as decisões sejam tomadas tendo em mente o
melhor interesse de quem delega essa autoridade é preciso saber:
1 – Que objectivos se deve procurar alcançar e até que ponto esses
objectivos são atingidos?
2 - Como levar a que as pessoas (que têm outros interesses) tenham
em conta os objectivos da sociedade (ou de quem delega a autoridade) na
tomada de decisão?
Avaliação e definição de objectivos
Sendo a avaliação das escolas o objecto de outra sessão desta conferência,
não me vou aqui debruçar sobre ele. Quero apenas mencionar um aspecto
que não tenho visto referido nas discussões que tem havido sobre este tema
e que pode condicionar a eficácia de um processo de avaliação que se
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destine a alimentar um sistema de incentivos: a definição prévia dos
objectivos que as escolas devem procurar alcançar.
Não é nada evidente quais devem ser estes objectivos. Deve haver um
único objectivo geral? Qual deve ser? Ensino de qualidade? Evitar o
insucesso e o abandono? Deve procurar-se promover as competências
técnicas, as competências de resolução de problemas, as competências
relacionais e sociais? Havendo conflito entre objectivos, como arbitrar?
Que peso deve ser dado a cada objectivo?
Estas perguntas não têm resposta óbvia, mas o que parece óbvio é que
quanto mais explícitos forem os objectivos, mais consistente pode ser o
processo de avaliação e melhor guia terá cada interveniente para a sua
actuação.
Como promover o cumprimento dos objectivos?
O ponto de partida para a questão que dá nome a esta secção é a ideia de
que os interesses das pessoas não são os mesmos dos das instituições. Esta
não parece ser uma ideia muito controversa. Uma decisão recente do
Ministério de Educação sugere que os professores (ou pelo menos alguns)
preferem ir menos à escola do que aquilo que o Ministério desejaria e que a
escola dá menos apoio aos alunos do que o que seria desejável.
Confrontado com este problema o Ministério de Educação
determinou que, para além das suas horas lectivas, todos os professores
devem estar na escola uma determinado número de horas e que uma certa
parte dessas horas deve ser ocupada a dar aulas de apoio ou de substituição.
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A dificuldade desta solução
Um problema de uma solução deste tipo, ou de forma mais geral de
soluções baseadas em regras impostas às pessoas é que, com este tipo de
regras, dar apoio é algo que o professor faz contrariado. Com regras deste
tipo, a avaliação só pode ser a medição do grau de cumprimento da regra, e
a fertilidade da imaginação humana facilmente encontra formas de
contornar as regras. (Por cada pessoa que está a pensar em que regras
estabelecer, há vários milhares a pensar como ultrapassar as regras). A
consequência é que, uma vez que comece a ser claro que foi descoberta a
forma de ultrapassar a regra original, é preciso fazer mais regras… o que
desencadeia novo esforço de imaginação. E é claro que é mais fácil obrigar
a que as pessoas estejam presentes do que a que estejam empenhadas…
Regras que são bem intencionadas podem ter efeitos perversos. Uma regra
que diga que os alunos não podem ser reprovados sem que anteriormente
tenham sido propostos para aulas de apoio tem o objectivo – meritório –
não só de de evitar reprovações inesperadas, como também o de levar a
acções correctivas do problema e não à simples reprovação. Mas, se essas
aulas de apoio forem dadas pelos próprios professores, significando para
eles mais trabalho, a regra facilmente pode levar a piores resultados do que
a reprovação inesperada. Pode acontecer que em vez de os alunos que não
estão em condições de transitar de ano serem propostos para apoio, lhes vá
sendo permitida a transição sem que estejam em condições objectivas de o
fazer e sem que essa informação lhes seja dada ou aos seus encarregados de
educação.
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Este tipo de regras tem um problema essencial. Dizem respeito aos inputs e
não aos resultados. O apoio aos alunos não é um objectivo em si mesmo –
deve ser um meio para promover um melhor sucesso educativo.
Uma solução alternativa
Para levar à obtenção desses resultados tem muito mais potencial uma
solução assente num sistema de avaliação dos resultados e num sistema de
recompensas baseadas nessa avaliação.
Avaliar o apoio dado por cada professor e recompensar os professores que
dão mais (e melhor) apoio ou, melhor ainda, avaliar os progressos
realizados na aprendizagem e recompensar as escolas e os professores com
melhores resultados tem um maior potencial de produzir bons resultados,
porque procura que dar (bom) apoio seja no interesse do professor.
Uma das consequências de um sistema baseado em regras é que, uma vez
que estas detalham o que se deve fazer, são difíceis de adaptar a situações
concretas. Como consequência, com regras o sistema tolera menos
diversidade e há menos espaço para a delegação de autoridade. Com
incentivos, explicita-se o que se procura obter, deixando à iniciativa e
imaginação de cada interveniente as formas de o alcançar nas situações
concretas com que se defronta.
Outra consequência de um sistema no qual os incentivos estão ausentes é
que a gestão das escolas não é obrigada a exercer a autoridade que lhe for
delegada. Por exemplo, a distribuição de serviço docente está atribuída à
escola, mas em algumas escolas a respectiva gestão demite-se de fazer uma
efectiva distribuição. Em vez de a distribuição ser baseada numa análise da
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adequação dos professores aos níveis de ensino e às turmas, existem
escolas em que os professores escolhem o seu serviço por uma sequência
baseada na mesma ordenação que hipoteticamente serviria para as suas
colocações se eles se candidatassem. Para a gestão é mais fácil dizer que
“outro alguém definiu desta forma”. Na ausência de incentivos para que
sejam tomadas as decisões correctas, é menos provável que a autonomia,
mesmo que exista na lei, se venha a exercer na prática.
Que incentivos?
Escolas e professores
A forma mais óbvia e mais comum de incentivos são recompensas
materiais individuais, na forma de prémios anuais e aumentos salariais
maiores para aqueles cujo desempenho é melhor. Para que tenham um
papel de incentivo, estes prémios devem ser discriminadores, isto é, devem
ser significativamente diferentes para os elementos com desempenhos
diferentes, sendo claro que a avaliação do desempenho tem que garantir
que existe diferenciação nas classificações. Isto não exclui, contudo,
prémios destinados a equipas nos casos em que o desempenho depende de
forma crítica da acção colectiva.
Por outro lado, não obstante a importância de que o reconhecimento do
bom desempenho tenha uma tradução material, há muito que o sector
privado reconheceu que o sucesso destes incentivos materiais aumenta se
forem acompanhados de incentivos morais, de reconhecimento público
desse bom desempenho, que tem uma das suas formas mais populares na
divulgação do empregado do mês. Em algumas escolas – nomeadamente de
ensino superior – já hoje os estudantes votam no melhor professor do ano,
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tendo o nome dos eleitos uma ampla divulgação pública. O mesmo tipo de
reconhecimento está presente na divulgação do mérito dos alunos que é
feita nos quadros de valor e excelência.
Alunos e pais
A motivação de alunos, pais, empregadores e autarquias tem cambiantes
distintos da de professores e membros de órgãos de gestão das escolas. Na
sua essência, contudo, responde ao mesmo princípio de tentar alinhar os
interesses dos grupos em causa com o interesse da sociedade.
Se se quer que os alunos estudem e se esforcem para conseguir progressos
na sua aprendizagem é útil usar quadros de valor e excelência para
reconhecer o bom nível de desempenho (ou os progressos obtidos). Se se
quer promover a participação em actividades circum-escolares, é
conveniente pensar em formas de dar créditos por essa participação. Se se
quer interessar pais na actividade da escola é importante que os pais
percebam que a sua participação é valorizada e que as suas preocupações e
sugestões são tidas em conta.
Por outro lado, para interessar alunos e pais na educação é útil combater
uma ideia – falsa, mas muito divulgada entre nós – de que a educação tem
pouco valor no mercado de trabalho e que o excesso de qualificações é um
óbice à obtenção de emprego. A divulgação generalizada de informação
sobre os ganhos salariais associados a cada nível de ensino, sobre a redução
da duração dos períodos de desemprego dos indivíduos mais qualificados
pode, ao mostrar a dimensão das vantagens da educação, contribuir para
interessar alunos e pais no sucesso educativo, alinhando os seus interesses
com os interesses da sociedade. Ao contrário das sugestões anteriores, em
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que é natural que sejam da iniciativa das escolas, esta necessita de
informação que é mais facilmente obtida de forma centralizada e que, à luz
do argumento anteriormente avançado, deve ser promovida de forma
centralizada. O Ministério da Educação seria uma instituição óbvia para
desempenhar este papel, mas uma instituição da sociedade civil poderia
igualmente fazê-lo.
Empregadores e autarquias
Empregadores e autarquias têm uma relação mais distante com a escola,
mas também relativamente a eles a pergunta que se deve fazer é “O que a
escola pretende deles? De que forma é que pode ser do interesse deles
proporcionar essa colaboração?”
As autarquias tenderão mais facilmente a colaborar com a escola se
pensarem que a sua acção pode melhorar a escola, que essa melhoria pode
levar a uma população mais satisfeita e que essa satisfação se irá mais tarde
traduzir em votos. A concorrência nas aplicações alternativas para
aplicação dos recursos autárquicos sugere que é importante que a autarquia
perceba que o que lhe é pedido vai ser bem aplicado.
Os empregadores poderão ter interesse em ter uma população com uma
preparação mais adequada às suas necessidades. A sua participação tenderá
a ser maior em meios mais pequenos, onde não só o sentido de pertença à
comunidade é maior, mas onde seja mais fácil beneficiar da colaboração
que prestam.
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Reflexões finais
Três ideias sobre Autonomia, Avaliação e Incentivos
No nosso país temos discutido bastante a Autonomia, começámos a discutir
Avaliação, mas quase não discutimos Incentivos. E no entanto, estes três
tópicos estão claramente interligados, estando o sucesso na aplicação de
cada um destes elementos dependente do sucesso da aplicação dos dois
outros. As três ideias seguintes espelham essa interdependência.
I
Os incentivos procuram levar a que as pessoas ajam no sentido a contribuir
para que os objectivos da instituição sejam realizados.
Só faz sentido falar de incentivos se existir autoridade para
tomar decisões.
Se as escolas não tiverem autonomia para contratar docentes, a
avaliação dos resultados e a atribuição de prémios à acção da escola deve
tentar expurgar esses resultados do efeito da qualidade dos docentes de que
a escola não é responsável. O mesmo se poderia dizer da qualidade dos
alunos que ingressam na escola.
II
Para que os incentivos possam levar a decisões que contribuam para a
realização dos objectivos da instituição é importante conhecer esses
objectivos e avaliar o efeito das decisões sobre medidas do grau de
consecução desses objectivos.
Quanto maior for a qualidade de um sistema de definição de
objectivos e de avaliação de desempenho maior pode ser a eficácia de
um sistema de incentivos.
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III
Quanto mais eficazes forem os sistemas de definição de objectivos, de
avaliação de desempenho e de incentivos, melhores serão as decisões
tomadas.
Quanto mais o sistema levar à tomada das decisões certas, maior
pode ser o âmbito da delegação de autoridade.
No sistema como o actual existe receio de que a contratação de
docentes por parte da escola possa levar a clientelismos. Num sistema em
que quem toma as decisões de contratação tiver interesse em tomar boas
decisões, os riscos de clientelismo serão menores e será mais fácil
considerar a delegação desse tipo de autoridade.
Os incentivos são indispensáveis?
Como vimos durante esta conferência, mesmo com um sistema de
governação muito imperfeito, existem claros casos de sucesso no nosso
ensino. São casos em que a visão, a dedicação e a preserverança das
pessoas envolvidas consegue ultrapassar os obstáculos que o sistema coloca
a quem procura alcançar resolver os problemas com que se depara, e que
leva a quase conferir o estatuto de herói aos seus promotores.
A ausência de incentivos não impede que surjam casos de sucesso, mas
certamente não estimula o seu aparecimento. Mais do que a promoção do
reconhecimento de que quem obtém sucessos merece o estatuto de herói,
um sistema de governação do sistema educativo deveria promover o
aparecimento de casos de sucesso e a qualidade do nosso ensino. Um
sistema de incentivos cuidadosamente desenhado pode contribuir
decisivamente para este objectivo.
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Incentivos nas Escolas - Faculdade de Economia da Universidade