REVISTA DIGITAL DE DIREITO PÚBLICO FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Seção de Artigos Científicos A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro por violações do direito à educação a partir do sistema global de proteção dos direitos humanos Denise Martins Moretti Resumo: O objetivo do presente artigo é tratar da responsabilidade internacional do Estado Brasileiro por violações do direito à educação, a partir do sistema global de proteção dos direitos humanos. Para tanto, descreveremos os diferentes sistemas de responsabilização previstos nos tratados internacionais que disciplinam o direito à educação ratificados pelo Estado Brasileiro no âmbito da ONU e apresentaremos informações atualizadas sobre o cumprimento destes tratados pelo Brasil. Palavras-chave: direito internacional dos direitos humanos; tratados internacionais para proteção dos direitos humanos; direito à educação; responsabilidade internacional dos Estados. Abstract: The purpose of this paper is to address the international responsibility of the Brazilian State for violations of the right to education, from the global system of protection of human rights. For that, we will describe the different systems of responsibility provided for in international treaties governing the right to education ratified by the Brazilian State within the UN system and present updated information on compliance with those treaties by Brazil. Keywords: international human rights law; international treaties for the protection of human rights; right to education; international responsibility of states. Sugestão de referência: MORETTI, Denise Martins. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro por violações do direito à educação a partir do sistema global de proteção dos direitos humanos. Revista Digital de Direito Público, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. Disponível no URL: www.direitorp.usp.br/periodicos Artigo submetido em: 31/10/2011 Aprovado em: 11/12/2011 Este conteúdo está protegido pela lei de direitos autorais. É permitida a reprodução do conteúdo, desde que indicada a fonte, como “Conteúdo da Revista Digital de Direito Público”. A RDDP constitui veículo de excelência, criado pelo Departamento de Direito Público da FDRP/USP, para divulgar pesquisa em direito público em formato de artigos científicos, comentários a julgados, resenhas de livros e considerações sobre inovações normativas. REVISTA DIGITAL DE DIREITO PÚBLICO, vol. 1, n. 1, 2012. A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO BRASILEIRO POR VIOLAÇÕES DO DIREITO À EDUCAÇÃO A PARTIR DO SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS* Denise Martins Moretti** Sumário: 1. Introdução 2. O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a responsabilidade internacional dos Estados por violações de direitos humanos 3. O direito à educação e os tratados internacionais 4. Informações sobre o cumprimento dos tratados pelo Brasil 5. Síntese e Conclusão 6. Bibliografia 1. Introdução O presente artigo tem por objetivo tratar da responsabilidade internacional do Estado Brasileiro por violações do direito à educação, a partir do sistema global de proteção dos direitos humanos (ONU)1. Considerando a natureza do direito à educação, inicialmente, desenvolveremos o tema da responsabilidade internacional por violações de direitos sociais, econômicos e culturais, para, em seguida, cuidarmos, especificamente, do direito à educação e dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado Brasileiro nessa temática. 2. O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a responsabilidade internacional dos Estados por violações de direitos humanos A idéia de direitos humanos é antiga e relaciona-se aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, desenvolvidos ao longo da história e que envolvem um conteúdo essencial do que seria a dignidade humana. Com base nesse entendimento, para André de Carvalho Ramos2, os direitos humanos são “um conjunto mínimo de direitos *A autora agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP pelo apoio dado a esta pesquisa. **Mestranda em Direitos Humanos, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 1 A título de esclarecimento, destacamos que, no âmbito regional, o Brasil assumiu compromissos com o direito à educação por meio da Carta da Organização dos Estados Americanos, de 1948 e da Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1978. No entanto, o sistema regional de proteção dos direitos humanos não é objeto de estudo do presente artigo, restrito ao sistema global (ONU). 2 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 19. RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 31 necessário para assegurar uma vida do ser humano baseada na liberdade, igualdade e na dignidade”3. Esse conjunto de direitos, que é histórico e emerge gradualmente das lutas que o homem trava para sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas produzem4, sobretudo, a partir do pós 2ª Guerra Mundial, passou por um processo de internacionalização. Isso ocorreu por conta da preocupação internacional em evitar que as atrocidades ocorridas no conflito mundial voltassem a se repetir e colocassem em risco a vida de toda a humanidade. Nesse sentido, a partir desse momento histórico, a proteção dos direitos humanos ultrapassou o limite do domínio reservado dos Estados e tornou-se um tema central para o Direito Internacional5. Para Piovesan, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (DUDH) ao introduzir a concepção contemporânea de direitos humanos foi o marco da criação do Direito Internacional dos Direitos Humanos6, como “um sistema jurídico normativo de alcance internacional, com o objetivo de proteger os direitos humanos, especialmente quando as instituições nacionais são omissas ou falhas na proteção desses mesmos direitos”7. Consubstanciada na Resolução 217-A (III), da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas - ONU, a DUDH não apresentava, em 1948, a força de uma lei internacional. Era concebida como uma recomendação das Nações Unidas para os Estados Membros, que deveriam observar os dispositivos nela previstos, na forma de uma vis directiva (conselho a ser seguido)8. Por conta disso, após a adoção da DUDH instaurou-se uma discussão sobre a maneira mais eficaz para assegurar o 3 Para esta definição, Ramos fundou-se na concepção de HESSE, Konrad. Staatslexikon, Heraugegeben von Goeresgesellschaft, Bd 2.7, Auflage, 1986. 4 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 32. 5 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 4-5. 6 Além da DUDH são também considerados eventos importantes no processo de internacionalização dos direitos humanos, a criação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha em 1863 (e o nascimento do direito internacional humanitário) e a criação da Liga das Nações e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919. Importante mencionar também que a DUDH é considerada um desdobramento da Carta da ONU de 1945, que relativizou o conceito clássico de soberania dos Estados ao estipular a cooperação entre os Estados membros em busca do respeito universal dos direitos e liberdades fundamentais. LAFER, Celso. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), in MAGNOLI, Demétrio. A história da paz. São Paulo: Contexto, 2008, p. 306. 7 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 97. 8 Com o passar dos anos e por conta da prática internacional, essa abordagem meramente directiva da DUDH alterou-se. A DUDH transformou-se num instrumento normativo e documento político de grande importância, recebendo a dimensão de interpretação autêntica da Carta da ONU e dos seus dispositivos em matéria de Direitos Humanos, conforme jurisprudência da Corte Internacional de Justiça. Ganhou o caráter de norma costumeira de Direito Internacional Público em virtude de sua utilização, como opinio juris, ou seja, como a prova de uma prática geral aceita como sendo o Direito, nos termos do artigo 38(b) do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. LAFER, Celso. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), in MAGNOLI, Demétrio. A história da paz. São Paulo: Contexto, 2008, pp. 318-319. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. 32 MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... reconhecimento e a observância dos direitos nela previstos. Entendeu-se que a DUDH deveria ser “juridicizada” sob a forma de um tratado internacional que fosse juridicamente obrigatório e vinculante no âmbito do Direito Internacional9. Referido processo de juridicização começou em 1949 e terminou em 1966 com dois pactos, que incorporaram e especificaram os direitos constantes na DUDH – Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP10) e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC11). A conjugação da DUDH com estes dois pactos resultou na “Carta Internacional dos Direitos Humanos”. Para Piovesan, os direitos ali constantes representam “o amplo consenso alcançado acerca dos requisitos mínimos necessários para uma vida com dignidade”12. Nesse contexto, além dos dois pactos, outros tratados internacionais para a proteção dos direitos humanos foram assinados e ratificados pelos Estados13, que passaram a se submeter à autoridade de instituições internacionais, com relação à tutela e fiscalização, em seu território, do cumprimento das obrigações assumidas por meio desses instrumentos14. Dessa maneira, a violação de direitos humanos previstos em tratados passou a significar o desrespeito a obrigações internacionais pelo Estado e a sua sujeição à responsabilização internacional15. A responsabilidade internacional é, portanto, o elemento que confere obrigatoriedade e força ao sistema internacional de proteção de direitos humanos, fazendo com que ele deixe de possuir um caráter de conselho ou de sistema composto por obrigações morais ou normas meramente programáticas. Por meio das normas de 9 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 97. O PIDCP trata de direitos de 1ª dimensão, desdobrando os artigos 2 a 21 da DUDH. 11 O PIDESC trata de direitos de 2ª dimensão, desdobrando os artigos 22 a 27 da DUDH. 12 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 98. 13 O processo de internacionalização dos direitos humanos, inicialmente, apresenta um caráter universalizante, com declarações que se aplicam a todos os seres-humanos. Posteriormente, tem início um movimento de especialização para a proteção de grupos vulneráveis e específicos, como mulheres, vítimas de discriminação racial, crianças, deficientes, idosos, entre outros. Muitos tratados relacionados ao direito à educação, que serão apresentados no item 3, encontram-se nessa 2ª etapa do processo de internacionalização dos direitos humanos (de especialização). 14 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 9. 15 A responsabilização internacional completa a terceira estrutura de sustentação da internacionalização dos direitos humanos para Lafer. Segundo o autor, a afirmação planetária dos direitos humanos assentou-se em três estruturas: promoção, controle e garantia. A promoção teria a função de irradiar para consolidar o valor dos direitos humanos, através da difusão do seu conhecimento e da instrução. O controle consistiria no monitoramento do cumprimento pelos Estados dos compromissos assumidos através de relatórios independentes, comunicações inter-estatais, petições individuais no âmbito dos Comitês de Peritos ou mediante a ação das organizações não governamentais dedicadas aos direitos humanos. A garantia, em sentido estrito, estaria ligada a uma autêntica tutela jurisdicional, com a justicialização dos direitos humanos no âmbito regional e mundial. LAFER, Celso. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), in MAGNOLI, Demétrio. A história da paz. São Paulo: Contexto, 2008, pp. 297-325. 10 RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 33 responsabilidade internacional, o sistema internacional de proteção dos direitos humanos pode combater a violação de suas regras16. No âmbito da ONU, a responsabilidade internacional dos Estados por violações de direitos humanos pode ser efetivada por meio de dois grandes sistemas17: (i) sistema convencional – previsto nos tratados internacionais entre Estados no âmbito da ONU. Este sistema divide-se em três modalidades: (a) divisão nãocontenciosa, que é a mais antiga e elaborada a partir de técnicas de solução de controvérsias do Direito Internacional clássico, como os bons ofícios e a conciliação; e, mais recentemente, pelo sistema de relatórios periódicos pelos Estados; (b) sistema quase-judicial, cuja criação é recente, remontando ao pós 2ª Guerra Mundial e que possui duas espécies – responsabilização iniciada por petições de Estados ou por petições de particulares contra Estados, ambas dirigidas aos Comitês previstos nos tratados internacionais18; e (c) sistema judicial ou contencioso, no qual a responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos humanos é estabelecida por meio de um processo judicial, processado perante uma Corte Internacional; e (ii) sistema extraconvencional – originado de resoluções da ONU e de seus órgãos, editadas a partir de interpretações da Carta da ONU com relação à proteção dos direitos humanos. O sistema extraconvencional é composto por procedimentos especiais no âmbito de órgãos da ONU, com base no dever geral de cooperação internacional dos Estados em matéria de direitos humanos, conforme previsto na Carta da ONU. Com relação à proteção internacional do direito à educação e considerando os tratados internacionais ratificados pelo Estado Brasileiro nessa área, como veremos a seguir, os sistemas que prevalecem são o sistema convencional (na modalidade divisão não-contenciosa, na forma de relatórios periódicos) e o sistema extraconvencional. 16 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 21. 17 Para tratarmos dos sistemas de responsabilidade no âmbito da ONU, utilizamos a divisão constante em RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 119-120. 18 Os mecanismos quase-judiciais são mecanismos de responsabilidade internacional dos Estados instituídos por convenções internacionais, que agem ex post facto, mediante a constatação da violação de direitos humanos protegidos e que acarretam a condenação do Estado na reparação dos danos produzidos. Os Comitês que analisam as petições dos particulares ou dos Estados não são órgãos judiciais propriamente ditos. Por conta disso, os textos das convenções não se referem à suas decisões como sentenças e esses mecanismos são conhecidos como quase-judiciais. RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 130. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. 34 MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 2.1 A responsabilidade internacional dos Estados por violações de direitos econômicos, sociais e culturais No âmbito da ONU, considerando a Carta Internacional dos Direitos Humanos, os direitos humanos podem ser classificados em cinco categorias: (i) direitos civis; (ii) direitos políticos; (iii) direitos econômicos; (iv) direitos sociais; e (v) direitos culturais19. Classicamente, os direitos humanos são também divididos em três gerações/dimensões: (i) primeira geração – direitos civis e políticos que consagram o valor liberdade; (ii) segunda geração – direitos econômicos, sociais e culturais que consagram o valor igualdade; e (iii) terceira geração – direitos que visam à proteção do gênero humano consagrando o valor fraternidade ou solidariedade20. No entanto, considerando que os direitos humanos são indivisíveis, interdependentes e interrelacionados21, qualquer divisão de direitos em gerações ou categorias deve ser considerada apenas didática e não deve ser utilizada como fundamento para estabelecer hierarquia entre direitos, nem níveis de proteção mais privilegiados para alguns direitos em detrimento de outros. Nesse sentido, Piovesan destaca a indivisibilidade dos direitos humanos, esclarecendo que a violação dos direitos econômicos, sociais e culturais propicia a violação de direitos civis e políticos, “eis que a vulnerabilidade econômico-social leva à vulnerabilidade dos direitos civis e políticos”22. Assim sendo, Ramos defende que a comunidade internacional deve tratar todos os direitos humanos com a mesma ênfase e de modo igual, havendo responsabilidade internacional dos Estados por violações de quaisquer desses direitos23. 19 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.89. 20 O jurista Karel Vasak é considerado o pioneiro na formulação da expressão “gerações de direitos do homem”, buscando, vincular a evolução dos direitos humanos aos lemas da Revolução Francesa liberdade, igualdade e fraternidade. Paulo Bonavides fala também em uma quarta dimensão de direitos que corresponderia a valores da sociedade aberta do futuro, que protegem a democracia, informação e o pluralismo. A esse respeito, vide RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006 e PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003. 21 A Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993 reconhece essas características dos direitos humanos em seu artigo 5º – “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais”. 22 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 108. 23 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 250 RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 35 No entanto, Ramos destaca que existe uma clara seletividade nos mecanismos de averiguação do respeito pelos Estados dos direitos humanos, afirmando que: “para os direitos civis e políticos, implementa-se a responsabilização internacional do Estado violador; para os direitos sociais, não”24. Essa leitura de Ramos relaciona-se com o sistema de monitoramento e responsabilização por violações de direitos sociais, econômicos e culturais previsto no âmbito da ONU, baseado, principalmente, na emissão de relatórios periódicos pelos Estados, numa sistemática de proteção diferente da prevista para os direitos civis e políticos e menos efetiva25. Essa diferença de tratamento entre os sistemas de proteção decorre de um princípio construído em torno dos direitos sociais, econômicos e culturais segundo o qual o adimplemento das obrigações relativas a esses direitos submete-se a um desenvolvimento progressivo, no qual o Estado deve orientar suas políticas públicas, na medida dos recursos disponíveis26. Nesse sentido, a postergação da efetivação desses direitos é considerada uma consequência da indisponibilidade temporária de recursos. Com base nessa idéia, a efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais ficaria sujeita a uma acumulação futura de recursos suficientes para suprir as carências materiais da população27. Refletindo esse entendimento, o Artigo 2º, item 1, PIDESC prevê que: Artigo 2. 1. Cada um dos Estados Partes no presente Pacto compromete-se a agir, quer com o seu próprio esforço, quer com a assistência e cooperação internacionais, especialmente nos planos econômico e técnico, no máximo dos seus recursos disponíveis, de modo a assegurar progressivamente o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto por todos os meios apropriados, incluindo em particular por meio de medidas legislativas (grifo nosso). Comentando esse dispositivo, Ramos ressalta que: De fato, os Estados sempre alegaram a impossibilidade de serem obrigados juridicamente (no contexto de uma responsabilização internacional) a agir no campo social sem terem condições econômicas para tanto. Não seria 24 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 250 25 Para demonstrar essa diferença de tratamento destaca-se que o PIDCP, mediante o Protocolo Facultativo de 16/12/1966, que entrou em vigor em 16/03/1976, diferentemente do PIDESC, previa o mecanismo de petições individuais, a serem apreciadas pelo Comitê de Direitos Humanos, instituído pelo pacto. A assinatura de um Protocolo Facultativo nos mesmos termos para o PIDESC passou a ser uma luta histórica, como veremos no item 2.2 abaixo. 26 Com base nesse entendimento construiu-se a teoria da “reserva do possível”. Para detalhes acerca dessa teoria, vide SARLET, Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 307. 27 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 257. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. 36 MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... possível a materialização do mínimo de dignidade humana em termos sociais somente com leis sem o substrato econômico favorável28. Contrapondo os direitos sociais e os direitos civis e políticos, Ramos chama atenção para o fato de que a promessa de concretização futura de direitos não é aceita para os direitos civis e políticos29. Na mesma linha, Piovesan critica o discurso daqueles que defendem que enquanto os direitos civis e políticos devem ser assegurados pelo Estado, sem escusa ou demora, sendo, portanto, auto-aplicáveis, os direitos sociais, econômicos e culturais, nos termos que em são reconhecidos pelo PIDESC devem ser realizados progressivamente na medida dos recursos disponíveis. Para a autora, ambas categorias de direitos demandam prestações positivas e negativas e custos: A título de exemplo, cabe indagar qual o custo do aparato de segurança, mediante o qual se assegura direitos civis clássicos, como os direitos à liberdade e à propriedade, ou ainda qual o custo do aparato eleitoral, que viabiliza os direitos políticos, ou, do aparato da justiça, que garante o direito ao acesso ao Judiciário. Isto é, os direitos civis e políticos não se restringem a demandar a mera omissão estatal, já que a sua implementação requer políticas públicas direcionadas, que contemplam também um custo30. Por fim, Piovesan complementa que a violação de direitos sociais, econômicos e culturais resulta de uma ausência de forte suporte e intervenção governamental e da ausência de pressão internacional em favor dessa intervenção. Assim sendo, trata-se de “um problema de ação e prioridade governamental e implementação de políticas públicas que sejam capazes de responder a graves problemas sociais”31. Além disso, Piovesan destaca que o processo de violação dos direitos humanos alcança prioritariamente os grupos sociais vulneráveis, como as mulheres e a população afrodescendente32. Na educação brasileira isso é evidente, principalmente, com relação à população afro-descendente e de baixa renda33. 28 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 249. 29 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 257. 30 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 99. 31 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 105. 32 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 109. 33 A taxa de escolarização líquida, analisada pelos quintos do rendimento mensal familiar per capita, revela fortes desigualdades entre os mais pobres e os mais ricos no Brasil: em 2009, no primeiro quinto (os 20% mais pobres), somente 32% dos adolescentes de 15 a 17 anos de idade estavam no ensino médio, enquanto no último quinto (20% mais ricos), essa oportunidade atingia quase 78% deste grupo, revelando que a renda familiar exerce grande influência na adequação idade/série freqüentada. Dados apontam para uma diferença de dois anos de estudo na média de escolaridade entre brancos, negros e pardos no Brasil – em 2009, enquanto a população branca de 15 anos ou mais de idade tinha, em média, 8,4 anos de estudo, pretos e pardos tinham, 6,7 anos. A população de cor preta e de cor parda tinha também o dobro da incidência de analfabetismo comparada à população branca brasileira, em 2009: RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 37 2.2 O sistema de responsabilidade internacional previsto no PIDESC Com base nos fundamentos analisados no item 2.1, o PIDESC, principal instrumento de proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais, no âmbito da ONU, previu o sistema de responsabilidade internacional dos Estados na modalidade convencional não contenciosa, consistente na produção de relatórios periódicos pelos Estados Partes. Nos termos do artigo 16 do PIDESC, os relatórios devem conter as medidas adotadas pelos Estados Partes e os progressos realizados, com o objetivo de assegurar a observância dos direitos reconhecidos no Pacto. Os relatórios poderão também indicar os fatores e as dificuldades que prejudicaram o pleno cumprimento das obrigações previstas no pacto (artigo 17, item 2). Referidos relatórios são submetidos pelos Estados Partes ao Secretário Geral da ONU, que deve enviar cópias deles ao Conselho Econômico e Social para fins de estudo e recomendação de ordem geral para a Assembléia Geral (artigo 21). O Conselho Econômico e Social, por sua vez, criou, em 1985, o Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC), com a competência de examinar os relatórios submetidos pelos Estados e de efetuar recomendações34. O PIDESC prevê também que os relatórios serão apresentados periodicamente pelos Estados de acordo com um programa estabelecido pelo CDESC, que também poderá encaminhar os relatórios recebidos à Comissão de Direitos Humanos, hoje, Conselho de Direitos Humanos35, para fins de estudos e recomendações de ordem geral. 13,3% dos pretos e 13,4% dos pardos, contra 5,9% dos brancos, eram analfabetos. No ensino superior permanece a desigualdade - a proporção de estudantes de 18 a 24 anos de idade brancos que cursavam o ensino superior, em 2009, foi de 62,6%, ante 28,2% dos pretos e 31,8% dos pardos. Vide IBGE. Síntese de Indicadores Sociais, uma análise das condições de vida da população brasileira 2010, p. 47, 227. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindi csociais2010/SIS_2010.pdf>. Acesso em: 01/12/2011. 34 O CDESC foi concebido para atuar de forma análoga ao Comitê de Direitos Humanos instituído pelo PIDCP, com relação à análise dos relatórios dos Estados Partes. 35 A Comissão de Direitos Humanos foi estabelecida em 1946 e sua última reunião realizada em 24/03/2006, sendo substituída pelo Conselho de Direitos Humanos. O Conselho de Direitos Humanos foi criado em sessão da Assembléia Geral da ONU realizada em 03/04/2006 e sua 1ª sessão ocorreu em 19/06/2006. A justificativa para a substituição da Comissão de Direitos Humanos por um Conselho de Direitos Humanos, segundo Piovesan, estaria relacionada à crescente crise de credibilidade e profissionalismo que a Comissão de Direitos Humanos sofreu nos anos anteriores a sua abolição. Os Estados teriam se valido de sua condição de membros da Comissão para não fortalecer os direitos humanos, atuando de forma defensiva, de autoproteção ante críticas ou mesmo para criticar outros Estados. Essa crise de credibilidade da Comissão acabava por abalar toda a ONU. Com a estrutura de Conselho, os 47 membros deste novo órgão são eleitos diretamente, por voto secreto da maioria da Assembléia Geral da ONU, para um mandato de 3 anos. Na eleição, a Assembléia Geral deverá levar em consideração a contribuição dos candidatos para a promoção e proteção dos direitos humanos e respeitar uma distribuição equitativa entre os grupos regionais. Além disso, a Assembléia Geral, mediante o voto de 2/3 de seus membros, poderá suspender os direitos do Estado-membro que RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. 38 MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... As observações e recomendações emitidas pelo CDESC embora não possuam caráter vinculante, têm força política e moral relevante. As recomendações caracterizam-se por seu power of embarrassment, ou seja, pelo poder de constrangimento político e moral que causam ao Estado violador de direitos humanos no campo da opinião pública internacional. Tal fato faz com que, muitas vezes, o Estado adote um posicionamento a favor da efetivação dos direitos humanos tendo em vista a grande publicidade e visibilidade que a prática de violação de direitos humanos apresenta no plano internacional. O sistema de relatórios periódicos tem por fundamento o princípio da cooperação internacional e a busca da evolução na proteção dos direitos humanos, por meio do consenso entre o Estado e o órgão internacional36. Além disso, a obrigação internacional de produzir o relatório periódico existe mesmo quando não há descumprimento de qualquer direito. Os principais objetivos deste sistema são prevenir violações e forçar os Estados a dedicarem atenção às políticas internas de defesa dos direitos humanos. Com base no relatório analisado, a Assembléia Geral poderá editar resoluções condenando o Estado por repetidas violações de direitos humanos e também pode acionar o Conselho de Segurança para que edite atos vinculantes para a preservação dos direitos humanos em nome da paz e segurança mundiais. No entanto, o sistema de relatórios periódicos é muito criticado e considerado insuficiente para a proteção e efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Ramos destaca como pontos negativos desse sistema a concentração das informações nas mãos do Estado e a pouca flexibilidade para lidar com situações de emergência de violações de direitos humanos37. Por conta de críticas desse tipo, a Declaração e o Programa de Ação de Viena de 1993 recomendaram a incorporação do sistema quase-judicial ao PIDESC, mediante a inclusão no Pacto, por meio de um protocolo adicional, do direito de petição individual, como o previsto para o PIDCP38. Após anos de debates e de pressão internacional, a Assembléia Geral da ONU, finalmente, aprovou, por unanimidade, em 10 de dezembro de 2008 (no aniversário de cometer graves e sistemáticas violações de direitos humanos. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 129. 36 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 121. 37 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 126. 38 O PIDCP, mediante o Protocolo Facultativo de 16/12/1966, que entrou em vigor em 16/03/1976, prevê o mecanismo de petições individuais. O Brasil ratificou o Protocolo Facultativo do PIDCP em 25/09/2009. RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 39 60 anos da DUDH), por meio da Resolução A/RES/63/117, o Protocolo Facultativo ao PIDESC, o qual estabelece, observados alguns requisitos (como o esgotamento dos meios de solução interna do conflito), a possibilidade de apresentação de petições individuais por pessoas ou grupos ao CDESC, para a apuração de violações dos direitos previstos no PIDESC nos países que o assinem e ratifiquem. O CDESC, após analisar as petições, poderá determinar medidas a serem adotadas pelos Estados, assim como medidas de reparação às vítimas. O Protocolo Facultativo do PIDESC entrará em vigor após o depósito do décimo instrumento de ratificação – até 30 de dezembro de 2011, 39 Estados assinaram o protocolo mas apenas 5 o ratificaram (Equador, Mongólia, Espanha, El Salvador e Argentina)39. O Estado Brasileiro ainda não assinou nem, portanto, ratificou o protocolo. Aguarda-se a adesão brasileira ao protocolo para que essas novas regras comecem a valer e com isso ocorra um avanço na proteção dos direitos previstos no PIDESC no Brasil40. 2.3 O sistema extraconvencional Como mencionamos acima, no âmbito da ONU, há também mecanismos de responsabilidade internacional extraconvencionais. Os procedimentos extraconvencionais buscam vincular os membros da ONU, sem o recurso a convenções específicas, com base em resoluções da ONU e de seus órgãos, em especial o Conselho de Direitos Humanos41, editadas a partir de interpretações da Carta da ONU, com relação à proteção dos direitos humanos. A esse respeito destaca-se que o artigo 1º, item 3 da Carta prevê entre os objetivos da ONU, a necessidade de “obter a cooperação internacional para (...) promover e estimular o respeito aos direitos 39 Informações obtidas no site das Nações Unidas: <http://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=IV-3-a&chapter=4&lang=en>. Acesso em: 30/12/2011. 40 No sistema regional americano, o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) de 1988, com adesão brasileira em 1996, prevê em seu artigo 19 uma ação de responsabilidade internacional do Estado por violação do direito à livre associação sindical e do direito à liberdade sindical (direitos mencionados no artigo 8, alínea a do Protocolo) e por violação do direito à educação, nos termos do artigo 13 do Protocolo. Para esses direitos admite-se o uso do sistema da Convenção Americana de Direitos Humanos, inclusive através do sistema de petições individuais e uso da solução judicial. No sistema europeu, por meio do Protocolo Adicional de Reclamações Coletivas adotado pelo Comitê de Ministros do Conselho da Europa em 1995, foi estabelecida a possibilidade de reclamações coletivas por descumprimento dos direitos sociais serem propostas por organizações internacionais de empregadores e trabalhadores, por outras organizações não governamentais com status de consultores do Conselho da Europa e por organizações sindicais nacionais. RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 253-255. 41 O sistema extraconvencional é formado pelos órgãos da ONU que, de acordo com a Carta da ONU, em alguma medida, têm a função de proteger os direitos humanos, entre eles, a Assembléia Geral, o Conselho de Direitos Humanos, o Conselho Econômico e Social e o Conselho de Segurança. Esses órgãos podem analisar e monitorar a situação de direitos humanos em qualquer um dos 192 Estados-membros da ONU e são compostos por representantes estatais – diplomatas que se reúnem periodicamente. O Secretariado Geral das Nações Unidas também compõe o sistema extraconvencional de direitos humanos. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. 40 MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. Nessa mesma linha, o artigo 55, alínea “c”, prevê que a ONU deve favorecer “o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião” e o artigo 56 estabelece o compromisso de todos os Estados Membros de agir em cooperação com a ONU para a consecução dos propósitos enunciados no artigo 55, ficando a responsabilidade por essa proteção a cargo da Assembléia Geral, por meio do Conselho Econômico e Social. Com base nesses dispositivos, a antiga Comissão de Direitos Humanos, a partir de 196742, passou a receber petições individuais relativas a violações de direitos humanos, dando início ao lento processo de desenvolvimento do sistema extraconvencional de proteção dos direitos humanos. Inicialmente, o sistema restringiu-se ao monitoramento dos Estados praticantes do colonialismo e apartheid43, depois abarcou um procedimento confidencial de recepção e processamento de comunicações individuais44, até culminar na criação de órgãos especiais de investigação de caráter geográfico e/ou temático45. Nessa última etapa de evolução, o sistema extraconvencional tem como base o trabalho de relatores temáticos ou especiais, grupos de trabalho ou grupos de especialistas independentes. Os relatores temáticos ou especiais contribuem para a definição do direito com o qual trabalham e mantêm a ONU informada a respeito da situação desse direito ao redor do mundo. Para tanto, realizam missões in loco para verificar violações de direitos, examinar situações e casos concretos, bem como para receber denúncias e pedir informações oficiais aos Estados. Os relatores aceitam informações das mais variadas fontes, como vítimas e ONGs, desde que consideradas idôneas. É parte dos seus trabalhos elaborar relatórios contendo recomendações de ações aos Estados, os quais são examinados pelo Conselho de Direitos Humanos, que aprova resolução sobre as violações constatadas46. O Conselho de Direitos Humanos, 42 Em 1967, foi editada a Resolução 1235 do Conselho Econômico e Social autorizando a Comissão de Direitos Humanos a debater em público as violações notórias e sistemáticas de direitos humanos e liberdades fundamentais em países com políticas oficiais de dominação colonial, discriminação racial e apartheid. RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 152. 43 Essa 1ª fase de desenvolvimento do sistema extraconvencional iniciou-se com a Resolução 1235 de 1967 do Conselho Econômico e Social. 44 Essa 2ª fase de desenvolvimento do sistema extraconvencional iniciou-se com a Resolução 1503 de 1970 do Conselho Econômico e Social. 45 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 149-153. 46 No ano de 2009, nove relatores especiais apresentaram relatórios ao Conselho de Direitos Humanos contendo comunicações enviadas ao Brasil a partir de denúncias recebidas sobre tortura; desrespeito à liberdade de opinião e expressão; violência contra mulheres; o não cumprimento do direito à moradia adequada e do direito à educação; ameaças e atentados contra defensores de direitos humanos; RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 41 por sua vez, envia o relatório à Assembléia Geral da ONU para a adoção de resolução sobre o caso concreto. Ramos destaca que “os relatórios dos mecanismos extraconvencionais são hoje fonte abundante de interpretações sobre os direitos protegidos, contribuindo para a consolidação da dimensão internacional dos direitos humanos”47. A esse respeito, destacamos que o Estado Brasileiro, em março de 2002, fez convite permanente de visita ao país para todos os relatores da Comissão de Direitos Humanos, dispensandoos de pedir anuência prévia para investigações in loco no país48. Uma das críticas ao mecanismo extraconvencional refere-se a sua seletividade com relação aos procedimentos geográficos, a qual poderia camuflar opções políticas. Para combater essa seletividade, iniciou-se, em 2008, o primeiro ciclo da Revisão Periódica Universal (RPU) pelo Conselho de Direitos Humanos. A RPU busca combater a seletividade dos casos analisados ao prever que os 192 Estados Membros da ONU passarão, em ciclos de quatro anos, por uma análise de sua situação de direitos humanos, incluindo o cumprimento de obrigações internacionais assumidas. Ramos destaca que o crescente número de Estados que aceitam os mecanismos extraconvencionais fortalece o instituto da responsabilidade costumeira internacional do Estado por violações de direitos humanos. Dessa maneira, “esses mecanismos suprem, no estágio atual do Direito Internacional, a ausência de sistemas convencionais, aceitos por todos os Estados, aos quais o indivíduo teria acesso”49. execuções sumárias, extrajudiciais e arbitrárias; violações do direito de independência de advogados e juízes. Nestes relatórios, constam respostas do governo brasileiro a apenas quatro comunicações enviadas pelos relatores. A esse respeito, vide CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Anuário Direitos Humanos: O Brasil na ONU 2009/2010, p. 24. Disponível em: <http://www.conectas.org/anuario2009_2010/versao_digital.pdf>. Acesso em: 14/12/2010. 47 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 133. 48 Como o Brasil não é objeto de um mandato específico por país, ele recebe apenas visitas de relatores especiais temáticos e de outros representantes das Nações Unidas. Já estiveram no Brasil, por exemplo, o Relator Especial sobre a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes em 2007, o Relator Especial sobre o Direito à Alimentação em 2009, Relator Especial sobre Execuções Sumárias, Extrajudiciais ou Arbitrárias em 2007, o Relator Especial contra o Racismo e a Discriminação em 2006, a Relatora Especial sobre a Situação dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas em 2008. A esse respeito, vide CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Anuário Direitos Humanos: O Brasil na ONU 2008/2009 e CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Anuário Direitos Humanos: O Brasil na ONU 2009/2010. Disponíveis em: <http://www.conectas.org/anuario2009_2010/versao_digital.pdf> e <http://www.conectas.org/anuario2008_2009/images/anuario_conectas_view.pdf>. Acesso em: 14/12/2010. 49 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 165. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. 42 MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 3. O direito à educação e os tratados internacionais O direito à educação, como direito humano, foi amplamente reconhecido e declarado em diversos documentos internacionais e nas constituições ao redor do mundo, a ponto de Norberto Bobbio destacar que não existe atualmente nenhuma carta de direitos que não o reconheça50. Nas tradicionais gerações/dimensões de direitos, o direito à educação apresenta-se como um direito de segunda dimensão, direito social que requer intervenção ativa e material do Estado para sua concretização, em busca de igualdade material entre os indivíduos. Essa foi a classificação adotada no âmbito internacional mediante a previsão do direito à educação no PIDESC e também no âmbito interno, pela Constituição de 1988, que incluiu o direito à educação entre os direitos sociais previstos em seu artigo 6º. No entanto, o direito à educação não é apenas um direito social (de segunda dimensão). O direito à educação é o grande exemplo da interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos, apresentando características de direitos de primeira e terceira dimensões também, dada sua conexão com a liberdade (primeira dimensão), fraternidade e desenvolvimento (terceira dimensão). Ranieri destaca que no plano individual, o direito à educação prende-se à realização pessoal e, nesse sentido, é corolário da dignidade humana e dos princípios da liberdade (direito de primeira dimensão) e da igualdade. No plano coletivo, o direito à educação conecta-se com a vida em sociedade, com a participação política, com o desenvolvimento nacional, com promoção dos direitos humanos e da paz (direitos de terceira dimensão)51. Dessa maneira, o direito à educação não envolve apenas o direito a uma política educacional pelo Estado (direito de segunda dimensão), mas também o direito a um processo individual de conhecimento, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania52 e sua qualificação para o trabalho, conforme prevê a Constituição Brasileira, a DUDH e a Convenção contra da Discriminação no Ensino de 1960, proporcionando também elementos para o desenvolvimento 50 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 75. RANIERI, Nina Beatriz. O estado democrático de direito e o sentido da exigência de preparo da pessoa para o exercício da cidadania, pela via da educação. Tese de Livre-Docência. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2009, p. 288. 52 Para Marshall, a “educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania, e, quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, este tem em mente, sem sombra de dúvida, as exigências e a natureza da cidadania. Está tentando estimular o desenvolvimento de cidadãos em formação. O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não como o direito da criança frequentar a escola, mas como o direito do cidadão adulto ser educado”. MARSHALL, Thomas H. Cidadania, Classe Social e Status. Tradução Gadelha, Meton P. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p. 73. 51 RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 43 econômico e social do local em que este indivíduo está inserido53. O direito à educação é, portanto, um direito multidimensional e instrumental, que contribui para a efetivação de direitos de todas as dimensões54. Considerando as características do direito à educação fica claro que a proteção internacional dos direitos humanos deveria tratar uniformemente todos os direitos humanos, sem privilegiar alguns em detrimento de outros. Sendo direitos indivisíveis, interrelacionados e interdependentes, não há justificativas para tratamentos diferenciados, sobretudo, com relação ao tema da responsabilidade internacional dos Estados. O sistema de proteção do direito à educação, no plano internacional global, tem como pilares a Carta da ONU de 1945, a DUDH, o PIDESC e tratados internacionais assinados entre os Estados Membros da ONU a partir da década de sessenta. A Carta da ONU prevê entre seus objetivos a promoção dos direitos humanos (artigo 1º) e é o fundamento do sistema de responsabilidade internacional extraconvencional, que atualmente, concentra-se na atuação dos relatores especiais da ONU sobre o direito à educação55 e na RPU. A DUDH trata do direito à educação em diversos dispositivos, com destaque para o artigo XXVI56, que prevê: Artigo XXVI: 1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 53 Nota-se uma íntima relação entre educação e desenvolvimento – ao longo da história, a educação e, em especial, a educação superior desenvolvida nas universidades, foram fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico e formação de mão-de-obra qualificada, que auxiliaram o desenvolvimento de muitas nações ao redor do globo. Esta experiência pode ser vista nos países do Leste Asiático. A esse respeito, Stiglitz afirma que o que separa os países entre os mais e menos desenvolvidos hoje não é apenas uma distância de recursos mas também um abismo de conhecimento, “motivo pelo qual os investimentos em educação e tecnologia – em larga medida, do governo – são tão importantes”. STIGLITZ, Joseph E. Globalização: como dar certo. Tradução Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 95. 54 Sobre o caráter instrumental do direito à educação, vide MARSHALL, Thomas H. Cidadania, Classe Social e Status.Tradução Gadelha, Meton P. Rio de Janeiro: Zahar, 1967 e RANIERI, Nina Beatriz. O estado democrático de direito e o sentido da exigência de preparo da pessoa para o exercício da cidadania, pela via da educação. Tese de Livre-Docência. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2009. 55 A primeira a ocupar o cargo de Relatora Especial para o Direito à Educação, entre 1998 e 2004, foi a iugoslava Katarina Tomasevski, substituída pelo costa-riquenho Vernor Muñoz, que ocupou o cargo entre 2004 e junho de 2010. Desde junho de 2010, o Relator Especial para o Direito à Educação é o indiano Kishore Singh, indicado para um mandato de três anos. 56 Essa concepção do direito à educação consta na Constituição Brasileira de 1988, artigos 205 e seguintes. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. 44 MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos. Reconhecido como um direito social, o direito à educação está previsto no PIDESC, e, dessa maneira, o sistema de responsabilidade dos Estados por violações do direito à educação é regulado pelas regras descritas no item 2.2 acima (sistema não contencioso mediante relatórios periódicos e sistema quase-judicial por meio de petições individuais ao CDESC, a partir da entrega em vigor do Protocolo Facultativo do PIDESC). No processo de especialização e diferenciação das normas internacionais, iniciado nos anos sessenta, diversos tratados internacionais de direitos humanos foram concebidos para a proteção de grupos específicos e vulneráveis. Dentre esses tratados, no âmbito da Assembléia Geral da ONU57, os seguintes contêm disposições sobre o direito à educação58: 57 Para a proteção do direito à educação há também a Convenção Relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino, adotada pela Conferência Geral da UNESCO, em 14 de dezembro de 1960 e ratificada pelo Estado Brasileiro em 19 de abril de 1968. Sobre esta Convenção e sua aplicabilidade no Brasil vide o seguinte artigo de minha autoria: MORETTI, Denise Martins. A discriminação econômica no ensino superior brasileiro. Uma abordagem a partir da Convenção da Unesco contra a Discriminação no Ensino. In: RANIERI, Nina Beatriz Stocco (Org.). Direito à Educação: Igualdade e Discriminação no Ensino. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010, p. 107-127. 58 As informações sobre os tratados foram obtidas no site do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos: <http://www2.ohchr.org/english/bodies/ratification/index.htm>. Acesso em 30/11/2011. As datas de ratificação referem-se às datas em que os instrumentos de ratificação foram depositados na ONU. Ao lado das Convenções, que passam pelo procedimento de ratificação para se tornarem obrigatórias, existem também recomendações e declarações emitidas no âmbito de cúpulas da ONU e em Conferências Gerais da UNESCO, que tratam do direito à educação: (i) Declaração Universal dos Direitos das Crianças, adotada em 20 de novembro de 1959 pela Assembléia Geral da ONU; (i) Recomendação sobre a luta contra a discriminação no domínio do ensino, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 14 de dezembro de 1960; (ii) Recomendação sobre a condição dos professores, adotada pela Conferência Especial Intergovernamental sobre a Condição dos Professores em 05 de outubro de 1966; (iii) Recomendação sobre educação para a compreensão, a cooperação e a paz internacionais e educação relativa aos direitos humanos, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 19 de novembro de 1974; (iv) Recomendação sobre o desenvolvimento de educação de adultos, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 26 de novembro de 1976; (v) Carta Internacional de Educação Física e Esporte, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 21 de novembro de 1978; (vi) Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da Criança, adotada no Encontro Mundial de Cúpula pela Criança da ONU em 30 de setembro de 1990; (vii) Declaração Educação para Todos, adotada na Conferência Mundial sobre Educação para Todos da UNESCO, realizada de 05 a 09 de março de 1990; (viii) Recomendação sobre o reconhecimento de estudos e de títulos de ensino superior, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 13 de novembro de 1993; (ix) Recomendação acerca da condição do pessoal docente de educação superior, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 11 de novembro de 1997; (x) Declaração do Milênio das Nações RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 45 (i) Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, adotada pela Assembléia Geral da ONU em 21 de dezembro de 1965 e ratificada pelo Estado Brasileiro em 27 de março de 1968; (ii) Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotada pela Assembléia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1979 e ratificada pelo Estado Brasileiro em 1º de fevereiro 1984; (iii) Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Estado Brasileiro em 24 de setembro de 199059; e (iv) Convenção sobre os Direitos dos Deficientes, adotada pela Assembléia Geral da ONU em 13 de dezembro de 2006 e ratificada pelo Estado Brasileiro em 01 de agosto de 2008. Os instrumentos acima mencionados contribuíram para o desenvolvimento do direito à educação no Brasil e, nesse sentido, muitas de suas disposições foram incorporadas ao direito pátrio - na Constituição de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 ou na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, entre outros documentos. Além disso, destacamos que a Emenda Constitucional nº 45/2004, conferiu especial proteção aos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, mediante a previsão de seu status de emenda constitucional, desde que aprovados por quórum especial. O primeiro tratado a passar por esse procedimento especial e a contar com o status de emenda constitucional no Brasil foi a Convenção sobre os Direitos dos Deficientes60. Todos os tratados acima referidos prevêem o sistema de responsabilidade nãocontencioso, mediante o envio de relatórios periódicos pelos Estados Partes e análise e recomendações pelos Comitês instituídos nos instrumentos. Além disso, alguns Unidas, aprovada na Cimeira do Milênio, realizada de 06 a 08 de setembro de 2000; e (xi) Recomendação revisada acerca do ensino técnico e profissional, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 02 de novembro de 2001. 59 O Brasil ratificou também os seguintes documentos adicionais a esta Convenção: (i) Emenda ao artigo 43 (2) da Convenção sobre os Direitos da Criança - o Brasil aceitou a emenda em 26/02/1998; (ii) Protocolo Opcional à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre o envolvimento das crianças em conflitos armados – ratificado pelo Brasil em 27/01/2004; e (iii) Protocolo Opcional à Convenção dos Direitos da Criança sobre a Venda de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantil - aprovado pelo Decreto nº 5.007, de 03/2004. 60 A EC nº 45/2004 suscitou debates no Supremo Tribunal Federal acerca da hierarquia no ordenamento brasileiro dos tratados de direitos humanos anteriores a sua promulgação, bem como daqueles não aprovados pelo quórum especial, com a formação de duas correntes – pela defesa do status de emenda constitucional sempre ou de emenda constitucional ou supralegal conforme o quórum de aprovação. Independentemente da corrente adotada, o importante é que toda a legislação infraconstitucional brasileira deve observar o conteúdo dos tratados ratificados pelo Estado Brasileiro, sendo suas disposições obrigatórias e suscetíveis de responsabilidade internacional do Estado em razão de violações de seus dispositivos. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. 46 MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... tratados também prevêem a possibilidade de envio de petições individuais para análise dos Comitês previstos nesses instrumentos. Na tabela abaixo, informações a esse respeito: Tratado Comitê Protocolo Facultativo para queixas individuais Brasil aderiu a cláusula facultativa da Convenção que admite queixas 61 individuais em 2003 . Periodicidade dos Relatórios Relatório inicial 1 ano após a adesão e depois a cada 2 anos (na prática a cada 4 anos com relatórios combinados). Relatório inicial no prazo de 2 anos após a adesão e a cada 5 anos. Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965, ratificada pelo Brasil em 1968. Comitê para Eliminação da Discriminação Racial (CERD) PIDESC de 1966, ratificado pelo Brasil em 1992. CDESC Protocolo Facultativo de 10/12/2008, não assinado, nem ratificado pelo Brasil. Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres de 1979, ratificada pelo Brasil em 1984. Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) Protocolo Facultativo de 10/12/1999, ratificado 62 pelo Brasil em 2002 . Relatório inicial 1 ano após a adesão e depois a cada 4 anos. Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, ratificada pelo Brasil em 1990. Comitê para os Direitos da Criança (CDC) Não há protocolo facultativo para queixas individuais. Relatório inicial 2 anos após a adesão e depois a cada 5 anos. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2006, ratificada pelo Brasil em 2008. Comitê para os Direitos das Pessoas com Deficiência Protocolo Facultativo de 13/12/2006, ratificado 63 pelo Brasil em 2008 . Relatório inicial 2 anos após a adesão, e depois a cada 4 anos. 64 Fonte: Tratados Internacionais e Conectas Direitos Humanos . Elaboração: Autora Além desses instrumentos, é importante destacar que o comprometimento dos Estados Membros da ONU com a educação foi reafirmado, no ano de 1998, por meio do programa Educação para Todos - EPT, adotado pela Resolução A/RES/52/84 da Assembléia Geral da ONU. Este programa é resultado da Conferência Mundial Educação para Todos, realizada pela UNESCO, em Jomtien, no ano de 199065, na qual os Estados assumiram o compromisso de expandir as oportunidades educacionais para crianças, jovens e adultos, com o estabelecimento de objetivos e metas para o ano 2000. Passados dez anos dessa Conferência, realizou-se em Dacar, Senegal, em abril de 2000, o Fórum de Educação para Todos, com a presença de representantes de 164 países, para a discussão dos progressos realizados desde 1990. Verificou-se nessa ocasião que a agenda do programa EPT havia sido negligenciada por muitos países e 61 o Cf. Decreto n 4.738, de 12/06/2003. o Cf. Decreto n 4.316, de 30/07/2002. 63 Protocolo facultativo foi ratificado pelo Estado Brasileiro na mesma data que a Convenção. Para o maiores informações, vide Decreto n 6.949, de 25/08/2009. 64 Vide CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Anuário Direitos Humanos: O Brasil na ONU 2009/2010, pp. 38 e 158. Disponível em: <http://www.conectas.org/anuario2009_2010/versao_digital.pdf>. Acesso em: 14/12/2010. 65 Nessa ocasião foi assinada a Declaração Educação para Todos de 1990. 62 RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 47 então, novo compromisso foi firmado (Compromisso de Dacar), com o estabelecimento de seis metas a serem cumpridas pelos países signatários: (i) “ampliar e aperfeiçoar os cuidados e a educação para a primeira infância, especialmente no caso das crianças mais vulneráveis e em situação de maior carência”; (ii) “assegurar que, até 2015, todas as crianças, particularmente as meninas, vivendo em circunstâncias difíceis e as pertencentes a minorias étnicas, tenham acesso ao ensino primário gratuito, obrigatório e de boa qualidade”; (iii) “assegurar que sejam atendidas as necessidades de aprendizado de todos os jovens e adultos através de acesso eqüitativo a programas apropriados de aprendizagem e de treinamento para a vida”; (iv) “alcançar, até 2015, uma melhoria de 50% nos níveis de alfabetização de adultos, especialmente no que se refere às mulheres, bem como acesso eqüitativo à educação básica e contínua para todos os adultos”; (v) “eliminar, até 2005, as disparidades de gênero no ensino primário e secundário, alcançando, em 2015, igualdade de gêneros na educação, visando principalmente garantir que as meninas tenham acesso pleno e igualitário, bem como bom desempenho, no ensino primário de boa qualidade”; e (vi) “melhorar todos os aspectos da qualidade da educação e assegurar a excelência de todos, de forma que resultados de aprendizagem reconhecidos e mensuráveis sejam alcançados por todos, especialmente em alfabetização lingüística e matemática e na capacitação essencial para a vida”66. Também no ano de 2000, em setembro, líderes de 189 países reuniram-se durante a Cúpula do Milênio promovida pela ONU, em Nova York e assinaram a Declaração do Milênio, pela qual estabeleceram uma série de compromissos visando eliminar a extrema pobreza e a fome do planeta até 2015. Para tanto, foram acordados oito objetivos, chamados de Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)67, dentre eles dois referem-se ao tema da educação: (i) ODM 2 - universalização da educação primária (garantir que todas as crianças, de ambos os sexos, de todas as regiões do país, independentemente da cor, raça e sexo, terminem o ensino fundamental); e (ii) ODM 3 – paridade de gênero (eliminar a disparidade de gênero na educação primária e secundária, preferencialmente até 2005, e em todos os níveis de ensino até 2015). Tanto o programa EPT como os ODM demonstram a preocupação da comunidade internacional com a efetivação do direito à educação e que avanços nessa área dependem da atuação dos Estados. Nesse sentido, o estabelecimento de metas e o monitoramento dos Estados por órgãos internacionais podem auxiliar as políticas 66 UNESCO. Relatório de Monitoramento EPT Brasil 2008, pp. 7-10. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001592/159294por.pdf>. Acesso em: 14/12/2010. 67 Para cada um dos objetivos foram estabelecidas metas, sendo 18 no total. Os demais ODM são: (i) ODM 1 – erradicar a pobreza extrema e a fome; (ii) ODM 4 – reduzir a mortalidade na infância; (iii) ODM 5 – melhorar a saúde materna; (iv) ODM 6 – combater o HIV/ Aids, Malária e outras doenças; (v) ODM 7 – garantir a sustentabilidade ambiental; (vi) ODM 8 – estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/odm/>. Acesso em: 14/12/2010. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. 48 MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... internas desses países sinalizando as áreas em que os esforços devem se concentrar, contribuindo assim, para a efetivação desses direitos, como veremos no item a seguir. 4. Informações sobre o cumprimento dos tratados pelo Brasil Com relação ao PIDESC, o Brasil apresentou ao CDESC, seu I Relatório68 no ano de 2001 (com sete anos de atraso)69. Em maio de 2003, o CDESC emitiu suas observações acerca do cumprimento do PIDESC pelo Brasil, incluindo recomendações e sugestões para a efetivação dos direitos previstos no Pacto. Dentre as recomendações do CDESC, algumas trataram do direito à educação, em especial, as recomendações de adotar medidas efetivas para combater as diferentes formas de discriminação no ensino (por raça, cor, origem étnica, sexo, necessidades especiais) (itens 20, 21, 22) e o analfabetismo (item 39)70. Considerando as recomendações do CDESC, em dezembro de 2007 (com um ano de atraso), o Brasil apresentou seu II Relatório, que sintetizou as principais medidas adotadas para efetivação dos direitos previstos no PIDESC, no período de janeiro de 2001 a maio de 2006. Com relação ao direito à educação, o II Relatório brasileiro71 apresentou uma série de dados e informações, dentre os quais se destacaram: (i) o crescimento tímido da escolaridade média da população brasileira – 6,8 anos, em 2004, contra 6,4 anos, em 2001. A esse respeito, o Governo Brasileiro ressaltou que apesar da quase universalização do acesso à escola por parte de crianças de 7 a 14 anos, 43% não conseguiam concluir a oitava série do Ensino Fundamental na idade adequada, o que contribuía para manter baixa a média de anos de estudo da população (item 471); (ii) a redução da taxa de analfabetismo da população brasileira na última década – em 1993, pouco mais de 16% da população com idade igual ou superior a 15 anos era considerada analfabeta enquanto, em 2004, esse percentual 68 I Relatório Brasileiro do PIDESC disponível em: <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G01/461/56/PDF/G0146156.pdf?OpenElement>. Acesso em: 04/01/2012. 69 Em 2000, em virtude da inércia do Estado brasileiro em apresentar seu relatório, a sociedade civil apresentou um “Informe Alternativo” ao CDESC. Em 2003, a sociedade civil brasileira apresentou um Contra Informe ao CDESC, a fim de contestar alguns fatos levantados pelo governo federal em seu relatório oficial, bem como para apresentar novos dados sobre a situação brasileira. Informe Alternativo de 2000 disponível em: <http://www.prr4.mpf.gov.br/pesquisaPauloLeivas/arquivos/informe_alternativo_sociedade_2000.pdf> . Contra Informe de 2003 disponível em: <http://www.prr4.mpf.gov.br/pesquisaPauloLeivas/arquivos/informe_alternativo_sociedade_2000.pdf> . Acessos em: 14/12/2010. 70 As observações conclusivas do CDESC sobre o I Relatório Brasileiro foram emitidas em sessão realizada em 23/05/2003 (E/C.12/1/Add.87). CDESC. Observações Conclusivas I Relatório Brasileiro. Disponível em: <http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/%28Symbol%29/b040fd276d5af333c1256d33002f37bc?Opendocu ment>. Acesso em 31/10/2011. 71 II Relatório Brasileiro do PIDESC disponível em: <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G08/403/04/PDF/G0840304.pdf?OpenElement> . Acesso em: 04/01/2012. RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 49 caiu para 11,4%, sem diferenças significativas entre homens e mulheres (item 14), mas com diferenças raciais – em 2004, enquanto 7,2% dos brancos eram analfabetos, esse percentual atingia 16,2% dos negros (itens 15 e 474) e diferenças regionais – a proporção de analfabetos na região Nordeste era mais de três vezes maior que a da região Sul (item 474); (iii) a proporção de analfabetos por faixa etária, evidenciando uma concentração de analfabetos nas faixas etárias mais altas - em 2004, 3,8% da população entre 10 e 14 anos era analfabeta, ante 2,1% entre 15 e 17 anos e 31,9% entre 60 anos ou mais (itens 16 e 474); (iv) o baixo atendimento da Educação Infantil – apenas 13,7% das crianças de 0 a 3 anos freqüentavam creches em 2004 (item 476); (v) o atraso escolar dos jovens entre 15 e 17 anos – em 2004, 82,2% destes jovens estavam matriculados em escolas mas apenas 45,1% se encontravam matriculados no Ensino Médio, nível adequado para esta faixa etária (item 477); (vi) a expressiva desigualdade na proporção de jovens que frequentavam o Ensino Médio por região, domicílio, raça, cor ou sexo, sendo a distância mais expressiva a que separava os jovens das áreas rural e urbana - menos da metade dos residentes no campo acessava o Ensino Médio. Os jovens negros também freqüentavam menos o Ensino Médio (34,3%) do que os brancos (56,5%) (item 478); (vii) o crescimento da oferta da educação indígena de 17,5% entre os anos de 2002 e 2004 (item 479); (viii) os programas voltados a elevação da escolaridade e desenvolvimento da capacitação de jovens de baixa renda como o Programa Pró-Jovem (item 204), o Programa Escola de Fábrica (item 206) e o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) (item 207); (ix) o acesso ao Ensino Superior – em 2004, apenas 10,8% dos jovens entre 18 e 24 anos chegavam a esse nível de ensino (item 480), com disparidades por região, localização do domicílio, raça, cor e sexo, sendo que a maior diferença era com relação à localização do domicílio – a freqüência ao Ensino Superior de jovens residentes em áreas rurais era oito vezes menor que a dos residentes das áreas urbanas metropolitanas (item 481); (x) as políticas na Educação Superior com a criação de novas universidades federais e novos campi, a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni) em 2004, programas de ações afirmativas com reservas de vagas em instituições públicas e os Programas de Ações Afirmativas para a População Negra nas Instituições Públicas de Educação Superior (UNIAFRO) e de Igualdade de Oportunidade e Direito a Universidade (INCLUIR) (itens 500 a 504); (xi) a situação dos docentes - o Censo Escolar de 2004, informou que o Brasil contava com cerca de 2,5 milhões de funções docentes na Educação Básica mas, que dentre esses profissionais, havia professores, sobretudo nas zonas rurais, exercendo a função docente sem a habilitação requerida por lei (item 483); e (xii) a unificação dos programas de transferência de renda com condicionalidades do Governo Federal no programa Bolsa Família, que exige das famílias beneficiárias compromissos com a educação – matrícula em escolas dos filhos com idade entre 6 e 15 anos e garantia de freqüência mínima de 85% das aulas a cada mês (itens 295 e 492). RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. 50 MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... Com base nessas informações, o CDESC emitiu questionamentos preliminares ao Brasil, especialmente com relação às medidas adotadas contra a evasão escolar (abandono, elevada taxa de analfabetismo, educação das crianças de rua) e para a garantia do direito constitucional da diversidade cultural, que prevê a adaptação de programas educacionais específicos para as necessidades de cada comunidade72. O Brasil respondeu aos questionamentos preliminares da seguinte forma: (i) sobre a evasão escolar, destacou as condicionalidades envolvendo a educação do Programa Bolsa Família e o Programa UNIAFRO; e (ii) sobre educação e diversidade cultural, destacou a ratificação pelo Brasil da Convenção para a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais em 16 de janeiro de 2007, a criação da Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos AfroBrasileiros, cujo objetivo é subsidiar e fortalecer a implementação de políticas públicas relacionadas à temática étnico-racial no âmbito do Ministério da Educação e Cultura, e a formação de professores para difundir conhecimentos fundamentais sobre educação para as relações étnico-raciais e sobre história e cultura afro-brasileira e africana73. As principais observações e recomendações finais do CDESC ao II Relatório Brasileiro com relação ao direito à educação foram74: (i) a preocupação com o fato de que 43% das crianças com idade entre 7 e 14 anos não completavam a oitava série da educação básica em idade apropriada, apesar dos esforços conduzidos pelo Estado Brasileiro para garantir a oferta de educação fundamental obrigatória gratuita e de seus programas para incentivar os pais e responsáveis para matricular crianças pequenas na escola primária. Sobre este assunto, o Comitê recomendou que o Estado Brasileiro: (a) conduza um estudo para verificar o amplo leque de fatores que contribuem para que as crianças não completem a escola primária na idade adequada; (b) elabore políticas e implemente estratégias para tratar dos fatores identificados; (c) inclua, em seu próximo relatório periódico, informações sobre as medidas tomadas com relação aos itens (a) e (b) acima e os progressos atingidos (item 31); (ii) a preocupação com a permanência de disparidades significativas no acesso a educação superior baseadas em região geográfica, ordem étnica e gênero. O Comitê 72 CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Anuário Direitos Humanos: O Brasil na ONU 2008/2009, p. 146. Disponível em: <http://www.conectas.org/anuario2008_2009/images/anuario_conectas_view.pdf>. Acesso em: 14/12/2010. 73 CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Anuário Direitos Humanos: O Brasil na ONU 2008/2009, p. 146. Disponível em: <http://www.conectas.org/anuario2008_2009/images/anuario_conectas_view.pdf>. Acesso em: 14/12/2010. 74 As observações conclusivas do CDESC sobre o II Relatório Brasileiro foram adotadas em sessão realizada em 19/05/2009 (E/C.12/BRA/CO/2). CDESC. Observações Conclusivas II Relatório Brasileiro. Disponível em: <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G09/429/06/PDF/G0942906.pdf?OpenElement>. Acesso em: 30/12/2011. RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 51 reconheceu várias iniciativas tomadas pelo Estado Brasileiro para fornecer maior acesso à educação superior (como o PROEJA e o ProUni) mas recomendou que o Estado Brasileiro elabore e implemente estratégias para aumentar o acesso à educação superior pelos grupos vulneráveis e forneça, em seu próximo relatório periódico, informações sobre o impacto das medidas tomadas a esse respeito (item 32). Na tabela abaixo encontram-se informações sobre os últimos relatórios enviados pelo Governo Brasileiro com relação aos demais tratados que reconhecem o direito à educação e as observações finais dos Comitês: Tratado Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965, ratificada pelo Brasil em 1968. Comitê CERD Último Relatório 14º, 15º, 16º e 17º Relatórios 75 Periódicos Data das Observações Finais do Comitê 05 08/03/2004 Observações dos Comitês que envolvem o direito à educação a 76 O Comitê : (i) recomendou ao Estado Brasileiro que intensifique seus esforços para combater a discriminação racial, elimine as desigualdades estruturais, fornecendo informações sobre a implementação dessas medidas, como o Segundo Programa Nacional de Direitos Humanos e do Programa de Ações Afirmativas (item 12); (ii) reiterou sua preocupação com o fato dos cidadãos analfabetos, que se encontram principalmente entre os povos indígenas e negros (pretos e pardos), não terem o direito de serem eleitos para cargos públicos (item 20). À luz do artigo 5 (c) da Convenção, o Comitê recomendou que o Estado Brasileiro adote medidas adequadas para combater o analfabetismo e permitir a todos cidadãos o gozo de todos os seus direitos políticos, em particular o de serem eleitos para cargos públicos (item 20); e (iii) recomendou que o Estado Brasileiro apresente mais informações sobre os direitos das minorias, em particular sobre o direito de receber educação em sua própria língua (item 21). 75 14º ao 17º Relatórios Periódicos da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 disponíveis em: <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G03/444/10/PDF/G0344410.pdf?OpenElement>. Acesso em: 31/10/2011. 76 CERD. Observações Conclusivas sobre Relatórios do Brasil. Disponível em: <http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G04/410/76/PDF/G0441076.pdf?OpenElement>. Acesso em: 31/10/2011/. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. 52 MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres de 1979, ratificada pelo Brasil em 1984. CEDAW 6º relatório 77 periódico 25/07/2007 O Comitê recomendou ao Estado Brasileiro 78 que : (i) adote medidas concretas para acelerar a erradicação da discriminação contra a mulher em matéria de remuneração, visando assegurar a igualdade de oportunidades de fato para as mulheres e homens no mercado de trabalho (item 28); e (ii) redobre seus esforços para executar programas nacionais integrais de saúde e educação, em matéria de alfabetização funcional (item 32), para mitigar a pobreza. Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, ratificada pelo Brasil em 1990. CDC Relatório 79 Inicial 03/11/2004 O Comitê recomendou ao Estado Brasileiro 80 que : (i) proíba punições corporais na família, escola e instituições penais e que implemente campanhas educativas para mostrar aos pais ou responsáveis outras formas de disciplina (item 43); (ii) estabeleça programas de educação especial para crianças com deficiências e as inclua no sistema regular de ensino na medida do possível (item 51, e); (iii) aumente os recursos, financeiros e humanos, para a educação especial (item 51, g); (iv) melhore o acesso à escola, sobretudo dos pobres, mestiços, afrodescendentes e crianças que vivem em áreas longínquas. O Comitê também mostrou-se preocupado com a baixa qualidade em muitas escolas – muitas crianças apesar de anos de estudos não conseguem ler nem escrever ou fazer operações matemáticas básicas (item 58); (v) aumente os gastos com educação e assegure a distribuição dos orçamentos em todos os níveis (item 59, a); (vi) reforce seus esforços para melhorar a qualidade da educação (item 59, b); (vii) aumente a taxa de conclusão do ensino primário e assegure que a educação primária seja sempre gratuita (item 59, c); e (viii) busque cooperação técnica da UNESCO e UNICEF, entre outros 77 6º Relatório Periódico da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres de 1979, disponível em: <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N05/479/31/PDF/N0547931.pdf?OpenElement>. Acesso em 04/01/2012. 78 CEDAW. Observações Finais ao Brasil sobre o 6º Relatório Periódico. Disponível em <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N07/460/28/PDF/N0746028.pdf?OpenElement>. Acesso em: 31/10/2011. 79 Relatório inicial da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 disponível em: <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G03/457/98/PDF/G0345798.pdf?OpenElement>. Acesso em: 04/01/2012. 80 CDC. Observações Conclusivas sobre o Relatório Brasileiro. Disponível em: <http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/898586b1dc7b4043c1256a450044f331/2f7a0e477d8c8cf8c1256f6 30037cde4/$FILE/G0444278.pdf>. Acesso em: 31/10/2011. RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 53 (item 59, d). Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2006, ratificada pelo Brasil em 2008. Comitê para os Direitos das Pessoas com Deficiência Relatório 81 inicial N/A Ainda não emitidas. Fonte: Relatórios periódicos e Observações dos Comitês Elaboração: Autora O Brasil esteve também entre os dezesseis primeiros países que passaram pela RPU, em março de 2008. O relatório submetido pelo governo brasileiro considerou quinze temas, dentre eles, o direito à educação82. A esse respeito, o relatório brasileiro destacou que, desde 2007, as políticas públicas em educação articularam-se em torno do Plano de Desenvolvimento da Educação, visando incrementar os resultados na educação de maneira sistêmica e avançar na implementação integral do direito humano à educação. Destacou o Programa Brasil Alfabetizado – iniciativa para combater o analfabetismo que atendeu aproximadamente 1,3 milhão de pessoas em 2007 – e o ProUni – que concedeu bolsas de estudos em instituições privadas de educação superior e que beneficiava mais de 300 mil estudantes na época. Além de apresentar o relatório, a delegação brasileira respondeu a perguntas feitas pelos Estados Membros e por observadores do Conselho de Direitos Humanos e recebeu, destas delegações, recomendações para a melhoria da efetivação dos direitos humanos no país. Ao todo, foram endereçadas e aceitas pelo Brasil quinze recomendações – nenhuma delas relacionada diretamente ao direito à educação. 81 Relatório inicial da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2006 disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/corde/relatorio.pdf>. Acesso em: 31/10/2011. 82 Os outros temas tratados no relatório brasileiro foram: direitos da mulher; direito à igualdade racial; direito à alimentação adequada; combate à pobreza e à desigualdade social; direito à terra; direito à saúde; direito ao trabalho; combate à prática de tortura e execuções extrajudiciais; direito à segurança pública cidadã; direito à memória e à verdade; direito à livre orientação sexual e à identidade de gênero; direitos das populações indígenas; direitos da criança e do adolescente; e direitos das pessoas com deficiência. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. 54 MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... Quando o país passar novamente pela RPU, em 2012, o cumprimento das recomendações fará parte do processo de avaliação83. Em 2009, nove relatores especiais apresentaram relatórios ao Conselho de Direitos Humanos contendo comunicações enviadas ao governo brasileiro a partir de denúncias recebidas. Dentre essas comunicações uma se refere ao direito à educação. Trata-se de uma denúncia de restrição imposta à liberdade de expressão de professores no Estado de São Paulo, a qual foi encaminhada pelos Relatores Especiais sobre o Direito à Educação (Vernor Muñoz) e sobre a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão (Frank La Rue) e respondida pelo governo brasileiro84. 83 Para o Conectas Direitos Humanos, “as recomendações atingiram um grande leque de temas, tendo relativo destaque, entretanto, a questão das condições precárias dos estabelecimentos carcerários e a questão das reformas legais, dentre elas, as que favoreçam a ampliação do acesso dos cidadãos à informação pública, o processamento de abusos de direitos humanos pela Lei Federal, a ampliação do acesso à justiça e a melhoria do sistema judicial. O Brasil declarou que dará atenção às recomendações emanadas da avaliação, em linha com a participação construtiva do país junto aos demais mecanismos internacionais de monitoramento e proteção dos direitos humanos”. CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Anuário Direitos Humanos: O Brasil na ONU, 2008/2009, p. 108. Disponível em: <http://www.conectas.org/anuario2008_2009/images/anuario_conectas_view.pdf>. Acesso em: 14/12/2010. 84 Os Comunicados do Relator Especial sobre o Direito à Educação, Vernor Muñoz, e do Relator Especial sobre a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão, Frank La Rue, (A/HRC/11/8/Add.1 e A/ HRC/11/4/Add.1) foram emitidos em 07/04/2008. A restrição denunciada pelos relatores tem por fundamento previsões do Estatuto dos Servidores Civis do Estado de São Paulo, do Decreto n° 7.510, de 29 de janeiro de 1976 e da Resolução SE n° 170, de 25 de julho de 1990. No Estatuto dos Servidores, o artigo 241 prevê a total confidencialidade das decisões de divisões públicas, contrariando o princípio de transparência da administração pública; e o artigo 242 proíbe os servidores civis de se referirem publicamente a autoridades e atos da administração pública de forma depreciativa. Além disso, os relatores verificaram que tanto o Decreto quanto a Resolução continham artigos que previam a necessidade de uma autorização especial para que servidores civis dessem entrevistas à mídia relacionadas a assuntos da divisão em que estão alocados. Os relatores demonstraram preocupação com tais previsões, principalmente com relação à atuação dos professores, que poderiam se sentir desencorajados a tomar atitudes buscando a melhoria de certos setores da educação. Lembraram ainda da importância da liberdade de expressão em uma sociedade democrática e do papel vital dos professores no debate público do sistema educacional. O governo brasileiro enviou resposta ao comunicado dos relatores em 11/09/2008 dizendo que o objetivo do Estatuto do Servidor Civil não era de impedir a livre articulação de idéias de seus servidores quando não estivessem realizando suas atribuições, mas sim de limitar a expressão de sua opinião enquanto estivessem dentro das suas funções públicas e portanto, envolvendo o Estado. De acordo com a resposta do governo, o Estado enquanto entidade legal não poderia expressar opinião ou vontade, o que seria feito por meio de seus agentes, na medida de sua autoridade. Portanto, seria necessário certo controle sobre as posições dos servidores públicos enquanto agentes do Estado. Com relação às demais disposições legais, o governo informou que a Resolução SE nº 170 fora revogada em 21 de agosto de 2008 por meio da Resolução SE nº 63, e que uma pesquisa realizada pela Secretaria da Educação indicava que o Decreto nº 7.510 também seria revogado. Ademais, informou que a Secretaria da Educação não havia negado nenhum pedido de professores ou diretores para conceder entrevistas, e que a atual administração não havia punido nenhum servidor que tivesse sido entrevistado, demonstrando que a legislação acima mencionada estaria em desuso. CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Anuário Direitos Humanos: O Brasil na ONU 2009/2010, p. 125. Disponível em: <http://www.conectas.org/anuario2009_2010/versao_digital.pdf>. Acesso em: 14/12/2010. RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 55 Com relação ao Compromisso de Dacar (2000), o acompanhamento do cumprimento das metas do EPT é feito a partir de parâmetros comuns, que compõem o Índice de Desenvolvimento da Educação para Todos (IDE). Referido índice é formado por quatro indicadores quantitativos: (i) universalização da educação primária; (ii) alfabetização de adultos; (iii) paridade de gêneros; e (iv) qualidade da educação. O Brasil, como um dos signatários do Compromisso de Dacar, de acordo com o Relatório de Monitoramento EPT Brasil de 2008, com relação à meta da universalização da educação primária encontra-se no Quadrante I (alta chance de atingir as metas até 2015)85; com relação à alfabetização de adultos situa-se no Quadrante III (em risco de não alcançar o objetivo até 2015)86; com relação à paridade de gênero, considera-se que o Brasil está em risco de não alcançar até 2015, com probabilidade de alcançar até 202587; e por fim, com relação à qualidade, o relatório esclarece que sobre algumas de suas dimensões (resultados em avaliações nacionais e internacionais, condições para o ensino e aprendizagem, quantidade e qualidade dos professores) é difícil fazer projeções e que as melhoras nesse campo dependem do crescimento econômico e dos recursos governamentais88. Além disso, o Relatório de Monitoramento Global EPT de 201089 destacou que (i) a qualidade da educação no Brasil é baixa, principalmente no ensino básico; (ii) apesar da melhora apresentada entre 1999 e 2007, o índice de repetência no ensino fundamental brasileiro (18,7%) é o mais elevado na América Latina e fica expressivamente acima da média mundial (2,9%); (iii) o alto índice de abandono nos primeiros anos de educação alimenta a fragilidade do sistema educacional do Brasil (cerca de 13,8% dos brasileiros largam os estudos já no primeiro ano no ensino básico). Na avaliação da UNESCO, o Brasil poderia estar em uma situação melhor se não fosse a baixa qualidade do seu ensino pois das quatro metas quantificáveis usadas pela organização, o país registra altos índices em três (atendimento universal, igualdade de gênero e analfabetismo), mas um indicador muito baixo no porcentual de crianças que ultrapassa o 5º ano90. 5. Síntese e Conclusão O objetivo do presente artigo foi tratar da responsabilidade internacional do Estado Brasileiro por violações do direito à educação, a partir do sistema global. 85 UNESCO. Relatório de Monitoramento EPT Brasil 2008, p. 20. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001592/159294por.pdf>. Acesso em 14/12/2010. 86 UNESCO. Relatório de Monitoramento EPT Brasil 2008, p. 21. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001592/159294por.pdf>. Acesso em 14/12/2010. 87 UNESCO. Relatório de Monitoramento EPT Brasil 2008, p. 23. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001592/159294por.pdf>. Acesso em 14/12/2010. 88 UNESCO. Relatório de Monitoramento EPT Brasil 2008, p. 24. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001592/159294por.pdf>. Acesso em 14/12/2010. 89 UNESCO. Monitoramento dos Objetivos de Educação para Todos 2010, p. 5. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001899/189923por.pdf>. Acesso em: 01/12/2011. 90 Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,qualidade-da-educacao-no-brasil-ainda-e-baixaaponta-unesco,498175,0.shtm>. Acesso em 14/12/2010. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. 56 MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... Inicialmente, apresentamos as modalidades de responsabilidade internacional dos Estados por violação de direitos humanos, dando destaque para as diferenças históricas entre os sistemas de responsabilidade construídos em torno dos direitos sociais, econômicos e culturais e dos direitos civis e políticos. Nesse contexto, verificamos que um dos principais instrumentos de proteção ao direito à educação, o PIDESC, durante muitos anos negou a possibilidade de petições individuais contendo denúncias sobre violações de direitos, mas que recentemente, o seu protocolo facultativo, que permite essa sistemática de responsabilização internacional (sistema quase-judicial) foi aberto a assinaturas e ratificações. Após essa análise inicial, procuramos destacar a centralidade do direito à educação, como o grande exemplo da interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos, bem como apresentamos todos os tratados internacionais que cuidam da proteção do direito à educação no âmbito da ONU ratificados pelo Brasil. Nesse estudo, verificamos que os principais sistemas de responsabilidade internacional para o Estado Brasileiro por violações do direito à educação são o sistema convencional não contencioso (mediante relatórios periódicos) e o sistema extraconvencional. A esse respeito, verificamos que novos instrumentos de controle e monitoramento dos Estados foram incorporados ao sistema global nos últimos anos, como a RPU e, especificamente, com relação ao direito à educação, os instrumentos relativos ao programa EPT e aos ODM. Finalizada nossa análise, é possível notar que o tema da efetivação do direito à educação é cada vez mais debatido nos órgãos internacionais, com a assunção de compromissos internacionais pelos Estados para o incremento deste direito em seus países. O acompanhamento dos avanços e retrocessos dos Estados nessa temática é facilitado atualmente pelo grande volume de relatórios e recomendações proferidas pelos órgãos internacionais. Esse fato, em conjunto, com a possível assinatura e ratificação pelo Estado Brasileiro do Protocolo Facultativo do PIDESC, indicam um novo panorama em prol da efetivação desse direito, seja por meio da possível pressão internacional (power of embarrassment) a ser suportada pelo Estado Brasileiro caso as metas assumidas nos compromissos internacionais não sejam cumpridas, seja por meio da pressão e controle pela sociedade civil das políticas adotadas pelo Estado Brasileiro para a efetivação do direito à educação, aprimorada pela possibilidade de ingresso no CDESC com queixas individuais sobre violações do direito à educação. 6. Bibliografia BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. BRASIL. I Relatório Brasileiro do PIDESC. Disponível em: <http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G01/461/56/PDF/G0146156.pdf?OpenElement>. Acesso em: 04/01/2012. RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 57 ___________. II Relatório Brasileiro do PIDESC. Disponível em: <http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G08/403/04/PDF/G0840304.pdf?OpenElement>. Acesso em: 04/01/2012. ___________. 6º Relatório Periódico da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres de 1979. Disponível em: <http://daccessdds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N05/479/31/PDF/N0547931.pdf?OpenElement>. Acesso em 31/10/2011. ___________. 14º ao 17º Relatório Periódico da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965. Disponível em: <http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G03/444/10/PDF/G0344410.pdf?OpenElement>. Acesso em: 31/10/2011. ___________. Relatório Inicial da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989. Disponível em: <http://daccessddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G03/457/98/PDF/G0345798.pdf?OpenElement>. Acesso em: 04/01/2012. ___________. 1º Relatório nacional da República Federativa do Brasil sobre o cumprimento das disposições da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 2008-2010. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/corde/relatorio.pdf>. Acesso em: 31/10/2011. CDC. Observações Conclusivas sobre o Relatório Brasileiro. Disponível em: <http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/898586b1dc7b4043c1256a450044f331/2f7a0e47 7d8c8cf8c1256f630037cde4/$FILE/G0444278.pdf>. Acesso em: 31/10/2011. CDESC. Observações Conclusivas I Relatório Brasileiro. Disponível em: <http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/%28Symbol%29/b040fd276d5af333c1256d33002 f37bc?Opendocument>. Acesso em 31/10/2011. ___________. Observações Conclusivas II Relatório Brasileiro. Disponível em: <http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G09/429/06/PDF/G0942906.pdf?OpenElement>. Acesso em: 30/12/2011. CEDAW. Observações Finais ao Brasil sobre o 6º Relatório Periódico. Disponível em <http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N07/460/28/PDF/N0746028.pdf?OpenElement>. Acesso em: 31/10/2011. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. 58 MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... CERD. Observações Conclusivas sobre Relatórios do Brasil. Disponível em: <http://daccess-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G04/410/76/PDF/G0441076.pdf?OpenElement>. Acesso em: 31/10/2011/. COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Anuário Direitos Humanos: O Brasil na ONU 2009/2010. Disponível em: <http://www.conectas.org/anuario2009_2010/versao_digital.pdf>. Acesso em: 14/12/2010. ___________. Anuário Direitos Humanos: O Brasil na ONU 2008/2009. Disponível em: <http://www.conectas.org/anuario2008_2009/images/anuario_conectas_view.pdf>. Acesso em: 14/12/2010. IBGE. Síntese de Indicadores Sociais, uma análise das condições de vida da população brasileira 2010. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresmi nimos/sinteseindicsociais2010/SIS_2010.pdf>. Acesso em: 01/12/2011. LAFER, Celso. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), in MAGNOLI, Demétrio. A história da paz. São Paulo: Contexto, 2008, pp. 297-330. MARSHALL, Thomas H. Cidadania, Classe Social e Status. Tradução Gadelha, Meton P.. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. ___________. Temas de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2003. RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: análise dos sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. ___________. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. __________. Responsabilidade Internacional por Violação de Direitos Humanos: seus elementos, a reparação devida e sanções possíveis: teoria e prática do direito internacional. Rio de Janeiro, Renovar, 2004. RDDP, vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59. MORETTI, D. M. A responsabilidade internacional do Estado Brasileiro... 59 RANIERI, Nina Beatriz. O estado democrático de direito e o sentido da exigência de preparo da pessoa para o exercício da cidadania, pela via da educação. Tese de LivreDocência. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2009. SARLET, Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. STIGLITZ, Joseph E. Globalização: como dar certo. Tradução Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. UNESCO. Relatório de Monitoramento EPT Brasil 2008. Disponível <http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001592/159294por.pdf>. Acesso em 14/12/2010. em: ___________. Relatório de Monitoramento Global EPT 2010. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001865/186525por.pdf>. Acesso em: 14/12/2010. ___________. Monitoramento dos Objetivos de Educação para Todos 2010. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001899/189923por.pdf>. Acesso em: 01/12/2011. RDDP,vol. 1, n. 1, 2012, p. 30 - 59.