Estratégias de tratamento intervencionista da
varicocele
Estratégias de tratamento intervencionista da varicocele
1ª Edição - 16/05/12
Resumo
A varicocele é uma doença comum e a indicação de cirurgia é comum em adultos,
crianças e adolescentes. É freqüente ver a indicação cirúrgica no contexto da
infertilidade.
Não há estudos que respaldem a maior parte das indicações comumente usadas em
crianças e adolescentes no contexto da varicocele assintomática.
Há evidência de nível 1 indicando não haver relação entre varicocelectomia e melhora
da infertilidade usando como critério a taxa de gravidez.
Dentre as diversas técnicas existentes, a microcirurgia é a que parece ter mais vantagens
(NE1). Ela está particularmente indicada para o paciente com varicoceles grau 1 e 2
(NE2) enquanto que a cirurgia aberta ou escleroterapia à Tauber parecem apropriadas
para todos os casos.
Por questões de efetividade, técnicas como a laparoscopia e a embolização endovascular
não seriam recomendáveis (NE1 e 2), além do que cursam com maior custo do que as
demais opções terapêuticas.
Introdução
Varicocele é a dilatação das pequenas veias do plexo interno que drena o testículo
(plexo pampiniforme). Pode ser uni ou bilateral e quase sempre é assintomática.
Recordando a anatomia, as veias espermáticas drenam para a veias cava do lado direito
(trajeto oblíquo) e para a veia renal do lado esquerdo (trajeto perpendicular). Variações
anatômicas não são incomuns. O trajeto perpendicular à esquerda explica o fato da
varicocele esquerda ser mais freqüente.
O diagnóstico da varicocele é clínico. Conforme seu tamanho pode ser classificada em:
- grau I (pequenas) - palpáveis apenas com a manobra de Valsalva;
- grau II (moderadas) - palpáveis facilmente sem esta manobra;
- grau III (grandes) - detectáveis visualmente.
A varicolecectomia vem sendo mais amplamente praticada no contexto do tratamento
da infertilidade, pela crença de que possa haver algum papel da varicocele na gênese da
infertilidade ou na sua melhora após a cirurgia, o que não encontra respaldo científico
como veremos adiante.
Outra indicação cirúrgica comum é quando o problema é detectado em crianças e
adolescentes onde há redução do volume testidular. Fora deste contexto apenas o
acompanhamento clínico está indicado (19).
A cirurgia convencional é extremamente simples e pode ser feita com anestesia local em
regime ambulatorial. Consiste num pequeno corte sobre a região inguinal, através do
qual o cordão espermático é isolado e as veias comprometidas são ressecadas. Doenças
comuns como a hérnia e a hidrocele podem ser tratadas no mesmo tempo cirúrgico.
Variações técnicas existem quanto à posição da incisão e abordagem do cordão (ex:
técnica retroperitoneal de Palomo, técnica inguinal de Ivanissevich, varicocelectomia
infrainguinal, microcirurgia, etc.). A ligadura pode ser feita com clips ou com fios
cirúrgicos convencionais.
Mais recentemente técnicas alternativas mais complexas e mais custosas como a
laparoscopia e a embolização por via endovascular foram propostas.
A laparoscopia envolve anestesia geral, maior tempo cirúrgico, abertura da cavidade
peritoneal e dissecção retroperitoneal do cordão para a exérese das veias
comprometidas. Duas técnicas são descritas: a ligadura da veia e a ligadura arterial e
venosa.
A embolização é feita sob sedação, por via endovascular, através da punção da veia
femoral e passagem de introdutores, cateteres e guias. A oclusão das veias
comprometidas é feita com molas especiais de alto custo (tipo Gianturco, p.ex.). Há
considerável exposição à radiação e injeção de contraste radiológico, que por si só
expõe o paciente a riscos como anafilaxia e insuficiência renal. A quantidade de molas e
cateteres utilizados pode variar de acordo com a anatomia local.
Este documento tem por objetivo avaliar a eficácia dos novos métodos de tratamento em
comparação com a varicocelectomia clássica.
Levantamento Bibliográfico
A busca foi realizada até 15/05/2012 no MEDLINE, National Guidelines
Clearinghouse, Biblioteca Cochrane, CRD Databases, Associação Médica Brasileira
(AMB), FDA, EMEA e ANVISA e selecionou:
* 8 revisões sistemáticas
* 9 estudos randomizados controlados
* 2 guidelines
Os níveis de evidência (NEs) foram classificados de acordo com o Oxford Center for
Evidence Based Medicine, versão 2011 (1)
Análise das Evidências
Varicocele e infertilidade
Em se tratando de infertilidade, o desfecho principal que precisa ser considerado é,
incontestavelmente, a gravidez.
Embora a varicocelectomia comprovadamente melhore alguns parâmetros do sêmen tais
como contagem e mobilidade de espermatozóides (2,3,4)(NE1), não há impacto na
fertilidade, ou seja, não há aumento da taxa de gravidez da parceira após o
procedimento (3,4)(NE1).
As revisões com metanálise da Cochrane (3,4)(NE1) que nos permitem esta conclusão
baseiam-se tanto em estudos onde a varicocele era palpável quanto naqueles onde a
varicocele era subclínica, refletindo a maioria das práticas atuais em clínicas de
infertilidade. Homens com espermograma normal e alterado também foram incluídos.
Todos eram estudos randomizados e controlados.
No estudo da Cochrane mais recente, uma metanálise foi feita no subgrupo de homens
com espermograma anormal e varicocele palpável. Ela também não indicou associação
entre a varicocelectomia e o aumento da taxa de gravidez (4)(NE1).
Uma outra revisão com metanálise (6)(NE3-4) concentrou-se em estudos envolvendo
homens inférteis com azoospermia não obstrutiva. Foram incluídos estudos de menor
confiabilidade sobre o tema (somente séries de casos), portanto o menor nível de
evidência atribuído a esta revisão. Os resultados indicam melhorias no espermograma e
6% de gravidezes espontâneas. As conclusões deste estudo precisam ser analisadas com
cautela devido à baixa confiabilidade das fontes primárias.
A evidência mais recente de que dispomos é uma revisão sistemática de menor nível de
evidência (9)(NE3-4). Apenas uma comparação feita pelo estudo envolveu apenas
ensaios randomizados controlados e portanto tem maior confiabilidade. A mesma indica
que a varicocelectomia em homens oligozoospermicos não traz aumento na taxa de
gravidez.
Depois da publicação destas revisões, apenas um estudo de maior relevância foi
publicado (11)(NE2) onde houve diferença na taxa de gravidez após a varicocelectomia.
É um estudo com 145 pacientes, todos tinham as seguintes características: tinham que
estar casados, ter entre 20 e 39 anos, infertilidade há mais de 1 ano, varicoceles
palpáveis, espermograma com pelo menos um dos seguintes parâmetros alterados:
contagem de espermatozóides <20 milhões/ml, motilidade progressiva <50% ou
morfologia normal <30%). Foram excluídos pacientes com varicoceles recorrentes ou
subclínicas, com espermograma normal e com azoospermia. Uma nova metanálise
precisa ser feita com a inclusão deste estudo para verificar se as conclusões dos estudos
de nível 1 se modificarão.
Comparação entre as diferentes técnicas de tratamento
Uma revisão sistemática com metanálise (5)(NE3) concentrou-se na avaliação das
diferentes técnicas cirúrgicas, incluindo apenas estudos onde havia varicocele palpável e
sêmen com anormalidades. Foram incluídos estudos de menor confiabilidade sobre o
tema (não havia randomizados controlados), portanto o menor nível de evidência
atribuído a esta revisão.
Neste estudo (5)(NE3), cujas conclusões devem ser analisadas com cautela, o autor
conclui que a técnica microcirúrgica produz maiores taxas de gravidez espontânea,
menor recorrência pós-operatória e menor formação de hidrocele pós operatória, que é
uma das complicações do procedimento. A laparoscopia e embolização não ofereceram
vantagens sobre esta técnica. O autor conclui que são necessários estudos prospectivos
e randomizados com um grande número de paciente para comparar a eficácia das
diversas técnicas existentes.
A comparação entre varicocelectomia aberta e laparoscópica em crianças e adolescentes
foi o tema de uma revisão sistemática (7)(NE3) com menor nível de evidência devido a
ter incluído estudos de baixa confiabilidade. A metanálise feita não indicou haver
diferenças entre a laparoscopia e a cirurgia aberta em relação a taxa de recorrência e
hidrocele. A laparoscopia com ligadura da veia e da arteria espermática interna
proporcionou menor taxa de recorrência quando comparada com a laparoscopia com
ligadura da veia apenas. O mesmo ocorreu quando a laparoscopia era precedida por uma
injeção de corante. As conclusões deste estudo precisam ser analisadas com cautela
devido à baixa confiabilidade das fontes primárias.
Uma revisão incluindo estudos randomizados controlados e observacionais de menor
nível de evidência (8)(NE3-4) para comparar os resultados da técnica laparoscópica de
preservação linfática com a técnica laparoscópica convencional. As taxas de hidrocele
foram significativamente menores após a laparocopia convencional. Não houve
diferença na taxa de recorrência entre as duas técnicas. As conclusões deste estudo
precisam ser analisadas com cautela devido à baixa confiabilidade das fontes primárias.
Uma revisão sistemática de menor nível de evidência (9)(NE3-4). Conclui com base em
estudos de menor confiabilidade que há melhoria do espermograma após a
varicocelectomia de forma geral e que a microcirurgia apresenta menor taxa de
recorrência e complicações quando comparada às demais técnicas de tratamento.
Um estudo randomizado controlado (10)(NE2) provou ser dispensável o uso do
microscópio cirúrgico quando existe varicocele grau 3. O método deve reservar-se
portanto aos casos de varicoceles menos graves, desde que a cirurgia esteja bem
indicada.
Um estudo comparativo avaliou técnicas de escleroterapia (11)(NE2). Foram incluídos
155 pacientes inférteis há mais de 1 ano, com espermograma anormal, com varicocele
com mais de 3mm no ultrasson e tempo de regurgitação maior que 2 segundos. Eles
foram randomizados para receber varicocelectomia aberta à Ivanissevich ou
escleroterapia à Tauber (escrotal) ou escleroterapia subinguinal anterógrada. Houve
melhora no espermograma em todos os grupos, não houve diferença quanto às taxas de
gravidez e o único grupo que teve hidrocele como complicação foi o que recebeu a
varicocelectomia à Ivanissevich.
Outros estudos avaliaram a escleroterapia à Tauber.
Um deles (14)(NE2) em homens com varicocele grau I a III à esquerda e espermograma
alterado. O agente esclerosante utilizando foi uma mistura de 3ml atoxysclerol 3% com
1ml de ar misturados, injetados durante uma manobra de Valsalva na veia mais dilatada,
exposta através de uma pequena incisão. Os resultados incluíram melhoras no
espermograma, mas sem menção à taxa de gravidez.
Outro, comparou a escleroterapia à Tauber com a laparoscopia, também não
identificando diferenças exceto maior número de complicações na laparoscopia. O autor
recomenda a escleroterapia em detrimento à laparoscopia pelo seu menor custo, rapidez
e menos complicações (15)(NE2).
Um estudo que comparou a ligadura laparoscópica com bisturi bipolar à cirurgia
convencional aberta não encontrou diferença quanto à recorrência e formação de
hidrocele (13)(NE2).
Um estudo randomizado verificou que não há diferença em fazer varicocelectomia
esquerda ou bilateral em homens inférteis que tinham varicocele subclínica bilateral
(12)(NE2). Houve melhora no espermograma de ambos grupos, sem diferença na taxa
de gravidez.
Não houve diferenças também quando na cirurgia aberta é feita ligadura alta ou baixa da
veia espermática na técnica aberta à Ivanissevich (16)(NE2). Um outro estudo
interessando apenas a técnica microcirúrgica observou menor taxa de complicações com
a ligadura alta (17)(NE2).
A embolização por via endovascular não apresentou melhores resultados do que a
cirurgia aberta em homens (18)(NE2). Ambos tratamentos melhoraram parâmetros do
espermograma com taxas de gravidez equivalentes.
Varicocelectomia em crianças e adolescentes
Embora seja freqüente a indicar a cirurgia em crianças e adolescentes com atrofia
testicular ou anormalidades hormonais, não há evidências que indiquem qual seria a
melhor idade ou se a cirurgia traz benefício em relação à recuperação androgênica (20).
Guidelines
A diretriz sobre varicocele da Associação Médica Brasileira (19)(NE5) está
desatualizada. Na época em que ela foi feita já havia evidência nível 1 indicando
ausência de benefício da varicocelectomia na infertilidade mas mesmo assim há
recomendação para fazê-la em varicocele que não seja subclínica, com base em
evidências de classe C e D (de baixo nível).
Uma diretriz da European Association of Urology e da European Society for Paediatric
Urology (20)(NE5) destina-se apenas a adolescentes. Recomendam contra a
embolização devido ao alto risco e alta taxa de recorrência. Recomendam também que
quando a técnica laparoscópica for usada a preferência deve recair sobre a técnica com
preservação linfática. As recomendações da sociedade para a indicação cirúrgica nesta
faixa etária são:
* Varicocele associada a testículo pequeno;
* Outra doença testicular que afete a fertilidade;
* Varicocele bilateral palpável;
* Anormalidade no espermograma de adolescentes mais velhos;
* Varicocele associada com resposta supranormal ao teste de estímulo com LHRH;
* Varicocele sintomática.
Conclusões e Recomendações do Parecer
As indicações cirúrgicas da varicocele não sintomática são controversas.
Não há estudos que respaldem a maior parte das indicações comumente usadas em
crianças e adolescentes no contexto da varicocele assintomática.
Há evidência de nível 1 indicando não haver relação entre varicocelectomia e melhora
da infertilidade usando como critério a taxa de gravidez.
Dentre as diversas técnicas existentes, a microcirurgia é a que parece ter mais vantagens
(NE1). Ela está particularmente indicada para o paciente com varicoceles grau 1 e 2
(NE2) enquanto que a cirurgia aberta ou escleroterapia à Tauber parecem mais
apropriadas todos os casos.
Por questões de efetividade, técnicas como a laparoscopia e a embolização endovascular
não seriam recomendáveis (NE1 e 2), além do que cursam com maior custo do que as
demais opções terapêuticas.
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