1 O HOMEM COMO “SER SOCIAL E HISTÓRICO”: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO CULTURAL PARA A ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL Resumo O presente artigo tem por objetivo evidenciar a importância da concepção de homem, tal qual aparece nos pressupostos da Psicologia Histórico Cultural. Teoria, elaborada por Lev Semenovich Vygotski e continuada por seus colaboradores: Alexander Romanovich Luria e Alexis Leontiev. Com esse estudo, pretende‐se ainda, buscar relações entre as bases marxistas desta teoria e suas contribuições para a escolarização de alunos com Deficiência Intelectual em salas de aula comuns que oferecem o Ensino Fundamental, mais especificamente no município de Cascavel – PR, na área de Língua Portuguesa. Além da abordagem teórica em questão, tornou necessário a este estudo, uma breve análise das Diretrizes Curriculares da Educação Especial do Estado do Paraná, documento que versa sobre a concepção de currículo inclusivo. Analisando essa concepção de currículo, haveria a possibilidade de articulação com a concepção de homem como “ser social e histórico”? Nesse momento, cabe buscar em Saviani apoio, no que diz respeito ao papel da escola, bem como na função do currículo. Palavras‐chave: Psicologia Histórico Cultural; Currículo Comum; Concepção de Homem; Deficiência Intelectual. SUZI ROSANA MACIEL BARRETO DO NASCIMENTO UNIOESTE [email protected] 1
Instituição Financiadora: Fundação Araucária/ CAPES X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.1
Introdução A Psicologia Histórico Cultural traz como pressuposto importante que o homem é um ser social e histórico, nesse pressuposto, há uma ênfase ao aspecto cultural do desenvolvimento humano. Para que haja o processo de hominização, isto é da constituição do sujeito em humano, necessariamente a cultura permeou esse processo, esteve presente. Fica evidente que o tempo e o espaço, assim como os códigos linguísticos e os instrumentos manipulados pela sociedade, na qual se insere o sujeito colaboram para que este se constitua como tal. Como afirma Vygotski: A luta pela sobrevivência e a seleção natural, as duas forças motrizes da evolução biológica no mundo animal, perdem a sua importância decisiva assim que passamos a considerar o desenvolvimento histórico do homem. As novas leis que regulam o curso da história humana e que regem o processo de desenvolvimento material e mental da sociedade humana, agora tomam seus lugares. (VYGOTSKI, 1930, p. 2). Esta relação que ocorre entre sujeitos, tempo, espaço, códigos utilizados e instrumentos, é o que se considera contexto social e histórico. Com base num determinado contexto, é possível conhecer quais instrumentos são necessários para mediar suas relações sociais. Os instrumentos de mediação podem ser linguísticos ou mesmo aqueles objetos criados, que de alguma forma, sejam necessários para que o homem se constitua humano, sujeito do seu tempo, que dê respostas adequadas às necessidades apresentadas no seu momento histórico. Apropriar‐se da cultura é se instrumentalizar com aquilo que a humanidade produziu, e isso não deve ser negado ao sujeito na sua constituição de humano. Negar‐lhe a apropriação da cultura é o mesmo que negar‐lhe a condição de humano. Como afirma Leontiev (1978, p. 257): O processo de apropriação do mundo dos objetos e dos fenômenos criados pelos homens no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade é o processo durante o qual teve lugar a formação, no indivíduo, de faculdades e de funções especificamente humanas. [...] O processo de apropriação efetua‐se no desenvolvimento de relações reais do sujeito com o mundo. Relações que não dependem nem do sujeito nem da sua consciência, mas são determinadas pelas condições históricas concretas, sociais, nas quais ele vive e pela maneira como a sua vida se forma nestas condições. Com base nesse pressuposto de constituição do humano, relacionando‐o com a base marxista de que este humano se constitui num determinado modo de produção de X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.1
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O HOMEM COMO “SER SOCIAL E HISTÓRICO”: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO CULTURAL PARA A ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL SUZI ROSANA MACIEL BARRETO DO NASCIMENTO vida, neste caso, a base é o trabalho, como categoria marxista. Torna‐se necessário ao se pensar na escola que se apresenta no século XXI: Em que esta escola tem contribuído para a constituição desse humano? E mais especificamente, a escola que traz consigo o legado da inclusão de pessoas com deficiência no ensino regular, atenta para um currículo que instrumentalize culturalmente o sujeito? A cultura produzida pela humanidade faz parte desse currículo ou ele é minimizado ou negado? “O trabalho é antes de tudo um processo entre o homem e a natureza, um processo no qual o homem por sua atividade realiza, regula e controla suas trocas com a natureza. Ele põe em movimento as forças naturais que pertencem à sua natureza corporal, braços e pernas, cabeças e mãos, para se apropriar das substanciais naturais sob uma forma utilizável para sua própria vida. Agindo assim, por seus movimentos sobre a natureza exterior e transformando‐a, o homem transforma ao mesmo tempo a sua natureza”. MARX (2001, p. 211). Na tentativa de oferecer um currículo comum, as redes de ensino se mobilizam na construção de um currículo próprio e lançam suas diretrizes. No caso da Rede Estadual do Paraná, suas diretrizes para a Educação Especial (SEED, 2006, p. 50) se referem ao currículo inclusivo dessa forma: Entende‐se currículo como uma construção social, diretamente ligada a um momento histórico, a uma determinada sociedade e às relações que esta estabelece com o conhecimento. No currículo, múltiplas relações se constituem explícitas ou “ocultas”, que envolvem reflexão e ação, decisões político‐administrativas sistematizadas no órgão central da Educação, e as práticas pedagógicas desenvolvidas na escola (SACRISTÁN apud SAVIANI, 1998). Conceber e praticar uma educação para todos pressupõe a prática de currículos abertos e flexíveis comprometidos com o atendimento às necessidades educacionais de todos os alunos, sejam elas especiais ou não. Inúmeros estudiosos (CARVALHO, 2001, 2004; FERREIRA; GUIMARÃES, 2003 LANDÍVAR, 1999; GONZÁLEZ, 2001) são unânimes em afirmar que não deve haver um currículo diferenciado ou adaptado para alguns alunos. (Grifo nosso) Observa‐se nesse exemplo que categorias como: momento histórico; construção social; relações com o conhecimento; múltiplas relações; educação para todos, são postas como concebidas nos pressupostos da Psicologia Histórico Cultural, sendo que “educação para todos”, representa o caráter mais político ligado ao direito da pessoa à educação e portanto reflete o campo da gestão educacional: quanto a oferta de educação pelo Estado, por exemplo. Destaca‐se assim a importância das contribuições de X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.2
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O HOMEM COMO “SER SOCIAL E HISTÓRICO”: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO CULTURAL PARA A ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL SUZI ROSANA MACIEL BARRETO DO NASCIMENTO Vygotski e seus colaboradores, bem como os pressupostos marxistas, para que se compreenda o homem como sujeito de uma sociedade, cuja atividade primordial para o seu desenvolvimento se baseia na categoria: trabalho. Sendo assim, este homem então, pelo menos, naquilo que se propõem as diretrizes, especificamente do estado do Paraná, para a educação especial, deixam claro que, ao ser exposto a um currículo, o sujeito não deveria ser negligenciado por ter necessidades educacionais especiais e sim satisfeito nessas suas necessidades. Ou seja, o currículo deveria provocar no sujeito ações para criar meios de superar suas necessidades. As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná para a Educação Especial (SEED, 2006, p. 53) trata da necessidade de flexibilização do currículo dessa forma: O objetivo é que o princípio da flexibilização curricular seja incorporado em todos os níveis e modalidades de ensino, a fim de que não se tenha, novamente, à exemplo de outras épocas, que produzir propostas específicas, diferenciadas, voltadas apenas a alguns grupos de alunos. A preocupação mais relevante é que não haja fragmentação nesse processo, tomando a questão da flexibilização curricular como instrumento de exclusão, em práticas de banalização de conceitos, esvaziamento de conteúdos e baixa expectativa avaliatória dos alunos rotulados como deficientes, diferentes ou com necessidades especiais (FERNANDES, 2006b). Mas o intrigante é que se exposto a um currículo comum, numa sala de aula comum, não necessariamente o aluno com deficiência precisará de diretrizes curriculares próprias para atender às suas necessidades. Porque as relações sociais estarão tão imbricadas e tão carregadas de significados, que esta sala de aula representará, em menor escala, a própria sociedade, seu momento histórico estará circunscrito ali e os aspectos culturais estarão presentes. O aluno com deficiência estará tão imerso nesse contexto sócio cultural, quanto os alunos que não têm deficiência. Em se tratando de estar preparada para viver em sociedade, a pessoa com deficiência também precisa se apropriar da cultura para tal. Então, não há justificativa para que tenha um currículo diferenciado. As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná que versa sobre o ensino da Língua Portuguesa, para a Educação Básica, e, portanto, responsáveis pelo ensino da Língua X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.3
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O HOMEM COMO “SER SOCIAL E HISTÓRICO”: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO CULTURAL PARA A ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL SUZI ROSANA MACIEL BARRETO DO NASCIMENTO Materna para o Ensino Fundamental, interesse deste estudo. Traz pressupostos que condizem com a tentativa de formação de homem como “ser social e histórico”, como se pode observar no trecho que segue, o qual apresenta: “A Dimensão Histórica da Língua Portuguesa”: O Estado de Direito garante a todos os cidadãos a igualdade perante as leis, porém sabemos que, historicamente, em nosso país, há um descompasso entre o que a lei propõe e a realidade vivida pela sociedade, incluídos, aí, os processos de educação. É nos processos educativos, e notadamente nas aulas de Língua Materna, que o estudante brasileiro tem a oportunidade de aprimoramento de sua competência linguística, de forma a garantir uma inserção ativa e crítica na sociedade. É na escola que o aluno, e mais especificamente o da escola pública, deveria encontrar o espaço para as práticas de linguagem que lhe possibilitem interagir na sociedade, nas mais diferentes circunstâncias de uso da língua, em instâncias públicas e privadas. Nesse ambiente escolar, o estudante aprende a ter voz e fazer uso da palavra, numa sociedade democrática, mas plena de conflitos e tensões. (SEED, 2008, p. 38) (Grifo nosso). Ao se referir ao Estado de Direito, porém deve‐se atentar para diferença que existe entre o Direito, tal qual descrito pela Declaração dos Direitos Humanos/ 1948 e na Constituição Federal do Brasil/1988, documentos que trazem ideias liberais, representando, portanto um mero discurso. E o Direito de fato, político que faz a pessoa avançar nas suas elaborações frente às demandas sociais, que se apresentam dinamicamente. A respeito do trabalho como produção que exige do homem operações cada vez mais complexas, Leontiev acrescenta: A primeira transformação importante, no sentido de um alargamento do domínio do consciente, é realizada pela complexificação das operações de trabalho e dos instrumentos. A produção exige cada vez mais, de cada trabalhador, um sistema de ações subordinadas umas às outras e, por conseqüência, um sistema de fins conscientes [...] Psicologicamente, a fusão de diferentes ações parciais numa ação única constitui a sua transformação em operações. (LEONTIEV, 1978, p. 103). O alargamento do consciente diz respeito à transformação de ações parciais em operações conscientes que corresponde à ação determinada e motivo, exige um processo que se elabora. Cada passo de uma operação consciente se sistematiza, exige X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.4
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O HOMEM COMO “SER SOCIAL E HISTÓRICO”: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO CULTURAL PARA A ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL SUZI ROSANA MACIEL BARRETO DO NASCIMENTO conhecimento do que se quer realizar, isso significa um salto na estrutura psicológica do sujeito e não ocorre espontaneamente, porque biologicamente este sujeito nasceu homem, mas porque se vai constituindo homem na medida em que vai tomando consciência para interagir no mundo. Quando a categoria: “trabalho” é tratada neste estudo, não se exclui dessa importante categoria a pessoa com deficiência, mas estabelece‐se com esse conceito uma articulação, entre a apropriação dos instrumentos para a realização do trabalho, da atividade consciente, e os processos psicológicos, cada vez mais elaborados pela consciência, face à complexidade dessa apropriação. Quanto à hominização, Luria afirma que: Diferentemente do animal, cujo comportamento tem apenas duas fontes: 1) os programas hereditários de comportamento, subjacentes no genótipo e 2) os resultados da experiência individual, a atividade consciente do homem possui ainda uma terceira fonte: a grande maioria dos conhecimentos e habilidades do homem se forma por meio da assimilação da experiência de toda a humanidade acumulada no processo da história social e transmissível no processo de aprendizagem. [...] A grande maioria de conhecimentos, habilidades e procedimentos do comportamento de que dispõe o homem não são o resultado de sua experiência própria, mas adquiridos pela assimilação da experiência histórico‐social de gerações. Este traço diferencia radicalmente a atividade consciente do homem do comportamento animal. (LURIA, 1991, p.73). Então, pode se dizer que um currículo que se pretende satisfazer à condição humana, tal qual concebida pelos pressupostos da Psicologia Histórico Cultural, deve ir além do biológico, passar pela experiência individual e adentrar no espaço da experiência histórico‐social. Isto é, para contribuir com o desenvolvimento do homem como um ser social e histórico, é necessário que se estabeleçam relações culturais, nas quais não apenas o ser individual esteja presente, mas a sua coletividade, ou seja, os seus parceiros, aqueles que participam de seu momento histórico ou que em algum momento as suas histórias se entrecruzem, dado o modo de produção de vida, que permeia essa relação. Como diz Saviani a respeito do que se pretende ensinar na escola: X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.5
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O HOMEM COMO “SER SOCIAL E HISTÓRICO”: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO CULTURAL PARA A ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL SUZI ROSANA MACIEL BARRETO DO NASCIMENTO [...] não se trata, pois, de qualquer tipo de saber. Portanto, a escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e não à cultura popular (SAVIANI, 1997, p. 19). A IMPORTÂNCIA DA APROPRIAÇÃO DA CULTURA PARA O ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL El niño retrasado mental está formado no sólo de defectos, su organismo se reorganiza como un todo. La personalidad, como un todo, se equilibra, se compensa con los procesos del desarrollo del niño. Es importante saber no sólo qué enfermedad tiene la persona, sino también qué persona tiene la enfermedad. (VYGOTSKI, 1997, p. 236) Para Vygotski essa apropriação da cultura, pela pessoa com deficiência, ocorre da mesma forma que para uma pessoa sem deficiência, apenas por vias de conhecimento diferenciadas, as quais não interfiram na complexidade do saber sistematizado, ou seja, não diminua o seu valor social, frente à função da escola, que é a de trabalhar com esse saber. O autor não nega que existem vias de conhecimento diferenciadas para pessoas com Deficiência Intelectual, assim como existem para o cego e o surdo. O que seria da aprendizagem do cego, sem o recurso do Braile? Ou do surdo sem a Língua dos sinais? Mas esses recursos importantes devem estar diluídos num “currículo comum” a todos os alunos da classe onde o cego e o surdo estiverem. Ou seja, todos se apropriarão de um “saber sistematizado”, de um “conhecimento elaborado” como anunciado por Saviani. Quanto ao currículo a ser desenvolvido com o aluno com deficiência, encontra‐se em Vygotski, uma importante contribuição, quando o autor afirma que: A ninguém ocorre sequer negar a necessidade da pedagogia especial. Não se pode afirmar que não existem conhecimentos especiais para os cegos; para os surdos e os mentalmente atrasados. Porém esses conhecimentos e essas aprendizagens especiais há que se subordiná‐los à educação comum, à aprendizagem comum, a pedagogia especial deve estar diluída na atividade geral da criança. (VYGOTSKI, 1997, p.65) X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.6
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O HOMEM COMO “SER SOCIAL E HISTÓRICO”: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO CULTURAL PARA A ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL SUZI ROSANA MACIEL BARRETO DO NASCIMENTO Contudo, o que se deve destacar nessa contribuição vygotskiana, é que o autor já dizia isso no início do século XX e a escola que se propõe inclusiva, no século XXI, continua percorrendo essa trajetória, de que seja estabelecido um currículo, no qual o aluno com deficiência se aproprie do conhecimento produzido historicamente pela humanidade, tanto como o aluno que não tenha deficiência. No início do século XX, Vygotski critica a escola especial por negar um currículo mais promissor às pessoas com deficiência. Havia algo de muita importância ocorrendo, o autor, assim como a sociedade russa pós‐revolucionária, da qual fazia parte, passava por profundas mudanças. A Psicologia, nesse momento, haveria de se voltar para “um novo homem”, para atendê‐lo a velha Psicologia, já não cumpriria bem esse papel. Era necessário elaborar novos conceitos, uma nova Psicologia. Surge a Psicologia Histórico Cultural, que não permaneceu apenas com as elaborações de Vygotski, mas foi compartilhada com seus colaboradores e continuada por eles: Luria e Leontiev. Por isso, a necessidade de recorrer aos seus escritos, dando‐lhes a mesma importância, daqueles de autoria de Vygotski. Se na sociedade russa, naquele momento histórico, era necessário se pensar para o “novo homem” uma Psicologia que desse conta de uma concepção de homem e de sociedade mais voltada para o aspecto social e também cultural. Não é de se estranhar que uma pedagogia como a especial, que segregava esse “novo homem”, também em suas expectativas de apropriação do conhecimento, fosse duramente criticada por Vygotski. Pois o autor se esforçava por apontar caminhos que contribuíssem por formar o “novo homem” colocando à sua disposição, todo o legado cultural produzido pela humanidade, esse aparato ou todo cultural, seria indispensável para a formação do “novo homem”. A respeito da escola especial, na sociedade russa, naquele momento histórico, Vygotski se refere, pontuando algumas questões que são muito úteis, se postas em discussão ainda no século XXI, no Brasil ou em qualquer outro país, no qual funcionem escolas especiais. Os trechos a seguir pertencem ao Tomo V, das Obras Escolhidas, o qual está traduzido do russo para o espanhol e trata Defectologia, que no Brasil, seria Deficiência ou fundamentos para uma educação especial. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.7
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O HOMEM COMO “SER SOCIAL E HISTÓRICO”: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO CULTURAL PARA A ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL SUZI ROSANA MACIEL BARRETO DO NASCIMENTO la educación especial debe ser subordinada a lo social, debe estar coordinada con lo social, fusionada orgánicamente con lo social. Todo ello en objeción a la escuela especial que margina al niño, que lo aísla del medio, de las relaciones con sus coetáneos; a la escuela que no se vincula con la vida y la práctica. En resumen, que aísla al niño de la sociedad, Como parte de la valoración a la escuela especial soviética de entonces, se incluye la crítica a la no coeducación de los niños deficientes, práctica muy propia de la escuela especial en esta época. ( VYGOTSKI, 1997, p. 6) Quanto à pessoa com deficiência, segundo o autor, há particularidades próprias no desenvolvimento desta pessoa, que a impulsiona a vencer ou equilibrar a deficiência. Acredita‐se que diante de um desafio, todas as pessoas são convidadas a solucioná‐lo e para isso, lançam mão do que possuem. Tanto a pessoa com deficiência quanto aquela que não tem deficiência é capaz de criar soluções para seus desafios diários. Para tanto precisam estar instrumentalizadas, semelhantemente e dispondo da cultura e do saber sistematizado, isto seria a chave para a solução dos desafios. A criatividade para solucionar desafios pode resultar da elaboração do pensamento da pessoa com deficiência, assim como de uma pessoa sem deficiência. […] junto con el defecto orgánico están dadas las fuerzas, las tendencias y los deseos de vencerla o equilibrarla. […] Entretanto, justamente estos deseos trasmiten la peculiaridad al desarrollo del niño con defecto y originan las formas creadoras, infinitamente diversas y a veces muy caprichosas del desarrollo, iguales o semejantes a las que observamos en el desarrollo típico del niño normal. (VYGOTSKI, 1997 p. 27) Quanto a atuação do professor, o autor reafirma a nesessidade deste conhecer as vias do conhecimento de seus alunos, conhecer os meios pelos quais o aluno aprende não é bom só para que o professor tenha um bom desempenho com alunos com deficiência, mas para que ensine a todos os alunos. Mesmo porque todos os alunos da classe devem ser submetidos a um currículo único, pois todos são capazes de alcançar um desenvolvimento, que lhes garanta o sucesso na aprendizagem. Quando faltam ao sujeito algumas funções necessárias ao seu desenvolvimento intelectual, por exemplo, no caso da Deficiência Intelectual, este sujeito, será movido a criar a partir da sua personalidade, novas formações que ofereçam respostas à deficiencia, as quais representam uma compensação a esta deficiencia. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.8
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O HOMEM COMO “SER SOCIAL E HISTÓRICO”: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO CULTURAL PARA A ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL SUZI ROSANA MACIEL BARRETO DO NASCIMENTO La peculiaridad positiva del niño con deficiencias también se origina, en primer lugar, no porque en él desaparecen unas u otras funciones observadas en un niño normal, sino porque en él desaparecen unas u otras funciones observadas en niño normal, sino porque esta desaparición de las funciones hace que surjan nuevas formaciones que representan, en su unidad, una reacción de la personalidad ante la deficiencia, la compensación en el proceso de desarrollo. Si un niño ciego o sordo alcanza en el desarrollo lo mismo que un niño normal, entonces los niños con deficiencia lo alcanza de un modo diferente, por otra vía, con otros medios y para el pedagogo es muy importante conocer la peculiaridad de la vía por la cual él debe conducir al niño. (VYGOTSKI, 1997, p. 30) Para Vygotski as causas orgânicas, inatas não atuam por si sós sobre o sujeito provocando uma compensação à deficiencia, mas essa compensação surge em forma de reorganizações psicológicas. Isto é, a pessoa dará respostas ao meio social, dependendo de como participa da sociedade, do seu momento histórico e de quais papéis sociais desempenha. Há nessas ações, uma dinâmica social, que localiza a pessoa no tempo e no espaço, o que é histórico, e ainda aponta para a necessidade de se situar culturalmente, pois ao requerer um posicionamento cultural do sujeito, de maneira alguma se espera que este sujeito seja desprovido de cultura, mas que seja apropriado dela. Todas las relaciones con las personas, todos los momentos que determinan el lugar de la persona en el medio social, su papel y su destino como participante de la vida y todas las funciones sociales del ser, se reorganizan. Las causas orgánicas, innatas, como se subraya en la escuela de Adler, no actúan por sí solas ni directamente, sino de forma indirecta, mediante el descenso de la posición social del niño provocada por ellas. Todo lo hereditario y orgánico debe ser interpretado también desde el punto de vista psicológico, con el fin de que se pueda tener en cuenta su verdadero papel en el desarrollo del niño. (VYGOTSKI, 1997, p. 33) Considerações finais Pode se dizer que quanto melhor for o currículo sistematizado destinado à pessoa com deficiência, quanto melhor será o desenvolvimento do seu aparato psicológico para responder ao meio social. O diagnóstico de uma deficiência não pode ser uma fronteira intransponível na vida de uma pessoa, muito pelo contrário, é uma informação X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.9
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O HOMEM COMO “SER SOCIAL E HISTÓRICO”: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO CULTURAL PARA A ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL SUZI ROSANA MACIEL BARRETO DO NASCIMENTO importante que pode imprimir na pessoa a capacidade de reorganizar‐se criativamente, de forma a compensar o que lhe é deficiente. Cabe à escola oferecer não só ao aluno com deficiência, assim como a todos os alunos, os instrumentos culturais necessários para que ao serem desafiados pelo meio social, tenham condições de responderem à altura. Afinal, não deveria ser função da escola privar seus alunos do dominio da cultura, que está nas relações sociais e no modo de produção de vida. Ao privar os alunos da cultura, que está aí para ser apropriada, a escola subestima‐os, provocando no meio educativo uma nítida sensação de menor valor. O currículo não pode provocar a sensação de menor valor, porque isso comprometeria a verdadeira função da escola: que é a de ensinar e ensinar é transmitir cultura, tanto quanto possível. Não há limite para a transmissão de cultura. REFERÊNCIAS LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978. LURIA, A. R. Curso de psicologia geral. v. 1 e 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. 8º edição, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2001. SAVIANI, D. Pedagogia Histórico‐Crítica: primeiras aproximações. 6ª Edição. Coleção Polemicas do Nosso Tempo. Campinas: Editora Autores Associados, 1997. SEED. Diretrizes Curriculares da Educação Especial para a Construção de Currículos Inclusivos. Curitiba – Paraná, 2006. Disponível na página do Portal Educacional do Estado do Paraná http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br SEED. Diretrizes Curriculares da Educação Básica Língua Portuguesa. Paraná, 2008. VYGOTSKI, L. S. A transformação socialista do homem. URSS: Varnitso, 1930. Tradução Marxists Internet Archive, english version, Nilson Dória. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.10
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O HOMEM COMO “SER SOCIAL E HISTÓRICO”: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO CULTURAL PARA A ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL SUZI ROSANA MACIEL BARRETO DO NASCIMENTO Disponível em: < http://www.marxists.org/>. Acesso em: 11 dez. 2006. _______________. Obras escogidas. Tomo V. Madrid: Visor, 1997. _______________; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem, Trad. Maria da Penha Villa Lobos, São Paulo: Ícone Editora, 2003. 228 p. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.11
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