PARCELAMENTOS IRREGULARES E ANORMAIS DO SOLO –
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
FERREIRA. FRANCISCO RAFAEL1
Noções iniciais.
O presente texto não tem a pretensão de esgotar o tema, mas sim
fornecer ao leitor conceituações básicas para entendimento do fenômeno crescente
de implantação de parcelamentos irregulares e clandestinos.
Não é possível falar do assunto, sem indicar o que é planejamento
urbano, sua evolução até os dias atuais com a edição do Estatuto das Cidades.
Destacam-se pontos de elevada importância, tudo voltado à prática
profissional vivenciada, de mais de uma década cuidando da aplicação de
regramentos urbanísticos em diversos Municípios.
O texto apresentado trará posicionamentos mais modernos e práticos
para casos reais, sem, contudo, deixar de se preocupar com posicionamentos
doutrinários.
A ordem urbanística deverá ser respeitada e restaurada para todo o bem
da coletividade, sendo que serão destacados elementos necessários para
compreensão do tema.
Ressalta-se que a população brasileira não está verdadeiramente
acostumada a participar democraticamente da gestão das cidades, conforme se
observou em acompanhamento de dezenas de audiências públicas, sendo que a
sociedade organizada está buscando aprender essa nova forma de governar, onde o
povo tem fator essencial para determinar os rumos de crescimento da cidade.
Não é possível alienar-se dos conceitos teóricos para resolução de
problemas de parcelamento, sendo que o fator ambiental é muito importante,
todavia, o social não pode ser esquecido.
O cidadão de boa-fé, que foi lesionado por picadores de terras
desesperados pelo lucro, deverá ter a defesa de seus interesses, pois, em assim
agindo, será observado o cumprimento do dever social, inclusive para equilíbrio do
meio ambiente.
1
Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico, Especialista em Direito do Estado, Professor do
Centro Universitário “Dr. Edmundo Ulson” UNAR. [email protected]
2
Somente com o atendimento da função socioambiental da propriedade é
possível o desenvolvimento sustentável.
O presente trabalho não é contrário ao parcelamento do solo, em todas as
suas formas, todavia, apresenta as mazelas ocorridas e indica que a restauração
dos fatos são fatores fundamentais para o retorno da ordem urbanística.
Por fim, ressalta-se que o mercado imobiliário é necessário e
impulsionador do desenvolvimento econômico, porém não podem os interesses
econômicos ser lançados em primeira mão, em prejuízo da sociedade e do meio
ambiente, sob pena da instauração da desordem generalizada.
PARCELAMENTO DO SOLO.
1.1. O Planejamento Urbano no Brasil.
A ideia de planejamento surgiu em resposta aos graves entraves
encontrados pelas cidades para o crescimento, observou-se que a falta de
planejamento,
em
determinadas
situações,
levam
ao
agravamento
do
desenvolvimento.
O desenvolvimento do Estado brasileiro, com início na época de
colonização, não observou princípios necessários para um crescimento adequado,
em especial pelo fato de que o objetivo era extrair do país todas as riquezas
possíveis, ou seja, o escopo dos países colonizadores era explorar toda a
capacidade de riquezas, sem qualquer preocupação com o que iria acontecer com o
país colonizado.
Conforme afirma Marcos Pinto Correia Gomes2 o planejamento urbano
teve seu início no final do século XIX e início do XX, quando aumentaram o número
de pessoas livres e com terras.
A abolição ocorreu e os imigrantes, que já não tinham como produzir por
falta de oportunidade de terras disponíveis, estavam sem recursos e não tinham
para onde ir, em assim ocorrendo essa população veio para as cidades, onde se
agruparam de forma desordenada.
Somente
após
a
ocorrência
desses
verdadeiros
agrupamentos,
conhecidos como favelas e cortiços, que os administradores públicos se
2
GOMES, Marcos Pinto. O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano após o Estatuto da Cidade.
Disponível em
http://www.ubatuba.sp.gov.br/planodiretor/x_biblioteca/o_pd_de_desenvolvimento
_urbano.pdf. Acesso em 11.02.2011, p.17.
3
preocuparam com o crescimento adequado, claro que em situações bem primárias,
em nada se comparando com a gritante necessidade atual.
Esses aglomerados de pessoas surgiram em virtude do agravamento do
trabalho no campo, sendo que as cidades não estavam preparadas para receber
tantas pessoas, afinal, o Brasil era um verdadeiro país rural.
Destaca-se a atuação do prefeito do Município do Rio de Janeiro, durante
os anos de 1903 e 1906, 3 mediante expulsão de moradores da área central.
Em seguida, com a organização da sociedade e estudo dos conceitos do
exterior, surgiram profissionais com início de habilitação para pensar no amanhã, ou
seja, na busca de um crescimento ordenado.
Com esses profissionais e a crescente necessidade de regulamentação
de normas, surgiu o primeiro Plano Diretor conhecido.
Conforme informa Marcos Pinto Correia Gomes:
A partir da década de 1960, os planos urbanísticos locais voltados para toda
a cidade apresentam-se em quantidade mais expressiva e normalmente são
traduzidos diretamente em lei formal (...) para as grandes metrópoles
brasileiras são elaborados os Planos Diretores de Desenvolvimento
Integrado (PDDI), orientando não só a organização do espaço físico, mas
4
também os desenvolvimentos sociais e econômicos local.
Sem dúvidas que os instrumentos criados eram de elevada importância,
todavia não eram implementados, sendo que no final dos anos 80 surgiu a idéia da
participação popular.
Essa forma de participação até hoje não é bem utilizada pela população,
que não, de maneira geral, participa das audiências públicas, salvo raros casos de
pessoas esclarecidas, que lutam pelo bem social de toda a população, sem
interesses eleitoreiros.
Com a Constituição da República Federativa do Brasil5 a exigência de
Plano Diretor passou a destacar fator fundamental, eis que no § 1º do artigo 182
trouxe a seguinte determinação: “O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal,
3
ERENBERG, Jean Jacques. Função social da propriedade urbana: municípios sem plano
diretor. 1ª ed., São Paulo, Editora Letras Jurídicas, 2008, p. 69,
4
GOMES, Marcos Pinto. O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano após o Estatuto da
Cidade. Disponível em
http://www.ubatuba.sp.gov.br/planodiretor/x_biblioteca/o_pd_de_desenvolvimento _urbano.pdf.
Acesso em 11.02.2011, p 20
5
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 out. 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.Acesso em: 24 mar.
2011.
4
obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e de expansão urbana.”
A
disposição
constitucional
trouxe
obrigatoriedade
para
que
os
administradores adotassem o Plano Diretor como forma de desenvolvimento
integrado das cidades.
Sendo que desde a promulgação da Constituição Federal passaram-se
mais de vinte anos para regulamentação dos artigos específicos à política urbana,
sendo que somente em 2001 foi aprovado o Estatuto da Cidade.
Com toda certeza, o Estatuto da Cidade é a norma mais preocupada com
a necessidade de planejamento urbano, um verdadeiro arcabouço técnico
direcionado à aplicação de um crescimento ordenado e de extrema importância para
que ocorra um desenvolvimento sustentável, mantendo-se o equilíbrio entre o
progresso, meio ambiente e a ordem urbanística.
A evolução do planejamento foi muito significativa, todavia, até hoje o
mesmo é colocado em segundo plano, em virtude de interesses econômicos ou
políticos.
O planejamento urbano deve ser visto como obrigatório, sempre
buscando um conjunto de medidas e ações determinantes para que a conduza a
urbe para um crescimento controlado.
Atualmente, o processo de planejamento deve buscar o interesse da
coletividade, o que abarca a necessidade de regras bem definidas para que
interesses eleitoreiros não causem transtornos ao futuro desenvolvimento da cidade.
O pensar na cidade engloba o conceito de planejar, não para situações
imediatas, mas sim buscar prever acontecimentos e futura necessidade de
demandas.
Não se trata de adivinhar o que ira acontecer, mas sim de imaginar o que
ocorrerá, por exemplo, com o entorno de um loteamento aprovado, construção de
um hipermercado e etc.
É necessário planejar vias e situações adequadas para a demanda de
tráfego de veículos, pessoas ou mesmo necessidade de serviços públicos.
A matéria jornalística6 feita com o arquiteto e urbanista, Kazuo Nakano,
retrata com muita clareza a situação da cidade de São Paulo, onde o mesmo afirma
6
MANZANO FILHO, Gabriel. A Cidade paga por não planejar. Disponível em
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100125/not_imp500873,0.php. Acesso em 19.01.2011.
5
que de presente de aniversário a cidade deveria ganhar “um súbito ataque de
planejamento urbano.”
O desabafo do técnico se justifica, eis que apesar da moderna legislação
urbanística existente no Brasil, os administradores públicos agem, na maioria das
situações, somente na resolução de problemas, sem planejar o que poderia ser
evitado.
A cidade deve viver em constante planejamento, sob pena de passar por
problemas terríveis, que oneraram muito mais o erário, do que se a obra necessária
tivesse sido executada de forma preventiva, já que reparar um dano, com toda
certeza, custa muito mais do que prevenir o necessário com obras e
comportamentos acautelatórios.
O mesmo arquiteto, anteriormente destacado, comenta que o Brasil
precisa aprender com a Europa, que parou de impermeabilizar o solo como era feito
em tempos remotos.
Não é possível falar que não existe planejamento no Brasil, entretanto a
prática de planejar, quase sempre, está subordinada a interesses econômicos e
políticos, apesar de existem instrumentos jurídico-urbanísticos exemplares no
Estatuto da Cidade, empregá-los de forma correta seria o essencial.
Conclui-se que o planejamento urbano evoluiu muito, porém estamos
engatinhando na arte de pensar hoje o que pretendemos para um futuro de décadas.
Os empreendedores do uso do solo devem ter seus projetos analisados
de forma bem detalhada, sempre buscando o planejamento, outorgando a eles os
ônus dos impactos gerados com seus comportamentos, quer seja quando legais,
loteamentos e desmembramentos aprovados, e ainda mais quando anormais ou
ilegais.
1.2 Definições e formas de parcelamentos.
O parcelamento do solo no Brasil é regulado pela Lei de n° 6.766/797 e
alterações, que dispõe de regras gerais para o fracionamento de áreas.
É de se registrar que cada ente municipal possui regras próprias,
obviamente, não conflitantes com a legislação federal, em decorrência da previsão
constitucional do inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal, que dispõe:
7
BRASIL. Lei n°. 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e
dá outras Providências. Diário Oficial da União. Brasília, 20 dez.1979.
6
“promover,
no
que
couber,
adequado
ordenamento
territorial,
mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.
Desta forma, resta comprovado que compete ao Município regulamentar a
questão, sendo que a mesma deve ser a mais detalhada possível, evitando-se,
assim, entendimentos subjetivos e lacunas com o intuito de burlar o regramento que
manterá a ordem urbanística.
Uma cidade bem estruturada e que pensa no planejamento urbano
deverá ter regramentos detalhados, sendo os básicos: código de obras, código de
posturas, lei de uso e ocupação do solo e lei de zoneamento com coeficientes
máximos de aproveitamento do solo.
Existem várias possibilidades de fracionamento do solo, sendo o
loteamento e desmembramento os mais comuns e de fácil entendimento.
Claro que o homem tenta de toda forma encontrar meios para lograr
essas modalidades e criar anomalias jurídicas, contudo, hoje existente e inegável de
aceitação.
Deve ser separado o interesse do loteador comum do interesse do
Município, ou seja, o loteador, salvo raríssimas exceções, busca o lucro excessivo e
aproveitamento ao máximo do solo, enquanto o Município deverá primar por permitir
fracionamentos para atendimento de uma demanda deficitária de moradias e lotes
urbanizados.
1.2.1 Loteamentos.
O loteamento é a subdivisão de uma gleba, ou seja, porções maiores de
terras, com aberturas de vias públicas ou prolongamento de existentes, reservando
áreas verdes, sistemas de lazer e áreas institucionais.
Na execução de um loteamento, o loteador, pessoa física ou jurídica, se
responsabiliza pela execução das obras de infraestrutura necessárias para que os
lotes resultantes estejam dotados de todo o necessário para acomodar novas
unidades residenciais, comerciais ou industriais.
Um loteamento planejado e aprovado com seriedade, como todos
deveriam ser, observará a demanda de água, esgoto, coleta de lixo, adequação da
pavimentação asfáltica, bem como melhor localização das áreas de uso comum do
povo, a serem reservadas em porcentagem determinada por legislação municipal.
7
E ainda, o Município deve estar planejado para análise completa da
questão, inclusive no impacto que o empreendimento poderá ocasionar, quer seja
em aumento de demanda por serviços públicos, geração de tráfego, diminuição de
ventilação, diminuição de área permeável, entre outras situações que deverão ser
analisadas em um completo e aprimorado estudo de impacto de vizinhança.
A cidade tem o dever de atender a demanda da população por lotes
urbanizados e unidades habitacionais aos seus munícipes, todavia, na aprovação de
um empreendimento, em destaque os do porte de um loteamento, é de extrema
necessidade a realização de um estudo de impacto de vizinhança, nos termos
previstos no artigo 36 e seguintes do Estatuto das Cidades8.
Sendo que este estudo deverá seguir critérios técnicos, que verifique o
que acontecerá com o entorno, geração de tráfego de veículos, demanda nas áreas
da saúde pública, escolar e de segurança, bem como se o local é o adequado para a
forma de parcelamento que se pretende realizar.
O loteamento é a figura clássica do parcelamento do solo e se fiscalizado
evitará danos à cidade, uma vez que um loteamento inacabado gerará conflitos
sociais e, principalmente, grandes impactos urbanísticos para toda região do
entorno.
Em capítulos próprios serão estudadas a figura de loteamentos
clandestinos, irregulares e a situação juridicamente inexistente ou não do loteamento
fechado, alvo de muitas críticas, porém existente em centenas de cidades e
perfeitamente acatada sua formalização pelos Juízes de primeira Instância e pelos
Tribunais Estaduais.
1.2.2 Condomínios.
Condomínio é a figura jurídica existente para determinar o conjunto de
duas ou mais unidades, que pode ser horizontal ou vertical, com fins residenciais ou
não, constituindo cada unidade uma propriedade autônoma, sujeitas a limitações da
lei e sempre com áreas em comum.
8
BRASIL. Lei n°. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da
União. Brasília, 11 jul. 2001.
8
A questão de condomínio não é tratada pela lei como parcelamento do
solo porque não gera abertura de novas matrículas e tem sua regulamentação feita
por lei federal própria9 e municipal, em alguns casos.
Como dito, a instituição de condomínios não pode ser considerada como
um parcelamento do solo, contudo seu estudo é de elevada importância em razão
da mistura de conceitos realizados pelos municípios, quando da elaboração de leis
específicas que criam a figura de loteamento fechado.
Destaca-se que o condômino tem direito a uma fração ou parte ideal,
sendo que essa espécie de empreendimento na prática, em razão da área comum,
apresenta-se como um verdadeiro parcelamento, eis que, na maioria, possui coleta
de lixo interna, vias internas de circulação, iluminação e outros serviços típicos de
um loteamento comum.
Ressalta-se
que,
apesar
de
juridicamente
não
ser
considerado
parcelamento do solo, a fiscalização da sua instituição é deveras importante ao
município, já que uma criação anormal poderá ocasionar um transtorno ao
planejamento urbano, desta forma, de fundamental importância a existência de
regramento municipal.
No caso de condomínios a falta da perfeita instituição gera transtornos
aos compradores e ao Município, já que em algumas situações existem várias áreas
impossíveis tecnicamente da promoção do condomínio.
O dever de fiscalização é do Município, sendo que a incorreta
formalização ocasiona impactos à ordem urbanística.
1.2.3 Desdobros e desmembramentos.
Desmembramento, nos termos do § 2° do artigo 2° da Lei Federal n°
6.766/79, é:
“a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com
aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na
abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento,
10
modificação ou ampliação dos já existentes”.
9
BRASIL. Lei n°. 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sobre o condomínio em edificações e as
incorporações imobiliárias. Diário Oficial da União. Brasília, 21 dez. 1964.
10
BRASIL. Lei n°. 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano
e dá outras Providências. Diário Oficial da União. Brasília, 20 dez.1979.
9
O texto legal é muito claro e afirma a possibilidade da realização de
desmembramento, ou seja, é necessária prévia existência de sistema viário, todavia,
observa-se, na prática, que diversos municípios sem a estrita observância do
requisito fundamental, simulam situações para que sejam permitidos loteamentos
sem necessidade das obras obrigatórias, ou seja, entendem que determinado
parcelamento é um desmembramento, quando na verdade deveriam seguir os
trâmites para aprovação de um loteamento.
Rui Geraldo Camargo Viana afirma que:
Configura desmembramento o mesmo fenômeno de repartição de terra,
desde que operado dentro do sistema urbanístico existente, influenciando,
apenas, na densidade de ocupação dos espaços já urbanizados, não
11
afetando, principalmente, o perfil das vias e logradouros preexistente.
É
muito
comum
observar
situações
em
que
são
permitidos
prolongamentos de vias e, em casos mais gritantes, aberturas de vias, sob o
pretexto de serem simples desmembramentos de áreas.
A legislação necessita ser mais rígida para coibir essas práticas, bem
como deverá existir maior controle dos Cartórios de Imóveis para que tais
anormalidades não ocorram.
O desmembramento pode ocorrer, já que está previsto em lei, todavia,
somente nas situações nela prevista, ou seja, divisão em lotes que já possuem
frente para via pública oficial existente.
O desdobro é conhecido como a divisão de um lote em dois, prática muito
comum em áreas de interesse social ou com deficiência de moradias ou lotes
urbanizados.
A regulamentação do desdobro é, costumeiramente, regulada por
legislação municipal e permite que lotes sejam divididos em dois, a prática
urbanística não recomenda tais situações por diversas razões.
A principal questão a ser levantada é a notória falta de infraestrutura
básica, ou seja, quando da criação dos loteamentos, os cálculos necessários foram
feitos, ou ao menos deveriam ter sido, com base na quantidade de pessoas que
iriam residir naquele lote, com a subdivisão o sistema hidráulico de água, esgoto,
fluxo viário é sobrecarregado.
11
VIANA, Rui Geraldo Camargo. O Parcelamento do solo urbano. Rio de Janeiro: Ed. Forense,
1985, p. 51.
10
A figura do desmembramento somente poderá ser realizada se
determinado ao proprietário da área, objetivo de futuro fracionamento, a fixação de
encargos para reforço estrutural da infraestrutura, como meio básico de garantia da
ordem urbanística.
Os desmembramentos devem ser fiscalizados para que não ocorram
situações irreparáveis para ordem urbanística, sendo poder-dever do Município a
constante e rigorosa fiscalização.
É muito importante uma equipe de fiscalização do solo e das posturas
para evitar situações anormais ou de difícil reparo, sendo que esse procedimento
deve abranger toda a cidade, em especial a área rural, onde costumeiramente
ocorrem várias anormalidades de parcelamentos, que somente serão regularizados,
mediante aumento do perímetro urbano ou de expansão urbana.
Nessa esteira de raciocínio, para o atendimento da função socioambiental
da propriedade é necessário que os parcelamentos do solo sejam realizados em
perfeita consonância com as normas urbanísticas vigentes.
2. ESTATUTO DA CIDADE
O Estatuto da Cidade, assim denominada a Lei Federal de n°
10.257/2001, foi aprovado com o objetivo de regulamentar os artigos 182 e 183 da
Constituição Federal.
O Estatuto da Cidade pode ser definido como: “um conjunto de princípios,
no qual está expressa uma concepção de cidade e de planejamento e gestão
urbana, e também de uma série de instrumentos que são os meios para atingir as
finalidades desejadas.”12
É um instrumento de elevada importância para garantia de que os
municípios realizem o Plano Diretor, inclusive previu sanções aos administradores
obrigados a remessa do mesmo para análise do poder Legislativo.
A não remessa do projeto de lei prevê punições administrativas graves ao
Chefe do Executivo Municipal como forma de forçar o atendimento da referida lei.
Foram longos anos de discussão até a aprovação da lei em destaque,
que busca a perfeita ordenação do solo e planejamento da cidade.
12
Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior. Câmara dos Deputados. Estatuto da cidade:
guia para implementação pelos municípios e cidades. 2.ª ed. Brasília: Coordenação de
Publicações, 2002, p. 110.
11
O Estatuto da Cidade trouxe possibilidades modernas de controle e
planejamento do uso do solo, bem como na caracterização da função social da
propriedade.
2.1 Função socioambiental da propriedade
O Estatuto das Cidades surgiu para regulamentar o uso adequado da
propriedade, ou seja, traçar parâmetros para que a mesma realmente atenda sua
finalidade, que nada tem a haver com o conceito antigo de bem quase que intocável.
A função socioambiental é atendida quando a propriedade cumpre o uso
regular e sustentável da área. O bem deverá ser utilizado, conforme os regramentos
definidos no Plano Diretor, sempre buscando o uso racional e ecologicamente
correto.
Hoje o meio ambiente é tratado de forma mais adequada pela doutrina,
sendo que existe uma maior preocupação com a preservação dos nossos recursos,
uma vez que o homem se deu conta de que não pode explorar de forma
desenfreada os recursos naturais, vez que são finitos.
A propriedade deve ser utilizada de forma coerente, evitando-se a
especulação, usos incompatíveis e geradores de impactos urbanos, tais como
excesso de tráfego de veículos, poluição do ar e do solo, bem como a criação de
vazios urbanos.
Antigamente, tinha se a idéia de que era totalmente normal o proprietário
reter o uso de área urbana para especulação, já que os princípios passados de
propriedade a identificavam como um bem que não se podia mexer.
Em assim sendo, o direito de propriedade não possui mais aquele cunho
absoluto, sendo que a mesma só existe enquanto direito, se respeitada estritamente
à função social. O cumprimento da função social é condição sine qua non para o
reconhecimento do direito de propriedade.
A Constituição de 1988 e, mais recentemente, o Estatuto das Cidades
conferiu a propriedade a necessidade do atendimento da função social; surge,
então, de forma explícita a obrigatoriedade do uso racional da terra urbana.
A problemática da função socioambiental da cidade e da propriedade
restou cada vez mais atual, seja pela necessidade de um ambiente sustentável ou
devido à conscientização acerca da emergência em preservar todo o ecossistema.
12
Para MATTOS NETO13: “a propriedade particular se harmoniza com os
princípios sociais relacionados aos interesses difusos, exigindo assim, não só o
tradicional respeito aos interesses públicos”.
Com a identificação da terceira geração dos direitos fundamentais, a
função socioambiental da propriedade é caracterizada pelo uso ordenado da área e
sempre observando ao bem coletivo, ao bem-estar dos cidadãos e ao equilíbrio
ambiental.
Nos termos do que ensina Fachin: “o absolutismo no exercício da
propriedade sofreu a intervenção de idéias que progressivamente construíram a
doutrina denominada função social da propriedade”. Em seu entendimento, “todo
homem tem direito a ser proprietário da terra, mais em razão de seu trabalho do que
em consideração de um título.” 14
É nítida a conclusão de que a propriedade é muito mais do que um direito
privado, mas sim um direito de toda a coletividade. O uso da terra urbana importa
em observar sua real finalidade, sempre aliado aos novos princípios de proteção ao
meio ambiente.
A função socioambiental da propriedade tornou-se o objetivo da política
urbana, já que para elaboração das leis de parcelamento e uso do solo passou a ser
obrigatória a observação do uso adequado e racional da terra, ou seja, a
propriedade deverá atender a um interesse coletivo e não individual, como outrora.
A política urbana, bem como a preservação e uso racional dos recursos
ambientais do meio urbano estão ligados de forma inseparável, ou seja, a inserção
da defesa do meio ambiente ao lado do atendimento da função social da
propriedade são princípios que garantem o uso adequado da terra urbana, hoje,
chamado de função socioambiental da propriedade.
De acordo com Benedito Ferreira Marques:
A adequada utilização dos recursos naturais e a preservação do meio
ambiente exigem o respeito à vocação natural da terra, com vistas à
manutenção tanto do potencial produtivo do imóvel como das características
próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, para o
equilíbrio ecológico da propriedade e, ainda, a saúde e qualidade de vida
15
das comunidades vizinhas.
13
MATTOS NETO, Antônio José. Função social da propriedade: uma revisão crítica. Revista de
Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, São Paulo, v.20, n. 76, 1996.
14
FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporânea. Porto Alegre:
Fabris,1988, p. 19.
15
MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário brasileiro. 4.ª ed. Goiânia: AB Editora, 2001, p.54.
13
Observa-se que ao cumprir a função socioambiental da propriedade está
se respeitando o meio ambiente, uma vez que com o uso adequado e controlado do
domínio da área se preserva os requisitos necessários para que seja atendida a
finalidade da mesma.
Com
o
respeito
à função
socioambiental não
ocorrerá o
uso
descontrolado dos recursos naturais, uma vez que a propriedade atenderá ao bem
coletivo e não só ao interesse individual.
A terra urbana que atende seu uso de forma racional e levando em
consideração, o bem estar de todos é uma forma eficaz de controle e preservação
ao meio ambiente.
O proprietário que acolhe o uso socioambiental da propriedade jamais
poluirá, construirá acima dos limites arquitetônicos definidos no Código de Obras,
respeitará os índices urbanísticos, ou seja, contribuirá para o uso sustentável da
área, atendendo, desta forma, a função socioambiental da propriedade.
Está intimamente ligada à proteção do meio ambiente e a função
socioambiental da propriedade, uma vez que com o cumprimento do principio social
e ambiental do uso ordenado e sustentável da terra urbana está se preservando o
meio ambiente da cidade.
A função socioambiental da propriedade deve ser exercida em
consonância com suas funções econômicas e sociais, levando-se em consideração
a preservação da flora, fauna, beleza natural, patrimônio artístico e cultural e o meio
ambiente urbano sustentável, sendo que a mesma é cumprida, quando a
propriedade atende aos requisitos de preservação ao meio ambiente e uso ordenado
dentro dos parâmetros definidos na legislação pertinente, ora denominada de Plano
Diretor.
O uso ordenado e de forma sustentável corrobora para o desenvolvimento
de um sistema de controle e preservação ao meio ambiente, desta forma, uma
propriedade que atende sua função socioambiental estará garantindo, além do
respeito do interesse da coletividade a garantia da preservação do meio ambiente,
que também é um direito coletivo, que deve ser observado para preservação,
inclusive, da espécie humana.
Concluindo, o atendimento da função socioambiental da propriedade, por
si só, já é um meio adequado para aplicação da proteção ao meio ambiente, uma
14
vez que a terra urbana será utilizada de forma adequada e em total respeito às
legislações edilícias, urbanísticas e ambientais.
O perfeito atendimento da função socioambiental da propriedade evitaria
a realização de parcelamentos irregulares, vez que sua busca determina a estrita
observância dos regramentos necessários.
Sendo que somente com a regularização de situações anormais e
clandestinas a propriedade voltará a atender a função social, ou melhor, função
socioambiental, eis que a ordem ambiental e urbanística é tão importante quanto à
social.
2.2 Plano Diretor como fator predominante para ordenação da Cidade
A definição do que é o Plano Diretor passa por várias conceituações,
sendo de relevada importância sua existência para o perfeito planejamento da
cidade.
Para Villaça seria:
Um plano que, a partir de um diagnóstico científico da realidade física,
social, econômica, política e administrativa da cidade, do município e de sua
região, apresentariam um conjunto de propostas para o futuro
desenvolvimento socioeconômico e futura organização espacial dos usos do
solo urbano, das redes de infra-estrutura e de elementos fundamentais da
estrutura urbana, para a cidade e para o município, propostas estas
16
definidas para curto, médio e longos prazos, e aprovadas por lei municipal.
Já para José Afonso da Silva:17 “é plano porque estabelece os objetivos a
ser atingidos, o prazo em que estes devem ser alcançados (...) é diretor, porque fixa
as diretrizes do desenvolvimento urbano do Município.”
Após a aprovação do Estatuto da Cidade, podemos afirmar que o Plano
Diretor deve ser necessariamente um instrumento de orientação de todas as ações
para intervenção do território.
Desta forma, adota-se a definição de Saboya, assim descrita:
Plano diretor é um documento que sintetiza e torna explícitos os objetivos
consensuados para o Município e estabelece princípios, diretrizes e normas
a serem utilizadas como base para que as decisões dos atores envolvidos
16
VILLAÇA, Flávio. Dilemas do Plano Diretor. In: CEPAM. O município no século XXI: cenários e
perspectivas. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam, 1999. p. 237.
17
SILVA, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1995. p.124.
15
no processo de desenvolvimento urbano convirjam, tanto quanto possível,
18
na direção desses objetivos.
O Plano Diretor será sempre realizado com grande participação popular,
apesar de tal comportamento de cidadania não ser bem exercido pela sociedade,
conforme se observa no acompanhamento de dezenas de audiências públicas, onde
a população ainda pensa em si, em questões pequenas e não no macro.
Sem dúvidas, que é um grande avanço a elaboração de um plano com
oitiva da população e, mesmo com apresentação de situações micro e localizadas, a
Administração, ora governo municipal, deve interpretar o apresentado para
transformar o apresentado diante de toda a população da cidade afetada.
O Plano Diretor deve traçar todo o programa de desenvolvimento da
cidade, bem como prever situações para regularizar as anomalias existentes, quer
seja com aplicação dos instrumentos jurídicos urbanísticos, chamados de
instrumentos da política urbana, bem explicitados no capítulo II do Estatuto da
Cidade.19
As faltas de planejamento e de gestão urbana produziram enormes
distorções no uso e nos espaços públicos, quer seja na ausência de equipamentos
urbanos fundamentais ou no aglomerado de pessoas em áreas impróprias e sem a
devida regularização para uso do solo.
Segundo Simone Wolff:
O Plano Diretor deverá conter, no mínimo: a delimitação das áreas urbanas
onde poderá ser aplicado: a) o parcelamento, edificação ou utilização
compulsórios; b) o direito de preempção; c) a outorga onerosa do direito de
construir; d) as operações urbanas consorciadas; e) a transferência do
20
direito de construir.
A população, na maioria das vezes, adquiriu lotes em loteamentos
clandestinos ou irregulares por total falta de política pública de moradia, não restam
duvidas, que se as mesmas fossem realizadas na medida da necessidade, as
pessoas prefeririam, com certeza plena, serem proprietárias formais do local onde
residem.
18
SABOYA, Renato. Concepção de um sistema de suporte à elaboração de planos diretores
participativos. 2007. Tese de Doutorado em Engenharia Civil, Universidade Federal de Santa
Catarina,Santa Catarina, 2007, p. 39.
19
BRASIL. Lei n°. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da
União. Brasília, 11 jul. 2001.
20
WOLFF, Simone. Estatuto da Cidade: A Construção da Sustentabilidade. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_45/Artigos/Art_Simone.htm. Acesso em:10.02.2011.
16
Uma ressalva se faz aos casos comuns de chácaras com finalidade de
recreio, onde a falta de fiscalização de posturas produziram loteamentos anormais e
com finalidades de recreio, na região de Campinas, localizados às margens de rios,
represas e áreas de necessária preservação ambiental, que transformaram se em
verdadeiros paraísos particulares.
A falta de uma política de fiscalização séria trouxe situações clandestinas,
irregulares e anormais para ocupação do solo, em alguns casos para uso domiciliar
e outros onde foram construídas verdadeiras mansões em áreas de preservação
permanente com finalidade exclusiva de lazer privado, em total desequilíbrio
ambiental e urbanístico.
Em um ou outro caso a responsabilidade é sempre do Município, quer
seja pela falta de planejamento urbano, fiscalização ou mesmo conivência para
favorecimento eleitoreiro de determinadas classes sociais.
O Plano Diretor deverá fazer uso dos instrumentos da política urbana para
resolver essas anomalias e acabarem com o uso irregular da propriedade, desta
forma, mesmo em situações fáticas esses instrumentos poderão, ou melhor, deverão
ser aplicados para a perfeita ordenação urbanística.
A Constituição Federal, em seu art. 182, § 1º, determina que o Plano
Diretor seja objeto de lei, sendo obrigatório para cidades com mais de vinte mil
habitantes. O Plano Diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e
de expansão urbana, conforme prevê as disposições constitucionais, visando
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bemestar de seus habitantes.21
Para concretização do determinado no Plano Diretor é importante manter
a mobilização do setor produtivo após aprovação da pertinente lei, sendo necessária
a implementação da gestão democrática com a realização das conferências,
audiências, fóruns temáticos e conselho da cidade.22
Desta forma, o Plano Diretor não é apenas uma determinação legal na
Constituição da República Federativa do Brasil, Constituições Estaduais e no
21
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 out. 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.Acesso em: 24 mar. 2011
22
SILVA JÚNIOR, Jeconias Rosendo da, PASSOS, Luciana Andrade dos. O negócio é participar: a
importância do plano diretor para o desenvolvimento Municipal. Brasília: CNM, SEBRAE, 2006,
passim
17
Estatuto da Cidade, mas sim um instrumento essencial para a gestão e promoção do
desenvolvimento ordenado das cidades.
3. PARCELAMENTOS IRREGULARES DO SOLO
Os parcelamentos clandestinos se diferenciam dos irregulares, razão pela
qual serão tratados em outro capítulo.
A questão dos loteamentos é bem disciplina pela Lei Federal de n° 6.766,
de 19 de dezembro de 1979, que teve sua redação alterada pelas Leis nº 9.785/99,
10.932/04 e recentemente pela Lei nº 11.445/07.
Sendo que a referida Lei, no parágrafo primeiro do artigo segundo, define
loteamento como: “a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com
abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento,
modificação ou ampliação das vias excedentes”.
A diferenciação traçada entre clandestinidade e irregularidade, se dá no
fato de que o clandestino é executado sem ciência do Poder Público, enquanto o
irregular, apesar de seguir os trâmites legais, em algum momento deixa de atender o
que fora definido no ato da aprovação ou das aprovações preliminares.23
Para José Afonso da Silva loteamentos clandestinos são: “aqueles que
não foram aprovados pela prefeitura municipal (...) o loteamento clandestino
constitui, ainda, uma das pragas mais daninhas do urbanismo brasileiro.”
24
Loteamentos irregulares ocorrem em razão da falta do cumprimento do
poder-dever de fiscalização dos Municípios e pela necessidade extrema dos
picadores de terra em lucrar, sem importar-se com o devido uso da propriedade, do
meio ambiente e da ordem urbanística.
A prática confirma que o Município deverá traçar cronogramas para o
loteador executar as obras de infraestrutura, sendo de fundamental importância o
rigoroso acompanhamento.
A lei municipal disporá a forma de execução do parcelamento, quais
obras obrigatórias serão realizadas, bem como prever uma caução para execução
das mesmas, afinal é de competência municipal tais providências.
23
NOGUEIRA, Wagner Rodolfo Faria. Parcelamento do solo. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 84,
25 set. 2003. Disponível em:http://jus.uol.com.br/revista/texto/4349. Acesso em: 12.01. 2011.
24
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2ª. ed., 1995,
p. 307.
18
Ressalta-se que essa caução será a mais fácil de execução, como
exemplo um seguro ou fiança bancária, já que a hipoteca de parte do
empreendimento é uma prática ultrapassada e, no caso de descumprimento do
cronograma, o Município se transformará em um corretor de imóveis, eis que terá
que alienar os mesmos para conseguir recursos para terminar o necessário.
Uma cidade que tenha um setor de fiscalização competente e livre de
pressão política ou, simplesmente, eleitoreira garantirá, com toda certeza, a
inexistência de loteamentos irregulares e clandestinos.
Como bem descrito anteriormente, o parcelamento irregular é mais fácil
de controle do que o clandestino, vez que se observados os prazos e determinações
na legislação municipal que determina a forma de parcelamento, a aberração poderá
ser cessada de imediato.
São várias as possibilidades de controle para evitar um loteamento
irregular, sendo que é de competência dos municípios criarem sistemas de
prevenção e correção nos casos já consumados.
É muito comum os municípios não terem realizados os procedimentos
necessários para evitar parcelamentos irregulares, sendo que sua regularização é
medida de direito e de justiça social.
O Município que deixou um loteador descumprir o necessário deverá
tomar às devidas providências para obrigar o loteador a cumprir todo o pactuado,
quer seja com a execução das cauções oferecidas ou através de liminares em ações
judiciais buscando, inclusive, a indisponibilidade dos bens dos loteadores e se
pessoas jurídicas, dos sócios também.
A execução de parcelamento irregular gera danos ao meio ambiente, sem
falar que representará um descontrole da ordem urbanística.
São vários os casos de anormalidades conhecidas, em especial
destacam-se lotes com dimensão inferior aos 125m², ausência de reserva de áreas
verdes, institucionais, sistema viário compatível e até demarcação de quadras em
locais que seriam vias públicas.
Os casos de parcelamentos irregulares são inúmeros, sendo que ocorrem
pela falta de fiscalização e pela fúria do mercado imobiliário, que não corrobora com
o planejamento e uso adequado da propriedade.
19
4. PARCELAMENTOS CLANDESTINOS
4.1 Considerações iniciais
Como já mencionado, loteamento clandestino é aquele realizado em total
desrespeito das normas urbanísticas vigentes e sem qualquer procedimento de
aprovação prévia, ou seja, em total desconhecimento do Poder Público.
Alguns parcelamentos, no caso desses definidos como clandestinos, os
lotes são vendidos antes de qualquer aprovação ou registro do empreendimento,
sendo tal comportamento configurador de crime e de graves problemas urbanísticos
aos adquirentes, que terão comprado lotes sem qualquer documento formal, e a
cidade, que contará com algo totalmente imprevisto, anormal e realizado sem
planejamento algum, ao menos é o que acontece na prática, já que os picadores do
solo pouco se importam com a ordem urbanística.
Um loteamento tem implicações para toda a coletividade; não é um
simples direito do proprietário da terra em parcelar o solo, aliás, com o atendimento
da função socioambiental da propriedade conclui-se que não é um direito, já que o
esse “direito” está subordinado ao atendimento dos requisitos definidos no Plano
Diretor e legislações complementares.
A Lei Federal n° 6.766/79 e alterações estipulam os requisitos gerais
mínimos para realização de um parcelamento, sendo que compete à legislação
municipal determinar os coeficientes de aproveitamento, zoneamento de uso e tudo
mais que for de interesse local para o devido ordenamento territorial e expansão da
cidade.
Hoje, com leis mais rígidas e atentas aos princípios introduzidos pelo
Estatuto da Cidade esse crescimento, necessariamente, atenderá aos requisitos
técnicos para aproveitamento máximo dos equipamentos urbanos existentes e para
que o empreendimento se insira a um conjunto já existente melhorando o
ordenamento do solo.
Impactos ocorrerão, sem dúvidas, o que se faz com um planejamento
adequado é o controle e minoração de seus efeitos com medidas recompensadoras.
Não se pode mais cogitar aprovação de um loteamento em áreas
distantes da área urbana original, como era feito antigamente, eis que essa falta de
planejamento demandará danos para toda a coletividade, afinal, em seguida terá o
poder público que levar os serviços e equipamentos urbanos até aquele local,
onerando os cofres públicos com obras, na maioria das vezes, não previstas.
20
Atualmente, os meios e formas de se evitar parcelamentos indevidos são
muito mais rigorosos, sendo que saiu da esfera da simples discricionariedade do
Chefe do Executivo Municipal, em especial pelo fato de que o zoneamento deve ser
realizado em atenção aos interesses da cidade e não mais em subordinação ao
poder econômico dos loteadores e, em algumas vezes, financiadores de campanha
eleitoral.
Loteamentos clandestinos afetam todo o equilíbrio urbanístico e geram
problemas sociais de grande monta, sendo que o Município tem o dever de evitar a
ocorrência de tais parcelamentos, sob pena de ser responsabilizado pela omissão.
A Lei de Parcelamento do Solo, em destacada nesse trabalho, dispõe em
seu artigo 12 que: “O projeto de loteamento e desmembramento deverá ser
aprovado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal…”.
E ainda, no artigo 18 que: “Aprovado o projeto de loteamento ou de
desmembramento, o loteador deverá submetê-lo a registro imobiliário dentro de 180
(cento e oitenta dias), sob pena de caducidade da aprovação…”.
A lei é cristalina ao afirmar que a aprovação deverá seguir determinados
procedimentos, inclusive indica que a venda ou promessa de venda sem registro
configura-se crime, assim em destaque:
Art. 50 - Constitui crime contra a Administração Pública:
I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento
do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público competente, ou
em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do
Distrito Federal, Estados e Municípios;
II - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou
desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das
determinações constantes do ato administrativo de licença;
III - fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao
público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento
ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente
fato a ele relativo.
Pena: Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50
(cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Parágrafo único. O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido:
I - por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer
outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em
loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis
competente;
II - com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou
desmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ 4º e 5º, desta Lei, ou
com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime
mais grave. (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100
25
(cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.
25
BRASIL. Lei n°. 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano
e dá outras Providências. Diário Oficial da União. Brasília, 20 dez.1979.
21
O rigor da lei não parece intimidar as pessoas mal intencionadas, que
realizam parcelamentos com a fundamentação leviana de que não sabiam que eram
necessários tais procedimentos.
Ainda bem que a Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, 26
antigamente conhecida como Lei de Introdução ao Código Civil, não protege tais
comportamentos, eis que no artigo 3° assim dispõe: “Ninguém se escusa de cumprir
a lei, alegando que não a conhece.” 27
Mesmo no caso de desmembramentos, vários requisitos são aplicados
aos empreendedores para realização do mesmo.
Nessa esteira de raciocínio, loteamento clandestino é aquele que não tem
autorização porque os órgãos públicos competentes não têm conhecimento de sua
existência, desta forma, não pode ser implementado e comercializado.
Nos parcelamentos clandestinos, embora haja venda de lotes, podem
ocorrer à execução ou não das obras de infraestrutura, em alguns casos os
adquirentes são ludibriados até na realização inicial.
Sendo de relevada importância a aplicação do poder de fiscalização
preventiva para coibir tais práticas.
4.2 Regularização aplicável e competência municipal.
Os parcelamentos ilegais, onde se incluem os loteamentos irregulares,
clandestinos e desmembramentos irregulares, geram problemas de ordem social,
ambiental e urbanística.
São vários os casos acompanhados, sendo que sempre a melhor solução
é a observância de requisitos especiais obrigando o responsável pelo parcelamento
na realização de obras e providências para adequação da situação.
O Município tem o dever de regularizar tais situações, buscando não
onerar o erário, ou seja, ingressando com medidas judiciais para decretação da
indisponibilidade de bens dos empreendedores culpados, inclusive, tentando buscar
o verdadeiro picador do solo.
26
o
BRASIL. Lei n°. 12.376, de 30 de dezembro de 2010. Altera a ementa do Decreto-Lei n 4.657, de 4
de setembro de 1942. Diário Oficial da União. Brasília, 31 dez.2010.
27
BRASIL. Decreto-Lei n.° 4.657, de 04 de setembro de 1942. Lei de Introdução ao Código Civil,
Diário Oficial da União. Brasília, 09 set. 1942.
22
Na impossibilidade deverá custear o necessário, mediante cobrança dos
beneficiados, se for o caso, para a manutenção da ordem urbanística.
A omissão do poder público criou tal situação e ao Município recairá todo
o ônus de retornar o equilíbrio da ordem urbanística.
Os
municípios
devem
se
organizar
criando
equipes
técnicas
multidisciplinares, ou seja, com arquitetos, advogados, engenheiros, fiscais e
representantes dos parcelamentos para buscar formas especiais para regularização,
afinal, salvo situações de inegáveis danos ambientais, os empreendimentos deverão
ser regularizados, claro que não de forma aleatória e sem critério.
As cidades de menor porte deverão se assessorar dos profissionais
competentes, sendo que no Estado de São Paulo existe um programa específico,
chamado de Cidade Legal, instituído pelo Decreto Estadual de n.º 52.052/07.28
Esse programa tem como objetivo orientar os municípios para informar de
que forma poderão regularizar os parcelamentos ilegais no Estado de São Paulo,
mediante convênio de cooperação técnica.
É um grande avanço para auxiliar os municípios nas medidas necessárias
para restaurar a ordem urbanística.
A omissão do Poder Público vem sendo coibida pela postura do Ministério
Público, que tem constantemente ingressado com ações civis públicas para obrigar
os loteadores, incentivadores e o Município em regularizar tais anomalias.
Inclusive, destaca-se que a falta de providências do Administrador Público
pode ser configurada como ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei
Federal de n° 8429/92, com um destaque a seguir:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os
princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às
instituições, e notadamente: ... II - retardar ou deixar de praticar,
29
indevidamente, ato de ofício.
A competência de regularização é do Município, como ficará muito bem
demonstrada, no item específico que trará a visão jurisprudencial acerca do tema.
28
SÃO PAULO. Decreto Estadual n°. 52.052, 13 de agosto de 2007. Institui o Programa Estadual de
Regularização de Núcleos Habitacionais - Cidade Legal, no âmbito da Secretaria da Habitação e dá
providências correlatas, Disponível em: http://www.habitacao.sp.gov.br/habitacao/legislacao/dec
52052_13082007.pdf>.Acesso em 20 jan.2011.
29
BRASIL. Lei n°. 8.429, de 02 de Junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes
públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na
administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.Diário Oficial da União.
Brasília, 03 jun. 1992.
23
Ao Poder Público Municipal é cabível a responsabilidade pela prevenção
e repressão dos parcelamentos ilegais, em decorrência do poder de fiscalização da
ordem urbanística municipal.
O comportamento municipal se fundamenta em ações de fiscalização
preventivas e adoção de medidas administrativas, em atenção à autoexecutoriedade
do poder de polícia pertinente ou através de medidas judiciais, quando necessárias,
para impedir a implantação clandestina ou irregular.
4.3 Ação Civil Pública para obrigar regularização.
A ação civil pública é regulamentada pela Lei Federal de n° 7.347/85,30
sendo que o Ministério Público tem grande importância na fiscalização e
cumprimento desta lei.
Os legitimados para propositura dessa ação são integrantes da
Administração Direta e Indireta, Ministério Público e associações, que atendam
alguns requisitos.
O objetivo dessa ação, para o caso em discussão, é de elevada
importância, haja vista a previsão de tutela definida no artigo primeiro, que diz:
“Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de
responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (...) III – à ordem
urbanística.
Essa ação é a apontada como mais adequada para a manutenção da
ordem urbanística, todavia, existem alguns municípios que fazem uso de simples
ações obrigacionais com pedidos cominatórios de fazer ou não fazer para que
empreendedores regularizem ou interrompam os parcelamentos irregulares.
A ação será analisada adiante com melhores requintes, sendo que é
possível adoção de medidas eficazes antes da interposição da mesma, como é o
caso da adoção de um termo de ajustamento de condutas.
30
BRASIL. Lei n°. 7.347, de 24 de julho de 1985. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União.
Brasília, 11 jan. 2002. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao
meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico (VETADO) e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 25 jul. 1985.
24
4.3.1. Termo de Ajustamento de Conduta.
O termo de ajustamento nada mais é do que um acordo firmado para
resoluções de questões, mediante condições expressas.
Para Leite:
O termo de ajustamento de conduta vem com o objetivo de fortalecer os
órgãos legitimados em suas ações proativas e trouxe em seu fundamento,
um instrumento de ordem preventiva e precaucional em razão do dano
31
ambiental.
O objeto do termo de ajustamento de conduta é prevenir, fazer cessar ou
buscar a melhor forma de indenização aos danos e interesses da coletividade, no
caso de questões de parcelamentos irregulares ou clandestinos, a solução para
regularização do empreendimento e o retorno da ordem urbanística.
Para Geisa de Assis Rodrigues o termo de ajustamento de conduta é
“uma forma de solução extrajudicial de conflitos promovida por órgãos públicos,
tendo como objeto a adequação do agir de um violador ou potencial violador de um
direito transindividual.”32
Esse instrumento pode ser firmado pelos causadores dos danos e o
Município, conforme preconiza o § 6° do art. 5° da Lei da Ação Civil Pública, assim
transcrito: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados
compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante
cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.”
Ressalta-se que a vigência do parágrafo mencionado já foi analisada pelo
Superior Tribunal de Justiça, nos termos do REsp de n° 222.582 –MG.33
O Ministério Público tem um papel fundamental na aplicação da norma,
sendo que uma vez instaurado o inquérito civil, a questão deverá ser resolvida, quer
seja com um termo de ajustamento de conduta ou interposição de uma ação civil
pública, lembrando que o termo de ajustamento de conduta deverá ser devidamente
homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público.34
31
LEITE, J.R.M, et. al. Aspectos Processuais do Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2003,
p.82.
32
RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e
prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 297.
33
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 222.582-SP.Relator: Min. Milton Luiz
Pereira.Brasília, DF, 12 de março de 2002. Diário da Justiça, 29 abr. 2002.
34
Conselho Superior do Ministério Púbico. Ato Normativo de n° 484/2006– CPJ. Disponível em:
http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao_infancia_juventude/legislacao_geral/leg_geral_atos_p
gj/ATO%20484.doc.Acesso em: 20.02.2011.
25
Desta forma, cabe ao Ministério Público o combate aos parcelamentos
irregulares e clandestinos, principalmente através de instauração de inquéritos civis
e interposições de ações para coibir a prática danosa à ordem urbanística, em
atenção, inclusive, aos interesses e direitos dos cidadãos.
Esse instrumento, fruto da aplicação de uma justiça mais moderna e
atenta ao consenso, é um excelente meio para garantia da recuperação do meio
ambiente, ou seja, é encontrada uma solução técnica, efetiva e razoável para
reparação do meio ambiente, através de um acordo prévio discutido.
O ajustamento de condutas sempre e sem exceção é a melhor solução
para esses casos de parcelamentos irregulares, afinal, serão verificadas condições
reais e o atendimento do necessário para que a questão se resolva, sendo que o
descumprimento ensejará execução das condições pactuadas.
O trâmite de uma ação pode se arrastar por anos e no final não ser de
fato fácil de execução a decisão judicial.
A melhor proposta para resolução do caso é um acordo através de um
termo de ajuste de conduta, sendo que a prática assim demonstra.
É bem claro que esse termo deve ser realizado com as cautelas
necessárias e indicando a cronologia e as respectivas obrigações, tudo com caução
para que não seja frustrada a obrigação futura.
Desta forma, destaca-se que os mecanismos de tutela jurisdicionais
avançaram com o sistema de ação civil pública, estabelecendo que o termo de
ajustamento de conduta possui função preventiva, sendo mais adequado aos
interesses de toda a coletividade.35
4.3.2. Ação e cumprimento de decisão judicial.
O meio ambiente e a ordem urbanística são produtos resultado de uma
miscelânea de componentes; atualmente o tema tem conseguido sua real
importância, tendo o texto constitucional e infraconstitucional se preocupado com a
questão.
35
CRECÊNCIO, Alcimar. O uso do Termo de Ajustamento de Conduta na recuperação de áreas
de preservação permanente. Artigo científico apresentado na especialização em gestão de políticas
públicas. Universidade Estadual de Maringá. Paraná, 2009.
26
A ação civil pública e a ação popular ambiental são os meios mais
eficazes para evitar, reprimir e reparar atos omissivos e comissivos potenciais de
geração de danos e prejuízos ao meio ambiente.
Dentre a ação popular e a ação civil pública, entendemos que essa última,
tem se mostrado de maior eficácia, em virtude das características específicas do
Ministério Público e dos demais co-legitimados para garantia da defesa do meio
ambiente e da ordem urbanística.
Não se discute que o Ministério Público e as grandes associações
possuem melhores condições de promover a realização das perícias, que
geralmente são complexas e de elevados valores nessas ações de cunho ambiental
ou urbanístico.
De forma geral, devido à capacidade técnica, financeira e administrativa
das associações relevantes e do Ministério Público não há como se negar que a
ação civil pública apresenta-se como um excelente procedimento para garantia e
defesa do meio ambiente.
Paulo Affonso Leme Machado
36
ressalta que a ação civil pública traz a
eficácia e restauração dos bens, dependendo da sensibilidade do julgador, da
técnica dos promotores e dos advogados das associações; afirmando que se a ação
tiver a finalidade de “apaga incêndios” não terá a mesma utilidade de ações
planejadas e propostas de forma coordenadas, que garantirão o verdadeiro controle
e restauração do meio ambiente.
A ação civil pública é o meio mais eficaz para evitar danos e reprimir sua
continuidade, o que não impede após sua propositura homologação de um termo de
ajustamento de conduta, que traga efetivamente a recuperação do meio ambiente
afetado.
Sem dúvida, a ação civil pública tutela e ampara o meio ambiente e
ordem urbanística de forma rápida, que a matéria requer, sendo o termo de
ajustamento de conduta, na maior parte das vezes, o meio mais célere e adequado
para resolução da questão.
Nada melhor do que ser firmado tal termo, especialmente quando o
ofensor ao meio ambiente não agiu com dolo, ou seja, não tinha capacidade de
36
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros 7ª ed. 1999,
p. 290.
27
perceber os danos que estava causando, sendo que quando alertado se propõe a
recuperá-los, participando, inclusive, com seu conhecimento empírico, mas sábio.
É bem verdade que o trâmite de uma ação civil pública, devido às
diferenças gritantes deste país-continente, poderá se demonstrar muito demorado,
motivo pelo qual se aponta o termo de ajustamento de conduta como uma forma
auxiliar, contudo, eficaz para proteção ao meio ambiente, lembrando sempre na
necessidade de inserção da aplicação da justiça do consenso.
A ação civil pública, como uma ação declaratória, constitutiva e
condenatória, é um grande avanço para proteção do meio ambiente, inclusive
quando obtidas as liminares, caracterizando-se a situação como de urgência e
comprovando-se que se decorrido tempo gerará danos irreparáveis.
Ada Pellegrini Grinover
37
afirma ser inquestionável que a ação civil
pública ambiental pode buscar, também, a reparação dos danos pessoalmente
sofridos pelas vítimas dos desastres ecológicos, seguindo as regras do Código de
Defesa do Consumidor.
A posição da ilustre doutrinadora é a mais adequada, em que pese à
minoria discordar por entender que falta adequação processual.
Há que se acabar com esse apego ao direito positivista, em especial em
matéria ambiental e urbanística, buscando sempre a restauração de todo o meio
ambiente, que inclui a comunidade afetada e o retorno da ordem urbanística.
Desta forma, no Brasil é adotada a proteção ambiental em sentido amplo,
admitindo como vítimas do dano ambiental não só o meio ambiente, macro-bem
indisponível, indivisível e de titularidade difusa, como também o indivíduo cuja
afetação direta ou indireta pelo dano ambiental tenha sofrido prejuízo de alguma
espécie.
A ação civil pública foi essencial para o progresso do sistema processual
civil brasileiro quanto à defesa dos interesses difusos e coletivos, sendo um
instrumento eficaz para fazer cumprir o direito fundamental ao meio ambiente.
O objetivo da ação é a proibição de ato comissivo ou omissivo,
protegendo assim o direito difuso da sociedade ou reparando e inibindo os prejuízos
causados pelo agressor ambiental.
37
GRINOVER, Ada Pellegrini. "Ações ambientais de hoje e de amanhã". Dano ambiental:
prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, n° 470, p.253, 1993.
28
Tal instrumento processual, aliado aos procedimentos cautelares ou de
antecipação de tutela, representa uma garantia excepcional de proteção ao meio
ambiente e ao retorno do equilíbrio urbanístico.
O meio ambiente deve ser visto como um bem finito e de essencial
importância, conforme ensina Vladimir Passos de Freitas38:
O meio ambiente é, atualmente, um dos poucos assuntos que desperta o
interesse de todas as nações, independentemente do regime político ou
sistema econômico. É que as conseqüências dos danos ambientais não se
confinam mais nos limites de determinados países ou regiões. Ultrapassam
as fronteiras e, costumeiramente, vêm a atingir regiões distantes. Daí a
preocupação geral no trato da matéria que, em última análise, significa zelar
pela própria sobrevivência do homem.
Com esse entendimento da necessidade de proteção ao meio ambiente
para continuidade da humanidade é que a ação civil pública tem seu papel
destacado, uma vez que é o instrumento mais eficaz para proibir ou fazer cessar a
degradação dos componentes ambientais e manutenção da ordem urbanística
vigente.
O cumprimento da decisão judicial nessas ações é de difícil aplicação, eis
que dependerá de providências próprias e técnicas para real execução da
infraestrutura básica necessária.
Nessas ações deverá ser obrigatória a realização de perícias para o
perfeito cumprimento da decisão judicial, caso contrário, ter-se-ão decisões judiciais
inexequíveis.
O meio de defesa nessas ações poderá procrastinar a retomada da
ordem urbanística, sendo que nos casos em que não se consegue a liminar para
bloqueio de bens ou decretação da indisponibilidade dos mesmos poderão
ocasionar o êxito processual e a falta de resultado prático, razão pela qual o
Município, quando requerido nessas ações deverá arcar com todos os ônus.
Sendo o Município requerido esse deverá buscar formas de não onerar
em demasia o erário, sendo que os adquirentes de lotes em loteamentos irregulares
e clandestinos não poderão ser beneficiados.
A coletividade não pode ser onerada pelo comportamento omissivo e
equivocado dos adquirentes, que deverão ter os empreendimentos regularizados,
38
FREITAS, Vladimir Passos de apud NETO, Fernando da Costa Tourinho. Dano Ambiental. In:
Revista Consulex. Rio de Janeiro: Consulex, n.° 2, p. 45, fev.,1997.
29
todavia, deverão arcar com os custos, no caso de comprovada impossibilidade
financeira dos loteadores.
O Município, nessas situações, deverá fazer uso de obras e instrumentos
específicos para que não ocorra enriquecimento sem causa dos compradores de
lotes irregulares ou clandestinos, ou seja, respeitando a decisão judicial deverá
regularizar o empreendimento, todavia, poderá, se for o caso, instituir contribuições
de melhorias, entre outros para que a coletividade não pague pelo comportamento
do adquirente.
Pode parecer rígido esse posicionamento, contudo a prática dos casos
demonstra que na maioria das vezes, o adquirente do lote tem total ciência de que
está comprando algo não regularizado, são raros os casos de ignorância dos
compradores.
Desta forma, nada mais justo do que os compradores corroborarem pelo
pagamento do necessário, no caso de insolvência de quem realizou o parcelamento
ilegal.
Em alguns casos, em especial em regiões próximas a lagos, rios ou de
valor ambiental, pessoas se reúnem para firmarem verdadeiros condomínios de luxo
com finalidade de recreio.
Em assim sendo, são verdadeiros infratores das normas vigentes e
deverão ser responsabilizados por esse comportamento e, mesmo que não fossem,
não é possível alegar ignorância da existência de lei, nos termos do já mencionado
anteriormente.
A decisão judicial deverá ser atenta ao indicar os procedimentos
necessários para regularização dessas situações de ilegais.
O importante é destacar que os adquirentes de má-fé, que compraram
lotes irregulares ou clandestinos em razão do reduzido valor de mercado para
posterior aumento de seu capital com a regularização, fato comum em casos
práticos, não poderão ser beneficiados sem arcarem com a cota de sua
responsabilidade.
5. DEVER DO MUNICÍPIO DE REGULARIZAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA.
Todas essas formas de parcelamentos, ou seja, anormais, irregulares ou
clandestinos deverão ser regularizados para manutenção da ordem urbanística,
30
sendo certo que somente casos de gritante desrespeito ao meio ambiente deverão
ser abortados.
Em situações de evidentes danos ambientais e impossibilidade de
compensações um parcelamento deverá ser impedido de regularização, sendo que
nesse caso, a área deverá ser recuperada e os afetados alocados.
A jurisprudência é pacífica e determina que o Município seja responsável
solidário pela regularização de loteamentos, já que havendo comprovação de que
houve alienação responde o loteador e à municipalidade pela ausência de
fiscalização.39
Celso Antonio Bandeira de Mello sustenta que:
(...) aquele que desempenha função tem, na realidade, deveres-poderes.
Não poderes, simplesmente. Nem mesmo satisfaz configurá-los como
'poderes-deveres', nomenclatura divulgada a partir de Santi Romano. Com
efeito, fácil é ver-se que a tônica reside na idéia de dever, não na de poder.
Daí a conveniência de inverter os termos deste binômio para melhor vincar
sua fisionomia e exibir com clareza que o poder se subordina ao
40
cumprimento, no interesse alheio, de uma dada finalidade.
O Poder Público Municipal deverá ficar atento às publicidades acerca de
venda de imóveis, observando casos em locais desprovidos de regularização, sendo
dever do Município, inclusive, promover notificações, publicações e alertas a toda
população para indicar os trâmites necessários para compra de um imóvel em
situação regular.
O Município deverá assumir seu papel de fiscalizador e evitar essas
anomalias, que acabam ferindo o planejamento e a ordem urbanística vigente.
O Município com essa conduta evitará danos maiores e, nas situações já
consolidadas, deverá promover a pertinente regularização.
No Recurso Especial de n° 448.216-SP o Superior Tribunal de Justiça
afirmou que:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO URBANÍSTICO. LOTEAMENTO
IRREGULAR. MUNICÍPIO. PODER-DEVER DE REGULARIZAÇÃO. 1. O
art. 40 da lei 6.766/79 deve ser aplicado e interpretado à luz da Constituição
Federal e da Carta Estadual. 2. A Municipalidade tem o dever e não a
faculdade de regularizar o uso, no parcelamento e na ocupação do solo,
para assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o bem-estar da
população. 3. As administrações municipais possuem mecanismos de
autotutela, podendo obstar a implantação imoderada de loteamentos
39
BRASIL.Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.22ª Câmara Cível. Apelação e Reexame
Necessário n° 70017994112. Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro. Porto Alegre, RS, 01 de março
de 2007. Diário da Justiça, p.155. 08 mar. 2007.
40
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1992, p.
322.
31
clandestinos e irregulares, sem necessitarem recorrer a ordens judiciais
para coibir os abusos decorrentes da especulação imobiliária por todo o
País, encerrando uma verdadeira contraditio in terminis a Municipalidade
opor-se a regularizar situações de fato já consolidadas. 4. (…). 5. O
Município tem o poder-dever de agir para que o loteamento urbano irregular
passe a atender o regulamento específico para a sua constituição. 6. Se ao
Município é imposta, ex lege, a obrigação de fazer, procede à pretensão
deduzida na ação civil pública, cujo escopo é exatamente a imputação do
facere, a expensas do violador da norma urbanístico-ambiental. 5. Recurso
41
especial provido.
Desta forma, a jurisprudência é pacífica e afirma ser responsabilidade do
Município promover a regularização de empreendimentos para manutenção da
ordem urbanística, sendo que somente assim a propriedade poderá voltar a cumprir
a função socioambiental.
Tudo se resolveria se todos dessem à propriedade a devida função
socioambiental;
os
loteadores
cumprem
essa
função
quando
realizam
empreendimentos imobiliários em total atendimento às normas vigentes, uma vez
que não é errado ou ilegal lucrar com o uso da propriedade.
6. CONCLUSÃO
As formas anormais, irregulares ou clandestinas de parcelamento do solo
são típicas de condutas desprovidas do planejamento urbano adequado e do poderdever de fiscalização dos municípios.
O Plano Diretor e legislações relacionadas são fundamentais para impedir
que essas anormalidades sejam aceitas, em especial no que se referem à realização
de usos inadequados da propriedade.
O
Estatuto
da
Cidade
trouxe
instrumentos
da
política
urbana
fundamentais para garantir que a propriedade atenda sua função social.
Por isso a exigência do cumprimento da função social se aplica, inclusive,
nos casos de parcelamentos inadequados, onde se engloba a nova figura fática dos
chamados condomínios ou loteamentos fechados.
A evolução mercadológica trouxe essa nova forma de parcelamento,
sendo dever do Poder Público regulamentar tal situação, sob pena de desequilíbrio
da ordem urbanística vigente.
41
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 448.216-SP. Relator: Min. Luiz Fux.
Brasília, DF, 13 de novembro de 2003. Diário da Justiça, p. 204, 17 nov. 2003.
32
O
presente
trabalho
apresentou
conceitos
gerais
e
o
devido
posicionamento acerca do tema, sendo a regularização fundamental para
manutenção do necessário e da função socioambiental da propriedade.
Desta forma, parcelamentos irregulares e anormais do solo devem ser
regularizados para que toda a coletividade seja beneficiada, retomando a ordem
urbanística e buscando sempre que as propriedades atendam seu dever
constitucional.
A impossibilidade do uso intolerável da propriedade encarta-se no amplo e
generoso conceito do direito à vida digna. Nesse quadro o meio equilibrado, ou uso
adequado da propriedade é um direito, do qual todos nós temos a real necessidade
de proteção, sendo de vital importância para a concretização e eficácia social.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Luiz Fux. Brasília, DF, 13 de novembro de 2003. Diário da Justiça, p. 204, 17
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BRASIL.
Tribunal
de
Justiça
de
São
Paulo.
Órgão
Especial.
ADIn
n.º
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2003. Diário da Justiça, p.45, 11 fev. 2003.
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