A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E OS MEIOS QUE GARANTAM A CELERIDADE DE SUA TRAMITAÇÃO Mirna Cianci (*) . O acesso à justiça comporta significado que compreende uma gama de princípios processuais, entre eles o devido processo legal, o contraditório e a efetividade, que, conjugados, proporcionam ao jurisdicionado o processo justo, corolário do tema. A razoável duração do processo, alçada a nível constitucional pela Emenda Constitucional 45,1 não surgiu como novidade no sistema pátrio, não só porque revela-se como resultado do principio da inafastabilidade da jurisdição na concepção que se coloca, como também porque já encontrava previsão na Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita em 4.11.19502 sob a égide do qual sobreveio o Pacto de San Juan da Costa Rica,3 incorporado ao direito pátrio pelo Decreto 678, de 6.11.1992.4 * Procuradora do Estado de São Paulo; Coordenadora e Professora da Escola Superior da PGE/SP. Mestre em Direito Processual Civil pela PUCSP 1 Art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. 2 Artigo 6.º (Direito a um processo equitativo) 1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça. 3 Art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto San José de Costa Rica: Toda pessoa tem direito a ser ouvida com as garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, instituído por lei anterior, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 4 O Brasil não foi signatário do Pacto de São José da Costa Rica, mas sim, aderiu à Convenção posteriormente, pelo Decreto 678/92. A adesão de um Tratado ou Convenção é o ato posterior do Estado aderente que se compromete a aplicar no seu ordenamento jurídico interno sem confrontá-lo, ao passo que se o Brasil fosse signatário este assumiria a obrigação de cumprimento total e somente se eximiria do cumprimento total através da denúncia do Tratado à Corte Internacional de Justiça, o que não ocorre na adesão, que é ato posterior e que o Para a figuração do exato significado e alcance do tema, a doutrina tem debatido os diversos enfoques capazes de dar suporte à efetividade do direito fundamental à celeridade processual, em especial a responsabilidade do Estado, o princípio da cooperação entre os sujeitos do processo e as demais garantias processuais. Não se pode negar auto aplicabilidade ao dispositivo,5 mas será de extrema fragilidade a exegese que resulta seja considerado, em razão do assento constitucional, verdadeira panacéia, não só porque, se assim fosse, já o seria exigível por conta dos preceitos constitucionais pré-existentes, como porque não se solucionam problemas estruturais do Judiciário sob tão pálida iniciativa. Nesse foco, a responsabilidade estatal também não se revela como resultado adequado. A responsabilidade do Estado tanto pode ser apurada em razão do risco da atividade pública, como em decorrência da culpa verificada no desempenho dessa atividade, por seus agentes, conforme o caso. De acordo com MENEGALE “a responsabilidade do funcionário público é o ‘substratum’ da responsabilidade do Estado; onde de fato não houve responsabilidade direta do funcionário, não pode haver responsabilidade indireta do Estado”.6 Em regra tem, portanto, fundamento na atitude culposa do agente, que tenha liame com o dano verificado. HAURIOU apud JOSÉ DE AGUIAR DIAS, ao comentar a teoria do risco administrativo, adverte que apenas excepcionalmente se deve utilizar o risco como pressuposto necessário à responsabilidade civil, quando insuficiente a teoria da culpa e que a evolução da culpa para o risco depende de obra legislativa e não de interpretação jurisprudencial.7 CAIO TÁCITO acompanha esse entendimento, afirmando que o sistema que encontra ressonância na jurisprudência brasileira é o da culpa administrativa, reservando-se o princípio do risco aos casos excepcionais consagrados em lei.8 Em especial nos casos de omissão, CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO afirma que "o Estado só responde por omissões quando deveria atuar e não atuou..", vale dizer: quando descumpre o dever legal de agir. Em uma palavra: quando se comporta ilicitamente ao abster- Estado pode adequá-lo ao ordenamento jurídico interno, independente de denúncia no âmbito internacional. (in http://www.uj.com.br/online/forum/ - acesso em 10.02.2008). 5 O Min. Celso de Mello, em voto proferido, afastou o cabimento do mandado de injunção para “viabilizar e operacionalizar o princípio da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII).” Em sua decisão traz elenco de medidas constantes de inúmeros projetos legislativos, todos visando a maior celeridade dos ritos processuais. (STF-MI 715/DF, rel. Min. CELSO DE MELLO, 25.2.2005). 6 MENEGALE, J. Guimarães. Direito Administrativo e Ciência da Administração. Rio de Janeiro: 1937, p. 360. 7 AGUIAR DIAS, José. Responsabilidade Civil, Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, p. 606. 8 TÁCITO, Caio. Revista de Direito Administrativo, vol. 55, p. 262. 2 se".9 E ainda: " A responsabilidade por omissão supõe dolo ou culpa em suas modalidades de negligência, imprudência ou imperícia, embora possa tratar-se de uma culpa não individualizável na pessoa de tal ou qual funcionários, mas atribuída ao serviço estatal genericamente",10 para concluir que " só o exame concreto dos casos ocorrentes poderá indicar se o serviço funcionou abaixo do padrão a que estaria adstrito por lei".11 Essa doutrina tem larga aceitação e, independente do fundamento da ação, a alegação de omissão estatal não poderá ser analisada sob o aspecto do risco, sendo defeituosa a inicial que contenha essa causa de pedir na hipótese aqui versada. Isso porque a omissão decorre do descumprimento de dever legal, atento à regra constitucional do artigo 5º, inciso II12 e somente no exame do caso concreto se poderá avaliar a responsabilidade do ente público, obviamente sob a égide da ilicitude civil. Na verdade, tal qual o direito comum, a teoria do risco administrativo, que é aquela decorrente da atividade extracontratual do Estado por atos de gestão, rende ensejo à responsabilidade independente da averiguação de culpa, porque de risco exclusivamente se trata, quando o ato lícito praticado pela Administração Pública tenha efeitos danosos sobre o indivíduo, de caráter genérico e anormal, sendo inexigível da parte o sacrifício a ela imposto, em benefício da coletividade. O saudoso Mestre HELY LOPES MEIRELLES abordou o tema afirmando que, na avaliação do risco administrativo, não se cogita da culpa da Administração, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. Ensina que tal teoria baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar danos a certos membros da comunidade, impondo-lhes ônus não suportado pelos demais, concorrendo, portanto, todos os demais administrados para a reparação, sendo o risco e a solidariedade social os suportes dessa doutrina.13 ELCIO TRUJILLO, autor de obra exclusivamente dedicada ao assunto, coloca como pressuposto da indenizabilidade decorrente da atividade lícita do Estado, “o ato lícito que venha a causar um prejuízo especial e anormal, isto é, ato impositivo de sacrifício e não, 9 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Responsabilidade Extracontratual do Estado por Comportamentos Administrativos. Revista dos Tribunais, Volume 552. São Paulo: RT, p. 11. 10 Op. cit., p. 13. 11 Op.cit., p. 15. 12 Artigo 5º, inciso II - Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. 13 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: Malheiros Editores, 22ª ed., p. 563. 3 simplesmente, restritivo de direito”.14 Ainda assim, o ato deverá ter natureza administrativa e revela-se em razão do risco imposto pela atividade pública. Disso resulta que a licitude que rende ensejo à responsabilidade objetiva, resultante do risco da atividade administrativa não se coaduna com a responsabilidade por conduta omissiva, que pressupõe culpa (rectius ilícito). JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, em obra antiga, dedicada à discussão do tema da responsabilidade do Estado por ato lícito à luz do ordenamento da época, considera que a necessidade de apuração de culpa na conduta do agente estatal tem como pressuposto a aplicação do direito privado e que a teoria do risco administrativo somente se verifica na seara da atividade lícita do Poder Público.15 O mesmo Autor afirma que a Administração Pública não poderia ser responsável independentemente da averiguação de culpa, em qualquer hipótese, a menos que se considere – hipótese inaceitável – a máquina estatal e todas as suas ramificações, como excepcionalmente perigosa, tornando indenizáveis situações que não se enquadram como típicas de risco ou de perigo.16 Nesse espectro, diante do vago conceito de “razoável duração”, ficaria difícil, senão impossível, localizar o ilícito de modo concreto a ponto de erigi-lo a um dever legal cuja omissão no cumprimento poderia deflagrar o direito reparatório. Melhor exemplificando: O que seria prazo razoável? Dois anos; três anos; três anos e um dia?17 Enfim, não seria viável imputar ao Estado a responsabilidade casuisticamente, sem critério técnico.18 14 TRUJILLO, Élcio. Responsabilidade do Estado por Ato Lícito. LED, 1996, p. 101. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos. Coimbra: Livraria Almedina – LAEL, p. 90. 16 Op. cit., p. 96. 17 Samuel Miranda Arruda em alentada tese bem observa que “não há como identificar tempo razoável com um ano e meio, cinco anos e meio, quatro anos, sem que essa fixação seja reputada de discricionariedade abusiva”. (ARRUDA, Samuel Miranda. O Direito Fundamental à Razoável Duração do Processo. Brasília: Brasília Jurídica, 2006, p. 289) 18 Amaro Cavalcanti, em obra específica, afirma que "quando se tratar de um dever geral de prestar certos serviços, ou de tomar as medidas convenientes acerca de certos ramos da administração, digamos, relativamente à saúde pública, à segurança das pessoas ou da propriedade, à conservação necessária de vias públicas, e coisas semelhantes - e da sua omissão, por inadvertência ou simples negligência da respectiva autoridade ou funcionário resultar um dano, nem por isso somente se deverá logo concluir que ao Estado resulta uma obrigação de indenizá-lo. Seria tolher por demais a Administração Pública na liberdade de ação que institucionalmente lhe compete; sendo, neste ponto, de manifesta procedência a ponderação feita por LOENING, de que o indivíduo não tem o direito de ação contra o Estado (keinen Rechstsanspruch an den Staat), para obrigá-lo a cumprir seus fins próprios, ou para que as leis e regulamentos, promulgados no interesse geral do Estado, sejam desde logo executados." (CAVALCANTI, Amaro. Responsabilidade Civil do Estado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1956, atualizada por José de Aguiar Dias, p. 399). 15 4 A doutrina desde logo revelou preocupação com a elasticidade do conceito, mencionando UADI LAMÊGO BULOS19 a propósito, que “o problema está em saber o que significa “razoável duração do processo”, bem como quais os meios para assegurar a rapidez de seu trâmite. Oxalá o legislador logre o êxito em esclarecer tal ponto”. Ainda, não será demais vislumbrar, o direito indenizatório, mero paliativo, em absolutamente nada soluciona a demora da máquina estatal, apenas transfere aos próprios jurisdicionados20 a “punição” que, de resto, deverá submeter-se aos mesmos trâmites do mesmo Judiciário para satisfazer o prejuízo do lesado. Ademais disso, incumbe às partes provocar a atuação jurisdicional, evitando delongas e demoras injustificadas, e disso exsurge o princípio da cooperação entre os sujeitos do processo, dispondo as partes de meios hábeis a coibir as condutas meramente procrastinatórias, que revelam temeridade sujeita à reparação e punições legais. Portanto, não só ao juiz cabe velar pela rápida solução do litígio (CPC,art. 125,I) como também aos jurisdicionados incumbe a fiscalização e requerimento de imediatas providências, como se verifica, por exemplo, no diploma processual, (CPC, art. 133) , de acordo com o qual “Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no n. II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias” (g.n.). São, portanto, taxativas as hipóteses de responsabilidade estatal, decorrentes da atuação judicial, nos moldes legais, sendo descabido perquirir acerca do tema à margem desse elenco. Socorrem a parte institutos presentes no ordenamento processual civil. Sendo, e.g., caso de urgente fruição, cabível será o pleito de antecipação de tutela (CPC, art. 273), hábil a impedir o perecimento do direito. O Superior Tribunal de Justiça bem delineou o tema ao trazer como suposição que “a tutela de urgência pressupõe a impossibilidade de 19 BULOS, Uadi Lamêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva 2007, p. 397, p. 397. O E.Superior Tribunal de Justiça, a respeito de ação indenizatória por morte de detento, decidiu que “O Estado não é um ente inanimado. Anima-o, move-o o povo, os que labutam, os que trabalham. Os ressarcimentos que ele paga decorrem da produção dos trabalhadores, de qualquer seara, mas trabalhadores”. STJ-REsp 285.684-SP – Relator Min. Milton Luiz Pereira – DJU 17mai02. Exatamente no mesmo sentido: TJSP – AC 258.177-1/8, de 16.09.96 20 5 cumprimento de liturgias que posterguem a prestação jurisdicional, sendo essa a ratio aferível na gênese do novel instituto”.21 De fato, o instituto da antecipação de tutela inaugurou um novo capítulo na história do direito pátrio, fazendo vigorar de modo efetivo a prestação jurisdicional, diante da possibilidade de perecimento e da volatividade do direito subjetivo, capaz de, por si, dar real significado à solução do tempo no processo, naquilo que seja cabível ou suficiente a aplicação desse recurso, sem prejuízo da utilização das medidas cautelares, tendentes à segurança do direito posto em juízo. Em seguida, com a institucionalização das astreintes e a ampliação dos poderes de atuação oficiosa do juiz, bem como a possibilidade da utilização de técnicas processuais adequadas para a consecução do fim perseguido, foi o demandante municiado de meios eficazes a fazer valer o cumprimento das determinações judiciais, que abreviam a atuação do direito e tornam suportável a espera do trâmite processual.22 A par disso, dispõem as partes do sistema recursal que comporta também nessa sede, a antecipação de tutela ou a suspensividade, inclusive de efeito ativo, conforme o caso, ferramentas também disponíveis e acessíveis a quem demonstre, desde logo, a verossimilhança do direito. A atuação irresponsável da parte que venha a provocar o empecimento do processo em qualquer de suas fases também pode ser contida pela cominação de penalidades resultantes do reconhecimento da temeridade processual, cada vez mais específicas, ora previstas para a atuação genérica, ora previstas em sede recursal ou de execução e a sua imposição traduz exatamente o atendimento, por meio do devido processo legal, do fim colimado, de abreviação do tempo de duração do processo. 21 REsp 834.678/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26.06.2007, DJ 23.08.2007 p. 216. Marinoni acompanha esse entendimento, destacando que “o procedimento ordinário, como é intuitivo, não é adequado à tutela de todas as situações de direito substancial e, portanto, a sua universalização é algo impossível. Aliás, ao que hoje se assiste nos sistemas do direito romano-canônico é uma verdadeira demonstração de superação do procedimento ordinário, tendo a tutela urgente se transformado em técnica de sumarização e, em última análise, em remédio contra a ineficiência deste procedimento” (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória, Julgamento Antecipado e Execução Imediata da Sentença. 2ª ed. São Paulo: RT, 1998, p. 24). 22 Kazuo Watanabe destaca a respeito que “particularmente no artigo 461, para a tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer ou para a obtenção do resultado prático correspondente, valeu-se o legislador da técnica de combinação de todos eles para conceber um processo que realmente propiciasse uma tutela efetiva, adequada e tempestiva, como determina o princípio constitucional da proteção judiciária”. (WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2ª ed. São Paulo: Central de Publicações Jurídicas: Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, p. 48). 6 DINAMARCO23 bem demonstra a intenção do legislador, ao veicular através da EC-45 não só o direito à razoável duração do processo, como outras medidas capazes de reduzir os trâmites processuais. Afirma o Autor que: “(...) os reformadores estiveram conscientes de que a maior debilidade do Poder Judiciário brasileiro em sua realidade atual reside em sua inaptidão a oferecer uma justiça em tempo razoável, sendo sumamente injusta e antidemocrática a outorga de decisões tardias, depois de angustiosas esperas e quando, em muitos casos, sua utilidade já se encontra reduzida ou mesmo neutralizada por inteiro. De nada tem valido a Convenção Americana de Direitos Humanos, em vigor neste país desde 1978, incorporada que foi à ordem jurídica brasileira em 1992 (dec. n. 678, de 6.11.92); e foi talvez por isso que agora a Constituição quis, ela própria, reiterar essa promessa mal cumprida, fazendo-o em primeiro lugar ao estabelecer que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º., inc. LXXVIII, red. EC n. 45, de 8.12.04). E, passando da palavra à ação, a emenda n. 45 trouxe também três disposições de caráter eminentemente pragmático e destinadas a acelerar, que são: (a) a que suprime férias coletivas em todas as Justiças e em todos seus graus jurisdicionais e (b) a que consagra em nível constitucional o automatismo judiciário e (c) a que determina a distribuição imediata em todos os juízos e tribunais”. Acrescente-se ao rol a criação das súmulas vinculantes, tentativa do legislador de uniformizar a conduta jurisdicional como modo de agilizar a atividade do Judiciário, exterminando initio litis as pretensões a respeito das quais já se tenha pronunciado desfavoravelmente a Suprema Corte. Prazo razoável e celeridade não são sinônimos, posto que a razoabilidade pode assumir diferentes feições de acordo com a necessidade instrutória de cada processo e suas circunstâncias particulares; e o processo dispõe de técnicas avançadas e hábeis, em sua moderna versão instrumental. Claro está que o processo de conhecimento, porque visa à definição do direito, requer atos e ritos distintos daqueles exigidos para a execução, onde se cuida da realização coativa do direito declarado, assim como em relação ao processo cautelar, 23 DINAMARCO, Cândido Rangel. O Processo Civil na Reforma Constitucional do Poder Judiciário. Disponível em http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivoID_48.pdf, acesso em 10.02.2008. 7 que busca a segurança do interesse em lide. Há adequação teleológica também quando o procedimento é adaptado aos valores preponderantes em cada caso.24 Portanto, respeitados os princípios que norteiam o direito processual, mais especificamente o devido processo legal, atendido estará o preceito, posto que o conceito fluido que resulta do termo “razoável” melhor se coaduna com a sua adaptação ao cumprimento exato dos ritos processuais, sem dilações desnecessárias ou imprestáveis,25 revelando-se mais que o acesso à justiça, o acesso ao processo justo, resultado do qual às partes serão assegurados todos os meios de atuação previstos no ordenamento jurídico, hábeis à consecução do direito e ao amplo exercício da defesa, mantido o equilíbrio processual.26 Na prática, o tema tem sido aplicado de forma bastante moderada e, em regra, à luz das normas processuais. Ilustra o asserto a conduta do Superior Tribunal de Justiça, que proferiu interessante decisão onde afastou a forma em favor da celeridade, verificada a ausência de prejuízo: AUTORIDADE COATORA - INDICAÇÃO ERRÔNEA PRECEDENTES AFASTADOS NA ESPÉCIE - PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - PRAZO RAZOÁVEL - DIRETO FUNDAMENTAL O Magistrado deve velar pela rápida solução do litígio e buscar suprir entraves que contribuem para a morosidade processual e inviabilizam a prestação jurisdicional em prazo razoável. Na hipótese dos autos, em que houve indicação da Autoridade Coatora pelo Magistrado, o mandado de segurança não deve ser extinto sem julgamento do mérito. 24 Abordagem interessante do tema, por Fredie Didier Jr. (Sobre dois importantes (e esquecidos) princípios do processo: adequação e adaptabilidade do procedimento. Site: www.jusnavigandi.com.br), “Três são, basicamente, os critérios objetivos de que se vale o legislador para adequar a tutela jurisdicional pelo procedimento: um, a natureza do direito material, cuja importância e relevância impõem uma modalidade de tutela mais efetiva; o segundo, a forma como se apresenta o direito material no processo; o terceiro, a situação processual da urgência. São exemplos do primeiro critério as possessórias, os alimentos, a busca e apreensão em alienação fiduciária, a liminar em ação civil pública etc. Do segundo critério, exsurgem o mandado de segurança, ação monitória e a tutela antecipada genérica do art. 273, CPC, recentemente implementada no direito brasileiro. São exemplos de tutela de urgência os procedimentos especiais de alimentos, mandado de segurança preventivo etc. Imaginar, por exemplo, que o procedimento ordinário seria capaz de resolver os ingentes problemas da tutela dos direitos difusos é, no mínimo, demonstração de ingenuidade. O nosso código foi concebido para a tutela de direitos individuais ("Tício versus Caio", segundo expressão de Mancuso) e patrimoniais, tendo pouca utilidade para a tutela de direitos personalíssimos ou coletivos. Não por outro motivo que pulularam – e pululam – procedimentos especiais e alterações no rito comum, de modo a que melhor se declarem e efetivem estes direitos, antigamente órfãos da tutela adequada. 25 O Supremo Tribunal Federal decidiu a respeito que “o julgamento sem dilações indevidas constitui projeção do princípio do devido processo legal” (RTJ 187/933, rel. Min. Celso de Mello). 26 Por óbvio que o monopólio da jurisdição gera ao jurisdicionado o direito de servir-se do processo e, como na lição de Chiovenda, “a necessidade de servir-se do processo para obter razão não deve se reverter em dano para quem não pode ter o seu direito satisfeito senão mediante o processo” (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, v. I. Trad. da 2ª ed. por Paolo Capitanio, Bookseler, 1998, p. 199). 8 Os precedentes judiciais que, de forma reiterada, afirmam ser defeso ao juiz modificar a indicação da Autoridade Coatora, devem ter, na espécie, a aplicação afastada, sob pena de a prestação jurisdicional se fazer em desrespeito ao direito fundamental inserto no inc. LXXVII, do art. 5º, da Constituição da República.27 Essa conduta resulta, não isoladamente do direito à razoável duração do processo, mas da aplicação do princípio da proteção28 , de há muito admitido em nosso ordenamento e fartamente utilizado, resultado da correta interpretação do artigo 244 do diploma processual civil. OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA afirma que essa regra (CPC, art. 244) aplica-se inclusive às nulidades absolutas, pois o contrário somente se poderia concluir através de interpretação contrario sensu do dispositivo, o que considera inaceitável.29 HUMBERTO THEODORO JUNIOR também a respeito admite que “as nulidades, mesmo que absolutas, não escapam à incidência dos princípios da finalidade e do prejuízo”.30 TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER,31 em célebre monografia, afirma também que “parece-nos não ser exagero dizer que o sistema das 27 MS 9.526/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Rel. p/ Acórdão Ministro PAULO MEDINA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09.08.2006, DJ 12.03.2007 p. 197. 28 Adoção - Deferimento aos requerentes com conseqüente extinção do pátrio poder da genitora biológica Recurso da requerida - Busca a improcedência da inicial. O pedido inicial foi formulado diretamente pelos requerentes, que não possuem capacidade postulatória – Posteriormente, foi-lhes nomeado procurador, que ratificou os termos da inicial – Inexistência de prejuízo para a requerida, em vista, inclusive, dos termos da contestação, ou seja, houve observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa – Princípio da instrumentalidade das formas – Ausência de prejuízo e princípio da proteção integral afastam a possibilidade de pronunciamento de nulidade. Mérito – A pretensão da requerida não merece acolhida – Provas de ordem oral e técnica indicam a procedência da inicial como a solução que atende aos interesses da menor – Abandono material e moral caracterizado – Acompanhamento e orientação da genitora não apresentaram resultados positivos – Demonstrada a inexistência de vínculos afetivos entre a recorrente e a adotanda – Presentes os pressupostos ao deferimento da adoção – Medida atende aos superiores interesses da criança – apelo improvido. (APELAÇÃO CÍVEL n. 77.007.0/0-00, da Comarca de LARANJAL PAULISTA - Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - 28 de maio de 2001 - NUEVO CAMPOS - Relator (g.n.). 29 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Teoria Geral do Processo Civil. São Paulo: RT, 3ª ed., p. 235). 30 THEODORO Jr., Humberto. Processo de Conhecimento, 1981, p. 363. O Superior Tribunal de Justiça, em fundamentada decisão, também admite a convalidação das nulidades absolutas, em razão do princípio do prejuízo e da finalidade:PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DO REVISOR NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO. NULIDADE ABSOLUTA. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. 1. O defeito de forma só deve acarretar a anulação do ato processual impassível de ser aproveitado (art. 250 do CPC) e que, em princípio, cause prejuízo à defesa dos interesses das partes ou sacrifique os fins de justiça do processo. Consagração da máxima pas des nullité sans grief. 2. Deveras, informado que é o sistema processual pelo princípio da instrumentalidade das formas, somente a inutilidade que sacrifica os fins de justiça do processo deve ser declarada. 3. A doutrina e os tribunais, todavia, com todo acerto, desconsideram a aparente ressalva contida nas palavras sem cominação de nulidade, entendendo que, mesmo quando absoluta a nulidade e ainda quando esteja cominada pela lei, a radicalização das exigências formais seria tão irracional e contraproducente quanto em caso de nulidade relativa” (Cândido Rangel Dinamarco. In: “Instituições de Direito Processual Civil” v. II, 2002, Malheiros, p. 600-601). 4. As situações consolidadas pelo decurso de tempo devem ser respeitadas, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art. 462 do CPC. Teoria do fato consumado.Precedentes da Corte. 5. O estudante que, por força de decisão liminar, matriculou-se em instituição de ensino, e já concluiu o curso, tem o seu direito consolidado pelo decurso do tempo. Teoria do fato consumado.6. Recurso parcialmente provido para reconhecer a aplicação do art. 462, do CPC (REsp 532577/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04.11.2003, DJ 24.11.2003, p. 227). 31 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença. São Paulo: RT, 4ª ed, p. 196. 9 nulidades processuais no direito brasileiro gira em torno da lei e, fundamentalmente, do princípio do prejuízo, visto especialmente sob este aspecto de cerceamento de defesa”. Verifica-se com essa abordagem que o direito processual dispõe de instrumentos capazes de abreviar o tempo no processo, rejeitando idas e vindas desde que preservada a plena atuação do contraditório e do devido processo legal, o que, muito antes da “novidade” , já tinha vinha sendo operacionalizado, além de constantemente buscado nas sucessivas reformas.32 Equivocada, todavia, revelou-se a conduta do Judiciário na solução de lide onde foi concedido o direito à celeridade em razão única e exclusiva da demora na solução administrativa, sem perquirição dos requisitos legais necessários. Foi como decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em aresto que tomou a seguinte ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. REQUERIMENTO DE ANISTIA. PRAZO RAZOÁVEL PARA APRECIAÇÃO. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA. 1. A todos é assegurada a razoável duração do processo, segundo o princípio da eficiência, agora erigido ao status de garantia constitucional, não se podendo permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo. 2. A despeito do grande número de pedidos feitos ao Ministro da Justiça e dos membros da Comissão de Anistia, seu órgão de assessoramento, serem pro bono, aqueles que se consideram atingidos no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988, por motivação exclusivamente política, não podem ficar aguardando, indefinidamente, a apreciação do seu pedido, sem expectativa de solução num prazo razoável. 3. Ordem concedida.33 32 Em determinada oportunidade, o Ministro Celso de Mello, relator em mandado de injunção anotou em seu voto que “já existem em nosso sistema de direito positivo, ainda que de forma difusa, diversos mecanismos legais destinados a acelerar a prestação jurisdicional (CPC, art. 133,II e art. 198; LOMAN, art. 35,II, III e VI, art. 39, art. 44 e art. 49,II, v.g.) de modo a neutralizar, por parte dos magistrados e Tribunais, retardamentos abusivos ou dilações indevidas na resolução dos litígios. Não custa destacar, neste ponto, considerada a perspectiva ora em análise, a indiscutível importância que assume o reconhecimento, em favor dos cidadãos, do direito de ver julgados, em prazo razoável, sem demora excessiva ou dilações indevidas, os litígios submetidos à apreciação do Poder Judiciário”STF, MI 715/DF, Rel. Min. Celso de Mello, 25.02.2005. 33 MS 10.792/DF, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10.05.2006, DJ 21.08.2006, p. 228. 10 Por óbvio que, presentes os pressupostos à concessão da perseguida anistia, teria o demandante direito à sua imediata obtenção, porque não se admite, pena de negar vigência a dispositivo constitucional que outorga o acesso incondicionado à justiça, seja exigido o esgotamento da via administrativa, de sorte que o fundamento da decisão poderia – e deveria – ter sido única e exclusivamente a presença dos requisitos legais e não a demora na solução administrativa, revelando-se inadequada a base da decisão. A propósito, melhor decidiu o Tribunal Regional Federal, na voz da Relatora, ao decidir que “a mora administrativa não autoriza, por si só, o exercício pelo Poder Judiciário, de funções atribuídas à Administração Pública”, advertindo quanto o risco de ferimento a outro princípio, o da separação de Poderes.34 O mesmo comedimento não se verifica na seara criminal, onde a supremacia do direito à liberdade e a previsão legal expressa do tempo plausível (ainda que não peremptório) para o encerramento da instrução processual dão medida ao termo “razoável” que perde a fluidez que se verifica em outras áreas, impedindo análise subjetiva. Sob esse pálio, o Superior Tribunal de Justiça tem concedido ordem de habeas corpus com freqüência, ao argumento de que “a garantia da razoável duração do processo alcança o julgamento em caráter definitivo da causa, impondo-se, para a caracterização de sua violação, a análise da adequação, necessidade e proporcionalidade da restrição da liberdade”.35 Mas não será a existência de prazo na legislação infraconstitucional a regra capaz de conferir executoriedade ao direito fundamental ao tempo no processo. SAMUEL MIRANDA 34 AI 2005.02.01.008154-3, DJ de 2.12.2005, Rel. Des. Vera Lúcia Lima. HC 81.996/PE, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 29.11.2007, DJ 17.12.2007, p. 349. Ainda a propósito: HABEAS CORPUS. ROUBO. SIMULAÇÃO DE ARMA DE FOGO. PRISÃO PREVENTIVA.EXCESSO DE PRAZO CONFIGURADO (7 MESES). AUSÊNCIA DE COMPLEXIDADE DO FEITO. PROCESSO AGUARDANDO DILIGÊNCIAS PARA LOCALIZAÇÃO DO ENDEREÇO DAS VÍTIMAS. MODUS OPERANDI QUE NÃO JUSTIFICA, NA HIPÓTESE, A PRISÃO CAUTELAR. INEXISTÊNCIA DE PERIGO CONCRETO À INTEGRIDADE FÍSICA DOS OFENDIDOS. PACIENTE RECONHECIDAMENTE PRIMÁRIO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A concessão de Habeas Corpus em razão da configuração de excesso de prazo é medida de todo excepcional, somente admitida nos casos em que a dilação (1) seja decorrência exclusiva de diligências suscitadas pela acusação; (2) resulte da inércia do próprio aparato judicial, em obediência ao princípio da razoável duração do processo, previsto no art. 5o., LXXVIII da Constituição Federal; ou (3) implique ofensa ao princípio da razoabilidade. 2. O período de 81 dias, fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, não deve ser entendido como prazo peremptório, visto que subsiste apenas como referencial para verificação do excesso, de sorte que sua superação não implica necessariamente em constrangimento ilegal, podendo ser excedido com base em um juízo de razoabilidade; entretanto, na hipótese, a simplicidade do feito, que tem apenas um acusado, a desnecessidade de expedição de cartas precatórias, bem como a paralisação do processo apenas em razão de diligências do Juízo para a localização do endereço das vítimas, único obstáculo erigido para o alongamento da instrução criminal, implica ofensa ao art. 5º, LXXVIII da CF/88 e ao princípio da razoabilidade. 3. omissis.(HC 90.847/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 28.11.2007, DJ 17.12.2007, p. 282). 35 11 ARRUDA36 bem observa que “pode haver lesão à lei sem lesão à Constituição e lesão constitucional sem que tenha sido ultrapassado o prazo legal”, isso porque o critério do devido processo legal, que norteia a análise da razoabilidade, pode alargar ou diminuir os ritos, sempre à vista da adequação do instrumento ao direito material subjacente, tarefa não necessariamente decorrente dos termos legais, ou como ensina CARNELUTTI:37 “Se a justiça é segura, não é rápida; se é rápida, não é segura”. Portanto, melhor enfoque resulta da análise sistemática, capaz de dar razoabilidade à sua aplicação e, ao mesmo tempo, proporcionar a exegese abrangente do instituto, compreendido não como um direito isolado, mas resultado de toda a atuação constitucional no terreno do processo. CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA38 a respeito bem destacou que: “(...) o processo, na sua condição de autêntica ferramenta de natureza pública indispensável para a realização da justiça e da pacificação social, não pode ser compreendido como mera técnica, mas, sim, como instrumento para a realização de valores e especialmente valores constitucionais, impõe-se considerá-lo como direito constitucional aplicado. Nos dias atuais, cresce em significado a importância dessa concepção, se atentarmos para a íntima conexidade entre a jurisdição e o instrumento processual na aplicação e proteção dos direitos e garantias assegurados na Constituição. Aqui não se trata mais, bem entendido, de apenas conformar o processo às normas constitucionais, mas de empregá-las no próprio exercício da função jurisdicional, com reflexo direto no seu conteúdo, naquilo que é decidido pelo órgão judicial e na maneira como o processo é por ele conduzido”, revelando a preocupação com a leitura constitucional do processo, que tem pautado as recentes reformas. Nessa linha, são critérios capazes de dar molde à razoável duração do processo (i) a complexidade e natureza da causa e dos interesses envolvidos, que serão a medida da instrução e do devido processo legal; (ii) a atuação das partes, que deverá ser exigente e responsável na condução do processo, com a utilização de todos os meios disponíveis a dar efetividade ao direito imediato e (iii) da jurisdição, onde dispõe Estado-juiz de meios cada vez 36 Op. cit., p. 290. Dirito e Processo. Nápoli: Morano, 1958, p. 154. 38 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. Revista de Processo n. 113. SP-jan-fev 2004 – São Paulo: RT, p. 10 37 12 mais ampliados de dar efetividade às decisões judiciais e de punir as condutas procrastinatórias.39 Em célebre monografia, CAPELLETTI e GARTH40 que tratam do acesso à justiça, mencionam que a falta de atendimento da justiça num prazo “razoável” traduz uma justiça inacessível. A lição não pode ser entendida de modo isolado e vem ocupando o estudo do processo civil, revelando-se as recentes reformas como desdobramento da denominada “terceira onda” que rende ensejo a um novo “enfoque”, melhor abrangido na leitura proporcional dos ditames constitucionais. Não por outro motivo, o texto magno expressamente alia “a razoável duração do processo” aos “meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, de modo que o alcance da garantia será resultado da conjugação da tempestividade e do consagrado due process of law e não de um determinado tempo que seja aquilatado em um juízo aleatório e subjetivo, sem parâmetro legal. UADI LAMMÊGO BULOS41 menciona que “como se pode vislumbrar, o art. 5º., LXXVIII não consagra simples recomendação, sem maior vigor ou valimento, porque é uma “norma jurídica”, ou, como diria Hans Kelsen, uma norma jurídica não autônoma. Mas, como qualquer outra norma, é um ato de vontade, emanada do poder competente. Trata-se de uma norma superior, dotada de um mínimo de eficácia (mera possibilidade de a norma poder ser, ao mesmo tempo, aplicada, ou não, obedecida, ou não)”. A virtude da ascensão constitucional do tema, que não tem a cor da novidade, reside mais na inspiração que trouxe às reformas do processo, todas visando a efetividade e a aceleração de ritos, como por exemplo a adoção do sincretismo processual; a simplificação da atuação da fase executiva, com a adoção da não-suspensividade como regra e assim por diante, além das demais iniciativas legislativas que se encontram em andamento, considerado que o preceito já se encontrava implicitamente abrangido pela garantia de acesso ao Judiciário. Portanto, ao invocar o direito fundamental à “razoável duração do processo”, deverá o jurisdicionado utilizar-se dos meios disponíveis e aptos a dar efetividade à aceleração de ritos 39 Freqüentemente tem sido aplicada a multa a que se refere o parágrafo 2º do artigo 557 do CPC, ao recorrente que pretenda veicular pretensão manifestamente improcedente, com intuito evidentemente procrastinatório, contra decisão emitida pelo juízo singular, decorrência da ampliação dos poderes do relator. 40 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. 41 BULOS, Uadi Lammêgo. Razoável Duração do Processo. In: www.saraivajur.com.br, acesso em 10.2.2008 – g.n. 13 e à obediência das formas indispensáveis, sendo essa a ferramenta apta à aplicação da nova regra constitucional , sob o molde do due process of law. LUIZ RODRIGUES WAMBIER42 reforça esse argumento ao mencionar que: “(...) a verdade por todos admitida é que o reconhecimento de direitos, tidos como fundamentais, no plano constitucional, cairia no vazio se a seu lado não houvesse, também, a previsão de um conjunto de instrumentos eficazes para a sua própria e efetiva realização, ou seja, é preciso que ao lado do reconhecimento dos direitos prevejam-se também os mecanismos para que eventual desrespeito seja afastado e esses direitos “existam” na vida da sociedade, não apenas formalmente”. Em conclusão, pode-se dar colorido cético ao retrato aqui figurado, posto que não traduz nenhuma solução mágica como a sugerida por quem empreste ao texto constitucional exegese revolucionária, mas não se trata de concluir pela inoperância do direito erigido a garantia constitucional, mas dar-lhe ares de realidade, revelando as vertentes de sua operacionalização, hábeis a colocar em equilíbrio a efetividade e a garantia da observância do devido processo legal. No mais, cabe à administração do Judiciário a árdua tarefa de localizar as causas internas de enredo das demandas judiciais, eliminar as etapas “mortas” do processo, enfim, modernizar o aparelho, pois não há na seara do Legislativo aptidão para, pelo meio normativo, ainda que com autoridade constitucional, reduzir o tempo no processo ou o volume de demandas que hoje atulham os escaninhos. MURITIBA,43 muito oportuno anota que “a sociedade pós-moderna exige resultados rápidos. O próprio direito subjetivo é um fenômeno efêmero, capaz de perder a sua significância se a tutela jurisdicional for postergada”. CONCLUSÕES 1) A razoável duração do processo, alçada a nível constitucional pela Emenda Constitucional 45, não surgiu como novidade no sistema pátrio, não só porque revelase como resultado do principio da inafastabilidade da jurisdição na concepção que se coloca, como também porque já encontrava previsão na Convenção Européia para 42 WAMBIER, Luiz Rodrigues. A efetividade do processo e a nova regra do art. 14 do CPC. In: CALMON, Eliana & BULOS, Uadi Lammêgo, Direito Processual – Inovações e perspectivas. São Paulo: Saraiva, p. 357. 43 MURITIBA, Sérgio. Ação Executiva Lato Sensu e Mandamental. São Paulo: RT, 2005, p. 106. 14 Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita em 4.11.1950 sob a égide do qual sobreveio o Pacto de San Juan da Costa Rica, incorporado ao direito pátrio pelo Decreto 678, de 6.11.1992; 2) Respeitados os princípios que norteiam o direito processual, mais especificamente o devido processo legal, atendido estará o preceito, posto que o conceito fluido que resulta do termo “razoável” melhor se coaduna com a sua adaptação ao cumprimento exato dos ritos processuais, sem dilações desnecessárias ou imprestáveis, revelando-se mais que o acesso à justiça, o acesso ao processo justo, resultado do qual às partes serão assegurados todos os meios de atuação previstos no ordenamento jurídico, hábeis à consecução do direito e ao amplo exercício da defesa, mantido o equilíbrio processual. 3) “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º., inc. LXXVIII). PRAZO RAZOÁVEL, na melhor exegese do dispositivo, significa a disponibilidade, ao jurisdicionado, de todos os meios previstos em nosso ordenamento, hábeis à prestação jurisdicional tempestiva. E o próprio ordenamento jurídico contempla ferramentas capazes de fazer valer tais instrumentos. 4) O conceito de razoável duração do processo tem portanto esse sentido instrumental e não alberga a responsabilidade do Estado. A licitude que rende ensejo à responsabilidade objetiva do Estado, resultante do risco da atividade administrativa não se coaduna com a responsabilidade por conduta omissiva, que pressupõe culpa (rectius ilícito). Nesse espectro, diante do vago conceito de “razoável duração”, ficaria difícil, senão impossível, localizar o ilícito de modo concreto a ponto de erigi-lo a um dever legal cuja omissão no cumprimento poderia deflagrar o direito reparatório contra o Estado, no caso de ofensa ao princípio da razoável duração do processo. São taxativas as hipóteses de responsabilidade estatal, decorrentes da atuação judicial, nos moldes legais, sendo descabido perquirir acerca do tema à margem desse elenco. 15