O FGTS TRAZ BENEFÍCIOS PARA O TRABALHADOR? FERNANDO B. MENEGUIN1 O FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, regido
pela Lei nº 8.036, de 11/05/90, foi instituído, em 1966, em substituição à
estabilidade
no
emprego,
direito
restrito
aos
trabalhadores
que
permaneciam mais de dez anos na mesma empresa. É por isso que seu
objetivo estrito é prover o trabalhador de uma poupança em caso de
desemprego; embora, desde sua instituição, também tenha sido muito
utilizado na aquisição da casa própria.
Conforme a legislação em vigor, os empregadores depositam,
em contas abertas na CAIXA, em nome dos seus empregados e vinculadas
ao contrato de trabalho, o valor correspondente a 8% do salário de cada
funcionário.
Tais recursos, além de configurarem uma poupança do
trabalhador, constituem os pilares básicos da política habitacional, de
saneamento básico e de infraestrutura urbana do Estado, em especial no
caso da habitação popular.
Conforme o Orçamento Financeiro, Operacional e Econômico
do FGTS, para o exercício de 2012, de um total de R$ 44 bilhões, estão
previstos para serem utilizados em habitação popular R$ 26 bilhões (59%
do total), incluindo o Programa “Minha Casa Minha Vida”.
Assim, na concepção original do Fundo, fica fácil perceber o
caráter social duplo do FGTS: patrimônio do trabalhador para fazer face ao
desemprego e principal fonte de financiamento da política habitacional, de
saneamento básico e de infraestrutura urbana brasileira.
1
Doutor em Economia. Mestre em Economia do Setor Público. Editor do Brasil, Economia e Governo.
O que se pretende neste texto é analisar se realmente o FGTS
traz vantagens ao trabalhador ou se ele cria custos que oneram o trabalho e
a renda do empregado.
O primeiro problema que se vislumbra é o baixo rendimento
do FGTS. A remuneração das contas vinculadas do Fundo corresponde à
Taxa Referencial de Juros (TR) mais juros de 3% ao ano, ou seja, menos do
que rende a Caderneta de Poupança, pois esta remunera seus aplicadores
com TR mais 6% ao ano. Isso torna o FGTS um dos investimentos com a
mais baixa remuneração do mercado financeiro brasileiro.
O risco dessa aplicação é nulo, pois os saldos das contas
vinculadas estão garantidos e protegidos por lei, sendo o risco de crédito
integralmente assumido pela CAIXA. As aplicações no FGTS diferem,
portanto, dos investimentos no mercado financeiro, onde o risco é todo do
aplicador de recursos. Ainda assim, não é justo impor ao trabalhador uma
aplicação que renda menos do que a inflação, conforme ilustrado pela
tabela abaixo.
Rendimento do FGTS X IPCA (2000-2011)
Rendimento
FGTS
Anos
(TR + 3% a.a.)
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Fonte: TR e IPCA - IPEADATA
IPCA
(% anual)
(% anual)
5,14
5,33
5,85
7,69
4,86
5,88
5,08
4,45
4,65
3,64
3,71
4,13
5,97
7,67
12,53
9,30
7,60
5,69
3,14
4,46
5,90
4,31
5,91
6,50
Pelos números acima, verifica-se que a remuneração total do
FGTS ficou bem aquém da inflação do período, ou seja, com o tempo, os
depósitos estão perdendo seu poder de compra. Se acumularmos as taxas
mostradas na tabela, o FGTS acumulou rentabilidade de 80%, enquanto a
inflação foi de 114%.
Do modo como o Fundo está equacionado, vários incentivos
adversos foram criados. Como a remuneração do FGTS é baixa para o
empregado e é um custo para o empregador, isso incentiva a informalidade.
Os empregados e os empregadores preferem contratos informais nos quais
estes pagam diretamente àqueles. Também há o caso em que a
informalidade pode não ser completa: é comum haver contratos registrados
em carteira, mas especificando uma remuneração menor do que a
efetivamente paga.
Outra distorção vem do fato de que o empregado formal irá
buscar uma forma de sacar seus recursos depositados na conta vinculada o
mais rápido possível, para evitar sua corrosão pela inflação. Uma maneira é
provocar sua demissão, de forma a se apoderar do dinheiro (principalmente
em épocas de crescimento econômico, em que o mercado de trabalho fica
aquecido). Outra pode ser adquirir imóveis, mesmo que não seja aquele que
o trabalhador adquiriria caso dispusesse dos recursos em outra aplicação.
Com essa característica do Fundo, patrões e empregados não
esperam que os contratos durem muito tempo. A consequência é uma alta
rotatividade no mercado de trabalho. Se a expectativa é ter uma força de
trabalho renovada constantemente, há menos incentivos para investir no
treinamento individual dos trabalhadores, diminuindo o investimento em
capital humano, o que certamente prejudica a produtividade da economia,
reduzindo o potencial de crescimento econômico.
A pergunta óbvia que surge é: por que não se aumenta a
remuneração do FGTS, de forma a torná-lo pelo menos tão atraente quanto
a Caderneta de Poupança?
O óbice em se aumentar a remuneração do FGTS consiste no
fato de que isso rebaterá, necessariamente, no encarecimento dos
empréstimos para compra da casa própria, por parte das classes menos
favorecidas de nossa sociedade.
Mas então, outra pergunta vem à tona: cabe ao trabalhador,
com seus recursos, fornecer subsídios para o sistema financeiro de
habitação e para as obras de infraestrutura urbana?
A carga tributária brasileira figura entre as mais altas do
mundo (34% do PIB). Se o governo quer financiar a habitação popular, que
o faça com recursos previstos no orçamento, que passaram pela aprovação
indireta da sociedade, via discussão no Congresso Nacional. Hoje, a
legislação em vigor obriga o empregado a deixar seu recurso aplicado no
FGTS, recebendo uma remuneração baixa por isso, de forma que o governo
possa emprestar recursos para a aquisição da casa própria com juros aquém
dos praticados pelo mercado.
Outra questão correlata é que uma baixa taxa de juros cobrada
de um trabalhador de baixa renda em um financiamento habitacional não
necessariamente será um benefício para este trabalhador. Se esse sistema de
crédito subsidiado gerar um grande aumento na demanda por habitações
populares (como de fato ocorreu após o lançamento do programa “Minha
Casa Minha Vida”), o preço dessas habitações vai subir. Isso significa que
o subsídio acaba sendo apropriado pelas empresas que constroem e vendem
tais habitações, sob a forma de maior margem de lucro (a esse respeito, ver
neste site o texto: A isenção do imposto de renda na poupança é um
subsídio justo e eficiente?)
Sabe-se da teoria econômica tradicional que a tributação sobre
a folha de pagamentos gera ineficiências e desemprego, pois eleva o custo
do trabalho. O FGTS funciona como um tributo que encarece o salário
pago pelo empregador, mas que vai diminuir o salário líquido recebido pelo
empregado.
Se não houvesse o FGTS, o salário efetivamente percebido
pelo trabalhador poderia ser maior e, em vez de ele ser obrigado a manter
seu dinheiro no Fundo, poderia utilizar o dinheiro da forma que melhor lhe
aprouvesse, inclusive escolhendo uma aplicação financeira mais rentável.
Se fosse dada a opção para os trabalhadores, muitos prefeririam receber
menos que os 8% pagos pelos empregadores, se pudessem aplicar
livremente os recursos.
Destaque-se que a própria ideia de poupança compulsória não
se justifica. A melhor pessoa para decidir quanto, como e se vai poupar é o
próprio trabalhador. Talvez na época em que o FGTS foi criado, quando
havia poucos instrumentos financeiros disponíveis, a ideia de poupança
compulsória poderia fazer algum sentido. Atualmente, contudo, o acesso ao
sistema financeiro é muito maior, de forma que o indivíduo pode formar a
própria poupança, escolhendo a composição de rentabilidade/risco que
mais lhe convier. Alternativamente, em caso de queda na renda, pode-se
buscar crédito, seja no sistema financeiro formal (embora as taxas de juros
sejam muito elevadas, especialmente para quem está desempregado) ou em
redes informais, entre amigos.
Há quem argumente que, dado os baixos salários no Brasil, a
única poupança possível é a poupança forçada. Há vários problemas com
esse argumento. O primeiro é a violação ao direito soberano que o
indivíduo deve ter de poupar ou não. O segundo é que, mesmo com baixos
salários, é possível poupar. Milhões de brasileiros trabalham por conta
própria e em atividades sazonais (como agricultura, turismo, construção
civil ou mesmo diaristas), não recebem FGTS, e ainda assim conseguem
sobreviver nos períodos de baixa (ou de total ausência de) demanda por
trabalho. Um indicativo de que os pobres poupam é que 75% das contas de
caderneta de poupança (em torno de 45 milhões de contas) possuem saldo
inferior a R$ 1 mil. Certamente, se os trabalhadores dispusessem dos
recursos do FGTS, esse saldo seria maior.
Atualmente o Congresso Nacional discute uma revisão da
legislação do FGTS. Talvez a melhor forma de se obter ganhos de bem
estar para a sociedade e para o trabalhador, em vez de reformar o Fundo,
seja simplesmente extingui-lo.
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