7o\^ Z Nota sobre a aima Tanto na linguagem comum quanto nas grandes tradiçôes humanistas, a palavra aima, em hebraico nèphèd, significa o sopro quemora no ser vivo; falase entâo do sopro de vida. Na hora da morte, a aima, o sopro de vida, abandona quem expira. Na filosofia, a palavra latina anima, em portugués aima, désigna habitualmente um dos dois componentes (ou princîpios) do ser humano. A aima é o componente graças ao quai o homem pode sentir e pensar. O outro componente (ou princîpio) é o componente material, isto é o corpo. O corpo é animado pela aima. A aima anima a matéria, isto é lhe dâ vida. Em poucas palavras, a aima e o corpo compôem o ser vivo. Tal é o caso do homem, composto de dois princîpios. Aristôteles, tido como um dos maiores filôsofos da histôria, considerava, sim, que o homem é composto dos dois princîpios corpo-alma, sôma-psychè. Mas nâo enxergava que o homem nâo é apenas um ser vivo como os animais. Para ele, corpo e aima sâo inseparâveis; portanto, quando o corpo perece, a aima tambem perece. Acontece que os filôsofos ulteriores bem como os teôlogos cristàos esforçam-se em mostrar que a aima do ser humano nao esta totalmente vinculada ao corpo. Os dois, corpo e aima, nâo sao ensamblados ou por assim dizer imbutidos. A aima humana nâo se pode reduzir a um princîpio ou componente que animaria e organizaria a matéria. A aima humana é um princîpio superior, espiritual, que permite ao homem exercer atividades superiores as quais os animais nâo têm acesso. A aima permite entâo ao homem abrir-se a conhecimentos inesperados, distinguir o bem do mal, exercer sua vontade livre, realizar atividades complexas. Os filôsofos materialistas duvidam ou negam que a aima humana exista porque nâo se vê; o homem séria um ser puramente materiaL De fato a aima humana é espiritual; e por isto nâo podemos vê-la. Porém qualquer um pode perceber açôes que delà procedem: descobertas de verdades, reconhecimento de seres semelhantes, compreensâo de fenômenos até agora nâo explicados, abertura a verdades antes consideradas como inaccessiveis. Cabe acrescentar que a maioria dos filôsofos concordam em afirmar que a morte é a separaçâo dos dois componentes, corpo e aima. Emuitos homens consideram que a ressurreiçâo sera a volta da aima num corpo transfigurado. Eis o que escreve Sâo Paulo a respeito: "Cristo transhgurarâ o nosso pobre corpo, conformando-o ao seu corpo glorioso, com aquela energia que o torna capaz de a si mesmo sujeitar todas as coisas." (Carta aos Filipenses, 3, 21). O Catecismo da Igreja commenta est texto dizendo: "Deus, na sua omnipotência, restituirâ definitivamente a vida incorruptîvel aos nossos corpos, unindo-os as nossas aimas pela virtude daressurreiçâo de Jésus." (n° 997). Outros caminhos se oferecem a quem quiser progredir na descoberta do mistério da aima humana. Nâo é raro que artistas de diversas disciplinas nos ofereçam, com a sua linguagem prôpria, luzes inesperadas que nos dâo acesso a este mistério. Podem ser mencionados aqui dois exemplos contemporâneos. Através da sua pintura, Chagal (1887-1985) entre-abre uma cortina que nos dâ por assim dizer uma pré-visâo do que serào as "aimas glorificadas" das quais fala Sâo Paulo. Vejam-se entre muitas obras La création du monde (Nice) ou as suas ilustraçôes de La Bible (1960). Através da sua linguagem, amûsica, Olivier Messiaen (1908-1992) parece associar-nos jâ ao coro dos anjos,em obras como Les corps glorieux (1939) ou Éclairs sur VAu-delà (1987). A estas reflexôes, a tradiçâo bîblica aporta uma contribuiçào mais audaz e ampla do que a que encontramos na nlosofia grega classica. A palavra hebrâica nèphèd, traduzida em grego pela palavra psyché e em latim pela palavra aima, é bem mais rica do que estas. Nèphèd signihca o sopro, a vida, o homem vivo, a pessoa. O homem é ser vivo porque Deus, ser espiritual por excelência, Ihe insuflou o seu sopro divino nas narinas. A mensagem da Bîblia a respeito da aima desemboca assim numa mensagem de esperança. De fato, Deus que suscitou o sopro de vida na matéria para que o homem viva, poderâ res-suscitar nova vida aos corpos que a morte tivesse separado da aima humana. Jésus é o primeiro ser humano a viver esta passagem. Se incarnou num corpo humano, foi morto e ressuscitou, ressurgiu. O seu nascimento, sua morte e sua ressureiçâo justificam a esperançana nossa prôpria ressurreiçâo. Num hino do século XI, utilizado até hoje na liturgia da Pâscoa, encontramos uma chave de ouro para esta misteriosa histôria da aima humana, da nossa aima: Mors et vita duello conflixére mirando: Dux vitae mortuus régnât mous. A morte e a vida lutaram num duelo espantoso: o autor da vida estava morto; eis que vive e reina. Fontes de base: Xavier Léon-Dufour, Dictionnaire du Nouveau Testament, Ed. LeSeuil, Paris, 1975 ;Catecismo da Igreja catôlica, n° 997. Michel Schooyans <http://www.michel-5Chooyans.org>